INSOLVÊNCIA
VENDA DE BEM
DESPROPORÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DOS INTERVENIENTES
RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
CONTRATO PROMESSA
CONTRATO PROMETIDO
NEGÓCIO PREJUDICIAL À MASSA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ DO REPRESENTADO
Sumário

I - Para apurar se numa compra e venda as obrigações assumidas pelo vendedor insolvente excedem de forma manifesta as da contraparte é necessário comparar o valor pelo qual foi feita a transmissão (o preço fixado) e o valor de mercado do bem vendido.
II - Se quando se opera a resolução em benefício da massa só existe ainda um contrato-promessa, o negócio passível de resolução é esse contrato; se o contrato-promessa já foi cumprido e celebrado o negócio prometido, já só este é passível de resolução, tudo de passando nesse caso como se o contrato-promessa não tivesse sido sequer celebrado.
III - É prejudicial à massa, a compra e venda que é antecedida por um contrato-promessa onde se declara o pagamento integral do preço a título de sinal, apurando-se que o sinal, alegadamente entregue em dinheiro, não foi pago e não entrou no património da sociedade vendedora para poder ser usado para pagamento das dívidas sociais, porque um negócio jurídico com estes contornos, no mínimo, dificulta e coloca em perigo a satisfação dos direitos dos credores.
IV - Num negócio celebrado por menor representado pelos seus progenitores, o conhecimento dos factos necessários para a afirmação da boa ou má fé do representado é o conhecimento do representante.

Texto Integral

Recurso de Apelação
ECLI:PT:TRP:2022:1100.14.5T8VNG.F.P2

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Sumário:
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Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
AA, contribuinte fiscal nº ..., menor, residente em Guimarães, representada pelos seus pais BB, residente em Braga, e CC, residente com a autora, instaurou, ao abrigo do artigo 125º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, por apenso ao processo especial de insolvência da pessoa colectiva L..., S.A., acção de impugnação da resolução de actos em beneficio da massa insolvente.
A final, pediu que seja declarada nula e de nenhum efeito, com as legais consequências, a resolução do contrato prometido de compra e venda respeitante ao imóvel identificado no artigo primeiro desta petição e a respectiva transmissão por força de sentença judicial condenatória transitada em julgado.
Para o efeito alegou que o negócio em causa é perfeitamente válido e lícito, não foi celebrado com qualquer vício da vontade, designadamente a simulação, nem para prejudicar ninguém, nomeadamente os credores, não se verificando os pressupostos da resolução em benefício da massa insolvente.
A Massa Insolvente de L..., S.A. contestou, defendendo a improcedência da acção, por se verificarem os pressupostos da referida resolução.
Após julgamento foi proferida sentença, tendo a acção sido julgada improcedente, absolvendo-se a ré dos pedidos e condenando-se a autora a restituir à massa insolvente o prédio indicado na acção. Na oportunidade, foi a autora condenada como litigante de má fé, em multa a favor do Estado no valor de 10 UC e indemnização a favor da ré no mesmo valor.
Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1. A recorrente não concorda com a decisão proferida por entender que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e valoração da prova carreada para os autos e, ao mesmo tempo, uma errada interpretação e aplicação da lei, devendo ser alterada a decisão de mérito.
2. Entende a recorrente que a matéria de facto controvertida encontra-se incorrectamente julgada atenta a prova carreada para os autos e produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, devendo dar-se como provada a materialidade de facto inserta sob a al. a) dos factos dados por não provados e, por outro lado, dar-se como não provada a factualidade descrita nos artigos 16.º, 17.º e 18.º dos factos provados.
3. As declarações da representante da autora e o depoimento coerente, credível e esclarecedor das testemunhas, DD e EE, impunham a conclusão de que o preço de €80.000,00 (oitenta mil euros) referido em 8 foi pago pela autora à ora insolvente, na sequência do acordo de promessa de venda datado de 05.01.2012.
4. Por outro lado, impunham a conclusão de que os factos vertidos sob os n.os 16 a 18 deveriam ter sido dados como não provados, caindo, assim, por terra os argumentos que auxiliaram o Tribunal recorrido a formar a convicção de que o preço do imóvel em causa não foi pago pela representante da autora.
5. Não se alcança o que levou o Tribunal recorrido a concluir que, "aquando da outorga do contrato-promessa referido em 8 e aquando da instauração da acção judicial mencionada em 10, por banda da autora (através de seus progenitores), era já do seu conhecimento e consciência que tal acto afectaria os credores, diminuindo a satisfação dos seus créditos, e que a "L..." estaria já a atravessar uma situação financeira débil."
6. Tal não decorre do depoimento prestado pela representante da autora e, muito menos, da prova testemunhal, documental ou pericial produzida em sede de audiência de discussão de julgamento. Nenhuma prova foi produzida para auxiliar o Tribunal recorrido a formar tal convicção.
7. O mesmo se dirá a respeito do pagamento do preço ajustado no contrato promessa de compra e venda.
8. Deveria o Tribunal a quo ter decidido em sentido oposto, porquanto resulta da prova pericial constante dos autos, bem como do depoimento credível e esclarecedor prestado pelo contabilista certificado da sociedade insolvente e dos documentos contabilísticos constantes dos autos que os valores indicados (de € 2.500,00 e de €77.500,00) foram entregues pela autora, no âmbito do acordo junto aos autos sob o documento n.º 5.
9. O facto de não ter sido possível rastrear os aludidos pagamentos em virtude de não existir conta bancária em utilização pela sociedade insolvente não é por si só suficiente para levar o Tribunal a quo a concluir pelo não pagamento.
10. Pelo que, o Tribunal a quo perante a falta de algum "documento bancário" susceptível de "demonstrar o levantamento ou a movimentação de tão elevado valor", tendo presente a existência de "moras" e "execuções", conforme referido pelo contabilista certificado da sociedade insolvente, poderia sempre ter considerado justificada e plausível a falta de um suporte documental externo para a entrega do preço de €80.000,00.
11. A prova produzida permitirá concluir de forma inversa do Tribunal recorrido, não sendo possível afirmar-se que foi intenção da recorrente enveredar por um negócio com o intuito de transferir a propriedade do imóvel em causa causando prejuízo para a massa insolvente e seus credores, sem o pagamento da respectiva contrapartida monetária.
12. Aliás, nem se compreende de que meios de prova se serve o Tribunal para formar tal convicção relativamente à autora, representada pela sua progenitora.
13. E, muito menos se compreende, tendo em conta que Tribunal recorrido dá como não provado que "Aquando da outorga do contrato-promessa referido em 8 e aquando da instauração da acção judicial mencionada em 10, por banda da autora (através de seus progenitores), era já conhecida a situação de insolvência em que se encontrava a sociedade "L...".
14. Ora, partindo dos apontados relatórios periciais conjugados com a prova testemunhal, documental e o depoimento do recorrente produzidos em sede de audiência de julgamento e com as regras de razoabilidade, experiência e bom senso, entendemos resultarem apurados os elementos que nos permitem sustentar entendimento diverso daquele que foi sufragado na sentença sob censura.
15. Não se mostram verificados os requisitos necessários e inerentes, quer à resolução condicional, quer à resolução incondicional, nos termos previstos nos artigos 120.º e 121.º do C.I.R.E., sendo inválido o exercício da resolução em beneficio da massa insolvente e, por conseguinte, a posição sufragada na sentença recorrida.
16. Por fim, e porque a defesa de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que foi acolhida na decisão judicial, não implica, por si só, litigância de má-fé, deve, ainda, decidir-se pela revogação da decisão recorrida, que decidiu condenar a recorrente como litigante de má-fé, por falta de verificação dos pressupostos legais a tal condenação,
Nestes termos e nos melhores doutamente supridos por V.as Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, em consequência do que deve ser revogada a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que julgue a acção totalmente procedente.
A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
a. Se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto.
b. Se não se encontram preenchidos os pressupostos legais da resolução em benefício da massa insolvente do negócio celebrado pela autora.
c. Se a autora não litigou de má fé.

III. Os factos:
Ficaram provados os seguintes factos:
1. Por sentença proferida no âmbito dos autos principais, em 23.04.2015, veio a ser declarada a insolvência da sociedade "L..., S.A.", com os demais sinais identificadores constantes dos autos, sentença que veio a transitar em julgado em 18.05.2015, tudo como flui do teor de fls. 78 a 80 daqueles autos, que aqui se dá por reproduzido.
