OPOSIÇÃO À PENHORA
FUNDAMENTOS
Sumário


1 – A enumeração dos fundamentos do incidente de oposição à penhora descriminados nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 784.º do CPC tem natureza taxativa, dada a especificidade do procedimento em questão.
2 – Tratando-se de simples inexactidões no registo da penhora ou no auto da penhora, estas não constituem fundamento para a oposição à própria penhora.
(Sumário pelo Relator)

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – Por apenso à execução que lhe foi instaurada por V. e M.G. (entretanto falecida) a executada C.R. deduziu incidente de oposição à penhora, ao abrigo do disposto nos artigos 784º e 785º do C.P.C.
Alegou em resumo o seguinte:
A penhora do imóvel em causa encontra-se ilegalmente feita por dela constar o nome de uma falecida (a exequente) quando em momento anterior ocorreu habilitação judicial de herdeiros, tendo ali sido habilitados o seu marido e filhos.
Uma vez que os co-executados eram ambos solteiros quando compraram o prédio penhorado, a cada um deles pertence metade do prédio e não todo, pelo que devem fazer-se duas penhoras e não só uma.
No campo 14 do auto de penhora consta que o valor atribuído ao bem é de 0,00 €, o que não corresponde aos elementos fornecidos pelo serviço de finanças através do valor patrimonial.
O valor do bem é substancialmente mais elevado que o valor do débito, nunca inferior a €200.000 pelo que deve a Ex.ma Senhora Agente de Execução prescindir de continuar a penhorar outros bens na medida em que o valor deste é mais do que suficiente para pagar a quantia exequenda.

