IMPUGNAÇÃO PAULIANA
INSOLVÊNCIA
ENCERRAMENTO POR FALTA DE BENS
Sumário

I – Considerando que a procedência de ação de impugnação pauliana relativa a um contrato de doação não tem como consequência o regresso ao património da insolvente / doadora do direito doado, o qual se mantém no património dos donatários, passando a responder pelas dívidas da doadora na medida do interesse da credora impugnante, não há que proceder à apreensão de tal direito, ou da expetativa da respetiva aquisição, para a massa insolvente;
II – Não se encontrando apreendido qualquer bem ou direito para a massa e não decorrendo dos autos a existência de património pertencente à insolvente não apreendido, cumpre concluir que inexistem bens ou direitos a liquidar, assim se mostrando o património da devedora insuficiente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 1208/21.0T8STR-B.E1
Juízo de Comércio de Santarém
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


1. Relatório

Por sentença de 19-05-2021, foi declarada a insolvência de (…), divorciada, melhor identificada nos autos, tendo sido nomeado administrador da insolvência e, além do mais, determinada a apreensão, para entrega ao administrador da insolvência, de todos os elementos da contabilidade da insolvente e de todos os bens, ainda que penhorados, arrestados ou por qualquer outra forma apreendidos ou detidos.
O administrador da insolvência apresentou, a 25-06-2021, o relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE, sobre a situação da devedora, no qual dá conhecimento da inexistência de bens suscetíveis de apreensão, pronunciando-se no sentido do encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente.
A credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L. veio aos autos, a 08-07-2021, deduzir oposição ao encerramento do processo, sustentando que pretende intentar uma ação de impugnação pauliana, relativamente a um contrato de doação outorgado a 17-05-2018, através do qual a devedora transmitiu aos seus filhos o direito a um terço indiviso do prédio rústico que identifica, de que era titular, pelo que entende dever ser apreendida a para a massa a expetativa de aquisição de tal direito sobre o prédio.
A 12-07-2021, a credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L. comunicou que intentou a 09-07-2021, contra a devedora (…) e seus filhos, (…) e (…), a ação declarativa que corre termos sob com n.º 589/21.0TBNV no Juízo Local Cível de Benavente, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, na qual formulou o pedido seguinte: a) Ser julgada procedente por provada a impugnação da Doação da Devedora Insolvente e ora 1.ª Ré a favor dos 2.º e 3.ºs Réus do direito a 1/3 indiviso do imóvel supra descrito no artigo (…) e, em consequência, b) Regressar o referido bem ao património da Devedora Insolvente e ora 1ª. Ré, integrando a Massa Insolvente e responder perante os credores da insolvência. c) Ou, caso assim não se entenda, quanto ao pedido da alínea b), serem os 2.ª e 3.º Réus condenadas a não se oporem a que a Autora execute no seu património o direito a 1/3 indiviso do imóvel supra descrito no artigo (…) na medida necessária à satisfação dos créditos da Autora sobre a 1.ª Ré, praticando os actos de conservação de garantia patrimonial autorizados por lei; d) Quando assim não se entenda, então, deve declarar-se a nulidade da Doação da Devedora Insolvente e ora 1.ª Ré a favor dos 2.º e 3.ºs Réus do imóvel supra descrito no artigo (…), porque simulada, nos termos do artigo 240.º do Código Civil e, em consequência, e) Ser ordenado o cancelamento do registo do direito de propriedade efectuado a favor dos 2.º e 3.ª Réus quanto ao direito a 1/3 indiviso sobre imóvel supra descrito no artigo (…) pela Ap. (…), de 2018/05/18 e, em consequência, f) Regressar o referido bem ao património da Devedora Insolvente, integrando a Massa Insolvente e responder perante os credores da insolvência. g) Em qualquer dos casos, serem os Réus condenados, solidariamente, em custas, procuradoria condigna e demais que for legal.
Sustenta a credora que, tendo peticionado o regresso do direito em causa ao património da insolvente, deverá ser apreendida à ordem da massa a expetativa de aquisição do mesmo, dado que a decisão judicial a proferir nos referidos autos poderá determinar a alteração dos bens que integram a massa insolvente, devendo a liquidação seguir os seus termos após o trânsito em julgado de tal decisão judicial.
O administrador da insolvência veio aos autos reiterar a proposta de encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, por entender que não se encontram preenchidos pressupostos legais que lhe permitam proceder à resolução em benefício da massa insolvente do aludido negócio e que a eventual procedência da ação de impugnação pauliana intentada pela credora não tem como efeito o regresso do direito em causa ao património da devedora.
