CONTRATO DE EMPREITADA
DEFEITOS DA OBRA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
JUROS
Sumário


I - Não tendo a recorrente feito qualquer referência, nem sequer de forma sumária, nas conclusões de recurso, aos concretos pontos da matéria de facto que pretendia impugnar, incorreu numa omissão absoluta e indesculpável do cumprimento do ónus primário contido no nº 1 do artigo 640º do CPC, o que implica, sem mais, a rejeição do recurso no tocante à impugnação da matéria de facto.
II – Num contrato de empreitada, a exceptio non rite adimpleti contractus só pode ser exercida pelo dono da obra se este tiver já, junto do empreiteiro, denunciado os defeitos da obra e exigido a sua eliminação.
III - Nos casos em que, por inverificados os seus pressupostos, não é legítimo exercer a exceptio, o retardamento do excipiens no cumprimento da sua prestação fá-lo incorrer em mora, nos termos gerais (art. 804º e ss. do CC).
IV - A razão de ser da existência de juros moratórios comerciais não se relaciona com o devedor, mas sim com o credor.
V - Por isso, nos atos de comércio unilaterais estabelecidos com consumidores são devidos juros comerciais por força do disposto no § 3.º do art. 102º, do Código Comercial.
(Sumário pelo Relator)

Texto Integral


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
Agualândia – Construção e Manutenção, Lda., apresentou requerimento de injunção contra M.J.S.P.N., pedindo a notificação desta no sentido de lhe ser paga a quantia de € 5.910,98, acrescida de juros de mora no valor de € 762,06 e de taxa de justiça paga no valor de €102,00.
Alegou para o efeito, em resumo, que no exercício da sua atividade de construção e manutenção de piscinas, a pedido da ré, construiu uma piscina em betão armado, instalou diversos bens necessários à conclusão da piscina, mas em virtude do incumprimento dos prazos de pagamento acordados com a ré, suspendeu os trabalhos até à regularização das faturas que estavam vencidas, e, recomeçada a obra, a ré sugeriu a substituição do revestimento em pastilha por revestimento em tela armada, alteração que foi feita pela autora.
Mais alegou que a obra foi concluída e entregue à ré, não tendo esta pago a quantia de € 5.910,98, correspondente às faturas FA 1A1701/65 emitida e vencida a 27.02.2017, no valor de € 655,98 e FA1A1701/136, emitida e vencida a 11.04.2017, no valor de € 5.255,00, apesar de interpelada para o fazer.
A requerida deduziu oposição, arguindo a exceção de incompetência territorial e a exceção de não cumprimento do contrato de empreitada, alegando, quanto a esta última, que aquando da notificação para pagamento das faturas em causa não as aceitou, tendo por email interpelado a autora para corrigir os defeitos enunciados e comunicando que os materiais instalados não correspondiam aos combinados, não tendo a autora reparado os defeitos, nem substituído os materiais, nem reduzido o preço. Impugnou ainda os juros peticionados, sustentando que a ré é uma pessoa singular, pelo que a serem devidos, os juros serão à taxa anual de 4% e não à taxa de juros comerciais.
Em face da oposição por parte da ré, os autos foram distribuídos como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, nos termos e ao abrigo do disposto no D.L. nº 269/98 de 1 de setembro.
A autora pronunciou-se quanto às exceções alegadas pela ré, defendendo, no que respeita à exceção de não cumprimento, que a autora cumpriu na íntegra o contrato de empreitada, não existindo quaisquer defeitos ou danos a reparar, e ainda que existissem defeitos a ré não os denunciou no prazo legal, pelo que os direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização caducaram.
Mais alegou que a ré rececionou as faturas respeitantes à empreitada, constando das mesmas as datas de vencimento, não as tendo impugnado ou devolvido, pelo que aceitou os prazos de vencimento, e sendo a autora uma pessoa coletiva e titular de um direito de crédito, são devidos juros de mora à taxa comercial em vigor.
O Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo - Juízo de Competência Genérica de Monção declarou-se territorialmente incompetente para conhecer da ação, e declarou competente o Tribunal Judicial da Comarca de Santarém - Juízo Local Cível de Abrantes, para onde foram remetidos os autos.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Face ao exposto, decide-se CONDENAR a ré M.J.S.P.N. no pagamento à autora Agualândia – Construção e Manutenção, Lda:
i) da quantia de €655,98 (seiscentos e cinquenta e cinco euros, noventa e oito cêntimos), relativa à factura n.º 1A1701/65, datada de 27.02.2017, acrescida de juros de mora, à taxa comercial, devidos desde 27.02.2017 e até efectivo e integral pagamento;
ii) da quantia de €5.255,00 (cinco mil, duzentos e cinquenta e cinco euros), relativa à factura n.º 1A1701/136, datada de 14.04.2017, acrescida de juros de mora, à taxa comercial, devidos desde 14.04.2017 e até efectivo e integral pagamento.»

