CÚMULO JURÍDICO
FUNDAMENTAÇÃO
PENAS PARCELARES
PENA DE PRISÃO SUSPENSA
CRITÉRIOS
Sumário

I - Uma decisão de cúmulo superveniente de condenações sobrepõe-se às decisões anteriormente proferidas relativamente a cada crime que foi objecto das penas parcelares, as quais englobam na pena única resultante da efectivação do cúmulo, pelo que a autonomia que as mesmas reassumem em caso de reformulação daquele cúmulo não significa que tais penas devam ser objecto de nova avaliação no que tange aos pressupostos do respectivo cumprimento, enquanto penas parcelares autónomas, sob pena, não apenas de absoluta desconsideração pela decisão, assente em pressupostos próprios, que a cumulou anteriormente, como também de intolerável insegurança jurídica até para a situação do condenado.
II - Constitui posição sedimentada na jurisprudência que a operação de cúmulo jurídico exige uma especial necessidade de fundamentação, e muito em particular tal especial cuidado se impõe num caso em que, em resultado da operação de cúmulo jurídico superveniente, pode ser determinado o cumprimento efectivo de uma pena privativa da liberdade quando alguma das condenações parcelares em concurso o era em pena de prisão suspensa na sua execução, não tendo tal suspensão sido objecto de prévia revogação.
III - Mesmo para quem considere que a formação de uma pena única, em caso de conhecimento superveniente do concurso de infracções, pode integrar crimes pelos quais tenham sido aplicadas penas de prisão suspensas na sua execução, não há como evitar a ponderação de que essa integração pode determinar, em termos materiais, um cumprimento de reclusão penal decorrente de uma decisão e ponderação situada a jusante daquela que decidira que tal cumprimento não se mostrava necessário, e que assenta em pressupostos diversos daqueles que em princípio poderiam determinar tal cumprimento, por via de uma eventual revogação da mesma suspensão.
IV - Indicia a existência de conexão e continuidade temporal, determinante da formação de uma imagem global da conduta censurável do arguido, a constatação de que em cúmulo anteriormente decidido, que fixou a pena única em 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, foram englobadas condenações referentes a factos praticados num período nuclear entre 2007 e 2010, e que a nova condenação agora integrada na nova pena conjunta, em apreciação, se refere a factos praticados entre 2007 e 2008, ou seja, é precisamente ainda dentro da janela temporal considerada no anterior cúmulo jurídico que se integram todos os factos em concurso neste momento.
V - No que tange à homogeneidade objectiva dos factos em concurso, elemento necessário ao exercício de contemplação do ilícito global praticado pelo condenado, é relevante a ponderação sobre se os mesmos consubstanciam ilícitos de similar natureza e que justificam juízos de censura assentes em pressupostos de idêntica índole, assim como a existência de factores de específica conectividade entre os factos das condenações em cúmulo.
VI - Quando se pondere da avaliação da personalidade do arguido revelada no seu comportamento posterior aos factos em concurso, de pouco relevará o decurso de um período temporal alargado decorrido sobre a sua prática, se após os mesmos se demonstrar que o condenado persistiu numa conduta delituosa continuada até à actualidade da sua condenação unitária.
VII - A fixação da pena única, dentro da moldura penal global aplicável no caso, traduz–se na compressão das penas parcelares em concurso, com excepção, naturalmente, daquela mais elevada, que transmite, na sua intocabilidade, o ponto de partida daquela moldura, exercício relativamente ao qual é de rejeitar o apelo a qualquer regra de ponderação de fórmulas aritméticas, traduzida no fraccionamento pré–estabelecido das penas parcelares, e adição matemática dos fragmentos das mesmas assim extraídos para construção da pena única aplicada.
VIII - Sopesando os dados em presença, tendo em atenção a globalidade dos factos, avaliando a interconexão entre os crimes do concurso, e a personalidade do arguido, julga–se que as exigências de prevenção podem ser satisfeitas com a fixação de uma pena única em medida concreta igual à decidida no anterior cúmulo, não se mostrando necessária no presente caso concreto a agravação desta última, decisão que se julga a mais coerente com a constatação de que aquilo que está em causa neste momento é a reformulação de uma decisão cumulatória anterior apenas e só por via da integração no concurso de factos que, não apenas foram praticados bem adentro do período temporal que aquela anterior cumulação já abrangera, como revelam absoluta integração na homogeneidade típica criminal e conexão objectiva dos demais factos em concurso.
IX - A circunstância de o cúmulo jurídico integrar, de entre todas as condenações penais em concurso, uma pena de prisão efectiva, não é obstáculo a que a pena única agora fixada possa ser suspensa na sua execução, estando a ponderação sobre se a pena única deve ou não ficar suspensa na sua execução no âmbito da tarefa incumbida ao tribunal do cúmulo de reavaliação em conjunto dos factos e da personalidade do arguido, e não sendo essa viabilidade perturbada pela integração no cúmulo de penas de prisão efectiva.
X- É na dicotomia entre a salvaguarda das finalidade da punição, no âmbito das quais não pode merecer descrédito a necessidade de retribuição penal pelo desvalor da conduta sancionada e a reparação na medida possível do mal que a mesma causou, por um lado, e o respeito pela justiça concreta do conteúdo do dever a impor, traduzida na adequação do mesmo àquilo que for razoável e proporcional exigir ao condenado e às suas circunstâncias, por outro lado, que deve o tribunal fazer o seu exercício valorativo, sempre fundamentado num apuramento fáctico também ela adequada e suficiente, e decidir se é de aplicar o dever condicionante da suspensão da execução da pena de prisão e quais os respectivos contornos.

Texto Integral

Proc. nº 101/11.0IDPRT.1.P1
Referência: 15638395

Tribunal de origem: Juízo Central Criminal de Penafiel, Juiz 3 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este


Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:


I. RELATÓRIO
i. No âmbito do processo comum (tribunal singular) nº 101/11.0IDPRT.1 que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Local Criminal de Penafiel – Juiz 3, em 20/05/2020 foi proferido acórdão, cujo dispositivo é do seguinte teor :
«Decisão.
Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais supra citadas, os Juízes que constituem este Tribunal Colectivo decidem cumular juridicamente as penas aplicadas nos autos identificados em 1. (proc. nº 25/14.9T9MCN), 2. (proc. nº 61/13.2IDPRT), 3. (proc. nº 46/09.3IDPRT), 4. (proc. nº 12/11.9IDPRT) e 5. (101/11.0IDPRT) fixando em 6 (seis anos) a pena única de prisão aplicada ao arguido AA
Sem tributação.

*
Notifique e dê imediato conhecimento desta decisão aos processos abrangidos pelo cúmulo, dando conta que após trânsito será enviada a correspondente decisão com nota deste.
Após trânsito remeta boletim ao registo criminal e dê conhecimento com cópia à DGRSP.
Notifique e deposite.»

ii. Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 03/07/2020, o arguido AA, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1. O presente recurso é interposto da decisão que cumulou juridicamente as penas parcelares referentes aos processos n.º 25/14.9T9MCN, 61/13.2IDPRT, 46/09.3IDPRT, 12/11.9IDPRT e 101/11.0IDPRT e que, no consectário, aplicou ao arguido uma pena única de 6 anos de prisão (transcreveu-se, na totalidade, a matéria de facto que o tribunal a quo deu como provada).
2. As penas dos primeiros quatro processos tinham sido objeto de um anterior Acórdão de cúmulo jurídico, exarado a 13/03/2019 e transitado em julgado em 29/04/2019, no processo n.º 2331/18.4T8PNF, também do Juízo Central Criminal de Penafiel – Juiz 3, no qual foi aplicada, ao arguido, a pena única de 5 anos de prisão, que foi suspensa, na respetiva execução.
3. Para facilitar a exposição e a benefício de uma correta compreensão do enquadramento de cada um dos processos em causa, revela-se útil a seguinte síntese de cada um deles, em que se referenciam: i) as datas da decisão e o seu trânsito em julgado; ii) o tipo de ilícito e as penas aplicadas; iii) as condições das suspensões da execução pena aplicadas.
a) NUIPC 25/14.9T9MCN (Acórdão de 15/03/2016; trânsito em julgado: 30-11-2016) – 1 crime de falsificação de documento (1 ano) e 1 crime de burla (3 anos e 6 meses) praticados em 12/11/2012; cúmulo jurídico – pena única de 4 anos de prisão, suspensa, na respectiva execução, sob a condição de pagar, em 40 meses, a quantia de 79.266,40€. No cúmulo jurídico realizado no mencionado processo n.º 2331/18.4T8PNF, foi dado como assente o pagamento de 6.250€ por conta deste processo.
b) NUIPC 61/13.9T9MCN (Acórdão de 15/03/2016; trânsito em julgado: 30-11-2016) – 1 crime de abuso de confiança fiscal qualificado (2 anos e 4 meses) e 1 crime de fraude fiscal qualificada (3 anos) praticados em 2010; cúmulo jurídico – 4 anos de prisão, suspensa, na respetiva execução, sob a condição de pagar, nesse período, a quantia de 720.856,76€. No cúmulo jurídico anterior, foi dado como assente o pagamento de 7000€ por conta deste processo.
Estes dois processos [identificados em a e b] foram julgados no mesmo dia e no mesmo tribunal - diante disso, não se alcança por que razão não foram apensados entre si e julgados conjuntamente, o que determinaria inevitavelmente, numa abordagem pan-ótica, a aplicação de penas parcelares mais atenuadas e, consequentemente, de uma pena única mais mitigada.
c) NUIPC 46/09.3IDPRT (sentença de 19/01/2017; trânsito em julgado: 14-05-2018) – 1 crime de fraude fiscal (2 anos e 6 meses) praticado em 2004; pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa, na respetiva execução, por igual período, mediante a condição de pagar, em 5 anos, a quantia de 61.940€ à Autoridade Tributária.
d) NUIPC 12/11.9IDPRT (Sentença de 03/07/2017 e Acórdão da Relação do Porto de 31/01/2018; trânsito em julgado: 14-02-2018) – 1 crime de fraude fiscal (1 ano e 8 meses) praticado em 2007; pena de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa, na respetiva execução, por igual período com a condição de pagar, à Autoridade Tributária, a quantia de 4.907,70€.

Estes quatro processos foram apensados, para cúmulo jurídico, no processo n.º 2331/18.4T8PNF (Acórdão de 13/03/2019; trânsito em julgado: 29-04-2019). Nesse processo, foi aplicada a pena única de 5 anos de prisão, suspensa, na respetiva execução, por igual período, mediante a condição de pagar a quantia global de 866.970,86€ (79.266,40€ a favor da sociedade P... e 787.704,46€ para o Estado/Autoridade Tributária), tendo sido fixada a imposição de o arguido realizar o pagamento, no tribunal, da importância de 1.250€ por mês, a ser imputada no montante global. Os pagamentos de 1.250€ são destinados aos ofendidos na seguinte proporção: 10% para a P... e 90% para a AT.
O arguido encontra-se a cumprir essa condição: até à data da audiência de cúmulo jurídico julgamento tinham sido pagos 13 meses, o que totaliza 16.250€; e após a data do acórdão recorrido, o arguido continua a pagar a prestação de 1.250 €, que lhe foi injungida.
Na data da interposição do presente recurso, a assistente P..., ofendida no citado processo n.º 25/14.9T9MCN, indicado em a), já se manifestou integralmente ressarcida, tendo declarado nos presentes autos nada mais ter a reclamar ao arguido e não se opor a uma declaração de extinção da pena, por cumprimento, aplicada nesse processo.

O novo (segundo) cúmulo jurídico (materializado pela decisão a quo) teve por finalidade integrar a sequente condenação:
e) NUIPC 101/11.0IDPRT (Acórdão de 04.10.2017; Acórdão da Relação do Porto de 30/04/2018; Recurso para o Tribunal Constitucional; trânsito em julgado em data indeterminada do ano 2019) – 1 crime de fraude fiscal qualificada; pena de 3 anos de prisão efectiva; crime praticado entre os anos 2007 e 2008.

B) RAZÕES DA DISSENSÃO DO ARGUIDO

B.1. Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia pelo tocante à extinção, pelo cumprimento, da pena parcelar do processo n.º 12/11.9IDPRT – vd. o artigo 379.º, n.º 1, alínea c), n.º 2, do CPP.
4. Nas alegações orais, proferidas na audiência de julgamento de 13-05-2020, foi requerida expressamente a extinção da pena aplicada no processo n.º 12/11.9IDPRT, supra identificado na alínea d). Em face do respetivo trânsito em julgado e do período de suspensão fixado, a extinção dessa pena produz efeitos reportados a 15-10-2019.
5. Para tanto, objetou-se que, readquirindo a citada pena, com o novo cúmulo jurídico, autonomia e singularidade, dos 16.250€ (1.250€ x 13 meses) pagos até à data do cúmulo jurídico ora realizado, a AT já recebeu um total de 14.625€ (16.250,00€ x 90%), quantia que ultrapassa largamente o montante de 4.907,70€ que competia ao arguido pagar para cumprimento da condição da suspensão da execução da pena; mesmo considerando o termo do cumprimento da condição no contexto do processo n.º 12/11.9IDPRT (14/10/2019), dos 7.500€ (1.250€ x 6 meses) pagos até essa data, a AT recebeu um total de 6.750€ (7.500€ x 90%), o que também excede o sobredito montante de 4.907,70€.
6. Nada obsta à imputação ou destino das sobreditas quantias ao pagamento do montante de 4.907,70€; isso por duas ordens de razões:
a. Na falta de norma processual penal diretamente aplicável, ocorrendo uma lacuna, pode aplicar-se por analogia o disposto no artigo 783.º, n.º 1, do Código Civil;
b. Tendo as penas parcelares reobtido autonomia e singularidade, o arguido escolheu – no momento das alegações orais de 13-05-2020 –, imputar o pagamento efetuado, até ao montante de 4.907,70€, ao processo n.º 12/11.9IDPRT, o que determina o cumprimento da condição aí imposta – trata-se de interpretação que podia e devia ter sido acolhida pelo Tribunal, no recorte da aplicação de um regime mais favorável ao arguido.
7. Extinta a mencionada pena desde outubro de 2019, devia, pois, na envolvência do presente cúmulo jurídico, ter sido ponderada a sua não cumulação, sob pena de nítido agravamento da decisão, como efetivamente sucedeu, em manifesto prejuízo do arguido.
8. A apreciação de tal questão foi absolutamente omitida no acórdão, o que consolida a nulidade da decisão a quo, nulidade que se argui nos termos e para os efeitos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

B.2) Impugnação da matéria de facto dada como provada
9. O recorrente considera incorretamente julgado o ponto 31 da matéria de facto assentada, que dita o seguinte: “Após o cúmulo das penas a que se reportam os pontos 1 a 4 o arguido efectuou entre 8 de Maio de 2019 e 17 de Março de 2019, o pagamento do montante global de 15.000€ (quinze mil euros)”, pelo que o impugna nos termos do estabelecido no artigo 412.º, n.º 3, alínea a), do CPP.
10. Com efeito, tendo as alegações ocorrido a 13-05-2020 – nas quais foi invocado o pagamento total de 16.250€, em cumprimento da condição imposta na envolvência da suspensão da pena –, e sendo o acórdão datado de 20-05-2020, inexiste motivo algum que justifique a contabilização do pagamento para uma data bem anterior à decisão exarada, sendo, pois, de questionar por que razão tais pagamentos somente surgem atualizados a março.
11. Nos termos do artigo 412.º, n.º 3, alíneas a) e b), do CPP, porque tais pagamentos estão documentados nos autos, impõe-se a alteração do ponto 31 da matéria de facto provada, mediante a fixação dos pagamentos até à data da prolação do acórdão de primeira instância. O referido ponto 31. passaria, então, a ter a seguinte redação: “Após o cúmulo das penas a que se reportam os pontos 1 a 4, o arguido efetuou, entre 8 de maio de 2019 e 20 de maio de 2020, o pagamento do montante global de 16.250€ (dezasseis mil e duzentos e cinquenta euros).
12. A essa quantia, devem ser adicionados os montantes pagos em data posterior, aí se incluindo o integral ressarcimento da assistente P..., também documentado nos autos, o que reverbera claramente que, além do cumprimento da condição da suspensão da execução pena, o arguido tem vindo a desenvolver um esforço sério – e, registe-se, pretende continuar a fazê-lo – para reparar integralmente os prejuízos ocasionados ao Fisco pelos crimes praticados numa fase mais conturbada da sua vida.
13. Tal particularidade releva, além do mais, para caracterizar a efetiva personalidade do arguido, ao momento da decisão ad quem e, por isso, antes do trânsito em julgado.

B.3) Erros de julgamento no Acórdão recorrido
14. O acórdão recorrido incorreu em erros de julgamento, numa dupla vertente:
a. na apreciação em conjunto dos factos atribuídos ao arguido nos vários processos; e
b. na consideração da personalidade do arguido.
15. O acórdão recorrido também preteriu totalmente a superlativa questão da necessidade de atender ao momento temporal da decisão para a determinação da medida da pena.

B.3.1) Dos erros de julgamento na apreciação em conjunto dos factos e da personalidade do arguido

B.3.1.1) Relação de continuidade e antiguidade da prática dos ilícitos – pluriocasionalidade.
16. O processo n.º 101/11.0IDPRT, a englobar numa nova pena conjunta, refere-se a factos praticados entre 2007 e 2008; no processo n.º 2331/18.4T8PNF (em cujo âmbito se realizou o anterior cúmulo jurídico) foram apreciados quatro processos, referentes a factos praticados nos anos de 2004, 2007, 2010 e 2012.
17. O período nuclear dos ilícitos situa-se, pois, entre 2007 e 2010, precisamente na baliza temporal do processo 101/11.0IDPRT, que faltava incluir no último cúmulo jurídico.
18. Nos anos 2005, 2006, 2009 e 2011 e posteriormente a 2012 até 2020 (há oito anos!), nada existe de desvalioso a apreciar na conduta do arguido – não se configura, ipso facto, nenhuma tendência criminosa do arguido, baseada em características desvaliosas da respectiva personalidade, suscetível de relevo no quadrante da prevenção geral e especial.
19. Ocorre, reversamente, uma mera pluriocasionalidade da prática de ilícitos num período específico e bem delimitado da vida do arguido – de resto, como desponta cristalinamente do relatório social do arguido.
20. Notadamente porque se ponderam factos que sobrevieram há 12 anos, incumbia atender a critérios de (des)necessidade de pena; rectius: importava acolher e transverberar a inequívoca inadequação do agravamento da pena anteriormente aplicada no cúmulo do processo n.º 2331/18.4T8PNF, pois, ao agravar a pena única fixada no cúmulo jurídico efetuado no processo n.º 2331/18.4T8PNF, elevando-a para seis anos de prisão, maiormente pela consideração dos factos referentes ao processo 101/11.0IDPRT, o acórdão recorrido preteriu que nesse processo (101/11.0IDPRT) se deu como assente que a conduta aí valorada se reporta aos anos de 2007 e 2008 – tanto basta para afirmar, solidamente, que tais factos se mostram numa relação imbricada
com os factos dos demais processos (tirante os factos apreciados no processo n.º 25/14.9T9MCN), id est, numa relação de manifesta continuidade.
21. De outra parte, nos casos em pauta regista-se a ofensa ao mesmo bem jurídico – a verdade tributária. Significa isso que os factos referentes ao antedito processo n.º 101/11.0IDPRT consubstanciam aquilo que os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-01-2008 e de 06-11-2008 (de que foi relator Conselheiro Simas Santos) qualificam como “o elo perdido entre condutas permitindo estabelecer uma clara e franca pluriocasionalidade” – tal singularidade deve apartar o agravamento de punição.
22. No atinente ao binómio tendência criminosa/pluriocasionalidade, no acórdão lê-se apenas o seguinte: “A personalidade do arguido, tendo presentes os factos perpetrados e a respectiva conjuntura tudo permite concluir que a prática dos ilícitos não foi pluriocasional”.
23. O excerto transcrito é unicamente conclusivo e afronta a reflexão das concretas datas da prática dos ilícitos, adstringidos, a um período maiúsculo situado entre 2007 e 2010.
24. Tal conclusão posterga que desde 2012 nada existe de repreensível, condenável ou desvalioso que possa ser assacado ao arguido e que o significativo período decorrido desde a prática dos ilícitos, justaposto à boa conduta posterior do arguido, constituiria sempre um elemento acrescido para uma atenuação da pena, mesmo na tessitura do cúmulo jurídico, nos termos dos artigos 72.º, n.º 2, alínea d), e 73.º do CP.
25. A decisão recorrida desvalorizou a matéria que foi considerada provada relativamente à personalidade do arguido, no hemisfério do Acórdão proferido no processo n.º 2331/18.4T8PNF, de 13.03.2019 (também do Juízo Central Criminal de Penafiel – Juiz 3, e em que intervieram exatamente a mesma juíza presidente e os mesmos Juízes adjuntos).
De forma arrazoada, sensata e inteiramente acertada, no processo n.º 2331/18.4T8PNF agregou-se o seguinte:
No caso vertente, o quadro factual a considerar está retratado na factualidade assente. Importa salientar que, à data da prática dos factos, o arguido não apresentava quaisquer antecedentes criminais e desde a data da prática dos últimos factos que integram o presente cúmulo jurídico, decorrido que se encontra um período superior a cinco anos, o arguido não voltou a incorrer na prática de qualquer outro crime. Está a fazer um esforço efectivo para adequar o seu percurso profissional/empresarial de forma normativa e bem assim para assegurar no essencial as condições impostas nas penas cumuladas, para além de estar social e familiarmente integrado. Pelo que se entende que a mera censura do facto e a ameaça da pena serão suficientes para cumprir de forma adequada a necessidade de reprovação do(s) crime(s), bem como de prevenção geral e especial”.

B.3.1.2) Diminuta ilicitude dos factos irrogados no processo n.º 12/11.9IDPRT - contraordenação indevidamente qualificada como crime.
26. Ao não extinguir a pena decretada no processo n.º 12/11.9IDPRT, o tribunal a quo infringiu o regime do artigo 57.º do Código Penal, com o efeito negativo de integrar no cúmulo jurídico uma pena que devia considerar legalmente extinta.
27. Verificando-se que processo n.º 12/11.9IDPRT estava em causa uma prestação em falta, ao Estado, de apenas 4.907,70€ – montante, portanto, inferior ao limite de 15.000€ –, era imperiosa a conclusão de que nesse processo estava em equação unicamente uma contraordenação, e não um crime de fraude fiscal, previsto no artigo 103.º do RGIT, o que se repercute em termos de diminuição do grau de ilicitude na apreciação em conjunto dos factos, com a consequente atenuação na medida da pena única.

B.3.1.3) Diminuta ilicitude e culpa mediana na esfera dos factos imputados nos processos n.º 101/11.0IDPRT, 12/11.9IDPRT, 61/13.2IDPRT e 25/14.9T9MCN
28. Ainda no alinhamento de uma medial ilicitude global dos factos atribuídos ao arguido, é importante sobreluzir que os processos n.º 101/11.0IDPRT e 12/11.9IDPRT se referem a factualidade com nítida conexão objetiva, pois a sociedade L... surge num processo como emitente e no outro como destinatária de faturas classificadas como falsas – cf. pontos 4 e 5 dos factos julgados como provados.
29. Por sua vez, o processo n.º 61/13.2IDPRT respeita a casos de faturação entre as sociedades G..., Lda., e a I... S.L., com a mesma gerência; nesse processo, perscrutaram-se factos praticados em 2009 e 2010, em que a conduta se correlaciona com a emissão de faturas entre duas entidades com a mesma gerência (G..., Lda., e a I... S.L.).
30. Acresce a já pré-citada omissão da conexão dos processos n.º 25/14.9T9MCN e 61/13.2IDPRT, com acórdãos proferidos no mesmo dia e trânsito em julgado no mesmo dia, com aplicação de duas penas autónomas.
31. Atendendo à evidente conexão cronológica, objetiva e subjetiva, da matéria valorada nos processos n.º 101/11.0IDPRT, 12/11.9IDPRT, 61/13.2IDPRT e 46/09.3IDPRT (todos os processos, ressalvado o 25/14.9T9MCN), e à homogeneidade do bem jurídico violado nessa contextura fáctica (independentemente da desconsideração da pena imposta no processo 12/11.9IDPRT), devia ter sido observada uma atenuação de culpa (mesmo que se não possa reequacionar a qualificação como crime continuado), como ressalta, e.g., do aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 20/04/2017, proferido no processo n.º 176/10.9IDBRG.S1, em que se apreciou uma situação similar à dos autos.
32. Incumbe, pois, concluir, nos mesmos termos do citado aresto do STJ, que não existe tendência criminosa, mas mera pluriocasionalidade.