2. Tal sentença foi proferida na sequência de, anteriormente, a sociedade devedora ter dado entrada a processo especial de revitalização, que correu termos sob o n.º 1387/13.0TYVNG, o qual, contudo, veio a terminar sem aprovação de plano de revitalização, e, nesse contexto, ali foi emitido parecer por parte do administrador judicial no sentido de a devedora se encontrar em estado de insolvência, nos termos do preceituado no art. 17.º-G do CIRE.
3. O aludido PER deu entrada em juízo aos 2.12.2013, encontrando-se registada a nomeação de administrador judicial provisório em 30.12.2013.
4. Foi realizada assembleia de credores em 16 de Junho de 2015, no âmbito da qual foi deliberado o prosseguimento dos autos para liquidação do activo da insolvente.
5. A sociedade "P..., Lda." foi registada na competente Conservatória do Registo Comercial através da Ap. ..., com sede em Braga, tendo como sócio e gerente BB, à data casado com FF, sendo que, através da Ap. ..., foi registada a transformação daquela para sociedade anónima, sendo o Conselho de Administração composto pelo Presidente BB e pelos Vice-Presidentes GG e HH, tendo ulteriormente aquele primeiro vindo a reassumir o cargo de administrador único em 07.02.2006, tudo conforme certidão de fls. 7 a 1 7 dos autos principais e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
6. Pelas ap. ... e ... de 05 de Julho de 2011, veio a ser registada a cessação de funções por banda do administrador único BB e inscrita a designação de II como administradora única da aludida sociedade "P...".
7. Através da ap. ... veio a ser registada alteração ao contrato de sociedade (online), passando a sociedade a ter a firma "L..., S.A.", com sede na Rua ..., ..., Maia.
8. Por escrito particular junto aos presentes autos, com data ali aposta de 5 de Janeiro de 2012, consta que "L..., S.A.", por um lado, e AA (representada por CC, divorciada), declararam, aquela primeira prometer vender à segunda, o prédio de que é dona, a saber, sito no Lote 3, Rua ..., ..., 4.º direito, freguesia ..., consistente na fracção "I" no quarto andar direito, tipo T2, com garagem na subcave identificada com a letra "I", descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n. º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e com o alvará de construção n.º ... e ... emitido pela Câmara Municipal ... em 24 de Julho de 2002 e 27 de Janeiro de 2004, respectivamente, com o alvará de utilização n.º ..., de 11 de Janeiro de 2005, pelo preço de oitenta mil euros, a ser pago em duas tranches, uma primeira no valor de €2.500,00 a título de sinal a ser pago oito dias a contar da celebração do acordo, e o restante no valor de €77.500,00 a ser pago até 30 de Janeiro de 2012, o que aquela segunda declarou aceitar através da sua representante, tudo como flui do teor de fls. 64 a 65 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
9. Mais consta ali exarado que a escritura realizar-se-ia até dia 5 de Março de 2012, em data e hora a agendar pelo promitente vendedor, e que o aludido acordo ficaria subordinado aos princípios legais aplicáveis, e importando o seu não cumprimento o direito à execução específica nos termos do art. 830. º do Código Civil.
10. Aos 3 de Setembro de 2013, pelas Varas de Competência Mista de Guimarães (2.ª Vara), foi proferida decisão que julgou procedente a acção intentada por parte de AA, menor, representada pelos seus pais BB e CC, contra a aqui insolvente "L..., S.A.", e que, nessa sequência, declarou transferida para a autora a propriedade da fracção autónoma acima descrita em 8, tudo como flui do teor da certidão de fls. 80 a 83, que aqui se dá por inteiramente reproduzida para os devidos efeitos.
11. Tal decisão veio a transitar em julgado aos 10.10.2013.
12. No âmbito de tal acção, a ali ré não apresentou qualquer contestação/oposição ao pedido deduzido pela ali autora.
13. A autora AA é filha de BB e de CC.
14. GG é filho de BB e de FF.
15. Por carta datada de 2 de Setembro de 2015, endereçada a AA (representada por CC), o Sr. Administrador da Insolvência nomeado no âmbito destes autos, Dr. JJ, procedeu à resolução em beneficio da massa insolvente do contrato-promessa de compra e venda de imóvel datado de 5 de Janeiro de 2012, referido em 8, e ulterior transferência de propriedade em consonância com aquele contrato, para a ora autora, através do uso de meio judicial lançado mão (execução específica), ali tendo deixado exarado, além do mais, que:
i) O pagamento do preço acordado em sede de contrato-promessa - oitenta mil euros - não se encontra reflectido na contabilidade da sociedade insolvente;
ii) BB, que terá representado a ora autora, enquanto menor, na acção que veio a ser intentada com vista à execução especifica do contrato contra a "L...", foi sempre o "gerente/administrador de facto" desta mesma sociedade, praticando todos os actos inerentes à gestão da empresa;
iii) A documentação entretanto enviada ao AI - e por si solicitada - consistente em cópias de recibos de quitação do preço em causa, diz respeito a sociedade denominada "P..., S.A.", quando o contrato-promessa foi celebrado em 05 de Janeiro de 2012, tendo como promitente vendedora a ora insolvente "L...";
iv) Tratou-se de um acto simulado, totalmente gratuito, e que se estendeu à execução especifica que "consumou" o contrato-prometido, tratando-se de um acto passível de resolução incondicional "ope legis", conforme art. 121. º, alínea b), do CIRE;
v) Mesmo que assim se não venha a entender, sempre se equaciona, por mera cautela, a resolução condicional nos termos permitidos pelo art. 120. º, n. º 1 a 5, do CIRE, pois que a terceira que beneficiou do acto é filha do administrador de facto da sociedade insolvente, a efectiva transferência de propriedade veio a ter lugar menos de dois anos antes do início do processo de insolvência, e tal redundou em prejuízo para a massa e seus credores, uma vez que estes se viram despojados de um bem imóvel que integrava o acervo patrimonial da sociedade insolvente, sem que tivesse existido qualquer contrapartida monetária com tal alienação/ transferência, tudo conforme teor do documento de fls. 114 verso a 119 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
16. Nenhum valor foi pago pela Autora à ora insolvente L..., S.A., tendo a transferência de propriedade do imóvel acima aludido em 8 redundado em prejuízo para a massa insolvente e seus credores, através da retirada de tal bem sem subsequente contrapartida monetária, diminuindo a satisfação dos respectivos créditos.
17. BB, desde a constituição da sociedade ora insolvente, até à sua declaração de insolvência, sempre se manteve na sua administração de facto, praticando diariamente os actos inerentes à gestão da empresa, tais como negociação dos contratos com a banca, com clientes e fornecedores, fazendo recebimento de rendas de imóveis arrendados, movimentação de contas, contratação/despedimento de trabalhadores, pagamento a fornecedores e/ou serviços, sendo II uma "mera administradora de direito", sem nenhuma ligação efectiva com a empresa.
18. Aquando da outorga do contrato-promessa referido em 8 e aquando da instauração da acção judicial mencionada em 10, por banda da Autora (através de seus progenitores), era já do seu conhecimento e consciência que tal acto afectaria os credores, diminuindo a satisfação dos seus créditos, e que a "L..." estaria já a atravessar uma situação financeira débil.

IV. O mérito do recurso:
A] impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
A recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, reclamando que sejam julgados não provados os factos dos pontos 16 a 18 e ainda que seja julgado provado o facto da alínea a) do elenco dos factos julgado não provados pelo tribunal a quo.
A redacção deste facto é a seguinte: «O preço de € 80.000,00 (oitenta mil euros) referido em 8 foi pago pela Autora à ora insolvente, na sequência do acordo de promessa de venda datado de 05.01.2012».
Mostram-se cumpridos os requisitos específicos desta impugnação, nada obstando ao conhecimento da mesma.
A impugnação da recorrente funda-se basicamente nos depoimentos da mãe e legal representante da autora, CC, do contabilista EE e do motorista DD.
Para reapreciar os meios de prova produzidos, decidimos ouvir a totalidade da gravação da audiência e dos meios de prova aí produzidos, ao invés de nos deixarmos orientar apenas pela transcrição parcial feita pela recorrente dos depoimentos que na sua opinião são relevantes.
No que concerne à valoração da prova e à formação da convicção necessária para suportar uma decisão judicial, o sistema da prova livre é aquele que, com algumas excepções, vigora no nosso sistema processual. Esse sistema caracteriza-se por duas ideias força complementares: o tribunal não só aprecia livremente os meios de prova (o que o meio prova) como é livre na atribuição do grau do valor probatório de cada meio de prova produzido (a quantidade de prova produzida por aquele meio). Em cada caso o tribunal é livre para considerar suficiente a prova testemunhal produzida ou para considerar que a mesma é afinal insuficiente e exigir outro meio de prova de maior valor probatório (leia-se: de maior capacidade para convencer o juiz da probabilidade do facto em discussão).