Inconformada, a ré apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1) O tribunal a quo considerou provados determinados factos com base nas «declarações de parte do legal representante da Autora, (…)»;
2) Dispõe o art. 496.º do C.P.C.: «Estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes». O que se compreende, de uma vez que a parte é, mais do que ninguém, uma parte interessada na causa e por isso mesmo não pode ser tido como imparcial;
3) Dispõe o art. 352.º do C.C.: «Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.» (sublinhado nosso). Donde se pode claramente concluir que o legal representante da A. apenas presta declarações de parte, insidindo as mesmas em confissão de facto favorável à parte contrária e desfavorável para si;
4) Nesta conformidade, o depoimento do legal representante da autora apenas pode ser utilizado para provar outros factos contra si mesmo;
5) Refere Antunes Varela: «é uma declaração de ciência de um facto colorida por vários atributos: um, relativo ao declarante; outros, referentes à natureza intrínseca das declarações.»;
6) Ruy Drummond Smith, na sua Dissertação «A prova por declarações de parte», pág.28, Universidade Autónoma de Lisboa: «Não há que se confundir a confissão judicial com os meios de prova oral prestadas pela parte em audiência (interrogatório, depoimento e declarações), eis que os mesmos são alguns dos instrumentos pelos quais se pode obter a confissão e não a confissão em si. A experiência prática revela que, no mais das vezes, as partes acabam confirmando os factos que lhe são favoráveis e negando desfavoráveis.»;
7) Quanto ao depoimento da testemunha (…), não se compreende como poderá o tribunal a quo classificá-lo como credível, pormenorizado e escorreito, de uma vez que a testemunha quando contra-interrogada não consegui sem ajuda, descrever a piscina (15:52:14 a 16:30:33 do suporte áudio);
8) A testemunha (…) referiu, contrariando a prova documental junta aos autos, e portanto cometendo um crime, que a opção de tela tinha sido a pedido da recorrente, quando foi sugestão da A., vidé e- mail junto sob o doc.15 dos autos (e-mail de 06/08/2016, enviado pelas 15:34h);
9) E-mail esse, onde a autora refere: «Como nos encontramos numa altura muito quente, não é muito aconselhável aplicar pastilha sugerimos a aplicação de tela PVC armada a imitar a pastilha (…)».
Confrontada com o mesmo, a testemunha não conseguiu explicar (15:52:14 a 16:30:33 do suporte áudio);
10) Não se pode valorar o testemunho de uma pessoa que trabalhando para a autora, acompanhando obras e projectando as mesmas, saiba o que se passas na cobrança de dívidas;
11) Considerou o tribunal a quo como não provada a matéria constante dos factos i) a vii);
12) O que só se pode explicar, se o tribunal a quo não tiver lido os e-mails juntos aos autos com o requerimento de prova da recorrente enviados à autora no decurso da obra. Antes de a obra estar terminada. Nomeadamente os seguintes e-mails:- doc. 7, de Quarta- feira, 02/03/2016;- doc. 9, de Sexta-feira, 04/03/2016;- doc. 12, de Terça-feira, dia 22/03/2016; Domingo, dia 22/03/2016; e Quinta- feira, 17/03/2016;- doc. 18, de 24/03/2017 (onde a autora faz referência a queixas de defeitos feitas telefonicamente); e - doc. 19, de 20/04/2017;
13) As denúncias dos defeitos da obras não só foram feitas em prazo, como ainda antes do final da obra. Mas mesmo após o final da obra, a recorrente podia proceder a tais denúncias. Só não o fez, porque os defeitos já tinham sido denunciados durante o decurso da obra;
14) Na perspectiva do tribunal a quo, a recorrente não elencou os defeitos apontados no relatório pericial e neste constantes;
15) Com o devido respeito, não tinha que o fazer. Uma pessoa que não possua conhecimentos técnicos, indica os defeitos que «sente» existirem. Não usa os termos técnicos nem identifica tecnicamente o erro, como o faz um profissional da área. Ora, se uma pessoa normal, sem conhecimentos mecânicos levar o seu veículo a uma oficina, porque que este não pára quando leva o travão de pé abaixo, ao chegar à oficina, não diz: «as pastilhas dos travões estão gastas», ou «os discos do travões estão empenados»;
16) Citando o Autor António Santos Abrantes Geraldes, in «Sentença Cível», Janeiro de 2014, págs. 9 a 13: «Quanto ao ónus de alegação cumpre destacar o que agora dispõe o art. 5.º, n.º1, devendo o autor e o réu concentrar-se nos factos essenciais que constituem a causa ou causas de pedir ou em que se baseiam as excepções invocadas (a que deve acrescer a alegação, ainda que não preclusiva, dos respectivos factos complementares), sem excessiva preocupação pelos factos instrumentais, já que estes poderão ser livremente discutidos ma audiência final.» (sublinhado nosso);
17) Ainda citando o Excelso Autor em nota de rodapé (14), a págs 10:
«Como regra que deve ser adaptada às circunstâncias do caso, os temas de prova devem centrar-se apenas nos factos essenciais relativamente aos quais persista a controvérsia, excluindo, por isso, em regra, os factos instrumentais que não integram qualquer pressuposto legal da acção ou da defesa.» (sublinhado nosso). Mais referre: «Para além dos factos instrumentais não carecerem de alegação (bastando para o efeito que se aleguem os factos essenciais de cuja prova depende a procedência ou improcedência da acção), os mesmos poderão ser livremente discutidos e apreciados na audiência final.» (sublinhado nosso);
18) Segundo a perícia, a mesma aponta para uma desvalorização, a qual depois perante novo cenário de reparação diminuiu. Mantendo-se contudo a perícia de valor mais elevado em vigor, dado que as supostas reparações não foram efectuadas pela recorrida;
19) Traz à colação o tribunal a quo o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04, mas, não o aplica, com o devido respeito por opinião contrária. Da leitura do n.º2 do art. 3.º, do supra citado diploma, retira-se que serão atendidas as desconformidades do bem que se manifestem num prazo de 2 ou 5 anos a contar da data da entrega. O tribunal a quo refere ter caducado o prazo para arguir os defeitos da obra.
