TRABALHADOR COM RESPONSABILIDADES FAMILIARES
HORÁRIO DE TRABALHO COMPLETO
HORÁRIO DE TRABALHO PARCIAL
DIAS DE DESCANSO SEMANAL
FLEXIBILIDADE FUNCIONAL
Sumário

I - A alteração/flexibilização do horário de trabalho de trabalhador com responsabilidades familiares é um direito constitucional consagrado nos artigos 59.º, n.º 1, b) e 67.º, n.º 2, h) da Constituição República Portuguesa, bem como no artigo 56.º do Código do Trabalho.
II. – Decorre dos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho que o regime flexível para trabalhador com responsabilidades familiares, com trabalho a tempo completo, se concretiza em duas modalidades: trabalho a tempo parcial e trabalho em regime de horário flexível.
III. - O que significa que o disposto no n.º 5 do artigo 55.º do mesmo diploma apenas é aplicável a trabalhadores com trabalho a tempo completo, mas que beneficiaram, temporariamente, da modalidade de trabalho a tempo parcial, por força do disposto no citado artigo 57.º.
IV. – Não distinguindo o artigo 56.º do CT entre trabalhadores com trabalho a tempo completo e trabalhadores com trabalho a tempo parcial, estes também beneficiam do direito a escolher os dias de descanso semanal.

Texto Integral

Proc. n.º 3655/20.6T8VLG.P1
Origem: Comarca Porto Valongo Juízo Trabalho J1
Relator - Domingos Morais – Registo 965
Adjuntos – Paula Leal de Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório
1. - Lojas P..., S.A., intentou acção comum emergente de contrato individual de trabalho, na Comarca Porto Valongo Juízo Trabalho J1, contra
AA, ambas nos autos identificadas, a presente acção comum, de simples apreciação, alegando, em síntese que:
A autora e a ré celebraram um contrato que apodaram de contrato de trabalho em 02/03/2015, no qual a última se obrigou a prestar trabalho à primeira sob as suas ordens e direcção, contra o pagamento de uma retribuição mensal.
A ré foi contratada para exercer as funções de operadora de loja, que mantém actualmente.
A descrição das funções desempenhadas pela ré é a que consta no Contrato Colectivo de Trabalho aplicável (CCT celebrado entre a APED e a FEPCES) mas que basicamente consistem em fazer atendimento ao cliente, caixa e reposição.
A ré exerce actualmente funções na loja P..., sita no Centro Comercial B....
No dia 16/10/2020, a Autora recebeu uma carta da ré a pedir a concessão de folgas fixas por motivos familiares, ao abrigo do artigo 56.º do Código do Trabalho.
A autora entende que não cabe no regime do trabalho prestado em regime de flexibilidade a dispensa de trabalho aos fins-de-semana ou em qualquer dia, mas apenas os limites do período normal de trabalho diário.
Como tal, ao ter aceite o horário sugerido pela ré (horário esse que não estava obrigada a aceitar, podendo simplesmente ter elaborado um horário nos termos previstos no artigo 56.º, n.º 3 do CT) a Autora aceitou cabalmente o pedido de trabalho em regime de horário flexível.
A autora cumpriu todos os pressupostos e que se encontram previstos nos n.ºs 3, 4, 5 e 8 alínea a), b) e c), estes à contrário, todos previstos no artigo 57.º do CT.
Infelizmente a CITE e a ré tem entendimento diverso, obrigando assim a Autora a interpor a presente a acção.
Terminou, pedindo: “deverá a presente acção ser julgada totalmente procedente, por provada, e em consequência ser declarado que a Autora aceitou o pedido de trabalho em regime de flexibilidade de horário apresentado pela Ré e que, consequentemente, não tem esta direito a escolher os dias de descanso semanais devendo por isso trabalhar em qualquer dia da semana que a Autora indique.”.
2. – Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré contestou, transcrevendo o parecer da CITE – Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego - e concluindo: “a acção deverá ser julgada improcedente, por não provada, e a R. ser absolvida do pedido formulado pela A..”.
3. – No despacho saneador, o Mmo Juiz fixou em € 30 000,01 o valor da acção.
4. - Realizada a audiência final, o Mma Juiz proferiu decisão:
julgo a presente ação improcedente, por não provada, e em consequência absolvo a Ré da totalidade do pedido formulado pela A.”.
5. – A autora apresentou recurso de apelação, concluindo:
A. A Recorrente não se conforma com a Douta Sentença a quo que julgou improcedente a presente Acção de Processo Comum;
B. Esta decisão é ilegal por incorrecta aplicação do disposto nos artigos 56.º, n.º 1 e 2, 57.º, n.º 8 e 200.º, n.º 1 do Código do Trabalho;
C. A Douta Sentença a quo errou na interpretação que fez do disposto no artigo 56.º, n.º 1 e 2 e 200.º, n.º 1 do CT;
D. Errou porque entendeu, sem ter qualquer suporte interpretativo para o fazer, que por o regime previsto no artigo 200.º do CT abarcar também os dias de descanso, que tal se deveria transpor, por osmose, para o regime previsto no artigo 56.º, n.º 1 e 2 do CT;
E. Por outras palavras, porque ambos os regimes contêm na sua epígrafe o termo “horário”, o Digníssimo Tribunal a quo decidiu fazer tábua rasa da totalidade da letra da norma e das mais elementares regras de interpretação jurídica (com especial enfoque no artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil);
F. E assim concluir que onde está escrito na definição legal de “horário flexível: “(…) aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário”, se deve ler que poderá também escolher os dias de descanso semanal;
G. A Recorrente termina dizendo de novo que o conhecimento do Direito cabe aos Tribunais, e sobre esta questão existe vastíssima jurisprudência à disposição, requerendo-se apenas que os Venerandos Juízes Desembargadores optem por aquela que é a interpretação maioritária, por forma a mais rapidamente se atingir a uniformidade jurisprudencial, tão necessária e essencial à certeza jurídica que permite atingir a paz social nas empresas;
H. Requerendo-se por isso e em conformidade, e sempre com o maior respeito por opinião diversa, que a presente Sentença seja revogada integralmente e que seja reconhecido o Direito da Recorrente de escolher os dias de descanso da Recorrida;
I. Ficando claro o entendimento de que o regime do horário flexível previsto no artigo 56.º, n.º 2 do CT, não concede ao trabalhador o direito a escolher os dias de descanso semanal.
Fazendo-se assim a costumada, Justiça!
6. – A ré contra-alegou, concluindo:
1.ª A decisão recorrida, e a sua motivação, não merecem qualquer censura,
2.ª Razão pela qual, deverá ser mantida e confirmada na íntegra.
Termos em que a presente apelação da A. deverá ser julgada improcedente, mantendo-se e confirmando-se a sentença proferida nos autos, com o que será feita a melhor JUSTIÇA.
7. - O M. Público emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.
8. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. - Fundamentação de facto
II. - Fundamentação de facto
1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
“Discutida a causa, resultou provada a seguinte matéria de facto (por ordem lógica e cronológica):
1. A Autora é uma sociedade comercial cujo objecto abrange a exploração, administração, gestão e desenvolvimento de espaços comerciais, bem como de todas as actividades com estes estabelecimentos relacionadas, nomeadamente o comércio, importação, distribuição e armazenagem de artigos não especificados, nomeadamente artigos para o lar, decoração, vestuário, calçado, artigos de uso e consumo pessoal e doméstico, produtos têxteis, electrodomésticos, equipamentos electrónicos, produtos alimentares, bebidas e tabaco, joalharia, ourivesaria, mobiliário, livros, papelaria, tabacaria, perfumes, produtos químicos e farmacêuticos, instrumentos musicais, bicicletas, veículos mecânicos de propulsão e actividades de restauração, hotelaria, decoração e cultura e lazer, transporte, exploração de teatros e cinemas, compra e venda, investimento e revenda de móveis e imóveis adquiridos para esse fim, consultoria para negócios e gestão, prestação de serviços, participação em outras sociedades com objecto análogo como forma do exercício de actividades económicas e tudo o mais que esteja relacionado ou seja conveniente para o desenvolvimento do objecto social aqui referido, (artº1º da P.I.).
2. Os estabelecimentos são caracterizados por terem uma área comercial ampla e situarem-se em centros comerciais, os quais estão em funcionamento durante os sete (7) dias de semana e com horário de abertura às 10:00 horas e encerramento entre as 23:00 e as 24:00 horas, todos os dias, (artº 2º da P.I.).
3. Estando a Autora obrigada a manter as lojas abertas todos os dias e durante o horário de funcionamento dos respectivos centros comerciais, sob pena de lhe serem aplicadas penalizações comerciais em caso de incumprimento, (artº3º da P.I.).
4. Deste modo, a empresa realiza o seu objecto através da exploração de dez (10) lojas espalhadas por Portugal, a saber: Almada (C...), Braga (D...), Coimbra (E...), Lisboa (F...), Amadora (G...), Loulé (H...), Portimão (I...), Porto (J...), Matosinhos (B...) e Sintra (K...), (artº4º da P.I.).
5. A Autora e a Ré celebraram um contrato que apodaram de contrato de trabalho em 02/03/2015, no qual a última se obrigou a prestar trabalho à primeira sob as suas ordens e direcção, contra o pagamento de uma retribuição mensal, (artº5º da P.I.).
6. No início do contrato, a Ré foi contratado para exercer as funções de operadora de loja, (artº6º da P.I.).
7. Funções que mantém actualmente, (artº7º da P.I.).
8. A descrição das funções desempenhadas pela Ré é a que consta no Contrato Colectivo de Trabalho aplicável (CCT celebrado entre a APED e a FEPCES) mas que basicamente consistem em fazer atendimento ao cliente, caixa e reposição, (artº8º da P.I.).
9. A Ré exerce actualmente funções na loja P... sito no Centro Comercial B... com morada na Rua ..., ..., ..., (artº9º da P.I.).
10. No passado dia 16/10/2020 a Autora recebeu uma carta da Ré com o seguinte teor:

EXMA. (O) SRA. (R): DIRECTOR DOS
SERVIÇOS DE RECURSOS HUMANOS
DA: P... S.A. com sede na Praça ..., ...
Lisboa - NUIPC ... ...:
Rua ..., ... ..., Portugal; telefone ...

Assunto: Pedido de Concessão de folgas fixas de trabalho de trabalhadora com responsabilidades familiares.
AA, solteira, contribuinte fiscal n.º ..., residente em ..., Gondomar, trabalhadora na V/Loja ... - P... B... na morada Rua ..., ... ..., Portugal, com a Categoria Profissional de operadora de loja, admitida nesta empresa desde 02-03-2015, com o numero mecanográfico ..., utilizador do correio electrónico... pretendendo beneficiardo regime de parentaiidade previsto nos artigos 33.º a 65.º do Código do Trabalho (Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro), vem requerer autorização, com a antecedência de 30 dias, para exercer funções em regime de horário flexível ao abrigo do disposto nos art.ºs 56.º e 57.º do C.T. Pretende com este pedido, lhe seja concedido um horário semanal fixo no intervalo das 10:00 as 15:00, com folgas fixas as quintas, sextase sábados, para acompanhare apoiar a sua filha de 7 (sete) de idade e deforma a conciliar a sua vida pessoal e a sua atividade profissional.
Mais requera flexibilidade de horário de trabalho enquanto durarem as circunstâncias que o determinam, não ultrapassando o limite dos 12 (doze) anos da sua filha, prazo previsto no C.T.
Aqui a subscritora vive com a sua filha e faz a entrega diária da mesma na escola básica da lagoa pelas 9:00.
Visto que a subscritora tem outro part-time depois do horário que desempenha na P..., onde no mesmo lhe foram concedidas as folgas pretendidas de (qu inta feira, sexta feira, sábado), pelo facto da filha necessitar de acompanhamento parental para as atividades escolares, e não escolares as quais o progenitor nesses mesmos dias não pode estar presente, visto que tem um trabalho de horários rotativos e nesses mesmos dias, por défice do quadro pessoal da sua empresa, o seu horário de entrada e saída laboral nunca são os mesmos.
Não podendo garantir assim o acompanhamento necessário para a sua filha.
Acresce ainda que derivado as constantes trocas de folgas aqui a subscritora não tem conseguido levar a sua filha as atividades extracurricularese de enriquecimento lúdico, que se realiza para alem da semana ao sábado de manha, sendo também objetivo dedicaras folgas completas á educação e formação da sua filha.
Mais declara que existe uma equipa extensa de colaboradores que a vossa empresa dispõe, cujo a organização e gestão de folgas podem suprimir a necessidade de folgas fixas.
O progenitor da criança, BB, é encarregado de refeitório e equipa, presta trabalho de 2.ª feira a Sábado, em regime rotatividade de horário de trabalho, a exercerfunções no hospital ... porto, implicando frequente mente a Iterações de disponibilidade laboral de véspera, encontrando-se assim impossibilitado de melhor conciliação de horários -conforme Declaração que se anexa.
Mais declara para cumprimento do disposto do arts 57.º/1 alínea b), i) do Código doTrabalho que vive com a sua filha em comunhão de mesa e habitação, conforme doeu mento comprovativo que junto (Atestado de Composição de agregado Familiar emitido pela Junta de Freguesia ...)
A aqui subscritora tem sido uma funcionária exemplar demonstrado peio facto de já trabalhar na vossa empresa desde 2015, nunca tendo a vossa empresa manifestado qualquer desagrado em relação à sua competência e forma de prestação laboral global.
O art.º 56.º do C.T. ao consagrar o direito ao trabalhador em regime de horário flexível, entende-se que este horário é aqueie que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de inicio e termo do período normal detrabalho diário, cabendo ao empregador elaborar esse horário flexível, observando para tal as regras contidas no n.º 3 do art 56.º daquele diploma legal, na senda do que aliás tem sido entendimento unanime por parte da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE).
Pede Deferimento,
AA