Diferente disso é a questão do standard ou padrão de prova, o qual se relaciona com a questão do ónus da prova ou da determinação do conceito de dúvida relevante para operar a consequência desse ónus.
Os artigos 346.º do Código Civil e 516.º do Código de Processo Civil mandam que na dúvida o juiz decida contra a parte onerada com a prova. Não havendo entre nós norma ordinária ou constitucional que se pronuncie sobre este aspecto, a nosso ver a prova de um facto num processo judicial e para fins jurídicos é, por princípio, a demonstração de um alto grau de probabilidade (e não de mera possibilidade) de o mesmo corresponder à realidade material dos acontecimentos (dita verdade ontológica).
Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz - meio da apreensão e não critério da apreensão - a ideia de que o facto em discussão, mais do que ser possível e verosímil, possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, a um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso. Esta não é, todavia, uma regra imutável e insusceptível de adequação prática, mas antes uma regra que o julgador, com recurso ao bom senso e ao justo equilíbrio das coisas, há-de definir e aplicar caso a caso, em função das exigências de justiça que o mesmo coloca, determinadas a partir de aspectos como o da acessibilidade dos meios de prova, da sua facilidade ou onerosidade, do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados, do relevo do facto na economia da acção.
Num processo subordinado ao princípio do contraditório a colocação de um padrão de prova particularmente exigente pode conduzir à negação dos direitos, na medida em que dificulta a demonstração dos pressupostos de facto do direito, mas a aceitação de um padrão pouco exigente importa precisamente o mesmo risco, na exacta medida em que ao facilitar a prova de quase tudo acaba por contemporizar com estratégias processuais vagas, difusas e pouco sustentadas, seja do lado activo seja do lado passivo da lide e, portanto, potencia a possibilidade de se fazer a prova do que não é verdade, perturbando o reconhecimento dos direitos correspondentes ao que realmente sucedeu. Por conseguinte, caso a caso o juiz deve adequar essa regra – esse grau de exigência – aos contornos da concreta situação que tem para julgar e ao contexto da prova dos factos que a corporizam.
Nessa medida, um dos aspectos relevantes que o julgador terá de levar em consideração é aquele que designamos por facilidade de acesso aos meios de prova.
Se a natureza dos factos (v.g. factos praticados em público e/ou revelados no contacto social ou normalmente reduzidos a escrito) e as circunstâncias do caso (v.g. as partes serem as pessoas normalmente envolvidas nos factos, haver pessoas que presenciaram os factos mas não foram arroladas como testemunhas), permitirem concluir que a parte tem ou pode ter acesso a meios de prova que lhe permitirão produzir mais prova, prova de melhor qualidade ou geradora de grau de probabilidade mais elevado, o tribunal deve elevar o grau de exigência probatória, diminuindo os riscos de uma decisão injusta e responsabilizando a parte por não ter feito o que estava ao seu alcance, isto é, não ter produzido a prova que tinha condições para produzir.
Ao invés se a natureza dos factos (v.g. factos íntimos da reserva da vida privada ou praticados em lugar distante a que só a parte contrária está ligada) e as circunstâncias do caso (v.g. uma testemunha essencial faleceu ou ausentou-se e não pode depor, o documento deveria estar em poder da outra parte mas esta nega que tenha o documento e não o junta), justificam que a parte não consiga produzir mais prova daquela que produziu, não tenha acesso a meios de prova com maior capacidade de registo dos acontecimentos, o tribunal deve diminuir essa essa exigência aceitando o maior risco de uma decisão injusta como contrapartida da necessidade de fazer justiça.
Por outro lado, é necessário ter presente que a circunstância de um facto ser verosímil ou possível não significa que o mesmo seja verdadeiro, mas o contrário também é correcto. A vida diz-nos que por vezes ocorrem factos que eram pouco verosímeis ou não ocorrem factos que além de possíveis eram perfeitamente verosímeis. No entanto, o normal é haver verosimilhança no processo causal gerador de um facto, pelo que a maior verosimilhança do facto torna-o mais provável e a menor verosimilhança menos provável. São as regras da experiência que o determinam. Daí que se possa afirmar a seguinte regra probatória não escrita: quanto mais inverosímil e improvável o facto é, à luz da inteligência que rege os comportamentos humanos e das leis das ciências exactas, normalmente reconduzidas às regras da experiência, mais ou melhor prova deve ser exigida.
Quando os factos têm intervenção humana ou são resultado dessa actuação, é necessário atentar que as pessoas movem-se por interesses, motivações, objectivos, propósitos, emoções, impulsos. Estes são resultado do funcionamento do intelecto da pessoa enquanto ser dotado de razão, consciência, identidade pessoal. Nessa medida, perscrutar a realidade de um facto humano ou com intervenção humana é, antes de mais, averiguar a razão que subjaz a essa actuação, que lhe dá origem e a orienta, e, sobretudo, apurar se a mesma é compatível com o quadro de actuação que qualquer outra pessoa nas mesmas circunstâncias teria.
Por isso, um dos elementos decisivos para a formação da convicção do julgador é a verosimilhança dos factos sobre os quais recai a controvérsia, ou seja, a pertinência lógica dos mesmos ao domínio dos acontecimentos humanos que por definição possuem motivações apreensíveis, são norteados pela inteligência humana (no sentido de serem comportamentos orientados para um fim compreensível e delineados por processos intelectualmente aptos) e estão de acordo com o que as regras da experiência nos ensinam ser expectável, corresponder ao devir normal.
Comportamentos privados de racionalidade, opostos ou diferentes da actuação que o comum dos cidadãos teria, cuja lógica ou motivação não é sequer perceptível ou se mostra destituída de coerência, são estranhos e como tal, ainda que possíveis, são pouco prováveis, indiciando que ou o comportamento não foi realmente aquele que é afirmado ou o seu objectivo é diferente daquele que se pretende.
Tal constatação obriga o julgador a estar particularmente atento e a dar o devido relevo, mais do que às afirmações das partes e das testemunhas, ao modo como os factos são alegados e impugnados, ao contexto em que tais factos surgem, às dinâmicas que se entrecruzam no pedaço de vida em que surgem os factos do conflito, aos interesses e motivações das partes.
Por outro lado, um dos meios de prova previstos no Código Civil é a prova por presunções, que consiste na formação de ilações a partir de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigo 349.º). Fazendo uso deste meio de prova o julgador recorre a factos que se encontram provados (facto indiciário) e com recurso às regras da experiência inerentes ao princípio da normalidade (id quod plerumque accidit) deles faz derivar um novo facto que carece de prova (facto presumido).
Embora este meio de prova deve ser usado com particulares cuidados, particularmente quando o nexo lógico que permite a dedução tem por base as máximas da experiência, as quais apelam a padrões médios (cultura média, aptidão média, conhecimento médio, senso comum) sempre difíceis de definir e cuja definição é sempre temporizada e localizada, nas situações em que não seja possível ou expectável que possa surgir um meio de prova directo do facto carecido de prova, não se pode recusar às presunções judiciais um papel decisivo na formação da convicção, sendo certo que um dos deveres deontológicos do juiz é o de ter coragem na decisão e não optar pela solução mais fácil do non liquet.
Dito isto que o caso justifica e a prova produzida obriga a sopesar no momento da decisão, diga-se que uma vez ouvida a gravação dos depoimentos, em particular os indicados pela recorrente e analisados os documentos juntos aos autos, não resistimos a assinalar de imediato a perturbação que nos causa o à vontade com que a recorrente invoca as «regras da lógica e da experiência comum» numa situação e querendo fazer uso de afirmações que violam, clara e inequivocamente, essas regras.
A mesma perplexidade com que lemos nas alegações de recurso que a decisão impugnada incorre «numa apreciação totalmente arbitrária das provas produzidas em audiência de discussão e julgamento, ignorando as mais elementares regras da experiência» quando a motivação da decisão recorrida não apenas faz uma avaliação correcta, atenta, rigorosa e nada arbitrária dos meios de prova, como inclusivamente aplica de modo consciencioso e experiente as regras da experiência comum.
Com efeito, emana de modo exuberante da prova produzida que por trás do negócio jurídico celebrado em nome da autora, à data com sete anos de idade, se encontra uma, aliás pouco inteligente, estratégia destinada a alcançar a vantagem económica da retirada do imóvel do património da sociedade que o negócio em causa proporcionaria aos verdadeiros interessados no negócio (o pai e a mãe da autora).