Decisão com a qual não se concorda;
20) O art. 5.º, n.º1 do mesmo Decreto-Lei, refere ser a garantia do bem em causa, de 5 anos. A obra teve início em 2016 e terminou em finais de 2017;
21) Aponta a perícia efectuada para uma desvalorização, a qual depois perante novo cenário de reparação diminuiu, continuando contudo a existir. E neste caso a existir a desvalorização mais alta, porque por meio desta acção a A. nada fez para diminuir as perdas da A..
22) O Tribunal a quo Os defeitos apontados pelo Sr. Perito não foram tidos em conta pelo tribunal a quo. Nem mesmo aplicando o raciocínio com o qual, com o devido respeito, não se concorda, de que estes não foram elencados pela recorrente.
23) Ao longo de páginas e páginas, o tribunal a quo repetiu até à exaustão que a recorrente não tinha denunciado os defeitos da obra.
A recorrente já quase que acredita que o não fez…
24) Ora, daqui só se pode concluir que o tribunal a quo não analisou a prova documental junta aos autos pela recorrente.
25) Invoca o tribunal a quo o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04, contudo, não o aplica a nosso ver e com o devido respeito por opinião contrária.
26) Decorre da leitura do n.º2 do art. 3.º, do supra citado diploma, que serão atendidas as desconformidades do bem que se manifestem num prazo de 2 ou 5 anos a contar da data da entrega. Ora, o tribunal a quo refere ter caducado o prazo para arguir os defeitos da obra. Decidiu o tribunal a quo, contra legem.
27) Também no art. 5.º, n.º1 do mesmo Decreto-Lei, se refere ser a garantia do bem em causa, de 5 anos. A obra teve início em 2016 e terminou em finais de 2017 .
28) Embora as várias denúncias efectuadas pela recorrente (que o tribunal a quo nega existirem) tenha suspendido tal prazo, ex vi art. 5.º, n.º7 do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04.
29) Dispõe o n.º2 do art. 5.º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04:
«Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de 2 meses, caso se trate de bem móvel, ou de 1 ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado.
30) Mais adiante, no n.º4 do mesmo artigo: «O prazo referido no número anterior suspende-se durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens com o objectivo de realização das operações de reparação ou substituição, bem como durante o período em que durar a tentativa de resolução extrajudicial do conflito de consumo que opõe o consumidor ao vendedor ou ao portador, com excepção da arbitragem.»
31) Ao longo da douta sentença que ora se põe em crise, com frequência é referido pelo tribunal a quo ser o Sr. (…) (ex-marido da recorrente), o representante da mesma.
32) O que obviamente não se pode aceitar. A recorrente nunca conferiu qualquer mandato ao Sr. (…), nem este mandato foi mencionado em toda a audiência de julgamento.
33) O que decorre da audiência é que foi o Sr. (…) que facultou o acesso do Sr. Perito e do Ilustre mandatário da A. ao imóvel em discussão, de uma vez que só ele tem a chave do imóvel. Nada mais permite concluir que em qualquer momento o Sr. (…) seria «representante» da recorrente. Aliás, ambos já na data da perícia de encontravam de relações cortadas e sem qualquer contacto entre si.
34) Incorreu assim o tribunal a quo, em excesso de pronúncia, relativamente a tal facto, o que só por si, constitui uma nulidade da sentença – art. 615.º do C.P.C..
35) Por outro lado, na douta sentença ora recorrida condenou o Tribunal a quo a R. no pagamento de juros à taxa de juros comerciais.
36) Ora, se a A. é uma sociedade comercial, a R. é uma pessoa singular, não comerciante e foi em nome pessoal que fez, logo a serem devidos juros, deveriam ser calculados á taxa de juros civis.
37) Sendo que os juros podem ser legais ou convencionais, na falta de acordo entre as partes, serão de aplicar juros legais.
38) Por outro lado, não estando em causa operação comercial (porque uma das partes não é comerciante) os juros não convencionados a aplicar, eventualmente, serão os civis. Sendo certo que, para decisão diferente, teria de ser dado como provado que estaria em causa uma relação comercial, o que não é o caso.
