INSOLVÊNCIA CULPOSA
PRESUNÇÃO JURIS ET DE JURE
CULPA GRAVE
Sumário

1. Os factos elencados no artigo 186.º, n.º 2, do CIRE constituem presunção iuris et de iure quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade entre o comportamento ali tipificado e a criação ou agravamento da situação de insolvência, não admitindo a produção de prova em sentido contrário.
2. A obrigação de indemnizar consagrada no artigo 189.º, n.º 2, alínea e), do CIRE tem também uma dimensão punitiva ou sancionatória.
3. Não é desproporcional ou excessivo condenar os administradores de sociedade insolvente a indemnizar os credores da devedora pelo montante dos créditos reconhecidos e não satisfeitos, se está demonstrado que se apoderaram dos activos financeiros da sociedade, solicitaram constantes adiantamentos a uma credora que ultrapassaram os nove milhões de euros, fizeram desaparecer bens e mantiveram uma contabilidade que não reflectia a real situação da empresa.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Sumário:
(…)

Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo de Comércio de Setúbal, por apenso ao processo onde se apresentou à insolvência (…) – Indústria (…), S.A., o Administrador da Insolvência e a credora (…) – Distribuição e Logística, Lda., requereram a qualificação da insolvência como culposa, sendo afectados: (1.º) …; (2.º) …; e (3.ª) ….

Apenas o 2.º Requerido deduziu oposição, alegando não ser administrador da insolvente, mas mero prestador de serviços especializados de suporte da área comercial e de recursos humanos, sempre sob direcção da administração.

Instruída e discutida a causa, com produção de prova em julgamento, foi proferida sentença decidindo:

1. Qualificar a insolvência de (…) – Indústria (…), S.A., como culposa;

2. Julgar afectados pela qualificação da insolvência (…) e (…);

3. Absolver da afectação pela qualificação (…);

4. Declarar a inibição de (…) e de (…) para o exercício do comércio bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de cinco anos.

5. Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por (…) e (…);

6. Condenar (…) e (…) a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até à força do respectivo património, no valor global de € 40.542.551,88 e até este montante.