Ouvida a gravação da audiência e vistos dos documentos juntos, devemos afirmar com segurança que os autos se suportam em factos absolutamente inverosímeis, em comportamentos ilógicos, em condutas que se apoiam em justificações de tal modo ridículas e improváveis que só os próprios agentes (ou o “cérebro” que lhes vendeu esta estratégia, uma vez que esta compreendeu aspectos, como a instauração da acção de execução específica do contrato-promessa, convenientemente não contestada, que tiverem de ter aconselhamento de profissionais que, por decoro, nos recusamos a qualificar aqui) são capazes de ter esperanças na possibilidade de convencer alguém, em particular, um tribunal, da sua correspondência à verdade.
É totalmente inverosímil, por exemplo, que tendo o alegado contrato-promessa sido celebrado com a sociedade «do» pai da autora, o negócio fosse tratado pela mãe da autora com outra pessoa que não o pai, quando era este o «dono» da empresa, a pessoa que podia definir condições mais favoráveis para o negócio, sendo certo que ao contrário do afastamento que a mãe pretendeu sugerir ao tribunal num depoimento inqualificável, a mãe deslocou o centro da sua vida para perto dele.
É absolutamente ilógico pretender que num negócio sério ou a sério alguém fosse pagar em dinheiro oitenta mil euros que, ainda por cima, pertenceriam, total ou parcialmente (a mãe da autora não chegou a explicar verdadeiramente esse aspecto no meio das confusões e volte faces que enxamearam o seu depoimento), à filha com … sete anos de idade em resultado de prendas de aniversário, de comunhão e festividades (!).
É perfeitamente ridículo sustentar que uma pessoa razoável e minimamente atenta, quisesse comprar, para viver com uma filha ainda criança, ao pai da filha um apartamento inacabado e carecido ainda de obras para ficar acabado no montante de qualquer coisa como … cem mil euros!
E, finalmente, constitui um insulto à inteligência dos outros pretender que o pai da autora tivesse contratado com a mãe desta a venda de um apartamento para a filha e depois, não obstante o bom relacionamento com a filha e a mãe, tivesse decidido recusar a celebração da compra e venda, obrigando a autora a instaurar uma acção de execução específica do contrato-promessa que depois, curiosamente, o pai decide não contestar a fim de que, na certamente superior inteligência de quem definiu ou alimentou a estratégia, a transmissão não fosse feita por acto voluntário mas por decisão judicial.
A tese da autora não vence nenhuma destas perplexidades, não apresenta um único argumento para as tentar sequer rebater e as explicações que a mãe da autora tentou dar (ao ponto de no seu depoimento já não se saber sequer quem era a compradora e de quem era o dinheiro ou de mentir claramente para esconder a identificação da pessoa que terá assinado um documento como se fosse ela) só contribuíram para acentuar a leitura que fazemos das mesmas.
No seu depoimento o contabilista EE referiu que foi sempre o pai da autora a tratar de tudo quanto tinha a ver com a sociedade, ao ponto de o contabilista, imagine-se, nunca ter visto ou falado sequer com a senhora que figurava como administradora de direito da sociedade, nem pelo telefone, nunca ter ido à empresa, nem saber «onde é».
Referiu ainda que o pai da autora era administrador de várias sociedades, num sinal manifesto da sua experiência e capacidade de actuação e que já em 2012 por causa das dívidas que tinha e das execuções que tinha pendentes a sociedade não usava as contas bancárias para evitar que qualquer dinheiro que entrasse nestas fosse penhorado, num sinal de que os problemas financeiros já existiam, eram graves e motivavam muita engenharia dissimulatória.
E referiu, por fim, que não sabe se entrou qualquer dinheiro na sociedade, nem nunca viu isso suceder, apenas sabe que lhe foram entregues dois recibos de entrada de dinheiro no caixa, um de €2.500 e outro de €77.500, e que fez o lançamento desses dois movimentos na conta do caixa, ignorando se esses recibos são verdadeiros ou se relacionam com factos verdadeiros.
Bastava este simples depoimento - e os demais citados pela recorrente são totalmente irrelevantes para o efeito, designadamente o da testemunha DD que nada sabe do contrato-promessa e apenas referiu um conjunto de coisas vagas e não concretizadas, embora denote que sabe muito mais que não lhe foi perguntado - para concluir à saciedade que todos os pontos da matéria de facto objecto da impugnação foram correctamente decididos.
Com efeito, não é possível retirar-se de um depoimento que não o afirma sequer a demonstração de um facto que em si mesmo é inverosímil, altamente improvável e desviado do comportamento que qualquer pessoa comum adoptaria.
Não existe nos autos prova de que os €80.000 foram pagos à sociedade entretanto declarada insolvente, porque o mero print de lançamentos na conta do caixa não constitui documento idóneo ou bastante para o efeito. Pelo contrário, de acordo com a prova produzida, analisada segundo as regras da experiência comum, é possível concluir por presunção natural mas com segurança que tal pagamento nunca ocorreu nem se pretendeu que ocorresse, e que o contrato-promessa apenas foi forjado, e em data que se desconhece apesar da data que lhe foi aposta, para depois se instaurar a acção de execução específica do contrato-promessa, sabendo-se à partida que quem podia decidir contestar a acção era o verdadeiro interessado e pai da autora e ele não o iria fazer, para, por essa via jurídica, retirar do património da sociedade uma fracção urbana, transferindo-a para o património pessoal do universo familiar do gerente de facto da sociedade e pai da autora e desse modo subtraindo-a à acção dos credores.
Nessa medida, auscultados os meios de prova produzidos e em particular os que, manifestamente debalde, a recorrente usar para tentar fundamentar a alteração da decisão, é nosso entendimento que a matéria de facto dos pontos 16 a 18 e da alínea a) se encontra correctamente decidida, decisão que aqui se mantém incólume.
B] do preenchimento dos pressupostos da resolução do negócio:
A presente acção é uma acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente.
Refere Maria do Rosário Epifânio, in Manual de Direito da Insolvência, 5ª edição, pág. 210, citando o ponto 41 do preâmbulo do Decreto-Lei que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que a resolução em beneficio da massa insolvente «regula a “reconstituição do património do devedor (a massa insolvente) por meio de um instituto especifico – a “resolução em beneficio da massa insolvente” – que permite, de forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais a esse património” com vista a “apreender para a massa insolvente não só aqueles bens que se mantenham na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos, que se mostrem prejudiciais para a massa
O preâmbulo citado apresenta a seguinte justificação para a solução legal: «A finalidade precípua do processo de insolvência – o pagamento, na maior medida possível, dos credores da insolvência – poderia ser facilmente frustrada através da prática pelo devedor, anteriormente ao processo ou no decurso deste, de actos de dissipação da garantia comum dos credores: o património do devedor ou, uma vez declarada a insolvência, a massa insolvente. Importa, portanto, apreender para a massa insolvente não só aqueles bens que se mantenham ainda na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos, que se mostram prejudiciais para a massa. A possibilidade de perseguir esses actos e obter a reintegração dos bens e valores em causa na massa insolvente é significativamente reforçada no presente diploma. […] Prevê-se a reconstituição do património do devedor (a massa insolvente) por meio de um instituto específico – a “resolução em benefício da massa insolvente” – que permite, de forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais a esse património».
Conforme assinala Gravato Morais, in Resolução em Benefício da Massa Insolvente, 2008, pág. 47, os actos resolúveis não são considerados por inválidos por padecerem de qualquer vício formal ou material, «do que se trata aqui é de, em razão dos interesses supremos da generalidade dos credores da insolvência, sacrificar outros interesses havidos como menores (os de que contratam com o devedor insolvente e, eventualmente, os de que negoceiam com aqueles, portanto todos os terceiros em relação ao devedor insolvente) em função do empobrecimento patrimonial daqueles credores, por via da prática de actos num dado período temporal, designado como suspeito, que precede a situação de insolvência”, sendo sua “finalidade a reintegração no património do devedor (ou melhor da massa insolvente) para efeito de satisfazer os direitos do credor
Apesar das hesitações iniciais, consolidou-se o entendimento de que a acção de impugnação da resolução instaurada pelo terceiro prejudicado pela resolução tem a natureza e configuração de acção de apreciação negativa.