, (artº10º da P.I.).
11. Com a missiva supra indicada, juntou ainda a declaração do Serviço de Utilização comum dos Hospitais-SUCH e o horário da turma de 2º ano do ano 2020/2021 do Agrupamento de Escolas ..., (artº11º da P.I.).
12. A Autora respondeu à Ré pela carta entregue em mão em 20/10/2020, com o seguinte teor:

Matosinhos, 20 de Outubro de 2020

Assunto: Pedido de flexibilidade de horário Exma. Senhora AA,
Acusamos a recepção da V/ comunicação, a qual mereceu a n/ melhor atenção.
Tal como já havíamos tido oportunidade de lhe comunicar, aquando do seu primeiro pedido no mês de Abril do corrente ano, a P... garante-lhe o horário das 10h00 às 15h00 de segunda-feira a domingo.
Conforme referido, iremos também sempre que a nível organizacional nos seja permitido poderemos facultar-lhe as folgas às quintas, sextas e sábados.
O que decorre da lei, no que diz respeito ao pedido de flexibilidade é que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
Não cabe dentro do pedido, a definição dos dias de folga pelo trabalhador, isto é decidir os dias que pretende trabalhar.
Esperamos ter esclarecido as suas questões e acautelado as suas preocupações.
Estamos disponíveis para qualquer esclarecimento adicional que tenha por conveniente.
Sem outro assunto,

Com os melhores cumprimentos

AA
20/10/2020
Pela P...


, (artºs 12º e 13º da P.I.).
13. Por carta datada de 23/10/2020 e recebida a 26/10/2020 a Ré apresentou resposta à anterior missiva com o seguinte teor:

Lojas P..., S.A.
Ao C/DRH
Praça ..., ...
... Lisboa

Registada com A/R

Gondomar,23 de outubro de 2020

assunto: Flexibilidade de Horário de Trabalho/ Resposta

Exmos. Senhores,

Eu, AA, admitida a serviço de V. Exas, em 2 de março de 2015, trabalhadora com o n.° ..., a desempenhar funções inerentes à categoria profissional de Operadora de supermercado de 1a, na loja P... B... - n° ..., acuso a receção da carta de V. Exas, datada de 20 de outubro de 2020 que, embora não refira tratar-se de uma intenção de recusa, nos termos do p.4, art. 57 do CT, na verdade o é, por mera cautela e em cumprimento do disposto no, art. 57° n° 5 do CT passo a responder:
Como referido na resposta dada pelos recursos humanos pessoalmente, foi dito que era impossível a fixação das folgas pretendidas de (quInta-Feira, sexta-feira, sábado).
Visto que tenho outro trabalho ,e esse mesmo pedido foi aceite sem qualquer problema imposto pela empresa.
Insisto mais uma vez na necessidade de acompanhamento da minha fiiha de (7anos) a nível escolar e lúdico.
Visto que o progenitor não tem horários de entrada e saída no trabalho nesses respetivos dias, ficando em causa o acompanhamento escolar da minha filha de (7anos) a quinta e sexta e ao sábado não tenho nenhuma escola aberta para a deixar ficar.
Assim os horários que me oferecem são do meu agrado mas as constantes folgas rotativas continuam a não ser, dificultando a necessidade de acompanhamento familiar, escoiar e lúdico da minha filha como referido na declaração da junta de freguesia.
Importante referir também que não aduzem qualquer fundamento ou motivo justificativo para a recusa.
Assim sendo, reitero o pedido tendo em consideração as razões fundamentadas que o motivaram, de modo acompanhar, educar, assistir e apoiar a minha filha nesta fase de crescimento tao importante.

Sem outro assunto, certa da compreensão de V. Exas para o exposto, apresento os meus melhores cumprimentos e subscrevo-me,
AA

, (artº 14º da P.I.).
14. Recebida a resposta da Ré, a Autora enviou uma carta à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) datada de 28/10/2020 (registo RH .........PT) e recebida a 29/10/2020, com o seguinte teor :

CITE - Comissão para a
Igualdade no Trabalho e no Emprego
Rua ..., ... andares, ... ... Lisboa

(Registada)