Inconformado, o 2.º Requerido recorre e conclui:
1. Ao condenar o Recorrente, nos presentes autos, no A douta sentença, em 6 da decisão, condena o ora Recorrente “a indemnizar aos credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até à força do respectivo património, no valor global de € 40.542.551,88”, sem o limite legal e imperativamente estabelecido das forças do património do afectado, há, prima facie, uma condenação diversa da peticionada pelo A.I. no seu relatório. Ocorre assim, a nulidade da sentença, porquanto a condenação da alínea d) da parte decisória configura um vício de extrapetição que determina a nulidade da sentença por condenação em objecto diverso do pedido, nos termos da 2ª parte da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
2. O tribunal ignorou em absoluto as declarações prestadas em sede de audiência e discussão e julgamento, levando em consequência a que não fossem provados os factos j), k), n) e p), em contradição aos factos dados como provados nos pontos 5, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 40, 41, 43, 44, 46, 68, 69, 70, 71, 74 e 94;
3. Não foram relevados os factos que fazem prova cabal quanto à não afectação do Recorrente no presente incidente de qualificação e considerou como factos não provados nos pontos i), j), k), m) e p), levando em consequência à não afectação do Recorrente nos presentes autos e não relevar as declarações prestadas pelo Sr. (…), Administrador da … (credora/requerente nos presentes autos) quando da prova produzida em audiência de discussão em julgamento resulta que:
A) O Sr. Administrador de Insolvência contacta a credora (…) para reclamar o crédito e pela mesma é dito desconhecerem aquele, o que provocou no Sr. A.I. alguma estranheza no comportamento, conforme declarações prestadas pelo mesmo;
B) De igual forma, nunca conheceu outro administrador da insolvente que não (…);
C) Que toda a documentação se encontrava nas instalações da sede da empresa e à sua disponibilidade, não a tendo consultado, porque assim o entendeu;
D) Já no que respeita às declarações prestadas pelo Sr. (…), retira-se daquelas que reclama um valor devido de nove milhões, que lhe foram passados cheques e que os mesmo nunca os colocou porque não quis, ademais com ele tinha perto de vinte milhões em cheques, e ainda não tinha por habito fazer interpelação ou cobrança de valores que lhe sejam devidos. O que só por si não credibiliza as suas declarações, como efectivamente deixa a dúvida de lhe serem devidos ou não tais valores;
E) Das declarações prestadas, duvidas não restam que o único administrador de facto e de direito era apenas (…);
F) Que (…) trabalha sob as ordens e direcção de (…);
G) O Recorrente era um prestador de serviços, conforme se infere do contrato de prestação de serviços, ora junto;
H) Foi pelo Recorrente emitidos os respectivos recibos, sendo certo que em declarações prestadas pelo Administrador (…), lhe foram transferidos valores a título de prémio, não contabilizados e documentados. Contudo, e a serem assacadas responsabilidades por tais pagamentos, as mesmas teriam de ser requeridas em sede própria;
4. A circular ora junta como prova de actos de gestão por parte do Recorrente não pode ser considerada, por se tratar de um documento ou informação não vinculativa;
5. A contrario deverá ser dado como assente, por provada, e em consequência ser valorada a prova por documentos junta pelo Recorrente, nomeadamente: contrato de trabalho, recibos;
6. Os valores recebidos pelo Recorrente, e os quais não foram sujeitos a justificação, não deverão ser considerados, por não ser a sede própria;
7. O Recorrente sempre agiu sob as ordens e direcção do Administrador (…), conforme declarações supra e corroboradas por (…), Dr. (…);
8. O A.I. nunca conheceu qualquer outro administrador que não fosse o Sr. (…);
9. Não se encontram preenchidos os requisitos da qualificação do incidente nos termos e para os efeitos do artigo 186.º do CIRE, e consequentemente a afectação do Recorrente à sentença;
10. Considera-se, na douta sentença recorrida, que “No caso dos autos, verifica-se ter sido dado destino incerto aos equipamentos existentes e destinados à produção e embalamento de tabaco, assim como, equipamentos informáticos e de escritório, dado que apenas foram apreendidas duas viaturas automóveis e uma rede de vedação, no valor total de cerca de € 10.175,00, quando constavam registados no ano de 2018 (31 de Dezembro) activos fixos tangíveis no valor de € 1.784.499,57, os quais não foram localizados.
11. Assim, considerando que os responsáveis pela gestão da empresa, os requeridos (…) e (…), não entregaram os bens, nem demonstraram o destino dado aos mesmos, inexistindo qualquer listagem dos alegados bens furtados, ou entrada de capital para pagamento de tais activos ou sequer redução do passivo por via do abate de eventual dívida existente, ou do registo contabilístico dos bens furtados, teremos que concluir encontrar-se preenchida a alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, por ter sido feita desaparecer uma parte considerável do património da devedora.
12. Entendemos que não.
13. Ora vejamos:
14. Em primeiro lugar, na mencionada alínea estão em causa, como diz Carvalho Fernandes (Themis, edição especial, novo direito de insolvência, 2005, página 95, nota 23): “actuações que, por vários meios – destruição, danificação, inutilização, ocultamento ou desaparecimento dos bens – afectam o património do devedor, no todo ou em parte considerável”.
15. Deste modo, a previsão que se encontra tipificada é apenas a de acções que incidam directa e imediatamente sobre as coisas que integram o património do devedor, em consequência das quais este sofre pelo menos considerável afectação, e não uma actuação dirigida à alteração da situação jurídica do bem. A entender-se de outra forma, qualquer negócio de disposição de bens da insolvente, ainda que legítimo, desde que preenchido o requisito da 2ª parte da previsão legal, implicaria sempre a excussão desse mesmo bem pelos credores.
16. Em segundo lugar, os documentos, ora juntos da entrega do objecto em causa foi entregue, de igual forma a guia de transporte, mas que para o douto tribunal e sob a apreciação da Mma. Juiz a quo, não foi vaporável, de igual forma como sucedeu com as respectivas declarações prestadas pelos intervenientes.
17. Na falta de considerar a prova documental, por declarações prestadas quer pelo Administrador (…) e (…) foi devidamente explicitado o motivo pelo qual a máquina foi devolvida. Na verdade, em face do não cumprimento pontual da obrigação, foi feito o encontro de contas (vide declarações já prestadas) e cuja prova não foi valorada, mais uma vez.
18. No respeitante á inexistência da listagem dos bens furtados, foi explicitado em sede de audiência e discussão e julgamento da ocorrência de um furto, e que o mesmo se encontrava em investigação. Ora, em face deste circunstancialismo, somos a verificar que quaisquer esclarecimentos ou elementos de prova carreados para os presentes autos, poderiam ser comprovados por pedido de extracção de certidão do mencionado processo. A não ser este o entendimento, foi também o Sr. AI questionado da existência ou não de material informático, tendo o mesmo referido que o material encontrado não tinha qualquer valor económico. Assim sendo, existia material informático, não tendo sido apreendido por decisão do Sr. AI, não se podendo imputar ou assacar responsabilidades à actuação do Recorrente.
19. Quanto à prática de vendas abaixo do custo, as mesmas são feitas desde que existem trocas comerciais, porquanto cabe destacar, em primeiro lugar, o regime do artigo 6.º da Lei de Defesa da Concorrência, aplicável sempre que se esteja face a um abuso de posição dominante consubstanciado na adopção de um comportamento predatório. Em causa está a tutela de um interesse geral na preservação da estrutura concorrencial do mercado através da repressão de condutas que tenham como objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência. Interessa-nos aqui, tipicamente, a situação em que uma empresa com apreciável grau de poder de mercado desce (temporariamente) os seus preços de venda abaixo do nível dos custos, com vista a eliminar os concorrentes, que se veriam forçados a abandonar o mercado por incapacidade de suportar a pressão de uma guerra de preços. Esta manobra tem por objectivo último a conquista de uma posição de monopólio, que permita ao predador, após a eliminação dos rivais, elevar os preços para lá do patamar inicialmente vigente, compensando as suas perdas intermédias e permitindo-lhe arrecadar lucros supercompetitivos. Na verdade, a insolvente, dentro de muitas empresas foi das poucas que conseguiu o estatuto de depositaria de tabaco, quando o monopólio sempre foi detido pela Tabaqueira Nacional. Acresce que na parte contabilística, em nenhum momento e da prova produzida foi feito qualquer alerta e/ou levantada qualquer suspeita sobre as práticas comerciais exercidas pelo administrador (…). Ora, existindo um técnico oficial de contas certificado, qualquer acto de gestão que implicasse um abuso ou ilegalidade, não seria contabilizado.
20. Razão pela qual não se concorda com o preenchimento da mencionada alínea.
21. Da douta sentença “Resultou ainda apurado, da análise dos extractos bancários, compras de artigos de luxo, os quais não se mostram registadas como despesas de representação ou outra devidamente justificada, pelo que, se terão destinado a uso pessoal dos requeridos ou de terceiros com os mesmos relacionados, dado serem quem tinha autorização para movimentar a(s) referida(s) conta(s) bancária(s). Efectivamente, contabilisticamente o Administrador (…) tem registados na sua conta de administrador um saldo devedor para com a sociedade no valor de € 3.250.308,35, correspondente a gastos não documentados e que por tal razão foram levados à conta do administrador. Teremos que, em face do supra exposto, considerar também preenchida a alínea d), tal como a alínea g) pois a situação deficitária vinha sendo registada pelo menos desde 2016, ou seja, nos últimos três anos sem que se tenham apresentado à insolvência e continuando a receber adiantamentos por conta de mercadoria que nunca chegariam a entregar, sendo desde 2016 manifesta a superioridade do passivo face ao activo, sendo certo que, no ano de 2018, a actividade apresentada foi quase nula.”
22. No âmbito da alínea d) do artigo 186.º do CIRE, ter-se-ão de apurar factos de onde decorra que a gerente da insolvente realizou: 1) Actos de disposição; 2) De bens do devedor; 3) Em proveito pessoal (da gerente) ou de terceiros.
23. Ora, compulsada a factualidade dada como provada, constata-se que o 3.º requisito não se encontra preenchido.
24. Nunca foi feita prova de que o Recorrente tenha gasto quaisquer quantias e/ou utilizado indevidamente qualquer valor.
25. Assim, por não se encontrar verificado nenhum dos pressupostos elencados nas alíneas a), b), d), f) e g) do artigo 186.º, n.º 2, do CIRE, deverá ser qualificada a insolvência como fortuita, o que desde já se invoca e requer;
26. De todo o modo sempre a qualificação da insolvência como culposa não poderia comportar a penalização aplicada na sentença recorrida. Isto porque, a indemnização prevista na alínea e) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE tem três limites, a saber: 1º) O total dos créditos reconhecidos; 2º) O montante dos créditos não satisfeitos; e 3º) A força do património do responsável. Sucede que a sentença apelada olvidou-se do terceiro limite, isto é, condenou a Recorrente no valor dos créditos reconhecidos na parte que não tiverem sido pagos pelo produto da liquidação do activo, esquecendo-se, contudo, de que tal indemnização tinha o limite da força do património da afectada. Pelo que sempre teria de ser revogada a condenação da línea d) da decisão, substituindo-se por outra determinando que a indemnização teria sempre como limite as forças do património da afectada.
27. Se é incontroverso que a declaração de insolvência culposa não prescinde da existência de um nexo causal relativo à actuação do devedor, também a indemnização aos credores é indissociável de uma tal causalidade, exigindo-se o mesmo nexo causal entre a actuação do devedor e o montante dos créditos não satisfeitos, sendo certo que não se pode extrair da lei a existência de qualquer presunção relativa ao nexo de causalidade. A não ser assim, estaríamos perante uma responsabilidade objectiva, sem culpa, que, como é consabido, apenas pode existir nos casos expressamente previstos na lei, sob pena de subversão de todo o sistema ressarcitório, punindo-se o devedor pela verificação de danos que não lhe são imputáveis.
28. Por outro lado, a Meritíssima Juíza a quo, para fundamentar a condenação no pagamento da indemnização, limita-se a mencionar “a culpa elevada do Recorrente”, ficando sem se saber a que factualidade se reporta, sendo certo que não se encontrando demonstrado o valor dos danos causados pelo alegado comportamento do afectado, nenhuma indemnização poderia ser arbitrada.
29. Assim, a douta sentença apelada fez errada aplicação e interpretação das alíneas a), b), d), f) e g) do n.º 2 do artigo 186.º e do artigo 189.º, n.º 2, alínea e) e n.º 4, ambos do CIRE, pelo que deverá ser revogada, com todas as consequências legais.
Face ao exposto, Entende o Recorrente que a douta decisão violou, entre outros normativos, os previstos nas alíneas a), b), d), f) e g) do n.º 2 do artigo 186.º e do artigo 189.º, n.º 2, alínea e) e n.º 4, ambos do CIRE, pelo que deverá ser revogada, com todas as consequências legais.
Termos em que deverá ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por douto acórdão que julgue a insolvência fortuita, e bem assim revogar a decisão recorrida na parte em que se declara o Recorrente (…) afectado pelo qualificação da insolvência como culposa, devolvendo-lhe os poderes de habilitação e de livre administração para o exercício do comércio ou para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.