39) No final da douta decisão, decide o tribunal a quo que a recuperação de custas judiciais pela A. teria de ser pedida de outra forma e, nesse sentido, absolve a R. de tal pedido.
40) Porém, se o decide a fls. 18 da douta sentença ora recorrida, omite tal decisão na parte do dispositivo, quando na parte da “decisão” não toma posição, nomeadamente, não absolvendo a R., como deveria e como se pretende.
NESTES TERMOS,
E nos melhores de Direito, dado que seja o V. douto suprimento, deverá o presente ser recebido e acolhidas que sejam as razões expostas, deve a douta sentença ora recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva a R. do peticionado, com o que se fará a devida JUSTIÇA!»

A autora contra-alegou, defendendo a confirmação da decisão recorrida.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir, atenta a sua precedência lógica, consubstanciam-se em saber:
- se a decisão recorrida é nula por excesso de pronúncia;
- se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto;
- exceção de não cumprimento do contrato e prazo de caducidade do exercício do direito de denúncia dos defeitos da obra;
- taxa de juros aplicável.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1 - A autora dedica-se à atividade de construção e manutenção de piscinas, bem como ao fornecimento de todo o material acessório.
2 - No âmbito da sua atividade e a pedido da ré, a autora procedeu à construção de uma piscina em betão armado com a dimensão de 10 metros de comprimento por 5 metros de largura, modelo prainha com formato de meia laranja, com tanque de queda de água e caixa para cobertura de lâminas.
3 - Para a execução da obra descrita em 2), a autora forneceu e procedeu à respetiva montagem de diversos bens, designadamente equipamento de encastrar (rejetores, ralos de fundo, tomadas de aspiração e projetores), canalização e equipamento de filtração (bomba 1,5 cv, filtro de 720 m3, Q.E. 600 W), rebordo, grelha para recolha de água no perímetro da piscina, pastilha, kit de limpeza.
4 - A autora executou, numa primeira fase, toda a estrutura da piscina e procedeu à montagem da casa de máquinas com todos os equipamentos, designadamente bomba, filtro, quadro elétrico e kit de limpeza.
5 - As obras foram suspensas por falta de pagamento pela ré das quantias vencidas nos prazos acordados entre a autora e a ré.
6 - Após regularização pela ré das faturas vencidas, as obras foram retomadas e a ré solicitou à autora a substituição do revestimento da piscina em pastilha por revestimento em tela armada.
7 - A ré não efetuou o pagamento à autora da fatura FA1A1701/65, emitida e vencida a 27.02.2017, no valor de €655,98.
8 - A ré não efetuou o pagamento à autora da fatura FA1A1701/136, emitida e vencida a 11.04.2017, no valor de €5255,00.
9 - As faturas descritas em 7) e 8) foram enviadas à ré e a ré não as devolveu à autora.
10 - A ré foi interpelada pela autora para efetuar o pagamento das faturas em dívida, no entanto a ré não procedeu ao seu pagamento.
11 - A ré foi representada na obra pelo seu ex-marido (…).
12 - No dia 24 de Março de 2017, a ré enviou à autora um email com o seguinte teor: «(…) Venho por este meio informar-vos que, a partir de hoje, dia 24 de Março de 2017, a obra da piscina na Casa (…), fica suspensa e não procederemos a qualquer outro pagamento para conclusão da obra, uma vez que é do nosso conhecimento que a estrutura da piscina não foi realizada em betão armado, como acordado por ambas as partes antes do arranque do projecto, e daí vossas excelências se recusarem presentemente a aplicar a pastilha conforme explícita e repetidamente requerido desde antes e durante a execução da obra. (…)»
13 - A piscina foi construída em betão armado e na data do envio do email referido em 12) a piscina já estava concluída.
14 - A obra foi entregue pela autora à ré, representada por (…), em Fevereiro de 2017.
15 - No dia 06 de Agosto de 2016, a autora enviou à ré um email com o seguinte teor: «(…) Como nos encontramos numa altura muito quente não é muito aconselhável aplicar a pastilha sugerimos a aplicação de tela PVC armada a imitar a pastilha (padrão a v/ escolha). (…)»
16 - A ré solicitou a substituição do revestimento da piscina com pastilha por revestimento com tela PVC armada.
17 - O ex-marido da ré, (…), escolheu a amostra que lhe foi exibida de tela PVC armada.
18 - A autora no dia 26 de Abril de 2016 enviou um email (…), ex-marido da autora, com conhecimento à ré, com o seguinte teor: «(…) Relativamente ao assunto em epígrafe e no seguimento da n/ reunião do dia 22.4.2016 realizada no local de obra na presença do Sr. (…) (representante do dono da obra), Sr. (…) e Eng. (…) (representante da Agualêndia, Lda) com o objectivo de esclarecer alguns pontos indefinidos. Assim ficou acordado entre ambas as partes o seguinte:
1. A Agualândia ficou de corrigir a parede redonda da escada; em que consiste em demolir a parede que faz perpendicular com a parede da piscina e refazer a parede iniciando o redondo no final da parede da piscina.