Assunto: Intenção de recusa da prestação de trabalho com flexibilidade de horário - descansos semanais fixos
Exmos. Senhores,
Vimos, em cumprimento do disposto no artigo 57.º, n.º 5, do Código do Trabalho, remeter o processo relativo à trabalhadora AA.
Na sequência da missiva da mencionada trabalhadora, através da qual solicita a prestação de trabalho em regime de flexibilidade de horário vimos, pela presente, expor o seguinte:
A trabalhadora solicitou a prestação do trabalho em regime de flexibilidade de horário e concretamente que os dias de descanso semanal obrigatório e complementar coincidissem com quinta-feira, sexta-feira e sábado.
Solicitou ainda o horário das 10h às 15h de Domingo a quarta-feira.
A P... apreciou de imediato e devidamente o pedido da trabalhadora e, em resposta, comunicou à trabalhadora que lhe facultaria o horário pretendido das 10h às 15h de segunda- feira a domingo e que não entra no conceito de flexibilidade a escolha dos dias de descanso semanal.
Nos termos do artigo 56.º do Código do Trabalho (doravante designado por CT), o horário flexível, a elaborar pelo empregador, deve:
a) Conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário;
b) Indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento;
c) Estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas.
Entende-se por horário flexível, aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
Assim, é ao empregador a quem lhe corresponde nos termos do artigo n.º 56 do CT estabelecer esses limites dentro dos quais este direito deve ser exercido» Em outros termos, é o empregador quem deve fixar o horário de trabalho, não sendo permitido que o trabalhador determine os dias em que pretende trabalhar.
A título de exemplo, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto n.º 2608/16.3T8MTS.P1 de 2 de Março de 2017 e do Tribunal da Relação de Lisboa n.º 1080/14.7T8BRR.L1-4 de 18 de maio de 2016.
Com efeito, resulta do referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que o pedido de horário flexível com folgas fixas/descansos semanais fixos não se enquadra dentro da noção legal de trabalho flexível nos termos do artigo 56.º do CT.
Consequentemente, se é ao empregador a quem lhe corresponde fixar os limites dentro dos quais o trabalhador pode praticar o seu direito de flexibilidade horária, em nenhum caso pode ser aceite, que seja o trabalhador que determine os dias em que pretende trabalhar (e a sensu contrario, folgar).
Por fim de referir ainda que não existe por parte da P... nenhuma necessidade em fundamentar a alegada recusa.
A P..., e ao contrário do referido pela trabalhadora, não tem que apresentar nenhum motivo justificativo para um pedido que não tem qualquer enquadramento legal conforme supra se explanou.

Junta: Pedido apresentado pela trabalhadora, comunicação da intenção de recusa e apreciação da trabalhadora à intenção de recusa.

Com os melhores cumprimentos,
Lojas P...

, (artº 15º da P.I.).
15. Onde juntou: i) a carta da Ré (e anexos); ii) a resposta da Autora e; iii) a pronúncia da Ré à carta anterior enviada pela Autora, (artº 16º da P.I.).
16. Através da missiva junta a fls.29 a 37 v., datada de 25/11/2020 a CITE emitiu parecer desfavorável à intenção de recusa da Autora relativamente ao pedido de trabalho em regime de horário flexível, apresentado pela Ré, (artº 17º da P.I.).
17. Após receber o parecer desfavorável por parte da CITE aos 27/11/2020, a Autora entregou em mão à Ré aos 30/11/2020 a missiva de fls.38, dando-lhe conhecimento do mesmo, (artº 18º da P.I.).
18. Porém, tal como indicado na comunicação enviada à Ré, a Autora garantiu-lhe o horário fixo das 10:00 h às 15:00 h de segunda-feira a domingo bem como, sempre que lhe foi possível, fez coincidir os dias de descanso semanais da Ré com os às quintas, sextas e sábados, (artº 19º da P.I.).
**
Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contrário dos anteriormente referidos como provados.
**
Os factos provados 1) a 18) resultaram provados por acordo entre as partes (cfr. artºs 1º a 19º da P.I. e cfr. artº1º da contestação), e bem assim comprovados pelos documentos juntos a fls.12 a 14, 15 a 39 v. e 62 a 64 v.

III. – Fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do CPT, e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
2. - O objecto do recurso:
III. – Fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do CPT, e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
2. - O objecto do recurso:
O conceito de horário de trabalho definido no artigo 200.º não abarca também os dias de descanso, para efeitos do regime previsto no artigo 56.º, n.º 1 e 2, ambos do CT, isto é, o regime previsto no artigo 56.º, n.º 1 e 2, do CT não inclui o direito do trabalhador a escolher os dias de descanso semanal, cabendo ao empregador essa indicação.
3. - Do conceito de horário de trabalho e horário flexível.
3.1. - Em resumo, resulta da matéria de facto provada que a ré é trabalhadora da autora desde 02 de Março de 2015, exercendo as funções de operadora de loja na loja P... sita no Centro Comercial B... e que tem uma filha de 7 anos de idade com quem vive em comunhão de mesa e de habitação, conforme decorre da carta junta a fls.12 e v. (matéria que consta dos pontos 5, 6, 7, 9 e 10 dos factos provados).
Também se demonstrou que os estabelecimentos da Autora são caracterizados por terem uma área ampla e situarem-se em centros comerciais os quais estão em funcionamento durante os sete dias de semana e com horário de abertura às 10:00 e encerramento entre as 23:00 e as 24:00 horas, todos os dias (v. matéria que consta do ponto 2 dos factos provados).
Para além disso, também se provou que, por carta recebida pela autora em 16.10.2020, a ré, invocando o disposto nos artigos 56º e 57º do Código do Trabalho, solicitou à autora a atribuição de um “regime de horário de trabalho flexível” e que assim lhe seja concedido “um horário semanal fixo no intervalo das 10:00 às 15:00, com folgas fixas às quintas, sextas e sábados, para acompanhar e apoiar a sua filha de 7 (sete) [anos] de idade e de forma a conciliar a sua vida pessoal e a sua actividade profissional”, “visto que a subscritora tem outro part time depois do horário que desempenha na P..., onde no mesmo lhe foram concedidas as folgas pretendidas de (quinta-feira, sexta-feira, sábado), pelo facto de a filha necessitar de acompanhamento parental para as aticidades escolares e não escolares as quais o progenitor nesses mesmos dias não pode estar presente, visto que tem um trabalho de horários rotativos e nesses mesmos dias, por défice do quadro pessoal da sua empresa, o seu horário de entrada e saída laboral nunca são os mesmos.
Não podendo garantir assim o acompanhamento necessário para a sua filha.
Acresce ainda que derivado às constantes trocas de folgas aqui a subscritora não tem conseguido levar a sua filha às actividades extracurriculares e de enriquecimento lúdico que se realiza para além da semana ao sábado de manhã, sendo também objectivo dedicar as folgas completas à educação e formação da sua filha.
Mais declara que existe uma equipa extensa de colaboradores que a vossa empresa dispõe, cujo a organização e gestão de folgas podem suprimir a necessidade de folgas fixas.
O progenitor da criança, BB é encarregado de refeitório e equipa, presta trabalho de 2ª feira a Sábado, em regime de rotatividade de horário de trabalho, a exercer funções no hospital ..., Porto, implicando frequentemente alterações de disponibilidade laboral de véspera, encontrando-se assim impossibilitado de melhor conciliação de horários (…)”.
Mais declara para cumprimento do disposto no art.57º/1/alínea b) do Código do Trabalho que vive com a sua filha em comunhão de mesa e habitação, conforme documento comprovativo (…)” – cf. carta constante do ponto 10 dos factos dados como provados).
E, em resposta a esta solicitação da ré, a autora comunicou-lhe, por carta datada de 20.10.2020, que “tal como já havíamos tido oportunidade de lhe comunicar, aquando do seu primeiro pedido no mês de Abril do corrente ano, a P... garante-lhe o horário das 10 horas às 15h00 de segunda-feira a domingo.
Conforme referido, iremos também sempre que a nível organizacional nos seja permitido poderemos facultar-lhe as folgas às quintas, sextas e sábados.
O que decorre da lei, no que diz respeito ao pedido de flexibilidade é que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
Não cabe dentro do pedido, a definição dos dias de folga pelo trabalhador, isto é decidir os dias que pretende trabalhar.” – cf. carta constante do ponto 12 dos factos provados.
Está ainda provado que a autora solicitou parecer ao CITE – Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, o qual, por maioria dos seus membros, emitiu o parecer n.º 614/CITE/2020 - junto a fls. 29 v. a 37 dos autos -, parecer esse que foi desfavorável à intenção de recusa da entidade empregadora relativamente ao pedido de trabalho em regime de horário flexível apresentado pela Ré - cf. pontos 16 e 17 dos factos provados.
3.2. - Na sentença recorrida foi consignado:
Consequentemente, também não ocorrem motivos para uma recusa, sem mais, da atribuição de um horário de trabalho flexível, dentro desses mesmos parâmetros, por parte da Autora à Ré, que a nosso ver ocorreu no presente caso.
É certo que a Autora alega que:
“35.º Entende a Autora que não cabe no regime do trabalho prestado em regime de flexibilidade a dispensa de trabalho aos fins-de-semana ou em qualquer dia, mas apenas os limites do período normal de trabalho diário.
36.º Como tal, ao ter aceite o horário sugerido pela Ré (horário esse que não estava obrigada a aceitar, podendo simplesmente ter elaborado um horário nos termos previstos no artigo 56.º, n.º 3 do CT) a Autora aceitou cabalmente o pedido de trabalho em regime de horário flexível.
37.º Pois conforme ficou explanado supra, a Autora cumpriu todos os pressupostos e que se encontram previstos nos n.ºs 3, 4, 5 e 8 alínea a), b) e c), estes à contrário, todos previstos no artigo 57.º do CT.”
Porém, em face da factualidade que resulta demonstrada nos autos não se pode considerar que a Autora tenha aceite o pedido de trabalho em regime de flexibilidade de horário apresentado pela Ré.
Com efeito, resulta claramente dos presentes autos que a Ré pediu à Autora um regime de horário de trabalho flexível para prestar assistência à sua filha menor de 12 anos, com 7 anos de idade, até a mesma completar 12 anos de idade solicitando que “lhe seja concedido um horário semanal fixo no intervalo das 10:00 às 15:00 com folgas fixas às quintas, sextas e sábados" (v. carta para onde remete do ponto 10 dos factos provados).
Porém, em resposta a Autora limitou-se a informar a Ré que lhe será garantido o horário das 10h00 às 15h00 de segunda-feira a domingo e que “sempre que a nível organizacional nos seja permitido poderemos facultar-lhe as folgas às quintas, sextas e sábados”, (cfr. fls.15) o que é bem diverso do pretendido pela Ré.
Assim, segundo o aceitado pela Autora o dia de descanso semanal da Ré não era apenas às quintas-feiras, às sextas-feiras ou aos sábados.
Daí que, contrariamente, ao pretendido pela Autora, não se possa dizer que esta tenha aceitado o pedido de trabalho em regime de flexibilidade de horário apresentado pela Ré.