Nesse sentido, entre muitos outros, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16.07.2013, no proc. 1048/12.8TBPDL-C.L1-7, em cujo sumário consta «A acção destinada a impugnar a resolução de acto em benefício da massa insolvente, a instaurar pelo terceiro contra essa massa representada pelo administrador da insolvência e tramitada por dependência do próprio processo de insolvência, consiste numa acção de simples apreciação negativa, à luz da noção dada no artigo 4.º, n.º 2, alínea a), do CPC, já que tem por finalidade obter a declaração de inexistência dos factos em que se funda a resolução ou mesmo a inexistência do direito de resolução exercitado. 4. Assim, nos termos do artigo 343.º do CC, incumbe ao réu o ónus de provar os factos constitutivos em que se funda tal resolução», e de 25.02.2014, no proc. 251/09.2TYVNG-H.P1.S1, ambos in www.dgsi.pt.
Conforme se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 26.11.2012, relatado por Carlos Gil, in www.dgsi.pt, «No seu figurino geral [..], a impugnação, como até o próprio nome indica, visará a negação dos factos invocados pelo Administrador da Insolvência para fundamentar a resolução que extrajudicialmente declarou. Neste circunstancialismo, parece que a qualificação azada a esta acção é a de mera apreciação negativa, na medida em que no referido figurino geral visará tão-só a demonstração da inexistência ou inverificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo administrador da insolvência (artigo 4º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil). Na acção de impugnação, o impugnante está apenas, de modo antecipado, a exercer o seu direito à contraprova (artigo 346º do Código Civil), alegando factos que constituem negação dos factos invocados como fundamento do direito de resolução exercido pelo administrador da insolvência ou, noutra vertente, articulando factos extintivos do mesmo direito de resolução. (no mesmo sentido que constitui a jurisprudência e a doutrina dominantes vejam-se os Acórdãos desta Relação de 18.02.2013, Caimoto Jácome, de 18.12.2013, Carlos Portela, e de 09.11.2015, Carlos Querido, todos in www.dgsi.pt)
Sendo assim, parece que o interessado na revogação da resolução em benefício da massa insolvente, confrontado com esta, tem o ónus de impugnar judicialmente a resolução, sob pena de esta se tornar definitiva, e tem ainda o ónus de na acção de impugnação deduzir todos os meios de defesa que tenha para se opor à resolução, sob pena de ficar precludida a sua invocação posterior [artigos 10.º. n.º 3, alínea a), e 573.º do Código de Processo Civil, e 343.º, n.º 1, do Código Civil].
Esses meios de oposição (defesa) à resolução podem consistir na demonstração da falta de verificação dos pressupostos legais da resolução (ataque directo à própria resolução), mas também da existência de qualquer relação jurídica em função da qual os bens objecto da resolução não devam ou não possam regressar à titularidade da massa insolvente (ataque indirecto à resolução e directo ao efeito da resolução) designadamente a alegação de qualquer vício que determine a invalidade da anterior aquisição do bem pela insolvente (v.g. a simulação) ou a anterior disposição dos bens pela insolvente (importando a nulidade do negócio resolvido por falta de legitimidade da disponente).
O instituto da resolução em benefício da massa insolvente encontra-se previsto e regulado nos artigos 120.º e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
O artigo 120.º, sob a epigrafe “princípios gerais”, dispõe o seguinte:
«1- Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
2- Consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
3- Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.
4- Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.
5- Entende-se por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias: a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência; b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente; c) Do início do processo de insolvência
O artigo 121.º, sob a epigrafe “resolução incondicional”, dispõe o seguinte:
«1- São resolúveis em benefício da massa insolvente os actos seguidamente indicados, sem dependência de quaisquer outros requisitos:
a) Partilha celebrada menos de um ano antes da data do início do processo de insolvência em que o quinhão do insolvente haja sido essencialmente preenchido com bens de fácil sonegação, cabendo aos co-interessados a generalidade dos imóveis e dos valores nominativos;
b) Actos celebrados pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, incluindo o repúdio de herança ou legado, com excepção dos donativos conformes aos usos sociais;
c) Constituição pelo devedor de garantias reais relativas a obrigações preexistentes ou de outras que as substituam, nos seis meses anteriores à data de início do processo de insolvência;
d) Fiança, subfiança, aval e mandatos de crédito, em que o insolvente haja outorgado no período referido na alínea anterior e que não respeitem a operações negociais com real interesse para ele;
e) Constituição pelo devedor de garantias reais em simultâneo com a criação das obrigações garantidas, dentro dos 60 dias anteriores à data do início do processo de insolvência;
f) Pagamento ou outros actos de extinção de obrigações cujo vencimento fosse posterior à data do início do processo de insolvência, ocorridos nos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência, ou depois desta mas anteriormente ao vencimento;
g) Pagamento ou outra forma de extinção de obrigações efectuados dentro dos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência em termos não usuais no comércio jurídico e que o credor não pudesse exigir;
h) Actos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência, em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte;
i) Reembolso de suprimentos, quando tenha lugar dentro do mesmo período referido na alínea anterior.
2 - O disposto no número anterior cede perante normas legais que excepcionalmente exijam sempre a má fé ou a verificação de outros requisitos.»
A lei consagra assim duas distintas modalidades de resolução: a resolução incondicional que pode ser operada desde que ocorra alguma das situações previstas no artigo 121.º do CIRE sem necessidade de qualquer outro requisito ou condição, e a resolução em geral, dita condicionada, a qual depende da verificação cumulativa de três requisitos reportados ao acto a resolver: i) que o acto tenha sido praticado dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência; ii) que o acto seja prejudicial à massa; iii) que a pessoa com quem o insolvente contratou esteja de má fé (artigo 120.º do CIRE na redacção Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, aplicável aos autos).
A sentença recorrida parece enquadrar a situação dos autos não apenas na resolução condicional, como ainda na resolução incondicional por preenchimento da previsão das alíneas b), («actos celebrados pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência») e h), («actos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência, em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte») do n.º 1 do artigo 121.º.
Se bem vimos, este último enquadramento distorce conceitos jurídicos básicos e não pode, de modo algum, ser acompanhado.
Um determinado negócio jurídico ou é gratuito ou é oneroso, o que nunca poderá é ser ambas as coisas. A onerosidade ou gratuitidade resulta da fixação de deveres de prestação recíprocos para ambas as partes ou de prestações apenas para uma delas. Essa característica afere-se, evidentemente, em função dos termos do acordo de vontades que constitui o negócio, não em função do eventual cumprimento ou não cumprimento das prestações decorrentes do negócio, situação que é exterior e posterior à concreta configuração do negócio jurídico.
Uma compra e venda pode ser um negócio simulado caso não houvesse mesmo a vontade real de celebrar tal contrato. Mas existindo compra e venda este é sempre um negócio oneroso; se o negócio fosse gratuito nunca seria uma compra e venda!
O não pagamento do preço estipulado para a aquisição do bem transmitido não torna a compra e venda num negócio gratuito, faz sim o comprador incorrer em falta de pagamento do preço, o qual poderá por isso ser exigido judicialmente.
Se o não pagamento do preço numa compra e venda tornasse o negócio num negócio gratuito isso significaria que a obrigação do comprador deixava de existir e, portanto, não lhe podia ser exigido o pagamento do preço, logo, não lhe poderiam ser imputadas consequências jurídicas do incumprimento de uma obrigação inexistente!
O não pagamento do preço pode ser um indício de simulação, constituir um meio de prova relevante para demonstração da simulação, absoluta ou relativa, do negócio, mas não esgota nem se confunde com os pressupostos desta fonte de invalidade do negócio.
A simulação é uma das formas jurídicas de divergência intencional entre a declaração e a vontade que consiste numa divergência bilateral entre a vontade e a declaração, pactuada entre as partes com a intenção de enganar terceiros. Nos termos do artigo 240.º, n.º 1, do Código Civil, «se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado”. Desta definição resulta que os elementos constitutivos do negócio simulado são, cumulativamente, três: a) o acordo entre as partes com o fim de criar uma falsa aparência de negócio (o chamado acordo simulatório); b) a divergência entre a vontade real e a vontade declarada, isto é, entre a aparência criada (negócio exteriorizado) e a realidade negocial (negócio realmente celebrado); c) o intuito de enganar terceiros.
Por isso não se pode nunca afirmar que só porque o preço não foi pago, a compra e venda é nula por simulação.
