- Tratando-se de pretensão do credor contra o avalista do emitente da livrança aplica-se o prazo de prescrição que valer para o avalizado, ou seja, três anos a contar do vencimento, como cominado pelo art. 70º, I, LU
- O prazo de prescrição interrompe-se pela citação e, em consequência da interrupção o tempo decorrido fica inutilizado (artºs 323º,1 e 326º,1 CC)
- Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (art. 327º,1 CC)
- A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, e constar da livrança o valor vencido, não altera o enquadramento em termos da prescrição, hipótese apenas concebível quando invocada a relação subjacente e não a relação cambiária.
(Sumário pela Relatora)
Nos presentes autos de embargos de executado deduzidos em 11/03/2021 são embargantes L… residente em… Aveiro e A… residente em… Vila Nova de Milfontes e, embargada LX Investment Partners II SARL, com sede na Avenida da Liberdade, n.º 110, 5º andar, Lisboa.
Fundamentam os embargos/oposição no seguinte:
Foram notificadas por ofício de 25/02/2021 da decisão do agente de execução de renovar a instância executiva, ao abrigo do disposto no art. 850º CPC. Sucede que a execução foi instaurada com base numa livrança avalizada pelas oponentes. A execução veio a ser extinta por ofício de 08/07/2015. À data de 25/02/2021 ocorrera já a prescrição da dívida avalizada, e isto, quer se tome em consideração o prazo de prescrição do direito cambiário previsto no art. 70º da LULL, de 3 anos, quer o prazo de prescrição de 5 anos previsto no art. 310º, alíneas d) e e), do Código Civil, apenas aplicável à relação subjacente. Prescrita a obrigação cambiária, deixou, em consequência, o Exequente de ter título exequível que possa sustentar a execução, pelo menos contra as avalistas ora Oponentes.
A exequente contestou, impugnando os factos e pugnando pela improcedência da oposição à execução com as inerentes consequências na lide executiva.
Em sede de saneador-sentença foi proferida decisão que julgou a oposição à execução totalmente procedente e em consequência determinou a extinção da execução quanto às embargantes L… e A….
Inconformada com tal decisão veio a embargada recorrer assim concluindo as suas alegações de recurso:
A. A relação subjacente aos presentes autos resulta de um contrato de mútuo, constituído por uma única obrigação pecuniária, embora com o pagamento diferido no tempo;
B. Não podendo, por esse motivo, ser equiparado a um simples plano de amortização de capital e respetivos juros por prestações periódicas;
C. À qual caberia a prescrição curta de 5 anos, prevista no art. 310.º.
D. Mais, incumprido que foi o referido contrato, foi o mesmo resolvido, originando assim a exigibilidade da totalidade do capital ainda em dívida;
E. Nascendo uma nova obrigação, que cai, inequivocamente, na previsão legal do art. 309.º CC, cuja prescrição é de 20 anos.
F. Do que antecede, cabe concluir pelo manifesto erro de apreciação do Direito na Douta Sentença Recorrida.
A final requer que seja revogada a sentença determinando-se o prosseguimento da execução.
1) A execução (instaurada em 27-10-2011) a que os presentes embargos se encontram apensos foi instaurada com base numa livrança avalizada pelas embargantes;
2) A data de vencimento da livrança foi 12/09/2011;
3) A livrança foi entregue à embargada para garantia das obrigações decorrentes do contrato de mútuo celebrado entre aquele e a sociedade V…, S.A. e foi assinada pelas embargantes na qualidade de avalistas;
4) O reembolso do capital mutuado e juros seria feito em 32 prestações trimestrais constantes, iguais e sucessivas de capital e juros;
5) A execução foi extinta em 08.07.2015 por sustação integral;
6) Em 25.02.2021 o Sr. AE proferiu a decisão de renovação da execução (“na sequência do requerimento do Exequente, para o prosseguimento da execução, uma vez que teve a informação da existência de bens em nome dos executados, (…), decide-se pela renovação da instância executiva, ao abrigo do disposto no art. 850º do CPC”).
- Se a dívida das oponentes (não) se mostra prescrita.
Para melhor compreensão do plano mediato onde se desenvolveram os atos que conduzem à eventual prescrição, façamos uma breve referência ao normativo processual que regulou a ação executiva.
Dispõe o artigo 794º CPC:
«1 - Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.
2 - Se o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante.
3 - Na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição.
4 - A sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850º».
Dita o artigo 849º CPC que:
«1 - A execução extingue-se nas seguintes situações:
(…)
e) No caso referido no n.º 4 do artigo 794.º; »
E o artigo 850 nº 5 que:
«O exequente pode ainda requerer a renovação da execução extinta nos termos das alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo anterior, quando indique os concretos bens a penhorar, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no número anterior.»
Foi sob este contorno jurídico que nos autos de execução principais a execução foi extinta em 08/07/2015 por sustação integral e, mais tarde, em 25/02/2021, renovada a instância executiva.
Importando ora apreciar se essa renovação contende com o direito das embargantes a ver prescrito o direito contra si exercido pela exequente.
Importando definir, como primeira questão, qual a natureza da relação jurídica em causa.