Pelo contrário, sendo certo que tendo inclusivamente a Autora solicitado à CITE - Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, parecer prévio à recusa de prestação de trabalho em regime de horário flexível solicitado pela Ré, parecer que foi desfavorável à intenção de recusa da entidade empregadora relativamente ao pedido de trabalho em regime de horário flexível apresentado pela Ré, nos termos do disposto no artigo 57º, nº7, do CPT a Autora só podia “recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo”, o que não resulta ter-se verificado.
Sendo certo que não resulta ainda dos presentes autos que a Autora tenha apresentado à Autora qualquer motivo justificativo para a recusa do seu pedido, motivo esse que também não foi referido sequer pela Autora nos presentes autos, a qual depois de ter obtido parecer desfavorável à sua intenção de recusa da entidade empregadora relativamente ao pedido de trabalho em regime de horário flexível apresentado pela Ré, limitou-se a intentar a presente acção pedindo que seja declarado que aceitou o mesmo pedido de trabalho em regime de flexibilidade de horário apresentado pela Ré relativamente ao qual anteriormente solicitara parecer prévio da CITE à recusa do mesmo pedido de trabalho em regime de flexibilidade de horário apresentado pela Ré, o que é bem revelador de que efectivamente a Autora não aceitou tal pedido da Ré, tendo inclusivamente solicitado à CITE parecer prévio à sua recusa.
Assim, não tendo a Autora aceitado o pedido de trabalho em regime de flexibilidade de horário apresentado pela Ré, terá de improceder necessariamente a presente acção”.
3.3. - Em sede de conclusões de recurso, a recorrente alegou que a sentença recorrida “errou na interpretação que fez do disposto no artigo 56.º, n.º 1 e 2 e 200.º, n.º 1 do CT, por entender, sem ter qualquer suporte interpretativo para o fazer, que por o regime previsto no artigo 200.º do CT abarcar também os dias de descanso, que tal se deveria transpor, por osmose, para o regime previsto no artigo 56.º, n.º 1 e 2 do CT”, (…), ao “concluir que onde está escrito na definição legal de “horário flexível: “(…) aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário”, se deve ler que poderá também escolher os dias de descanso semanal”. – cf. alíneas C., D. e F. das conclusões de recurso.
3.4. - Quid iuris?
3.4.1. - A questão da abrangência do conceito de horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares não é nova, pois, tem sido colocada, por diversas vezes, aos Tribunais.
O Tribunal da Relação do Porto já foi chamado a pronunciar-se sobre essa mesma questão, mormente, nos acórdãos proferidos:
- 02.03.2017, proc. n.º 2608/16.3.T8MTS.P1,
- 18.05.2020, proc. n.º 9430/18.0T8VNG.P1,
- 19.04.2021, proc. n.º 14789/20.7T8PRT.P1,
- 15.11.2021, proc. n.º 2731/20.0T8MAI.P1, todos in www.dgsi.pt.
3.4.2. – Sobre a questão em apreço, escrevemos no referido acórdão de 19.04.2021, proc. n.º 14789/20.7T8PRT.P1, subscrito pelo mesmo Colectivo de Juízes Desembargadores:
“5.3.1. - O artigo 59.º - Direitos dos trabalhadores - da Constituição da República Portuguesa (CRP), estatui:
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) (…);
b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;”. (negrito nosso).
E o artigo 67.º - Família - consagra:
“1. A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.
2. Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família:
a) a g) (…);
h) Promover, através da concertação das várias políticas sectoriais, a conciliação da actividade profissional com a vida familiar.”. (negrito nosso).
Por sua vez, o artigo 68.º - Paternidade e maternidade – prescreve:
1. Os pais e as mães têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.
2. A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes.
3. (…).
4. (…).
Como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada Vol. I, pág. 773, “O direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, tem por destinatários, simultaneamente, os empregadores e o Estado, que deve tomar medidas no sentido apontado e de forma a facultar a realização pessoal (nº 1/b), pressupõe a ideia de que o trabalho pode ser pessoalmente gratificante, não podendo ser, de qualquer forma, prestado em condições socialmente degradantes ou contrárias à dignidade humana ou impeditivas da conciliação da actividade profissional com a vida familiar. Trata-se aqui também de um modo de protecção da família.” (negrito nosso)
E a págs. 860-861 acrescentam: “A conciliação da actividade profissional com a vida familiar impõe a concertação de várias políticas sectoriais e a possibilidade, se não mesmo a obrigação, de discriminações positivas a favor da família (justificando derrogações do princípio da igualdade em abstracto): política do trabalho, desde logo contra despedimentos por motivos ligados a maternidade; licença por maternidade e licença parental pelo nascimento ou adopção de um filho; promoção e segurança da saúde de trabalhadoras grávidas; direito a férias em consonância com os interesses da família; institucionalização de horários de trabalho flexíveis, declinação familiar do regime de trabalho em tempo parcial, do trabalho domiciliário, e do acesso à rede de creches, preferências de colocação profissional na proximidade do outro cônjuge ou parceiro, etc.”. (negrito e sublinhado nossos).
5.3.2. - Na lei ordinária, o artigo 56.º - Horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares – do CT dispõe:
1 - O trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos.
2 - Entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
3 - O horário flexível, a elaborar pelo empregador, deve:
a) Conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário;
b) Indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento;
c) Estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas.
4 - O trabalhador que trabalhe em regime de horário flexível pode efectuar até seis horas consecutivas de trabalho e até dez horas de trabalho em cada dia e deve cumprir o correspondente período normal de trabalho semanal, em média de cada período de quatro semanas.
5 - O trabalhador que opte pelo trabalho em regime de horário flexível, nos termos do presente artigo, não pode ser penalizado em matéria de avaliação e de progressão na carreira.”
E o artigo 57.º - Autorização de trabalho a tempo parcial ou em regime de horário flexível – acrescenta:
1 - O trabalhador que pretenda trabalhar a tempo parcial ou em regime de horário de trabalho flexível deve solicitá-lo ao empregador, por escrito, com a antecedência de 30 dias, com os seguintes elementos:
a) Indicação do prazo previsto, dentro do limite aplicável;
b) Declaração da qual conste:
i) Que o menor vive com ele em comunhão de mesa e habitação;
ii) No regime de trabalho a tempo parcial, que não está esgotado o período máximo de duração;
iii) No regime de trabalho a tempo parcial, que o outro progenitor tem actividade profissional e não se encontra ao mesmo tempo em situação de trabalho a tempo parcial ou que está impedido ou inibido totalmente de exercer o poder paternal;
c) A modalidade pretendida de organização do trabalho a tempo parcial.
2 - O empregador apenas pode recusar o pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.”.
Por sua vez, o artigo 127.º - Deveres do empregador – prescreve:
3 - O empregador deve proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que favoreçam a conciliação da actividade profissional com a vida familiar e pessoal.”.