2. Demolir a casa das máquinas e colocar uma casa de máquinas Tipo Rocha, junto à parede de vedação do terreno, onde existe neste momento uma rima de pedras.
3. A caixa para motor da cobertura será executada no lado oposto da queda de água.
4. Será corrigido o desnível da água da piscina passará a ter 3 cm e não 6 cm.
5. Foi escolhido pelo Sr. (…) o revestimento da bordadura que será pedra imitação de madeira cor terra.
6. Sobre o revestimento da piscina ficou acordado que será tipo Altoglass modelo FOG cor azul claro.
7. Ficou acordado que no mesmo dia que a Agualandia retomar os trabalhos o Sr. (…) efectuará o pagamento da restante factura FA 1ª1601/57.
8. A Agualandia ficou de agendar e informar ao Sr. (…) o dia que será retomado os trabalhos. (…)»
19 - A autora corrigiu todos os defeitos descritos em 18) e comunicados pela ré.
20 - A obra implantada no local pela autora corresponde à obra projetada e solicitada pela ré.
21 - A altura desde a água até à bordadura da piscina tem um desnível não inferior a 9 milímetros.
22 - A bordadura por onde cai a lâmina de água não está nivelada, sendo o desnível de 1,3 centímetros entre extremos, distantes 10 metros, fazendo com que a água não preencha todo o bordo previsto, mas em apenas cerca de 7 metros em 10 metros de comprimento.
23 - A falta de limpeza de filtro e a deficiente manutenção da piscina fazem com que a água não preencha todo o bordo previsto, fazendo com que a queda de água só se verifique em apenas 7 metros.
24 - A tela do depósito de compensação descolou-se da régua de fixação à parede, na bordadura, com particular incidência nos cantos.
25 - A água passa para debaixo da tela do depósito de compensação, perdendo-se no espaço entre o tanque de betão e a tela.
26 - A 11 de Janeiro de 2021 quando o Perito se deslocou ao local da obra a piscina estava com a água verde e sem manutenção.

E foram considerados não provados os seguintes factos:
i) A ré comunicou à autora que a altura desde a água até à bordadura da piscina tem um desnível não inferior a 9 milímetros.
ii) A ré comunicou à autora que a bordadura por onde cai a lâmina de água não está nivelada, sendo o desnível de 1,3 centímetros entre extremos, distantes 10 metros, fazendo com que a água não preencha todo o bordo previsto, mas em apenas cerca de 7 metros em 10 metros de comprimento.
iii) A ré comunicou à autora que a tela do depósito de compensação descolou-se da régua de fixação à parede, na bordadura, com particular incidência nos cantos.
iv) A ré comunicou à autora que as lajetas existentes sobre a bordadura exterior do tanque de compensação estão soltas.
v) A ré comunicou à autora que a água passa para debaixo da tela do depósito de compensação, perdendo-se no espaço entre o tanque de betão e a tela.
vi) A autora recorreu à fixação mecânica perfurante da tela do depósito de compensação e a régua de fixação à parede.
vii) A ré exigiu à autora que os defeitos descritos em 21, 22, 24 e 25 dos factos provados fossem eliminados, substituídos ou realizados de novo.

O DIREITO
Da nulidade da sentença
No meio das conclusões, sem respeitar a precedência lógica que se impunha, veio a recorrente imputar à sentença recorrida a nulidade de excesso de pronúncia, em virtude do Tribunal a quo referir com frequência que o ex-marido da ré era o seu representante, quando esta nunca lhe conferiu qualquer mandato, nem tal foi mencionado no decurso da audiência de julgamento, decorrendo apenas desta que o mesmo facultou o acesso do Sr. Perito e do Ilustre mandatário da autora ao imóvel em discussão, pois só ele tem a chave daquele, pelo que nada permite concluir que o seu ex-marido era o representante da recorrente (conclusões 31 a 34).
De acordo com a alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, temos que a sentença é nula «Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento»; tal normativo está em consonância com o comando do nº 2 do art. 608º do CPC, no qual se prescreve que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
As nulidades da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito.
Assim, os vícios de omissão ou de excesso de pronúncia incidem sobre as “questões” a resolver, nos termos e para os efeitos dos artigos 608º e 615º, nº 1, alínea d), do CPC, com as quais se não devem confundir os “argumentos” expendidos no seu âmbito.
No que respeita à decisão de facto, «o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC. (…)»[1].
Como ensina Alberto dos Reis[2]:
«(…) quando o juiz tome conhecimento de factos de que não pode servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (art. 664.º), não comete necessariamente a nulidade da 2.ª parte do art. 668.º. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão.

«(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.»
Assim, ainda que não existisse qualquer prova nos autos de que o ex-marido da recorrente era seu representante, a sua consideração como tal na sentença, não consubstanciaria o vício de excesso de pronúncia, mas sim um erro de julgamento a ser apreciado no âmbito da impugnação da matéria de facto.