B.3.1.4) Da valoração da personalidade do arguido – pluriocasionalidade e comportamento posterior à prática dos ilícitos
33. No acórdão do processo n.º 2331/18.4T8PNF, de 13.03.2019 (que suspendeu a execução da pena de prisão aplicada pena), com proveito, destacou-se:“[…] desde a data da prática dos últimos factos que integram o presente cúmulo jurídico, decorrido que se encontra um período superior a cinco anos, o arguido não voltou a incorrer na prática de qualquer outro crime. Está a fazer um esforço efectivo para adequar o seu percurso profissional/empresarial de forma normativa e bem assim para assegurar no essencial as condições impostas nas penas cumuladas, para além de estar social e familiarmente integrado. Pelo que se entende que a mera censura do facto e a ameaça da pena serão suficientes para cumprir de forma adequada a necessidade de reprovação do(s) crime(s), bem como de prevenção geral e especial”.
34. De outra sorte, a douta decisão do Acórdão recorrido afirma ter tido “em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele. Por outro lado, ter-se-á de ter presente que toda e qualquer pena de prisão só é legalmente admissível quando se mostrar quantitativamente justa, ou seja, quando se revele consentânea com a culpa do agente e não se situe nem aquém nem além do que importa para obtenção do resultado devido, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele”.
E conclui: “A personalidade do arguido, tendo presentes os factos perpetrados e a respectiva conjuntura tudo permite concluir que a prática dos ilícitos não foi pluriocasional.
35. Não é ocioso renovar, para enfatizar a antinomia, que ambos os Acórdãos foram prolatados pelo Juízo Central Criminal de Penafiel – Juiz 3, e neles intervieram exatamente os mesmos juízes: a juíza presidente e Juízes adjuntos.
36. Conforme já observou, com arrimo no Acórdão do STJ de 20.04.2017, pronunciado no processo n.º 176/10.9IDBRG.S1, é impertinente a conclusão de excluir a pluriocasionalidade : é que também aqui há factos relativamente aos quais já intercorreram mais de 12 anos, e outros que, conquanto afastados no tempo entre si, assomam, no quadro temporal em que ocorreram (anos de 2007, 2008), num contexto de favorecimento generalizado e recíproco.
37. O relatório social de avaliação da personalidade do arguido mostra-se favorável ao cumprimento de uma pena na comunidade, sendo esse um dos critérios relevantes para a determinação da nova pena única. É ainda incontroverso que o arguido se encontra social, familiar e profissionalmente integrado. Além de empresário, exerce atividades de cariz social, sendo presidente de uma escola de música em ....
38. Na qualidade de empresário, em Portugal tem dezenas de trabalhadores (com a necessária extensão às suas famílias), dependentes do trabalho que desenvolvem na Sociedade de que o arguido é Administrador Único – essa sociedade está, pois, exclusivamente subordinada ao arguido; fora de Portugal, em países como a Espanha, o Chile, a Suíça, etc., a sua actividade empresarial também já é algo expressiva, pelo que são centenas as pessoas dependentes da atividade (e da liberdade) do arguido.
39. O crescimento da atividade empresarial do arguido é recente, fixando-se posteriormente a 2012 (há oito anos!), que constitui justamente o ano dos últimos factos aqui em apreciação.
40. No que toca à adequação da pena, se há que integrar no cúmulo jurídico uma pena de 3 anos de prisão efetiva, interessava não preterir, de pronto, que ela se reporta a factos praticados entre 2007 e 2008, ou seja, trata-se de factos ocorridos num período já bastante distante no tempo; de outro lado, instava prelevar que, por factos praticados posteriormente, logo com uma proximidade maior no atinente ao juízo de prognose póstuma, o Tribunal concluiu pela suspensão da execução da pena de prisão (cf. o acórdão de 13/03/2019, proferido no processo n.º 2331/18.4T8PNF, no qual foi efetuado o cúmulo jurídico e foi aplicada a pena única de 5 anos de prisão, suspensa na execução) – é, pois, inobjetável que a situação atual do arguido apenas se articula com a certeira e judiciosa fundamentação do Acórdão de 13/03/2019 (veja-se a conclusão n.º 35), pelo que não devia ter sido feito apelo a excogitações mais afastadas no tempo e, por isso, atópicas e desactualizadas

B.3.1.5) Da medida da pena no novo cúmulo jurídico – admissibilidade de aplicação de uma nova pena única igual ou inferior à determinada no cúmulo jurídico anterior (ou seja, no processo n.º 2331/18).
41. A doutrina e a jurisprudência têm estabelecido que não se firma caso julgado no que tange à pena única conjunta fixada no cúmulo jurídico anterior; diante disso, no alinhamento de um cúmulo jurídico superveniente, é, pois, admissível e aceitável a fixação de uma pena única conjunta igual ou até inferior à pena anteriormente fixada em condições específicas – é justamente o que ocorre com o caso dos autos.
42. Fixar a pena única em 6 anos, quando, no processo 2331/18.4T8PNF, em 13/03/2019, se fixara, no cúmulo jurídico das penas impostas em todos os demais processos (afora o processo n.º 101/11), a pena única de 5 anos, é desautorizar a interpretação do artigo 79.º do Código Penal, no entendimento ajustado, ad exemplum, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-05- 2010, porquanto tratou-se, apenas e só, de integrar factos praticados entre 2007 e 2008, período temporal já abrangido no anterior cúmulo, o que traduz a violação do regime dos artigos 30.º e 79.º do Código Penal.
43. Em termos de justiça equitativa, convém ainda apontar um caso jurisprudencial ilustrativo: num determinado processo, apesar de as razões de prevenção geral e especial surgirem acrescidas, em vista da natureza especialmente relevante dos bens jurídico-penais tutelados (mais relevantes porque puníveis com molduras penais mais elevadas), como sejam a vida e integridade física, e por factos praticados entre 2001 e 2010, que vão de homicídio tentado, passando por ofensas à integridade física, detenção de arma proibida e desobediência, vale recordar que o arguido, que registava períodos de alcoolismo em “contexto recreativo”, foi condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão e 90 dias de multa, à taxa diária de €6,00 – ver o Acórdão da Relação de Guimarães de 10 de outubro de 2011, exarado no processo 99/09.4GBFLG.G1.
44. Igualmente no parâmetro da justiça equitativa – mas agora na órbita dos crimes fiscais –, atente-se na pena de cinco anos de prisão aplicada ao principal arguido, condenado pelo Juízo Central Criminal do Porto no caso conhecido por “...”, no qual estava em causa um prejuízo para o Estado/Autoridade Tributária que se cifrou em 7,3 milhões de euros (bem superior ao valor em causa nos presentes autos), em condutas de faturas falsas empreendidas entre 2010 e 2015 no giro comercial do grupo têxtil “...” (processo n.º 189/12.6TELSB, sem acórdão publicado).
45. Nada obstava, assim, à fixação de uma pena única de 4 anos e 6 meses de prisão [ou, quando muito, no referencial que seria a pena do anterior cúmulo de 13/03/2019 (5 anos de prisão, suspensa na execução], contanto que se considerasse efetivamente, como no douto acórdão se sinalizou, que, no que afeta à personalidade do arguido, este “se encontra social e familiarmente integrado. Além de empresário, exerce atividades de cariz social, sendo presidente de uma escola de música em ...”.
46. Para essa fixação, também é apropositado contextualizar o quadro económico em que ocorreram os factos imputados – os primeiros sobrevieram mais de dez anos antes da censura penal! – e a preocupação tida pelo arguido, que jamais se alheou dos efeitos no tecido social ; pelo contrário: tentou recuperar a sua atividade, mediante a criação de postos de trabalho, e ressarcir, tanto quanto possível, o dano ocasionado aos lesados, maiormente ao Fisco, com a intervenção em mercados estrangeiros, conforme, aliás, continua a fazer, nos termos que lhe foram prescritos e com a latitude temporal permitida.
47. De outra parte, no momento atual e numa situação económico-financeira como a vigente, em que se impõe o afastamento das situações de carência de colaboradores e de minimização de contributos para os réditos/lucros/vantagens do País, a pena de prisão efectiva consubstanciaria uma sanção, sobremodo, impertinente não só para o arguido mas também para os trabalhadores que deste dependem.
48. Consequentemente, sob pena de erro de interpretação e aplicação do regime dos artigos 30.º, 50.º e 70.º e 71.º do Código Penal, a pena única – a fixar, no limite, em 5 anos de prisão – deve ser suspensa na sua execução, sob a condição de ressarcimento, de resto como já foi imposto em anteriores condenações englobadas no cúmulo; isso porque, de um lado, a sanção deve ser orientada ainda pela recuperação social do delinquente, e, de outro lado, trata-se de ilícitos em que se pretende fomentar o ressarcimento ou a reposição da verdade tributária, com o animus de evitar que “o crime compense”, sendo, por isso, adequado que as necessidades de prevenção especial sobrelevem as de prevenção geral – conforme, aliás, o itinerário axiológico que foi cursado no processo n.º 2331/18.4T8PNF, de 13.03.2019 (ver, novamente, a conclusão 35).
49. A decisão recorrida teve presente a referência de que, ao englobar a sanção imposta no processo n.º 101/11, não podia postergar, pelo menos a título de amparo argumentativo, hermenêutico e teleológico, a pena única aplicada, no anterior cúmulo jurídico, por crimes da mesma natureza, de cinco anos de prisão, mas suspensa na sua execução: “Assim, haverá in casu que fixar-se uma pena unitária, cumulando juridicamente as penas parcelares em concurso. E uma vez obtida a pena única, ou esta é superior a 5 anos de prisão, inviabilizando legalmente a suspensão da sua execução (vd. primeira parte do n.° 1 do art. 50.° do Código Penal) ou é inferior, permitindo-o”.
Contudo, o acórdão recorrido agravou a pena unitária aplicada, que passou para 6 anos, e, assim, evitou ponderar a suspensão.
50. Sucede que, como é entendimento jurisprudencial e doutrinário, qualquer pena unitária anterior não constitui o “ponto de partida” para essa operação – cf. Ac. STJ de 23/3/2017, Proc. 804/10.6PBVIS.C1, Rel. Maia Costa –, pois o que importa é a “consideração global dos factos e da personalidade [que] poderá conduzir a um juízo mais favorável sobre a personalidade do arguido”. IV - Uma vez que o limite mínimo da moldura é constituído pela pena parcelar mais elevada, e não pelo cúmulo mais grave, a nova pena conjunta pode ser igual ou mesmo inferior a este” - cf. também os acórdãos do STJ de 31/10/2007 (Proc. n.º 3268/07) e de 10/01/2008 (Proc. n.º3184/07), citados pelo Conselheiro Artur Rodrigues Costa no estudo referenciado supra, e os acórdãos do STJ de 10-01-2008 e 06-11-2008, relatados pelo Conselheiro Simas Santos, já referenciados em nota de rodapé.
51. Tudo isso deve ser atendido na oportunidade da decisão de aplicação e determinação da medida da pena, conforme se extrata duma pertinente nota na mais recente edição da Revista de Legislação e Jurisprudência (ano 149, pág. 268, nota 45), que permite distinguir que a pena tem que ver com um facto “diferente do facto material”, a determinar justamente no momento da decisão: “Dito de outro modo: a questão da determinação da medida da pena é uma questão eminentemente prática. Cabe ao magistrado judicial a concretização do substrato da medida da pena – ou, como já defendi, de um «tipo de medida da pena» ou «facto para efeito da medida da pena» […] nota 45: […] “A determinação da medida privativa…”, págs. 646 e 647, onde se salienta que o «facto» que está em causa apreciar «para efeitos de determinação da medida da pena é outro, cujo sentido, alcance/delimitação se origina ao nível da pena, diferente do facto «material», «substantivo».
52. “Com o que se destaca que o momento temporal da sua consideração, para efeitos de determinação da medida da pena preventiva, é o da decisão judicial” – cf. Anabela Miranda Rodrigues, Medida da pena de prisão – desafios na era da inteligência artificial, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 149, pág. 268 e nota 45.
53. Assim, atender à medida da pena aplicada num primeiro cúmulo jurídico como ponto de partida e limite mínimo para um segundo cúmulo, em conhecimento superveniente do concurso, seria sempre interpretar o conjunto normativo composto pelos artigos 40.º, 70.º, 71.º, 77.º n.º 1, e 78.º do Código Penal, de forma materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 27.º, n.os 1 e 2, e 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
54. Ora, no caso sub examine, verifica-se que, apesar de ter sido fixada, em outubro de 2017, no processo n.º 101/11, uma pena de prisão efetiva, a sancionar uma fraude fiscal, isso não obstou a que, de modo absolutamente certeiro, no ensejo da prolação do douto acórdão proferido no processo 2331/18.4T8PNF (transitado em 29-04-2019), ao englobar ilícitos atinentes também a fraude fiscal, o tribunal tenha enveredado pela pena substitutiva de prisão suspensa na sua execução.
55. Citando as supraditas doutas decisões dos tribunais superiores, apresenta-se linear que se “mostra(va) desnecessária a agravação da pena anterior”, pois “dado o tempo decorrido desde a prática do facto e o desenvolvimento da personalidade do agente se mostrar desnecessária a agravação da pena anterior […], sendo que este conhecimento de mais infracções pelo agente constituirá o elo perdido entre condutas permitindo estabelecer uma clara e franca pluriocasionalidade”.
56. Atente-se ainda nas subsequentes particularidades:
- as condenações em tela respeitam a factos muito afastados, no tempo, entre si – factos de 2004 e 2007 ou 2010; em relação à condenação decretada no processo n.º 46/09, anote-se que passaram 16 anos (!!) sobre a data da prática, ou seja, um hiato bem superior ao normal tempo de prescrição;
- conforme deflui da própria decisão recorrida, houve condenações que ocorreram na mesma data e no mesmo tribunal (como é o caso dos NUIPC 25/14.9T9MCN e 61/13.2IDPRT, ambos com Acórdão no mesmo dia e ambos transitados em julgado em 30.11.2016), sem que isso tenha alertado para que a personalidade pudesse ter sido analisada em conjunto;
- o tipo penal a que os factos se subsumem é substancialmente coincidente: ao passo que os processos n.º 61/14, 46/09, 12/11 e 101/11 têm que ver com a lesão da verdade fiscal, a matéria versada no processo n.º 25/14 concerne ao engano na disposição de parte de determinado património; e
- configuram-se situações em que há conexão objetiva de factos, com reflexo, pelo menos, em termos de culpa: assim, se os factos analisados no processo n.º 12/11.9IDPRT foram praticados em 2007, 2008 e 2009, no processo n.º 101/11.0IDPRT examinaram-se factos que ocorreram entre 2007 e 2008; acresce a reciprocidade de atuações e condições de temporaneidade que não podem ser desprezadas (veja-se que, como decorre do próprio Acórdão, no reduto da fundamentação, p.ex., a sociedade L..., que, no processo n.º 12/11, figura como destinatária/beneficiária de faturas, é a mesma que, por sua vez, no processo n.º 101/11, aparece como emitente de faturas, num caso e noutro com a finalidade de influenciar a matéria tributável para efeitos de IRC, num dado ano fiscal).
57. Na douta decisão recorrida, a propósito da fundamentação da condenação proferida no processo n.º 101/11.0IDPRT, também se lê o seguinte: “Em data não concretamente apurada, mas necessariamente anterior a Janeiro de 2007, o arguido AA ciente dos avultados proveitos que lhe poderiam advir do não pagamento de prestações tributárias, decidiu obter vantagens fiscais indevidas para a sociedade I ... através da dedução integral em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas - IRC, de montantes suportados em facturas referentes a prestações de serviços que não foram efectivamente prestados. Nessa sequência, o arguido AA solicitou a colaboração, para a prática dos factos acima descritos”. Ora, relativamente aos delitos fiscais, importa não olvidar o regime punitivo mais favorável da continuação criminosa: “[quando não seja] difícil concluir pelo cumprimento de algumas das exigências legais quanto à continuação criminosa: a exigência da «execução por forma essencialmente homogénea» e [traduz-se n]a «realização plúrima do mesmo tipo de crime“ – cf. o acórdão da Rel. Porto proferido no processo 3216/12.3IDPRT.P1, que cita doutrina (Doutora Susana Alves de Sousa) e os acórdãos do STJ de 12 de Outubro de 2000 e de 20 de Junho de 2001, como de 27 de Maio de 2002 e de 29 de Janeiro de 2004.
58. A consideração dessa atenuação, no caso, aparece fortemente reforçada quando se analisa, a simile, o posicionamento do aludido Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 20.04.2017 (processo n.º 176/10.9IDBRG.S1). E ainda a opção dos julgadores, no processo 2331/18.4T8PNF (os mesmos julgadores da decisão de que ora se recorre), que, não obstante ter sido aplicada, cerca de um ano antes, uma pena de prisão efetiva, fixaram ao aqui arguido uma pena única conjunta de cinco anos de prisão, suspensa na execução, mediante a condição de pagar 1250 € por mês para liquidar a quantia global de 866.970,86€, dos quais 79.266,40€ se destinam à sociedade francesa P... e 787.704,46€ são reservados para o Estado.
59. Tudo isso o arguido tem vindo a cumprir, a que se adiciona a manifestação de ressarcimento integral por parte da sociedade assistente P..., ut já assinalado.
60. Há, por conseguinte, uma translúcida preocupação de ressarcimento, o que, como facto posterior à prática do crime – e, no caso da P..., como facto posterior à condenação, mas antes do trânsito em julgado –, não pode deixar de ser considerado relevante para a medida da pena – cf. artigo 71.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal.
61. Esse elemento foi (des)considerado na douta decisão recorrida, no seguinte trecho: “os pagamentos, entretanto levados a efeito - mas que face à sua situação socioeconómica apurada se apresentam bem inferiores às suas reais possibilidades”.
62. Todavia, além de não se ter dado como assente desde quando aufere o arguido o rendimento que lhe é atribuído, não se divisa como pôde ser desvalorizado o montante que ele efetivamente entregou, tanto quanto é certo que o valor mensal fixo, determinado aquando da condenação no processo 2331/18 e com prazo temporal determinado (cinco anos), correspondia a 1.250€.
63. Não se pode intermisturar o valor que o arguido devia pagar para manter a suspensão da execução da pena de prisão (os referidos 1.250€) [cf. ainda o artigo 55.º do CP] com o valor que lhe cabia pagar até ao fim do prazo da suspensão, para reparar os prejuízos causados a terceiros pela prática dos crimes.
64. Vale nitidizar que o arguido, sujeito a uma pena suspensa sob condição de reparar o prejuízo causado pelo crime, pode e deve fazê-lo (reparar esse prejuízo) até ao término do prazo da suspensão, aplicando-se, se necessário, no momento apropriado, o regime do artigo 55.º e seguintes do Código Penal, o que pode determinar a revogação da suspensão da pena, na pressuposição de ocorrer um incumprimento culposo, ou a extinção da pena, na hipótese de ser cumprida a condição ou de o incumprimento parcial eventualmente verificado não se representar culposo.
65. Mostra-se, por isso, inteiramente friável, desarrazoada e inconexa a referência à exiguidade dos pagamentos para ressarcimento de lesados e à situação económica do arguido que se lê na decisão recorrida, quando ele se encontra a cumprir, rigidamente, a condição de suspensão da pena e está ainda dentro do horizonte temporal para ressarcir os lesados.
66. Porém, sempre se aporta que a pretensa parcimónia nos pagamentos está, neste momento, definitivamente detonada com o total ressarcimento declarado nos autos pela ofendida P..., sendo certo que o montante em causa, objeto de reparação, se prefigura supinamente significativo – essa circunstância evidencia, igualmente, o traço idiossincrático do arguido, que tem vindo a desenvolver e continuará a desenvolver um esforço sério de reparação dos lesados.
67. À vista do exposto, também aqui por erro de julgamento, na interpretação e aplicação do regime do artigo 55.º e seguintes do Código Penal, a decisão recorrida se mostra claramente eivada e, ipso facto, não pode subsistir na ordem jurídica.

B.3.1.5) Finalidades de prevenção geral e especial alcançadas com a pena de prisão suspensa na sua execução, condicionada ao pagamento da prestação tributária em falta.
68. Em termos de prevenção geral e especial, pelo que tange aos ilícitos fiscais, é inconcusso que a Lei privilegia, no fulcral, a reposição da verdade tributária, em detrimento da aplicação de penas de prisão efetiva, sendo essa a prática que tem sido adotada pelo DCIAP, que favorece a “reposição da verdade tributária” em vez da aplicação de penas de prisão efetivas.
Veja-se então: o regime de “dispensa de pena”, pela via da suspensão provisória do processo (cf. o caso Operação ... ou caso ...); o regime do RERT (Lei n.º 39-A/2005 – capítulo III – artigo 5.º - regularização tributária de elementos patrimoniais colocados no exterior - artigo 4.º, repetido no artigo 4º, nº1, b) da Lei nº3-B./2010, de 28.04; e o regime de suspensão da pena previsto do artigo 14.º da RGIT. No mesmo diapasão, cf. ainda o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2012.
69. É absolutamente firme que o arguido se encontra a cumprir o ressarcimento dos lesados, que consolida a condição de suspensão da execução da pena fixada no processo n.º 2331/18, sendo, ademais, inequívoco que, no figurino desse processo, se encontra em prazo para o fazer, na totalidade, no que se refere ao Estado/Autoridade Tributária, interessando realçar, novamente, que a assistente P... já nada tem a reclamar e que, em articulação, se declarou integralmente ressarcida.
70. Na medida da pena única, deflui do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/05/2019 um escólio totalmente certeiro. Com prevalência, aí se expendeu, inter alia, o seguinte:
IX - A determinação da medida concreta da pena única deve atender, como qualquer outra pena, aos critérios gerais da prevenção e da culpa (art. 71.º, do CP); e ainda a um critério especial: a consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente, na sua relação mútua, agora reavaliada à luz do conhecimento superveniente dos novos factos (citado art. 77.º, n.º 1, do CP). Ao tribunal impõe-se uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto, e não enquanto mero somatório de factos desligados, na sua relação com a personalidade do agente, neles revelada.
X – […]. São pois avaliações diferentes de factos diferentes (porque a parte não se confunde com o todo), não havendo por isso dupla valoração das mesmas circunstâncias.
XI - A determinação da pena única, quer pela sua sujeição aos critérios gerais da prevenção e da culpa, quer pela necessidade de proceder à avaliação global dos factos na ligação com a personalidade, não é compatível com a utilização de critérios rígidos, com fórmulas matemáticas ou critérios abstratos de fixação da sua medida. Como em qualquer outra pena, é a justiça do caso que se procura […]
71. Pelo tocante à determinação da medida concreta da pena que se adeque ao comportamento do arguido, deve atender-se à culpa do agente deve atender-se à culpa do agente e às exigências de prevenção de futuros crimes, não podendo a medida da pena ultrapassar a medida da culpa (cf. os artigo 40.º, n.º 2, e 71.º, ambos do Código Penal). De outro lado, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e o tribunal deve atender, na determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.
72. No âmbito das exigências de prevenção, incluem-se as vertentes da prevenção geral, negativa e positiva, e da prevenção especial.
73. Os fins das penas só podem ter natureza preventiva – seja de prevenção geral, positiva ou negativa, seja de prevenção especial, positiva ou negativa –, e não natureza retributiva.
74. Verifica-se aqui o seguinte: as penas parcelares, estão, globalmente, longe do seu limite máximo; a natureza dos factos é, em qualquer dos casos, de origem patrimonial e sobretudo fiscal; a personalidade do arguido desvela uma pluriocasionalidade da prática de ilícitos num período específico e bem delimitado da sua vida; e, de forma terminante, desde 2012 não existe nada de ilícito, formal ou material, que se possa imputar ao arguido.
75. Diante disso, em face das penas parcelares aplicadas, do conjunto dos factos provados, do valor global do imposto em dívida, das circunstâncias envolventes dos ilícitos e da personalidade positiva e proativa do arguido, conforma-se aceitável que a pena única seja fixada entre 4 anos e 6 meses e 5 anos de prisão.

SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
76. Em face da pena de 5 anos, apenas importa aqui refletir a pena de substituição correspondente à suspensão da execução da pena, devendo atender-se aos seguintes particularismos:
– o arguido mostra-se, em termos adequados, inserido social, familiar e profissionalmente; os factos conformam uma situação de descontrolo, temporário e transitório, na vida do arguido, que se acha perfeitamente delimitada e contextualizada; de forma decisiva, a conduta do arguido posterior aos últimos factos, datados de 2012, ocorrendo que, nesse particular, na esfera da criminalidade, nada de ilícito cabe registar;
– o arguido continua a cumprir, sem quebramentos, a injunção de pagamento que lhe foi imposta, sendo certo que no tópico alusivo aos crimes fiscais se requisita, sobretudo, “que o crime não compense” ;
– a assistente P... manifestou-se já integralmente ressarcida, declarando nada tendo a opor à extinção da pena (e, por maioria de razão, à suspensão global da pena) ;
– a personalidade do arguido evidencia que ele pretendeu e pretende colaborar, para assumir os seus deveres perante a justiça ; conforme o Tribunal já sobreluziu no cúmulo jurídico antecedente, o arguido “está a fazer um esforço efetivo para adequar o seu percurso profissional/empresarial de forma normativa e bem assim para assegurar no essencial as condições impostas nas penas cumuladas” ;
– e a existência de antecedentes criminais não constitui, em face do descrito circunstancialismo, suficiente fundamentação para a decidida não substituição da pena de prisão.
77. A estabilização das expectativas comunitárias e a ressocialização do arguido não demandam a aplicação de uma pena de prisão efetiva; articulam-se, antes, com a concessão da uma oportunidade de ressocialização em liberdade;
78. A aplicação de uma pena de prisão efetiva representaria uma preterição absoluta das expectativas de ressocialização do arguido e iria corporificar uma nítida retrogressão no respetivo plano de reajustamento social;
79. O propósito da estabilização das expectativas comunitárias, que as penas pretendem salvaguardar, e os princípios ordenadores dos fins das penas, sobretudo no quadrante reintegrador do agente, ficariam, assim, totalmente turbados pela punição excessiva, correspondente à prisão efetiva de um arguido integrado e bastante valioso em termos sociais;
80. A prisão efetiva consubstanciaria uma violação do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, pois que seria manifestamente desproporcionada em relação aos fins de prevenção especial e geral, requisitados pelo caso concreto;
81. As considerações de prevenção especial de socialização recomendam, pois, a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de tempo correspondente à pena aplicada, condicionada ao pagamento do imposto em dívida.
82. Conclui-se, assim, por ser justo, adequado, equitativo e razoável, que a censura do facto e a ameaça da pena são bastantes para afastar o arguido da delinquência e satisfazer as necessidades de reprovação e de prevenção, geral e especial, do crime.
83. O Tribunal a quo, ao decidir nos termos em que o fez, violou o estabelecido nos artigos 30.º, 40.º, 50.º, 53.º, 55.º, 57.º, 70.º, 71.º, n.º 2, alíneas a) e e), 72.º, n.º 2, alínea d), 77.º e 78.º, do Código Penal, artigo 14.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, e 27.º, n.os 1 e 2, 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
Termina pedindo seja julgado provido o recurso e, em consequência, seja revogada o acórdão recorrido e substituída por outra que em cúmulo jurídico, aplique ao arguido uma pena de prisão, suspensa na sua execução, sob condição a determinar pelo critério deste Tribunal, ao abrigo dos artigos 50.º do Código Penal e 14.º do RGIT.

iii. O recurso, em 24/11/2021, foi admitido.
iv. A este recurso não foi apresentada resposta.[1]
v. Já neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto, a 25/01/2022, limitou-se, nos termos previstos no art. 416º/2 do Cód. de Processo Penal, a declarar haver tomado conhecimento do recurso, tendo em consideração que o arguido veio, em sede de petição de recurso, requerer a realização de audiência nos termos do art. 411º/5 do Cód. de Processo Penal.
vi. Em 30/03/2022 teve lugar a requerida audiência
*
Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.
*
II. APRECIAÇÃO DO RECURSO
O objecto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são designadamente os vícios do acórdão previstos no art. 379º ou no art. 410º/2, ambos do Cód. de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995).
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – cfr. arts. 403º, 412º e 417º do Cód. de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 (proc. 91/14.7YFLSB.S1)[2], e de 30/06/2016 (proc. 370/13.0PEVFX.L1.S1)[3]. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina o Professor Germano Marques da Silva, em “Curso de Processo Penal”, Vol. III (2ª edição, 2000, fls. 335), «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

A esta luz, as questões a conhecer no âmbito do presente acórdão são as de apreciar e decidir sobre:
1. se o acórdão recorrido padece do vício de omissão de pronúncia no que respeita à extinção, pelo cumprimento da pena parcelar aplicada no processo nº 12/11.9IDPRT ;
2. se há erro de julgamento, nos termos do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal, nomeadamente quanto ao facto tido por provado no ponto 31. do acórdão recorrido;
3. se deve ser alterada a pena única fixada ao arguido ;
4. se a pena única fixada em resultado da alteração propugnada deve ser suspensa na respectiva execução.

Vejamos.
Comecemos por fazer aqui presente o teor da decisão recorrida:
«Acordam os juízes que compõem o Tribunal Colectivo:
Nos autos com o nº101/11.0IDPRT, deste Juízo Central Criminal de, por acórdão de 4 de Outubro de 2017, transitada em julgado a 9 de Maio de 2019 foi o arguido,
AA(…);
Condenado pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada p. e p. pelos arts. 2º, n.º4, 14º, 26º e 30º, nº1, todos do Código Penal, 103º, nº1, al. a) e 104º, nº1, al. a) e 2 do RGIT na pena de 3 (três) anos de prisão efectiva.
Conforme resulta do respectivo CRC, o arguido praticou outros crimes, os quais, atentas as regras da punição do concurso e do seu sobrevindo conhecimento (expressas nos artºs 77º e 78º do Código Penal), estão numa relação de concurso relevante ao nível da punição.
Assim, cumpre proceder a novo cúmulo jurídico que englobe todas as penas relativas aos crimes em concurso, abarcando a decisão nestes autos proferida, tendo em conta, para além dos preceitos já mencionados, o que se dispõe nos artºs 471º e 472º do Código de Processo Penal, sendo este o Tribunal competente para o levar a efeito – art.14º, nº2, al. b) do C. P. Penal.
*
Não há nulidades, excepções ou questões prévias a conhecer.
*
Foi realizada audiência de julgamento, com observância das legais formalidades.
O arguido indicou testemunhas.
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Resultam assentes com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:
1. O arguido foi julgado e condenado, por acórdão de 15 de Março de 2016, transitado em julgado a 30 de Novembro de 2016, no processo nº25/14.9T9MCN, deste Juízo Central Criminal (Penafiel-Comarca de Porto Este), J3, nas penas de 1 (um) ano de prisão pela prática de um crime de falsificação p. e p. pelo art. 256º, nº1, al.e), do Código Penal e 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de burla qualificada p. e p. pelos arts. 217º, nº1, 218º, nº2, al. a), por referência ao art. 202º, al. b) do mesmo diploma legal, e em cúmulo jurídico na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, que se suspendeu na sua execução por igual período, suspensão acompanhada de regime de prova mediante a imposição de um plano individual de readaptação social, a elaborar pelos serviços de reinserção social e subordinada ao dever de o arguido AA, no prazo de 40 (quarenta) meses, com inicio no mês subsequente ao do trânsito da presente decisão, proceder ao pagamento da quantia de €79.266,40 fixada a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos pela assistente, em prestações mensais, iguais e sucessivas pelos factos a seguir enunciados:
A ofendida “P...”, com sede em França é uma empresa que se dedica ao fornecimento de materiais de construção.
No âmbito da sua actividade, a empresa ofendida forneceu diversos materiais de construção à empresa arguida, mediante o pagamento de preço que contudo não procedeu ao pagamento de todos os bens que a aquela forneceu.
Assim, em data não concretamente apurada, mas em Novembro de 2012 e após o dia 14, o arguido AA, na qualidade de administrador único da arguida “I2 ..., SA”, sempre em seu nome e no seu interesse, com a intenção de convencer a ofendida “P...” a continuar a fornecer-lhe bens sem exigir o imediato e correspondente pagamento, entregou pessoalmente a BB, funcionário da ofendida, no seu gabinete, sito em ..., ... (...), França, documento intitulado “garantia bancária” que sabia ser forjado, com o número ..., e o valor aposto de 120.000€ (cento e vinte mil euros) a favor da ofendida, e indicação de ter sido prestada pela Banco 1... e a data de 14-11-2012.
Acreditando que o documento indicado constituía uma garantia bancária, que só mais tarde se veio a saber não ser verdadeira, a sociedade ofendida continuou a fornecer mais materiais de construção, entre 14 de Novembro de 2012 e 20 de Janeiro de 2013 sem contudo continuar a receber o correspondente e justo preço, no montante de pelo menos 79.266,4€ (setenta e nove mil duzentos e sessenta e seis euros e quatro cêntimos). Com esta conduta, o arguido, em nome e no interesse da sociedade que representava, causou à sociedade ofendida o prejuízo patrimonial, correspondente ao valor dos materiais fornecidos a coberto da aludida garantia; o arguido AA, por si e em nome e no interesse da sociedade que representava, sabia e quis adoptar tal comportamento, bem sabendo que causava prejuízo à assistente e com a específica intenção de obter, para a sociedade arguida e para si, um enriquecimento ilegítimo; e, usando uma garantia bancária que sabia ser falsa, no valor de 120.000€, o arguido actuou com intuito de obter os materiais de construção fornecidos sabendo que não podia assegurar o seu pagamento através de tal garantia.
O arguido por si e em representação da sociedade que representava enganou assim a assistente P..., logrando obter, conforme se propôs, um benefício para si e para a sociedade que representava e que sabia ser ilegítimo, à custa do património daquela, a quem causou um prejuízo de pelo menos igual valor ao dos materiais fornecidos, após a prestação da garantia, e não pagos, no indicado montante. Ao usar o aludido documento que intitulou de garantia bancária, nos moldes supra descritos, o arguido por si e, em representação da sociedade representada quis atentar contra a segurança e confiança no tráfico jurídico, agindo deliberada e conscientemente, querendo produzir o resultado que de facto produziu, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e punível por lei. Os bens fornecidos foram-no no pressuposto de que a intitulada garantia bancária era verdadeira e capaz de assegurar o pagamento dos materiais que a lesada ia fornecendo.
2. Por acórdão de 15 de Março de 2017, transitada em julgado a 2 de Novembro de 2017, no processo nº 61/13.2IDPRT [4], deste Juízo Central Criminal (Penafiel-Comarca de Porto Este), J1, pela prática, como autor material, e em concurso efectivo, de um crime de abuso de confiança fiscal qualificado p. e p. pelo artigo 105º, nºs 1 e 5 com referência aos artigos 6º e 7º, todos do todos do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e como co-autor material de um crime de fraude fiscal qualificada previsto e punido pelos artigos 103º e 104º, nº 1 e 2, com referência aos artigos 6º e 7º, todos do RGIT, nas penas de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão e 3 (três) anos de prisão e em cúmulo jurídico na pena única de 4 (quatro) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo e sob condição de pagar ao Estado/administração Fiscal o valor total de 720.856,76€, no aludido prazo, impondo-se desde já e imputando-os àquele montante, o pagamento neste tribunal, de €500,00, a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão, devendo tais pagamentos ser efectuados por depósito autónomo pelos factos a seguir expostos:
O arguido AA é sócio e gerente da sociedade “G..., Lda.”, desde 22-10-2007. A referida sociedade tinha como objecto, além do mais, “construção civil.” Em virtude do efectivo exercício desta actividade, esta sociedade arguida é sujeito passivo de Imposto sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.), encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal de obrigação de declaração. Por força do funcionamento das regras próprias deste imposto – método do crédito de imposto – tal sociedade e o arguido em representação desta, é obrigado a liquidar imposto nas suas operações, isto é, a fazer incidir a taxa do imposto sobre os respectivos preços. A sociedade responsável e o arguido efectivamente liquidou, cobrou e recebeu IVA nos serviços que efectuou aos seus clientes, nos seguintes meses, todos de 2010: Outubro – 121.681,34€; Novembro – 33.285,25€; Dezembro – 142.005,5,57€; num total de 296.972,16€, detendo as quantias liquidadas que lhe haviam sido entregues por título não translativo da propriedade, e apenas com o fim de, por sua vez, as entregar ao Estado.
A partir de dado momento que não foi possível precisar, mas no decurso de 2010, o arguido AA, decidiu fazer suas e não entregar nos cofres da fazenda pública as quantias em dinheiro provenientes de I.V.A. por cada serviço que efectuasse.
Todavia, o arguido AA, em representação da sociedade arguida, não pagou. Até à data, e apesar de há muito terem expirado os prazos para entrega do imposto exigível e de terem decorrido já mais de noventa dias após o termo daqueles, o arguido AA não pagou.
Procedeu-se à notificação prevista no artigo 105º, nº 4, al. b) do RGIT.
O arguido AA, fez sua a quantia relativa ao imposto liquidado, na sua totalidade, no montante global de 296.972,16€, usando-a como própria. O arguido inverteu assim o título de posse em relação ao dinheiro e quantia que reteve ou recebeu e comportando-se em relação a ela como se fosse o seu legítimo proprietário, não obstante saber que aquela quantia não lhes pertencia e que actuava contra a vontade e em prejuízo do seu dono. Assim logrou a dita sociedade e o arguido enriquecer o seu património, na mesma e correspectiva medida em que empobreceu o património do Estado, dado que a quantia que lhe era devida não deu entrada nos seus cofres. Ao agir pela forma descrita, o arguido AA, em representação daquela sociedade, de que era sócio/gerente, agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que as quantias de que se apropriou a favor daquela não lhe pertencia, e apenas lhe haviam sido entregues a título temporário, com o fim de por sua vez as entregar ao Estado.
Assim, violou o arguido a relação de confiança derivada da cobrança, determinação e detenção do imposto, apropriando-se voluntariamente daquela quantia, sem qualquer causa justificativa da sua conduta. Ao proceder pela forma descrita, o arguido, agiu conscientemente e fê-lo sem qualquer causa justificativa, como representante da sociedade de que era sócio/gerente, exercendo de facto aquela função no período a que se reportam os factos. Agiu ainda livre e lucidamente, com a perfeita consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
O arguido AA é administrador da “I... S.L.”, tendo como objecto social, além do mais, construção civil. O arguido AA, agora na qualidade de gerente da “I... S.L.”, emitiu diversas facturas fictícias, uma vez que não correspondiam a qualquer transacção comercial ou prestação de serviços. Assim, nos anos de 2009 e 2010, o arguido AA emitiu 48 (quarenta e oito facturas), no valor total global de €1.611.743,05. O arguido AA, apesar de saber que as mesmas não eram verdadeiras, fez constar da sua contabilidade as aludidas facturas, registando-as e apresentando-as para efeitos de declaração de IRC. Por causa disso, a Administração Fiscal convenceu-se que as facturas eram verdadeiras e correspondiam a verdadeiras prestações de serviços. Contudo, tendo sido artificialmente elevados os custos, a arguida sociedade “G..., Lda.” que o arguido AA geria foi tributada em IRC em montantes inferiores aos legalmente devidos, o que acarretou prejuízos para a Administração Fiscal, referente ao ano de 2009 no montante de 239.651,60€ e em relação ao ano de 2010, o montante de 184.276,78. O arguido sabia que as mencionadas facturas não correspondiam a quaisquer prestações de serviços e que as mesmas se destinavam apenas a gerarem o correspondente aumento de custos para efeitos de diminuição de tributação em sede de IRC da sociedade “G..., Lda.”
Agiu de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção de conseguir uma vantagem patrimonial indevida para a sociedade “G..., Lda.” e, ao mesmo tempo, diminuir as receitas fiscais do Estado. Tinha, além disso, perfeito conhecimento que os seus comportamentos eram proibidos e punidos por lei.
Por decisão judicial proferida a 16.01.2013, transitada em julgado a 19.02.2013 foi a identificada sociedade declarada insolvente tendo sido encerrada por insuficiência da massa por decisão de 29.10.2015. Por decisão de 11.03.2016, transitada em julgado na mesma data foi declarado o encerramento da liquidação da dita sociedade no âmbito do procedimento administrativo de liquidação tendo a matrícula da sociedade arguida sido cancelada oficiosamente.
3. Por sentença de 19 de Janeiro de 2017, transitada em julgado a 14 de Maio de 2018, no processo nº46/09.3IDPRT, do Juízo Local Criminal de Amarante, Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este, pela prática de um crime de fraude fiscal p. e p. pelo art. 103º, nº1 e 104º, nº1, al. a) e d) e nº2 do RGIT o arguido foi condenado na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada ao dever de pagamento (em regime de solidariedade com o co-arguido) à administração fiscal no prazo de cinco anos da quantia de €61.940,00, acrescida dos acréscimos legais, pelos seguintes factos:
A sociedade “M... Lda”, é um contribuinte enquadrado em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral e tributado em IRC pelo Serviço de Finanças de Amarante, pelo exercício da actividade de “Comércio a Retalho de Combustíveis para Uso Doméstico”, a que corresponde o CAE .... CC era o seu sócio-gerente.
A sociedade “X... Unipessoal, Lda.” é uma sociedade por quotas, cuja quota única pertenceu a AA, NIF ..., que assumiu em conjunto com a sua esposa DD, NIF ..., as funções de gerência. A quota única foi alienada em Fevereiro de 2006 a favor do actual sócio e gerente EE. O aqui arguido, AA, era sócio-gerente da sociedade “X... Unipessoal, Lda.”. A sociedade “X... Unipessoal, Lda.”, na pessoa do seu representante legal e aqui arguido AA, não detinha quaisquer elementos respeitantes à sociedade, uma vez que esta havia alterado, em 2006 a sua sede para Lisboa, para a morada supra-referida, sendo, a partir dessa data, o seu legal representante, o aqui EE. Na nova sede da sociedade arguida existe um prédio com diversos andares e onde funcionam diversos consultórios médicos e de advogados, não existindo quaisquer instalações afectas ao exercício da sua actividade (construção de edifícios), sendo inclusivamente desconhecida no local. O seu novo gerente e aqui arguido EE possui nacionalidade ..., sendo que, desde 29-07-2004, possui autorização de residência em Portugal. Por outro lado, a sociedade, entre os anos de 2003 e 2005, teve um número reduzido de funcionários ao seu serviço, não detendo por isso capacidade para realizar os serviços inclusivamente em 2004. As sociedades declaradas como fornecedoras da arguida “X ...” não conseguiram identificar de um modo claro e objectivo, quais os locais e o tipo de serviços que realizaram para aquela.
A sociedade “X ...” facturou para diversos clientes dispersos por todo o país, o que implicaria da sua parte, uma estrutura susceptível de transportar a mão-de-obra utilizada (não só a nível de transportes como também de combustível, conservação, reparação, seguros, portagens, etc.), elementos que não estão revelados nos valores por si declarados. Por último, as facturas apresentadas não especificam, nem quantificam os serviços prestados, não tendo sido igualmente exibidos quaisquer orçamentos ou autos de medição, justificativos das obras efectuadas.
A sociedade “M... Lda” utilizou durante o exercício de 2004 facturas (…), as quais não correspondem a qualquer fornecimento ou prestação de serviços, pelo que os custos nelas subjacentes e o IVA neles mencionado foi considerado como indevidamente deduzido. Com efeito, à sociedade “M... Lda” não foram efectuadas as obras documentadas nas facturas, tais como reparação de telhados nem pavimentação do piso. As referidas facturas foram contabilizadas como custos para o exercício de 2004, influenciando os resultados apurados, quer para efeitos de IRC, quer para efeitos de IVA, que foi indevidamente deduzido. Assim:
Factura:Data Valor IVA Total
99431-10-2004€ 30.518,00
5.798,42
€ 36.316,42
101030-11-2004€ 64.580,00€ 12.270,20€ 76 850,20
101130-11-2004€ 80.965,50€ 15.383,45€ 96 348,95
101230-11-2004€ 15.600,00
2.964,00
€ 18.564,00
101530-11-2004€ 49.700,40
9.443,08
€ 59 143,48
104031-12-2004€ 10.400,00
1 976,00
€ 12 376,00
104131-12-2004€ 74.236,10
14.104,86
€ 88 340,96
4° T 2004 €326.000,00
61 .940,00
€387. 940,00

As facturas n.° ... de 30/11/2004 e n.° ... de 31/12/2004 no valor total de €26.000,00, foram contabilizadas pelo arguido como encargos directos para o exercício de 2004 e relevadas na conta “custos” associada à conservação e reparação de equipamentos.
As restantes facturas no valor total de €300.000,00, foram contabilizadas na conta “imobilizado” associada a gastos de reconstrução, tendo sido reflectidas no resultado líquido do exercício através das “amortizações contabilizadas” no valor de €500,00, resultante da aplicação da taxa de amortização de 2% ao valor do imobilizado.
Assim, houve de facto recurso a facturação falsa, que teve como objectivo a diminuição do lucro tributável declarado e a consequente diminuição do IRC a entregar ao Estado e a obtenção de uma dedução indevida de IVA relativamente ao exercício de 2004.
As facturas incluídas na contabilidade de “M... Lda” e emitidas pela empresa “X... Unipessoal, Lda.”, não correspondem a qualquer prestação de serviços efectiva. A arguida “M... Lda” ao contabilizar o valor das facturas em questão como custos verdadeiramente suportados e correspondentes a serviços efectivamente prestados pelo contribuinte acima referido, teve como objectivo, a obtenção de benefícios patrimoniais que sabia serem indevidos e que trariam um consequente prejuízo para os Cofres do Estado. No que concerne ao IVA, os valores das referidas facturas integraram a declaração periódica de IVA apresentada pela arguida à Administração Fiscal, relativamente ao 4º trimestre de 2004. Apesar de saber que aquelas não correspondiam a prestações de serviços efectivas. Na verdade, através das facturas falsas, a sociedade conseguiu aumentar o crédito de imposto a que já tinha direito. Este crédito tornou-se superior, precisamente através da utilização das facturas fictícias.
Assim, com a sua conduta, alterou o valor de IVA dedutível que deveria constar da declaração apresentada, aumentando-o, infracção, esta, cometida aquando da entrega da respectiva declaração periódica de IVA. Relativamente ao IRC a arguida declarou um lucro tributável de valor inferior ao real, através da contabilização nas facturas fictícias, de custos como verdadeiramente suportados e correspondentes a serviços efectivamente prestados, pelo emitente dessas facturas. Com este comportamento, visou o arguido a obtenção de benefícios patrimoniais que sabia serem indevidos e que trariam um consequente prejuízo para os Cofres do Estado.
Assim, em sede deste imposto, a vantagem patrimonial ilegitimamente obtida consiste no valor total de €61.940,00, em consequência da sua inclusão na declaração periódica de IVA relativa ao 4° trimestre de 2004. Os emitentes das facturas em questão, “X... Unipessoal, Lda.” e os seus representantes legais AA e EE, em comunhão de esforços e de meios, mediante um plano previamente gizado entre eles, facultaram à “M... Lda” e aos seus legais representantes CC, a obtenção dos benefícios patrimoniais ilegítimos, através da emissão de facturas que não titulavam transacções ou prestações de serviços reais, fazendo, ao introduzir os respectivos valores nas declarações periódicas de IVA, alterar o imposto dedutível, e nas declarações de rendimentos para efeitos de IRC, fazendo delas constar encargos inexistentes, tudo com o objectivo de defraudarem, como efectivamente defraudaram, a Fazenda Pública, e de obterem, como obtiveram, uma vantagem patrimonial ilegítima à custa do Estado. Agiram os mesmos de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei.
4. Por sentença de 3 de Julho de 2017 e acórdão da Relação do Porto datado de 31 de Janeiro de 2018, transitados em julgado a 14 de Fevereiro de 2018, no processo nº12/11.9IDPRT, do Juízo Local Criminal de Amarante, J1, Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com obrigação de pagar, no mesmo período, a quantia de €4.907,70, consubstanciada no montante devido nos autos à administração fiscal, pela prática de um crime de fraude fiscal p. e p. pelos arts. 7º, 103º, nº1, al. c) e 104º, nº1 e 2, da Lei nº15/01 de 5 de Junho (RGIT), pelos seguintes factos:
O arguido AA é quem toma as decisões necessárias ao normal funcionamento da sociedade I1 ... S.L., NIPC ..., sendo o respectivo gerente de facto e de direito, mesmo em altura que constava como tal FF (cuja identificação foi abusivamente utilizada por terceiro) tendo sede na Rua ..., ..., ..., Penafiel e tem por objecto social a construção civil e obras públicas, imobiliária, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos, para esse fim, montagem de trabalhos de carpintaria e caixilharia, actividade de serviços de carpintaria e marcenaria, comércio de materiais relacionados com a industria de Carpintaria, marcenaria e serração de madeiras, importação e exportação de madeiras e seus derivados, fabrico e fornecimento de obras de carpintaria para a construção e actividades de ar condicionado, aquecimento, ventilação, montagem e comercialização.
No exercício de 2007, nos elementos de escrituração da sociedade “L..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA” foram encontradas e contabilizadas duas facturas datadas de 31 de Janeiro de 2007, emitidas pela sociedade arguida “I1 ..., Unipessoal, Lda”, no valor de 14.846,70€ IVA incluído de 2.576,70€) e 13.431,00 (Iva incluído de 2.331,00), no montante global de 28.277,70€ (IVA incluído de 4.907,70€. As referidas facturas não correspondem a serviços efectivamente prestados.
A sociedade “L..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA”, titular do NIPC ..., era uma sociedade comercial por quotas , da qual era socio gerente de direito GG e gerente de facto HH, com sede na Rua ..., ..., Amarante, que tonha por objecto social a construção civil, obras públicas e actividades especializadas na montagem e armação de ferro para a construção civil.
A sociedade I1 ... S.L. dedica-se essencialmente à montagem de trabalhos de carpintaria, actividade incompatível com as operações descritas nas sobreditas facturas, relacionadas com prestações de serviços de “armação de ferro”.
Também não foram elaborados autos de medição relacionados com os trabalhos que constam destas facturas, não tendo sido possível identificar qualquer colaborador da identificada I ... que tenha participado nos trabalhos, os quais consistiram no mero fornecimento de mão-de-obra, tanto mais que esta ultima sociedade não tinha capacidade material e humana, própria ou subcontratada, para prestar os aludidos serviços.
A sociedade L... ao registar na sua contabilidade as mencionadas facturas que não titulavam qualquer operação levada a efeito pela sociedade que nelas figurava (I ...) obteve uma vantagem patrimonial ilegítima à custa do erário público deduzindo indevidamente IVA, relativo ao período de tempo e montante indicados.
O arguido AA foi quem entregou as aludidas facturas a HH, gerente de facto, da sociedade L..., actuando em conluio e de comum acordo com este e com o intuito de enganar, defraudar e de lesar patrimonialmente a Administração Fiscal, como veio a acontecer, tendo conhecimento da forma como funcionava a incidência fiscal e bem sabiam que, ao elaborar facturas cujos serviços não foram efectivamente prestados, estavam a induzir em erro a a mesma administração e por este meio, à custa do Estado e da comunidade contribuinte, estavam a obter benefícios fiscais indevidos e lesivos do erário público, como efectivamente aconteceu.
Agiu o arguido AA de modo livre, deliberado, consciente e concertadamente, em conjugação de esforços (com o gerente de facto da L...) e em representação da sociedade I... Unipessoal, Lda, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

5. Por acórdão proferido nestes autos com o nº 101/11.0IDPRT o arguido AA foi condenado por acórdão de 4 de Outubro de 2017 transitado a 9 de Maio de 2019, na pena de 3 (três) anos de prisão efectiva pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, pelos factos que a seguir se enunciam:
A arguida “G..., Lda.” é uma sociedade comercial por quotas, com sede na Rua ..., ..., ...; À data dos factos melhor infra descritos tal sociedade denominava-se primeiramente por I1 ..., Unipessoal, Lda, desde a sua constituição em 14-11-2006 até 31-12-2008, altura em que alterou o seu contrato de sociedade passando a denominar-se por “I... Unipessoal, Lda”, doravante designada por “I ...”.
O seu objecto social consistia na construção civil de obras públicas, promoção imobiliária, comércio e montagem de trabalhos de caixilharia e carpintaria e montagem e comercialização de ar condicionado, aquecimento e ventilação. Na sua qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais, a I ... era o contribuinte nº ... e encontrava-se colectada na Repartição de Finanças .... Tal sociedade teve a sua sede social nos seguintes locais:
- Rua ..., ..., ..., Penafiel, desde a constituição até 21-10-2006;
- Rua ..., ..., ..., Marco de Canaveses, de 22-10-2006 até 20-10-2010;
- Rua ..., ..., ..., Penafiel, de 21-10-2010 até 24-02-2011;
- Rua ..., ..., ..., desde 25-02-2011 até à data do registo de encerramento da respectiva liquidação.
A referida sociedade teve como gerentes inscritos as seguintes pessoas, nos períodos infra designados: FF, desde 14-11-2006 até 14-03-2007; II desde 15-03-2007 até 05-06-2007; o arguido JJ desde 06-06-2007 até 20-10-2007; o arguido AA desde 21-10-2007 até à data do encerramento da liquidação nos termos expostos.
O arguido AA, nos períodos de tempo indicados, era o responsável pela gestão diária da I ... competindo-lhe tomar as decisões relativas à gestão comercial e financeira daquela, incluindo as obrigações para com o Fisco; pagar salários aos vários trabalhadores empregues, competindo-lhe também a realização e contratação de obras e empreitadas, preenchendo e assinando as respectivas facturas pelos serviços prestados aos clientes da sociedade. E, bem assim, pelo preenchimento e entrega das respectivasDeclarações de Rendimentos (Modelo DC – 22) e Declarações Trimestrais/Notas de Apuramento relativas a IVA no Serviço de Finanças de Setúbal. Em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (I.R.C.), a I ... estava inserida no Regime Geral de tributação, pelo exercício da actividade de construção civil. No que toca ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.), tal sociedade encontrava-se enquadrada no Regime Normal de Periodicidade mensal.
A sociedade W..., Lda, doravante designada por W..., era uma sociedade comercial por quotas com sede na ..., lote ..., Vila Real. O seu objecto social consistia na execução de pavimentações, aplicação de rebocos projectados, estuques e outros materiais, serviços de sub-empreitadas, aluguer de máquinas e serviços de electricidade de média e alta tensão.
Na sua qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais, a W... era o contribuinte n.º ... e encontrava-se colectada na Repartição de Finanças de Vila Real. Em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (I.R.C.), estava inserida no Regime Geral de tributação, pelo exercício da actividade de construção civil. No que toca ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.), a sociedade arguida encontrava-se enquadrada no Regime Normal de Periodicidade trimestral.
Y... Unipessoal, Lda”, doravante designada por Y ... é uma sociedade comercial por quotas, com sede na Avenida ..., ..., ..., Marco de Canaveses.
Na sua qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais, a Y ... é contribuinte n.º ... e encontra-se colectada na Repartição de Finanças do Marco de Canaveses. O seu objecto social consiste na actividade de construção civil e obras públicas, a que corresponde o C.A.E. .... Em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (I.R.C.), está inserida no Regime Geral de tributação, pelo exercício da actividade de construção civil. No que toca ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.), a sociedade arguida encontra-se enquadrada no Regime Normal de Periodicidade trimestral.
KK consta na certidão de matrícula da Y ... como seu sócio gerente.
A sociedade “L..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA”, doravante designada por L..., era uma sociedade comercial por quotas, com sede na Rua ..., Amarante.
Na sua qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais, a L... era o contribuinte nº ... e encontrava-se colectada na Repartição de Finanças de Amarante. O seu objecto social consistia na construção civil e obras públicas, assim como actividades especializadas na montagem e armação de ferro para a construção civil, a que corresponde o C.A.E. .... Em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (I.R.C.), estava inserida no Regime Geral de tributação, pelo exercício da actividade de construção civil. No que toca ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.), a sociedade arguida encontrava-se enquadrada no Regime Normal de Periodicidade trimestral.
O arguido GG constava na certidão de matrícula respeitante à sociedade L... como o respectivo sócio gerente desde a sua constituição até à sua liquidação.
A sociedade V..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA, doravante designada por V... era uma sociedade comercial por quotas com sede com sede no lugar da igreja, em Amarante.
Na sua qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais, a V... era o contribuinte nº ... e encontrava-se colectada na Repartição de Finanças de Amarante. O seu objecto social consistia na construção civil, obras públicas edifícios e serviços de subempreitadas, a que corresponde o C.A.E. .... Em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (I.R.C.), estava inserida no Regime Geral de tributação, pelo exercício da actividade de construção civil. No que toca ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.), a sociedade V... arguida encontrava-se enquadrada no Regime Normal de Periodicidade trimestral.
A arguida “T..., LDA”, doravante designada por T ..., é uma sociedade comercial por quotas, com sede na Rua ..., ..., Penafiel.
Na sua qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais, a T ... é contribuinte nº ... e encontra-se colectada na Repartição de Finanças Penafiel. O seu objecto social consiste na construção civil, obras públicas edifícios e serviços de subempreitadas, a que corresponde o C.A.E. ...; Em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (I.R.C.), está inserida no Regime Geral de tributação, pelo exercício da actividade de construção civil. No que toca ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.), a sociedade arguida encontra-se enquadrada no Regime Normal de Periodicidade trimestral.
O arguido LL é o sócio gerente das sociedade T ... e foi-o também da V... desde a sua constituição até aos presentes dias, sendo o responsável pela sua gestão diária, competindo-lhe tomar as decisões relativas à gestão comercial e financeira daquela, incluindo as obrigações para com o Fisco, proceder ao pagamento de salários trabalhadores empregues, e bem assim, realizar e contratar obras e empreitadas, preenchendo e assinando as respectivas facturas pelos serviços prestados aos clientes da sociedade.
A sociedade “N..., Lda”, doravante designada por N..., era uma sociedade comercial por quotas, com sede na avenida ..., ..., Cacem;
Na sua qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais, a N... era contribuinte nº ... e encontra-se colectada na Repartição de Finanças de Almada. O seu objecto social consistia na construção civil e obras públicas, a que corresponde o C.A.E. ...; Em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (I.R.C.), estava inserida no Regime Geral de tributação, pelo exercício da actividade de construção civil; No que toca ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.), a sociedade arguida encontrava-se enquadrada no Regime Normal de Periodicidade trimestral.
O arguido MM constava da certidão de matrícula da sociedade N..., desde a sua constituição até 19-10-2009, como o respectivo sócio-gerente.
Em data não concretamente apurada, mas necessariamente anterior a Janeiro de 2007, o arguido AA ciente dos avultados proveitos que lhe poderiam advir do não pagamento de prestações tributárias, decidiu obter vantagens fiscais indevidas para a sociedade I ... através da dedução integral em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas - IRC, de montantes suportados em facturas referentes a prestações de serviços que não foram efectivamente prestados.
Nessa sequência, o arguido AA solicitou a colaboração, para a prática dos factos acima descritos, do arguido LL (este enquanto responsável pela sociedade V...) e bem assim de outras pessoas cuja identidade não foi concretamente apurada (no que tange a facturas emitidas pela W..., Y ... e N...), para que fossem emitidas, em nome e representação das identificadas sociedades, facturas que não correspondiam a serviços efectivamente prestados por estas últimas à I ....
No âmbito da referida decisão em circunstâncias e por pessoa não determinada foi emitida pela “W...”, a factura nº..., datada de 30 de Março de 2007 no valor global de €16.065,68 (correspondendo a base tributária a €13.267,50 e o IVA liquidado a €2.786,18);
Tal factura foi obtida a partir de uma série de impressos numerados seguida e tipograficamente fornecidos pela Z ..., Lda, NIPC ..., domiciliada no Lugar ..., ... - ... ... – PENAFIEL;
E ostenta no seu cabeçalho, entre outros, os seguintes dizeres: "W..., Lda, Lugar ..., ..., ... ..., Reg. Cons. Reg. Com. de Celorico de Basto, Sob o n. o 563/04..., Capital Social 50.000,00€" e refere-se a: 880,00 Execução de Ferro e Cofragem em Fundações, obra ..., Gaia" ao preço unitário de €9,00 e a "465,00 Execução de Corte, Moldagem e Aplicação de Ferro, Cofragem e Betonagem, Obra ..., Gaia" ao preço unitário de €11,50.
Sucede, porém, que por deliberação de 05-04-2006 a sede social da W... foi transferida para a ..., lote ... - 5000 VILA REAL;
A mesma factura foi emitida a partir de uma série de impressos numerados seguida, tipograficamente e com idêntica configuração e formato dos impressos que ao tempo eram utilizados pela I ... na emissão de facturas destinadas a clientes seus e, tal como estes últimos, fornecidos pela Z ..., Lda.
Por outro lado, no processo de emissão de facturas por parte da W..., não foi respeitado qualquer critério lógico e temporal, na verdade, a Factura N.º ..., que se encontrava em poder da I ..., tem data de 30/03/2007, quando um outro exemplar da mesma série, com o n.º 267, inscrita na contabilidade de sociedade diversa, está datada de 30/04/2007.
A W... por seu turno era uma empresa que esteve registada pelo exercício da actividade de "Revestimento de pavimentos e de paredes - CAE ...", que iniciou actividade a 28/09/2004, tendo sido cessada oficiosamente, nos termos do n.º 2 do art.° 34.° do CIVA, com efeitos reportados a 31/05/2007.
Não apresentou as declarações periódicas a que se referem os artigos 29.º e 41.º, ambos do ClVA, relativas aos períodos de imposto de 07-02 e 07-06 e seguintes, nem as declarações de rendimento e anuais de informação contabilística e fiscal relativas aos exercícios de 2006 e seguintes;
E nas declarações periódicas apresentadas pela W..., com referência ao período de imposto de 07-03 (P1-10... e P2-10...), isto é, no período de imposto em que foi emitida a Factura N.º ..., encontrada nos elementos de escrituração da I ..., a totalidade do imposto deduzido pela emitente foi mencionado no Campo 24 do Quadro 06 e em qualquer dos casos, aproxima-se por defeito do valor do imposto liquidado mencionado no Campo 04 do Quadro 06.
Por seu turno, constam da base de dados do Sistema de Informática Tributária (SIT) operações mencionadas por outros obrigados tributários no Anexo P às declarações anuais de informação contabilística e fiscal apresentadas com referência ao ano de 2007, identificadas com o NIPC: ... da W..., no montante (IVA Incluído) de €415.862,00 operações que por sua vez não foram declaradas por esta última empresa.
Ainda, no decurso do procedimento inspectivo levado a efeito a coberto da Ordem de Serviço 01201001373, um dos declarantes, reconhecendo a sua declaração tributária em termos declarativos e em matéria de imposto a entregar ao Estado, regularizou voluntariamente a sua declaração tributária em termos declarativos e em matéria de imposto a entregar ao Estado.
De entre trabalhadores mencionados nas Folhas de Remunerações apresentadas pela W..., com referência aos meses de Janeiro e de Fevereiro de 2007, figurou II;
II que por sua vez constava na certidão de matrícula da I ... como o seu único sócio gerente no período compreendido entre 15/03/2007 e 06/06/2007.
As declarações de remunerações apresentadas pela W... apresentam por seu turno oscilações injustificadas em meses sequenciais, reportando-se a 26, 33, 18, 4 e 7 trabalhadores, nos meses de Janeiro a Maio de 2007, respectivamente.
Ainda no que concerne ao ano de 2007, foram emitidas nos termos descritos pela Y ..., em nome da I ... as seguintes 10 facturas:

DATA Nº factura Base tributária Iva liquidado TOTAL
10.10.2007 007/07/P € 19.552,500€ 19.552,50
30.10.2007 008/07/P € 16.160,00 € 16.160,00
31.10.2007 009/07/P € 26.357,90 € 26.357,90
31.10.2007 0010/07/P € 10.320,00 € 10.320,00
30.11.2007 012/07/P € 36.290,00 € 36.290,00
30.11.2007 014/07/P € 35.754,00 € 35.754,00
15.12.2007 016/07/P € 20.212,50 € 20.212,50
25.12.2007 0017/07/P € 13.984,00 €13.984,00
31.12.2007 019/07/P € 33.160,00 €3.160,00
31.12.2007 020/17/P € 11.520,00 €11.520,00

Tais facturas ostentam no seu cabeçalho, entre outros, os seguintes dizeres: "Y... Unipessoal, Lda, AV. ..., ..., ..., Marco de Canaveses, descrevendo as operações a que se reporta da seguinte forma: "Serviços efectuados na vossa obra em Espanha conforme auto de medição em anexo" e por conseguinte, remetem para serviços de construção civil efectuados fora do território nacional e para alegados autos de medição.
Os respectivos autos de medição não foram encontrados nos elementos de escrituração da I ..., como também, no decurso do procedimento inspectivo levado a efeito, nunca foram exibidos por qualquer um dos sujeitos – emitente e utilizador das facturas, que apesar de terem sido notificados para o efeito, não disponibilizaram o acesso aos suportes documentais das operações declaradas.
As referidas facturas ostentam no rodapé a menção processado por computador remetendo para a existência de programa informático de facturação.
Todavia, tais facturas foram redigidas em mero processador de texto ou folha de cálculo Excel ou de Word (com quadros em Excel) ao invés de um verdadeiro programa de contabilidade.
A I ... releva uma entrega em numerário à Y ... em Janeiro de 2008, para crédito de conta, no montante de €91.865,50, que se encontra “justificada” com um documento denominado “Declaração”, emitido 2008/01/31, no qual foi aposto um carimbo da Y ... sob a assinatura legível KK.
Parte residual das sobreditas facturas facturas é justificada pela I ... com pagamentos fraccionados, alegadamente efectuados por cheque, nas datas e pelos montantes seguintes descritos:

DATAChequeValor
15.01.2008Banco 2… …-Banco 3...€ 19.552,50
25.01.2008Banco 2… …-Banco 3...€ 16.160,00
31.01.2008Banco 2… …-Banco 3...€ 26.357,90
25.02.2008Banco 2… …-Banco 3...€ 8.155,00
07.04.2008Banco 2… …-Banco 3...€ 30.210,00
07.04.2008Banco 2… …-Banco 3...€ 31.010,00
TOTAL € 131.445,40

I ... releva o pagamento de forma fraccionada nos meses de Janeiro, Fevereiro e Abril de 2008, isto é, com um diferimento de mais de três meses, quando é certo que se trata alegadamente de fornecimento de mão-de-obra, cujos prazos são habitualmente mais curtos.
A Y ... por seu turno releva o pagamento integral das facturas no ano de 2007, isto é, antes da emissão dos cheques com que a I ... justifica o pagamento dessas mesmas facturas.
A Y ... registou os pagamentos saldando a conta corrente logo no ano de 2007, quando a I ... a saldou já no ano de 2008.
Acresce que, com excepção do que respeita às facturas n.º ......, ...... e ......, não foi encontrado qualquer outro meio de pagamento que corresponda ao valor de uma ou ao somatório de várias das identificadas facturas, inexistindo qualquer conexão entre cada uma das entregas registadas e os valores debitados à I ... através das sobreditas facturas.
No que concerne ao circuito financeiro, não se mostra justificado o efectivo e integral pagamento das facturas, tendo em consideração: - A existência de um alegado pagamento em numerário de €91.865,50, que não tem correspondência com o valor de qualquer das facturas ou com o somatório de algumas delas;
E do conjunto dos cheques emitidos, 5 deles no montante total de €123.391,40, 4 foram levantados por KK, ao invés de serem depositados na conta da sociedade.
Já no que concerne o ano de 2008, a sociedade L..., emitiu em nome da I ... as facturas seguintes:
DATANº facturaBase tributáriaIva liquidadoTOTAL
30.09.200881€ 30.450,00 € 30.450,00
30.09.200883€ 61.465,50 € 61.465,50
30.09.200884€ 2.316,60 € 2.316,60
30.09.200885€ 2.600,00 € 2.600,00
30.09.200886€ 64.976,00 € 64.976,00
30.09.200887€ 9.955,00 € 9.955,00
30.09.200888€ 8.250,00 € 8.250,00
TOTAIS € 180.013,100€ 180.013,10

As referidas facturas foram todas emitidas na mesma data.
Em consequência do que a L... teria de dispor à data de um quadro de pessoal suficientemente dimensionado que lhe permitisse ao mesmo tempo ter efectivos deslocados em pelo menos 6 obras em distintos locais de Espanha e em obras que simultaneamente decorriam em território nacional.
A L... tinha como actividade principal a prestação de serviços nas áreas da cofragem e armação de ferro e as operações debitadas à I ..., referentes às facturas aqui em apreço, implicavam desde logo a existência dos denominados carpinteiros de limpo no quadro de pessoal da L... ou a subcontratação de profissionais desta área a outros prestadores;
A L... ao tempo, não dispunha de quaisquer efectivos com aquela categoria no seu quadro de pessoal;
E como não poderia justificar as ditas prestações de serviços com recursos próprios a 30 de Setembro de 2008, isto é, precisamente na data em que foram emitidas as facturas anteriormente enumeradas em nome da I ..., a L... documentou tais operações a montante com facturas, todas emitidas pela sociedade F..., Unipessoal, Lda, NIPC: ....
A descrição das operações entre as facturas emitidas pela L... em nome da I ... e as utilizadas, emitidas pela F..., Unipessoal, Lda e a identificação das obras mencionadas nos documentos a montante e a jusante, são em quase tudo semelhantes.
A F ..., tinha a sede social nas instalações da empresa "U ..., Lda", gabinete de contabilidade, de NN, responsável pela execução da contabilidade da empresa L... e que exerceu idênticas funções na W... de 2006/04/18 a 2007/05/31 e na I ... de 2006/11/21 a 2007/12/28.
A F ..., não tem nem nunca teve instalações ou estaleiros afectos à actividade;
A maior parte dos trabalhadores da empresa F ... eram de nacionalidade marroquina;
As facturas emitidas pela F ... à L..., referem, IVA devido pelo adquirente e serviços prestados em Espanha e França, no entanto, esta não prestou nestes países, qualquer serviço, designadamente, para o que agora interessa, para a L...;
Na contabilidade da F ... constatou-se a existência de várias facturas emitidas com o mesmo número, datas e valores diferentes, contabilizadas nos diversos utilizadores e a existência de facturas que estariam em branco e no entanto foram emitidas e contabilizadas nos utilizadores.
A F ... declarou à Segurança Social 84 funcionários, dos quais 52 são de nacionalidade marroquina e 13 mulheres, 65 trabalhadores tem indicação de "inexistência de remuneração", alguns dos trabalhadores apresentam as datas "data início" e "data fim" muito próximas, no mesmo dia e mesmo mês, não representando qualquer capacidade produtiva relevante face ao volume de facturação declarado pela empresa nos anos de 2007 e 2008.
Os responsáveis da F ..., reconhecendo as anomalias e a natureza fictícia das facturas emitidas à L... regularizaram voluntariamente a situação declarativa da empresa, tendo para o efeito enviado ao SIVA as declarações periódicas de IVA de substituição relativas a todos os trimestres de 2007 e 2008 e as declarações de rendimentos Modelo 22 de IRC de substituição dos exercícios de 2007 e 2008, expurgando dos elementos declarados as operações não suportadas documentalmente e aquelas a que não correspondiam a efectivas transacções comerciais, nas quais se incluíram as operações mencionadas nas descritas facturas emitidas em nome da L....
No ano de 2008, a sociedade V..., por intermédio do seu gerente comercial LL emitiu em nome da I ... as facturas seguintes:

DATANº facturaBase tributáriaIva liquidadoTOTAL
30.06.200753/2007€ 30.115,000€ 30.115,00
30.06.200756/2007€ 22.550,00 € 22.550,00
30.06.200760/2007€ 37.080,00 € 37.080,00
30.06.200762/2007€ 42.930,00 € 42.930,00
30.06.200764/2007€ 10.000,00 € 10.000,00
30.06.200768/2007€ 27.350,00 € 27.350,00
30.08.200770/2007€ 45.431,00 € 45.431,00
30.08.200771/2007€ 77.650,00 € 77.650,00
30.08.200779/2007€ 37.510,10 € 37.510,10
28.09.200780/2007€ 45.670,00 € 45.670,00
28.09.200781/2007€ 56.960,13 € 56.960,13
28.09.200782/2007€ 49.869,77 € 49.869,77
30.10.200784/2007€ 22.200,20 € 22.200,20
31.10.200791/2007€ 21.700,00 € 21.700,00
31.10.200793/2007€ 32.100,00 € 32.100,00
31.10.200794/2007€ 24.960,00 € 24.960,00
31.10.200795/2007€ 37.600,00 € 37.600,00
31.10.200796/2007€36,960,00 €36,960,00
31.10.200797/2007€ 16.250,20 € 16.250,20
09.11.200798/2007€ 17.200,00 € 17.200,00
19.11.2007100/2007€ 15.500,000€ 15.500,00
30.11.2007104/2007€ 5.923,00 € 5.923,00
30.11.2007105/2007€ 2.000,00 € 2.000,00
30.11.2007106/2007€ 4.362,15 € 4.362,15
30.11.2007107/2007€ 3.520,00 € 3.520,00
30.11.2007108/2007€ 6.765,00 € 6.765,00
30.11.2007110/2007€ 52.560,00 € 52.560,00
30.11.2007111/2007€ 20.000,00 € 20.000,00
30.11.2007112/2007€ 10.500,00 € 10.500,00
30.12.2007113/2007€ 4.000,00 € 4.000,00
28.12.2007114/2007€ 24.464,00 € 24.464,00
28.12.2007115/2007€ 8.576,03 € 8.576,03
28.12.2007116/2007€ 22.550,00 € 22.550,00
28.12.2007117/2007€ 23.200,00 € 23.200,00
28.12.2007118/2007€ 5.550,00 € 5.550,00
28.12.2007119/2007€ 35.560,00 € 35.560,00
28.12.2007120/2007€ 40.439,00 € 40.439,00
28.12.2007121/2007€8,100,00 €8,100,00
28.12.2007123/2007€ 11.800,00 € 11.800,00
28.12.2007126/2007€ 3.000,00 € 3.000,00
28.12.2007127/2007€ 20.100,00 € 20.100,00
28.12.2007128/2007€ 29.550,00 € 29.550,00
30.04.2008125/2008€ 18.120,00 € 18.120,00
30.05.2008126/2008€ 11.435,00 € 11.435,00
30.05.2008127/2008€ 19.782,00 € 19.782,00
30.05.2008128/2008€ 16.875,00 € 16.875,00
30.05.2008129/2008€ 12.788,00 12.788,00
39.08.2008156/2008€ 39.230,000€ 39.230,00
As operações identificadas nas facturas supra indicadas remetem invariavelmente para serviços de construção civil assim como para alegados autos de medição.
No que concerne as facturas ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., não foram encontrados, ou sequer exibidos pela I ... ou pela emitente das facturas, os Autos de Medição relacionados com as operações supra mencionadas.
Nos restantes casos, ou seja naqueles em que foram exibidos, os documentos denominados de Autos de Medição, remetem para trabalhos sobre imóveis localizados em Espanha, nas áreas de encofrado, montagem de portas e rodapés, trabalhos de albamildes, trabalhos de descarga, realização de forjados, trabalhos de cofragem, instalações e montagem de carpintaria, montagem de armários, trabalhos de alvenaria e trabalhos de limpeza;
O que implicaria ter por parte da V... um quadro de pessoal devidamente dimensionado e constituído por assalariados especializados nomeadamente nas áreas de carpinteiros de limpo, carpinteiros de cofragens, pedreiros e trolhas.
Com referência ao ano de 2007, a V..., menciona na relação nominal Modelo 10 de IRS, apenas 12 assalariados aos quais atribuiu rendimentos da Categoria A no montante global de €34.779,04 (1 sócio único e gerente €11.500, 1 Técnico Oficial de Contas €3.873,63 e 10 assalariados €19.405,41) e quanto ao ano de 2008, não deu cumprimento aquela sua obrigação declarativa.
E a sua actividade que consistia no essencial em meros trabalhos de rebocos e aplicação de gessos, pinturas e assentamento de pavimento cerâmico, como reflectem as matérias-primas e equipamentos adquiridos aos seus fornecedores.
Nos anos de 2007 e 2008 a V..., LDA, emitiu, respectivamente, e pelo menos, 128 e 189 exemplares de facturas a partir de mecanismos de saída de computador, a que acrescem em cada um daqueles exercícios pelo menos mais 114 e 162 documentos daquela natureza, obtidos a partir de impressos numerados, seguida e tipograficamente.
Tal número de documentos e operações que descrevem não se coaduna assim com a estrutura produtiva e dimensão da actividade concreta da empresa atrás assinalada.
Na verdade, no período compreendido entre os dias 1 de Janeiro e 30 de Abril de 2008, a V..., terá emitido 125 exemplares de facturas a partir de mecanismos de saída de computador e 134 exemplares a partir de impressos numerados seguida e tipograficamente, o que dá uma média de mais de 64 exemplares emitidos mensalmente, isto é, cerca de 3 exemplares em cada dia útil.
No procedimento inspectivo à V..., LDA, a coberto da Ordem de Serviço 01201001236, de 2010/03/02, tal sociedade foi notificada para exibir os seus elementos de escrituração, não o tendo, porém, feito.
No que concerne o ano de 2008 a sociedade N..., emitiu em nome da I ... as seguintes facturas:

DATANº facturaBase tributáriaIva liquidadoTOTAL
18.08.2008340€ 53.214,750€ 53.214,75
15.09.2008344€ 27.348,00 € 27.348,00
23.10.2008350€ 22.432,50 € 22.432,50
31.10.2008365€ 67.430,50 € 67.430,50
30.11.2008425€ 49.568,00 € 49.568,00
31.12.2008426€ 133.434,75 € 133.434,75

Tais facturas ostentam no cabeçalho um logótipo e entre outros os dizeres N..., Lda, Tel./Fax ..., R. ... ALMADA e a indicação de que a sociedade está matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, quando, na verdade, a mesma encontra-se matriculada na conservatória de Almada.
As operações descritas nas facturas fazem alusão a prestações de serviços em obras da I ... em Espanha e França, identificadas nos documentos e remetem para Autos de Medição em Anexo.
Os documentos denominados Auto de Medição foram elaborados a partir de uma aplicação informática em papel timbrado da I ... e além da descrição das operações e da identificação das obras, nos moldes já indicados, mencionam como domicílio do subempreiteiro N... a Rua ... - ... ALMADA, morada diferente, portanto, da que consta das facturas.
Nos documentos em causa, foram apostos dois carimbos, um da I ..., sob a rubrica ilegível e outro da N..., sob a assinatura legível com os dizeres MM.
Nas facturas n.ºs ..., ... e ..., porém, foi aposto o dito carimbo da N..., sob uma rubrica ilegível, que não tem semelhança alguma com a que foi aposta nos Autos de Medição.
Por seu turno, não obstante terem sido solicitados à N... os balancetes analíticos de razão reportados a 2007/12/31 e a 2008/12/31 e extractos da conta ...-FORNECIMENTOS E SERVIÇOS EXTERNOS/Subcontratos com identificação dos emitentes dos suportes documentais, tais documentos nunca foram apresentados ou tão pouco encontrados.
Por seu turno, a N... solicitou à K ... Lda livros de facturas e vendas a dinheiro, mediante as Requisições Nº ..., ..., ..., ..., ... e ..., datadas respectivamente de 2006/12/11, 2007/02/26, 2007/07/17, 2008/05/27, 2008/10/27 e 2009/04/08, emitidas a partir de impresso da própria tipografia.
Contudo, nas Requisições nºs ..., ... e ..., no local destinado à assinatura do cliente, foi aposta a rubrica legível HH e as restantes rubricas são ilegíveis e não têm semelhança alguma de documento para documento.
A I ... por seu lado releva o pagamento das facturas emitidas pela N..., como tendo sido efectuado de forma fraccionada, registando três entregas em numerário, nas datas de 31-10-2008, 30-11-2008 e 31-12-2008, pelos documentos ..., ... e ..., e nos valores, respectivamente de €67.430,50, €49.568,00 e €108.434,75 perfazendo o montante global de €225.433,25.
Na morada da suposta sede da empresa, Av. ... - ... - CACÉM, funcionava uma Igreja, nunca tendo exercido a N... ali a sua actividade.
E tal imóvel nunca esteve arrendado à referida sociedade.
Através do Anexo A à declaração anual de informação contabilística e fiscal apresentada pela N... com referência ao exercício de 2008, esta apresentou um imobilizado líquido no montante de €1.318,28 (Imobilizado Incorpóreo €189,38 e Imobilizado Corpóreo €1.128,90), quando o volume de negócio declarado com referência ao mesmo exercício, é de €3.198.991,84, o qual, dada a natureza da actividade exigiria uma estrutura empresarial susceptível de o sustentar.
As facturas emitidas em nome da I ... respeitam a alegadas prestações de serviços sobre imóveis situados em Espanha e os valores brutos das imobilizações corpóreas da N..., perfazem apenas o montante o montante de € 2.466,12.
A principal componente de custos da N..., é a rubrica Fornecimentos e serviços externos e no ano de 2008, foi detectado um único obrigado fiscal que no Anexo O mencionou operações com o NIPC da N..., de €331.644,00, operações que esta omitiu ao Anexo P.
A I ... não justifica o efectivo e integral pagamento das facturas emitidas pela N... e esta última para além de revelar uma estrutura produtiva deficitária nos termos expostos de forma alguma justifica as operações declaradas a jusante, apresentando como principal fornecedor uma Agência de Viagens.
As facturas emitidas pelas sociedades Y ... N..., V..., L... E W... em nome da sociedade arguida “I ...” não correspondem a quaisquer transacções ou trabalhos prestados à sociedade arguida utilizadora das mesmas, pois nem os valores nem os serviços nelas inscritos, foram efectivamente pagos e ou prestados, tratando-se de documentos forjados com o objectivo, conhecido de todos, de serem – como foram - integrados na escrita da I ..., dissimulando, contabilisticamente a saída de fundos a favor desta. e, assim, de defraudar a Fazenda Nacional em IRC.
Através do intencional registo das identificadas facturas, o arguido AA fez aumentar ficticiamente os custos da I ... e, consequentemente, diminuir o resultado tributável em sede de IRC - em relação aos exercícios de 2007 e 2008;
E deste modo, criou para a Sociedade I ... uma vantagem patrimonial indevida: quanto ao exercício de 2007, no valor de €334.783,98 (trezentos e trinta e quatro mil setecentos e oitenta e três euros e noventa e oito cêntimos).
Relativamente ao exercício de 2008, no valor de €172.692,97 (cento e setenta e dois mil, seiscentos e noventa e dois euros e noventa e sete cêntimos).
Pela emissão e entrega das facturas acima indicadas e relativas à V..., o arguido LL recebeu do arguido AA quantias em dinheiro ou outras contrapartidas que não foi possível apurar.
Ao agir da forma supra descrita, com o propósito de simularem transacções comerciais e as facturas que as reproduzissem, nos termos supra expostos sabiam os arguidos AA e LL, utilizadores e emissores, que aquelas não eram verdadeiras e estas eram falsas, e que, assim, enganavam – como lograram enganar - as autoridades fiscais e o Estado, tudo em ordem a que o arguido AA e sociedade que representava obtivessem a redução da matéria colectável e do imposto sobre ela incidente (IRC), relativo ao anos fiscais de 2007 e 2008.
Os arguidos AA e LL agiram livre, deliberada e conscientemente, de comum acordo e em conjugação de esforços (quanto às facturas emitidas pela V...) com vista a assegurarem o êxito das suas condutas, bem sabendo que com as respectivas actuações estavam a obter enriquecimento ilegítimo à custa do património do Estado, e que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
E, por essa via, locupletaram-se, em proveito próprio e em nome e interesse das sociedades de quem eram os seus legais representantes, das referidas importâncias propriamente ditas quanto ao arguido AA e I ... ou quanto aos ganhos assim obtidos (quanto ao arguido LL e V...), à custa do Erário Público;
Integrando-as, o arguido AA, pelo menos no giro económico normal da empresa I ....
Os arguidos AA e LL sabiam que tais importâncias não lhes pertenciam e que não eram susceptíveis de ser utilizadas em proveito próprio, nem, da I ....
O arguido AA relativamente ainda às facturas utilizadas e relativas à W..., Y ..., L..., N... agiu da forma descrita, deliberada, concertada com indivíduos de identidade não apurada, voluntária, conscientemente e em obediência a renovado desígnio, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
6. Do certificado de registo criminal nada mais consta para além das condenações aludidas de 1 a 5.
7. O processo de socialização de AA decorreu em ..., Marco de Canaveses, num agregado constituído pelos pais e um grupo de oito irmãos, do qual é o 5º elemento. Caracteriza o ambiente familiar e proporcionado como promotor de vinculações seguras e gratificantes e num referencial de regras e valores avaliados pelos elementos da comunidade como conforme às expectativas sociais vigentes.
8. A situação económica do agregado garantiu um padrão de vida humilde mas com satisfação das necessidades básicas e assentou no exercício da actividade de agricultores pelos progenitores.
9. AA integrou a escolaridade em idade própria, concluiu o 4º ano, e a sua primeira inserção profissional ocorreu aos treze anos na área da construção civil, onde se manteve até se autonomizar por conta própria.
10. Retomou os estudos aos 18 anos, em regime nocturno, obtendo o 9º ano de escolaridade e habilitando-se com um curso de desenho.
11. Paralelamente sempre se sentiu motivado para a música, integrando aos 15 anos a banda de música de ..., onde permaneceu durante 15 anos como músico, sendo actualmente presidente da mesma.
12. Praticou ainda atletismo como modalidade desportiva.
13. Aos 22 anos colocou-se a trabalhar por conta própria, constituindo a empresa referenciada nos autos “I ...”, inicialmente unipessoal, depois sociedade limitada com o cônjuge e mais recentemente, constituída como sociedade anónima.
14. Casou aos 23 anos de idade, o cônjuge trabalhava como operária fabril, actividade que manteve durante 5 anos, optando posteriormente por cuidar das duas descendentes do casal, actualmente com 23 e 18 anos de idade.
15. A relação conjugal decorreu de forma avaliada como mutuamente gratificante, quer em termos afectivos quer em termos de partilha das dificuldades, tratando-se de um casal solidário.
16. À data dos factos consubstanciados nos processos objecto do presente cúmulo jurídico, o arguido mantinha a inserção no agregado constituído pelo cônjuge e filhas do casal, estudantes.
17. Habitavam um apartamento arrendado na cidade de Penafiel, para o qual se haviam mudado quando venderam por dificuldades económicas, o anterior de que eram proprietários, localizado numa aldeia da mesma cidade.
18. O arguido mantém actividade empresarial nacional e internacional, designadamente na Suiça, Espanha e Chile.
19. A empresa que administra actualmente (I2 ... S.A.) tem um volume de facturação de cerca de dois milhões de euros, não detendo qualquer crédito bancário desde 2014 e apresenta lucros;
20. Em Portugal emprega entre 80/90 pessoas e a nível global as empresas administradas pelo arguido empregam cerca de 450 trabalhadores.
21. O arguido aufere nas funções de administrador das empresas que administra entre 5.500€ a 6000€ mensais.
22. O ambiente familiar do arguido pauta-se pela coesão e adequado entendimento entre os seus elementos.
23. Como despesas o casal suporta 460 € de renda de casa, 400 € de um empréstimo de uma das viaturas do casal, e aproximadamente 70 € de luz e 50 € de água.
24. Acresce 450 € mensais de propinas pagas pela filha mais velha, inserida numa unidade particular de ensino superior.
25. No meio social onde vive, o arguido e elementos do seu agregado são referenciados como pessoas ajustadas no relacionamento interpessoal.
26. O arguido face aos processos em cúmulo reconhece agora a sua fragilidade que imputa às perdas sofridas com a crise económica, que afirma terem-no tornado permeável a mecanismo de resolução de problemas desajustados, reconhecendo-se como vitima, mas simultaneamente admitindo danos para terceiros.
27. Conta com o apoio da família, sobretudo do cônjuge.
28. Em termos sociais o presente processo não teve até à data qualquer impacto na medida em que não tem visibilidade social.
**
29. No âmbito do processo referido 1. foram realizados os seguintes pagamentos, no total de 6.250€ (seis mil e duzentos e cinquenta euros): a 1 de Janeiro de 2017 a quantia de 1000€; a 10 de Março de 2017 a quantia de 1000€; a 16 de Maio de 2017 a quantia de 500€; a 19 de Julho de 2017 a quantia de 500€; a 19 de Outubro de 2017 a quantia de 1000€; a 17 de Novembro de 2017 a quantia de 800€; a 06 de Dezembro de 2017 a quantia de 700€; a 1 de Maio de 2018 a quantia de 750€.
30. E no processo referido em 2. o pagamento da quantia global de 7.000€ (sete mil euros) em fracções iguais e sucessivas de 500€, cada, entre 12 de Janeiro de 2018 e 5 de Fevereiro de 2019.
31. Após o cúmulo das penas a que se reportam os pontos 1. a 4. o arguido efectuou entre 8 de Maio de 2019 e 17 de Março de 2019, o pagamento do montante global de 15.000€ (quinze mil euros);
32. Tendo já sido emitidos mandados para detenção do arguido, no âmbito do processo de que o presente constitui integrado, a não foi ainda lograda aquela lograda.
O Tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos provados tendo em conta os elementos que destes autos resultam, nomeadamente, nas certidões constantes de fls.; o certificado de registo criminal junto, do relatório social, dos depoimentos das testemunhas OO contabilista certificada e Revisora Oficial de Contas da empresa administrada actualmente pelo arguido, e que presta serviços à mesma sociedade que esclareceu a situação actual da empresa administrada pelo arguido, a postura deste e desempenho daquela no cumprimento das obrigações, e bem assim ao nível do próprio objecto; no depoimento das testemunhas PP, funcionário e amigo, e QQ, seu amigo e conterrâneo.
Enquadramento jurídico-penal.
Na punição do concurso de infracções criminosas, importa atender primordialmente à disciplina vertida no artº 77º do Código Penal, nos termos do qual “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena”, na medida da qual “são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” (nº 1).
A moldura penal abstractamente estabelecida para o concurso de infracções terá, à luz do que no nº 2 do citado preceito se estatui, como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (não podendo exceder 25 anos de prisão ou 900 dias de multa, consoante os casos), e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas a tais crimes.
Em consonância com o disposto no artº 78º do Código Penal, “se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena já cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes” (já atrás mencionadas) – cfr. nº 1.
Alargando significativamente os casos de determinação superveniente da pena única do concurso, a reforma de 2007 deixou de exigir que a pena em que o agente foi condenado, por decisão transitada em julgado, não estivesse cumprida, prescrita ou extinta.
Por outro lado, com tal reforma a determinação superveniente da pena única do concurso passou a ocorrer tão só relativamente a crimes cuja condenação transitou em julgado.
Deste modo, em sede de conhecimento superveniente do concurso só relevam, pois, os crimes que tenham sido cometidos antes de transitar em julgado a condenação por qualquer um deles. Ou seja, o momento decisivo para a verificação da ocorrência de um concurso de crimes a sujeitar a uma pena única é o trânsito em julgado da condenação: todos os crimes praticados antes daquele trânsito devem ser objecto de cúmulo jurídico. Ao cometer crimes após o trânsito em julgado da decisão o arguido revela desrespeito pela solene advertência que a decisão judicial constitui, pelo que os novos crimes não podem ser tidos numa relação de concurso com os anteriormente cometidos e já julgados na decisão transitada. Tais novos factos devem ser punidos de forma autónoma, com cumprimento sucessivo das respectivas penas. Orientação diversa, consagrando o chamado cúmulo por arrastamento, não se coaduna com a teleologia e a coerência internas do ordenamento jurídico-penal, não tendo em conta as necessárias diferenças entre os institutos do concurso de crimes, da sucessão de crimes e da reincidência. O que foi já objecto de fixação de jurisprudência - por Acórdão do STJ de 28 de Abril de 2016, publicado no DR, I Série, p. 1790 a 1808.
A primeira decisão transitada será, assim, o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso, englobando-os em cúmulo, demarcando as fronteiras do círculo de condenações objecto de unificação. A partir desta barreira inultrapassável fica afastada a unificação, formando-se outras penas autónomas, de execução sucessiva, as quais podem estar, por sua vez, entre si numa ou em várias relações de concurso, havendo então que unificá-las numa ou em várias penas únicas, de cumprimento sucessivo, sempre com referência à primeira das condenações que haja transitado em julgado e aos factos antes da mesma praticados.
Em face do exposto, são três as operações a encetar para a determinação da pena de concurso: antes de mais, considerar cada uma das penas aplicadas a cada um dos crimes pelos quais o arguido foi condenado; em seguida, encontrar aquela que será a moldura penal do concurso de infracções em causa, atenta a disciplina constante do nº 2 do artº 77º do Código Penal; finalmente, estabelecer concretamente o quantum da pena unitária, tendo em conta a regra vertida na parte final do nº 1 do artº 77º do Código Penal, tendo igualmente presentes os critérios gerais de determinação da medida da pena consignados no nº 1 do artº 71º daquele Código, também válidos nesta sede.
Impõe-se ainda salientar para o que agora interessa que na concretização da regra estabelecida no nº 1 in fine, do artigo 77º do Código Penal, de acordo com o qual na medida da pena - no que à punição do concurso concerne - são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tem sido pacífico, designadamente ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que essencial na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse bocado de vida criminosa com a personalidade, de tal forma que a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares – (cfr. Ac. STJ de 05.07.2012, Proc. n.º 145/06.SPBBRG.S1], o que, contudo, não dispensa o recurso às exigências de prevenção geral e especial, encontrando, também, a pena conjunta o seu limite na medida da culpa.
Por outro lado, como refere o acórdão do STJ de 27.06.2012 (proc. n.º 70/07.0JBLSB – D.S1), em caso de conhecimento superveniente, a reformulação de um cúmulo jurídico anteriormente fixado, considerando a nova realidade relativa à situação do arguido anteriormente conhecida processualmente, deve ter lugar em dois segmentos distintos: no primeiro, estando em causa a condenação em pena singular, o tribunal em função da condenação proferida e do crime anterior, conclui sobre a pena conjunta do concurso; se a condenação anterior tiver já sido em pena conjunta perante uma pluralidade de crimes, o tribunal desconsidera-a e, em função das penas parcelares concretas, anteriormente aplicadas, determina uma nova pena de conjunto que abranja todas as penas que integram o concurso e que devam ser consideradas. E isto mesmo quando tenha havido antes, por circunstâncias processuais, a aplicação de mais de uma pena única, devido à consideração em separado de conjuntos de crimes entre si em concurso, mas que posteriormente se verifica estarem afinal todos numa mesma relação de concurso por aplicação dos critérios do artigo 77º, nº 1 e 78º nº 1 do CP. […] Sempre que houver que reformular o cúmulo jurídico por terem sido aplicadas novas penas parcelares, o tribunal procede às respetivas operações como se o anterior cúmulo não existisse, sem atender às penas que foram então fixadas, o que significa que, quando houver que fazer novo cálculo, a nova pena não pode ser obtida pela acumulação com a pena única anterior [cf., v.g., acórdão do STJ de 06-03-2008, processo 2428/07, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 248, e acórdãos de 26/11/2008, proc. n.º 3377/08; de 19/3/2009, proc. n.º 3063/09), nem a medida da pena única anterior (…) condiciona os limites da moldura a considerar para a (nova) fixação da pena única.
Por outro lado, considerando que as penas a que se reportam os pontos 1 a 4 foram parcelarmente suspensas, e que a pena aplicada aos factos constantes do ponto 5 foi em pena efectiva, tal não obsta ao seu cúmulo jurídico – cfr: acórdão da RC de 15/06/2011, acórdão da Relação de Lisboa de 23/09/2010 in dgsi; acórdão da Rela de Évora de 20/01/2011, in www.gde.mj.pt, acórdão da Relação de Lisboa de 12/06/2018, in www.dgsi.pt. Ainda no mesmo sentido, na doutrina, pronunciaram-se Figueiredo Dias, in "Direito Penal Português — As Consequências Jurídicas do Crime", Aequitas/Editorial Notícias, 1993, pág. 285, 290 e 295, e M. Miguez Garcia/J.M. Castela Rio, Código Penal, com notas e comentários, Almedina, 2a ed., 2015, pág. 412. Assim, haverá in casu que fixar-se uma pena unitária, cumulando juridicamente as penas parcelares em concurso. E uma vez obtida a pena única, ou esta é superior a 5 anos de prisão, inviabilizando legalmente a suspensão da sua execução (vd. primeira parte do n.° 1 do art. 50.° do Código Penal) ou é inferior, permitindo-o. Momento em que, então, o tribunal a quo terá de efetuar o seu próprio juízo de prognose (favorável ou não quanto ao futuro), como igualmente exige a segunda parte do mencionado art. 50°, do Código Penal, daí retirando as consequentes ilações.
No caso concreto, tomando em consideração as condenações constantes da fundamentação de facto os crimes a que se reportam os pontos 1 a 5 estão numa situação de concurso.
Da aplicação das regras enunciadas à situação dos autos, resulta que a pena de prisão unitária terá por limite máximo, 17 anos e mínimo, 3 (três) anos de prisão.
Na medida da pena resultante da aplicação das regras do concurso de crimes deverá o tribunal ter em conta os factos e a personalidade do arguido sem embargo, obviamente, de se ter, também, em conta as exigências gerais da culpa e da prevenção a que manda atender o n.º 1 do artigo 71 do Código Penal, bem como os factores elencados no n.º 2 do mesmo preceito legal, referidos agora à globalidade dos crimes - insiste-se.
Pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente. Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos se verifique – FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 291 – tendo em vista uma visão unitária que permita aferir se o ilícito global é ou não produto da tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta dentro da moldura penal do concurso – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 2007, dgsi. A pena conjunta deve ser encontrada, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta. Daqui que se deva concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos e da motivação que lhes subjaz, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele. Por outro lado, ter-se-á de ter presente que toda e qualquer pena de prisão só é legalmente admissível quando se mostrar quantitativamente justa, ou seja, quando se revele consentânea com a culpa do agente e não se situe nem aquém nem além do que importa para obtenção do resultado devido, visto que só assim se conformará com o princípio constitucional da proporcionalidade ou da proibição de excesso, princípio expressamente consagrado na segunda parte do n.º 2 do artigo 18º da Constituição da República, o qual se desdobra em três subprincípios: princípio da adequação ou da idoneidade, princípio da exigibilidade ou da necessidade/indispensabilidade e princípio da proporcionalidade em sentido restrito.
Há, portanto, que considerar as penas parcelares aplicadas, a natureza dos factos, a reiteração criminosa e os fins de prevenção geral e especial das penas, tendo ainda presente o contexto de vida do arguido à data da prática dos factos e bem assim a sua actual situação pessoal, tudo espelhado na fundamentação de facto (conforme decorre das decisões em apreço, do certificado de registo criminal e do relatório social e demais prova produzida), nomeadamente, o número e tipo de crimes praticados, em sinal de uma significativa indiferença pelos deveres e responsabilidades fiscais e património alheio; os concretos prejuízos patrimoniais causados pelo arguido que globalmente ultrapassa um milhão de euros; os pagamentos entretanto levados a efeito - mas que face à sua situação socioeconómica apurada se apresentam bem inferiores às suas reais possibilidades; a circunstância de apesar da pena efectiva ter já transitado em 9 de Maio de 2019 não ter sido iniciado o seu cumprimento, a inserção social, familiar e profissional do arguido, ainda que habitual nos tipos de ilícito em causa.
A personalidade do arguido, tendo presentes os factos perpetrados e a respectiva conjuntura tudo permite concluir que a prática dos ilícitos não foi pluriocasional. E quanto à existência de uma relação entre os crimes e os factos apurados relativamente aos tipos de ilícito em causa, estão estes claramente conexionados.
Tudo ponderado, afigura-se-nos, pois, adequado e proporcional aplicar ao arguido a pena única de 6 (seis) anos de prisão.
Decisão.
Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais supra citadas, os Juízes que constituem este Tribunal Colectivo decidem cumular juridicamente as penas aplicadas nos autos identificados em 1. (proc. nº 25/14.9T9MCN), 2. (proc. nº 61/13.2IDPRT), 3. (proc. nº 46/09.3IDPRT), 4. (proc. nº 12/11.9IDPRT) e 5.(101/11.0IDPRT) fixando em 6 (seis anos) a pena única de prisão aplicada ao arguido AA.
Sem tributação.
Notifique e dê imediato conhecimento desta decisão aos processos abrangidos pelo cúmulo, dando conta que após trânsito será enviada a correspondente decisão com nota deste.
Após trânsito remeta boletim ao registo criminal e dê conhecimento com cópia à DGRSP.
Notifique e deposite.»
*
Cumpre, pois, apreciar as questões suscitadas, e supra elencadas, pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem – isto é, por forma a que, por via da sucessiva apreciação de cada uma, se vá alcançando, na medida do necessário, um progressivo saneamento processual que permita a clarificação do objecto das seguintes.
Porém, e antes de prosseguir, cumpre muito sucinta e esquematicamente, clarificar o contexto da decisão recorrida, por forma a, assim, à partida aclarar também o objecto global do recurso interposto pelo arguido.
O que passa a fazer-se, elencando sumariamente as sucessivas incidências relativas à situação jurídico–penal e processual do arguido que conduziram à presente fase recursiva:
1º, o arguido AA (recorrente) foi oportunamente condenado (no processo autónomo nº 2331/18.4T8PNF, do mesmo tribunal ora recorrido) num anterior cúmulo jurídico que englobou as suas seguintes quatro condenações:

Nesse processo, foi assim condenado, por Acórdão cumulatório de 13/03/2019 (transitado em julgado em 29/04/2019), na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na respectiva execução, por igual período, mediante a condição de pagar a quantia global de 866.970,86€ (79.266,40€ a favor da sociedade comercial ‘P...’ e 787.704,46€ para o Estado/Autoridade Tributária), tendo sido fixada a imposição de o arguido realizar o pagamento, no tribunal, da importância de 1.250€ por mês, a ser imputada no montante global, sendo que esses pagamentos mensais de 1.250€ são destinados aos ofendidos na seguinte proporção:
- 10% para a sociedade ‘P...’, e
- 90% para a Autoridade Tributária,
condições que, refere o recorrente, tem vindo a cumprir

2º, Entretanto veio a ser proferida a decisão ora recorrida neste processo (101/11.0IDPRT.1), que procedeu à reformulação do cúmulo jurídico, abarcando aquelas quatro penas e agora mais a seguinte:


Esta decisão (agora recorrida) condenou, por Acórdão cumulatório de 20/05/2020, na pena única de 6 anos de prisão.

No essencial, o arguido pretende que, por via do presente recurso, seja alterada a pena única fixada neste novo cúmulo, decidindo–se pela aplicação de uma pena única igual ou inferior a 5 anos de prisão, e que mais se declare a suspensão desta com condições.

1. De saber se o acórdão recorrido padece do vício de omissão de pronúncia no que respeita à extinção, pelo cumprimento da pena parcelar aplicada no processo nº 12/11.9IDPRT.

Começa o recorrente por invocar a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º/1/c) do Cód. de Processo Penal, por, no seu entender, o tribunal a quo não se ter pronunciado quanto à questão – que refere ter suscitado em sede de alegações em audiência de cúmulo – de dever ser extinta uma das condenações (a do processo nº 12/11.9IDPRT) integrada no cúmulo (logo naquele anterior), em virtude de se dever imputar o pagamento já feito na satisfação integral da condição de suspensão fixada na condenação parcelar em causa, e de haver decorrido o prazo dessa suspensão.
Alega que, tendo a citada pena, com o novo cúmulo jurídico, adquirido autonomia e singularidade, do valor de 16.250€ (1.250€ x 13 meses) pagos até à data do acórdão de cúmulo jurídico ora realizado, a AT já recebeu um total de 14.625€ (90% de 16.250,00€), quantia que ultrapassa o montante de 4.907,70€ que competia ao arguido pagar para cumprimento da condição da suspensão da execução da pena no aludido processo n.º 12/11.9IDPRT. E mesmo considerando o termo do cumprimento da condição no contexto do mesmo processo nº 12/11.9IDPRT (14/10/2019, isto é, 1 ano e 8 meses contados do trânsito em julgado daquela decisão parcelar), dos 7.500€ (1.250€ x 6 meses) pagos até essa data, a AT recebeu um total de 6.750€ (90% de 7500€), o que também excede o sobredito montante de 4.907,70€.

Vejamos.
O artigo 205º/1 da Constituição da República Portuguesa consagra que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Sublinhe-se que a necessidade de fundamentar as decisões judiciais é uma das exigências do processo equitativo, um dos Direitos consagrados no artigo 6º/1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na medida em que se traduz num elemento de transparência da justiça inerente a qualquer acto processual.
Aquele princípio constitucional encontra consagração nos termos do disposto no art. 379º do Cód. de Processo Penal, que prevê em especial os motivos pelos quais a sentença penal pode ser afectada de nulidade.
Ora (e aqui nos aproximamos da questão suscitada pelo recorrente) a alínea c) do nº1 do citado art. 379º do Cód. de Processo Penal, trata da chamada omissão de pronúncia, que existirá, tornando nula a sentença, quando nesta «O tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Sumariamente se dirá que tal omissão de pronúncia se verifica quanto o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe ao tribunal que conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar - havendo que excepcionar as questões cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outra ou outras (cfr. também art. 660º/2 do Cód. de Processo Civil).
A falta de pronúncia que determina a nulidade da sentença incide, pois, sobre as questões, e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais.
Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/11/2021 (proc. 4669/19.1T8LRS-A.L1.S1)[5], «A completude e cabal fundamentação e decisão de um aresto não depende de uma exauriente análise de todos e quaisquer argumentos (ou mesmo eventuais excursos e obter dicta) das alegações das partes, mas de uma resposta clara, compreensível, lógica e fundamentada às questões efetivamente fundantes colocadas, e já de si resumidas nas Conclusões. Por uma questão, desde logo, de economia processual, celeridade na resposta e omissão devida de atos inúteis. Havendo profusa jurisprudência que o atesta.
Com efeito, a omissão de pronúncia, geradora de nulidade da decisão, está em correspondência direta com o dever imposto ao juiz no sentido ter de resolver todas as questões (não simples argumentos ou comentário a factos ou conjeturas surgidos nos autos) que se tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução (ou resposta) dada a outra.
Tal não significa, porém, que o juiz se tenha de ocupar de todas as considerações feitas pelas partes, já que são coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento, ou razão produzida nos autos.
Em consequência, a nulidade por omissão de pronúncia apenas se verificará nos casos em que a omissão de conhecimento, relativamente a cada questão, é absoluta, ou quando se tenham descurado as razões e argumentos invocados pelas partes. Mas não, por exemplo, quando a apreciação das questões fundamentais à justa decisão da lide tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. » – sublinhados agora apostos.
Assim, a omissão de pronúncia, porque referida a questão ou questões submetidas ao conhecimento do tribunal, deverá ser aferida por reporte às questões sobre as quais deveria ter incidido o julgamento e, logo, a pronúncia decisória do tribunal; a sindicância sobre a matéria de facto considerada em sede de sentença e sobre o exercício de julgamento da mesma, coloca-se num plano posterior, e que se mostra regulado essencialmente nos arts. 410º/2 e 412º/3 do Cód. de Processo Penal, permitindo, reunidos que estejam os necessários pressupostos, a modificação da mesma matéria de facto, nos termos do art. 431º do Cód. de Processo Penal.
Dito de outro modo, a consideração da omissão de pronúncia deve aferir-se na consideração das questões que constituíam o objecto processual que se apresentava à actividade de julgamento e decisão do tribunal.

Revertendo ao caso presente, julga-se não assistir razão ao recorrente na invocação deste vício processual.
E assim sucede por diversos motivos, ou, se se quiser, analisando a questão suscitada nos vários patamares em que tal análise pode efectuar-se.

Assim, e desde logo, porque decorre do próprio teor da decisão recorrida, com liminar clareza, a integração no cúmulo jurídico (e, assim, na pena única fixada) da pena parcelar cominada ao arguido/recorrente no âmbito do aludido processo nº 12/11.9IDPRT, decisão que, materialmente, corresponde a uma efectiva pronúncia do tribunal quanto à concreta questão suscitada pelo arguido (em sede de alegações em audiência).
É certo que a decisão recorrida não reservou formalmente um segmento específico para se ocupar exclusivamente da questão em causa com cirúrgica análise dos argumentos invocados pelo arguido.
Porém, a questão pelo mesmo suscitada não ficou sem resposta.
Na verdade, e na contemplação de quanto se deixou exarado supra aquando da delimitação do dever de pronúncia (e, por contraponto, da omissão do respectivo cumprimento) imposto ao tribunal, ao decidir pela integração da pena parcelar em causa, o tribunal deu resposta clara e lógica à questão colocada pelo recorrente, assim resolvendo (quanto mais não seja pela via prejudicial) a mesma, e em termos que não suscitam quaisquer dúvidas quanto ao conteúdo e sentido da decisão em causa.
Donde, e desde logo por esta via, não se considera que se verifique o vício processual assinalado pelo recorrente.

Depois, e em segundo lugar, também mais se dirá o seguinte - pese embora, note–se, a alegação e conclusões do recorrente nesta parte não sejam absolutamente claras no sentido de pretender suscitar a questão em termos de análise substantiva, ou se apenas se circunscreve à invocação da omissão processual assinalada.
Considerando a data do trânsito em julgado da anterior decisão de cúmulo jurídico (que aquela ora recorrida veio reformular), levado a cabo no âmbito do processo autónomo nº 2331/18.4T8PNF, ou seja, 24/09/2019, a pena de 1 ano e 8 meses de prisão suspensa na respectiva execução (na condição de o arguido proceder ao pagamento do valor de €4.907,70) cominada no aludido processo nº 12/11.9IDPRT (em causa no ponto 4. da matéria de facto provada no acórdão ora recorrido) por decisão transitada em 14/02/2018, ainda não se mostrava cumprida nem, por qualquer via, extinta – situação que, como é jurisprudência absolutamente dominante (mesmo para quem propugna o entendimento de que as penas de prisão suspensas na respectiva execução devem integrar cúmulo jurídico mesmo com penas de prisão efectiva), a verificar-se, excluiria a sua integração em situação de cúmulo jurídico.
Não se mostrando extinta, dizíamos, a pena em causa integrou a efectivação daquele cúmulo jurídico, sendo que a decisão sobre este último consubstanciou uma nova decisão final, em que foram considerados factores próprios atinentes ao exercício de fixação de pena única ali imposto (máxime, e como melhor teremos oportunidade de densificar mais adiante, a consideração em conjunto dos factos em concurso e a personalidade do agente, a qual constitui, aliás, o elemento aglutinador da pena unitária aplicável ao conjunto dos vários crimes parcelares).
Esta decisão sobrepôs-se, pois, às decisões anteriormente proferidas por cada crime que foi objecto das penas parcelares, as quais engloba na pena única resultante da efectivação do cúmulo.
E se é verdade que, em caso de necessidade de reformulação de um cúmulo jurídico – nomeadamente por integração de outra condenação ocorrida antes do trânsito em julgado de qualquer das que integraram o cúmulo anterior (como aqui exactamente se constata ter sucedido) –, as penas parcelares reassumem autonomia, tal não significa que devem ser objecto de nova avaliação no que tange aos pressupostos do respectivo cumprimento enquanto pena parcelar autónoma, sob pena não apenas de absoluta desconsideração pela decisão (assente em pressupostos próprios) que a cumulou anteriormente, como também de intolerável insegurança jurídica (até para a situação do condenado).
A autonomia reassumida pelas penas originárias parcelares significa apenas que devem as mesmas ser consideradas mais uma vez como uma parcela de um novo todo unitário reformulado – sendo que, a concluir-se não haver lugar a este, sempre persistirá a unificação anteriormente decretada.
Como exactamente nesta perspectiva se escreveu no Acórdão do S.T.J. de 14/03/2013 (proc. 287/12.6TCLSB.L1.S1)[6], «As regras da punição do concurso de crimes, estabelecidas nos arts. 77.º, n.º 1, e 78.º, n.º 1, do CP, não se destinam a modelar os termos de uma qualquer espécie de liquidação ou quitação de responsabilidade, reaberta em cada momento sequente em que haja que decidir da responsabilidade penal de um certo agente, mas têm como finalidade permitir apenas que em determinado momento se possa conhecer da responsabilidade quanto a factos do passado, no sentido em que, em termos processuais, todos os factos poderiam ter sido, se fossem conhecidos ou se tivesse existido contemporaneidade processual, apreciados e avaliados, em conjunto, num dado momento (…)
A posterioridade do conhecimento «do concurso» não modifica a natureza dos pressupostos da pena única, que são, como se referiu, de ordem substancial. O conhecimento posterior (artigo 78º, nº 1) apenas define o momento processual de apreciação, que nas circunstâncias é contingente. A superveniência do conhecimento não produz no âmbito material uma decisão que não pudesse ter sido proferida no momento da primeira apreciação da responsabilidade penal do agente (cfr., neste sentido, Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 293-294).
Há, assim, na determinação da pena única no concurso superveniente, como que uma ficção de contemporaneidade. A decisão proferida na sequência do conhecimento superveniente do concurso, deve sê-lo nos mesmos termos e com os mesmos pressupostos que existiriam se o conhecimento tivesse sido contemporâneo da decisão que teria necessariamente tomado em conta, para a formação da pena única, os crimes anteriormente praticados; a decisão posterior projecta-se no passado, como se fosse tomada a esse tempo, relativamente a um crime que poderia e deveria ser considerado no primeiro processo para a determinação da pena única, se o tribunal tivesse tido, nesse momento, conhecimento da prática desse crime».
O que significa que, porque também a presente decisão de reformulação de cúmulo jurídico, reportando-se ainda e sempre à consideração da situação que existiria à data do último trânsito em julgado das condenações que integram o concurso, tem sempre de considerar as condenações parcelares eficazes à data do cúmulo inicialmente fixado, que perderam autonomia substantiva naquele momento.
Como, com evidente a-propósito, assertivamente resume o Acórdão da Relação de Coimbra de 13/12/2017 (proc. 94/10.0GCTND.C1)[7] «Reformulado o cúmulo jurídico das penas, com a inevitável desconsideração da pena única anteriormente aplicada, as penas parcelares suspensas na sua execução passam a integrar o novo cúmulo enquanto penas de prisão tout court e não já como penas suspensas, transferindo-se o poder/dever do tribunal se pronunciar sobre uma eventual suspensão para a pena única que vier agora a ser encontrada, a qual pode, ou não, ser suspensa na sua execução. (…) Na verdade, quanto às penas parcelares de prisão suspensa integradas num cúmulo que mais tarde, com a consideração de novas penas, vem a ser reformulado, incluindo-se neste último já não há que atender à suspensão de cada uma individualmente considerada, condição que perderam aquando da realização do primeiro cúmulo, pois que o juízo sobre a suspensão passou, então, a incidir sobre a pena única».
É tudo quanto, precisamente, sucede no caso dos autos.
No caso em apreço, com o anterior acórdão cumulatório prolatado no âmbito daquele processo nº 2331/18.4T8PNF, deixou de poder ser considerada a suspensão das penas parcelares, as quais, ao integrarem o dito cúmulo, perderam em definitivo semelhante natureza, tendo dado origem a uma pena única, sobre a qual, no caso, incidiu o juízo de uma suspensão que veio ali a ser decretada por acórdão transitado em julgado.
Resulta, assim, e em definitivo, não ocorrer a invocada nulidade do acórdão ora recorrido, pois que, no contexto acabado de expor, não havia sequer que diligenciar no sentido de apurar se a dita pena de prisão suspensa aplicada no processo 12/11.9IDPRT - ou qualquer uma das outras cumuladas –, se mostrava extinta por qualquer motivo.

Por conseguinte, inexiste qualquer omissão de pronúncia por parte do tribunal a quo sobre questão que devesse apreciar pelo que, como tal, improcede a invocada nulidade.
*
2. De saber se há erro de julgamento, nos termos do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal (nomeadamente quanto ao facto tido por provado no ponto 31. do acórdão recorrido).
Neste segmento subsequente da pretensão recursória, vem o recorrente manifestar o entendimento de que a matéria de facto dada por assente no acórdão recorrido deverá ser objecto de alteração (por aditamento), em resultado da prova produzida nos autos e por tal se revelar de preponderância para a apreciação da situação processual do arguido.
Como é consabido, a decisão da matéria de facto em sede de recurso pode ser sindicada por duas vias alternativas:
- no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º/2 do Cód. de Processo Penal, a que se convenciona chamar de revista alargada,
- ou através da designada impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º/3/4/6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido art. 410.º, cuja indagação, como resulta imposto do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento; no segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412º do Cód. de Processo Penal.
A questão suscitada pelo ora recorrente (arguido) gravita no âmbito do segundo dos caminhos expostos.
A invocação do erro de julgamento, consagrado no artigo 412º/3 do Cód. de Processo Penal, determina, pois, que a apreciação da instância de recurso não se restrinja ao texto da decisão, ampliando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412º do Cód. de Processo Penal - isto é, nesta situação o recurso quer reapreciar concretos segmentos de prova produzida em primeira instância, havendo assim que a reproduzir tal e qual e em segunda instância, por forma a apreciar da verificação da específica deficiência suscitada.
Notar-se-á, não obstante, que nos casos de tal impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, mas antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, e sempre na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
E é exactamente por o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituir um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, os aludidos erros que o recorrente deverá expressamente indicar, que se impõe a este o ónus de proceder a uma especificação sob três vertentes, conforme estabelecido no art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal, onde se impõe que, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados,
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida,
c) as provas que devem ser renovadas. A assim exigida especificação traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal exercício recursivo com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõem decisão diversa da recorrida, com a explicitação da razão pela qual assim se entende – aditando o nº 4 do citado art 412º do Cód. de Processo Penal a exigência de que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
Ou seja, quando se pretenda efectivamente sindicar a decisão recorrida no âmbito desta apreciação mais alargada resultante da impugnação da matéria de facto, resulta imposto pelo texto do nº3 do art. 412º do Cód. de Processo Penal que não é uma qualquer divergência que pode levar o Tribunal ad quem a decidir pela alteração do julgado em sede de matéria de facto.
O que se traduz também em que as provas que o recorrente invoque e a apreciação que sobre as mesmas faça recair, devem não apenas revelar que os factos foram incorrectamente julgados, como também devem determinar a convicção de que se impunha decisão diversa da recorrida em sede do elenco dos factos provados e não provados.
O que aqui se mostra necessário é que o recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento deveria ter conduzido, em sede de elenco de matéria de facto, à solução por si (recorrente) defendida.

Efectuadas estas considerações – como forma de enquadramento dos limites em que se move a invocação desta forma de impugnação ampliada do exercício de fundamentação de facto por parte do tribunal a quo - , vejamos quanto sucede no caso concreto dos autos.
A impugnação ampla suscitada nesta parte pelo recorrente, e assim a questão das concretas alterações da matéria de facto aqui propugnadas, deve cindir-se em dois aspectos distintos, em conformidade com quanto vem alegado:
- por um lado, aquele relativo a dever ser alterado o ponto 31 da matéria de facto assente, no sentido de dever no mesmo ser considerado o valor global dos pagamentos efectuados pelo arguido até à data do acórdão ora recorrido, e em cumprimento da condição de suspensão da pena única de prisão fixada no anterior cúmulo,
- e, por outro lado, aquele relativo a mais dever ser aditado aos factos assentes os pagamentos dos demais montantes entretanto efectuados em data posterior ao acórdão recorrido, incluindo o integral ressarcimento da sociedade “P...”, ofendida no processo nº 25/14.T9MCN (em causa no ponto 1. da matéria de facto provada no acórdão recorrido).

Vejamos.

Começando por analisar quanto ao primeiro aspecto da impugnação do recorrente nesta parte, temos que no ponto 31 da matéria de facto provada em sede de acórdão recorrido consigna-se o seguinte :
“31. Após o cúmulo das penas a que se reportam os pontos 1 a 4 o arguido efectuou entre 8 de Maio de 2019 e 17 de Março de 2019 [8], o pagamento do montante global de 15.000€ (quinze mil euros)
Considera o recorrente que, tendo as alegações ocorrido no dia 13/05/2020, sendo logo aí invocado o pagamento total de 16.250€ em cumprimento da condição imposta na envolvência da suspensão da pena única fixada no cúmulo jurídico ora reformulado, e mais sendo o acórdão recorrido datado de 20/05/2020, inexiste motivo algum que justifique a contabilização do pagamento para uma data anterior (Março de 2020) à da prolação deste mesmo acórdão, devendo tais pagamentos ser actualizados àquela data (do acórdão) mais recente.
Escora a sua pretensão, em conformidade com o exigido no art. 412º/3/b) do Cód. de Processo Penal, na circunstância de tais pagamentos se mostrarem documentados nos autos.
Quanto a este primeiro aspecto, há desde logo que realçar que, na verdade, a fl. 168 e segs. dos autos veio o arguido juntar comprovativo (designadamente o DUC de fl. 169 e comprovativo bancário de fl. 170) que atesta o pagamento da quantia de €1.250,00 no dia 08/05/2020.
Donde, tal documentação já se encontrava junta aos autos inclusive antes da data da realização da audiência de cúmulo jurídico, ocorrida em 13/05/2020.
Face ao disposto no art. 165º do Cód. de Processo Penal, os documentos devem ser juntos, de preferência, no inquérito ou na instrução, ou, não sendo isso possível, na audiência de julgamento. Ora, e manifestamente, atenta a própria natureza da fase procedimental aqui em causa, que se restringe à realização de audiência de cúmulo jurídico, julga–se claro não haver qualquer obstáculo à junção da aludida documentação no momento em que o foi – nem tal questão foi, aliás, suscitada.
Tendo o tribunal a quo entendido - e, crê-se, de forma avisada - que para efeitos da nova decisão cumulatória a proferir, era relevante a menção entre a matéria de facto provada ao valor global dos pagamentos efectuados pelo arguido em cumprimento da condição da suspensão da pena única de prisão que lhe foi aplicada no anterior cúmulo (efectivado no processo nº 2331/18.4T8PNF), julga–se que deveria na verdade ter ainda considerado aquele derradeiro pagamento efectuado antes da prolação do acórdão ora recorrido - rectius, pagamento efectuado e documentado inclusive antes da própria audiência, onde pôde ser sujeito a apreciação e contraditório.
Em suma, julga-se que aquele elemento probatório documental permite com segurança concluir que na verdade o arguido efectuou, pelo menos até 20/05/2020, pagamentos no valor total que vem invocado, devendo assim o ponto 31. da matéria de facto provada em sede de acórdão ser alterado nos termos propugnados pelo recorrente, actualizando–se assim a mesma matéria de facto à data da prolação da decisão recorrida.
O que se decide no âmbito da possibilidade concedida a esta instância de alteração da matéria de facto nos termos do art. 431º/b) do Cód. de Processo Penal (onde se dispõe que a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada, e nomeadamente, «se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º»).

Diversa é, porém, a solução relativa ao segundo segmento da impugnação do julgamento da matéria de facto que vem efectuada pelo arguido/recorrente.
Neste segundo momento, propugna o recorrente que, à quantia cujo pagamento se deve ter por comprovado até à data de prolação do acórdão recorrido, deverão mais ser adicionados os montantes pagos em data posterior àquela, aí se incluindo o integral ressarcimento da assistente “P...” - tudo entretanto documentado nos autos.
Nesta parte, e tanto quanto se percepciona dos autos, apenas poderá arguido estar a reportar-se ao documento de fl. 223, e junto em 02/07/2020, que consubstancia uma declaração emitida em nome da sociedade “P...”, e subscrita por um Senhor Advogado, através da qual se refere que a mesma sociedade se encontra “integralmente ressarcida de todos os danos por si peticionados no âmbito do processo nº 25/14.9T9MCN, cuja pena foi englobada no cúmulo jurídico realizado nos presentes autos”, sendo certo que dos autos não consta qualquer outro pagamento documentado após aquele ocorrido em 08/05/2020.
Seja como for, a verdade é que nesta parte a pretensão do recorrente não pode ser acolhida.
Como é consabido, o que se analisa em sede de recurso ordinário é o acerto de uma decisão judicial, sendo que esse exercício de sindicância recursiva apenas pode ter por base as circunstâncias em que a decisão recorrida foi tomada, e não quaisquer factores supervenientes de que o juiz recorrido, à data, não era conhecedor.
Como, aliás, acima acabou de se referenciar, no que em especial respeita a elementos (alegadamente) probatórios de natureza documental, do art. 165º do Cód. de Processo Penal decorre que os mesmos, mormente numa situação com a natureza daquela dos autos, devem ser juntos até ao encerramento da audiência.
Limite temporal que, como se escreveu designadamente no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/05/2010 (proc. 418/08.0PAMAI-C.P2)[9], «visa, desde logo, garantir o respeito pelo princípio do contraditório, princípio fundamental do direito processual», aditando mais adiante que «Acresce que, para além dessa razão de disciplina da tramitação processual, o recurso destina-se a que o tribunal superior aprecie a decisão recorrida e não a decidir questões novas.
Ora, a bondade da decisão recorrida há-de ser apreciada tendo em conta o direito aplicável ao caso concreto e tendo em conta, também, os elementos existentes nos autos aquando da sua prolação.
Na verdade, ao tribunal de recurso não compete proferir decisões que não tenham sido colocadas ao tribunal recorrido, mas sim analisar as decisões por este proferidas e aferir da sua conformidade com as provas e com a lei e nesta análise terá que se circunscrever aos elementos a que o tribunal recorrido teve acesso. Daí que esses elementos devam manter-se inalterados.
Aquilo que o arguido pretende com a junção do documento é uma a alteração da matéria de facto com recurso a novos elementos não acessíveis no momento da prolação da decisão, o que, como vimos a lei não contempla».
Ou seja, ao recurso do acerto da decisão judicial proferida, não podem servir de fundamento elementos, nomeadamente de natureza documental, apenas juntos com aquele primeiro, uma vez que não foram objecto de pronúncia pelo tribunal recorrido.
Como se escreveu no Acórdão do S.T.J. de 24/10/2012 (proc. 2965/06.0TBLLE.E1)[10], «Após o encerramento da audiência em 1.ª instância não é admissível a junção de documentos. Efectivamente, a redacção do n.º 1 daquele normativo cinge-se aos ciclos processuais, e enquanto o processo se encontra na 1.ª instância, o que se compreende, pois que, a partir do momento em que está fixada a matéria de facto, a admissão de um documento por pertinente implica que o recurso não verse integralmente sobre as provas produzidas que constituíram o meio de convicção do juiz de 1.ª instância, mas também sobre algo distinto que é o documento. (…) Pretender juntar um documento em fase de recurso e extrair dele consequências a nível probatório viola o espírito e a letra da lei. É fora de toda a lógica pretender que o tribunal de recurso vá sindicar a forma como se formou a convicção do tribunal recorrido utilizando prova que não foi acessível a este».
Assim, após a prolação de decisão final (sentença), com a fixação da matéria de facto, torna-se, mais do que inútil, despropositada a apresentação de prova de qualquer natureza, incluindo a documental, tanto mais que nos raros casos em que a lei admite a renovação da prova – e previstos no art. 430° do Cód. de Processo Penal –, como a própria denominação do instituto sugere, o tribunal de recurso limita-se a reanalisar os meios de prova (já) apresentados e produzidos, ou seja, não podem ser requeridos, nem ordenados oficiosamente novos meios de prova, isto é, meios de prova distintos dos apresentados e produzidos na 1ª instância.
Não pode, pois, e liminarmente, ser objecto de qualquer consideração o teor de quaisquer documentos agora juntos ex novo aos autos pelo recorrente.
Donde, não merecer acolhimento a impugnação do julgamento neste segmento.

Em suma, no que respeita à questão relativa à impugnação do julgamento da matéria de facto da sentença recorrida, procede parcialmente o recurso interposto pelo arguido, e, em conformidade com o que fica analisado e exposto supra e nos termos do disposto no art. 431º/b) do Cód. de Processo Penal, altera–se o ponto 31. da matéria de facto provada, que passa a ter a seguinte redacção :
31. Após o cúmulo das penas a que se reportam os pontos 1. a 4., o arguido efectuou, entre 8 de Maio de 2019 e 20 de Maio de 2020, o pagamento do montante global de €16.250 (dezasseis mil e duzentos e cinquenta euros).
*
Segue-se, na economia do recurso em apreciação, a parte que é, afinal, a que corresponde ao objecto mais substancial do mesmo, e em que o arguido/recorrente vem invocar uma série de considerações que, no seu entender, consubstanciam aquilo que designa de “erros de julgamento na apreciação em conjunto dos factos e da personalidade do arguido”.
Trata-se, contudo, não de ‘erros de julgamento’ na perspectiva de uma impugnação recursiva ampla da matéria de facto tida por assente, mas antes da invocação de circunstâncias que, no entender do recorrente, não terão sido objecto de devida ponderação jurídico-penal pelo tribunal recorrido, e que revestem primordial relevo para, devidamente ponderadas, sustentar a pretensão fundamental do arguido de que seja reduzida a pena única de prisão que lhe foi aplicada no acórdão cumulatório recorrido e de, subsequentemente a tal alteração, ser determinada a suspensão (ainda que condicionada) da mesma pena.
É, pois, de valoração jurídica que aqui se trata.
As concomitantes questões suscitadas pelo recorrente nesta parte devem ser avaliadas de forma sucessiva, pois que, naturalmente, só cabe apreciar da requerida suspensão da pena única (que vem fixada em 6 anos de prisão) se esta última for objecto de prévia alteração em termos que permitam a cogitação sobre a aplicação de tal instituto.
É, aliás, essa a arquitectura das alegações e conclusões do recurso, e será também a que passa a seguir-se.
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3. De saber se deve ser alterada a pena única fixada ao arguido.

Recordando, muito sucintamente, os termos relevantes para a contextualização da situação em causa nos autos, temos pois que o arguido/recorrente foi anteriormente condenado (no processo autónomo nº 2331/18.4T8PNF, do mesmo tribunal ora recorrido) num cúmulo jurídico que englobou as quatro condenações por si sofridas nos processos nºs 25/14.9T9MCN, 61/13.2IDPRT, 46/09.3IDPRT e 12/11.9IDPRT, sendo condenado (por acórdão cumulatório de 13/03/2019, transitado em julgado em 29/04/2019) na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na respectiva execução, por igual período, mediante a condição de pagar a quantia global de 866.970,86€ (79.266,40€ a favor da sociedade comercial ‘P...’ e 787.704,46€ para o Estado/Autoridade Tributária), tendo sido fixada a imposição de o arguido realizar o pagamento, no tribunal, da importância de 1.250€ por mês, a ser imputada no montante global, sendo que esses pagamentos mensais de 1.250€ são destinados aos ofendidos na seguinte proporção: 10% para a sociedade ‘P...’, e 90% para a Autoridade Tributária.
Entretanto veio a ser proferida a decisão ora recorrida, e que procedeu à reformulação do cúmulo jurídico, abarcando as penas aplicadas naquelas quatro condenações processuais, e agora mais aquela aplicada nos autos nº 101/11.0IDPRT, sendo (por acórdão cumulatório de 20/05/2020), aplicada agora a pena única de 6 anos de prisão.
No essencial, como reiteradamente já se indicou, pretende o arguido que, por via do presente recurso, seja alterada a pena única fixada neste novo cúmulo, decidindo-se pela aplicação de uma pena única igual ou inferior a 5 anos de prisão – e que mais se declare, a jusante, a suspensão de tal pena única, ainda que com condições.

Como é consabido, e dispensa aturadas considerações nesta sede, o concurso de crimes (e penas) relevante para efeitos de cúmulo jurídico vem regulado no art. 77º do Cód. Penal, que no seu nº1 dispõe "quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente".
O sistema do concurso de penas por cúmulo jurídico numa pena conjunta foi adoptado para evitar a eventual ultrapassagem do limite da culpa do agente criminoso, e que poderia decorrer de um sistema de acumulação material onde ocorresse a mera soma das penas em que o arguido tivesse sido condenado. Por isso que o sistema da pena conjunta implica uma avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente, nomeadamente, através da combinação das penas parcelares que não perdem a natureza de fundamentos da pena do concurso.
Em conformidade, e por forma a respeitar integralmente uma tal avaliação conjunta, são pressupostos basilares do cúmulo jurídico:
- a uniformidade subjectiva, isto é, que todos os crimes tenham sido cometidos pelo mesmo arguido,
- a coerência temporal, isto é, que o arguido os tenha praticado antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer um,
- e a coesão sancionatória, ou seja, e que as penas parcelares em que o arguido foi condenado sejam da mesma natureza, nos termos do art. 77º/3 do Cód. Penal.
Sucede que, por vezes, após uma condenação se manifesta a ocorrência de uma situação que determina um concurso de crimes por via de outra condenação derivada da prática pelo arguido de outros crimes anteriores àquela condenação – caso em tem lugar aquilo que se denomina por conhecimento superveniente do concurso.
Em tal caso, regula o art. 78º/1 do Cód. Penal, que precisamente dispõe que "se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes".
Ou seja, se depois de uma condenação transitada em julgado se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro crime, deverá ser condenado numa única pena de acordo com as regras do art. 77º do Código Penal.
Uma nota para realçar que, ainda que sem prejuízo dos aludidos pressupostos do cúmulo jurídico, a supra aludida designação de conhecimento superveniente do concurso deve ser entendida em sentido amplo, pois pode suceder que o que ocorra e seja conhecido – isto é, que se mostre – depois daquela anterior condenação, seja apenas a nova condenação, e não a pendência do procedimento criminal que vem determiná-la. Trata-se de observação que, na sua substancial inocuidade, desde já se consigna não dever ainda assim ser perdida de vista no presente caso concreto.

Prosseguindo, cumpre assinalar que no caso dos presentes autos, precisamente, entre as condenações sofridas pelo arguido no âmbito dos cinco processos enunciadas nos pontos 1. a 5. da matéria de facto provada, verifica-se uma situação de concurso, impondo-se a aplicação de uma pena única que englobe as penas das respectivas condenações.
Ademais, as condenações em causa reportam–se a processos distintos entre si, tendo assim havido lugar ao aludido cúmulo superveniente dos autos.
Acresce, finalmente, que o que ainda mais em específico está em questão na decisão recorrida é a reformulação de um cúmulo superveniente anteriormente efectivado (de quatro condenações), motivada por, entretanto (após esse cúmulo superveniente anterior), se haver mostrado que o arguido foi objecto de mais uma condenação penal, condenação esta que, na sua relação com as que integraram o aludido cúmulo anterior, manifesta a verificação dos pressupostos do concurso acima assinalados.
Donde, a aplicação pela decisão recorrida de uma pena única pelos crimes que integram as (cinco) condenações agora em causa, implicou, naturalmente, a reformulação desse cúmulo superveniente anteriormente efectuado – o qual, por sua vez, já reformulara os cúmulos efectuados das penas parcelares em que o arguido fora condenado no âmbito de alguns dos singulares processos em causa, nos casos em que tal se impusera.

No que tange ao exercício material conducente à determinação da punição única pelos crimes em concurso, o mesmo opera em primeiro lugar pela determinação das penas parcelares em que o arguido foi condenado no âmbito dos processos em que existe relação de concurso.
Esta operação, porque de um cúmulo superveniente se trata, já se mostra realizada por cada uma das decisões parcelares pelas quais o arguido vem condenado e que estão numa relação de concurso.
Em segundo lugar, deverá proceder-se à soma das aludidas penas parcelares, obtendo-se assim o limite máximo da moldura abstracta aplicável, sendo todavia aplicáveis os limites máximos de qualquer pena única, nos termos da regra do art. 77º/2 do Cód. Penal, que dispõe que "a pena [única] aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas".
Finalmente, assim determinados os limites máximo e mínimo da moldura punitiva aplicável, cumprirá então fixar a medida concreta da pena única dentro dessa moldura penal.
Nesta fixação da medida concreta da pena conjunta, deverá atender-se, por um lado, aos critérios gerais de determinação da pena, e, por outro, ao critério especial dos casos de concurso de penas, previstos pelo art. 77°/1 do Cód. Penal – critérios que entre si se conjugam.
Assim, e em primeiro lugar, a determinação da medida da pena desde logo através dos critérios gerais de escolha e graduação da pena concreta, havendo assim a considerar em especial os parâmetros do art. 71º do Cód. Penal: essa determinação deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção da prática de condutas criminalmente puníveis, devendo atender-se a todas as circunstâncias que -não fazendo parte do tipo de crime- depuserem a favor ou contra o arguido.
Depois, a determinação da medida da pena nos casos de concurso obedecerá aos critérios especiais de determinação do art. 77º/1 do Cód. Penal, onde se dispõe que são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
A apreciação do conjunto dos factos fornecerá uma visão integrada de condutas praticadas pelo agente (imagem global do ilícito), permitindo verificar se entre os factos criminosos existe uma ligação ou conexão relevante. A ligação ou conexão relevante entre factos visa apurar se o agente pretendeu com determinado conjunto de factos executar um plano, ou se há uma gravidade na conduta, não detectável em cada crime individualmente, mas claramente perceptível na sua globalidade.
A avaliação da personalidade do agente visa revelar se, da apreciação do conjunto dos factos praticados pelo agente, se extrai um figurino geral de personalidade do agente do crime, em termos de determinar a tendência ou a propensão para a prática de um determinado tipo de crime ou para a ofensa de determinados bens jurídicos. No âmbito da avaliação da personalidade, será ainda relevante, procurar compreender em que medida poderá a pena influenciar o arguido, em termos de dissuasão de uma delinquência futura.
Assim, e como de início se referiu, com a fixação da pena conjunta se procura sancionar o agente nos limites da respectiva culpa, sendo esse o sentido e significado de encontrar uma punição assente na reavaliação dos factos (não dos factos individualmente considerados, mas especialmente do respectivo conjunto; isto é, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente) em conjunto com a personalidade do arguido (impondo-se assim, e nomeadamente, verificar se dos factos praticados pelo agente decorre uma certa tendência para o crime, ou se estamos apenas perante uma pluriocasionalidade sem possibilidade de recondução a uma personalidade fundamentadora de uma "carreira" criminosa).
As penas conjuntas visam, pois, corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções, sendo que, como refere Cristina Líbano Monteiro (em “A Pena ‘Unitária’ do Concurso de Crimes”, RPCC, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166) – citada no Acórdão do S.T.J. de 10/01/2013 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (proc. 218/06.2PEPDL.L3.S1)[11] -, «o código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto, para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma “unidade relacional de ilícito”, portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente. A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares, à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes».
É profusa a jurisprudência produzida a propósito deste exercício de determinação da pena única aplicável em caso de concurso de crimes, nomeadamente de demonstração superveniente às respectivas condenações.
Assim, a título de mero exemplo e sem as mínimas preocupações de exaustão, pode ler-se no Acórdão do S.T.J. 31/03/2011 (proc. 201/08.3JELSB.E1.S1)[12], «I - Na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas. Com efeito, a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto. II - Como esclareceu o autor do Projecto do CP, no seio da respectiva Comissão Revisora, a razão pela qual se manda atender na determinação concreta da pena unitária, em conjunto, aos factos e à personalidade do delinquente, é de todos conhecida e reside em que o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, de onde resulta, como ensina Jescheck, que a pena única ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente. III - Posição também defendida por Figueiredo Dias, ao referir que a pena conjunta deve ser encontrada, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta».
Também no Acórdão do S.T.J. de 12/10/2011 (proc. 484/02.2TATMR.C2.S1)[13] se escreveu que «A pena única ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se, em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente».
Finalmente, referência para o Acórdão do mesmo S.T.J. de 18/01/2012 (proc. 34/05.9PAVNG.S1)[14], onde se exarou que «Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados ; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos. (…) Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma ‘carreira’, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais».

Antes de prosseguir, e como forma de efectuar a passagem à análise do caso concreto dos autos, uma referência também para a circunstância de que, pese embora no presente caso estejamos perante uma situação de reformulação de cúmulo jurídico anterior, determinado pela devida consideração de uma nova condenação parcelar, isso não significa que a pena única anteriormente encontrada, seja bitola absolutamente determinante para a fixação no novo cúmulo da nova pena única.
Como decorre de quanto acima se disse, o exercício material de determinação da pena única parte, em qualquer operação de cúmulo jurídico que – mesmo a título sucessivo – seja efectuado, da prévia definição de uma moldura penal cujo limite mínimo é, sempre, a pena parcelar mais elevada daquelas da mesma natureza que cumpra cumular.
O que significa, in casu, que a circunstância de o cúmulo anteriormente determinado haver fixado a pena única ao arguido/recorrente em 5 anos de prisão, isso não significa que a consideração no novo cúmulo de mais uma pena parcelar implique necessariamente a fixação de uma nova pena única num valor superior àquele.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03/12/2014 (proc. 230/10.7GAACB.C1)[15], «Em caso de concurso superveniente de crimes, a operação tendente a encontrar a pena conjunta, na qual se incluam penas parcelares que, por seu turno, já anteriormente hajam dado origem a uma pena de igual natureza, apenas se tem de ater às ditas penas parcelares, desconsiderando, por isso, as eventuais penas conjuntas antes fixadas. Consequentemente, a medida da pena única anteriormente determinada não pode condicionar os limites da moldura a atender para a fixação da nova pena conjunta, a qual, naturalmente, no seio dos parâmetros ditados pela lei quanto ao respectivo limite mínimo e máximo do concurso [sempre ditado pelas penas parcelares], há-de ser encontrada atendendo, em conjunto, aos factos e à personalidade do agente. Assim, a pena do anterior cúmulo não pode ter qualquer efeito limitativo da fixação de uma pena conjunta nova inferior àquela».
No mesmo sentido cite–se os Acórdãos do S.T.J. de 23/03/2017 (proc. 804/10.6PBVIS.C1) e de 16/05/2019 (proc. 790/10.2JAPRT.S1)[16], onde se escreve que «nada impede que a nova pena conjunta seja igual ao cúmulo anterior, quando se concluir que as novas penas, pela sua diminuta entidade, se mostram irrelevantes ao serem integradas no quadro global da factualidade criminosa. Como também nada impede que até possa ser inferior, porque a consideração global dos factos e da personalidade que o novo concurso impõe poderá, eventualmente, conduzir a um juízo mais favorável sobre a personalidade do arguido». Sempre no mesmo sentido, referência também para os Acórdãos do S.T.J de 10/01/2008 (Proc. 07P3184) e de 31/10/2007 (proc. n.º 3268/07)[17], onde se complementa não ser criticável «a manutenção do mesmo valor da pena única anteriormente fixada, apresar da consideração de mais uma pena, se dado o tempo decorrido desde a prática do facto e o desenvolvimento da personalidade do agente se mostrar desnecessária a agravação da pena anterior».
O que importa, tendo ademais especialmente em conta a amplitude que geralmente assume a moldura penal do concurso de penas (ou seja, a distância entre os limites máximo e mínimo dessa moldura, que pode provocar, e muitas vezes provoca, dificuldades na determinação da pena única a aplicar), e como bem resume o Acórdão do S.T.J. de 27/01/2022 (proc. 129/13.5TASEI.C1.S1)[18], é que se proceda «a uma aplicação muito ponderada e exigente, rigorosamente fundamentada, do critério legal da determinação da pena do concurso, com referência às circunstâncias dos crimes em presença, no seu relacionamento com a personalidade do condenado, e considerando os fins das penas».