E o artigo 212.º - Elaboração de horário de trabalho – estatui:
“1 - Compete ao empregador determinar o horário de trabalho do trabalhador, dentro dos limites da lei, designadamente do regime de período de funcionamento aplicável.
2 - Na elaboração do horário de trabalho, o empregador deve:
a) (…);
b) Facilitar ao trabalhador a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;”. (negritos nossos)
5.3.3. – Este é o quadro legislativo que cabe ao intérprete aplicar.
No dizer de Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho. Parte I, 5.ª ed., págs.328 e segs., “Especificamente no que toca a interpretação das normas laborais, são de aplicar as regras gerais do art 9.º do Código Civil, mas levanta-se a questão da admissibilidade do princípio do tratamento mais favorável como recurso genérico e de interpretação dessas normas. A admitir-se como regra geral, este princípio teria duas aplicações:
- uma aplicação interpretativa pura, que permitisse que, em caso de dúvida sobre o sentido a atribuir à norma, prevalecesse o sentido mais favorável ao trabalhador;
- uma aplicação interpretativo-aplicativa (portanto, ao nível de um conflito de fontes ou da relação entre as fontes e o contrato de trabalho), na qual o princípio do favor laboratoris teria a função de criar no intérprete a presunção de que as normas laborais seriam imperativas apenas quanto às condições mínimas que estabelecessem, podendo, por isso, ser afastadas, desde que em sentido mais favorável ao trabalhador e tanto pelas fontes inferiores como pelo contrato de trabalho.
(N)a operação de pura interpretação das normas laborais, entendemos que, perante o actual grau de maturidade do Direito do Trabalho e designadamente, perante o reconhecimento do seu carácter com­promissório (que faz prevalecer ora os interesses dos trabalhadores ora os interesses de gestão dos empregadores nas normas e nos regimes que estabelece), não faz sentido reconhecer a existência de um prius geral de interpretação das fontes laborais em favor do trabalhador. Assim, em caso de dúvida sobre o sentido a atribuir à norma, apenas será de adaptar o sentido que mais favoreça o trabalhador se, no caso concreto, se observar a necessidade de protecção do trabalhador como parte mais fraca.”.
A questão da alteração/flexibilização do horário de trabalho, por parte do empregador, não vem sendo um assunto pacífico na doutrina e na jurisprudência, dado que a lei não responde expressamente ou pelo menos de forma clara e inequívoca sobre essa matéria.
Como escreve Joana Nunes Vicente, in Breves Notas sobre Fixação e Modificação do horário de trabalho, in Para Jorge Leite, Escritos Jurídico-Laborais, I, págs. 1051 e segs., “o problema delicado que se coloca é o de saber se o exercício desta faculdade está ou não vinculado à observância de certos limites materiais, se o ordenamento jurídico português faz depender a licitude do exercício do comando patronal do cumprimento de certas exigências substanciais, designadamente a necessidade de alicerçar a referida alteração [do HT] num fundamento objectivo da empresa, mas e sobretudo, a necessidade de atender à/ponderar a esfera de interesses do trabalhador”....
E quanto à necessidade do empregador dever “facilitar ao trabalhador a conciliação da actividade profissional e a vida familiar”, afirma: “é difícil reconhecer a esta indicação normativa um preciso e intencional valor significante”.
Com todo o respeito, o intérprete não pode, não deve ignorar que a prescrição constitucional “permitir e promover a conciliação da actividade profissional com a vida familiar” consta em dois normativos da CRP, o artigo 59.º, n.º 1, alínea b) e o artigo 67.º, n.º 2, alínea h), ao ponto de Gomes Canotilho e Vital Moreira, in obra citada, afirmarem: “A conciliação da actividade profissional com a vida familiar impõe a concertação de várias políticas sectoriais e a possibilidade, se não mesmo a obrigação, de discriminações positivas a favor da família, (…), com a institucionalização de horários de trabalho flexíveis”.
O artigo 56.º do CT consagra a flexibilização do horário de trabalho para trabalhador com filho menor de 12 anos.
No caso em apreço, está provado no ponto 15.º, que “O infantário do filho da requerente fecha às 18h.” e no ponto 17.º que “A Requerente não tem a quem recorrer para deixar o filho menor, a partir das 18h30.”.
Esta realidade factual constitui a exigência substancial que limita a recorrente na sua faculdade de alterar o horário de trabalho da autora para além das 18.00h.
Se assim não forem interpretadas as normas supra citadas, está votada ao fracasso a prescrição constitucional da conciliação da actividade profissional com a vida familiar.”,
Joana Nunes Vicente, in obra citada, na nota de rodapé n.º 31, dá como exemplo de limite material para o empregador, a “hipótese de trabalhador (mãe/pai solteiro/sem rede de apoio social-familiar) que, acatando uma determinada alteração do horário, fica sem qualquer possibilidade de continuar a realizar o transporte do seu filho ao infantário (...)”.
Na verdade, numa sociedade que envelhece a “olhos vistos”, por força da baixa natalidade, e na qual aumentam as famílias monoparentais, tais preceitos constitucionais têm cada vez maior relevo e o intérprete não deve ficar-lhes indiferente.” - fim de citação.
3.4.3. – Posteriormente, e sobre a particular questão da inclusão dos dias de descanso semanal no conceito de horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares, no âmbito de um contrato de trabalho a tempo completo – 8.00 horas/dia, cinco dias/semana – pode ler-se no referido acórdão de 15.11.2021 do TRP, prolatado no proc. n.º 2731/20.0T8MAI.P1, cuja autora é a mesma destes, e foi subscrito pelo ora relator como 1.ª adjunto e pela ora 1.ª adjunta como 2.ª adjunta:
“(…).
Assim, a interpretação é feita segundo as regras de interpretação decorrentes do art.º 9º do Código Civil, sendo que, como consta do seu nº 1, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir do texto legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, ou seja, não se pode olvidar aquilo que está subjacente à norma a interpretar.
Em suma, parte-se do enunciado linguístico da norma (letra da lei) por ser este o ponto de partida da atividade interpretativa, visto ser através dela que se procura reconstituir o pensamento do legislador, funcionando o enunciado da norma igualmente como limite interpretativo, visto não poder ser considerada uma interpretação que não tenha o mínimo de correspondência verbal.
Indo ao nº 2 do art.º 56º do Código do Trabalho, o mesmo dispõe que se entende por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
Pareceria decorrer daqui, ao nada ser referido na norma sobre dia(s) de descanso, e uma vez que, como se viu supra, o horário de trabalho traduz-se na distribuição do período normal de trabalho por cada dia de trabalho mas também ao longo da semana (delimita as horas, em cada dia, e os dias, em cada semana), pareceria, repete-se, que ao trabalhador, ao solicitar um regime de horário de trabalho flexível, está vedado escolher/indicar os dias de descanso semanal, pois se o fizer estaremos já fora do âmbito de um horário flexível.