Por fim, para que numa compra e venda, repete-se negócio celebrado necessariamente a título oneroso, se possa defender que as obrigações assumidas pelo vendedor insolvente excedem de forma manifesta as da contraparte é necessário comparar o preço fixado e o valor de mercado do bem vendido, ou seja, o valor pelo qual foi feita a transmissão e o valor do bem transmitido, jamais comparar o preço fixado e o montante do mesmo que foi pagou, como faz a sentença recorrida acompanhando a deficiente linguagem jurídica da carta do administrador de insolvência que procedeu à resolução impugnada.
Ora não existe na fundamentação de facto da sentença qualquer facto que revele que o imóvel vendido tinha um valor manifestamente superior ao montante do preço pelo qual foi celebrada a respectiva compra e venda. Pode assim concluir-se com facilidade que de modo algum estão preenchidas as previsões das alíneas b) e h) do artigo 121.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que permitiriam a resolução incondicional, sendo certo que não se configura sequer a possibilidade de preenchimento de qualquer outra das respectivas alíneas.
Vejamos então se estão preenchidos os pressupostos da resolução em geral, dita condicionada, os quais são, como vimos, cumulativamente os seguintes: i) que o acto a resolver tenha sido praticado dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência; ii) que esse acto seja prejudicial à massa; iii) que a pessoa com quem o insolvente contratou esteja de má fé.
No tocante ao primeiro desses pressupostos coloca-se a questão de saber qual é o acto e qual é a data do início do processo de insolvência a considerar no caso.
Quanto ao acto, a questão coloca-se porque estamos perante um contrato de compra e venda que foi antecedido de um contrato-promessa de compra e venda, tendo o negócio prometido sido celebrado não extrajudicialmente, por acto voluntário de ambas as partes, mas através de sentença judicial que decretou a execução específica do contrato-promessa.
A carta de resolução do administrador da insolvência faz referência a ambos os negócios e, segundo consta do facto 15, nela o administrador procedeu à «resolução em beneficio da massa insolvente do contrato-promessa de compra e venda de imóvel datado de 5 de Janeiro de 2012, … e ulterior transferência de propriedade em consonância com aquele contrato, para a ora autora, através do uso de meio judicial … (execução específica)».
Quando se celebra a promessa de celebração de um outro negócio jurídico e a promessa é concretizada com a celebração efectiva do negócio prometido, o contrato-promessa é cumprido e a promessa consumada. Nessa circunstância, o único acto resolúvel é o negócio jurídico prometido porque foi este a concretizar os efeitos jurídicos sobre o património da insolvente que justificam a resolução em benefício da massa insolvente.
Se no momento em que o administrador decide e comunica a resolução só existe ainda um contrato-promessa o negócio passível de resolução é esse contrato; se o contrato-promessa já foi cumprido e celebrado o negócio prometido, já só este é passível de resolução, tudo de passando nesse caso como se o contrato-promessa não tivesse sido sequer celebrado (sem prejuízo, naturalmente, dos efeitos deste que contenderam com o negócio prometido, como os relacionados com o sinal).
Sendo assim, como nos parece, então a data do acto resolvido corresponde à data em que foi proferida a sentença que julgou procedente a acção de execução específica do contrato-promessa e declarou a compra e venda do imóvel pela autora. Portanto, a data a levar em conta é o dia 03/09/2013 (ou o dia 10/10/2013, em que se diz ter transitado em julgado a sentença mencionada).
Quanto ao início do processo de insolvência a questão também se coloca porque no caso o processo de insolvência foi antecedido de um processo especial de revitalização que se iniciou em 2/12/2013 e terminou sem a aprovação de um plano de revitalização, tendo o administrador judicial emitido parecer no sentido de a devedora se encontrar em estado de insolvência.
Nessa situação, afigura-se-nos que a data a atender não pode ser a do início do processo especial de revitalização, desde logo porque o teor literal da norma legal que fala em início do processo de insolvência, não fala em início de qualquer dos processos previstos no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou tendentes à aprovação de qualquer plano ou medida que evite a insolvência.
Depois, porque os dois processos mencionados são possuem objectos e objectivos distintos. O processo especial de revitalização tem por objecto empresas que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, não já numa situação de insolvência, e tem por objectivo obter a revitalização de empresas recuperáveis através da aprovação de um plano acordado com os credores que permita à empresa sair da situação em que se encontra. Já o processo de insolvência tem por objecto empresas que se encontrem em situação de insolvência e constitui um processo de execução universal com a finalidade de dar satisfação aos credores pela forma prevista num plano de insolvência, ou na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores. Esta diferença de lógicas e objectivos dos dois processos impedem a interpretação extensiva ou analógica do disposto no artigo 120.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas quanto ao período temporal a abranger pela resolução em benefício da massa insolvente.
Sendo assim, como nos parece, então a data a atender no caso é a data em que se iniciou verdadeiramente o processo de insolvência, o que sucedeu quando, após o encerramento infrutífero das negociações no processo especial de revitalização, o administrador judicial apresentou o seu parecer, concluindo pela insolvência da empresa porque foi esse acto que nos termos do artigo 17.º-G do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na redacção então vigente, determinou a abertura (o início) do processo de insolvência. Por outras palavras, a data a atender é a de 22/10/2014.
Conjugando ambas as datas a atender, devemos concluir no caso nos encontrávamos dentro do período temporal fixado no n.º 1 do artigo 120.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e dentro do qual o negócio de compra e venda do imóvel pela autora era passível de resolução em benefício da massa insolvente.
O segundo pressuposto da resolução é que o acto seja prejudicial à massa.
Entende-se que são prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência. Todavia, presumem-se, ius et de iure, que são prejudiciais à massa os actos de qualquer dos tipos que permitem a resolução incondicional, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos previstos no artigo 121.º e dentro dos quais se poderia lançar mão da resolução incondicional.
Teixeira de Sousa, Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 2014 (relator Salazar Casanova), proferido no processo nº 1936/10, in Cadernos de Direito Privado, n.º 50, folhas 59, escreve a esse propósito o seguinte:
«A justificação para a resolução em benefício da massa insolvente encontra-se fundamentalmente na par conditio creditorum, que caracteriza o processo de insolvência: nenhum credor, seja porque goza das especiais simpatias do devedor insolvente, seja porque pode exercer sobre este alguma pressão, deve ser beneficiado por um negócio que venha a ser celebrado por esse devedor, pois que a massa insolvente não deve diminuir em benefício de um credor e prejuízo dos demais. A finalidade da resolução é manter ou recuperar, em benefício de todos os credores, um certo valor patrimonial para a massa insolvente. (...) Para se analisar se um acto é prejudicial à massa insolvente há que realizar um juízo hipotético, dado que importa comparar a situação patrimonial (real) que se verifica após a prática do acto com a situação (hipotética) que se verificaria se o acto não tivesse sido praticado. O acto realizado é resolúvel quando aquela situação real for mais desfavorável à massa do que esta situação hipotética».
Também Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, Lisboa, 2009, página 429, escrevem que por actos prejudiciais à massa se deve entender os que «afectam o interesse dos credores na satisfação dos seus créditos. No fundo, para além dos actos que implicam diminuição do valor da massa insolvente, são prejudiciais todos os que tornem a satisfação do interesse dos credores mais difícil ou mais demorada
Já vimos que os factos provados não permitem considerar verificada qualquer das situações previstas no artigo 121.º. Todavia, isso não obsta a que o acto possa ser considerado prejudicial à massa. O conceito legal de prejudicialidade não se confunde com a causação de prejuízos e, ao invés, basta-se com a mera potencialidade para os causar. Com efeito, assumem essa característica não apenas todos os actos que diminuam ou frustrem a satisfação dos credores da insolvência, mas ainda aqueles que apenas dificultem, ponham em perigo ou retardem essa satisfação.
A nosso ver, tem essa natureza um contrato de compra e venda que é antecedido por um contrato-promessa no qual se procura manifestar o pagamento integral do preço a título de sinal, vindo-se a apurar que o sinal alegadamente entregue em dinheiro não foi afinal pago e não entrou no património da sociedade vendedora para poder ser usado para pagamento das respectivas dívidas.
Um negócio jurídico com estes contornos, no mínimo dificulta e coloca em perigo a satisfação dos direitos dos credores já que permite subtrair ao património da insolvente um imóvel que representa um activo sólido que não pode ser oculto e substituí-lo por uma alegada entrega em dinheiro que realmente não foi feita, não entrou nas contas bancárias da insolvente, e que mesmo que entrasse era facilmente dissipável e ocultável. Nesse sentido, consideramos preenchido o requisito da prejudicialidade.
Finalmente temos o requisito da má fé.
O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas dá-nos uma definição específica do que se deve entender por má fé para efeitos de preenchimento desse requisito da resolução.
