INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
CULPA
NEXO DE CAUSALIDADE
Sumário

- os gerentes de direito, ainda que a gerência de facto seja exercida por outrem, são sempre afetados pela qualificação da insolvência porquanto essa qualidade lhes permite e impõe acompanhar a vida da sociedade, inteirar-se do modo como gerência é exercida, zelar pelo cumprimento dos deveres legais;
- nos casos previstos no n.º 2 do artigo 186.º do CIRE é automática a qualificação da insolvência como culposa, não é necessária a prova de culpa, nem do nexo de causalidade entre a atuação dos administradores do devedor e a criação ou o agravamento da situação de insolvência, nem sequer se admite prova em contrário;
- no âmbito do n.º 1 desse normativo tem de resultar afirmada a culpa efetiva e no âmbito do n.º 3 a culpa presumida, impondo-se, nestes casos (n.ºs 1 e 3), a demonstração do nexo de causalidade para que a insolvência possa ser qualificada como culposa.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrentes / Insolvente e Afetados pela qualificação da insolvência como culposa: (…), Lda., (…), (…), (…) e (…)
Recorridos / Requerentes: IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, IP, (…) e (…) – Comércio de (…) Industriais, Lda.
Os presentes autos consistem no incidente pleno de qualificação de insolvência.

IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, IP apresentou-se a alegar factos referentes à qualificação da insolvência, propondo que esta seja qualificada como culposa, devendo os sócios e gerentes (…) e (…) ser considerados como responsáveis.
(…), por sua vez, apresentou-se a alegar factos referentes à qualificação da insolvência, propondo que esta seja qualificada como culposa, devendo ser atingidos por essa qualificação (…), (…), (…) e (…), bem como as empresas em que são sócios, gerentes e administradores.
(…) – Comércio de (…) Industriais, Lda. veio declarar aderir às alegações apresentadas por (…).
A Administradora da Insolvência apresentou parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 188.º do CIRE, concluindo dever ser a insolvência qualificada como culposa e ser abrangidos por tal qualificação (…), (…), (…) e (…).
O Ministério Público aderiu aos fundamentos da Administradora da Insolvência.
A devedora foi notificada e teve lugar a citação daqueles que são indicados como devendo ser afetados pela qualificação da insolvência como culposa, os quais apresentaram oposição.

II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando o incidente procedente, tendo o Tribunal de 1.ª Instância decidido:
«a) Qualificar a insolvência de (…), Lda., pessoa coletiva n.º (…), com sede em (…), (…), Ourém, como culposa;
b) Declarar afetados pela qualificação da insolvência como culposa as seguintes pessoas e fixar a sua responsabilidade nos seguintes graus:
- (…), fixando a sua responsabilidade em 20% (vinte por cento);
- (…), fixando a sua responsabilidade em 37,5% (trinta e sete por cento e meio);
- (…), fixando a sua responsabilidade em 37,5% (trinta e sete por cento e meio); e
- (…), fixando a sua responsabilidade em 5% (cinco por cento);
c) Declarar que ficam inibidos de administrarem patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa:
- (…) durante 4 (quatro) anos;
- (…) durante 2 (dois) anos e 6 (seis) meses;
- (…), durante 6 (seis) anos; e
- (…), durante 6 (seis) anos;
d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por (…), (…), (…) e (…);
e) Condenar, de forma solidária, (…), (…), (…) e (…) a indemnizar os credores pelo montante dos créditos reconhecidos na sentença de graduação de créditos e não satisfeitos na liquidação através dos pagamentos a efetuar no processo, até às forças do respetivo património, sendo relativamente a (…) o valor da indemnização também limitado ao montante de € 757.038,00 (setecentos e cinquenta e sete mil e trinta e oito euros).»
Inconformados, a devedora e os afetados pela qualificação apresentaram-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que considere fortuita a insolvência ou, assim não se entendendo, que declare os Requeridos não afetados pela qualificação da insolvência por não provada a criação ou o agravamento da situação da insolvência em consequência da atuação dolosa ou com culpa grave destes, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. Concluíram a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«1. Na sequência da declaração de insolvência, em 07.05.2014, da “(…), Lda.” nos autos principais, em 06.11.2014 foi proferido despacho que determina a notificação da devedora e a citação pessoal das quatro pessoas que a sra. Administradora da Insolvência indicou no seu parecer como devendo ser afetadas pela qualificação da insolvência como culposa, por se concordar com tal indicação – artigo 188.º, n.º 6, do CIRE.
2. Foi notificada a Insolvente e citados os propostos para serem abrangidos pela qualificação da insolvência como culposa (…, …, … e …), tendo estes quatro abrangidos apresentado oposição (vide requerimento entrado em juízo em 28.01.2016).
3. Finda a fase dos articulados, em 22-04-2016 foi proferido Despacho Saneador, e Despacho que identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova, não tendo sido apresentada qualquer reclamação.
4. Realizada audiência de discussão e julgamento, foi produzida a prova e proferida a sentença ora recorrida que decidiu qualificar a insolvência como dolosa e declarar afetados por tal qualificação todos os réus, pessoas singulares, condenando-os nos termos que constavam da sentença de que anteriormente se recorreu.
5. Os Réus não se conformaram com a sentença anteriormente proferida pelo Tribunal a quo, pelo que da mesma vieram recorrer.
6. Na sequência do que foi por Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, proferida decisão que determinou a anulação parcial da decisão de facto proferida em primeira instância para suprimento de deficiências da decisão de facto no tocante ao número 49 dos factos provados, sem prejuízo da apreciação de outros pontos de facto caso se viesse a reputar necessário, com o fim de evitar contradições, e naturalmente com as consequências jurídicas que desta produção de prova possa vir a decorrer.
7. Em cumprimento do determinado no Acórdão proferido por Vossas Excelências, o tribunal a quo procedeu à formulação à notificação do relatório pericial às partes, formulando quesitos e concedendo-lhes a oportunidade de também o fazerem e ainda de arrolarem prova testemunhal.
8. A Autora arrolou testemunha e requereu fosse oficiado pedido de informações à Câmara Municipal de Ourém, o que foi, tudo, admitido, ordenado e satisfeito.
9. A Câmara de Ourém veio, por ofício junto aos autos em 28/05/2020, com a ref.ª citius 6860905, prestar a informações solicitadas, de onde decorre suficientemente claro que, não consta dos registos daquela câmara, nenhum licenciamento, em nome da sociedade insolvente, para a construção ou utilização dos armazéns edificados no prédio identificado em 1) da atual redação do facto provado 47.
10. Foram realizados pedidos de esclarecimentos à Sra. Perita que elaborou o relatório pericial, que foram admitidos e lograram, após reclamação, ser objeto dos requeridos esclarecimentos e correcções.
11. Foi então designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento, que se realizou no dia 30/11/2021 (ata ref.ª 88511482), que se iniciou e terminou nesse dia, com a produção das alegações orais das partes, recolhendo o tribunal a quo para deliberar, determinando que fosse aberto termo de conclusão a fim de ser proferida decisão.
12. É então proferida nova decisão singular que, altera a matéria de facto considerada provada nos pontos 47, n.º 1, 49 e 50, com as devidas alterações/adaptações que resultaram da alteração do valor considerado como o valor total dos prédios, se manteve, no essencial, inalterada em relação à decisão anterior.
13. Os ora recorrentes não se concordam com a decisão singular agora proferida, pelo que dela vêm recorrer.
14. A decisão singular ora recorrida padece de errada decisão sobre a matéria de facto, que se encontra assente numa errada apreciação, interpretação e valoração da prova, bem como, de insuficiência da matéria de facto provada para proferir a decisão proferida, de insuficiência de fundamentação para dar como provado os factos que foram dados como provados, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
15. A decisão singular ora recorrida padece também de errada interpretação e aplicação da lei e errada determinação das normas aplicáveis.
16. Assim como padece de errada subsunção jurídica dos factos ao direito.
17. Resultando ainda manifesto que a matéria de facto dada como provada na sentença em crise ultrapassa a matéria de facto fixada como temas da prova no despacho saneador, constituindo ampliação da matéria de facto, que por apenas constar da sentença, não tem admissibilidade legal, ferindo de nulidade a sentença em crise, o que se requer seja reconhecido.
18. A sentença ora recorrida julgou incorretamente provados os factos constantes dos pontos de facto provados n.os 25, 26 e 27, 49, 52 e 53, 60, 61, 64 e 65, 66, 72, 79 e 81, matéria de facto que se impugna e aqui se concretiza com precisão, por incorretamente julgada, nos termos e com os fundamentos que constam da alegação do recurso, onde se fundamenta a razão de discordância, se especifica os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa relativamente a esses factos e onde se enuncia a decisão alternativa que se propõe, que aqui não se reproduzem integralmente por especificamente concretizados na alegação e não ser exigível que todas as especificações concretas enunciadas no n.º 1 do artigo 640.º do C.P.C. constem das conclusões do recurso, apenas se exigindo aqui indicar com precisão os pontos de factos que são objeto de impugnação, cfr. é entendimento da Jurisprudência maioritária (vide Ac. STJ, de 01/10/2015, no Proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
19. É manifesta a errada decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto que aqui se impugna e identifica com precisão, indicando os concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados, o que resulta manifestamente demonstrado e provado pelos meios probatórios concretamente especificados na alegação deste recurso, que constam do processo e do registo e gravação nele realizada, que impõem decisão diversa da ora recorrida, decisão que deve ser proferida, por V. Excelências Venerandos Desembargadores, nos termos que se especificou na alegação e a seguir enuncia, alterando a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto, por a prova produzida nos autos impor decisão diversa, como a seguir se concretiza:
20. Os factos provados identificados pelos pontos 25, 26 e 27, conforme resulta provado dos Docs. de fls. 82 a 85, 134 a 148 e 264 a 279 e de fls. 91 a 100 e de fls. 101 a 115, fls. 282 a 295, devem passar a ter a seguinte redação:
“25. Mediante a Ap. (…), de 03.12.1998, foi registada a aquisição por compra a favor da (…), Lda. do prédio urbano, terreno para construção, situado em (…), (…), (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, na ficha com o n.º (…), freguesia de (…) e inscrito na respetiva matriz predial urbana no artigo (…); 26. Mediante a Ap. n.º (…), de 20.03.2013, foi registada a aquisição por compra do referido imóvel, terreno para construção, (ficha com o n.º …, freguesia de …), a favor de (…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA, sendo sujeito passivo a (…), Lda.; 27. Pela Ap. n.º (…), de 20.02.2014, foi registada a aquisição por compra do imóvel, Prédio urbano, correspondente a edifício composto de armazéns para atividade industrial (1203 m2) e logradouro (2892 m2), sito em (…), (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º (…), da freguesia de (…), e inscrito na matriz predial urbana sob artigo … (proveniente do artigo provisório …-p) da referida freguesia, a favor de (…), sendo sujeito passivo a “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA;”
21. O facto provado identificado pelo ponto 49, conforme resulta demonstrado das alegações de recurso e da prova ali invocada, deve passar a ter a seguinte redação: “49. Os nove imóveis em causa, quando vendidos pela Insolvente, valiam, pelo menos, o valor de € 370.311,00;”
22. Os factos provados identificados pelos pontos 52 e 53, conforme resulta demonstrado das alegações de recurso e da prova (com força probatória plena) ali invocada, impõem decisão diversa da recorrida, devendo o ponto de facto 52 dos factos provados passar a constar dos factos não provados e o facto 53 dos factos provados passar a ter a seguinte redação: “53. (…) é uma sociedade comercial constituída segundo as leis do Estado de Delaware, com sede em 410 Park (…), New York, NY 10022-USA, sendo (…) o seu diretor;”
23. Os factos provados identificados pelos pontos 60 e 61, conforme resulta demonstrado das alegações de recurso e da prova ali invocada, nomeadamente, de fls. 3 a 28, impõem decisão diversa da recorrida, devendo passar a constar dos factos não provados.
24. Os factos provados identificados pelos pontos 64, 65, 79 e 81, conforme resulta demonstrado das alegações de recurso e da prova ali invocada, nomeadamente, de fls. 705 a 709 verso, fls. 718 a 721, fls. 303 e 311-312, do depoimento da testemunha (…) e do depoimento da testemunha (…), cujas transcrições supra se efetuaram na motivação deste recurso, impõem decisão diversa da recorrida, devendo os pontos de facto 64, 65 e 81 passar a constar dos factos não provados e o facto 79 dos factos provados passar a ter a seguinte redação: “79. A (…), Unipessoal, Lda., com sede na Av. do (…), Edifício (…), lote 1.19.02ª, 14. 8 (…), Lisboa, foi constituída em 04.10.2014, tendo por objeto social a fabricação, compra, venda, importação e exportação de tubos e acessórios (e matérias primas destes), para instalações elétricas, de telecomunicações e de canalizações. Compra e venda de veículos automóveis novos e usados e comércio de peças e acessórios de automóveis. Compra, venda e permuta de bens imóveis, bem como a revenda dos mesmos, para aqueles fins, administração, gestão e arrendamento de bens imóveis próprios ou de terceiros. Comércio, importação e exportação de máquinas, ferramentas, peças e acessórios, sendo seu sócio e gerente (…), a qual é sócia da (…), Lda., com uma quota no valor de € 9.000,00, juntamente com (…), esta com uma quota de € 1.000,00, gerente da (…), sociedade constituída em 2019 e mãe de dois filhos de (…), nascidos em 04.12.2013 e 16.10.2009;”
25. O facto provado identificado pelo ponto 66, conforme resulta demonstrado das alegações de recurso, deve passar a constar dos factos não provados.
26. O facto provado identificado pelo ponto 72, conforme resulta demonstrado das alegações de recurso, deve passar a constar dos factos não provados.
27. Resultando assim manifesta a errada decisão sobre a matéria de facto que se encontra assente numa errada apreciação, interpretação e valoração da prova.
28. A decisão proferida pelo Tribunal a quo encontra-se ferida por insuficiência da matéria de facto provada para proferir a decisão proferida, insuficiência de fundamentação para dar como provados os factos que o foram e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, sem prejuízo do supra alegado, também no que respeita ao decidido sobre o efetivo exercício da gerência de facto e de direito da insolvente, senão vejamos:
29. Conforme resulta demonstrado e fundamentado nas alegações de recurso, nesta matéria importa atender à matéria de facto dada como provada nos pontos 7 a 17, 57, 63, 90 bem como, à matéria de facto dada como não provada nos pontos 1 e 3, resultando demonstrado provado que inexistiu qualquer atuação de (…), dolosa ou com culpa grave, que tivesse criado ou agravado a situação de insolvência, resultando provado que esta foi totalmente alheia à situação de insolvência da sociedade, razão pela qual nunca poderá ser considerada afetada pela qualificação da insolvência.
30. Conforme resulta demonstrado e fundamentado nas alegações de recurso, nesta matéria, o mesmo se considera quanto a (…), porquanto, não obstante este ser funcionário da sociedade, tendo a seu cargo a parte operacional e logística, este “... não geria, conduzia empilhadores”, conforme afirmou uma das testemunhas (…, cfr. citado na sentença em crise), o que foi corroborado pelas demais e razão pela qual o Tribunal a quo decidiu como decidiu os pontos 15 e 16 dos factos provados e os pontos 1 e 3 dos factos não provados e, o facto de ser filho dos sócios e gerentes de direito da sociedade insolvente não o constituí em qualquer responsabilidade quanto à situação de insolvência, não resultando provado o seu exercício da gerência de facto, nem qualquer atuação, dolosa ou com culpa grave, que tivesse como consequência a criação ou agravamento da situação da insolvência, não resultando igualmente provada qualquer atuação de má-fé (que, in casu, não se presume), razão pela qual nunca poderá ser considerado afetado pela qualificação da insolvência.
31. Conforme resulta demonstrado e fundamentado nas alegações de recurso, no que respeita à atuação de (…) e de (…), importa realçar o que resulta demonstrado dos factos provados 8, 14 e dos factos não provados, não resultando da decisão em crise, no que aqui releva, para se decidir como se decidiu, a determinação, em concreto, do ato doloso ou com culpa grave, efetivamente praticado por (…) e (…), que tenha criado ou agravado a situação da insolvência, não se encontrando concretizando na sentença em crise qual (ais) o(s) ato(s) praticados por cada um deles que tivessem criado ou agravado a situação da insolvência, assim permitindo demonstrar a consequência que cada um destes atos teve na criação ou agravamento da situação da insolvência, determinando o nexo causal exigido. Certo é que nada disso resulta da decisão em crise, não obstante as deduções vertidas na sentença em crise (conforme o próprio Tribunal a quo admite), que assentam, quanto ao que aqui importa, em presunções inválidas.
32. Sucede que, inexiste prova que demonstre o preenchimento da previsão legal aplicável para proferir uma decisão condenatória como a que consta da sentença em crise.
33. Pois, atenta a participação e intervenção, ou falta dela(s), totalmente distinta entre os pretensos afetados pela qualificação, a decisão condenatória proferida carece de qualquer fundamento por não concretizar qual a concreta atuação, dolosa ou com culpa grave, de cada uma destas pessoas, que criou ou agravou a situação da insolvência, o que se exige para validar o recurso à presunção, pois a presunção é o meio para atingir o fim, no entanto, este inexiste, pois resulta evidente que dos autos não consta qual a concreta causa da situação da insolvência, não se aceitando que o Tribunal a quo possa imputar a responsabilidade a determinadas pessoas, sem concretizar, por provada, a ação de cada uma delas e o nexo causal entre essa ação e o resultado.
34. A matéria de facto dada como provada nos pontos 7 a 17 e 57, demonstra, segundo o Tribunal a quo, a divisão de tarefas entre todos os propostos afetados pela qualificação da insolvência, no entanto, dos factos provados não consta um único facto de demonstre a atuação dolosa ou com culpa grave de qualquer um daqueles, com consequência para a criação ou agravamento da situação da insolvência.
35. Resultando assim suficientemente demonstrada a insuficiência da matéria de facto provada para fundamentar a decisão proferida, bem como, a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
36. Conforme resulta demonstrado e fundamentado nas alegações de recurso, resulta manifesto que a matéria de facto dada como provada na sentença em crise ultrapassa a matéria de facto fixada como temas da prova no despacho saneador, constituindo ampliação da matéria de facto, que por apenas constar da sentença, não tem admissibilidade legal, ferindo de nulidade a sentença em crise, o que se requer seja reconhecido.
37. Resulta ainda evidente a errada decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de direito, por vício de violação de lei, errada interpretação e aplicação da lei e errada determinação das normas aplicáveis, pelo que os Réus ora Recorrentes aqui indicam, com precisão, as normas violadas, o sentido com que no seu entender as normas fundamento da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas e, as normas que no seu entender deviam ter sido aplicadas, o que impõe decisão diversa da ora recorrida, decisão que deve ser proferida por Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, nos termos em que os Réus ora Recorrentes indicam, alterando a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de Direito.
38. O Tribunal a quo violou n.º 5 do artigo 607.º do C.P.C. ao decidir como decidiu o facto 52 dos factos provados, pois não pode o Tribunal a quo decidir provado que duas pessoas diferentes, como foi provado documentalmente no apenso K (apenso em que o Tribunal a quo fundamentou a decisão ora recorrida), com documentos, devidamente legalizados, com força probatória plena, são uma e a mesma pessoa, sob a égide do princípio da livre apreciação da prova, de que, in casu, não goza, conforme dispõe o n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
39. O Tribunal a quo ao não considerar a força probatória plena dos documentos juntos àqueles autos (apenso K) pela ali Ré (…), por requerimento, em 24.07.2018, com a ref.ª citius 5153573 de fls. 622 e seguintes e de fls. 653 e seguintes daqueles autos, violou o disposto nos artigos 365.º, 371.º, 372.º, 364.º, 366.º, 383.º, 384.º, 386.º, 387.º e 368.º, todos do Código Civil.
40. A força probatória plena de tais documentos só poderia ter sido ilidida com base na sua falsidade (n.º 1 do artigo 372.º do Código Civil), o que não sucedeu, podendo o tribunal, oficiosamente, declará-los falsos, se a falsidade for evidente em face dos sinais exteriores do documento (n.º 3 do artigo 372.º do C.C.), o que também não sucedeu, resultando assim claramente violados os artigos 371.º e 372.º do CC, bem como o n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
41. Em momento algum foi arguida a falsidade de tais documentos, nem foi nunca exigida a apresentação de quaisquer originais, o que apenas se deve ao facto de ter reconhecido a sua veracidade e exatidão, não estando mais em prazo para o poder fazer (artigo 444.º do C.P.C.), nem o Tribunal a quo os declarou oficiosamente falsos, pelo que tais documentos têm força probatória plena e estão subtraídos à livre apreciação do juiz, conforme dispõem os artigos 371.º do CC e n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.
42. O Tribunal a quo decidiu o facto 52 dos factos provados em clara e manifesta violação de lei, pois encontra-se provado por documentos com força probatória plena, que tal facto provado 52 é falso, pelo que o Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou todas as suprarreferidas normas jurídicas.
43. A decisão em crise, nos termos, fundamentos e com o dispositivo que foi proferida, sempre constituí violação de lei, errada interpretação e aplicação do artigo 186.º do CIRE, nomeadamente, das alíneas a), b), d), h) e i) do seu n.º 2.
44. Para efeitos de qualificação da insolvência e imputação da responsabilidade a pretensos afetados, relevam os factos praticados entre 20/02/2014 e 20/02/2011, uma vez que o processo de insolvência foi iniciado em 20/02/2014.
45. Sustenta-se nos autos que a conduta dos réus é integradora das alíneas a), b), d), e), f), g), h) e i) do n.º 2 e alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE, tendo o Tribunal a quo entendido estarem preenchidas as alíneas a), b), d), h) e i) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.
46. Conforme resulta demonstrado provado e fundamentado nas alegações de recurso, o Tribunal a quo considera preenchida a hipótese prevista na alínea a), do n.º 2, do artigo 186.º, do CIRE, quando, tratando-se, nesta alínea, da “prática de atos que determinem a perda ou subtração de parte considerável dos bens que constituíam o património do comerciante em quebra” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 570/2008), tendo-se provado, in casu, que os negócios concretizados entre a insolvente e a sociedade “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA” foram realizados no mês de Março de 2013, constituindo negócios jurídicos translativos do direito de propriedade sobre bens imóveis da devedora, por preço que a compradora pagou e a insolvente recebeu e integrou na sua esfera jurídica, depositando-o nas suas contas bancárias (vide fls. 484 e seguintes e, fundamentação para a decisão do facto provado 89 na sentença em crise) e na sequência da celebração do referido contrato a insolvente não ficou desprovida de todos os seus bens, pois estes imóveis representavam apenas uma parte pouco significativa de todo o seu ativo, imóveis estes não necessários ao exercício da atividade da insolvente e o processo de insolvência não foi declarado encerrado por insuficiência da massa insolvente para a satisfação das custas do processo e das demais dívidas, tendo sido apreendidos ativos patrimoniais para a massa insolvente, não se pode considerar verificada a hipótese prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.
47. Conforme resulta demonstrado provado e fundamentado nas alegações de recurso, o Tribunal a quo considera preenchida a hipótese prevista na alínea b), do n.º 2, do artigo 186.º do CIRE, quando, tratando-se da criação ou agravamento artificial de passivos ou prejuízos, ou reduzidos lucros, nomeadamente a celebração de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas e, inexistindo, conforme se demonstrou, o preenchimento de qualquer dos requisitos previstos nesta alínea, não se pode considerar verificada a hipótese prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.
48. Conforme resulta demonstrado provado e fundamentado nas alegações de recurso, o Tribunal a quo considera preenchida a hipótese prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, quando, tratando-se da prática de atos não orientados pela prossecução do interesse social, que representam um verdadeiro desvio no exercício dos poderes de administração e, dos autos evidenciam claramente que não houve a prática de atos de disposição de bens da devedora em proveito da sociedade “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, na medida em que, através do referido negócio jurídico, a devedora realizou um negócio proveitoso, pois teve lucro, e com tal negócio não se viu privada de bens necessários à prossecução da sua atividade, conforme supra se demonstrou, pelo que tal negócio não constituiu um fator favorável à situação de insolvência da mesma, na medida em que, como se provou, a insolvente recebeu o valor correspondente ao preço dos negócios, o ato descrito foi orientado pela prossecução do interesse social da insolvente e não da “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, não constituindo um efetivo desvio no exercício dos poderes de administração da insolvente, os factos descritos não são bastantes para afirmar que a devedora dispôs de bens próprios em proveito de terceiro em termos suscetíveis de contribuírem para a sua insolvência, tais atos que não contrariaram os interesses sociais da devedora, nem favoreceram os interesses da sociedade “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, o que assim não evidencia qualquer interesse por parte do administrador da insolvente na sociedade compradora, pois esta não foi beneficiada e, inexistindo, conforme se demonstrou, o preenchimento de qualquer dos requisitos previstos nesta alínea, não se pode considerar verificada a hipótese prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.
49. Conforme resulta demonstrado provado e fundamentado nas alegações de recurso, a norma contida da alínea e) do n.º 2 do citado artigo 186.º do CIRE, supõe exercício, a coberto da personalidade coletiva da empresa, de uma atividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa e inexistindo, conforme resulta dos factos provados e não provados (facto não provado 5 e 6), o preenchimento de qualquer dos requisitos previstos nesta alínea, não se pode considerar verificada a hipótese prevista na alínea e) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.
50. Conforme resulta demonstrado provado e fundamentado nas alegações de recurso, a norma contida da alínea f) do n.º 2 do citado artigo 186.º do CIRE, supõe que tenha sido feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto e, inexistindo, conforme se demonstrou, o preenchimento de qualquer dos requisitos previstos nesta alínea, não se pode considerar verificada a hipótese prevista na alínea f), do n.º 2, do artigo 186.º do CIRE.
51. Conforme resulta demonstrado provado e fundamentado nas alegações de recurso, a norma contida da alínea g), do n.º 2, do citado artigo 186.º do CIRE, supõe que tenha sido prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência e, inexistindo, conforme resulta dos factos provados e não provados, o preenchimento de qualquer dos requisitos previstos nesta alínea, não se pode considerar verificada a hipótese prevista na alínea g), do n.º 2, do artigo 186.º do CIRE.
52. Conforme resulta demonstrado provado e fundamentado nas alegações de recurso, o Tribunal a quo considera preenchida a hipótese prevista na alínea h), do n.º 2, do artigo 186.º do CIRE, quando, supõe o incumprimento em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor e, inexistindo, conforme se demonstrou e resulta provado (parte final do facto provado 70), o preenchimento de qualquer dos requisitos previstos nesta alínea, não se pode considerar verificada a hipótese prevista na alínea h), do n.º 2, do artigo 186.º do CIRE.
53. Conforme resulta demonstrado provado e fundamentado nas alegações de recurso, o Tribunal a quo considera preenchida a hipótese prevista na alínea i), do n.º 2, do artigo 186.º do CIRE, quando, supõe o incumprimento, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º do CIRE e, inexistindo, conforme se demonstrou, o preenchimento de qualquer dos requisitos previstos nesta alínea, não se pode considerar verificada a hipótese prevista na alínea i), do n.º 2, do artigo 186.º do CIRE.
54. Conforme resulta demonstrado provado e fundamentado nas alegações de recurso, a hipótese prevista nas alíneas a) e b), do n.º 3, do artigo 186.º do CIRE, supõe o incumprimento do dever de requerer a declaração de insolvência e o incumprimento da obrigação de elaborar as contas anuais no prazo legal, de submete-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial. Inexistindo, conforme se demonstrou, o preenchimento de qualquer dos requisitos previstos nestas alíneas e, inexistindo ainda a verificação do necessário nexo de causalidade necessário, não se pode considerar verificadas as hipóteses previstas nas alíneas a) e b), do n.º 3, do artigo 186.º do CIRE.
55. A factualidade apurada nos autos não se mostra bastante a afirmar a verificação do preenchimento das hipóteses previstas no artigo 186.º do CIRE.
56. Sustenta-se, ademais, que os autos não desencadeiam a verificação da situação contemplada pelo artigo 186.º/3, do CIRE, que enuncia facto que constitui uma presunção ilidível da existência de culpa grave. Tratando-se, neste caso, de uma presunção ilidível (ou juris tantum), a demonstração dos factos previstos nesta norma não impede a prova em contrário da presunção dos mesmos decorrente, conforme decorre do preceituado na 1.ª parte, do n.º 2, do artigo 350.º do Código Civil.
57. Apenas que, ao não requerer a insolvência ou ao não proceder ao depósito das contas, se agiu, por omissão, com culpa grave. É este o sentido que melhor se adequa ao texto legal e não no sentido defendido pelo Tribunal a quo (cfr. artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
58. Para se qualificar a insolvência como culposa torna-se necessário que esses factos ou omissões tenham criado ou agravado a situação de insolvência, para o que não basta a simples verificação objetiva desses comportamentos omissivos. Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Setembro de 2007, processo n.º 0731516, publicado em www.dgsi.pt; Acórdão da mesma Relação de 05 de Junho de 2012, processo n.º 363/10.0TYVNG-A.P1, publicado em www.dgsi.pt.
59. O artigo 18.º, n.º 1, do CIRE esclarece que “o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1, do artigo 3º, ou à data em que devesse conhecê-la”.
60. Por seu turno, o artigo 3.º, n.º 1, do CIRE estatui: “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.
61. Não obstante a efetiva cessação da atividade da devedora no início do ano de 2014 e os resultados do exercício do ano de 2013, cujo termo final se poderá assumir como a data da impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas desta (junho de 2014), cumpre referir que nada nos autos evidencia que a constituição de dívidas de capital se tenha verificado após tal circunstancialismo de tempo e que, assim, não teria ocorrido caso a insolvência houvesse sido, então, decretada.
62. Pelo que não se pode afirmar a ocorrência de um aumento do passivo da devedora com afirmação do agravamento da sua situação de insolvência – podendo apenas colocar-se a hipótese de um mero acumular de juros associados a dívidas vencidas (e não da constituição de novas dívidas).
63. Como não se pode afirmar que a violação do dever de requerer a declaração de insolvência por parte da devedora se encontre numa relação de causalidade com a situação de insolvência da devedora, ou seja, que essa omissão haja criado a situação de insolvência.
64. Idênticas considerações merecendo a verificação da hipótese contida no artigo 186.º/3/b), do CIRE: não pode afirmar-se a existência de um nexo de causalidade entre o incumprimento do dever de depositar contas anuais (as últimas depositadas reportam-se ao ano de 2012) e a criação ou agravamento da situação de insolvência da devedora.
65. A alínea e) do artigo 189.º/2, do CIRE impõe que as pessoas afetadas sejam condenadas a indemnizar os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária a responsabilidade entre todos os afetados.
66. Prescreve o artigo 189.º/4, do CIRE que “ao aplicar o disposto na alínea e) do n.º 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença”.
67. Como decorre do teor da norma plasmada pelo artigo 562.º do Código Civil, sempre que alguém esteja obrigado a reparar um dano sofrido por outrem, “deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (princípio da reposição natural).
68. O artigo 566.º, n.º 1, do Código Civil manda, em princípio, reparar o dano mediante a reconstituição natural, nos termos que acima deixámos enunciados.
69. Nem sempre, porém, o recurso à reconstituição natural permite resolver satisfatoriamente a questão da reparação do dano. Opera-se, então, a conversão daquela reconstituição natural em obrigação pecuniária, dando origem à indemnização em dinheiro, com carácter excecional e subsidiário, como decorre também dos n.ºs 1 e 2 do artigo 566.º do Código Civil, que consagra, para além do mais, a teoria da diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
70. Conforme todo o supra exposto, resulta suficientemente demonstrada a errada interpretação e aplicação da lei, bem como, a errada determinação das normas aplicáveis.
71. Sem conceder, à cautela e por mero patrocínio jurídico, sempre se dirá que a indemnização deverá corresponder ao valor dos créditos que teriam sido satisfeitos caso os afetados pela qualificação não houvessem retirado à titularidade da insolvente bens de sua pertença (em tese, pois não se concede), segundo os critérios de graduação a que se reportam os artigos 174.º a 178.º do CIRE, o que equivale ao valor dos referidos bens à data da sua transmissão para terceiros.»

O Ministério Público apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da sentença recorrida, que não padece de qualquer dos vícios que lhe são apontados. Mais salientou que, concomitantemente a uma disposição do património que impediu os credores da insolvente de ver satisfeitos, ainda que parcialmente, os seus créditos, a contabilidade da (…), Lda. apresentava graves irregularidades, situação que prejudicou a compreensão da situação patrimonial e financeira da empresa; o comportamento dos responsáveis pela insolvente inculca a convicção de que os mesmos se desinteressaram em prosseguir com o seu regular funcionamento, dissipando apressadamente bens e fechando abruptamente as portas, para além de que, em execução do seu desígnio, incumpriram reiteradamente o dever de colaboração com a administradora da insolvência, mostrando-se ajustados ao nível de conhecimento que os requeridos não poderiam deixar e tinham a obrigação de ter nos factos dados como provados, os graus de responsabilidade e as medidas da inibição que lhes foram aplicadas.

Cumpre conhecer das seguintes questões, seguindo-se, neste caso, a ordem pela qual são suscitadas:
- da nulidade da sentença;
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- da afetação de (…), (…), (…) e de (…) pela qualificação da insolvência como culposa;
- da falta de fundamento para a qualificação da insolvência como culposa;
- do dever de indemnização dos afetados pela qualificação da insolvência como culposa.

III – Fundamentos
A – Os factos provados em 1.ª Instância
1. (…), Lda., NIPC (…), constituída em 21.11.1991, com sede em Fontainhas - Seiça, tinha como objeto social a indústria transformadora de plástico de tubos para instalações elétricas e desde 20.04.2012 passou também a ter como objeto a reciclagem de resíduos de plástico, importação e exportação e comercialização dos mesmos;
2. O seu capital social é de € 800.000,00;
3. Em 20.02.2014, foi requerida a sua insolvência, por “(…), Lda.”;
4. Por sentença proferida nos autos principais e transitada em julgado, foi declarada insolvente em 07.05.2014;
5. Constam da matrícula social da Insolvente como seus sócios e gerentes, desde a data da sua constituição, (…) e (…);
6. (…) e (…) nasceram em 18.02.1976 e 22.10.1990, respetivamente, estando registados como sendo filhos de (…) e de (…);
7. (…) e (…) costumavam apresentar-se, perante fornecedores, clientes e trabalhadores como os responsáveis pela empresa insolvente, sendo eles quem dirigia a empresa;
8. Pelo menos, nos três anos anteriores a 20.02.2014, a cargo de (…) estava a definição da estratégia comercial da empresa, decidindo acerca dos novos projetos da empresa insolvente;
9. Era ele quem, junto dos fornecedores, solicitava os produtos a adquirir pela empresa, definindo os termos técnicos que pretendia para os produtos encomendados e discutindo os termos da adjudicação, como designadamente os preços;
10. Contactava os trabalhadores e negociava os termos dos respetivos contratos (horário, funções, retribuição), dando-lhes ordens, sobre o modo de execução do trabalho, juntamente com o pai (…);
11. Foi ele quem contratou o revisor oficial de contas e o contabilista da sociedade, estabelecendo com ele os termos dos contratos e realizando, com os mesmos, reuniões com vista a resolver os assuntos contabilísticos da empresa, reuniões estas onde também participava (…);
12. (…) decidiu que a empresa insolvente deveria fazer uma integração vertical, passando a produzir a sua própria matéria-prima, decidindo que a empresa também deveria começar a reciclar, projeto esse que colocou em prática, com anuência do seu pai, (…);
13. Decidiu também aumentar a área coberta das instalações da insolvente em (…), projeto que colocou em execução;
14. (…) costumava estar nas instalações da empresa, sendo visto como “o patrão”, procedendo aos respetivos pagamentos nomeadamente a fornecedores, embora após a morte do filho mais velho, (…), em data não concretamente apurada mas no ano de 2012, nas instalações da Insolvente, tenha passado a assumir uma postura mais pacífica, por força de perturbação emocional, deixando para o filho (…) a maior parte das decisões respeitantes à empresa, embora acompanhando o seu percurso; 15. (…) trabalhava na empresa insolvente, tendo a seu cargo a parte operacional, gerindo os recursos materiais, desde a sua compra, a entrada dos mesmos, o seu armazenamento, o transporte e a distribuição dos produtos, monitorando as operações, ou seja, tendo a seu cargo toda parte de entrega e recebimento de produtos na empresa;
16. Nessa parte logística, competia-lhe também dar ordens aos trabalhadores da Insolvente acerca do modo como deviam executar o respetivo trabalho;
17. (…), pessoa humilde, raramente ia às instalações da empresa insolvente, apenas sendo presença assídua nas confraternizações organizadas pela empresa, em épocas festivas, nenhumas funções lá desempenhando, pelo menos, nos últimos três anos antes do início do processo de insolvência, limitando-se a assinar aquilo que o marido (…) e os filhos lhe pediam para assinar, confiando nos mesmos;
18. A insolvente desenvolvia a sua atividade, pelo menos, nos seguintes locais:
- Instalações sitas na Rua (…), (…), (…): como sendo a fábrica mãe, onde eram fabricados tubos de plástico;
- Instalações sitas na Estrada Nacional (…), em (…), onde era reciclado o plástico (e que só foram abertas em 2012, depois da ampliação do objeto social);
19. Mediante a Ap. n.º (…), de 13.07.2011, foi registada a aquisição por compra a favor da (…), Lda. do prédio situado em (…), (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, na ficha com o n.º (…), freguesia de (…) e inscrito nas respetivas matrizes prediais rústicas e urbanas nos artigos (…) e (…), respetivamente;
20. Mediante a Ap. n.º (…), de 20.03.2013, foi registada a aquisição por compra do referido imóvel (ficha com o n.º …, freguesia de …), a favor de “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, sendo sujeito passivo a (…), Lda.;
21. Pela Ap. n.º (…), de 20.02.2014, foi registada a aquisição por compra do referido imóvel (ficha com o n.º …, freguesia de …), a favor de (…), sendo sujeito passivo a “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”;
22. Mediante a Ap. n.º (…), de 10.08.2007, foi registada a aquisição por arrematação em hasta pública a favor da (…), Lda. do prédio situado em (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, na ficha com o n.º (…), freguesia de (…) e inscrito nas respetivas matrizes prediais rústicas e urbanas nos artigos (…) e (…), respetivamente;
23. Mediante a Ap. (…), de 20.03.2013, foi registada a aquisição por compra do referido imóvel (ficha com o n.º …, freguesia de …), a favor de “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, sendo sujeito passivo a (…), Lda.;
24. Pela Ap. n.º (…), de 20.02.2014, foi registada a aquisição por compra do referido imóvel (ficha com o n.º …, freguesia de …), a favor de (…), sendo sujeito passivo a “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”;
25. Mediante a Ap. n.º (…), de 03.12.1998, foi registada a aquisição por compra a favor da (…), Lda. do prédio urbano situado em (…), (…), (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, na ficha com o n.º (…), freguesia de (…) e inscrito na respetiva matriz predial urbana no artigo (…)-P;
26. Mediante a Ap. n.º (…), de 20.03.2013, foi registada a aquisição por compra do referido imóvel (ficha com o n.º …, freguesia de …), a favor de “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, sendo sujeito passivo a (…), Lda.;
27. Pela Ap. n.º (…), de 20.02.2014, foi registada a aquisição por compra do referido imóvel (ficha com o n.º …, freguesia de …), a favor de (…), sendo sujeito passivo a “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”;
28. Mediante a Ap. n.º (…), de 14.05.2012, foi registada a aquisição por compra a favor da (…), Lda. do prédio rústico situado em Vale (…), descrito na Conservatória do Registo predial de Ourém, na ficha com o n.º (…), freguesia de (…) e inscrito na respetiva matriz predial rústica no artigo (…);
29. Mediante a Ap. n.º (…), de 20.03.2013, foi registada a aquisição, por compra, do referido imóvel (ficha com o n.º …, da freguesia de …), a favor de “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, sendo sujeito passivo a (…), Lda.;
30. Pela Ap. n.º (…), de 20.02.2014, foi registada a aquisição por compra do referido imóvel (ficha com o n.º …, freguesia de …), a favor de (…), sendo sujeito passivo a “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”.
31. Mediante a Ap. (…), de 10.08.2007, foi registada a aquisição por arrematação em hasta pública a favor da (…), Lda. do prédio rústico situado em (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, na ficha com o n.º (…), freguesia de (…) e inscrito na respetiva matriz predial rústica no artigo (…);
32. Mediante a Ap. n.º (…), de 20.03.2013, foi registada a aquisição por compra do referido imóvel (ficha com o n.º …, freguesia de Nossa Senhora das …), a favor de “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, sendo sujeito passivo a (…), Lda.;
33. Pela Ap. n.º (…), de 20.02.2014, foi registada a aquisição por compra do referido imóvel (ficha com o n.º …, freguesia de Nossa Senhora das …), a favor de (…), sendo sujeito passivo a “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”;
34. Mediante a Ap. n.º (…), de 22.02.2002, foi registada a aquisição por compra a favor da (…), Lda. do prédio rústico situado em (…) ou (…), (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, na ficha com o n.º (…), freguesia de (…) e inscrito na respetiva matriz predial rústica no artigo (…);
35. Mediante a Ap. n.º (…), de 20.03.2013, foi registada a aquisição por compra do referido imóvel (ficha com o n.º …, freguesia de …), a favor de “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, sendo sujeito passivo a (…), Lda.;
36. Pela Ap. n.º (…), de 20.02.2014, foi registada a aquisição por compra do referido imóvel (ficha com o n.º …, freguesia de …), a favor de (…), sendo sujeito passivo a “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”;
37. Mediante a Ap. n.º (…), de 14.08.2006, foi registada a aquisição por compra a favor da (…), Lda. do prédio rústico situado em (…), (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, na ficha com o n.º (…), freguesia de (…) e inscrito na respetiva matriz predial rústica no artigo (…);
38. Mediante a Ap. n.º (…), de 20.03.2013, foi registada a aquisição por compra do referido imóvel (ficha com o n.º …, freguesia de …), a favor de “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, sendo sujeito passivo a (…), Lda.;
39. Pela Ap. n.º (…), de 20.02.2014, foi registada a aquisição por compra do referido imóvel (ficha com o n.º …, freguesia de …), a favor de (…), sendo sujeito passivo a “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”;
40. Mediante a Ap. n.º (…), de 14.08.2006, foi registada a aquisição por compra a favor da (…), Lda. do prédio rústico situado em (…), (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém na ficha com o n.º (…), freguesia de (…) e inscrito na respetiva matriz predial rústica no artigo (…);
41. Mediante a Ap. n.º (…), de 20.03.2013, foi registada a aquisição por compra do referido imóvel (ficha com o n.º …, freguesia de …), a favor de “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, sendo sujeito passivo a (…), Lda.;
42. Pela Ap. n.º (…), de 20.02.2014, foi registada a aquisição por compra do referido imóvel (ficha com o n.º …, freguesia de …), a favor de (…), sendo sujeito passivo a “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”;
43. Mediante a Ap. n.º (…), de 02.11.2011, foi registada a aquisição por compra a favor da (…), Lda. do prédio rústico situado em Vale (…), (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, na ficha com o n.º (…), freguesia de (…) e inscrito na respetiva matriz predial rústica no artigo (…);
44. Mediante a Ap. n.º (…), de 20.03.2013, foi registada a aquisição por compra do referido imóvel (ficha com o n.º …, freguesia de …), a favor de “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, sendo sujeito passivo a (…), Lda.;
45. Pela Ap. n.º (…), de 20.02.2014, foi registada a aquisição por compra do referido imóvel (ficha com o n.º …, freguesia de …), a favor de (…), sendo sujeito passivo a “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”;
46. No dia 11.03.2013 mediante escritura pública, denominada de “Compra e Venda”, intervieram, na qualidade de primeiros outorgantes e na qualidade de únicos sócios da sociedade por quotas com a firma (…), Lda., (…) e (…), tendo intervindo também (…), como segundo outorgante e na qualidade de administrador único da sociedade anónima “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”;
47. Nessa sede, pelos primeiros outorgantes foi declarado o seguinte, designadamente: “Que sendo os únicos sócios da sociedade (…), Lda., se reúnem em assembleia geral dispensando as formalidades prévias e deliberam, que pela presente escritura e pelo preço global de trezentos e cinquenta e três mil e setecentos e cinquenta euros, vende à representada do segundo outorgante os seguintes bens:
“1) pelo preço de quarenta e cinco mil euros o prédio urbano composto por terreno para construção sito em (…), (…), freguesia de (…), concelho de Ourém, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, sob o número (…)/(…).
“A precisão da natureza e artigo matricial resultam de alteração superveniente à descrição.
“2) Pelo preço de noventa e um mil euros, o prédio misto (…) inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…) e artigo (…), sito em (…) – (…), freguesia de (…), concelho de Ourém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, sob o número (…)/(…).
“3) pelo preço de duzentos euros, o prédio rústico (…), sito em (…) ou (…) – (…), freguesia de (…), concelho de Ourém, inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, sob o número (…)/(…).
“4) pelo preço de duzentos euros, o prédio rústico (…), sito em (…) – (…) de (…), freguesia de (…), concelho de Ourém, inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, sob o número (…)/(…).
5) pelo preço de cinquenta euros, o prédio rústico (…), sito em (…), freguesia de Nossa Senhora das (…), concelho de Ourém, inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, sob o número (…)/ Nossa Senhora das (…);
6) pelo preço de cem euros o prédio rústico (…), sito em Vale (…), freguesia de (…), concelho de Ourém, inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, sob o número (…)/(…), (…);
7) pelo preço de cem euros o prédio rústico (…), sito em Vale (…), freguesia de (…), concelho de Ourém, inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, sob o número (…)/(…);
8) pelo preço de cem euros o prédio rústico (…), sito em (…) – (…), freguesia de (…), concelho de Ourém, inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, sob o número (…)/(…);
“9) pelo preço de duzentos e dezassete mil euros, o prédio misto (…), inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…) e artigo … (anterior …) (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, sob o número (…)/(…);”
48. Pelo Segundo Outorgante foi declarado que “aceita a presente venda, para a sua representada nos termos exarados e que a presente aquisição se destina para revenda.”
49. Os nove imóveis em causa, quando vendidos pela Insolvente, valiam, pelo menos, o valor de € 757.038,00;
49.1 Apesar da composição indicada na escritura de compra e venda, o prédio identificado em 1) do facto provado n.º 47, à data dessa venda pela Insolvente, era antes composto de armazéns e atividade industrial, com a área coberta de cerca de 1203 m2, tendo o valor, em conjunto com os identificados em 3) e 4) do mesmo facto provado (que integram o 1), de € 503.400,00;
49.2 Caso não existissem os armazéns, o valor seria antes de € 311.116.673,00;
50. No dia 20.02.2014, mediante escritura pública, denominada de “Compra e Venda”, (…), na qualidade de procurador da “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, declarou que “pela presente escritura, em nome da sociedade sua representada (…) vende à sociedade representada do segundo outorgante […, representada por procurador, Dr. … ou …], livre de ónus ou encargos (…)” os supra referidos imóveis, tendo sido declarado que o prédio correspondente ao identificado em 1) do facto provado n.º 47 era “composto de armazéns e atividade industrial, com a área coberta de mil duzentos e três metros quadrados e descoberta de dois mil oitocentos e noventa e dois metros quadrados”;
51. A procuração passada a favor de Dr. (…) ou (…) para representar a (…), foi realizada por (…), director desta última;
52. (…) e (…) são a mesma pessoa;
53. (…) é uma sociedade comercial constituída segundo as leis do Estado de Delaware, com sede em Park (…), 15th floor, New York, NY 329 10022-USA, sendo (…) o seu director;
54. Esta empresa tem também morada fiscal em Portugal, na R. (…), n.º 6, Urbanização Quinta da (…), (…), Porto de Mós, a que corresponde uma moradia cuja propriedade está registada a favor de (…), mandatário da Insolvente e dos quatro propostos afetados pela qualificação da insolvência como culposa;
55. Mediante escrito autenticado denominado por “Procuração”, datada de 08.02.2014, (…), na qualidade de administrador único de “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, declarou constituir seu bastante procurador (…), nos termos do documento de fls. 305-307, que aqui se considera integralmente reproduzido;
56. A (…), Lda. tinha registado a seu favor os seguintes veículos, tendo sido a propriedade dos mesmos registada posteriormente a favor das seguintes pessoas:
- Veículo automóvel de marca Renault, matrícula …-…-OR, registado a favor da Insolvente mediante o registo n.º (…), de 22.01.2013, tendo a propriedade sido registada mediante o registo n.º (…), de 03.01.2014, a favor da (…), Lda.;
- Veículo automóvel de marca Opel, matrícula …-…-UQ, registado a favor da Insolvente mediante o registo n.º (…), de 06.08.2010, tendo a propriedade sido registada mediante o registo n.º (…), de 24.12.2013, a favor de (…) e por sua vez mediante o registo n.º (…), de 24.12.2013, a favor de (…);
- Veículo automóvel de marca Mitsubishi, matrícula …-FP-…, registado a favor da Insolvente mediante o registo n.º (…), de 20.05.2010, tendo a propriedade sido registada mediante o registo n.º (…), de 03.01.2014, a favor da (…), Lda.;
- Veículo automóvel de marca DAF, matrícula …-…-GX, registado a favor da Insolvente mediante o registo n.º (…), de 04.11.2004, tendo a propriedade sido registada mediante o registo n.º (…), de 03.01.2014 a favor da (…), Lda. e por sua vez mediante o registo n.º (…), de 23.07.2014, a favor de (…), Unipessoal, Lda.;
- Veículo automóvel de marca Mercedes Benz, matrícula …-…-GX, registado a favor da Insolvente mediante o registo n.º (…), de 27.07.2007, tendo a propriedade sido registada mediante o registo n.º (…), de 03.01.2014, a favor da (…), Lda.;
- Veículo automóvel de marca Scania, matrícula …-…-TM, registado a favor da Insolvente mediante o registo n.º (…), de 27.06.2006, tendo a propriedade sido registada mediante o registo n.º (…), de 03.01.2014, a favor da (…), Lda. e por sua vez mediante o registo n.º (…), de 23.07.2014, a favor de (…), Unipessoal, Lda.;
- Veículo automóvel de marca Renault, matrícula …-…-RG, registado a favor da Insolvente mediante o registo n.º (…), de 16.03.2004, tendo a propriedade sido registada mediante o registo n.º (…), de 03.01.2014, a favor da (…), Lda.;
- Veículo automóvel de marca Mitsubishi, matrícula …-EA-…, registado a favor da Insolvente mediante o registo n.º (…), de 22.08.2011, tendo a propriedade sido registada mediante o registo n.º (…), de 03.01.2014, a favor da (…), Lda.;
- Veículo automóvel de marca Renault, matrícula PX-…-…, registado a favor da Insolvente mediante o registo n.º (…), de 11.12.2002, tendo a propriedade sido registada mediante o registo n.º (…), de 03.01.2014, a favor da (…), Lda.;
- Veículo automóvel de marca Opel, matrícula …-EV-…, registado a favor da Insolvente mediante o registo n.º (…), de 22.01.2013, tendo a propriedade sido registada mediante o registo n.º (…), de 03.01.2014, a favor da (…), Lda.;
- Veículo automóvel de marca Opel, matrícula …-…-MH, registado a favor da Insolvente mediante o registo n.º (…), de 06.08.2010, tendo a propriedade sido registada mediante o registo n.º (…), de 03.01.2014, a favor da (…), Lda.;
- Veículo automóvel de marca Opel, matrícula …-ET-…, registado a favor da Insolvente mediante o registo n.º (…), de 22.01.2013, tendo a propriedade sido registada mediante o registo n.º (…), de 03.01.2014, a favor da (…), Lda.;
- Veículo automóvel de marca Fiat, matrícula …-…-TZ, registado a favor da Insolvente mediante o registo n.º (…), de 06.08.2010, tendo a propriedade sido registada mediante o registo n.º (…), de 03.01.2014, a favor da (…), Lda.;
- Veículo automóvel de marca Mercedes Benz, matrícula …-OE-…, registado a favor da Insolvente mediante o registo n.º (…), de 10.02.2014;
57. A Insolvente, por decisão de (…) e (…), apresentou junto do IAPMEI uma candidatura aos apoios concedidos no Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) ao Sistema de Incentivos à Inovação, visando a obtenção de uma comparticipação financeira para a execução de um projeto de investimento industrial;
58. Essa candidatura foi aprovada, tendo sido celebrado um acordo escrito, denominado por “contrato de concessão de incentivos financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação”, datado de 19.10.2010, com o teor do documento n.º 1 junto com as alegações do IAPMEI que aqui se considera integralmente reproduzido (fls. 3-9) e sujeito igualmente às normas de pagamentos a que alude o documento 2 da mesma peça processual (fls. 10-17), que aqui se considera integralmente reproduzido;
59. Nessa sequência, a Insolvente apresentou quatro pedidos de adiantamento contra fatura, tendo o IAPMEI entregue as seguintes quantias monetárias à Insolvente: em 09.08.2011, o valor de € 987.741,98, em 27.12.2011, € 187.899,03, em 10.10.2012, € 158.211,86 e em 31.12.2013, o valor de € 542.856,89, num total de € 1.876.709,76;
60. O prazo previsto no acordo escrito, denominado por “contrato de concessão de incentivos financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação” foi excedido, uma vez que a última prorrogação do prazo havia terminado em 15.02.2013, tendo o IAPMEI notificado a empresa para esclarecer a situação, mediante carta datada de 06.03.2014;
61. Como a correspondência enviada foi devolvida, o IAPMEI desencadeou o procedimento tendente à resolução do contrato, por incumprimento das obrigações do promotor;
62. No âmbito do acordo escrito, denominado por “contrato de concessão de incentivos financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação” a Insolvente pagou integralmente e adquiriu os equipamentos melhor identificados a fls. 26, sob os números 1 a 12;
63. (…) e (…) comunicaram a todos os trabalhadores que iriam de férias no dia 15 de dezembro de 2013 a que deveriam regressar a 6 de janeiro de 2014;
64. Antes das férias, a empresa trabalhava normalmente, existindo várias paletes para serem entregues a clientes, matérias-primas, toda a maquinaria com que a empresa laborava habitualmente, a qual era de grandes dimensões, nomeadamente uma máquina, única a nível nacional, com o valor de cerca de € 421.400.000,00;
65. Na data determinada, os trabalhadores regressaram das férias e depararam-se com as instalações fechadas e totalmente vazias, com um papel com os dizeres que a empresa abriria a 15 de janeiro de 2014, sendo que nesta data a empresa continuou fechada, sem laborar e totalmente esvaziada;
66. Os administradores da Insolvência bem sabiam que a insolvente não estava a liquidar as suas dívidas;
67. Os gerentes não prestaram contas do exercício do ano de 2013, não as submeteram à aprovação dos sócios e não as registaram na Conservatória do Registo Comercial;
68. Em 31.12.2012, a Insolvente tinha inscrito na contabilidade:
- bens imóveis adquiridos pelo valor de € 1.153.952,92;
- equipamento básico adquirido pelo valor de € 4.460.813,29;
- equipamento de transporte, no valor de € 293.454,26;
- equipamento administrativo, no valor de € 32.694,65;
- outros bens não especificados, no valor de € 69.574,87;
- obras em curso, no valor de € 599.342,46;
- em inventário, € 1.046.630,63;
69. A empresa não realizava a contagem física dos materiais e produtos acabados em todos os seus armazéns, por isso o ROC não validou em cada um dos anos de 2010, 2011 e 2012, os inventários inscritos no balanço, bem como os valores indicados como custos das mercadorias e matérias consumidas;
70. Na certificação legal de contas relativas aos exercícios dos anos de 2010, 2011 e 2012 foram levantadas pelo ROC reservas a respeito dos inventários, sendo que no ano de 2012 o ROC concluiu que “7. a empresa não realizou no final do ano, em todos os seus armazéns, a contagem física dos inventários finais de matérias- primas, mercadorias e produtos acabados. Em consequência não me foi permitido validar o valor de 2.000.060,43 euros de inventários inscritos no balanço assim como os restantes 3.049.115,66 euros referentes ao custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas e -35.872,73 euros referentes à variação da produção, ambos inscritos na Demonstração de Resultados. (…) Em minha opinião, excepto quanto aos efeitos dos ajustamentos que poderiam revelar-se necessários caso não existissem as limitações nos parágrafos n.º(s) 7 e 8 acima, as referidas demonstrações financeiras apresentam de forma verdadeira e apropriada, em todos os aspetos materialmente relevantes, a posição financeira da (…), Lda., em 31 de Dezembro de 2012 (…)”;
71. Em sede da sentença de declaração de insolvência, foi fixada a residência aos gerentes da insolvente, (…) e (…), na Rua (…), n.º 63, (…) e determinado que a insolvente entregasse imediatamente à administradora da insolvência os documentos referidos no n.º 1 do artigo 24.º;
72. A sra. Administradora da Insolvência, em funções à data, enviou duas cartas a (…) e (…) registada a 22.05.2014 e 17.06.2014 para a morada fixada na sentença, solicitando os documentos referidos no n.º 1 do artigo 24.º;
73. Ambas as cartas vieram devolvidas com a menção de “objeto não reclamado”;
74. Até à presente data, (…) e (…) nunca entregaram os elementos da Insolvente a que alude o n.º 1 do artigo 24.º aos administradores da insolvência nomeados nos autos, designadamente nunca entregaram os elementos e documentos da contabilidade, as contas anuais relativas aos três últimos exercícios, nem os respetivos relatórios de gestão e de fiscalização, não entregaram o livro de atas da insolvente, não patentearam os documentos de escrituração a fim de serem examinados;
75. Em 31.12.2012, a insolvente tinha inscrito na conta “clientes” (a receber) € 2.020.783,29 e em outras contas a receber o valor de € 74.709,64, sendo que € 476 068.716,43 eram consideradas como incobráveis;
76. Em virtude da falta de entrega da contabilidade da insolvente, o administrador da insolvência está impedido de cobrar os créditos não considerados incobráveis;
77. Nos autos de insolvência foram apreendidos os seguintes bens:
77.1 Em 19.05.2014:
- Verba Um: prédio urbano, situado em (…) – (…), inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (…), concelho de Ourém, sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º …/19940613, da dita freguesia e com o valor matricial determinado em 2013, no montante de € 31.363,50;
- Verba Dois: prédio rústico, situado em (…) – (…), inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (…), concelho de Ourém, sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º …/2014508, da dita freguesia de (…) e com o valor matricial determinado em 1950, no montante de € 15,22;
- Verba Três: prédio rústico, situado em (…) – (…), inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (…), concelho de Ourém, sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º …/19890123, da dita freguesia de (…) e com o valor matricial determinado em 1950, no montante de € 38,60;
77.2 Em 26.03.2019:
- 5000 ações da (…) – Sociedade de (…), S.A, no valor de € 5.000,00;
- saldo em conta de depósitos à ordem, no valor de € 142,58;
78. Não foram entregues ao/à Administrador(a) da Insolvente quaisquer bens móveis a insolvente, nomeadamente máquinas de produção, matérias-primas, mercadorias, etc., nem foi indicado o local onde se encontram;
79. A (…), Unipessoal, Lda., com sede na Av. do (…), Edifício (…), lote 1.19.02ª, 14. 8 Parque das Nações, Lisboa, foi constituída em 04.10.2014, tendo por objeto social a fabricação, compra, venda, importação e exportação de tubos e acessórios (e matérias primas destes), para instalações elétricas, de telecomunicações e de canalizações. Compra e venda de veículos automóveis novos e usados e comércio de peças e acessórios de automóveis. Compra, venda e permuta de bens imóveis, bem como a revenda dos mesmos, para aqueles fins, administração, gestão e arrendamento de bens imóveis próprios ou de terceiros. Comércio, importação e exportação de máquinas, ferramentas, peças e acessórios, sendo seu sócio e gerente (…), a qual é sócia da (…), Lda., com uma quota no valor de € 9.000,00, juntamente com (…), esta com uma quota de € 1.000,00, gerente da (…) e companheira de (…), com quem tem dois filhos, nascidos em 04.12.2013 e 16.10.2009;
80. (…), (…) e (…) têm registados como avós paternos (…) e (…);
81. Nas instalações onde labora a empresa (…), Unipessoal, Lda. encontra-se a laborar a máquina da Insolvente que, à data do encerramento das instalações dessa era única a nível nacional, no valor de cerca de € 400.000,00;
82. A (…) – Transformação e Fabricação de (…), Lda. foi constituída em 18.02.2013, tendo sede na Rua (…), (…), freguesia de (…), concelho de Ourém, tem por objeto a fabricação de chapas, folhas, tubos e perfis plásticos, tendo como sócios e gerentes (…) e (…);
83. A (…) – Transformação e Lavagens de (…), Lda. foi constituída em 18.02.2013, tendo sede na Rua Dr. (…), s/n, freguesia de (…), concelho de Ourém, tem por objeto a reciclagem, tratamento e transformação de plásticos, tendo como sócios e gerentes (…) e (…);
84. A (…) – Transportes, Lda. foi constituída em 01.07.2013, tendo sede na Rua Dr. (…), s/n, freguesia de (…), concelho de Ourém, tem por objeto transportes rodoviários de mercadorias por conta de outrem e por conta própria, tendo como sócios e gerentes (…) e (…);
85. A (…), Lda., com sede em Rua (…), Zona Industrial (…), 2415-175 Leiria, foi constituída em 13 de abril de 2011, tendo por objeto social a produção de granulados de PVC e de matéria-prima para produtos de borracha, importação e exportação de comércio de produtos à base de PVC e borrachas, com o capital social de € 50.000,00, distribuído da seguinte forma:
- Uma quota no valor nominal de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) pertencente a (…), NIF (…);
- Uma quota no valor nominal de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) pertencente a (…), sendo que em 24 de janeiro de 2014, (…) renunciou ao cargo de gerência;
86. A (…), Lda., com sede em Av. da (…), n.º 67-B, 1250-140 Lisboa, foi constituída em 29 de Novembro de 2013, tendo por objeto social a compra e venda de tubos e acessórios para instalações elétricas, de telecomunicações e de canalizações; compra e venda de matérias-primas para a fabricação de tubos e acessórios para instalações elétricas, de telecomunicações e de canalizações; fabricação de tubos e acessórios para instalações elétricas, de telecomunicações e de canalizações; prestação de serviços na fabricação de tubos e acessórios para instalações elétricas, de telecomunicações e de canalizações, com o capital social de € 5.000,00, distribuído da seguinte forma:
- Uma quota no valor nominal de € 2.500,00, pertencente a (…);
- Uma quota no valor nominal de € 2.500,00, pertencente a (…), sendo ambos também seus gerentes;
87. A (…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA, com sede em Rua (…), n.º 3, 1.º-Esq.º, 1170-191 Lisboa, foi constituída em 09 de dezembro de 2011, tendo por objeto social a compra e venda de prédios rústicos e urbanos e revenda dos adquiridos para esse fim, conceção, edificação e exploração de empreendimentos imobiliários e turísticos, com o capital social inicial de € 1.500,00, distribuídos inicialmente da seguinte forma:
- Uma quota no valor nominal de € 750,00, pertencente a (…);
- Uma quota no valor nominal de € 750,00, pertencente a (…), NIF (…), sendo que em 06 de Agosto de 2012 procedeu-se a um aumento de capital da mesma, transformação em sociedade online e designação de membros de órgãos sociais, subscrevendo os sócios (…) e (…) cada um a quantia de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros) e as novas sócias (…) e “(…) – Investimentos Imobiliários, Unipessoal, Lda.” a quantia de € 200,00 (duzentos euros) cada uma e a nova sócia (…) – Utilidades, Equipamentos e Investimentos (…), Lda. a quantia de € 100,00 (cem euros), sendo (…) seu administrador único.
88. Os imóveis a que alude a escritura pública referida nos n.ºs 46 a 48 tinham sido adquiridos pela Insolvente pelo valor total de € 205.234,97; 89. “A (…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), S.A.” entregou à Insolvente o dinheiro da venda dos imóveis a que se alude nos factos provados n.ºs 46 a 48;
90. As viaturas vendidas não eram, à data, essenciais à atividade da Insolvente.

B – O Direito
Da nulidade da sentença
Os Recorrentes sustentam que a sentença enferma de nulidade porquanto a matéria de facto dada como provada ultrapassa a matéria de facto a que se reportam os temas da prova, constituindo ampliação da matéria de facto.
Da conjugação dos artigos 596.º, n.º 1 e 410.º do CPC retira-se que os temas da prova a enunciar reportam-se aos factos carecidos de prova, àqueles sobre os quais há de incidir a instrução. Na sentença é proferido julgamento sobre a matéria de facto alegada nos articulados, analisando-se criticamente as provas produzidas em sede de instrução e tomando-se, ainda, em consideração, os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito – cfr. artigo 607.º, n.º 4, do CPC. Enquanto que a enunciação dos temas da prova se destina a nortear as partes relativamente às diligências de instrução que cumpre prosseguir, é já a partir dos factos articulados que se processa o julgamento da matéria de facto relevante para a decisão do litígio.
Em face disso, e porque os Recorrentes não especificam qual a matéria de facto julgada provada por excesso relativamente ao objeto do litígio, cumpre concluir pela inexistência de fundamento para declarar nula a sentença proferida.

Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto
A reapreciação do julgamento realizado em 1.ª Instância, no que respeita à matéria de facto, visa apurar se os factos objeto de decisão que se mostra impugnada em sede de recurso foram incorretamente julgados, impondo-se decisão diversa. A Relação deve alterar a decisão se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – cfr. artigos 640.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 662.º, n.º 1, do CPC.
Por via de tal regime legal, «Incumbe ao recorrente a demonstração de que o tribunal recorrido cometeu um erro de julgamento. Para tanto, não lhe basta indicar determinado meio de prova que, no seu entendimento, sustente a versão factual que considere ser a verdadeira, como se nenhum outro existisse. Se se limitar a fazer essa indicação, o recorrente não terá, sequer, tentado demonstrar a existência de erro de julgamento. Tendo o tribunal recorrido formado a sua convicção sobre determinado facto com fundamento num conjunto de meios de prova, incumbe ao recorrente fundamentar a sua discordância em relação a todo o processo de formação da convicção daquele tribunal sobre o mesmo facto. Tal fundamentação passa, necessariamente, pela referência a todos os meios de prova de que o tribunal recorrido se serviu para formar a referida convicção e pela análise crítica dos mesmos, pois só assim o recorrente poderá sustentar devidamente a sua pretensão de alteração da matéria de facto. No fundo, é tarefa do recorrente propor uma análise crítica da prova (entenda-se, de toda a prova relevante para a formação da convicção sobre determinado facto) diversa daquela a que o tribunal recorrido procedeu, procurando, assim, convencer o tribunal de recurso de que é a sua a correta. Só se lograr esse convencimento, o recorrente terá demonstrado a existência de um erro de julgamento por parte do tribunal recorrido. E, como acima referimos, apenas nessa hipótese poderá a Relação alterar a decisão do tribunal de primeira instância.»[1]
Ora vejamos.
Relativamente ao n.º 25 dos factos provados, os Recorrentes pretendem fique a constar a menção de que o prédio urbano era terreno para construção, e que o artigo da matriz era o (…) e não o (…)-P.
O facto que vem enunciado no n.º 25 é o registo submetido pela dita Ap. (…), de 03/12/1998. Logo, é por referência ao teor dos elementos obtidos junto do registo predial que há de colher-se a informação ali vertida. E o que se colhe dos elementos de fls. 266 e ss é que, mediante a Ap. (…), de 03/12/1998, foi registada a aquisição do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo (…) em favor da (…), Lda.. O averbamento de alteração passando a constar terreno para construção correspondendo à matriz n.º (…) apenas tem lugar mediante a Ap. (…), de 20/02/2014. A escritura de compra e venda a que aludem os Recorrentes para evidenciar que o n.º da matriz é o (…) reporta-se a ato que teve lugar a 11/03/2013, pelo que nenhuma relevância alcança em face da factualidade versada no n.º 25 dos factos provados, a saber, o que foi registado pela Ap. (…), de 03/12/1998.
Relativamente ao n.º 26, pretendem os Recorrentes que se faça menção de que o imóvel era terreno para construção. Uma vez que está em causa a Ap. (…), de 20/03/203, e que o averbamento de alteração apenas teve lugar a 20/02/2014, a aquisição registada por via daquela apresentação a registo não poderá integrar a pretendida menção.
Relativamente ao n.º 27, pretendem os Recorrentes que se faça menção de que o prédio consiste em edifício composto de armazéns para atividade industrial e logradouro, correspondendo à matriz n.º (…). Da análise dos elementos registrais de fls. 266 e ss alcança-se que, aquando do registo da Ap. (…), de 20/02/2014, não constava ainda o averbamento de alteração como sendo edifício composto de armazéns e atividade industrial e logradouro, o que apenas foi levado a registo pela Ap. (…), de 02/07/2014. Logo, não há como afirmar-se que a aquisição registada pela Ap. (…), de 20/02/2014 se reportava a edifício composto de armazéns e atividade industrial e logradouro.
Inexiste, portanto, fundamento para alterar a redação dada aos n.ºs 25 a 27 dos factos provados.
Relativamente ao n.º 49, os Recorrentes sustentam que deve antes dar-se como provado que os nove imóveis em causa, quando vendidos pela Insolvente, valiam, pelo menos, o valor de € 370.311,00. Invocam que tal valor não ascende ao montante de € 757.038,00 exarado em 1.ª Instância pois, à data da venda pela Insolvente a “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, não tinham ainda sido edificados armazéns para atividade industrial, consistindo apenas em terreno para construção. É o que se retira do teor da escritura pública, da informação prestada pela Câmara Municipal de Ourém que atestou não ter a insolvente formulado pedido de licenciamento de construção em 2013 ou 2014, sendo inconsistente o depoimento da testemunha (…) em que se fundamenta a decisão recorrida. Na ótica dos Recorrentes, resultou evidenciado que (…) comprou o imóvel a “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA” com as características prédio urbano correspondente a edifício composto de armazéns para atividade industrial (1203 m2) e logradouro (2892 m2), e que “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, tinha-o comprado à Insolvente há onze meses, com as características de prédio urbano composto por terreno para construção, pelo que o valor a considerar em relação a este imóvel sempre teria que ser o correspondente ao valor do terreno, excluindo o valor do edificado.
Constata-se da sentença recorrida que, ao longo de 14 páginas, foram exarados os fundamentos do que ficou a constar como provado sob o n.º 49, 49.1 e 49.2. Cabe sublinhar a forma assertiva, criteriosa e minuciosa de apreciação da prova nesta matéria, evidenciando um juízo acertado e devidamente fundamentado.
Na verdade, assume relevância, neste âmbito, o relatório pericial que instrui o apenso K, as respostas dadas pela perita aos pedidos de esclarecimentos formulados neste apenso, acolhendo-se a justificação exarada na decisão recorrida para exclusão dos valores atribuídos no relatório pericial aos prédios n.ºs 4 e 9. Relativamente aos valores atribuídos aos prédios n.ºs 1, 2, 5 e 8 nenhuma objeção é apresentada no presente recurso.
A questão suscitada pelos Recorrentes reporta-se ao prédio identificado como C no relatório pericial, correspondendo aos prédios n.ºs 3, 6 e 7.
Das escrituras cujas cópias se mostram juntas, alcança-se o seguinte:
- a venda em 11/03/2013 do prédio urbano identificado como sendo terreno para construção pela Insolvente (…) a (…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA, no ato representada pelo administrador único (…), pelo preço de € 45.000,00;
- a venda em 20/02/2014 do prédio urbano cuja composição é agora de armazéns e atividade industrial, com a área coberta de 1.203 m2, por “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, representada pelo procurador (…) conforme poderes atribuídos por … (fls. 305 e seguintes), a (…), representada pelo procurador (…) ou (…), conforme poderes atribuídos por … (fls. 297), assinalando-se a semelhança da assinatura de (…) e da assinatura de …, evidenciando tratar-se da mesma pessoa, tal como afirmado no n.º 52 dos factos provados; o preço declarado é o de € 200.000,00; nesta escritura é feita menção de ter sido exibido o alvará de utilização n.º …/2014, emitido 2 dias antes, a 18/02/2014, pela Câmara Municipal de Ourém.
Na tese dos Recorrentes, a alteração da composição do imóvel, tendo nele sido edificados armazéns, justifica a subida do preço de € 45.000,00 para € 200.000,00 no espaço de 11 meses.
Desde logo suscita perplexidade que, no período de 11 meses, a proprietária (…) tenha projetado, obtido licença de construção, construído e obtido licença de utilização das referidas edificações. Certo é que não foi feita prova da licença de construção a “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, elemento que seria relevante, tanto mais que os Recorrentes reiteram a inviabilidade de realização de tais obras sem que o titular esteja munido da dita licença.
Por outro lado, tal como resulta da vasta doutrina e jurisprudência citada na sentença recorrida, a escritura pública atesta o que foi declarado, mas não atesta que o que foi declarado corresponde à verdade.
O depoimento prestado pela testemunha (…), que foi motorista da Insolvente durante vários anos, alicerça também a decisão tomada pela 1.ª Instância nesta matéria, sustentando a convicção séria e segura de que os armazéns já se encontravam edificados aquando da 1.ª venda. A testemunha reconheceu a entrada dos armazéns e respetivo logradouro, a confrontação do prédio com a via pública, descreveu as alterações a que foram sujeitos os armazéns, ainda antes do ano de 2013.
No apenso da reclamação de créditos, apenso C, o administrador da insolvência assinala o imóvel objeto destas escrituras como aquele onde foi exercida a atividade laboral da Insolvente. Por certo, não o fazia num terreno desprovido de qualquer edificação.
Os relatos de retirada de máquinas e equipamentos depois das férias de natal de 2013 (cfr. n.ºs 63 a 65 dos factos provados) corroboram a tese de que os armazéns ali existiam já, e deles foram retirados os bens que permitiam que a Insolvente pudesse laborar.
Acompanha-se, pois, toda a argumentação expendida na decisão recorrida, a qual não resulta colocada em crise pelo teor da alegação recursiva.
Mantêm-se, pois, o n.º 49, 49.1 e 49.2 nos seus precisos termos.
Relativamente aos n.ºs 52 e 53, os Recorrentes pugnam pela condução do teor do n.º 52 ao rol dos factos não provados e pela retificação do n.º 53, de modo a que dele fique a constar que o director de (…) é (…).
Este Tribunal da Relação está, no entanto, seriamente convencido de que (…) e (…) são a mesma pessoa, pessoa que é director de (…).
O facto de se tratar da mesma pessoa foi invocado pela administradora da insolvência no parecer de qualificação da insolvência apresentado (cfr. artigo 32, fls. 168); tal facto não foi especificamente impugnado na oposição apresentada a fls. 397 e seguintes.
Tal como referido na decisão recorrida, tal facto é, desde logo, manifesta e claramente evidenciado pelas assinaturas constantes de fls. 232, 300 verso, 301, 307 e 308, sem necessidade de recurso a prova pericial, pois não são reclamados conhecimentos especiais para a apreciação de tal circunstância – artigo 388.º do Código Civil. Aliás, estando tal meio de prova sujeito a livre apreciação pelo Tribunal (cfr. artigo 389.º do CC), não pode ser impositiva a intervenção de peritos, conforme parecem propugnar os Recorrentes.
A identidade de (…) surge na procuração emitida na qualidade de diretor de (…), em favor do Dr. (…), sendo que (…) apenas é identificado pelo domicílio profissional (cfr. fls. 80, entre outras); já a procuração emitida como sendo de (…) contém a informação do estado civil, NIF, n.º do cartão de cidadão e prazo de validade do mesmo, naturalidade do sujeito e residência pessoal habitual; logo, os parcos elementos de identificação atribuídos a (…) não permitem afastar a convicção de que se trata, efetivamente, da mesma pessoa.
A documentação a que aludem os Recorrentes, inserta no apenso K, não evidencia que (…) diretor de (…) seja um cidadão mexicano. Da credencial para votar de (…) e da declaração denominada certificado de incumbência emitida por Corporate (…), Ltd. não resulta, de forma firme e segura, tratar-se (…) de pessoa diversa de (…). Na verdade, embora essa declaração refira que (…) é um cidadão mexicano, não se reconhecem a (…), na qualidade de Secretary de (…), Ltd., poderes certificativos da identificação de cidadãos dos Estados Unidos do México. E de (…) não se alcança cópia de documento donde conste, designadamente, fotografia, tal como foram os autos instruídos relativamente a (…).
Mantêm-se, pois, os n.ºs 52 e 53 nos seus precisos termos.
Relativamente aos n.ºs 60 e 61, os Recorrentes sustentam que o respetivo teor deve dar-se como não provado.
O prazo atinente ao período de investimento do projeto previsto no contrato terminava a 30/04/2012. Logo, em 06/03/201 (data da emissão da carta de fls. 27), o prazo previsto o acordo escrito tinha sido excedido. Que o prazo de investimento tenha sido prorrogado até 15/02/2013 (cfr. fls. 27 verso) constitui facto que favorece o promotor, não tendo este invocado ou demonstrado ter sido outro o prazo limite de prorrogação. Da prova testemunhal produzida, devidamente elencada na decisão recorrida (fls. 44 e seguintes da sentença), não restam dúvidas do envio da carta de fls. 27. Uma vez que a carta alude a incumprimento decorrente da não realização do investimento nos prazos aprovados, obviamente que a carta terá de ser posterior à constatação do decurso do prazo sem ter sido realizado o investimento, com datas posteriores, sim, à do incumprimento.
Os Recorrentes não invocam fundamento para afastar o que consta do n.º 61. Na verdade, está efetivamente demonstrado, conforme consta da sentença, que teve lugar a devolução da carta datada de 06/03/2014, desencadeando-se em maio de 2014, o procedimento para resolução do contrato, nele se fazendo menção de que a carta remetida ao promotor, a título de audiência prévia, foi devolvida.
Mantêm-se, pois, os n.ºs 60 e 61 nos seus precisos termos.
Relativamente ao n.º 79, os Recorrentes pretendem fazer constar que (…) foi constituída em 2019, conforme doc. de fls. 708, e suprimir a menção de que (…) é companheira de (…).
O documento mencionado revela ter aquela sociedade sido constituída em 2019, pelo que se acolhe a pretensão dos Recorrentes neste ponto.
No que concerne à relação de (…) com (…), ou melhor, com (…), alegam os recorrentes que não foi feita prova de que este tenha ou alguma vez tenha tido qualquer relacionamento de âmbito empresarial com a mãe dos seus filhos, e que as relações familiares não poderão ser facto limitador ou condicionador do desenvolvimento da atividade profissional de quem quer que seja. Esta alegação não revela, assim, que a decisão tomada em 1.ª Instância no sentido de que (…) é companheira de (…) esteja errada e deva ser retificada. Por conseguinte, ao n.º 79 apenas se impõe acrescentar que a sociedade (…) foi constituída em 2019.
Relativamente aos n.ºs 64, 65 e 81 os Recorrentes pugnam pela condução do respetivo teor ao rol dos factos não provados. Alegam que dos depoimentos de (…) e de (…), que parcialmente transcrevem, não se colhe a afirmação daquela factualidade.
Constata-se, porém, que (…) afirmou que a máquina da (…), Lda. produzia tubo sendo então a única no país a fazê-lo daquela forma; que (…) atualmente também o produz. Do depoimento de (…) retira-se ter este adquirido para a empresa (…) uma máquina similar à da (…), Lda. depois de esta encerrar a sua atividade; que a (…), Lda. era a única a colocar aquele tubo no mercado; um produto único que agora é comercializado por (…); também a (…), empresa espanhola, produz o tubo, agora são 3 a fazê-lo; o tipo de anelado do tubo demonstra que a (…) está a utilizar a máquina que produzia antes na (…), Lda., o produto que aparece no mercado pela mão da (…) é que permite afirmar que a máquina, que foi feita por encomenda e não é de venda generalizada, é a mesma, não existe nenhuma outra máquina em Portugal que produza aquele produto com aquelas concretas características, nem com adaptação de ferramentas, de moldes ou o que seja.
Termos em que não lograram os Recorrentes demonstrar padecer de erro a decisão tomada em 1.ª Instância relativamente a tal matéria factual.
Relativamente ao n.º 66, os Recorrentes consideram que deve dar-se o respetivo teor como não provado porquanto não existe prova de que, antes da apresentação da petição inicial pelo credor (…) com vista à insolvência, a (…), Lda. tivesse qualquer outra dívida vencida e não paga.
Ora, a petição inicial foi apresentada a 20/02/2014, fazendo a Requerente menção de penderem contra a devedora os seguintes processos:
- execução ordinária n.º 239/14.1TBLRA – 1.º Juízo
Valor: € 69.172,44
Credor: (…) – Sociedade (…) de (…), Lda..
- execução sumária n.º 108/14.5TBVNO – 1.º Juízo
Valor: € 5.280,19
Credor: (…) – Combustíveis e Lubrificantes, Lda..
- execução sumária n.º 107/14.7TBVNO – 2.º Juízo
Valor: € 6.620,67
Credor: (…) – Combustíveis e Lubrificantes, Lda..
- execução ordinária n.º 144/14.1TBVNO – 2.º Juízo
Valor: € 30.022,71
- execução sumária n.º 154/14.9TBVNO – 2.º Juízo
Valor: € 9.046,25
Credor: (…) – Máquinas e Equipamento P/ Indústria de (…), Lda..
- acção esp. cump. obrig. pecun. n.º 91/14.7TBVNO – 2.º Juízo
Valor: € 24.596,43
Credor: (…) (…) Portuguesa, Lda. e (…) e Companhia, Lda..
Do apenso de reclamação de créditos constam como reconhecidos 82 créditos, no montante global de € 7.532.146,51.
Estando assente que, desde 15 de dezembro de 2013, a (…), Lda. deixou de laborar, tendo encerrado definitivamente as suas instalações nessa data, resulta manifesto que as dívidas reclamadas e reconhecidas existiam já a 20/02/2014, data em que foi requerida a insolvência da devedora. Por conseguinte, não se acolhe a argumentação dos Recorrentes no sentido de que inexiste prova de que existissem dívidas vencidas e não pagas excepto as do credor (…) e que, por isso, não se pode afirmar que os administradores sabiam que as dívidas não estavam a ser pagas.
Mantém-se o n.º 66 nos seus precisos termos.
Relativamente ao n.º 72, os Recorrentes alegam inexistir prova documental que demonstre o teor das comunicações envidas naquelas datas.
Não lhes assiste razão, como se alcança de fls. 179.