*
II – Prosseguindo os autos, foi proferido saneador-sentença que julgou improcedente a oposição deduzida.
*
III – Contra o decidido, reagiu a executada/oponente C.R. através do presente recurso de apelação, que apresenta as seguintes conclusões:
“1ª – A douta Decisão violou a alínea a), do nº. 1, do artigo 269º. e artigo 270º. do C.P.C. ao ter deferido acto praticado por agente de execução, de penhora, em nome de exequente nos autos principais que já faleceu.
2ª – Com efeito, M.G., faleceu na pendência do processo executivo, tendo ali corrido incidente de habilitação de herdeiros e ali se identificado quem são os seus sucessores legais, tudo do conhecimento da senhora agente de execução.
3ª – Não se pode admitir que seja levada a cabo uma penhora em nome de pessoa / parte que já faleceu.
4ª–O prédio penhorado foi adquirido pela executada C.R. e pelo executado M.A.M.G., ambos no estado de solteiros, maiores, constando da caderneta predial a aquisição de metade a favor de cada um deles.
5ª. – Por força do registo, resulta que essa proporção de lá não consta, mas a forma de aquisição ter sido por compra, a aquisição não é comum e sem determinação de parte ou direito, conforme se diz no ponto 6. da douta Sentença.
6ª. – Por conseguinte, deveriam ter sido feitas duas penhoras, da ½ correspondente ao direito da executada e de ½ do direito correspondente ao executado.
7ª. – Revogando-se a presente Decisão, voltando os presentes autos ao Tribunal de 1ª. Instância para as correcções que aqui se preconizam, estarão, Vexas., Exmos. Senhores Juízes Desembargadores a fazer a costumada Boa Justiça”.
*
IV – Não foram apresentadas respostas às alegações de recurso.
*
V – Tendo presente que o objecto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (cfr. arts. 635º, n.º 3 e 639º, n.ºs 1 e 2 do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, a questão a decidir concretiza-se em julgar se as razões expostas pela recorrente deveriam conduzir à procedência da sua oposição à penhora.
*
VI – A sentença recorrida consignou que estavam provados os seguintes factos com interesse para a decisão proferida:
1. Em 01/09/2020 foi penhorado o seguinte imóvel: “Prédio rústico denominado (…), sito em Santa Maria de Marvão, inscrito na matriz sob o artigo (…) da secção (…), da freguesia de Santa Maria de Marvão, concelho de Marvão, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (…)da mencionada freguesia e concelho”, conforme auto constante nos autos principais (refª 1662824), registada pela Ap. (…).
2. No referido auto consta como exequente M.G..
3. No referido auto, no quadro referente ao valor do prédio nada consta e no quadro referente ao total das verbas penhoradas consta “0,0”
3. A execução foi intentada por M.G. e V. contra M.A.M.G. e C.R..
4. M.G. faleceu em 14.03.2017, no estado de casada com V..
5. Por decisão proferida em 26/09/2019 foram V., M.A.M.G. e P.A.M.G., habilitados a prosseguir os termos da causa principal em substituição de M.G..
6. O prédio penhorado tem a sua propriedade registada a favor dos executados C.R. e M.A.M.G., por compra, registada pela Ap. (…), sem determinação de parte ou direito.
*
VII - Importa antes de mais recordar os fundamentos de oposição à penhora, elencados no arts. 784º do Código de Processo Civil, invocado expressamente pela oponente.
O artigo referido tem o seguinte teor:
“1 - Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
2 - Quando a oposição se funde na existência de patrimónios separados, deve o executado indicar logo os bens, integrados no património autónomo que responde pela dívida exequenda, que tenha em seu poder e estejam sujeitos à penhora.”
Em face da disposição transcrita e confrontada esta com o requerimento de oposição da executada logo se constata que não estamos perante nenhum dos fundamentos legais possíveis para a oposição deduzida.
A argumentação da recorrente tendente a demonstrar que deviam ser feitas duas penhoras, sobre ½ indiviso do prédio em causa, poderia entender-se que pretende invocar a impenhorabilidade do prédio penhorado; mas tal alegação não tem qualquer fundamento, o que foi indicado à penhora e foi realmente penhorado foi um prédio pertencente aos dois executados C.R. e M.A.M.G., que o adquiriram por compra, sendo igual o direito de ambos sobre o imóvel (o que resultaria mesmo do art. 1403º do Código Civil, segundo o qual as quotas dos comproprietários presumem-se quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo).
Ou seja, a penhora recaiu sobre o imóvel dos executados, e assim teria que ser; não podia recair sobre o direito indiviso de cada um deles a metade do imóvel, como aconteceria se só um deles fosse executado.
Portanto, mesmo nesta perspectiva os fundamentos da oposição deduzida não se coadunam com os fundamentos legalmente previstos para tal.
E assim sendo era forçoso concluir pela improcedência da oposição, tal como foi decidido.
Com efeito, não sendo a matéria factual invocada pelo apelante passível de integrar a previsão das alíneas acima reproduzidas tal circunstância condena irremediavelmente a pretensão, dada a natureza taxativa dessa previsão legal.
A este respeito remetemos para o Acórdão desta mesma Relação de Évora de 11-11-2021, no processo n.º 207/13.0TBSTR-B.E1, em que foi relator José António Moita, e que se encontra acessível em www.dgsi.pt:
“1- Em face da especificidade do procedimento em questão, entende-se pacificamente como sendo taxativa a enumeração dos fundamentos do incidente de oposição à penhora descriminados nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 784.º do CPC.”
A permanência da indicação como exequente daquela que o foi originariamente e entretanto faleceu (a execução prossegue com os seus sucessores devidamente habilitados) ou o lapso na falta de indicação do valor do imóvel constituem simples inexactidões, no registo ou no auto de penhora, que não constituem fundamento para oposição à própria penhora.
Ou seja, a oponente invocou apenas como fundamento para a oposição à penhora circunstâncias que são insusceptíveis de fundamentar essa oposição; mas diga-se, ainda, pese embora não releve para o caso, que não ocorreu nenhuma violação ao disposto nos artigos 269º e 270º do C.P.C, relativos à suspensão da instância por falecimento da parte, como começa por referir nas suas conclusões.
A própria recorrente narra nas suas próprias alegações que no momento e no local próprios foram respeitadas as formalidades legais resultantes do falecimento da exequente inicial, estando devidamente habilitados os sucessores.
Tudo o que a recorrente alega para fundamentar a sua oposição à penhora são o que aponta como deficiências que nota no auto de penhora e no seu registo.
Ora a realização da penhora (pelo agente de execução) e o seu respectivo registo (a pedido de mesmo, por via electrónica) regem-se agora pelo art. 755º do CPC vigente, de onde resulta também, necessariamente, que havendo necessidade de alguma correcção, no auto ou no registo, esta terá que ser feita em sede própria; tal como acontece com o registo da própria penhora também a sua eventual correcção só pode ser feita, se admissível, no próprio Registo Predial a pedido do aludido agente de execução (princípio da instância).
Mas as eventuais inexactidões têm que ser conhecidas e reconhecidas no processo de execução, não constituindo fundamento para a oposição à própria execução.
Nestes termos, resta-nos confirmar a decisão em causa, julgando totalmente improcedente o recurso em apreço.
*
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante (cfr. art. 527º, n.º 1, do CPC).
*
*
Évora, 12 de Maio de 2022
José Lúcio
Manuel Bargado
Francisco Xavier