Por decisão de 04-01-2022, foi declarado o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, nos termos seguintes:
(…) Estabelece o artigo 232.º, n.º 1 e 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que verificando-se que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, o juiz, ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente. Nos termos do n.º 7 do mesmo preceito, presume-se a insuficiência da massa quando o seu valor seja inferior a € 5.000,00.
Revertendo ao caso em apreço, concorda-se na íntegra com o explanado pelo Sr. AI. Com efeito, atenta a data do negócio jurídico em causa, já decorreram os prazos legalmente previstos para resolução de tal negócio, única forma de poder fazer reverter o bem doado para a massa insolvente, uma vez que, a acção de impugnação pauliana intentada pela referida credora não terá tal efeito jurídico, conforme se pode ler no já citado ac. do STJ de 17-12-2019, processo n.º 1542/13.3TBMGR.
Acresce que, não foram apreendidos quaisquer bens para a massa insolvente.
Pelo exposto, nos termos dos artigos 230.º, n.º 1, alínea d) e 232.º, n.º 2, ambos do CIRE, declaro encerrado por insuficiência da massa insolvente o presente processo.
O encerramento do processo, tendo em conta a exoneração do passivo restante, tem o efeito previsto no artigo 233.º, n.º 1, alínea b), do CIRE, de fazer cessar as atribuições do Sr. Administrador da Insolvência.

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Em conformidade com o disposto no artigo 233.º, n.º 6, do CIRE, qualifico como fortuita a insolvência.
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Registe e notifique os credores conhecidos – artigo 230.º, n.º 2, do CIRE.
Dê publicidade à presente decisão nos termos previstos nos artigos 37.º, n.º 7 e 38.º, n.º 7, ex vi do artigo 230.º, n.º 2, do CIRE.
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Remeta certidão à Conservatória do Registo Civil competente, no prazo de 5 dias, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 38.º, n.º 2, alínea a) – artigo 230.º, n.º 2, do CIRE.
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Deverá o Sr. Administrador da Insolvência proceder à entrega no tribunal, para arquivo, de toda a documentação relativa ao processo em seu poder, bem como os elementos da contabilidade do devedor que não hajam de ser restituídos ao próprio – artigo 233.º, n.º 5, do CIRE.

Inconformada, a credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L. interpôs recurso desta decisão, na parte relativa ao encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, pugnando pelo prosseguimento dos autos e terminando as alegações com as conclusões que se transcrevem:
«I. – Mal andou Douta Sentença proferida em 05.01.2022 ao determinar o encerramento do Processo por Insuficiência da Massa Insolvente e qualificar a insolvência como fortuita.
II. – Tendo, a Credora aqui Recorrente Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L. em 08.07.2021, deduzido oposição à proposta apresentada no relatório apresentado pelo Senhor Administrador de Insolvência nos termos do artigo 155.º do C.I.R.E., onde foi proposto o encerramento do processo por insuficiência da Massa Insolvente nos termos do n.º 2 do artigo 232.º do C.I.R.E. e alínea d) do n.º 1 do artigo 230.º do C.I.R.E., e em 12.07.2021 junto dos presentes autos Petição Inicial da Acção Declarativa de Condenação, contra … (1.ª Ré), … (2.ª Ré), e … (3.º Réu), que corre os seus termos no Juízo Local Cível de Benavente, da Comarca de Santarém, com n.º 589/21.0TBNV, pelo que foi peticionado que o bem objecto da referida acção (1/3 indiviso do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos sob o n.º … da freguesia de … e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, da secção 1 (parte) com um valor de mercado não inferior a € 21.700,00 (vinte e um mil, e setecentos euros) regresse ao património da Devedora Insolvente, integrando a Massa Insolvente e respondendo perante os credores da insolvência, deveria, ao contrário do decidido, ter sido proferida sentença que ordenasse o prosseguimento dos autos para liquidação do activo com expectativa de aquisição desse direito e relegado para momento oportuno, a prolação de decisão quanto à qualificação de insolvência.
III. - A Douta Sentença recorrida não faz uma correcta interpretação e aplicação de Lei ao sufragar o entendimento de que inexiste fundamento factual para ordenar o prosseguimento dos autos para a liquidação do activo, com a apreensão de expectativa de aquisição do direito (anteriormente titulado pela Insolvente) a 1/3 indiviso do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos sob o n.º (…) da freguesia de (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da secção 1 (parte), e assim ordenar o prosseguimento dos autos para liquidação do activo e relegar para momento oportuno, a prolação de sentença quando à qualificação de insolvência, violando o disposto no artigo 149.º do C.I.R.E. e artigos 185.º e 186.º do C.I.R.E..