Esse estado verifica-se quando a pessoa que contratou com o insolvente tem conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias: a) que o devedor se encontrava em situação de insolvência; b) do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente; c) do início do processo de insolvência.
Todavia, também aqui se presume a má fé, presunção agora meramente iuris tantum, quanto a actos praticados ou omitidos nos dois anos anteriores ao início do processo em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente.
No caso, o negócio resolvido é, como vimos, o contrato de compra e venda de uma fracção que foi concretizado através da sentença judicial proferida na acção de execução específica do contrato-promessa previamente celebrado tendo por objecto essa compra e venda, sentença que substituiu a vontade da vendedora alegadamente relapsa e declarou efectuada a compra e venda e produzidos os seus efeitos.
A acção de execução específica foi instaurada sendo a autora menor representada legalmente por ambos os respectivos progenitores e titulares das respectivas responsabilidades parentais. Ora diz o n.º 1 do artigo 259.º do Código Civil, em relação à “falta ou vícios da vontade e estados subjectivos relevantes”, que «à excepção dos elementos em que tenha sido decisiva a vontade do representado, é na pessoa do representante que deve verificar-se, para efeitos de nulidade ou anulabilidade da declaração, a falta ou vício da vontade, bem como o conhecimento ou ignorância dos factos que podem influir nos efeitos do negócio». Por outras palavras, o conhecimento dos factos necessários para a afirmação da boa ou má fé do representado é o conhecimento do representante: se este estiver de má fé, aquele está de má fé, se este estiver de boa fé aquele está de boa fé, excepto se tiver ele mesmo o conhecimento de que deriva a sua má fé (n.º 2 da norma).
Sendo assim, para aferição do preenchimento do requisito da má fé o que releva é o conhecimento que os legais representantes da autora tinham. Nessa medida, a existência de má fé é manifesta porque se dava a circunstância de o pai e legal representante da autora compradora ser, em simultâneo, o administrador de facto da sociedade vendedora sendo já então do seu perfeito conhecimento que a sociedade vendedora atravessava uma situação financeira débil e que aquele acto afectaria os credores, diminuindo a garantia geral dos seus créditos.
Essa demonstração não era sequer necessária no caso porque este reúne circunstâncias em resultado dos quais a má fé se presume.
Temos em mente o facto de se tratar de um praticado nos dois anos anteriores ao início do processo em que participou ou de que se aproveitou «pessoa especialmente relacionada com o insolvente».
O n.º 2 do artigo 49.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas define como «pessoas especialmente relacionadas com o devedor», quando, como sucede no caso, este é uma pessoa colectiva, os «administradores de facto» – alínea c) – e «as pessoas relacionadas com alguma das mencionadas nas alíneas anteriores por qualquer das formas referidas no n.º 1» – alínea d) –, ou seja, designadamente os «descendentes» dos administradores de facto – n.º 1, alínea b) –.
Tendo a compra e venda sido celebrada entre uma menor, representada pelos seus pais, e uma sociedade da qual o seu pai era o administrador de facto, estamos perante um negócio celebrado com intervenção de pessoas especialmente relacionadas com o devedor, situação que permite presumir a má fé (n.º 4 do artigo 120.º), presunção que no caso não foi afastada.
Em suma, estavam reunidos os pressupostos para a resolução do negócio em benefício da massa insolvente operada pelo administrador da insolvência, razão pela qual deve ser confirmada a decisão que julgou improcedente a impugnação dessa resolução.
C) da litigância de má fé:
A recorrente impugna igualmente a decisão de a condenar como litigante de má fé defendendo a não verificação dos pressupostos deste instituto.
Vejamos.
O artigo 20.º da Constituição de República Portuguesa, tal como depois o legislador ordinário no artigo 2.º do Código de Processo Civil, consagra o direito de acesso aos tribunais, dizendo que a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente. O direito de acesso à justiça é assim um direito constitucionalmente garantido, dotado da tutela que é própria dos direitos fundamentais.
Porém, nos processos judiciais as partes estão vinculadas ao dever de boa-fé processual que emana do princípio da cooperação, do qual decorre um verdadeiro dever jurídico de verdade, isto é, de apresentar os factos tal como, em sua opinião, eles ocorreram. A violação desse dever de verdade é sancionada através da qualificação da lide como litigância de má-fé e da sujeição às respectivas consequências.
Nos termos do artigo 542.º do Código de Processo Civil, litiga de má-fé a parte que, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Como muito bem se menciona no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.06.2014, Carlos Gil, proc. n.º 117/13.1TBPNF.P1, in www.dgsi.pt, «o instituto da litigância de má-fé visa que a conduta dos litigantes se afira por padrões de probidade, verdade, cooperação e lealdade. A concretização das situações de litigância de má-fé exige alguma flexibilidade por parte do intérprete, o qual deverá estar atento a que está em causa o exercício do direito fundamental de acesso ao direito (artigo 20º da Constituição da República Portuguesa), não podendo aquele instituto traduzir-se numa restrição injustificada e desproporcionada daquele direito fundamental. Importa não olvidar a natureza polémica e argumentativa do direito, o carácter aberto, incompleto e autopoiético do sistema jurídico, a omnipresente ambiguidade dos textos legais e contratuais e as contingências probatórias quer na vertente da sua produção, quer na vertente da própria valoração da prova produzida. Na verdade, com o passar dos tempos, tem-se verificado, com alguma frequência, que teses jurídicas inicialmente peregrinas vieram a tornar-se teses dominantes. Assim, à semelhança da liberdade de expressão numa sociedade democrática, o direito fundamental de acesso ao direito só deve ser penalizado no seu exercício quando de forma segura se puder concluir que o seu exercício é desconforme com a sua teleologia subjacente, traduzindo-se na violação dos deveres de probidade, verdade e cooperação e numa utilização meramente chicaneira dos meios processuais, com o objectivo de entorpecer a realização da justiça. Por isso, o tipo subjectivo da litigância de má-fé apenas se preenche em caso de dolo ou culpa grave».
Também no Acórdão da Relação do Porto de 20.10.2009, Ramos Lopes, processo n.º 30010-A/1995.P1, in www.dgsi.pt, se escreveu com proficiência o que a seguir se reproduz e merece a nossa total adesão:
«A condenação de uma parte como litigante de má-fé consubstancia um verdadeiro juízo de censura sobre a sua atitude processual, face ao uso que possa ter feito dos mecanismos legais postos ao seu dispor, com o marcado intuito de moralizar a actividade judiciária. A litigância de má-fé tanto pode ser substancial (dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ser ignorada, alteração da verdade dos factos e/ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa) como instrumental (seja porque se pratica grave omissão do dever de cooperação, seja porque se faz do processo ou dos meios processuais uso manifestamente reprovável). Em ambas as modalidades está sempre em causa ‘um uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais’ com uma das finalidades apontadas no nº 2 do art. 456º do C.P.C., circunscrevendo-se o âmbito de aplicação do instituto ‘às situações configuradoras de meras violações de deveres e ou obrigações processuais’. (…) Trata-se, como assinala Pedro Albuquerque, de uma responsabilidade com cunho próprio, que a distingue da responsabilidade civil (não interferindo uma com a outra, podendo perfeitamente coexistir), assentando em deveres de cooperação e probidade, pressupondo, por isso, violação de obrigações ou situações processuais, autónomas relativamente ao direito substantivo.
O instituto não tutela interesses ou posições privadas e particulares, antes acautelando um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, destinando-se a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça – destina-se a combater a específica virtualidade da má-fé processual, que transforma a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial (…)a tutela ‘das posições substantivas ou materiais eventualmente atingidas pela parte responsável por má-fé processual caberá, por conseguinte, a outros institutos próprios do direito substantivo como o abuso do direito e a responsabilidade civil’
A condenação como litigante de má-fé há-de afirmar a reprovação e censura dos comportamentos da parte que, de forma dolosa ou, pelo menos, gravemente negligente (situações resultantes da inobservância das mais elementares regras de prudência, diligência e sensatez, aconselhadas pelas mais elementares regras do proceder corrente e normal da vida), pretendeu convencer o tribunal de pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterou a versão dos factos relativos ao litígio ou que faz do processo ou meios processuais uso manifestamente reprovável. (…)
A afirmação da litigância de má-fé depende da análise da situação concreta, devendo o processo fornecer elementos seguros para por ela se concluir, exigindo-se no juízo a realizar uma particular prudência, necessária não só perante o natural conflito de interesses, contrário, normalmente, a uma ponderação objectiva, e por vezes serena, da respectiva intervenção processual, mas também face ao desvalor ético-jurídico em que se traduz a condenação por litigância de má-fé.