Lê-se no requerimento executivo:
«1º O Exequente, Banco Espírito Santo, é dono e legítimo portador de 1 (uma) livrança, no valor de €1.887.908,55 (…) subscrita pela firma V…, S.A. (…) e avalizada por (…) A…, (…) e L…, a qual, vencida em 12/09/2011, e apresentada a pagamento, não foi a mesma paga (…)
2º Aquela livrança foi entregue, pela firma V…, S.A., para garantir/caucionar o empréstimo que o Banco Espírito Santo lhe concedeu, a pedido da mesma, no valor de €1.621.965,00 de capital, o qual foi formalizado através de contrato assinado em 13/04/2009.
3º De acordo com o art. 32º da LULL, ex vi do art. 77º do mesmo diploma, o avalista é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, pelo que, os Executados (…) A…, (…) e L…, são partes legítimas.»
Considerando o requerimento executivo e o título (livrança) que o integra, dúvidas não haverá que o direito exercido contra as embargantes e, o contra direito destas à prescrição, se desenvolve no plano cambiário.
As executadas foram acionadas em virtude da declaração de aval prestado à livrança dada à execução.
Por isso a relação jurídica que subjaz ao litígio é a relação jurídica cambiária e não a relação fundamental, como pretende a apelante em sede de recurso.
Desse modo a prescrição a ocorrer há-de ser a prescrição do direito cambiário, a qual segue o regime fixado no art. 70º LU.
Dispondo este art. 70º, I que: “Todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento”, o que, aplicando-se a livranças por força da norma remissiva do art. 77º da LU, se deve ler “Todas as ações contra o emitente relativas a livranças prescrevem em três anos a contar do seu vencimento”.
Tratando-se de pretensão do credor contra o avalista do emitente da livrança aplica-se o prazo de prescrição que valer para o avalizado, ou seja, três anos a contar do vencimento, como cominado pelo art. 70º, I.
Definido o prazo de prescrição, vejamos se o mesmo ocorreu.
Importando considerar o normativo do Código Civil que rege o tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas.
Dispõe o artigo 323º do CC que:
«1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.»
Regendo o artigo 326º:
«1. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte.
2. A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.º»
E o artigo 327º:
«1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.»
Temos pois que, o prazo de prescrição interrompe-se pela citação e, em consequência da interrupção o tempo decorrido fica inutilizado.
Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
A prescrição invocada a ter ocorrido decorre desta nova oportunidade, duma renovação da instância.
A execução a que respeitam os embargos foi extinta por sustação integral em 08/07/2015 e em 25/02/2021 foi objeto de decisão de renovação proferida pelo Solicitador de execução.
A contagem deste (novo) prazo de prescrição reiniciou-se logo que transitado em julgado o despacho que julgou a sustação integral, a qual nos termos do art. 794º, 4 CPC determinara a extinção da execução. Tal despacho, proferido em 08/07/2015 transitou em julgado em 24/09/2015.
O prazo de prescrição de três anos inicia a sua contagem em 25/09/2015, terminando em 25/09/2018.
Ora, a decisão que renovou a instância data de 25/02/2021. Em tal data já o prazo de prescrição se havia completado.
Não faz sentido, considerando a relação jurídica cambiária, invocar o prazo de prescrição da relação subjacente.
Sendo essa a pretensão da apelante em sede de recurso.
Mas mesmo que tal fosse possível, o prazo de prescrição aplicável seria o da al. e) do art.º 310º do Cód. Civil e não outro.
Norma essa que estabelece o prazo de prescrição de cinco anos em relação às quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
Concordamos com a sentença, quando, desenvolvendo em termos supletivos e teóricos esta possibilidade decisória, refere:
“Com efeito, na esteira da jurisprudência mais recente sobre esta matéria, entendemos que nas situações de contratos de mútuo com acordo de reembolso periódico de capital e juros remuneratórios o prazo de prescrição aplicável às duas componentes (capital e juros), mesmo que ocorra resolução do contrato e vencimento antecipado ou exigibilidade antecipada da totalidade das prestações, é o de 5 anos, sendo aplicável à situação o regime da al. e) do art.º 310º do Cód. Civil.”
Remetendo para a jurisprudência, entre outros, do Ac. do STJ de 06.06.2021, P. 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1, in www.dgsi.pt, onde se pode ler:
“O facto de o credor ter exigido a totalidade das prestações em falta, devido à mora do devedor, que se converteu em incumprimento definitivo, não pode envolver uma alteração do regime de prescrição aplicável à divida em causa, tal como defendeu o Tribunal da Relação, sob pena de se deixar ao credor a escolha do regime aplicável, em prejuízo do devedor (e dos fiadores.”
Orientação igualmente seguida pelo STJ, seja no Acórdão de 18 de Outubro de 2018 - P.2483/15.5T8ENT-A.E1.S1 -, “A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do art. 310.º do Código Civil […]”-, seja no de 23-01-2020, P.4518/17.8T8LOU-A.P1.S1, ambos no mesmo site.
Ora, a ser esse o prazo (de cinco anos), que não é, o mesmo, se mostraria igualmente esgotado, em 25/09/2020. A renovação da instância executiva ocorreu em 25/02/2021, logo, em data posterior.
Assim, tanto a livrança como a relação subjacente encontravam-se prescritas na data em o Sr. Agente de Execução decidiu pela renovação da execução.
A prescrição invocada, aproveita assim, às embargantes.
Improcedendo o recurso na totalidade.
Custas do recurso pelo apelante.
Anabela Luna de Carvalho (Relatora)
Maria Adelaide Domingos
José António Penetra Lúcio