Da afetação de (…)
Os Recorrentes sustentam que (…), pessoa humilde que, embora sendo gerente de direito da sociedade, nunca nela desempenhou qualquer função, não pode ser afetada pela insolvência.
É certo que resultou provado que (…), pessoa humilde, raramente ia às instalações da empresa insolvente, apenas sendo presença assídua nas confraternizações organizadas pela empresa, em épocas festivas, nenhumas funções lá desempenhando, pelo menos, nos últimos três anos antes do início do processo de insolvência, limitando-se a assinar aquilo que o marido (…) e os filhos lhe pediam para assinar, confiando nos mesmos. Porém, (…) foi sócia gerente da Insolvente desde a constituição da sociedade, interveio na escritura pública de venda do património imobiliário da sociedade, outorgada a 11/03/2013, na qualidade de sócia da sociedade; nunca diligenciou pela entrega à administradora da insolvência dos elementos da insolvente, como para tanto foi interpelada mediante carta endereçada para a residência que lhe foi fixada em sede de sentença de declaração de insolvência.
Atenta a sua qualidade de gerente, apresenta-se, para efeitos do CIRE, como administradora. Nos termos do disposto no art.º 6º do CIRE, são considerados administradores aqueles a quem incumba a administração ou liquidação da entidade ou património em causa, designadamente os titulares do órgão social que para o efeito for competente.
Ora, os gerentes de direito, ainda que a gerência de facto seja exercida por outrem, são sempre afetados pela qualificação da insolvência. Na verdade, a menção acolhida no artigo 189.º, n.º 2, alínea a), do CIRE no sentido de que na sentença que qualifique a insolvência como culposa devem ser identificadas as pessoas afetadas pela qualificação, nomeadamente administradores, de direito ou de facto, tem em vista alargar a responsabilização, incluindo quer os gerentes de facto quer os de direito, nos casos em que as funções de gerência não estão reunidas na mesma pessoa, e não restringi-la aos gerentes de facto, com exclusão dos gerentes de direito.[2] A lei releva tanto a atuação/omissão dos gerentes de facto como dos de direito.[3] Certo é que deve ser afetado pela qualificação da insolvência como culposa o gerente de direito, ainda que não exerça a gerência de facto, porquanto essa qualidade lhe permite e impõe acompanhar a vida da sociedade, inteirar-se do modo como gerência é exercida, zelar pelo cumprimento dos deveres legais.[4] A circunstância de ter o cargo de gerente impõe ao respetivo titular responsabilidades sobre modo como efetivamente é exercida a gerência, relativamente ao cumprimento de obrigações fiscais e de manter a contabilidade organizada, além de estar adstrito a prover a preservação da contabilidade e do património social. A ignorância e o alheamento dos destinos da sociedade constituem, por si só, uma violação dos deveres gerais que se impunham ao gerente da insolvente (artigo 64.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais), pelo que a invocação de que, como gerente de direito, estava afastada do dia-a-dia da sociedade, não a dispensa dos seus deveres para com a sociedade.[5]
Nestes termos, os fundamentos invocados pelos Recorrentes não relevam para efeitos de reversão da decisão recorrida relativamente à gerente (…). Incorreu na violação grave dos elementares deveres inerentes à gestão do património da sociedade, comprometendo os interesses dos credores no que concerne à satisfação dos respetivos créditos.

Da afetação de (…)
Os Recorrentes sustentam que (…) é alheio à situação de insolvência, só interveio na escritura pública outorgada a 20/02/2014 em representação do seu irmão porque este não pôde estar presente, não existindo fundamento para considerar que conhecia os negócios efetuados pela insolvente.
Efetivamente, da factualidade assente não resulta que (…) atuasse na qualidade de gerente de facto. Acompanham-se, no entanto, os argumentos plasmados na sentença de 1.ª Instância, que não resultam abalados pela alegação de recurso. De salientar, assim, o seguinte:
«nos termos do n.º 2, alínea a), do artigo 189.º do CIRE, na redação dada pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, “na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve identificar as pessoas, nomeadamente administradores, de direito ou de facto, técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas, afetadas pela qualificação, fixando, sendo o caso, o respetivo grau de culpa”. Como claramente se deduz do preceito legal em referência, a enunciação das pessoas que podem ser afetadas pela qualificação da insolvência como culposa é meramente exemplificativa (como decorre do termo “nomeadamente”), podendo “terceiros” ser declarados afetados pela qualificação da insolvência como culposa, desde que sobre eles se possa, também, formular um juízo de culpabilidade relativamente à qualificação da insolvência como culposa, juízo este que, necessariamente, será analisado casuisticamente – neste sentido vide Catarina Serra, in “O Regime Português da Insolvência”, pág. 73 e seguintes.
(…)
(…) interveio na celebração da escritura pública de 20.02.2014, na qualidade de procurador da vendedora “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, sociedade esta gerida pelo seu irmão (…) e quem lhe conferiu poderes de representação (facto n.º 55). Essa escritura de compra e venda, por todos os factos que já se foram explanando supra, serviu para tentar ocultar os bens imóveis, ou pelo menos dificultar a ação dos credores sobre estes bens. Veja-se que a sociedade compradora (…) era, também, inclusivamente gerida pelo seu irmão (…).
Por outro lado, (…), embora não tivesse sido provado que gerisse de facto a empresa insolvente, trabalhava nesta, juntamente com o seu pai e irmão, estando, por isso, todos ligados por laços de familiaridade, o nos inculca a ideia de que seria totalmente desrazoável que (…) não soubesse do negócio que havia sido feito entre a Insolvente e a “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, que não soubesse do terminus do prazo concedido pelo IAPMEI para o cumprimento do contrato de incentivos (15.02.2013), com a necessária obrigação de restituição pela Insolvente de € 1.876.709,76, dada a relevância de tal situação para a empresa insolvente, prazo esse excedido precisamente dias antes da celebração do negócio de 11.03.2013.
Adensa toda a nossa convicção o facto da escritura de compra e venda entre (…), SA e (…) ter sido realizada dias depois das instalações da insolvente terem sido encerradas, com o esvaziamento integral das mesmas instalações, desconhecendo-se o local onde os bens foram colocados (à exceção da máquina de € 400.000,00, mas que também foi retirada da disponibilidade da Insolvente) e dos bens móveis registáveis terem sido quase todos eles vendidos a terceiro.
Importa ainda atentar para os preceitos legais ínsitos nos artigos 120.º, n.º 2, 4 e 5 e 49.º do CIRE, nos termos dos quais, e a par do indicado factualismo concreto, se conclui pela prática também por (…) de ato que veio a diminuir, frustrar ou dificultar pondo em perigo ou retardando, a satisfação dos direitos dos credores da insolvência, concluindo-se relativamente também a (…) a sua atuação de má-fé, colaborando na prática do ato danoso para a insolvente intencionalmente prejudicial à massa e aos credores, tratando-se este terceiro de pessoa especialmente relacionada com a devedora nos termos do artigo 49.º, n.º 2, alínea d), do CIRE.
(…)
Decorre da factualidade em causa a atuação danosa da insolvente e das empresas “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA” e (…), em conluio e com vista à prática de atos que vieram a revelar-se prejudiciais à massa insolvente, esvaziando e ocultando a maior parte dos bens imóveis da insolvente. Esses atos favoreceram as indicadas sociedades, cujo gerente / administrador / gestor era (…). (…) era também era gerente de facto da insolvente, filho dos respetivos gerentes de direito. Já (…) figurou como representante (através de procuração) de uma das mencionadas sociedades favorecidas, sendo ele familiar irmão de (…) e filho dos gerentes de direito[6] da insolvente.
Assim sendo, deverá ser abrangido pela qualificação como culposa também (…).»
Acrescente-se que, atentas as funções que exercia na sociedade (…), (…) não podia deixar de saber que as instalações onde era exercida a atividade da sociedade foram encerradas e não mais abriram portas após 15/12/2013, e que a 15/01/2014 estava desprovida de bens e equipamentos, maquinaria e produtos. A 08/02/2014 foram-lhe atribuídos poderes de representação por seu irmão (…) poderes que exerceu representando “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA” na escritura pública de compra e venda outorgada a 20/02/2014 tendo por objeto o património imobiliário que pertenceu à sociedade (…), Lda. e que esta havia declarado vender a “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA” 11 meses antes. O que não se concede não fosse do seu inteiro conhecimento.
Deverá, pois, (…) ser afetado pela qualificação da insolvência como culposa.

Da afetação de (…) e de (…)
Na ótica dos Recorrentes, a apreciação lavrada na sentença assenta em deduções que assentam em presunções inválidas, não concretiza a participação de cada um dos afetados pois não indica os concretos atos praticados por cada um deles. Consideram insuficiente a matéria de facto provada para fundamentar a decisão proferida.
Convenhamos:
A dissipação do património mobiliário e imobiliário, preservando-o da previsível apreensão em favor da massa insolvente, teve lugar à revelia dos gerentes de direito e de facto? Quem mais, senão eles, providenciou por essa dissipação?
O encerramento das instalações, a desativação da sociedade e a retirada de bens e equipamentos teve lugar à revelia dos gerentes de direito e de facto? Quem mais, senão eles, providenciou pelo encerramento das instalações, pela desativação da sociedade e pela retirada dos bens e equipamentos?
A dissolução da sociedade à margem da regulamentação legal teve lugar à revelia dos gerentes de direito e de facto? Quem mais, senão eles, determinou essa dissolução?
A falta de prestação de contas do exercício do ano de 2013 teve lugar à revelia dos gerentes de direito e de facto? Quem mais, senão eles, determinou a omissão de cumprimento desse dever?
A falta de entrega dos elementos da contabilidade da insolvente à administradora da insolvência, impedindo a cobrança dos créditos não considerados incobráveis, teve lugar à revelia dos gerentes de direito e de facto? Quem mais, senão eles, estavam adstritos ao cumprimento dessa obrigação?
A falta de entrega de bens móveis, máquinas de produção, matéria primas e mercadorias à administradora da insolvência, inviabilizando desse modo a liquidação para satisfação dos credores, teve lugar à revelia dos gerentes de direito e de facto? Quem mais, senão eles, estavam adstritos ao cumprimento dessa obrigação?
Atente-se que o volume de créditos reclamados e reconhecidos ascende ao montante global de € 7.532.146,51. Os gerentes de direito e de facto não podiam desconhecer que a imediata cessação da atividade empresarial e retirada do património mobiliário e imobiliário da esfera jurídica da sociedade, sem que se alcance ter o produto das vendas realizadas revertido em favor dos credores, a colocavam em imediata situação de insolvência. E se, porventura, desconheciam, incorreram, por via desse alheamento, na violação dos deveres que sobre si impediam.
Acompanha-se, portanto, a decisão recorrida na identificação das pessoas afetadas pela qualificação e na fixação do respetivo grau de culpa, a qual se mostra devida e criteriosamente sustentada de facto e de direito.