Não houve resposta.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

Da nulidade por excesso de pronúncia
Na sua conclusão 1.ª, o Recorrente alega que a sentença incorreu em nulidade por excesso de pronúncia, ao condenar em quantidade superior ao montante dos créditos não satisfeitos, em violação ao que vem disposto no artigo 189.º, n.º 1, alínea e), do CIRE.
De acordo com o artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o juiz não pode ocupar-se na sentença senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – se o fizer, a sentença é nula, por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil. De igual modo, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir, igualmente sob pena de nulidade – artigos 609.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, alínea e), do mesmo diploma.
Nota Anselmo de Castro[1], a propósito do vício de falta ou de excesso de pronúncia em relação às questões suscitadas pelas partes, «a palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da nulidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão».
E quanto à nulidade por condenação em quantidade superior ou objecto diverso do pedido, o mesmo autor aponta que a mesma «relaciona-se com o princípio da rigorosa coincidência da sentença com a pretensão deduzida em juízo, ou seja, com o objecto do litígio»[2].
Analisando a sentença recorrida, esta declara provado o reconhecimento de passivo no valor global de € 40.552.981,88, tendo sido apreendido activo vendido por € 10.430,00, matéria de facto que resulta da análise da sentença de reclamação de créditos e da sentença de verificação ulterior de créditos, proferidas nos respectivos apensos.
Visto que o Recorrente não impugna – nas suas conclusões – esta matéria de facto, não se pode afirmar que a sentença recorrida, condenando no valor correspondente à diferença entre a globalidade dos créditos reconhecidos e o valor obtido com a liquidação do activo, tenha por algum modo excedido o objecto do litígio e do pedido, motivo pelo qual esta parte do recurso improcede.

Da impugnação da matéria de facto
- alínea i) do elenco de factos não provados:
Os requisitos da impugnação da matéria de facto constam dos n.ºs 1 e 2 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, e entre eles avulta a exigência de especificação, sob pena de rejeição, dos concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida, bem como a decisão alternativa a proferir – alíneas b) e c) do n.º 1.
Ora, sucede que entre as alíneas do elenco de factos não provados, o 2.º Recorrente incluiu a alínea i), com a seguinte redacção: “Tal furto pela sua dimensão, originou além do custo do material em valor superior a 10.000.000,00 de Euros, uma dívida junto da autoridade tributária de cerca de 30.000.000,00 de Euros, sendo que para melhor entendimento junta actas da empresa com os N.ºs 10, 11, 12, 13 e 14.”
Aparentemente, a inclusão desta alínea entre a matéria de facto impugnada terá ocorrido por lapso material, pois o Recorrente não discute em lado algum das suas conclusões a matéria do furto e as suas consequências económicas, não indicando qualquer meio probatório concreto que, em relação a este específico ponto, fosse apto a impor uma decisão diversa. O que o Recorrente discute é a matéria de facto relativa à sua qualificação como administrador de facto, mas nada diz quanto ao custo do material furtado e ao montante da dívida tributária.
De todo o modo, por não cumprimento dos requisitos elencados nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, resta rejeitar a impugnação quanto à alínea i) do elenco de factos não provados.