Atendendo aos fundamentos do instituto (princípio da cooperação e dever de boa fé processual), aos interesses que através dele se pretende afirmar (respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça) e finalidades que se visam alcançar (moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça) e, também, à própria natureza sancionatória do instituto (dele resulta a aplicação de multa), tem de considerar-se que o critério para aferir e apreciar a negligência que ele pressupõe não pode coincidir com o critério para apreciação da culpa na responsabilidade civil extracontratual (critério de apreciação objectiva, em que a culpa se afere pelo confronto com o tipo abstracto de pessoa normalmente diligente e prudente – o bom pai de família, nos termos do art. 487º, nº 2 do C.C.). (…)
As carências pessoais, seja por falta de conhecimentos, de perícia, de forças físicas ou intelectuais, ou de particulares inaptidões são tidas em conta na configuração normativa do ilícito processual, como resulta do art. 266º, nº 4 do C.P.C.. O dever de cooperação que impende sobre a parte e que lhe legalmente exigido tem de ter correspondência nas suas naturais faculdades para o cumprir. Assim, o critério para apreciação da negligência (tanto mais que estamos a reportar-nos a uma sanção por ilícito processual, diverso do ilícito civil), não pode deixar de ser referenciado ao padrão de conduta exigível ao agente (à parte), ajustado à sua idade, às suas carências pessoais e particulares inaptidões.
A prática do ilícito processual pela parte (por aquela concreta pessoa que é parte no processo) só pode ser-lhe imputada a título de negligência quando não proceder com o cuidado e diligência (o padrão de conduta) a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e era capaz. Trata-se de um critério subjectivo e concreto, pois que as capacidades próprias da parte são o limite aos seus deveres de boa-fé processual e de cooperação – para lá das capacidades próprias da parte não existe dever de cooperação e logo, não poderá haver negligência (aliás, para lá das possibilidades de ‘diligenciar’ e ‘cuidar’ não pode haver dever de cooperação).
Na avaliação e graduação da culpa, para apurar de litigância de má-fé, deve atender-se à diligência do bom pai de família (ao padrão de conduta exigível a uma pessoa razoável, normalmente cuidadosa e prudente) mas atender ainda às circunstâncias do caso concreto. Esta aferição da culpa em função das capacidades pessoais do agente coaduna-se coma exigência legal ‘que deflui imediatamente, como corolário, do axioma antropológico da dignidade da pessoa humana proclamado pelo art. 1º da nossa Lei Fundamental, pois ninguém porá em causa o carácter gravoso e estigmatizante de uma condenação injusta como litigante de má fé’, sendo certo que a má-fé processual ‘é, actualmente, uma má-fé ética, encontrando os seus limites ou contraponto, na boa fé ética’.»

Constitui entendimento absolutamente pacífico que a mera perda da demanda nunca é suficiente para permitir concluir pela ilegitimidade da iniciativa processual e pela litigância de má-fé (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09.07.98, 27.02.03 e 05.05.05, todos in www.dgsi.pt e Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 353).
Como se afirma no Acórdão desta Relação de 12.05.2005, José Ferraz, in www.dgsi.pt, «a simples proposição de uma acção ou contestação, embora sem fundamento, pode não constituir uma actuação dolosa ou mesmo gravemente negligente da parte. A incerteza da lei, a dificuldade em apurar os factos e os interpretar, podem levar as consciências honestas a afirmar um direito que não possuem e a impugnar uma obrigação que devem cumprir. O que releva é que as circunstâncias devam levar o tribunal a concluir que a parte apresentou pretensão ou fez oposição conscientemente infundada (em Alberto dos Reis, C.P.C. Anotado, II, 263). Se na vigência da lei processual, anterior à redacção do DL 329-A/95, subjacente ao disposto no artigo 456º do CPC, existia uma intenção maliciosa, ou má-fé em sentido psicológico, e não apenas um a leviandade ou imprudência (má fé em sentido ético), a lei actual apenas exige que exista negligência grave ou grosseira para censurar a parte, quando esta actua com a falta de precaução pela mais elementar prudência que deve ser observada nos usos correntes da vida. Mas só quando o processo fornece elementos seguros da conduta dolosa ou gravemente negligente deverá a parte ser censurada como litigante de má fé, o que pede prudência ao julgador, sabendo-se que a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro (a verdade absoluta só está ao alcance da divindade e a humana corre o risco da contingência e relatividade) mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico (cfr. Ac. STJ, de 11.12.2003, no proc. 03B3893, em www.dgsi.pt). Não basta que a parte não veja acolhida a sua pretensão ou a sua versão dos factos. Pode defender convicta, séria e lealmente uma posição sem dela convencer o tribunal. As circunstâncias do caso hão-de permitir se conclua que a parte apresentou pretensão ou fez oposição conscientemente infundadas, estar-se perante uma situação em que não deva deixar dúvida razoável sobre a conduta dolosa ou gravemente negligente da parte. Por não se provar determinado facto ou factos, não poderá concluir-se pelo facto contrário (em sede de censura à parte por má fé). Nem será por a parte não provar a veracidade de determinada afirmação que pode concluir-se, só por essa situação negativa, pela falsidade ou desconformidade do alegado com a verdade. Significa apenas que não logrou convencer o tribunal dessa posição. A falta de razão não significa sempre má-fé, a não ser que a parte dela tenha consciência e, apesar disso, formule pretensão ou deduza oposição em juízo.»
É igualmente jurisprudência uniforme dos tribunais superiores o entendimento de que “a litigância de má-fé exige que quem pleiteia de certa forma tem a consciência de não ter razão” e que “a defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 456º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, todavia, se não forem observados os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé, patenteia-se litigância de má-fé” (cf. por todos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.09.2012, relatado por Fonseca Ramos, in www.dgsi.pt).
Da mesma forma que se vem entendendo que a defesa pode ser temerária e contrária a uma realidade objectiva sem que haja litigância de má-fé pois esta deriva “da verificação de uma actuação e condutas contrárias a uma utilização adequada e correcta de um meio processual. Aquele que sabendo que usa um meio processual para atingir um fim contrário a um fim licito e desconforme ao direito, fazendo-o de forma intencional, usa de má-fé. … A conduta do agente deve ser desvaliosa e intencional, o que vale por dizer que deve apresentar-se como contrária a um padrão de conformidade da acção pessoal do sujeito processual com o dever de agir de acordo com a juridicidade e a lei” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.06.2011, relatado por Gabriel Catarino, in www.dgsi.pt).
Este instituto apenas penaliza a conduta cometida com dolo ou com negligência grave, ou seja, a imprudência grosseira, que é manifesta aos olhos de qualquer um, que foi resultado da não adopção daquele mínimo de diligência que era possível e que permitiria dar conta da falta de fundamento para o acto. A negligência comum, desculpável, não basta para qualificar a litigância.
Aplicando estes dados ao caso concreto parece forçoso concluir que a autora litigou de má fé, levando-se em conta que para o efeito o que releva não é o seu conhecimento ou a sua actuação pessoal, é o conhecimento dos seus legais representantes e progenitores que evidentemente actuaram em função da sua própria vontade e decisão ainda que tendo formalizado o contrato (e agora a acção) em nome de uma filha menor.
Na verdade, a autora, através dos seus pais, sabia quem era o administrador de facto da sociedade vendedora do imóvel e, portanto, quem decidia sobre os interesses sociais, sabia por isso em que estado económico-financeiro ela se encontrava, sabia que nesse contexto a instauração de uma acção de execução específica do contrato-promessa não era necessária, excepto para criar uma aparência de legalidade da compra e venda, e que tal acção nunca seria contestada, como não foi, sabia bem que pela sua tenra idade e falta de recursos próprios não dispunha do quantia necessária para pagar o sinal do contrato-promessa e por isso que não entregou dinheiro seu para pagar o alegado sinal, tendo o contrato-promessa sido celebrado em seu nome apenas para não envolver no litígio com a massa insolvente os pais que estavam a par de tudo.
Por isso ao instaurar a acção com os fundamentos que apresentou deduziu com dolo directo uma pretensão que sabia não ter fundamento, baseada em factos adulterados e não verdadeiros. Assim, a condenação da autora como litigante de má fé é ajustada e tem de ser mantida.

V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a sentença recorrida.
As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente que, todavia, se encontra dispensada do seu pagamento.
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Porto, 21 de Abril de 2022.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 684)
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva

[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]