Em suma, a sentença não enferma da nulidade invocada pela recorrente.

Do erro de julgamento da matéria de facto
O exercício efetivo pelo Tribunal da Relação do duplo grau de jurisdição quanto à decisão da matéria de facto, incluindo a eventual reapreciação de depoimentos gravados, prestados oralmente na audiência de discussão e julgamento, à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607º, nº 5, ex vi do artigo 663º, nº 2, do CPC, tem como contrapartida a imposição aos recorrentes de um rigoroso ónus de impugnação por forma a impedir que «a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo»[3].
Daí dispor o art.º 640º do CPC que:
«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
(…)».
Escreveu-se no Acórdão do STJ de 03.10.2019[4]:
«Na expressão do Acórdão do STJ, de 29.10.2015 (processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1)[5], consagra este regime processual um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
Assim, nesta conformidade, integram um ónus primário, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas als. a), b) e c) do nº1 do citado art.640º, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto[6].
Mas, já constituirá um ónus secundário, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na al. a) do nº 2 do mesmo art. 640º, pois tem, sobretudo, por função facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência.
E se é certo cominar a lei o incumprimento do ónus primário e do ónus secundário de igual forma, ou seja, com a sanção da rejeição imediata do recurso [cfr. art 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do mesmo artigo], não sendo consentida a formulação ao recorrente de um convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, a verdade é que, tal como se afirma no citado Acórdão do STJ, de 29.10.2015, «não poderá deixar de ser avaliada diferentemente a falha da parte consoante ocorra num ou noutro âmbito».
Dito de outro modo e nas palavras do Acórdão do STJ, de 19.02.2015 (processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1)[7], enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1 do referido art. 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, al. a) do mesmo artigo, tal sanção deverá ser aplicada com algum tempero, só se justificando nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame por banda do tribunal de recurso.
Desde que não exista essa dificuldade, apesar da indicação pelo recorrente da localização dos depoimentos não ser totalmente exata e precisa, não se justifica a rejeição do recurso.
É que, como adverte o Acórdão do STJ, de 28.04.2016 (processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1), dando voz à jurisprudência cada vez mais consolidada neste Supremo Tribunal[8], «é necessário que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no art. 640 do CPC seja compaginado com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo maior relevo aos aspectos de ordem material», por forma a não se exponenciarem os efeitos cominatórios previstos no mesmo artigo, havendo, por isso, que extrair do texto legal soluções conformes com estes princípios.»
No caso dos autos, considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode afirmar-se, sem qualquer sombra de dúvida, que a recorrente não cumpriu os ónus impostos pelo artigo 640º, nºs 1 e 2, do CPC.
Desde logo, não indicou a recorrente os pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, o que, como vimos, constitui um ónus primário, impossibilitando desse modo que seja introduzida qualquer alteração à matéria de facto, com a consequente rejeição do recurso nessa parte, sendo por isso irrelevantes as considerações feitas pela recorrente a propósito do valor das declarações de parte do legal representante da autora (conclusões 1 a 6), e quanto à credibilidade do depoimento da testemunha (…) (conclusões 7 a 10).
Ainda que se entendesse que as conclusões 11 e 12 têm implícita uma impugnação da matéria de facto não provada, o que não se concede, o certo é que a recorrente não indica a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os factos em causa, deixando assim incumprido outro ónus primário, o que determina igualmente a rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto.
Não obstante, sempre se dirá que os emails a que a recorrente alude na conclusão 12, foram valorados pelo Tribunal de forma diferente da pretendida pela recorrente, e nada lei impedia que o fizesse. Na verdade, os documentos em causa não são meios de prova com força probatória pleníssima ou plena, que se imponham ao juiz, obrigando-o a dar como provado certo facto por mera aplicação da respetiva norma de Direito probatório. Tem, pois, de se concluir – e de se aceitar – que, simplesmente, tais meios de prova não foram aptos a incutir no Tribunal recorrido a convicção de que o que deles constava era suficiente para afastar a demais prova produzida, como, aliás, se anotou na motivação da decisão de facto da sentença a propósito dos factos não provados.
Em suma, a inobservância, por parte da recorrente, dos aludidos ónus determina a imediata rejeição do recurso no tocante à impugnação da matéria de facto[5], pelo que nenhuma alteração será feita à decisão sobre tal matéria proferida pela 1ª instância.

Do prazo de caducidade do exercício do direito de denúncia dos defeitos da obra
Não sofre contestação que ao caso é aplicável o Decreto-Lei nº 67/2003, de 08.04 e subsequentes alterações, uma vez que o contrato de empreitada dos autos foi celebrado entre a autora, que é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de construção e manutenção de piscinas, e a ré consumidora, a quem foi fornecido o serviço de construção de uma piscina, destinada a uso não profissional.
Sustenta a recorrente [conclusões 19, 20 e 25 a 30] que apesar de o Tribunal a quo ter invocado Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08.04, contudo, não o aplicou no caso.
Mas não tem razão a recorrente. Senão vejamos.