- pontos 40, 41 e 94 do elenco de factos provados e alíneas j), k), m), n) e p) dos factos não provados:
Quanto a esta matéria, o Recorrente cumpriu efectivamente o ónus que lhe assistia, imposto pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, pelo que se irá conhecer da impugnação nesta parte, consignando-se desde já que se procedeu à audição da prova gravada.
Antes do mais, vejamos qual a matéria de facto cuja decisão foi impugnada.
Nos pontos 40, 41 e 94, a sentença julgou provado o seguinte:
40. Quem representou a insolvente perante a credora (…) foi (…), que se apresentou como administrador;
41. … (…) chegou a efectuar comunicações à credora assinando na qualidade de Administrador;
94. (…) e (…) eram quem tomava as decisões quanto à gestão da insolvente em conjunto, decidindo ambos as acções a desenvolver.
Por seu turno, nas alíneas j), k), m), n) e p), a sentença julgou não provado o seguinte:
j) Os serviços prestados por (…) foram sempre sob direcção da administração;
k) (…) agiu sempre segundo ordens expressas do administrador (…), ou por instruções que lhe eram transmitidas através da sua secretária e de acordo com o contrato de prestação de serviços celebrado.
m) Sempre por ordem de (…), (…) assinou cheques de garantia de material que não se destinavam a ser levantados, desconhecendo as negociações que lhe eram subjacentes, entre outros. Não possuía qualquer autonomia.
n) (…) desconhece o decurso do processo de insolvência da empresa, até porque já não prestava serviços à mesma.
p) (…) nunca foi gerente de direito ou de facto desta empresa.
O Recorrente argumenta que esta matéria não está provada, argumentando que os depoimentos de (…), (…) e (…) demonstram que não era administrador de facto e não tomava qualquer decisão em representação da empresa insolvente.
De acordo com o artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Como vimos defendendo nesta Relação de Évora, esta norma não se basta com a possibilidade de uma alternativa decisória, antes exige que o juízo efectuado pela primeira instância esteja estruturado num lapso relevante no processo de avaliação da prova.[3]
Na apreciação da impugnação fáctica, a Relação não deve atender, apenas, aos meios de prova indicados pelo recorrente ou pelo recorrido, pois detém poderes de investigação oficiosa – artigo 640.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil –, devendo apreciar a globalidade da prova produzida, analisando criticamente as provas e retirando as ilações que se mostrarem necessárias, como o determina o artigo 607.º, n.º 4, do mesmo diploma.
Adianta-se, desde já, que não se detecta na sentença recorrida qualquer lapso relevante na apreciação da prova que imponha decisão diversa a esta Relação, devendo afirmar-se que, ao contrário do que alega o Recorrente, a prova produzida sustenta a decisão de facto proferida pela primeira instância.
Por um lado, os gerentes da principal cliente da empresa insolvente – (…), Lda., detentora de créditos no valor global de € 9.576.251,40 e segunda maior credora da insolvente, atrás, apenas, da Autoridade Tributária – (…) e (…) confirmaram que era o Recorrente quem se dirigia às suas instalações para tratar dos negócios em nome da empresa, tomando as principais decisões, entregando cheques em garantia por si emitidos e até os convidando a visitar a fábrica da insolvente, onde os recebeu no seu gabinete da administração. Destes depoimentos resulta ainda que foi o Recorrente quem negociou com esta credora o contrato de comercialização em exclusivo de tabaco produzido e importado pela insolvente, agindo sempre em nome desta e tomando as decisões de maior relevo.
Esta versão foi também confirmada pela testemunha (…), contabilista certificada da insolvente entre 2014 e Setembro de 2017, revelando ter sido contratada pelos 1.º e 2.º Requeridos, considerando-os a ambos como os donos da empresa, pois as decisões eram tomadas indistintamente por um ou pelo outro, mas principalmente pelo 2.º requerido, que era quem estava no dia-a-dia na empresa e efectuava os pagamentos correntes, inclusive as retribuições devidas aos trabalhadores (cfr. 22m10s a 25m30s e 41m05s a 42m05s da segunda parte do seu depoimento).
Também a testemunha (…), trabalhadora da (…) que efectuava trabalho de apoio à gerência desta, confirmou ser o 2.º Requerido quem se deslocava às instalações desta cliente e negociava os contratos, agindo como se fosse o dono da empresa insolvente e gabando-se desse facto.
Acresce, ainda, que o 2.º Requerido movimentava livremente os dinheiros da empresa, tendo transferido para a sua conta pessoal o valor global de € 1.025.240,00, absolutamente injustificado se estivesse em causa um simples contrato de prestação de serviços com a avença anual de € 50.000,00, sendo a maior parcela – € 934.240,00 – transferida entre Abril e Dezembro de 2017, já após o assalto que foi invocado como fonte da ruína da empresa.
Ponderando estes meios de prova, não se vislumbra que a decisão recorrida tenha cometido lapso relevante no processo valorativo da prova, motivo pelo qual, nesta parte, se julga improcedente a impugnação fáctica.

Em consequência, os factos provados fixam-se como segue:

1. (…) – Indústria (…), S.A., NIPC (…), ora insolvente, tinha sede na Estrada Nacional (…), Quinta de (…), Bloco 5, Armazém (…), Parque Empresarial do (…), Distrito de Setúbal, concelho de Setúbal, freguesia de (…), (…); (…) encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial, sob o mesmo número desde 10/07/2014;

2. Foi criada com o Capital social de € 50.000,00;

3. A Sociedade tem por objecto social: Indústria de (…) e Produtos Afins, Fabrico, Comercialização, importação e exportação de tabaco;

4. O capital social inicial foi composto por 5.000 acções com o valor nominal de € 10,00 nominativas ou ao portador;

5. Consta da certidão permanente de registo comercial como Administrador (…), por deliberação de 10/07/2014;

6. Consta da certidão permanente de registo comercial pela Ap. …/20171218 a alteração ao contrato de sociedade, sendo as acções nominativas;

7. Por sentença proferida em 28/06/2019 foi declarada a insolvência da sociedade referida em 1, na sequência de apresentação à insolvência em 19-06-2019;

8. Nessa sentença foi nomeado Administrador da insolvência (…);

9. Nas diligências de apreensão efectuadas foram apreendidas duas viaturas automóveis e uma rede de vedação;

10. Não foram localizadas nem apreendidas quaisquer máquinas, mobiliário administrativo ou material informático;

11. A insolvente havia disposto nas suas instalações de diversa maquinaria, designadamente máquina de produção de cigarros e embalamento em maços e volumes, equipamento diverso de escritório e material informático, a qual teria valor superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) e não foi localizada;

12. A insolvente apresentou como justificação, para a ausência de outros bens, um furto ocorrido no fim-de-semana da Páscoa de 2017;

13. No balanço de 31/12/2018, os activos da sociedade totalizavam € 1.784.499,57;

14. Foram solicitados pelo A.I. à Ilustre Mandatária da insolvente os mapas de activos e depreciações da contabilidade com identificação dos activos, que não foram fornecidos;

15. Foram solicitados pelo A.I. à Ilustre Mandatária da insolvente a listagem dos bens objecto de furto, listagem que não foi entregue;

16. No exercício económico de 2016, a sociedade insolvente registou o montante de € 932.072,59 na rúbrica de vendas e prestação de serviços e € 2.154.354,87 na rúbrica de Custo de Mercadorias Vendidas e Matérias Consumidas;

17. No exercício económico de 2016, a sociedade apresentou activos fixos tangíveis no valor de € 1.286.116,16; outras contas a receber no valor de € 734.384,50, um activo com o valor de € 3.751.302,27; resultado líquido do período de € -1.863.509,84; total de capital próprio de € -547.525,50; e um passivo no valor global de € 4.298.827,77;

18. No exercício económico de 2017, a sociedade registou o montante de € 887.808,63 na rubrica de vendas e prestação de serviços e € 1.919.519,44 na rubrica de Custo de mercadorias vendidas e matérias consumidas;

19. No exercício económico de 2017, a sociedade apresentou activos fixos tangíveis no valor de € 1.728.206,18; outras contas a receber no valor de € 3.356.742,84, um activo com o valor de € 5.437.041,77; resultado líquido do período de € -4.032.805,55; total de capital próprio de € -5.425.675,41; e um passivo no valor global de € 10.862.717,77;

20. No exercício económico de 2018, a sociedade registou o montante de € 149.246,02 na rubrica de vendas e prestação de serviços e € 0,00 na rubrica de Custo de mercadorias vendidas e matérias consumidas;

21. No exercício económico de 2018, a sociedade apresentou activos fixos tangíveis no valor de € 1.784.499,57; outras contas a receber no valor de € 3.367.436,19, um activo com o valor de € 6.210.903,56; resultados transitados no valor de € -5.653.175,41; resultado líquido do período de € 684.849,50; total de capital próprio de € -4.740.825,91 e um passivo no valor global de € 10.951.729,47;