Todavia, lendo o nº 3 do mesmo art.º 56º do Código do Trabalho, que contém as condições em que o empregador pode elaborar o horário flexível, não encontramos a determinação dos dias de descanso semanal.
Mas quererá isto dizer que, também não o prevendo o art.º 232º do Código do Trabalho, num horário flexível o trabalhador não tem a faculdade de escolher o(s) dia(s) de descanso semanal?
Ora, não podemos arredar a já referida prescrição constitucional da conciliação da atividade profissional com a vida familiar (art.º 59º n.º 1, al. b) da CRP), que passa por o empregador facilitar essa conciliação quando elabora o horário de trabalho (art.º 212º, nº 2, al. b) do Código do Trabalho).
No caso em apreço a Autora/empregadora propõe-se facilitar essa conciliação, ao referir na carta que é mencionada no ponto 15 dos factos provados que sempre que nos foi possível foram facultadas folgas ao fim-de-semana e de futuro sempre que a nível organizacional nos seja permitido poderemos facultaremos essas mesmas folgas ao fim-de-semana.
Porém, para ser observada a prescrição constitucional nas situações a que se refere o nº 1 do art.º 56º do Código do Trabalho (entre elas a de trabalhador com filho menor de 12 anos, como é o caso) não se pode ficar por aí.
É que, ficaria a descoberto dessa prescrição uma situação como a destes autos em que, como refere o Réu no email a que se refere o ponto 12 dos factos provados (que não é posto em causa), o progenitor não tem com quem deixar as duas crianças, visto que tanto a escola e o jardim de infância se encontram encerrados ao fim de semana e a mãe dos mesmos não tem folgas fixas.
Ou seja, o intérprete não pode ficar indiferente ao estabelecido pelo legislador constitucional, de modo que, tendo presente que o período normal de trabalho se mede também por referência à semana (art.º 198º do Código do Trabalho), se tem que entender que as horas de início e termo do período normal de trabalho diário a que se refere o nº 2 do art.º 56º do Código do Trabalho passam também por saber quais são essas horas de início e termo em cada dia da semana, ou seja, saber também em que dias da semana vigorarão essas horas de início e termo.
Sendo assim, tendo presente o antes exposto e a jurisprudência citada, tendo ainda em conta o disposto no nº 3 do art.º 8º do Código Civil, concluímos em termos idênticos ao acórdão do STJ de 28.10.2020 acima citado, dizendo que não se pode, sem mais, qualificar como um pedido de atribuição de um horário fixo o que decorre da indicação feita pelo Réu, por escrito, à Autora de um horário de segunda a sexta feira no período compreendido entre as 06h00 e as 17h00, com descanso ao sábado e ao domingo, tendo em vista a concessão de um regime de horário flexível de forma a que o primeiro possa conciliar a sua vida profissional com a sua vida familiar decorrente da circunstância de ter dois filhos menores nascidos em .../.../2012 e .../.../2017, com quem vive em comunhão de mesa e habitação.” – fim de citação.
3.4.4. - No caso sub judice, está provado que a ré pediu à autora um regime de horário de trabalho flexível para prestar assistência à sua filha menor de 12 anos, com 7 anos de idade, até a mesma completar os 12 anos, solicitando que “lhe seja concedido um horário semanal fixo no intervalo das 10:00 às 15:00, com folgas fixas às quintas, sextas e sábados” - cf. ponto 10 dos factos provados -.
No entanto, a autora limitou-se a informar a ré que lhe será garantido o horário das 10h00 às 15h00 de segunda-feira a domingo, os sete dias da semana, e que “sempre que a nível organizacional nos seja permitido poderemos facultar-lhe as folgas às quintas, sextas e sábados” – cf. ponto 12 dos factos provados -, por entender que “o regime do horário flexível previsto no artigo 56.º, n.º 2 do CT, não concede ao trabalhador o direito a escolher os dias de descanso semanal”.
Na carta referida no ponto 10.º dos factos provados pode ler-se, além do mais:
Visto que a subscritora tem outro part-time depois do horário que desempenha na P..., onde no mesmo lhe foram concedidas as folgas pretendidas de (quinta-feira, sexta-feira, sábado), pelo facto da filha necessitar de acompanhamento parental para as atividades escolares, e não escolares as quais o progenitor nesses mesmos dias não pode estar presente, visto que tem um trabalho de horários rotativos e nesses mesmos dias, por défice do quadro pessoal da sua empresa, o seu horário de entrada e saída laboral nunca são os mesmos.”.
Daqui resulta que a ré trabalha para a autora em regime de tempo parcial e não de tempo completo, como os casos apreciados nos acórdãos supra transcritos.
Tal factualidade não foi contestada pela autora, que, em sede de recurso, apenas suscita a questão de saber se o regime previsto no artigo 56.º, n.º 1 e 2, do CT inclui, ou não, o direito do trabalhador a escolher os dias de descanso semanal, no concreto caso, em regime de trabalho a tempo parcial.
O artigo 56.º do CT não faz distinção entre trabalhadores com trabalho a tempo parcial e com trabalho a tempo completo.
Por sua vez, o artigo 57.º - Autorização de trabalho a tempo parcial ou em regime de horário flexível – prescreve no seu n.º 1: “O trabalhador que pretenda trabalhar a tempo parcial ou em regime de horário de trabalho flexível deve solicitá-lo ao empregador, por escrito, com a antecedência de 30 dias, com os seguintes elementos: (…)”.
Ou seja, o “regime flexível” para “trabalhador com responsabilidades familiares”, com trabalho a tempo completo, concretiza-se em duas modalidades: “trabalho a tempo parcial” e “em regime de horário flexível”.
A modalidade de “trabalho a tempo parcial” está regulada no artigo 55.º do CT, cujo n.º 6 prescreve: “6 - A prestação de trabalho a tempo parcial cessa no termo do período para que foi concedida ou no da sua prorrogação, retomando o trabalhador a prestação de trabalho a tempo completo.”.
O que significa que o disposto no n.º 5 do artigo 55.º - “5 - Durante o período de trabalho em regime de tempo parcial, o trabalhador não pode exercer outra actividade incompatível com a respectiva finalidade, nomeadamente trabalho subordinado ou prestação continuada de serviços fora da sua residência habitual.” – apenas é aplicável a trabalhadores com trabalho a tempo completo, mas que beneficiaram, temporariamente, da modalidade de “trabalho a tempo parcial”, por força do disposto no citado artigo 57.º
Tudo isto para concluir que, no caso em apreço, exercendo a ré a sua actividade ao serviço da autora a tempo parcial, e não a tempo completo, não se lhe aplica a limitação imposta pelo n.º 5 do artigo 55.º do CT, aliás, nem sequer invocada pela recorrente.
E, assim sendo, não fazendo o artigo 56.º do CT qualquer distinção entre trabalhadores em regime de trabalho a tempo parcial e trabalhadores em regime de trabalho a tempo completo, o regime previsto nos seus n.ºs 1 e 2 inclui o direito da ré escolher os dias de descanso semanal, nos termos descritos no citado acórdão deste Tribunal da Relação de 15.11.2021 do TRP, prolatado no proc. n.º 2731/20.0T8MAI.P1.
Improcede, pois, o recurso de apelação da autora.
IV.A decisão
Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto julgar a apelação da autora improcedente e confirmar a sentença recorrida.
As custas do recurso de apelação são a cargo da autora.

Porto, 2022.04.04
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha