COVID
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
EXECUÇÃO
VENDA EXECUTIVA
CASO JULGADO FORMAL
Sumário


I. A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março que definiu resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2 estabelecia, na redacção da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, no seu artigo 6.º-A, que a suspensão das diligências tendentes à venda do imóvel penhorado só poderia ser alcançada nas situações previstas no nº 7 do mesmo normativo e só mediante decisão judicial.
II. Se não foi interposto recurso da decisão de tal incidente (assim legalmente qualificado) que negou provimento a tal pedido, a mesma transitou em julgado e, por isso, não pode agora ser questionada.
III. Por isso, quando se procedeu à venda, i.e. quando foi emitido o título de transmissão (cfr. art.º 827º, nº1 do CPC) não havia nenhum motivo para a impedir.
(Sumário pela Relatora)

Texto Integral








I. RELATÓRIO

1. J.M.C.M., executado nos autos à margem identificados, nos quais figura como exequente, Caixa Geral de Depósitos, S.A., veio interpor recurso do despacho que indeferiu a anulação da venda do imóvel penhorado, tendo na sua apelação formulado as seguintes conclusões:

I- O despacho objeto do presente recurso encontra-se ferido de nulidade, por violação do disposto no Art.6º, n.º 6, al. b) e n.º7 da Lei n.º 16/2020, de 29/05.

11- O imóvel a que respeitam as diligências de venda (fracção autónoma designada pela letra "T", correspondente ao segundo andar direito do lote (…), destinado a habitação, sito na Rua (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) com o (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) da União de Freguesias de (…), constitui a casa de morada de família do executado.

III- As diligências de venda deviam ter sido automaticamente suspensas, e não o foram.

IV- No que respeita às ações executivas, vigorava um regime excepcional que previa a suspensão de quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo.

V- No que respeita ao Agente de Execução, estamos em crer que todas as medidas excecionais previstas, lhe são dirigidas pois ao mesmo cabe efetuar as diligências em processo executivo, nomeadamente, as diligências de venda do imóvel;

VI- Entendendo-se que não podiam ser efetuadas notificações aos intervenientes processuais para pronúncias sobre modalidade e valor base de venda, nem ser promovidas vendas judiciais, em qualquer modalidade, nomeadamente, leilão eletrónico.

VII- As diligências de venda do imóvel em questão devem ser consideradas nulas por violação de dispositivo legal, nomeadamente, o artigo 6º, alínea b) e n.º 7 da Lei n.º 16/2020, de 29/05, uma vez que tinham necessariamente que ser suspensas.

VIII- E, consequentemente, deverá a venda realizada ser anulada, com referência ao disposto no artigo 839º n.º1, al. c) do C.P.C..

NESTES TERMOS,

E nos melhores de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, apela-se que, que deve ser dado provimento ao presente recurso, sendo aquele despacho revogado e substituído por outro que determine a nulidade dos atos realizados com vista à venda do imóvel e, consequentemente, anulando-se a referida venda.

Fazendo-se assim a habituada e sã Justiça.”.

2. Não foram apresentadas contra-alegações.

3. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se apenas à questão de saber se o acto de venda do imóvel em apreço deve ser anulado.

II- FUNDAMENTAÇÃO

4. Os factos a considerar na decisão deste recurso são os que constam do antecedente relatório e, bem assim, os seguintes, de acordo com a documentação junta aos autos:

4.1. No dia 24.6.2020, o Agente de Execução, notificou o executado na pessoa da sua mandatária de que “encontra-se em curso a venda do imóvel penhorado através de leilão electrónico, com a referência do leilão (…).

Sendo que, se encontra agendada cerimónia de encerramento para o dia 08.07.2020, pelas 14:30 horas, no local/morada Lisboa - Palácio da Justiça, Piso 1 – Rua Marquês de Fronteira, 1098-001 Lisboa.

Cuja consulta e apresentação de propostas deverão ser apresentadas na plataforma e-leiloes.pt (Link: (…)”.

4.2. No dia 3.7.2020, o executado requereu a suspensão da venda ao abrigo do art.6º-A, n.º7 da Lei n.º 16/2020, de 29/05;

4.3 Em 05-11-2020 foi proferido o seguinte despacho: “Vem o executado requerer a suspensão da venda do imóvel melhor identificado no requerimento de 03.07.2020 referindo que a mesma causará efectivo prejuízo à sua subsistência, mas não prejuízo grave à subsistência da exequente uma vez que esta já beneficia da penhora e dos descontos que vem sendo efectuados no seu salário.

Notificados, opuseram-se a exequente e a proponente Eloy Torres de Carvalho Unipessoal Lda.

Ora bem.

Nos presentes autos, está patenteada que a venda do imóvel acima referido foi concretizada na modalidade de venda por leilão electrónico em 08.07.2020 e que a proposta apresentada pela proponente observou todos os requisitos legais. Como se sabe, a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade resultante das alíneas d) e e) do artigo 6.º-A da Lei 16/2020 de 29.05, prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo correspondente à vigência da suspensão (artigo 6.º-A, n.º 8).

Nos casos em que os actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam susceptíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvidas as partes (artº 6.º-A, n.º 7).

Salienta-se que este regime apenas se aplica em relação aos imóveis do executado que não constituam a sua casa de morada de família, já que, no caso contrário, uma suspensão automática do processo, nos termos do artº 6.º-A, n.º 6, b), não tem sequer de ser requerida.

No vertente, constata-se que o executado não fundamentou convenientemente em que é que se traduz o prejuízo que para a sua subsistência resulta da venda do imóvel, limitando-se a decalcar o dispositivo legal que invocou em sua defesa. Com efeito, o requerimento apresentado não contém um único facto que desenvolva a afirmação conclusiva a partir do qual pode o tribunal apreciar o mérito deste incidente.

Nomeadamente não indica se obtém algum tipo de rendimento que provenha da exploração do imóvel, nem especifica o destino que é dado ao mesmo. Ora, a não alegação de factos concretos que permitam sustentar o pedido determina a ineptidão do referido requerimento. Assim, uma vez que a venda já foi efectuada, faltando apenas lavrar o documento que a consubstancia (cfr. artº 875º CC por escritura pública de compra e venda) não há motivo para obstaculizar a concretização dessa formalidade substancial, que é a derradeira, uma vez que as soluções que foram sendo adoptadas em termos de suspensão dos prazos, no quadro da legislação de emergência surgida no âmbito da pandemia mundial, provocada pelo vírus SARS- CoV-2, causador da doença COVID 19, não podem prevalecer, intemporal e indefinidamente sobre o direito da exequente que beneficia do princípio do favor creditoris inerente à finalidade da execução patrimonial, que se atinge à custa do património do executado.

Tudo visto, indefiro o requerido.

Sem custas, atenta a simplicidade do incidente.

Notifique.

4.3.Em 13.10. 2021 foi emitido o título de transmissão do imóvel a favor do proponente;
4.4. Mediante requerimento de 19.11.2021, veio o executado requerer a anulação da venda efectuada por violação do disposto no artigo 6º-A, nº 6, alínea b), da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 16/2020, de 29 de Maio.

4.5. No dia 5.2.2022 foi proferido o despacho recorrido que tem o seguinte teor:

“Em 19.11.2021, o executado J.M.C.M. veio arguir a nulidade da venda do imóvel penhorado nos presentes autos.

Alegou, para o efeito, que:
- em 24.06.2020 foi notificado que se encontrava em curso a venda do imóvel, o qual constitui a casa de morada de família;
- as diligências de venda foram realizadas em violação da suspensão dos actos processuais por força do art. 6º-A n.º 6 alínea b) e n.º 7 da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, na redacção da Lei n.º 16/2020, de 29.05, sendo por isso nulas;
- em consequência, a venda é nula nos termos do art. 839º n.º 1 alínea c) do CPC;
- acresce que o proponente não depositou o preço no prazo legal, devendo a venda ficar sem efeito cfr. art. 825º n.º 1 do CPC;
- além disso, o proponente tem requerido a restituição do valor pago, o que equivale à desistência do negócio;
- o agente de execução omitiu a elaboração do título de transmissão, o que também configura nulidade cfr. art. 195º n.º 1 do CPC.
Conclui peticionando a anulação da venda.
O credor Banco Santander Totta SA respondeu, pugnando pelo indeferimento da pretensão do executado, com os seguintes fundamentos:
- a arguição da nulidade é extemporânea;
- o art. 6º-A n.º 6 alínea b) da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, na redacção da Lei n.º 16/2020, de 29.05, não impunha a suspensão das diligências tendentes à venda mas apenas a entrega da casa de morada de família, pelo que as diligências realizadas não são nulas;
- o prazo para depósito do preço é um prazo processual não peremptório, não inviabilizando que o proponente efectue o depósito posteriormente, mantendo-se a venda;
- o proponente efetuou o depósito do preço e cumpriu as suas obrigações fiscais, tendo já sido emitido título de transmissão e não se verificando qualquer desistência do negócio.
O proponente Eloy Torres de Carvalho, Unip. Lda., também se pronunciou no sentido da improcedência do requerimento do executado, alegando que:
- a arguição da nulidade é extemporânea;
- o regime excepcional e transitório de suspensão só impede a entrega da casa de morada de família, e não a venda e adjudicação, pelo que não ocorre qualquer nulidade;
- o proponente foi notificado para proceder ao depósito do preço em 09.07.2020 e realizou o pagamento em 22.07.2020, tempestivamente, a que acresce que o prazo em causa tem natureza processual e interrompe-se nas férias judiciais e, para além disso, não é peremptório;
- o proponente não desistiu do negócio, pelo contrário;
- o executado faz um uso reprovável do processo, apresentando requerimentos dilatórios e sem qualquer fundamento, devendo ser condenado por litigância de má-fé.
O Sr. Agente de Execução emitiu parecer, informando que:
- os actos de venda não ficaram suspensos;
- o executado requereu a suspensão da venda e, após decisão de indeferimento, apresentou recurso que não teve seguimento por falta de pagamento da taxa de justiça, o que atrasou a concretização da venda;
- por tal motivo, apenas em 14.10.2021 foi emitido título de transmissão;
- o adquirente cumpriu as suas obrigações e, inclusive, requereu em 05.11.2021 a entrega do imóvel, não referindo qualquer desistência do negócio.
Notificado para exercer o contraditório quanto à litigância de má-fé, o executado nada disse.
***
Apreciando.
Resulta dos autos a seguinte factualidade:
- em 03.04.2014, foi penhorada nos presentes autos a fracção autónoma designada pela letra T, correspondente ao segundo andar direito do lote (…), destinado a habitação, com arrecadação nº 5 na cave, prédio urbano, sito em Rua (…), descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de (…), sob o nº (…), da freguesia de (…), e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o nº. (…), registada pela AP. (…);
- tal imóvel corresponde ao domicílio do executado (cfr. comunicação aos autos datada de 27.11.2013)
- o imóvel foi colocado em leilão electrónico em 24.06.2020;
- notificado dessa decisão, em 03.07.2020 o executado apresentou requerimento de suspensão da venda ao abrigo do art. 6º-A n.º 7 da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, na redacção da Lei n.º 16/2020, de 29.05;
- em 09.07.2020 o Sr. Agente de Execução notificou o proponente da proposta de valor mais elevado obtida no leilão, para efectuar o depósito do preço e cumprir as obrigações fiscais no prazo de 15 dias;
- o proponente efectuou o pagamento em 22.07.2020;
- por decisão de 05.11.2020 foi indeferido o requerimento de suspensão da venda;
- em 13.11.2021, o executado interpôs recurso dessa decisão;
- em 14.01.2021, o executado foi notificado para proceder ao pagamento da respectiva taxa de justiça e multa, sob pena de desentranhamento do requerimento de interposição de recurso;
- em 27.05.2021, foi determinado o desentranhamento do requerimento de interposição de recurso, por falta de pagamento da taxa de justiça omitida e respectiva multa;
- em 14.10.2021, o Sr. Agente de Execução informou que emitiu o título de transmissão;
- no dia 05.11.2021, o proponente requereu a imediata entrega do imóvel.
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Da nulidade das diligências de venda; anulação da venda
A venda fica sem efeito se for anulado o acto da venda, nos termos do artigo 195.º do CPC (art.º 839.º n.º 1, alínea c), do CPC).
Dispõe o art. 195.º do CPC:
«1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o acto sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o acto se mostre idóneo.»
No caso dos autos, o executado invoca que as diligências de venda estavam proibidas por lei e, como tal, são nulas.
Tal nulidade, a existir, está sujeita ao regime jurídico previsto nos artigos 197.º e 199.º do CPC.
Nos termos do art. 199.º n.º 1 do CPC, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