22. O Sr. A.I. pediu esclarecimentos à insolvente na pessoa da sua mandatária quanto à prática de margens de negócio manifestamente negativas, os quais não foram prestados;

23. A conta 278201, no balancete de 31 de Dezembro de 2018, com a identificação do administrador único da sociedade, (…), na rubrica outros devedores e credores, apresenta saldo devedor, no montante de € 3.250.308,35, refletindo montantes retirados das contas da insolvente e da responsabilidade do seu administrador;

24. O Sr. A.I. pediu esclarecimentos à insolvente na pessoa da sua mandatária quanto ao saldo devedor referente ao administrador (…), sem que os mesmos fossem prestados;

25. Tal saldo resulta essencialmente de movimentos registados em 2017;

26. Desde o ano de 2015 que a insolvente vinha mantendo relação comercial com a credora (…) – Distribuição e Logística, Lda.;

27. A credora (…) adiantava valores e a insolvente fornecia-lhe tabaco;

28. Havia um acordo de exclusividade entre a insolvente e a credora para distribuição de algumas marcas de tabaco de que a insolvente era importadora/produtora, designadamente GR; Cooper blue e Cooper red;

29. A credora adiantava os valores que a insolvente usava para proceder à produção, encomenda e entrega da mercadoria, o que era feito posteriormente;

30. As facturas e notas de crédito eram emitidas posteriormente pela insolvente;

31. Foram efectuadas entregas de mercadoria pela insolvente à credora (…) em Março de 2017;

32. Em Agosto de 2017 existia dívida da credora para com a insolvente, dado que a mercadoria entregue era de valor superior ao valor dos adiantamentos efectuados;

33. Em Setembro de 2017 houve um novo adiantamento pela (…) à insolvente;

34. A credora foi adiantando valores na expectativa de que a insolvente fornecesse a mercadoria, que estava com boa aceitação no mercado;

35. A insolvente, na pessoa do Sr. (…), deixou de fornecer tabaco, mas continuou a pedir adiantamentos, com diversos pretextos;

36. Por conta de adiantamentos a fornecedores o credor (…) adiantou € 9.018.023,40 (nove milhões e dezoito mil e vinte e três euros e quarenta cêntimos) até 09/05/2018, com base na confiança estabelecida pelo decurso do tempo, não tendo recebido qualquer mercadoria como contrapartida;

37. Por ser necessário, para efeitos de revisão de contas, após muita insistência a insolvente emitiu declaração de dívida à credora (…) para entrega aos revisores oficiais de contas;

38. Tal declaração foi enviada pela insolvente à (…) em 10/04/2019;

39. A insolvente omitiu a credora (…) da lista de credores no momento de apresentação à insolvência;

40. Quem representou a insolvente perante a credora (…) foi (…), que se apresentou como administrador;

41. … (…) chegou a efectuar comunicações à credora assinando na qualidade de Administrador;

42. Por conta dos adiantamentos efectuados à (…) – Indústria (…), S.A. foram emitidos cheques da (…) – Indústria (…), S.A. assinados por (…) e entregues à (…);

43. (…) representava a insolvente e (…) era conhecedor de toda a situação;

44. (…) foi quem confirmou e assinou a declaração de saldos devedores atestando a dívida da (…) – Indústria (…), S.A. à (…), no valor de € 9.018.023,40 a título de adiantamentos e € 9.637,05 a título de conta corrente;

45. (…) entretanto deixou de atender chamadas, eliminou o seu email e a credora (…) deixou de ter contacto com o mesmo;

46. O administrador (…) nunca respondeu aos emails ou contactou com a credora, até à data da emissão da declaração de dívida datada de 10/04/2019;

47. (…), com o NIF (…) e (…) constituíram a sociedade (…), SGPS, Lda., pessoa colectiva n.º (…), em 07/09/2017;

48. Era gerente (…), que renunciou à gerência;

49. Assumiu depois a gerência (…), com o NIF (…);

50. Tal empresa foi dissolvida e liquidada em 17/04/2019;

51. Era sócia desta empresa a sociedade (…), Lda.;

52. A empresa (…) – Construção, Unipessoal, Lda. com o NIPC (…) foi constituída em 15/09/2017 tendo como sócia a empresa (…), SGPS, Lda. e por gerente (…);

53. Em Março de 2019 foi efectuado aumento de capital social na ordem dos 100 mil euros por uma empresa denominada (…) Limited, com sede no Reino Unido;

54. Consta registada pela Ap. …/20191118 alterações ao contrato de sociedade, constando uma quota no valor de € 150.000,00 e o titular (…);

55. Constam ainda registadas transmissão de quotas da (…), SGPS, Lda. para a (…) Limited, datada de 09/10/2018; e desta para (...) em 18/11/2019;

56. A empresa (…), S.A. com o NIPC (…), com objecto social a actividade de tabacos, foi constituída em 16/10/2014 e tem como administrador nomeado em 21/09/2018, (…), sendo a anterior administradora, (…);

57. A sociedade (…) – Sociedade Agrícola e Vitivinícola, S.A. (sócia da …) foi constituída em 02/10/2015, tinha como Administradora única (…) e, actualmente, (…);

58. A empresa (…) – Importação e Exportação de (…), Unipessoal, Lda., como o NIPC (…), constituída a 30/08/2018, tinha como sócio único e gerente (…) e foi dissolvida e liquidada em 26/04/2019;

59. A empresa (…), Lda., com o NIPC (…), constituída a 13/11/2018, tinha como sócio e gerente (…), tendo sido dissolvida e liquidada a 17/05/2019.

60. A empresa (…), Lda., constituída a 19/07/2011, com o NIPC (…), tem como sócio, que também já foi gerente, (…);

61. Essa mesma empresa tem outra sócia que dá pelo nome de (…) – Construções Unipessoal, Lda. com o NIPC (…).

62. Essa última tinha como sócio único e gerente (…), sendo que, entretanto, renunciou à gerência, e a sociedade foi liquidada administrativamente;

63. A sociedade (…), Lda., constata se que a mesma (anteriormente denominada por …) foi constituída a 29/03/2018.

64. Com sede no Reino Unido, sendo o seu principal accionista, com mais de 75%, (…) e que foi nesta empresa que foi feito um aumento de capital social;

65. A empresa denominada por (…) – Comércio de Produtos Alimentares, Lda., NIPC (…), constituída em 2011 e já dissolvida, tinha como único sócio (…);

66. A empresa denominada por (…) – Transporte de Materiais de Construção Lda., NIPC (…), que também já foi dissolvida e liquidada tinha como único sócio (…).