Dispõe o art. 5º-A, nº 2, do DL 67/2003, que «[p]ara exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detetado.»
Está provado que a piscina foi concluída e entregue em fevereiro de 2017 à ré, representada na obra pelo seu ex-marido [ponto 14 dos factos provados].
Como bem se observa na sentença recorrida, «a ré não conseguiu provar que denunciou os defeitos apurados em sede de peritagem à autora no prazo de um ano a contar da data em que os detectou e tendo sido a piscina entregue em Fevereiro de 2017 a ré teve oportunidade de utilizar a piscina e visualizar os problemas evidenciados pelo perito, sendo que em Setembro de 2020 quando foi convidada pelo tribunal a aperfeiçoar o seu articulado e a elencar os defeitos, a ré também não alegou nem identificou os problemas destacados pelo perito».
Ora, sempre seria imprescindível para o reconhecimento e efetiva aplicação da exceção de não cumprimento do contrato, que a ré/recorrente tivesse denunciado os defeitos relativamente aos quais se queria prevalecer com uma tal invocação.
Com efeito, é entendimento pacífico, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que a exceptio non rite adimpleti contractus só pode ser exercida pelo comprador (ou do dono de obra) se este tiver já, junto do vendedor (ou do empreiteiro, respetivamente), denunciado os defeitos da coisa e exigido a sua eliminação[6].
Escreveu-se no acórdão da Relação de Coimbra de 21.10.2003[7]:
«(…), o regime próprio do contrato de empreitada, face ao cumprimento defeituoso da prestação, não legitima, desde logo, o dono da obra a opor a exceção do não cumprimento, pois se assim fosse, seria inútil a regulamentação exaustiva do contrato de empreitada, designadamente, no que concerne aos meios postos à disposição do dono da obra para reagir às situações de incumprimento.
É que perante o incumprimento do contrato, nele se incluindo o cumprimento defeituoso, o dono da obra terá de subordinar-se à ordem estabelecida nos arts.1221, 1222 e 1223 do CC, ou seja, (1) o direito de exigir a eliminação dos defeitos, caso possam ser supridos, (2) o direito a uma nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados, (3) o direito à redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato, (4) o direito à indemnização, nos termos gerais.
Só que, para tanto, o dono da obra deve denunciar, no prazo legal, as situações de incumprimento lato senso, cujo ónus funciona como pressuposto do exercício dos referidos direitos.»
Como meio de defesa que é, «[a] exceptio non rite adimpleti contractus apenas pode exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, que a prestação fosse substituída ou realizada de novo, que o preço fosse reduzido ou que fosse paga uma indemnização pelos danos circa rem»[8].
Ora, nada disto está demonstrado ter sido feito pela ré, pelo que improcede também este segmento do recurso.

Da taxa de juros aplicável
Discorda ainda a recorrente da sua condenação em juros à taxa vigente para as relações comerciais, sustentando que «não estando em causa operação comercial (porque uma das partes não é comerciante) os juros não convencionados a aplicar, eventualmente, serão os civis. Sendo certo que, para decisão diferente, teria de ser dado como provado que estaria em causa uma relação comercial, o que não é o caso.»
Mas não tem razão a recorrente.
A este propósito, porque nos revemos inteiramente nos seus considerandos, fazemos nossas as palavras do Acórdão da Relação de Guimarães de 21.01.2021[9]:
«Determina o artigo 102º, do Código Comercial, que há lugar ao decurso e contagem de juros em todos os atos comerciais em que for de convenção ou direito vencerem-se e nos mais casos especiais fixados naquele Código. E o seu § 3.º estipula que os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.
Coloca-se, então, a questão de saber se para a aplicação deste § 3.º, do art. 102º, do Código Comercial, o ato ou negócio de onde provém a obrigação de pagamento de juros deve ser comercial em relação ao devedor, não bastando apenas que seja subjetivamente comercial em relação ao credor. Esta questão surge da confrontação, por um lado, dos interesses da defesa do consumidor e, por outro lado, da tutela do crédito e do credor comerciante profissional justificativa da existência de juros moratórios agravados.
Sobre esta questão pronunciaram-se, entre outros, os acórdãos desta Relação de Guimarães, de 7.11.2019, Relatora Sandra Melo, e de 4.10.2017, Relator António Penha, os acórdãos da Relação de Coimbra, de 12.2.2019, Relatora Maria Teresa Albuquerque, e de 19.10.2010, Relator José Eusébio de Almeida, e os acórdãos do STJ, de 8.9.2016, Relator Orlando Afonso, e de 4.6.2013, Relator João Moreira Camilo (todos in www.dgsi.pt), tendo os mesmos considerado que nos atos de comércio unilaterais estabelecidos com consumidores são devidos juros comerciais por força do disposto no § 3.º do art. 102º, do Código Comercial.
Concordamos com o entendimento perfilhado nestes acórdãos.
Com efeito, o art. 102.º, § 3, do Código Comercial, não exige que o ato seja comercial relativamente a ambas as partes, referindo ser aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, bastando, por isso, para a sua aplicação a existência de um ato de comércio unilateralmente comercial.
Por outro lado, o art. 99º do mesmo diploma refere também que, embora o ato seja mercantil só com relação a uma das partes, será regulado pelas disposições da lei comercial quanto a todos os contratantes, daqui decorrendo que a aplicação da lei comercial e, por consequência, da taxa de juro prevista no § 3.º do art. 102º, tem lugar ainda que só o credor seja comerciante, sendo o devedor um consumidor.
Na verdade, a razão de ser da existência de juros moratórios comerciais não se relaciona com o devedor, mas sim com o credor.
Com efeito, nas palavras do acórdão do STJ de 09-07-2014 (Proc. 433682/09), citado no acórdão do STJ, de 8.9.2016, relator Orlando Afonso, (in www.dgsi.pt): essa razão “radica na necessidade de compensar especialmente as empresas pela imobilização de capitais, pois que, para elas o dinheiro tem um custo mais elevado do que em geral, na medida em que deixam de o poder aplicar na sua actividade, da qual extraem lucros, ou têm mesmo de recorrer ao crédito bancário”.»
No caso em apreço, a autora é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de construção e manutenção de piscinas, sendo que os juros de mora se referem à falta de pagamento parcial de serviços que a mesma executou, a solicitação da ré, no âmbito de um contrato de empreitada.
Como tal, face ao disposto nos arts. 13º e 99º, do Código Comercial, a obrigação de pagamento de juros decorre de um ato de comércio unilateral, sendo-lhe aplicável a taxa de juros comerciais prevista no § 3º do art. 102º, do mesmo diploma legal.
Consequentemente, improcede também este segmento recursivo (conclusões 35 a 38).

Nas duas últimas conclusões do recurso (39 e 40), suscita a recorrente a questão de o Tribunal a quo ter omitido decisão quanto à absolvição da ré no pagamento da taxa de justiça, no valor de €102,00, ainda que na fundamentação da sentença tenha considerado não ser a mesma devida.
Ora, uma vez que em face da oposição por parte da ré, os autos foram distribuídos como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, nos termos e ao abrigo do disposto no D.L. nº 269/98 de 1 de setembro, a peticionada condenação da ré no pagamento da taxa de justiça deixou de fazer qualquer sentido e, por isso, considerou-se na sentença - e bem - que «a autora, de forma a recuperar a quantia em causa, terá que lançar mão do disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Processuais, relativos às custas de parte, devendo, sendo caso disso, ser oportunamente peticionada à contraparte a esse título».
É certo que no dispositivo a sentença nada refere a esse propósito, ainda que com meridiana clareza se alcance que a ré foi absolvida do pagamento daquela quantia, pois só foi condenada no pagamento das faturas em dívida.
Não obstante, e para que nenhuma dúvida subsista, acrescenta-se o seguinte ponto à parte dispositiva da sentença:
«iii) Absolve-se a ré do demais peticionado».
Esta retificação agora operada em nada contende com a sorte do recurso, que improcede in tottum.
Vencida, a recorrente suportaria as respetivas custas, de acordo com o princípio da causalidade vertido nos artigos 527º, nºs 1 e 2, e 529º, nºs 1 e 4, do CPC, as quais não lhe são tributadas por beneficiar de apoio judiciário.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida, com a retificação acima efetuada.
Sem tributação, em face do apoio judiciário de que a recorrente beneficia.

*
Évora, 12 de maio de 2022
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Francisco Xavier (1º adjunto)
Maria João Sousa e Faro (2º adjunto)
__________________________________________________
[1] Cfr. Acórdão do STJ de 23.03.2017, proc. 7095/10.7TBMTS.P1.S1, disponível como os demais citados sem outra referência, in www.dgsi.pt.
[2] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1984, pp. 144-146.
[3] Neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5ª edição, p. 169.
[4] Proc. 77/06.5TBGVA.C2.S2.
[5] Esta omissão não pode ser suprida, nomeadamente com convite ao aperfeiçoamento das conclusões, pela simples razão de não ser admissível (cfr. o recente acórdão do STJ de 02.02.2022, proc. 1786/17.9T8PVZ.P1.S1, com larga ilustração de jurisprudência do Supremo sobre a matéria).
[6] Cfr., por todos, Pedro Romano Martinez, in Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, Colecção Teses, Almedina, pp. 328 e 330, e Acórdão do STJ, de 10.12.2009, proc. 163/02.0TBVCD.S1; no caso particular da empreitada, vide o Acórdão do STJ, de 26.11.2009, proc. 674/02.8TJVNF.S1.
[7] Proc. 432/03. No mesmo sentido, vide o Acórdão da mesma Relação de Coimbra de 17.09.2019, proc. 7940/17.6YIPRT.C1 (citado na sentença recorrida).
[8] Cfr. Acórdão do STJ de 10.12.2009, citado na nota 5. No mesmo sentido Pedro Romano Martinez, ibidem.
[9] Proc. 720/18.3T8BCL.G1.