IV.- A ora Recorrente Caixa Agrícola não se pode conformar com tal entendimento, não tendo a decisão recorrida acolhido devidamente os factos constantes dos autos e o âmbito jurídico da mesma tendo sido violado o disposto nos artigos 149.º, 185.º e 186.º do C.I.R.E..
V. - O objecto do recurso, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente (artigos 608.º, n.º 2, in fine, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
VI. - O objecto do recurso reconduz-se assim, a saber se, caso a sentença sob recurso tivesse valorado todos os factos constantes dos autos e feito uma correcta subsunção jurídica dos mesmos teria sido proferida decisão diversa da recorrida, decidindo pelo prosseguimento aos autos para liquidação do activo, com a apreensão da expectativa de aquisição do direito (anteriormente titulado pela Insolvente) sobre 1/3 indiviso do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos sob o n.º (…) da freguesia de (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da secção 1 (parte), e ainda relegado para momento oportuno a decisão sobre a qualificação de insolvência.
VII. - A questão que se coloca à Superior Decisão consiste em saber se, constatando dos autos, prova de interposição de acção judicial – de impugnação pauliana e de simulação – de direito sobre imóvel que havia sido propriedade da Devedora Insolvente, na qual um dos pedidos é que este regresse ao património da Devedora Insolvente, devem os autos de insolvência prosseguir para liquidação do activo, apreendendo-se a expectativa de aquisição desse mesmo direito e assim relegar para momento oportuno a prolação de sentença quanto à qualificação da insolvência.
VIII. - Em 09.07.2021 a Credora aqui Recorrente Caixa Agrícola intentou acção de impugnação pauliana e de simulação, que corre termos sob o n.º 589/21.0T8BNV, Comarca de Santarém – Juízo Local Cível de Benavente, contra a Devedora Insolvente (…), e contra os seus filhos (…) e (…) tendo peticionado, entre outros pedidos, que: “a) Seja julgada procedente por provada a impugnação da Doação da Devedora Insolvente e ora 1.ª Ré a favor dos 2.º e 3.ºs Réus do direito a 1/3 indiviso do imóvel supra descrito no artigo … e, em consequência, b) Regressar o referido bem ao património da Devedora Insolvente e ora 1.ª Ré, integrando a Massa Insolvente e responder perante os credores da insolvência.”
IX. – Conforme bem se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.07.2013, Processo n.º 283/09.0TBVFR-C.P1.S1, disponível www.dgsi.pt, seguindo o qual: “Se os executados são declarados insolventes na pendência de acção de impugnação pauliana movida pelo Exequente, por razões de justiça material e respeito pela execução universal despoleta, os bens alienados, objecto de impugnação pauliana julgada procedente, devem, excepcionalmente, regressar ao património do devedor, para, integrando a massa insolvente, responderem perante os credores da insolvência.
Sendo, deste modo, o crédito do exequente, autor triunfante na acção de impugnação pauliana, tratado em pé de igualdade com os demais credores dos ora insolventes, assim se acolhendo a lição de Pires de Lima e Antunes Varela quando afirmam que “o credor pode ter interesse na restituição dos bens ao património do devedor, se a execução ainda não é possível ou se há falência ou insolvência, caso em que os bens revertam para a massa falida.
X. – Constando dos autos que o referido direito tem um valor de mercado não superior de € 21.700,00 (vinte e um mil e setecentos euros), deveriam os autos ter prosseguido para liquidação do activo e assim a apreender-se para a massa insolvente a expectativa de aquisição do direito de propriedade sobre 1/3 indiviso do prédio objecto da referida acção de processo comum.
XI. – Não o tendo feito, foi violado o disposto no artigo 149.º do C.I.R.E. o qual dispõe que a apreensão abrange todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que os mesmos tenham sido penhorados, arrestados ou por qualquer forma ou detidos noutro processo.
XII. – Assim como deveria, face aos factos constantes dos autos ter relegado para momento oportuno, a decisão sobre a qualificação de insolvência e não o tendo feito, foi violado o disposto nos artigos 185.º e 186.º do C.I.R.E..
Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exa., deve ser julgado procedente o presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta Sentença recorrida, substituindo-a por outra que ordene o prosseguimento dos autos para liquidação do activo e em consequência que seja apreendido para a massa insolvente a expectativa de aquisição do direito sobre 1/3 indiviso do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos sob o n.º (…) da freguesia de (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da secção 1 (parte), e relegar para momento oportuno a decisão sobre a qualificação de insolvência, assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA!»
A devedora apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido.
Face às conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar a questão da oportunidade do encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente.


2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto
Com interesse para a apreciação da questão suscitada, extrai-se dos autos, além dos elementos indicados no relatório supra, ainda o seguinte:
a) o processo de insolvência iniciou-se a 07-05-2021;
b) não foram apreendidos para a massa quaisquer bens ou direitos;
c) por contrato de doação outorgado por escritura de 17-05-2018, a devedora (…) declarou doar a seus filhos (…) e (…), em comum e partes iguais, um terço indiviso do prédio rústico sito em (…), Rua da (…), lugar e freguesia de (…), concelho de Salvaterra de Magos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob parte do artigo (…) da secção 1;
d) consta da certidão de registo predial relativa ao prédio rústico identificado em c), além do mais, o seguinte: pela apresentação (…), de 18-05-2018, foi inscrita a aquisição. em comum e partes iguais, da quota de um terço do prédio, por doação de (…) a favor de (…) e (…);
e) a credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L. intentou, no Juízo Local Cível de Benavente, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, contra (…), (…) e (…), ação declarativa, com processo comum, na qual formulou o pedido seguinte:
Nestes termos e nos mais de Direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, em consequência:
a) Ser julgada procedente por provada a impugnação da Doação da Devedora Insolvente e ora 1.ª Ré a favor dos 2.º e 3.ºs Réus do direito a 1/3 indiviso do imóvel supra descrito no artigo (…) e, em consequência,
b) Regressar o referido bem ao património da Devedora Insolvente e ora 1.ª Ré, integrando a Massa Insolvente e responder perante os credores da insolvência.
c) Ou, caso assim não se entenda, quanto ao pedido da alínea b), serem os 2.ª e 3.º Réus condenadas a não se oporem a que a Autora execute no seu património o direito a 1/3 indiviso do imóvel supra descrito no artigo (…) na medida necessária à satisfação dos créditos da Autora sobre a 1.ª Ré, praticando os actos de conservação de garantia patrimonial autorizados por lei;
d) Quando assim não se entenda, então, deve declarar-se a nulidade da Doação da Devedora Insolvente e ora 1.ª Ré a favor dos 2.º e 3.ºs Réus do imóvel supra descrito no artigo (…), porque simulada, nos termos do artigo 240.º do Código Civil e, em consequência,
e) Ser ordenado o cancelamento do registo do direito de propriedade efectuado a favor dos 2.º e 3.ª Réus quanto ao direito a 1/3 indiviso sobre imóvel supra descrito no artigo (…) pela Ap. (…), de 2018/05/18 e, em consequência,
f) Regressar o referido bem ao património da Devedora Insolvente, integrando a Massa Insolvente e responder perante os credores da insolvência.
g) Em qualquer dos casos, serem os Réus condenados, solidariamente, em custas, procuradoria condigna e demais que for legal.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
Declarada nos presentes autos a insolvência da devedora, o processo prosseguiu, vindo a ser declarado encerrado com fundamento em insuficiência da massa para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, por se ter entendido não haver património a liquidar, dado inexistirem bens apreendidos nos autos.
Esta declaração de encerramento do processo, com fundamento em insuficiência da massa, vem posta em causa na apelação intentada pela credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L., que sustenta não se verificar a razão determinante da decisão proferida.
A apelante invoca a existência de uma expetativa de aquisição do direito a um terço indiviso do prédio rústico identificado na alínea c) de 2.1., decorrente da eventual procedência da ação judicial a que alude a alínea e) de 2.1., que intentou, sustentando que a aludida expetativa deverá ser apreendida para a massa insolvente e que tal impede se considere nesta fase verificada a insuficiência da massa, pelo que defende a revogação da decisão de encerramento do processo.
Vejamos se se verifica a causa que baseou a declaração de encerramento do processo de insolvência.
As causas de encerramento do processo, nos casos em que os autos tenham prosseguido após a declaração de insolvência, encontram-se elencadas no n.º 1 do artigo 230.º do CIRE, com a redação seguinte: 1 - Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento: a) Após a realização do rateio final, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 239.º; b) Após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, se a isso não se opuser o conteúdo deste; c) A pedido do devedor, quando este deixe de se encontrar em situação de insolvência ou todos os credores prestem o seu consentimento; d) Quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente. e) Quando este ainda não haja sido declarado, no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante referido na alínea b) do artigo 237.º.