67. Na empresa denominada por (…), Lda., verifica-se a mesma situação;

68. Foi elaborado entre a (…) – Indústria (…), S.A., pessoa colectiva n.º (…), e (…), escrito denominado Contrato de Prestação de Serviços, datado de 13/10/2014, com teor e conteúdo constante de fls. 95 e seguintes e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde se acordou, além do mais, o pagamento de € 50.000,00 anuais, acrescidos de despesas de representação e deslocação em valor a acordar, sujeitos a IVA à taxa em vigor e o início do contrato em 3 de Abril de 2013;

69. (…) emitiu recibos, n.º 1 e n.º 2, referentes ao contrato supra indicado em 16/05/2016, como actos isolados, cada um, no valor de € 25.000,00, acrescido de € 5.750,00 de IVA, num total de € 30.750,00;

70. (…) emitiu recibos, n.º 6 e n.º 7, referentes ao contrato supra indicado em 02/01/2017, como actos isolados, cada um, no valor de € 25.500,00, acrescido de € 5.865,00 de IVA e deduzido de € 6.375,00 de IRS, num total de € 24.990,00;

71. (…) emitiu recibo, n.º 13, referentes ao contrato supra indicado em 20/09/2018, como acto isolado, no valor de € 19.000,00, acrescido de € 4.370,00 de IVA, deduzido de € 4.750,00 de IRS, num total de € 18.620,00;

72. Em 14-03-2018 foi proferido pelo Director da Alfandega de Setúbal, despacho de revogação do estatuto de depositário, (…) e consequentemente, as autorizações de entreposto fiscal de armazenagem e produção (…) do sujeito passivo (…) – Indústria (…), S.A.;

73. Em 19/07/2018 foi comunicado à insolvente que em 11/07/2018 foi proferido despacho de indeferimento no procedimento de recurso hierárquico deduzido pela insolvente;

74. Constam identificados na acta n.º 1, da sociedade (…) – Indústria (…), S.A. os accionistas (…), titular de mil acções; (…) titular de mil acções; (…) titular de mil acções; (…), titular de mil acções, (…), titular de mil acções;

75. Foi elaborado entre a insolvente e (…) escrito denominado Mandato Fiduciário, nos termos e com o teor constante dos autos a fls. 139 a 140 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

76. Por escrito datado de 9 de Maio de 2018 mostra-se declarada a revogação do contrato suprarreferido, nos termos constantes de fls. 141, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

77. Corre termos os autos de inquérito n.º 185/17.7GBMTJ, onde se mostram incorporados os autos de inquérito NUIPC 2/17.8AMLSB, NUIPC 2/17.8AASTB e NUIPC 1/17.0AASTB, onde consta auto de notícia de denúncia relativa à sociedade (…), apresentada por (…);

78. Em 17-03-2016, pelas 12:30 horas foi lavrado auto de notícia e apreensão nas instalações da (…) – Indústria (…), S.A., constante do ofício junto em 08-09-2020, referência Citius 5282903, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, tendo sido determinada a rejeição da mercadoria e a sua devolução ao expedidor pelo mesmo meio de transporte que a trouxe da Alemanha para Portugal;

79. Nesse auto de apreensão consignou-se a apreensão de 35 caixas com 80 Kg de tabaco cada, que foram seladas com fita da Autoridade Aduaneira, e foi constituído fiel depositário (…), na qualidade de procurador e aí melhor identificado;

80. Em 21-04-2017 foi lavrado auto de notícia, constante do requerimento datado de 08-09-2020, suprarreferido e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde consta:
«Deu entrada a 17-04-2017, pelas 12h02m, uma mensagem de correio electrónico, fls. 8 e 9 proveniente do Dr. (…), Advogado, a participar um assalto à sua cliente, acima identificada, (…) – Indústria (…), S.A., que terá tido lugar na madrugada de 17 de Abril, não tendo referido as horas a que o assalto terá ocorrido. Dava ainda conta de que a GNR de Setúbal tomou conta da ocorrência adiantando um NUIPC: 109/17.1GCSTB e de que a investigação criminal estaria a cargo do Sr. Inspector (…).
Face ao despacho do Ex.mo Director da Alfândega de Setúbal exarado na referida mensagem de correio electrónico, foi aberta a Acção de Natureza fiscalizadora com o n.º (…), destinada a verificar o relatado na mensagem de correio electrónico, uma vez que a firma em causa ser detentora de entreposto fiscal de tabaco manufacturado, entreposto fiscal de armazenagem (EFA) e entreposto fiscal de produção (EFP), ambos nas mesmas instalações, com o n.º (…), depositário autorizado n.º (…).
Verifica-se, feita a comparação entre o que se encontrava inscrito na conta corrente e o que foi fisicamente inventariado, que estavam em falta 3.612.500 maços de tabaco da marca Mohawk Red, 5.508.500 maços de tabaco da marca American Club, 20 maços de tabaco da marca Cooper NG Blue, 94.000 maços de tabaco da marca Mohawk Blue, 65.000 maços da marca Mohawk Red 20/50, 100.000 maços de tabaco da marca American Club Red, 20 maços de tabaco da marca GR Inter Blue, 10 maços de tabaco da marca GR Slim Blue, 10 maços de tabaco da marca GR Slim White e 100 maços da marca Cooper NG Red, totalizando um total de tributos potencial de € 32.811.799,68, são trinta e dois milhões, oitocentos e onze mil, setecentos e noventa e nove euros e sessenta e oito cêntimos, sendo € 6.557.405,09 (seis milhões, quinhentos e cinquenta e sete mil, quatrocentos e cinco euros e nove cêntimos) referentes a Imposto sobre o Valor Acrescentado – IVA e € 26.254.394,59, vinte e seis milhões, duzentos e cinquenta e quatro mil, trezentos e noventa e quatro euros e cinquenta e nove cêntimos referentes a Imposto sobre o Tabaco – IST.
Foram efectuadas as constituições de arguido, nos termos legais, da empresa (…) – Indústria (…), S.A., do seu administrador único Sr. (…), tendo prestado TIR, fls. 22 a 29.
Foi efectuado interrogatório de arguido do administrador único, fls. 30 a 33.
Foi inquirida a testemunha Sra. (…), fls. 34 a 37.»

81. A insolvente era titular da conta de depósitos à ordem n.º (…) junto do Banco (…), cujo extracto de conta consta junto a fls. 145 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