Ora, atentos os factos supra descritos, é certo que o executado teve conhecimento das diligências de venda (publicitação do leilão) em 24.06.2020, tal como o próprio reconhece.
Poderia, então, arguir a nulidade no prazo de 10 dias, como decorre do disposto no art. 149.º n.º 1 do CPC.
Não o fez expressamente, embora tenha requerido a suspensão de tais diligências com fundamento no art. 6º-A n.º 7 da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, na redacção da Lei n.º 16/2020, de 29.05.
Certo é que esse requerimento foi indeferido e o executado apresentou recurso, o qual veio a ficar sem efeito por motivo que lhe é exclusivamente imputável (falta de pagamento da taxa de justiça e respectiva multa).
Vindo agora o executado arguir a nulidade daquelas diligências de venda, das quais tem conhecimento desde 24.06.2020, invocando embora um fundamento distinto (n.º 6 alínea b) do mencionado preceito legal) mas que já se verificava, e era do seu conhecimento, desde aquela data, impõe-se a conclusão que qualquer nulidade que pudesse ter existido (e que, aliás, não se vislumbra, pois só está suspensa a entrega da casa de morada de família, e não as diligências de venda) estaria sanada pelo decurso do prazo (cfr. art. 199.º n.º 1, do CPC).
Resulta, assim, manifestamente extemporânea, e como tal improcedente, a invocação da nulidade em 19.11.2021, o que se declara.
Sendo que o mais alegado (nulidade por omissão de elaboração do título de transmissão) carece de fundamento, porquanto o Sr. Agente de Execução comunicou em 14.10.2021 que emitiu o título de transmissão, resultando clarividente que apenas não o fez anteriormente por estar pendente recurso interposto pelo executado, não existindo qualquer irregularidade a apontar.
Depósito do preço; desistência
Dispõe o art. 824º n.º 2 do CPC que «Aceite alguma proposta, o proponente ou preferente é notificado para, no prazo de 15 dias, depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria, a totalidade ou a parte do preço em falta.»
No caso dos autos, o proponente foi notificado por ofício de 09.07.2020, tendo cumprido tal obrigação através de transferência efectuada a 22.07.2020.
Tanto basta para concluir que, ao contrário do alegado pelo executado, o depósito foi feito no prazo legal (aliás, tratando-se de prazo processual, sempre o mesmo se consideraria suspenso durante as férias judiciais cfr. art. 138º n.º 1 do CPC; vd. acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 09.07.2015, processo 382/13.4TBPSR-A.E1, www.dgsi.pt).
Por outro lado, dos autos não resulta a desistência do comprador, pelo contrário, o seu último requerimento data de 05.11.2021 onde manifesta pretensão de tomar posse do imóvel.
Em resumo, foi tempestivamente depositado o preço e cumpridas as obrigações fiscais, tendo sido emitido o título de transmissão, pelo que a venda se mostra regularmente concretizada.
*
Litigância de má-fé
Resta apreciar se o executado litigou de má-fé e, na afirmativa, as respectivas consequências.
O n.º 2 do artigo 542º do CPC concretiza e especifica os comportamentos processuais susceptíveis de integrar o conceito de litigância de má-fé, estabelecendo que litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa da causa, tiver praticado omissão grave do dever de cooperação, ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável.
A litigância de má-fé engloba a actuação dolosa e a actuação com negligência grosseira, consistindo esta na omissão do dever de diligência exigível a qualquer pessoa que formula uma pretensão em juízo.
Ora, face à factualidade provada, parece indiscutível que o executado não agiu com a diligência exigível e, além disso, deduziu fundamento cuja falta de fundamento não podia ignorar, pois bem sabia que já decorrera o prazo para arguir nulidades, que já a existirem já estariam sanadas, tendo ainda invocado diversas irregularidades (falta de depósito do preço; falta de emissão do título de transmissão) que sabia que não se verificavam, como resulta da mera consulta dos autos (em particular, informação do Sr. Agente de Execução datada de 14.10.2021), pretendendo apenas protelar o andamento do processo.
Deste modo, entende-se que resulta suficientemente demonstrado o comportamento processual censurável por parte do executado e que se integra no previsto pelo art. 542º, n.º 2, alínea a), do C.P.C.
De harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 542º, n.º 1, e 543º, do mesmo diploma legal, a parte deve ser condenada em multa (entre 2 e 100 UC – art. 27º, n.º 3, do RCP) e em indemnização à parte contrária, se esta a pedir, o que não é o caso.
Atenta a gravidade da conduta do litigante (negligência grosseira), a natureza e o valor da acção e os efeitos da litigância de má-fé, entendo adequado fixar a multa em 3 UC.
***
Em face de tudo o exposto, decido:
a) indeferir o requerimento apresentado pelo executado e, em consequência, não declarar a nulidade/irregularidade da venda;
b) julgar verificada a litigância de má-fé do executado e condená-lo em multa que se fixa em 3 (três) UC.
Custas do incidente a cargo do executado, fixando a taxa de justiça em 2 UC (art. 7.º, n.º 4 do RCP e Tabela II).
Notifique e comunique.
No que concerne ao requerimento para entrega do imóvel, consigna-se que actualmente ainda está suspensa a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família - art. 6.º- E, n.º 7, alínea b) da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, introduzido pela Lei nº 13-B/2021, de 05.04).
Assim sendo e dado que a morada do executado corresponde à do imóvel cuja entrega vem peticionada, sendo esse o seu domicílio, indefere-se, por ora, o prosseguimento dos autos para efectivação da entrega ao adquirente.
Notifique.”.