Estando em questão o encerramento por insuficiência da massa insolvente, cumpre atender ao disposto no artigo 232.º do CIRE, preceito que estatui, além do mais, o seguinte: 1 - Verificando que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, o administrador da insolvência dá conhecimento do facto ao juiz, podendo este conhecer oficiosamente do mesmo. 2 - Ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, o juiz declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente. (…) 7 - Presume-se a insuficiência da massa quando o património seja inferior a € 5.000,00.
Importa aferir, no presente recurso, se ocorre a situação prevista na alínea d) do n.º 1 do citado artigo 230.º, isto é, se constam dos autos elementos que permitam concluir que a massa insolvente não é suficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente.
A massa insolvente abrange, salvo disposição em contrário, todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 46.º do CIRE; esclarece o n.º 2 do indicado preceito que os bens isentos de penhora só são integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta.
Abrangendo a massa insolvente, em princípio, todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos pelo mesmo adquiridos na pendência do processo, cumpre averiguar se o património do devedor não se mostra suficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente.
No caso presente, em que não foi apreendido qualquer bem ou direito para a massa, dúvidas não há de que inexistem bens ou direitos a liquidar.
Porém, face à alegação da apelante, vejamos se se impõe a apreensão da expetativa de aquisição do direito a um terço indiviso do prédio rústico identificado na alínea c) de 2.1. e, em caso afirmativo, se tal impede se considere demonstrado, nesta fase processual, que o património da devedora se mostra insuficiente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.
Está em causa um contrato outorgado por escritura de 17-05-2018, através da qual a devedora declarou doar a seus filhos (…) e (…), em comum e partes iguais, um terço indiviso do prédio rústico identificado na alínea c) de 2.1., encontrando-se a aquisição respetiva inscrita no registo pela apresentação (…), de 18-05-2018.
Verificando que o mencionado direito sobre o imóvel deixou de integrar o património da devedora em resultado da referida alienação gratuita, efetuada em data anterior à declaração de insolvência, poderá estar em causa um ato prejudicial à massa praticado pela devedora antes de tal declaração.
Explica Catarina Serra (Lições de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 245) que “a lei prevê instrumentos adequados a repelir os efeitos jurídicos dos actos praticados pelo devedor antes da declaração de insolvência que prejudiquem a massa. São eles dois: a resolução em benefício da massa insolvente, na disponibilidade do administrador da insolvência, e a impugnação pauliana, na disponibilidade dos credores”.
No caso, o administrador da insolvência entendeu que o ato em apreciação não se mostra suscetível de resolução em benefício da massa insolvente, por ter sido celebrado mais de dois anos antes da data do início do processo de insolvência, motivo pelo qual não fez uso de tal instrumento, o que não vem posto em causa na apelação.
No que respeita à impugnação pauliana, instrumento na disponibilidade dos credores, cumpre atender ao disposto no artigo 127.º do CIRE, com a redação seguinte:
1 - É vedada aos credores da insolvência a instauração de novas ações de impugnação pauliana de atos praticados pelo devedor cuja resolução haja sido declarada pelo administrador da insolvência.
2 - As ações de impugnação pauliana pendentes à data da declaração da insolvência ou propostas ulteriormente não serão apensas ao processo de insolvência, e, em caso de resolução do ato pelo administrador da insolvência, só prosseguirão os seus termos se tal resolução vier a ser declarada ineficaz por decisão definitiva, a qual terá força vinculativa no âmbito daquelas ações quanto às questões que tenha apreciado, desde que não ofenda caso julgado de formação anterior.
3 - Julgada procedente a ação de impugnação, o interesse do credor que a tenha instaurado é aferido, para efeitos do artigo 616.º do Código Civil, com abstração das modificações introduzidas ao seu crédito por um eventual plano de insolvência ou de pagamentos.
Decorre deste preceito que, estando em causa ação de impugnação pauliana que prossiga os seus termos, designadamente por se reportar a ato cuja resolução não tenha sido declarada pelo administrador da insolvência, e venha a ser julgada procedente, o interesse do credor que a tenha instaurado é aferido, para efeitos do artigo 616.º do Código Civil, com abstração das modificações introduzidas ao seu crédito por um eventual plano de insolvência ou de pagamentos.
Quanto aos efeitos da impugnação pauliana, dispõe o artigo 616.º, n.º 1, do Código Civil, que o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei; esclarece o n.º 4 do preceito que os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido.
Assim sendo, conforme constata Catarina Serra (ob. cit., pág. 252), “quanto às acções que, excepcionalmente, possam prosseguir e sejam julgadas procedentes, os seus efeitos só aproveitam, aparentemente, ao requerente”. Acrescenta a autora (ob. cit., pág. 253) que “a restrição dos efeitos das acções de impugnação procedentes ao credor requerente (cfr. artigo 127.º, n.º 3) pode estar – e está – em harmonia com o regime geral da impugnação pauliana – com a natureza pessoal desta (cfr. artigo 616.º, n.º 4, do Código Civil) –, mas, por isso mesmo, é completamente desadequada ao processo de insolvência – à sua natureza universal”.
Como tal, ainda que venha a ser julgada procedente a impugnação pauliana quanto ao contrato de doação, o direito – a um terço indiviso do prédio rústico – doado mantém-se no património dos donatários réus, dado que o ato mantém a sua validade e eficácia, com uma restrição: passa a responder pelas dívidas da alienante ré, na medida do interesse da credora autora, isto é, sofre de uma ineficácia em relação à credora autora. A autora poderá, assim, executar o aludido direito, no património dos réus adquirentes, na medida necessária ao pagamento do seu crédito.
Face ao indicado regime, não se vislumbra fundamento legal que justifique a apreensão a favor da massa da expetativa de aquisição do aludido direito.
Com relevo para o caso presente, considerou-se no acórdão do STJ de 15-01-2019 (relatora: Graça Amaral), proferido na revista n.º 3134/14.0TBBRG.G1.S1 - 6.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), o seguinte: I - O regime da impugnação pauliana caracteriza-se, quanto aos efeitos da procedência da respectiva acção, enquanto direito pessoal de restituição, porquanto o acto visado não é afectado na sua validade intrínseca, apenas deixa de produzir efeitos em relação ao credor impugnante e só na medida do seu interesse, ou seja, uma vez satisfeito o direito do credor o acto impugnado permanece integralmente válido. II - Atenta a natureza da acção de impugnação pauliana, em caso de inexistência ou improcedência da acção de resolução por parte do administrador, não pode a procedência daquela assumir efeitos colectivos no sentido de beneficiar a massa insolvente, pelo que os efeitos da impugnação aproveitam apenas o credor que a tenha requerido. III - Consequentemente, inexistindo acção de resolução proposta que contenda com a acção pauliana instaurada por um credor da insolvente, carece de cabimento legal reabrir o processo de insolvência (que havia sido encerrado ao abrigo do disposto nos artigos 230.º, n.º 1, alínea d) e 232.º, n.º 2, ambos do CIRE, por inexistência de bens susceptíveis de apreensão para a massa insolvente) face à procedência da referida acção de impugnação pauliana com vista à integração dos bens objecto de impugnação na massa insolvente.
No mesmo sentido, cfr. o acórdão do STJ de 17-12-2019 (relatora: Maria Olinda Garcia), proferido na revista número 1542/13.3TBMGR-K.C1.S1 - 6.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se considerou o seguinte: I - Dado que a procedência da impugnação pauliana não tem como consequência a extinção do efeito translativo da venda, o credor impugnante executa os bens, alvo da impugnação, no património do terceiro adquirente. II - Assim, não regressando os bens vendidos ao património do alienante, posteriormente declarado insolvente, a impugnação pauliana da respetiva venda não aproveita aos demais credores do insolvente. Por isso, o artigo 127.º do CIRE determina que aquela ação de impugnação pauliana não é apensa aos autos da insolvência do devedor alienante. III - Tratando-se, assim, de bens de terceiro, não pode o administrador da insolvência (que não procedeu à resolução em benefício da massa) apreender esses bens para a massa insolvente.
Assim sendo, considerando que não se encontra apreendido qualquer bem ou direito para a massa e não decorrendo dos autos a existência de património pertencente à insolvente não apreendido, cumpre concluir que inexistem bens ou direitos a liquidar, assim se mostrando o património da devedora insuficiente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.
Nesta conformidade, mostra-se acertada a decisão recorrida, ao declarar o encerramento do processo com fundamento em insuficiência da massa para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, impondo-se a respetiva confirmação.
Improcede, assim, a apelação.


Em conclusão: (…)


3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.

Évora, 12-05-2022
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
(Relatora)
Vítor Sequinho dos Santos
(1.ª Adjunto)
José Manuel Barata
(2.º Adjunto)