82. Desse extracto resultam, além do mais, os seguintes movimentos de transferência com descritivo a favor de (…):

a. Em 25/10/2016, € 50.000,00;

b. Em 10/11/2016, € 7.000,00;

c. Em 29/11/2016, € 22.000,00;

d. Em 14/12/2016, € 4.000,00;

e. Em 28/03/2017, € 5.000,00;

f. Em 12/05/2017, € 3.000,00;

g. Em 16/06/2017, € 1.500,00;

h. Em 24/07/2017, € 3.000,00;

i. Em 4/08/2017, € 5.000,00;

j. Em 14/08/2017, € 3.000,00;

k. Em 22/08/2017, € 5.000,00;

l. Em 28/08/2017, € 15.000,00;

m. Em 30/08/2017, € 10.000,00;

n. Em 1/09/2017, € 90.000,00;

o. Em 05/09/2017, € 45.000,00;

p. Em 11/09/2017, € 25.000,00;

q. Em 12/09/2017, € 10.000,00;

r. Em 19/09/2017, € 60.000,00;

s. Em 19/09/2017, € 160.000,00;

t. Em 19/09/2017, € 20.000,00;

u. Em 29/09/2017, € 10.000,00;

v. Em 03/10/2017, € 65.000,00;

w. Em 11/10/2017, € 15.000,00;

x. Em 24/10/2017, € 5.000,00;

y. Em 27/10/2017, € 5.000,00;

z. Em 02/11/2017, € 10.000,00;

aa. Em 03/11/2017, € 55.000,00;

bb. Em 03/11/2017, € 90.000,00;

cc. Em 14/11/2017, € 25.000,00;

dd. Em 17/11/2017, € 65.000,00;

ee. Em 20/11/2017, € 5.000,00;

ff. Em 27/11/2017, € 26.000,00;

gg. Em 28/11/2017, € 45.000,00;

hh. Em 29/11/2017, € 5.000,00;

ii. Em 05/12/2017, € 5.000,00;

jj. Em 07/12/2017, € 7.740,00;

kk. Em 12/12/2017, € 30.000,00;

ll. Em 18/12/2017, € 5.000,00;

mm. Em 18/12/2017, € 5.000,00;

nn. Em 21/06/2018, € 3.000,00;

83. Constam registadas transferências de valores efectuadas por (…) para a conta bancária da insolvente, nas seguintes datas e valores:

a. Em 28/02/2018, € 8.200,00;

b. Em 28/02/2018, € 750,00;

c. Em 09/05/2018, € 50,00;

d. Em 11/06/2018, € 13.000,00;

84. Constam registadas diversas transferências de e para a sociedade (…), Lda., cujos termos se dão por reproduzidos;

85. Constam registadas diversas transferências para (…), cujos termos se dão por reproduzidos;

86. Constam, ainda, registados diversos pagamentos realizados em lojas de vestuário e acessórios, designadamente:

a. Em 28/10/2017, compra Carolina Herrera, no valor de € 6.485,00;

b. Em 28/10/2017, compra Emporio Armani, no valor de € 4.976,00;

c. Em 4/11/2017, compra Versace, no valor de € 7.305,00;

d. Em 04/11/2017, compra Louis Vuitton, no valor de € 1.380,00;

e. Em 04/11/2017, Compra Stivali, no valor de € 11.145,00;

f. Em 11/11/2017, compra Boutique dos Relógios, no valor de € 30.000,00;

g. Em 25/11/2017, compra Louis Vuitton, no valor de € 13.785,00;

h. Em 01/12/2017, compra Louis Vuitton, no valor de € 5.165,00;

i. Em 02/12/2017, compra Carolina Herrera, no valor de € 9.515,00;

87. À data de abertura da conta bancária supra-referida a mesma era movimentada por (…);

88. A partir de 26/10/2016, a ficha de assinaturas passou a conter como movimentadores: (…) e (…);

89. A partir de 10/05/2018 a ficha de assinaturas passou a conter como movimentador (…);

90. A insolvente era titular da conta bancária identificada a fls. 234, cujo teor se dá por reproduzido, junto do Banco (…), S.A. e (…) Banco;

91. A referida conta era movimentada por (…);

92. Os movimentos realizados na referida conta bancária constam de fls. 236 e seguintes, dando-se por reproduzido o seu teor;

93. Da análise desses movimentos resultam efectuados as seguintes compra em lojas de vestuário e acessórios de moda:

a. Em 16/01/2016, compra em (…) Joalheiros, SA, no valor de € 1.000,00;

b. Em 07/05/2016, compra Boutique Relógios, no valor de € 5.000,00;

c. Em 26/05/2016, compra em Louis Vuitton, no valor de € 3.915,00;

d. Em 30/05/2016, compra em Boutique Relógios Plus Lisboa, no valor de € 27.765,00;

e. Em 14/08/2016 compra em Louis Vuitton, no valor de € 2.425,00;

f. Em 14/08/2016 compra em Louis Vuitton, no valor de € 4.200,00;

g. Em 06/12/2016 compra em Joyeria Idea, no valor de € 2.000,00;

h. Em 06/12/2016 compra em Joyeria Idea, no valor de € 1.260,00;

i. Em 06/12/2016 compra em Louis Vuitton, no valor de € 425,00;

j. Em 06/12/2016 compra em Louis Vuitton, no valor de € 715,00;

k. Em 19/12/2016 compra em Carolina Herrera, no valor de € 6.440,00;

l. Em 27/12/2016 compra em Boutique Relógios Plus Lisboa, no valor de € 5.200,00;

m. Em 12/01/2017 compra em Boutique Relógios, no valor de € 7.445,00;

n. Em 03/02/2017 compra em (…) Joalheiros, S.A., no valor de € 51.500,00;

o. Em 13/02/2017 compra em (…) Joalheiros, S.A., no valor de € 27.200,00;

94. (…) e (…) eram quem tomava as decisões quanto à gestão da insolvente em conjunto, decidindo ambos as acções a desenvolver;

95. Consta reconhecido o passivo no valor global de € 40.552.981,88, da titularidade da insolvente;

96. No apenso de apreensão mostram-se apreendidos, duas viaturas automóveis e uma rede de vedação com o valor total de € 10.175,00, os quais foram vendidos por € 10.430,00.