5. Do mérito do recurso

Como se viu, o recorrente entende que o acto de venda do imóvel penhorado deve ser anulado porque considera que o mesmo se concretizou ao arrepio do disposto no Art.6º-A, n.º 6, al. b) e n.º7 da Lei n.º 16/2020, de 29/05.

Convém recordar o regime da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março que definiu resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2.

Esta Lei – que já foi objecto de nove alterações – estabelecia, à data do início das diligências para a venda do imóvel penhorado (20.6.2020) na redacção da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, no seu artigo 6.º-A (atinente ao regime processual transitório e excepcional) o seguinte: “(…)
5 - Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excepcional e transitório:

a) O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março;
b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
c) As ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;
d) Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos e procedimentos referidos nas alíneas anteriores;
e) Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos cujas diligências não possam ser feitas nos termos da alínea b) do n.º 2, da alínea b) do n.º 3 ou do n.º 7.
7 - Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvidas as partes.”.


Percorrendo estas normas, facilmente se apreende que a suspensão das diligências tendentes à venda[1] do imóvel penhorado só poderia ter sido alcançada nas situações previstas no nº7 do art.º 6º-A e mediante decisão judicial.

É certo que o executado requereu, ao abrigo de tal normativo, em 3.7.2020, a suspensão das ditas diligências. Mas também o é que tal pretensão lhe foi negada (em 5.11.2020) sem que da decisão de tal incidente (assim legalmente qualificado) tivesse interposto o competente recurso[2].

Por conseguinte, a decisão que negou provimento a tal pedido transitou em julgado e, por isso, não pode agora ser questionada.

Ora, quando se procedeu à venda em 13.10.2021, e, note-se, que a venda só se concretiza quando é emitido o título de transmissão (cfr. art.º 827º, nº1 do CPC) não havia nenhum motivo para a impedir.

Aliás, nessa data, conquanto o citado art.º 6º-A tivesse já sido revogado, foi introduzido, pela Lei n.º 13-B/2021, de 05 de Abril, uma norma - o art.º 6º -E – que no seu nº8 estabelecia um regime idêntico ao citado nº7.[3]

Por consequência, a única conclusão a retirar é que a venda em causa é válida, não havendo fundamento legal para anular o respectivo acto.

E, por isso, o recurso do executado está inevitavelmente votado ao fracasso.

III.DECISÃO

Por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e em manter a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Évora, 12 de Maio de 2022
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente

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[1] E não à entrega, que aqui não está em causa.
[2] Aliás, foi interposto mas desentranhado por falta de pagamento da taxa de justiça.
[3] “8 - Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária.”