Da falta de fundamento para a qualificação da insolvência como culposa
O artigo 186.º do CIRE regula a insolvência culposa nos seguintes termos:
1- A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
2 - Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas;
c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
e) Exercido, a coberto da personalidade coletiva da empresa, se for o caso, uma atividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa;
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto;
g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º.
3. Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência;
b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.
4. O disposto nos n.ºs 2 e 3 é aplicável, com as necessárias adaptações, à atuação de pessoa singular insolvente e seus administradores, onde a isso não se opuser a diversidade das situações.
5. Se a pessoa singular insolvente não estiver obrigada a apresentar-se à insolvência, esta não será considerada culposa em virtude da mera omissão ou retardamento na apresentação, ainda que determinante de um agravamento da situação económica do insolvente.
Em 1.ª Instância considerou-se existir fundamento para a qualificação da insolvência como culposa à luz das alíneas a), b), d), h) e i) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.
Importa apreciar se o pagamento do preço declarado na escritura outorgada a 11/03/2013 por “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA” a (…), Lda., a circunstância de os bens imóveis transacionados não serem indispensáveis à prossecução da atividade produtiva da sociedade e a existência de ativos patrimoniais para apreensão em favor da massa insolvente afastam a aplicação do regime inserto na citada alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, se inexiste prova que permita a subsunção às alíneas b) e d), como sustentam os Recorrentes.
Cabe levar em conta que os nove imóveis cuja propriedade foi transferida para (…) representavam parte relevante do património imobiliário da insolvente, ascendendo o respetivo valor global a, pelo menos, € 757.038,00. Já os imóveis apreendidos em benefício da massa insolvente (o prédio urbano, situado em … – …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º …/19940613, o prédio rústico, situado em (…) – (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º …/2014508 e o prédio rústico, situado em (…) – (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º …/19890123) ascendem ao valor matricial global de € 31.417,32.
Por outro lado, o valor declarado e pago na sequência da referida escritura é de € 353.750,00, valor de cerca de metade do valor de mercado dos bens imóveis, em manifesto e flagrante prejuízo para (…), Lda., na medida do manifesto e flagrante beneficio para “(…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), SA”, sociedade cujo administrador único é (…).
Na data da outorga da referida escritura pública já estava ultrapassado o prazo prorrogado concedido pelo IAPMEI para cumprimento do contrato de concessão de incentivos assim como o prazo adicional que tinha sido concedido (até 15/02/2013), o que fazia antever a obrigação de restituição do montante até aí financiado de € 1.333.852,87 – cfr. fls. 24. Não obstante o pagamento do preço declarado pela aquisição dos imóveis, de montante consideravelmente inferior ao valor de mercado dos bens, certo é que não resultou demonstrado que esse capital tenha revertido em favor do giro empresarial.
As viaturas vendidas, embora não sendo essenciais à atividade desenvolvida, constituíam património que poderia ter revertido em favor da satisfação dos créditos reclamados, não fora terem sido alienadas a 03/01/2014.
A subtração dos bens e equipamentos, matérias primas e produtos que se encontravam nas instalações onde a devedora exercia a sua atividade consubstancia ato de ocultação do património da devedora, implicando na imediata cessação da atividade que vinha sendo exercida até 15/12/2013, vindo apurar-se a existência de dívidas em montante superior a € 7 M (sete milhões de euros). Aqueles que dirigiam a sociedade implementaram a desativação da atividade produtiva que vinha sendo prosseguida, operando a dissolução e liquidação do património que esta contemplava à margem das regras que impõem a salvaguarda dos direitos dos credores, designadamente trabalhadores, fornecedores e financiadores de capital.
Tal como bem consta explanado na sentença recorrida, cujos termos nos dispensamos de transcrever (cfr. fls. 57 a 63), os factos revelam que a situação se enquadra nas alíneas a), b) e d) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.
Relativamente à alínea h), os Recorrentes invocam que não se pode considerar a hipótese aí prevista dado que não se afirma nenhum dos requisitos ali previstos, atenta a parte final do n.º 70 dos factos provados.
Está provado o seguinte:
67. Os gerentes não prestaram contas do exercício do ano de 2013, não as submeteram à aprovação dos sócios e não as registaram na Conservatória do Registo Comercial;
69. A empresa não realizava a contagem física dos materiais e produtos acabados em todos os seus armazéns, por isso o ROC não validou em cada um dos anos de 2010, 2011 e 2012, os inventários inscritos no balanço, bem como os valores indicados como custos das mercadorias e matérias consumidas;
70. Na certificação legal de contas relativas aos exercícios dos anos de 2010, 2011 e 2012 foram levantadas pelo ROC reservas a respeito dos inventários, sendo que no ano de 2012 o ROC concluiu que “7. a empresa não realizou no final do ano, em todos os seus armazéns, a contagem física dos inventários finais de matérias-primas, mercadorias e produtos acabados. Em consequência não me foi permitido validar o valor de 2.000.060,43 euros de inventários inscritos no balanço assim como os restantes 3.049.115,66 euros referentes ao custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas e -35.872,73 euros referentes à variação da produção, ambos inscritos na Demonstração de Resultados. (…) Em minha opinião, excepto quanto aos efeitos dos ajustamentos que poderiam revelar-se necessários caso não existissem as limitações nos parágrafos n.º(s) 7 e 8 acima, as referidas demonstrações financeiras apresentam de forma verdadeira e apropriada, em todos os aspetos materialmente relevantes, a posição financeira da (…), Lda., em 31 de Dezembro de 2012 (…)”.
Em face do que se acolhe a argumentação expendida na sentença proferida em 1.ª Instância: «foram praticadas irregularidades em sede contabilística, com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira da Devedora. Nesta conformidade, cumpre chamar à colação que a contabilidade se destina, na sua essência, a refletir a imagem correta e transparente da situação económica e financeira da sociedade. Tal, naturalmente, não sucedeu quando, como ficou provado, a empresa não realiza a contagem física dos materiais e produtos acabados em todos os seus armazéns e por isso o ROC não valida em cada um dos anos de 2010, 2011 e 2012, os inventários inscritos no balanço, bem como os valores indicados como custos das mercadorias e matérias consumidas.
Por esse motivo, na certificação legal de contas relativas aos exercícios dos anos de 2010, 2011 e 2012 foram levantadas pelo ROC reservas a respeito dos inventários, sendo que no ano de 2012 o ROC concluiu que “a empresa não realizou no final do ano, em todos os seus armazéns, a contagem física dos inventários finais de matérias-primas, mercadorias e produtos acabados. Em consequência não me foi permitido validar o valor de 2.000.060,43 euros de inventários inscritos no balanço assim como os restantes 3.049.115,66 euros referentes ao custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas e -35.872,73 euros referentes à variação da produção, ambos inscritos na Demonstração de Resultados”, sendo certo que falamos de valores substanciais e significativos, na vida de uma sociedade da dimensão da (…), Lda., que não foram validados e que implicaram a conclusão do ROC de que, apesar das demonstrações financeiras apresentarem de forma verdadeira e apropriada, em todos os aspetos materialmente relevantes, a posição financeira da (…), Lda., em 31 de Dezembro de 2012, o mesmo não se passa com a referida situação dos inventários.
Veja-se ainda que a obrigação de elaboração de inventários resulta das Normas Contabilísticas em vigor.
De acordo com a Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) n.º 18 "Inventários" estava a insolvente obrigada a realizar esses inventários. Ora, a desconformidade referente aos inventários determina necessariamente uma desconformidade em sede de ativo e resultado líquido da Insolvente, com necessária mácula para a imagem da situação económica e financeira da sociedade que se quer transparente, através de uma contabilidade que espelhe integral e fidedignamente aquela situação. Tanto mais assim é, que se desconhece por completo, neste momento, em face do seu desaparecimento, quais, em concreto, os bens móveis não registáveis da insolvente, para além dos que se deram como provados (os constantes da lista de fls. 26, sob os números 1 a 12 e a máquina de cerca de € 400.000,00). Esta rúbrica identificada e que está apartada da realidade dá uma imagem distorcida sobre a situação patrimonial e financeira da sociedade insolvente, com prejuízo relevante para a sua compreensão, tendo sido criada uma situação patrimonial ilusória, com prejuízo relevante para todos quantos estão interessados e têm o direito de conhecer o estado económico-financeiro da sociedade devedora.»
A insolvência assume, portanto, carácter culposo também por via da alínea h) do normativo legal em apreço.
Mais invocam os Recorrentes que não resultou preenchida a hipótese prevista na alínea i) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.
Contudo:
- nunca a insolvente, os administradores de direito e de facto procederam à entrega dos elementos a que alude o n.º 1 do artigo 24.º do CIRE, designadamente os elementos e documentos da contabilidade, as contas anuais relativas aos três últimos exercícios, os respetivos relatórios de gestão e de fiscalização, o livro de atas da insolvente, os documentos de escrituração, não obstante o que foi determinado em sede de sentença de declaração de insolvência;
- as cartas enviadas pela administradora da insolvência a (…) e (…) para a morada fixada na sentença, solicitando os documentos referidos no n.º 1 do artigo 24.º foram devolvidas com a menção de “objeto não reclamado”, colocando-se os administradores de direito em situação de total indisponibilidade para prestar a colaboração e em situação de paradeiro desconhecido;
- em 31/12/2012, a insolvente tinha inscrito na conta “clientes” (a receber) € 2.020.783,29 e em outras contas a receber o valor de € 74.709,64, sendo que € 68.716,43 eram consideradas como incobráveis em virtude da falta de entrega da contabilidade da insolvente;
- os administradores de direito e de facto não prestaram qualquer informação aos administradores da insolvência ou ao tribunal, nem estabeleceram qualquer contacto com o administrador da insolvência ou com o tribunal no sentido de entregar a documentação referida, informar onde a mesma se encontra, informar acerca do destino dos bens móveis não registáveis, nomeadamente máquinas de produção, matérias-primas, mercadorias, nem indicaram o local onde se encontram.
Resulta, portanto, demonstrado que os administradores de direito e de facto incumpriram, de forma reiterada e continuada, o dever de colaboração a que estavam adstritos, omitindo a prestação de qualquer informação sobre a vida da empresa e da respetiva situação patrimonial, com relevância para efeitos do disposto no artigo 186.º, n.º 2, alínea i), do CIRE.
Seguem os Recorrentes sustentando que não se verifica nenhuma das hipóteses plasmadas no n.º 3 do artigo 186.º do CIRE, norma que consagra presunção ilidível e que os factos apontados não demonstram que tenha sido criada ou agravada a situação de insolvência.
Ora vejamos.
No n.º 2 do artigo 186.º do CIRE é feita a enunciação taxativa de factos que, uma vez provados, conduzem a uma presunção inilidível de que a insolvência é culposa; não se admite prova em contrário, atento o advérbio empregue (sempre). No n.º 3 é que se enunciam situações que fazem presumir a existência de culpa grave dos administradores de direito ou de facto, sendo necessário provar que tal atuação com culpa grave (presumida) criou ou agravou a situação de insolvência; a qualificação da insolvência como culposa, limitada às situações de dolo ou culpa grave, exige um comportamento censurável do devedor e uma relação de causalidade entre a conduta do devedor e o estado declarado de insolvência, uma vez que o devedor pode ter atuado dolosamente mas não ter contribuído para a criação ou o agravamento da insolvência.
Assim;
- nos casos previstos no n.º 2 é automática a qualificação da insolvência como culposa, não é necessária a prova de culpa, nem do nexo de causalidade entre a atuação dos administradores do devedor e a criação ou o agravamento da situação de insolvência, nem sequer se admite prova em contrário;
- no âmbito do n.º 1 tem de resultar afirmada a culpa efetiva e no âmbito do n.º 3, a culpa presumida, impondo-se, nestes casos (n.ºs 1 e 3) a demonstração do nexo de causalidade para que a insolvência possa ser qualificada como culposa.
Uma vez que a decisão proferida no sentido de qualificar a insolvência como culposa se alicerça no regime inserto no n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, e não já no n.º 3, dispensamo-nos de apreciar este segmento das alegações.

Do dever de indemnização dos afetados pela qualificação da insolvência como culposa
Relativamente a esta questão, para além de ser feita referência ao disposto nos artigos 189.º, n.º 2, alínea e) e n.º 4 do CIRE e 566.º do CC, é invocado, sem se conceder, que a indemnização deverá corresponder ao valor dos créditos que teriam sido satisfeitos caso os afetados pela qualificação não houvessem retirado à titularidade da insolvente bens da sua pertença, segundo os critérios enunciados nos artigos 174.º e 178.º do CIRE, o que equivale ao valor dos bens na data da transmissão a terceiros.
Esse foi o critério aplicado em 1.ª Instância relativamente a … (cfr. fls. 80 da decisão). No entanto, relativamente aos demais afetados, não existe fundamento para restringir a atuação culposa deles apenas à transação dos imóveis ocorrida a 11/03/2013. É que não foi apenas esse ato que implicou na qualificação da insolvência como culposa, conforme decorre de tudo o que se deixa exposto.
Termos em que se mantém a decisão recorrida no sentido de condenar os Requeridos a indemnizarem os credores da insolvente no montante dos créditos reconhecidos na sentença de graduação de créditos e não satisfeitos na liquidação através dos pagamentos a efetuar no processo, solidariamente e até à força dos seus patrimónios, sendo relativamente a (…) o valor da indemnização também limitado ao montante de € 757.038,00 (setecentos e cinquenta e sete mil e trinta e oito euros).

Improcedem, assim, as conclusões da alegação do presente recurso, salvo a alteração ao n.º 79 dos factos provados, sem qualquer impacto no segmento decisório.

As custas recaem sobre os Recorrentes – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Concluindo:
(…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.

*

Évora, 12 de maio de 2022
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Ana Margarida Leite

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[1] Ac. TRE de 12/07/2018, proc. n.º 7495/15.6T8STB.E1 (Vítor Sequinho dos Santos).
[2] Ac. TRP de 10/12/2019 (Aristides Rodrigues de Almeida), e de 06/09/2021 (Eugénia Cunha).
[3] Ac. TRE de 08/05/2014 (Francisco Xavier).
[4] Ac. TRP de 10/12/2019 (Aristides Rodrigues de Almeida), TRP de 26/11/2019 (Lina Baptista) e TRG de 05/03/2020 (Rosália Cunha).
[5] Ac. TRP de 22/10/2019 (Vieira e Cunha).
[6] Certamente por lapso, consta da sentença “gerentes de facto” – cfr. fls. 74 do referido documento.