APLICANDO O DIREITO
Da qualificação da insolvência
A sentença recorrida qualificação a insolvência como culposa, ao abrigo das alíneas a), b), d), g) e h) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.
Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, em anotação à referida norma[4], afirmam que ali se estabeleceu uma presunção inilidível, pelo que, verificadas as circunstâncias ali descritas, a insolvência terá sempre carácter culposo. E em igual sentido se pronuncia Menezes Leitão[5], afirmando que, verificados alguns dos factos descritos no artigo 186.º, n.º 2, do CIRE, “o juiz terá assim que decidir necessariamente no sentido da qualificação da insolvência como culposa. A lei institui consequentemente no artigo 186.º, n.º 2, uma presunção iuris et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência, não admitindo a produção de prova em sentido contrário.”
E pelo mesmo caminho tem seguido a jurisprudência, citando-se a título meramente exemplificativo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2022, constando do respectivo sumário: “II – Os n.ºs 2 e 3 do artigo 186.º do CIRE elencam um conjunto de factos exemplificativos de actuação susceptível de produção ou agravamento de insolvência efectiva do devedor que não seja pessoa singular de acordo com a cláusula geral do artigo 186.º, n.º 1. Ademais, o n.º 2 elenca factos que constituem presunções iuris et de iure da existência de comportamento culposo (doloso ou com negligência grosseira e consciente) no surgimento ou no agravamento do estado de insolvência; por sua vez, o n.º 3 adiciona comportamentos que traduzem presunções iuris tantum de “culpa grave” (isto é, comportamento não doloso mas com negligência consciente e grosseira); sempre em referência à actuação do administrador, tanto o de direito como o de facto.”[6]
Vejamos se estão reunidas as circunstâncias a que aludem as alíneas a), b), d), g) e h) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, invocadas na sentença recorrida como fundamento de qualificação da insolvência.
A 1.ª instância entendeu que se enquadrava na primeira daquelas alíneas a circunstância de ter sido dado destino incerto aos equipamentos da insolvente, pois apenas foram apreendidas duas viaturas automóveis e uma rede de vedação, no valor de € 10.175,00, quando constavam registados, no final do ano de 2018, activos fixos tangíveis no valor de € 1.784.499,57, não localizados.
Não podemos deixar de concordar com este raciocínio.
Com efeito, o alegado furto ocorreu na Páscoa de 2017, e certo é que no final de 2018 os activos registados ascendiam a € 1.784.499,57, entre material de escritório e equipamento fabril, que não foi encontrado. Aliando este facto à inexistência de qualquer listagem dos bens objecto de furto (facto que teria ocorrido na Páscoa de 2017, muito antes do termo do ano de 2018), ou entrada de capital para pagamento de tais bens, igualmente se conclui pelo preenchimento da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.
Quanto à alínea b), a sentença recorrida considerou demonstrado que ao longo dos anos foram vendidos produtos por valor inferior ao preço de custo das mercadorias, o que ocorreu nos anos de 2016 e 2017.
O Recorrente afirma que a venda abaixo do custo era uma manobra para conquistar mercado, pelo que não era ilegítima. Mas tal estratégia comercial não foi provada e a disparidade entre o preço de aquisição das mercadorias e o valor dos produtos vendidos é de tal forma acentuada – ultrapassa o dobro – que apenas se pode concluir que era ruinosa e prejudicial à saúde financeira da empresa, motivo pelo qual se considera também preenchida a previsão desta norma.
Quanto à alínea d), está demonstrado que o 1.º Requerido tem registado na sua conta de administrador um saldo devedor para com a sociedade no valor de € 3.250.308,35, correspondente a gastos não documentados, nomeadamente os associados à aquisição de artigos em lojas de moda e artigos de luxo, mencionados nos pontos 86 e 93 do elenco fáctico. Como igualmente está demonstrado que 2.º Requerido movimentava as contas da empresa, tendo transferido para a sua conta pessoal o valor global de € 1.025.240,00, não justificado, sendo a maior parcela – € 934.240,00 – transferida entre Abril e Dezembro de 2017, já após o alegado assalto.
Tais factos revelam a disposição de quantias monetárias da empresa em proveito pessoal do 1.º e do 2.º Requeridos, pelo que bem se considerou preenchida esta alínea d).
Quanto à alínea g), a situação deficitária estava demonstrada na contabilidade da empresa desde 2016 e assim se manteve em 2017 e 2018 e, apesar disso, o 2.º Requerido continuou a pedir à sua principal cliente – a (…) – vários adiantamentos, o que fez a partir de Setembro de 2017, conseguindo assim entregas no valor global de € 9.018.023,40, sem que entregasse qualquer mercadoria como contrapartida.
Este comportamento apenas contribuiu para aumentar o passivo face ao activo – no final de 2018 os activos registados ascendiam a € 1.784.499,57 – e visto que parte substancial das transferências para a conta pessoal do 2.º Requerido, bem como parte das compras do 1.º Requerido, ocorreram já após Setembro de 2017, deve concluir-se que a exploração deficitária foi prosseguida no seu interesse pessoal, devendo saber que conduziria provavelmente à insolvência, como veio a suceder.
Assim, também a mencionada alínea g) está preenchida.
Finalmente, quanto à alínea h), não existia na contabilidade da empresa mapas de activos e depreciações, nem qualquer listagem dos bens objecto de furto – estes elementos foram solicitados à insolvente e não foram entregues. Ponderando que o alegado furto não foi sequer registado contabilisticamente, também deve concluir-se que a contabilidade elaborada se apresenta desorganizada e ocasiona prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira da devedora, pelo que também está preenchida esta previsão legal.
A qualificação da insolvência abrange não apenas os administradores de direito, mas igualmente os administradores de facto, isto é, os que praticam actos de administração sem que se encontrem legalmente nomeados como titulares do cargo que exercem[7], motivo pelo qual esta qualificação afecta o Recorrente, pois a matéria de facto provada demonstra que agia como se fosse efectivamente o administrador da empresa.

Da indemnização aos credores da devedora, prevista no artigo 189.º, n.º 2, alínea e), do CIRE.
A sentença condenou os 1.º e 2.º Requeridos a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até à força do respectivo património, no valor global de € 40.542.551,88 e até este montante, considerando que deveria corresponder à diferença entre o montante dos créditos reconhecidos e o valor obtido com a liquidação.
O Recorrente argumenta, porém, que essa indemnização teria como limite as forças do património do afectado e não prescinde da verificação de um nexo causal entre a actuação do devedor e o montante dos créditos não satisfeitos.
Como já se escreveu no Supremo Tribunal de Justiça, a obrigação de indemnizar consagrada no artigo 189.º, n.º 2, alínea e), do CIRE “tem também uma dimensão punitiva ou sancionatória, pelo que a observância do princípio da proporcionalidade não exige que a indemnização imposta tenha que ser avaliada como justa, adequada, razoável e proporcionada, mas sim e apenas, num controlo mais lasso, que a indemnização não seja avaliada como excessiva, desproporcionada e desrazoável.”[8]
Pois bem, o comportamento dos 1.º de 2.º Requeridos, apoderando-se dos activos financeiros da sociedade, solicitando constantes adiantamentos a uma credora que ultrapassaram os nove milhões de euros, fazendo desaparecer os bens da empresa e mantendo uma contabilidade que não reflectia a real situação da empresa, é grave e revela culpa intensa, pelo que afirmamos não ser desproporcional ou excessivo condená-los a indemnizar os credores da devedora pelo montante dos créditos reconhecidos e não satisfeitos.
Ponderando que a sentença tem o cuidado de efectuar a condenação até à força do património dos afectados, deve a mesma ser mantida, também nesta parte.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 12 de Maio de 2022
Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
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[1] In Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, 1982, pág. 142.
[2] Loc. cit., pág. 143.
[3] Vide, por todos, o Acórdão de Relação de Évora de 30.06.2021 (Proc. 2287/15.3T8STR-E.E1), publicado em www.dgsi.pt.
[4] In Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª ed., págs. 718 e 719.
[5] In Direito da Insolvência, 5.ª ed., pág. 248.
[6] Proferido no Proc. 807/17.0T8STS-B.P1.S1 e publicado em www.dgsi.pt.
[7] Cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra de 21.01.2014 (Proc. 174/12.8TJCBR-C1), também publicado na página da DGSI.
[8] Em Acórdão de 22.06.2021 (Proc. 439/15.7T8OLH-J.E1.S1), também na página da DGSI.