RECTIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS
ERRO DE JULGAMENTO
ERRO DE ESCRITA
LAPSO MANIFESTO
Sumário


I - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa – n.º 1 do art. 613.º do CPC.
II – Contudo, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, os erros materiais - erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a lapso manifesto - podem ser corrigidos, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.  
III - Não há que confundir o erro material da decisão com o erro de julgamento: naquele, o juiz escreveu coisa diversa da que queria escrever, não coincidindo o teor da sentença ou despacho, do que que se escreveu, com o que o juiz tinha em mente exarar (quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real); neste, o juiz disse o que queria dizer, mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra factos apurados.
IV - Erro material ou lapso é a inexactidão ou omissão verificada em circunstâncias tais que é patente, através dos outros elementos da sentença ou até do processo, a discrepância com os dados verdadeiros e se pode presumir por isso uma divergência entre a vontade real do juiz e o que ficou escrito.
V – A admissibilidade de requerer rectificações explica-se por se tratar de alterações materiais que não modificam o que ficou decidido.

Texto Integral




Proc.º nº 6947/19.3T8LSB.L1.S1

4ª Secção

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I
1. Relatório

1. Nos autos à margem referenciados em que é recorrente AA e recorridas “SPDH - SERVIÇOS PORTUGUESES DE HANDLING, S.A.” e outras foi, por este Supremo Tribunal de Justiça proferido acórdão em 17 de Março de 2022, no qual se decidiu:
“ (…) negar a revista na parte reportada ao acórdão recorrido que incidiu sobre e modificabilidade da decisão em matéria de facto.

Estabelecida a dupla conformidade os autos serão apresentados oportunamente à Formação prevista no artigo 672º, nº 3, do Código de Processo Civil, para verificação dos fundamentos da revista exceciopnal que foram invocados pelo recorrente”.

2. No ponto 5 do relatório desse acórdão afirma-se que “as recorridas não apresentaram contra-alegações”.

3. Notificada do acórdão veio a recorrida “SPDH - SERVIÇOS PORTUGUESES DE HANDLING, S.A.” requerer a rectificação, de conformidade com o disposto nos artigos 613º e 614º do Código de Processo Civil, desse ponto do acórdão, por enfermar de lapso uma vez que foram por si apresentadas contra-alegações em 25.10.2021.

Cumpre apreciar e decidir.

II

2. Fundamentação
Como decorre do artigo 613.º do CPC, aplicável aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça nos termos das disposições conjugadas dos artigos 679º, nº 1, e 666º, nº 1, do Código de Processo Civil, “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”
Contudo, nos termos do nº 2 do mesmo preceito “é lícito (…) ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes”, possibilidade que o nº 3 desse normativo estende, com as necessárias adaptações, aos despachos.
O artigo 614º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Rectificação de erros materiais”, dispõe o seguinte:

1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.

2 - Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação.

3 - Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo”.

A admissibilidade de rectificações aí contemplada explica-se por se tratar de alterações materiais que não modificam o que ficou decidido. Na verdade,
No ensinamento do Professor Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, 1969, II, 313:

“Erro material ou lapso é a inexactidão ou omissão verificada em circunstâncias tais que é patente, através dos outros elementos da sentença ou até do processo, a discrepância com os dados verdadeiros e se pode presumir por isso uma divergência entre a vontade real do juiz e o que ficou escrito”

No mesmo sentido, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 14.3.2006, Procº 05B3878, que lapso manifesto é, em princípio, aquele que de imediato resulta do próprio teor da decisão ou, no caso de elementos inconsiderados, que de modo flagrante e sem necessidade de elaboradas demonstrações, logo revelem que só por si a decisão teria de ser diferente da que foi proferida.

Como tem sido afirmado inúmeras vezes por este Supremo Tribunal, na esteira do ensinamento de Alberto dos Reis, Direito Processual Civil, Vol II, pág. 377,  não há que confundir o erro material da decisão com o erro de julgamento: naquele, o juiz escreveu coisa diversa da que queria escrever, não coincidindo o teor da sentença ou despacho, do que que se escreveu, com o que o juiz tinha em mente exarar (quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real); neste, o juiz disse o que queria dizer, mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra factos apurados.

É um lapso material que vem apontado pela recorrida e ora requerente “SPDH - SERVIÇOS PORTUGUESES DE HANDLING, S.A.”, invocando a desconformidade com a realidade entre o que se afirmou no ponto 5 do relatório, onde se escreveu que as recorridas não apresentaram contra-alegações, e a realidade, por, contrariamente ao aí afirmado, ter apresentado contra-alegações.

Tem inteira razão a recorrida. As suas contra-alegações encontram-se juntas a fls. 676 e seguintes do processo físico. Não tendo as mesmas passado despercebidas à relatora, só por involuntário lapso se escreveu no referido ponto do relatório do acórdão coisa diferente, que as recorridas não tinham apresentado contra-alegações, quando os elementos dos autos evidenciam, de modo flagrante e sem necessidade de elaboradas considerações, que a recorrida apresentou contra-alegações.

Em suma, que as contra-alegações da recorrida foram apresentadas, encontrando-se juntas aos autos, é um facto que a consulta dos mesmos evidencia, impondo-se, assim, deferir a requerida rectificação.

III

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em deferir o pedido de rectificação, corrigindo-se o lapso material constante do ponto 5 do relatório do acórdão, pelo que, em substituição do que nele se refere “As recorridas não apresentaram contra-alegações”, passará a constar “A recorrida “SPDH - SERVIÇOS PORTUGUESES DE HANDLING, S.A.” apresentou contra-alegações”.

Sem custas.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 11 de Maio de 2022

Leonor Cruz Rodrigues (Relatora)

Pedro Branquinho Dias

Ramalho Pinto