Não se terminam estas considerações e advertências prévias, sem citar ainda o Acórdão do S.T.J. de 11/03/2020 (proc. 8832/19.0T8LRS.S1)[19], onde se consigna que «Não concitando a possibilidade de encontrar para a composição da pena conjunta soluções de acomodamento aritmético e de operações lógico-categoriais num campo (escorregadio, volúvel e dúctil) como é aquele que está estabelecido para a determinação da pena (parcelar) e com mais acutilância e vinco conceptual na construção da pena conjunta, deverão fazer-se intervir factores de ponderação prudencial, razoabilidade e mundividência equânime, pragmatismo, sensibilidade e senso sociocultural e pessoal que possibilitarão/fornecerão os vectores de razoamento que permitirão constituir, parametrizar e sedimentar o acrisolamento lógico-conceptual de uma pena compósita e em que, por vezes, integram diversos tipos de ilícito.
Não parecem colher, ponderadamente, nem sequer eventuais regularidades que viessem a encontrar-se através de uma rigorosa sociometria jurisprudencial neste âmbito.
Cada caso é um caso, e a gravidade deste necessita de um tratamento a ela adequado”.
Cada caso é um caso”.

É com tal parâmetro basilar em mente que prosseguimos.

No essencial, quase todas as considerações até aqui efectuadas encontram eco também na decisão recorrida, que, de forma exaustiva, percorre quanto de essencial pode ser referenciado no enquadramento teórico e abstracto da operação jurídico-penal de elaboração do cúmulo jurídico de penas, excurso esse que é isento de mácula.
Porém, e percorrida a dita decisão impugnada, facilmente se constata que a mesma já não se revela, de todo, tão proficiente no que tange à transposição daquelas considerações genéricas para o caso concreto em análise nos autos - muito em particular para os aspectos peculiares que se julga na verdade suscitar a situação jurídico-penal do arguido/recorrente.
Em bom rigor, e em quanto se reporta mais directamente à apreciação da situação concreta do recorrente, a decisão recorrida efectua-a em dois únicos parágrafos, do seguinte teor :
«Há, portanto, que considerar as penas parcelares aplicadas, a natureza dos factos, a reiteração criminosa e os fins de prevenção geral e especial das penas, tendo ainda presente o contexto de vida do arguido à data da prática dos factos e bem assim a sua actual situação pessoal, tudo espelhado na fundamentação de facto (conforme decorre das decisões em apreço, do certificado de registo criminal e do relatório social e demais prova produzida), nomeadamente, o número e tipo de crimes praticados, em sinal de uma significativa indiferença pelos deveres e responsabilidades fiscais e património alheio; os concretos prejuízos patrimoniais causados pelo arguido que globalmente ultrapassa um milhão de euros; os pagamentos entretanto levados a efeito - mas que face à sua situação socioeconómica apurada se apresentam bem inferiores às suas reais possibilidades; a circunstância de apesar da pena efectiva ter já transitado em 9 de Maio de 2019 não ter sido iniciado o seu cumprimento, a inserção social, familiar e profissional do arguido, ainda que habitual nos tipos de ilícito em causa.
A personalidade do arguido, tendo presentes os factos perpetrados e a respectiva conjuntura tudo permite concluir que a prática dos ilícitos não foi pluriocasional. E quanto à existência de uma relação entre os crimes e os factos apurados relativamente aos tipos de ilícito em causa, estão estes claramente conexionados.
Tudo ponderado, afigura-se-nos, pois, adequado e proporcional aplicar ao arguido a pena única de 6 (seis) anos de prisão».

Ora, como é também consabido e constitui posição sedimentada na jurisprudência, a operação de cúmulo jurídico não deve bastar-se com a utilização de considerações genéricas sobreponíveis a todos os casos, que pouco dizem sobre as razões da determinação concreta da pena única no caso específico em análise.
Em particular numa situação de manifestação superveniente do concurso, exige-se uma especial necessidade de fundamentação, que passa não apenas por uma descrição, ainda que sucinta, dos factos pertinentes a cada um dos crimes cometidos, cujas condenações se encontram em concurso, como também da ponderação dos mesmos com aqueles que sejam reveladores das características pessoais, do modo de vida e da inserção social do condenado, tudo por forma que se conheça e caracterize adequadamente a globalidade da sua actividade criminosa e da sua personalidade.
Neste sentido, e por todos, vejam-se os Acórdãos do S.T.J. de 18/01/2012 (proc. 34/05.9PAVNG.S1) já citado[14], de 06/02/2014 (proc. 6650/04.9TDLSB.S1)[20], e de 11/05/2011 (proc.1040/06.1PSLSB.S1)[21].
E muito em particular, adita-se aqui, tal especial cuidado na fundamentação se impõe num caso - como o presente – em que, em resultado da operação de cúmulo jurídico, pode ser determinado o cumprimento efectivo de uma pena privativa da liberdade, sendo que alguma das condenações parcelares em concurso o era em pena de prisão suspensa na sua execução (e não tendo tal suspensão sido objecto de prévia revogação).
Na verdade, mesmo para quem considere que a formação de uma pena única, em caso de conhecimento superveniente do concurso de infracções, pode integrar crimes pelos quais tenham sido aplicadas penas de prisão suspensas na sua execução [22], não há como evitar a ponderação de que essa integração pode determinar, em termos materiais, um cumprimento de reclusão penal decorrente de uma decisão e ponderação situada a jusante daquela que decidira que tal cumprimento não se mostrava necessário, e que assenta em pressupostos diversos daqueles que em princípio poderiam determinar tal cumprimento (por via de uma eventual revogação da mesma suspensão).
Na contemplação destas considerações, não se suscitam dúvidas em referir que a decisão recorrida, nesta perspectiva, se situa no limiar mínimo da exigência de fundamentação que aqui se julga adequada.

Como acima se disse, a decisão recorrida mostra-se algo frugal na apreciação e ponderação sobre os aspectos peculiares que, julga-se, se suscitam na concreta situação jurídico-penal do arguido/recorrente.
Ora, e adentrando já directamente na apreciação dos fundamentos do recurso interposto, constata-se que tais argumentos, nesta parte, mais não são, afinal, do que o realçar precisamente de uma série de circunstâncias concretas, atinentes à consideração do conjunto dos factos e da personalidade do arguido, as quais, no seu entender, merecem uma mais cuidada e específica ponderação, e, por via, desta, justificam a alteração da decisão recorrida.
Passa-se, pois, a analisar os fundamentos do recurso interposto, inserindo tal análise numa perspectiva de ponderação da situação jurídico-penal do arguido e por forma a aferir do acerto da decisão recorrida no seu exercício de fixação da pena única aqui imposta – tudo tendo em consideração os pressupostos que vimos deverem presidir a este último.
E isso fazendo, adianta-se desde já, julga-se que ao recorrente assiste substancialmente razão, em função de quanto resulta de uma mais densificada ponderação sobre o concreto percurso jurídico-penal e processual que determina a realização do presente cúmulo jurídico ao arguido.

Temos, pois, que, de acordo com as regras inicialmente enunciadas de determinação da moldura penal aplicável no caso, e a ter em conta na fixação da pena única, esta pena unitária terá por limite mínimo os 3 anos e 6 meses de prisão (pena parcelar mais elevada daquelas em concurso) e como limite máximo os 17 anos de prisão (soma das sete penas em concurso).
Como se explanou supra, determinados estes limites mínimo e máximo da moldura punitiva aplicável, na determinação da medida concreta da pena única a fixar deverá atender-se, por um lado, aos critérios gerais de determinação da pena, e, por outro, ao critério especial dos casos de concurso de penas, previstos pelo art. 77°/1 do Cód. Penal (onde se dispõe que são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente) - critérios que entre si se conjugam, e devem, por isso, ser aqui apreciados de forma interligada.
Assim, de acordo com o princípio geral relativo à finalidade que deve presidir à determinação das consequências penais de uma conduta criminalmente relevante estabelecido no art. 40º do Cód. Penal, as finalidades das penas são a protecção de bens jurídicos e a socialização do agente do crime, determinando-se que a culpa constitui o seu limite.
Como factores de escolha e graduação da pena concreta há a considerar os parâmetros dos arts. 70º e 71º do Cód. Penal.
A primeira dessas disposições, que aqui no caso não releva, determina que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Já o art. 71º do Cód. Penal estabelece que tal determinação deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção da prática de condutas criminalmente puníveis, devendo atender-se a todas as circunstâncias que - não fazendo parte do tipo de crime - depuserem a favor ou contra o arguido.
Na determinação da medida concreta da pena o tribunal deve, pois, atender à culpa do agente, que constitui o limite superior e inultrapassável da pena a aplicar (sob pena de, ultrapassando-o, se afrontar a dignidade humana do delinquente), sendo a pena, contudo delimitada, no seu limite mínimo, pelos ditames da prevenção especial (centrados na tutela de bens jurídicos), abaixo dos quais não pode fixar-se a medida da pena, sob pena de perda de confiança da comunidade no restabelecimento da vigência da norma violada.
Ao mesmo tempo, considerando que as finalidades de aplicação das penas incidem fundamentalmente na tutela dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade, o limite superior da moldura do caso concreto deve fixar-se na medida considerada como adequada para a protecção dos bens jurídicos e para a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência das normas infringidas, ainda consentida pela culpa do agente, enquanto o limite inferior há-de corresponder a um mínimo, ainda admissível pela comunidade para satisfação dessas exigências tutelares.
Entre tais balizas assim determinadas, o tribunal deve fixar a pena num quantum que traduza a concordância prática dos valores decorrentes das necessidades de prevenção geral com as exigências de prevenção especial que se revelam no caso concreto, quer na vertente da socialização, quer na de advertência individual de segurança ou dissuasão futura do delinquente
Nesta tarefa de individualização, o tribunal dispõe dos critérios de vinculação na escolha da medida da pena constantes do já citado art. 71.º do Código Penal, designadamente os susceptíveis de “contribuírem tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar” - cfr. Acórdão do S.TJ. de 17/04/2008, cit. por A. Lourenço Martins, em ‘Medida da Pena’, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 242.
Não deverá ainda perder-se de vista, atenta a particular natureza da maioria dos crimes em concurso, quanto alerta o art. 13º/1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, que, na determinação da medida da pena quando estejam em causa crimes de natureza fiscal, se atenderá sempre que possível ao prejuízo causado pelos crimes.
Em directa conjugação com todos os parâmetros expostos, temos ainda que, por imposição do nº 1 do art. 77º do Cód. Penal, na medida da pena única devem ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente – o que significa que deverá ter-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente.
A ponderação do conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes. Já na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. Mas tudo tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral, e os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente, assim se respeitando sempre a tutela também devida às exigências de prevenção especial de socialização.
Em suma, a aplicação de uma pena conjunta não pode estar dissociada da questão da adequação da pena à culpa concreta global e da consideração das exigências preventivas, passando o efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso da punição concreta, pela necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.

No caso do arguido, e numa apreciação dos factores que militam em desfavor do mesmo no contexto da análise global que aqui se impõe, começar-se-á por referir que os crimes por si praticados e integrantes do cúmulo, reflectem gravidade objectiva e são merecedores de acentuado juízo de censura penal, estando em causa, em qualquer das condenações em cúmulo, crimes que colocaram em crise valores jurídico-penais de ordem patrimonial, mormente de natureza tributária e fiscal – sendo crimes desta última natureza que estão em causa em quatro das cinco condenações em concurso.
Tal circunstância desde logo marca as exigências de prevenção do caso, visto que, consabida e indiscutivelmente, a teleologia da criminalização dos actos de evasão fiscal fraudulenta tem subjacente um tratamento vocacionado à realização de fins públicos, de prossecução de incontornáveis interesses de índole financeira, nacionais e comunitários, e de subsistência colectiva de justa repartição dos rendimentos.
Inerente ao dever de pagamento de impostos está o cumprimento pelo Estado dos inúmeros deveres sociais ou de fomento económico que lhe competem. donde quaisquer actos que determinem uma diminuição da entrada de receitas nos cofres do Estado acabam por prejudicar os cidadãos cumpridores, muito particularmente os trabalhadores dependentes, e outros titulares de rendimentos que têm o seu imposto retido na fonte, e a título definitivo.
Quem pratica a evasão e a fraude fiscal está, portanto, a infringir os princípios fundamentais da igualdade, da legalidade, da justa repartição do rendimento e da concorrência leal – em suma, da solidariedade social por via da solidariedade fiscal. Do mesmo passo, impede a existência de verdadeira justiça fiscal e prejudica o investimento público em sectores nevrálgicos para a sociedade.
Particularmente relevante é a constatação de que, em todos os casos em concurso, os actos praticados pelo arguido não se limitaram a ser meramente aptos a causar o perigo da lesão jurídica patrimonial, nomeadamente, e nas situações correspondentes, de natureza tributária – de facto, em resultado dos mesmos actos, existiram reais e efectivos prejuízos patrimoniais, e causados ao Estado nos processos relativos a fraude fiscal.
E os valores patrimoniais correspondentes aos prejuízos causados pelo arguido, quer à ofendida sociedade comercial em causa nos factos relativos à condenação no processo elencado no ponto 1. da matéria de facto provada, quer ao erário público e todas as demais situações, são bastante elevados (muito em especial no que tange aos factos em causa nos processos elencados nos pontos 2. e 5. da matéria de facto) – somando um total de cerca de 1,2 milhão de euros.
Nas suas actuações, o arguido agiu sempre com dolo directo - ou seja, na modalidade mais grave de tal título de imputação subjectiva.
O modo de execução dos factos revela em qualquer dos casos o recurso a esquemas pensados e articulados por forma a dificultar a respectiva detecção potenciar o máximo ganho possível.
Tudo quanto até aqui se expôs, já faz salientar, como se disse, as exigências de prevenção, quer de ordem geral (pois que esquemas de fraude como aqueles que foram executados pelo arguido são atraentes devido aos lucros elevados que proporcionam), quer de ordem especial (impondo-se obviar a que este arguido volte a cair em tentação similar às dos factos já anteriormente praticados - tanto mais que manifestamente não perdeu os conhecimentos e as especiais valências pessoais que serviram de ferramenta àqueles - pois que continua a desempenhar funções profissionais no âmbito da actividade empresarial e comercial).

O contraponto a todos estes factores, corresponde a quanto - quer numa perspectiva de ponderação dos requisitos inerentes à finalidade da punição, quer à avaliação conjunta dos factos e da personalidade do arguido - milita em favor do recorrente.
Naturalmente e sem qualquer surpresa, na sua grande parte corresponde também à argumentação recursória do arguido nesta parte.

Assim, e secundando-se desde logo nesta parte um dos argumentos do recurso interposto e ora em apreciação, o primeiro aspecto que deve salientar-se é o de que, analisando a globalidade dos factos em concurso no presente processo, se verifica que todos eles se encontram conexionados entre si, apresentando uma relação de continuidade temporal e objectiva, formando e constituindo, numa imagem global da conduta censurável do arguido, um complexo delituoso de média gravidade.
E essa conexão revela-se sob vários aspectos.
É verdade que, em termos de continuidade temporal, a conexão em causa não surge imediatamente apreensível quando se constata que o complexo criminoso protagonizado pelo arguido se situa nos anos de 2004, e depois de entre 2007 a 2012.
Porém, tal conexão começa a revelar-se quando se considera que esse período assim temporalmente delimitado é aquele da única exclusiva incidência in tottum da actividade criminalmente censurável do arguido, actualmente com 51 anos de idade.
E mais acentuadamente se revela a conexão temporal entre os factos quando se considera que em cúmulo anteriormente decidido (que fixou a pena única em 5 anos de prisão, suspensa na sua execução), foram englobadas quatro condenações referentes a factos praticados nos anos de 2004, 2007, 2009, 2010 e 2012, e que a nova condenação agora integrada na nova pena conjunta (ora em apreciação) se refere a factos praticados entre 2007 e 2008.
Ou seja, e como bem assinala o recorrente, o período nuclear dos ilícitos situa-se entre 2007 e 2010, precisamente na baliza temporal do processo que faltava incluir no último cúmulo jurídico, o que significa que a anterior pena única fixada ao arguido já abrangeu a totalidade da janela temporal em que se integram todos os factos em concurso neste momento.
A decisão de cúmulo agora sindicada por via do presente recurso procedeu, pois, à integração de factos praticados entre 2007 e 2008, num período temporal que já se mostrava abrangido no anterior cúmulo. Donde, o referencial que possa ponderar-se, a partir daquela pena única anterior, na fixação da nova pena unitária, não pode deixar de ter em devida consideração o carácter mitigado que inculca a visão global dos factos, desde logo nesta perspectiva da baliza cronológica dos mesmos.
Mas mais acentuada e evidente é, em todo o caso, a homogeneidade objectiva dos factos.
Assim sucede desde logo por referência à sua relevância típica criminal, pois que, como já assinalou, todos eles consubstanciam ilícitos contra o património, tratando–se na sua quase totalidade de crimes de natureza tributária, isto é, em que está em causa no essencial o desrespeito sempre por valores jurídico–penais de similar natureza e que justificam juízos de censura assentes em pressupostos de idêntica índole –como, aliás, reflectem cristalinamente os factos assentes e os fundamentos de cada uma das respectivas condenações parcelares em concurso.
Mas mais do que isso, realça também o recorrente com objectiva correspondência à realidade factual, constata-se a existência de factores de específica conectividade objectiva entre os factos de alguns dos processos das condenações ora em cúmulo. Assim, e com reporte aos processos nºs 101/11.0IDPRT e 12/11.9IDPRT (pontos 5. e 4. da matéria de facto provada no acórdão recorrido) a factualidade assente demonstra que a sociedade comercial “L...” (sempre representada pela mesma pessoa) surge num processo como emitente e no outro como destinatária de facturas, sem correspondência com a realidade, respectivamente recepcionadas e emitidas pela sociedade “I ...”, de que era representante o arguido ; sendo que toda a actuação em causa em ambos os processos teve como finalidade influenciar a matéria tributável para efeitos de IRC num dado ano fiscal ; por sua vez, o processo nº 61/13.2IDPRT (ponto 2. da matéria de facto provada no acórdão recorrido) respeita a casos de facturação entre as sociedades “G..., Lda.”, também gerida pelo arguido, e aquela mesma sociedade “I ...”.
Ou seja, pelo menos em parte, estamos perante uma reciprocidade de actuações e condições de temporaneidade que não podem ser desprezadas no necessário exercício de contemplação do ilícito global praticado pelo recorrente.

Também não pode deixar de ser tomada em consideração, numa necessária análise sobre a actualidade da repercussão dos factos na ordem jurídica, o período de tempo entretanto decorrido sobre todos os factos em concurso.
Na verdade, sobre o termo final dos factos em causa nos autos decorreram já, e pelo menos, entre cerca de 18 anos (no caso daqueles em causa no processo do ponto 3. da matéria de facto provada) e quase 10 anos (relativamente àqueles em causa no processo do ponto 1. da matéria de facto provada) – sendo que, no caso de todos os factos ilícitos de natureza tributária, este último termo final se situa há já cerca de 12 anos.
Ora, estes períodos de tempo decorridos sobre qualquer das actuações dos autos – e quanto maior o período em causa, mais acentuadamente – faz não apenas com que aquela repercussão e necessidades punitivas demandadas pela comunidade não se façam sentir com a mesma intensidade, por muito elevada que objectivamente esta sempre se manifeste, como também determinam a necessidade de ponderar sobre se o agente dos factos, na sua individualidade própria que é linha de limite de apreciação em sede de culpa e exigências de prevenção especial, será actualmente pessoa diferente daquela que os levou a cabo.

Acresce que a relevância mais imediata e significativa do factor acabado de expor, é a da respectiva influência quando se pondere da avaliação da personalidade do arguido revelada no seu comportamento posterior aos factos em concurso.
Na verdade, de pouco relevará o decurso de um período temporal alargado decorrido sobre a prática dos factos, se após os mesmos se demonstrar que o condenado persistiu numa conduta delituosa continuada até à actualidade da sua condenação unitária. Isso mesmo, aliás, está desde logo subjacente à imposição legal de que o momento decisivo para a verificação de um concurso de factos a sujeitar a uma pena única, seja o primeiro trânsito em julgado das condenações respectivas, ou seja, a imposição, em sede de conhecimento superveniente do concurso, de só relevarem os factos/crimes que tenham sido cometidos antes de transitar em julgado a condenação por qualquer um deles.
Pois bem, o que se verifica no caso dos autos é que após o cometimento dos últimos factos integrantes do concurso, não há registo de qualquer outra conduta típica e ilícita posterior da parte do arguido/recorrente.
Ou seja, posteriormente a 2012 e até à data da decisão recorrida (pelo menos), nada mais existe de desvalioso a apreciar na conduta do arguido.
Como aliás, acrescente-se, nada se regista também anteriormente aos factos em concurso – como se disse, estes últimos consubstanciam a absoluta exclusividade do seu percurso criminal.
O que indicia, desde logo por esta via, não estarmos perante alguma tendência criminosa, assente em características desvaliosas da respectiva personalidade, e susceptível de acrescida cautela no que respeita â ponderação das exigências de prevenção no caso.
Nesta parte, não podem deixar de subscrever-se as considerações do recurso quando realça que «No atinente ao binómio tendência criminosa/pluriocasionalidade, no acórdão [recorrido] lê-se apenas o seguinte: “A personalidade do arguido, tendo presentes os factos perpetrados e a respectiva conjuntura tudo permite concluir que a prática dos ilícitos não foi pluriocasional”».
E, efectivamente, afigura-se também nesta sede que tal exclusivo excerto assim transcrito se revela acentuadamente conclusivo, desconsiderando desde logo uma melhor ponderação que aqui seria devida.
Sendo que não é apenas a circunstância de que desde pelo menos 2012 nada existe de repreensível, condenável ou desvalioso que possa ser assacado ao arguido, que a decisão recorrida desconsidera - mas também, como veremos já de seguida, também o seu comportamento activo no sentido de ressarcir os prejuízos que as suas condutas causaram.
Na verdade, e prosseguindo na análise daquele que é o comportamento posterior aos factos em concurso manifestado pelo arguido, temos que o mesmo não se traduz numa mera ausência de reiteração delitiva – esse sim, o patamar mínimo que lhe seria exigível –, mas antes se consubstancia, como aliás a matéria de facto provada em sede de acórdão reflecte, uma actuação no sentido de ressarcir os prejuízos causados com as suas condutas criminais.
Assim, desde logo se mostram assentes, e agora já considerando a parcelar alteração da matéria de facto supra acolhida, as seguintes circunstâncias:
- que no âmbito do processo referido no ponto 1. da matéria de facto foram realizados, entre Janeiro de 2017 e Maio de 2018, pagamentos no valor total de €6.250,00 (ponto 29. da matéria de facto provada)
– que no processo referido no ponto 2. da matéria de facto, foram realizados, entre Janeiro de 2018 e Fevereiro de 2019, pagamentos no valor total de €7.000,00 (ponto 30. da matéria de facto provada),
– e após o anterior cúmulo das penas a que se reportam os pontos 1. a 4. da matéria de facto, o arguido efectuou entre 8 de Maio de 2019 e 20 de Maio de 2020, pagamentos no montante global de €16.250,00 (ponto 31. da matéria de facto provada, conforme alteração supra determinada).
Estes últimos pagamentos integram, ademais, o cumprimento pontual pelo arguido da condição da suspensão da anterior pena única de prisão fixada aquando do cúmulo efectivado no já reiteradamente aludido processo nº 2331/18.4T8PNF.
Na verdade, como se relatou já, não obstante a essa data (de realização do cúmulo anterior), o mesmo tribunal já ter aplicado ao arguido, e mais de um ano antes, uma pena de prisão efectiva (não transitada em julgado, é certo) por factos anteriores a alguns dos integrados nesse cúmulo, ainda assim fixaram ao aqui arguido uma pena única conjunta de cinco anos de prisão suspensa na sua execução mediante a condição de nesse período liquidar a quantia global de 866.970,86€ (dos quais 79.266,40€ destinados à sociedade “P...” e 787.704,46€ ao Estado), mais se cominando a obrigação de entretanto ir procedendo ao pagamento de 1.250€ por mês a imputar naquele valor global.
São esses pagamentos que, como vimos resultar resulta da matéria de facto assente, o arguido tem cumprido.
Donde, como também com a-propósito faz notar o recorrente, não se mostra absolutamente rigorosa a conclusão, exarada na decisão ora recorrida, de que se reconhecem «os pagamentos, entretanto levados a efeito - mas que face à sua situação socioeconómica apurada se apresentam bem inferiores às suas reais possibilidades ».
Ainda que assim possa suceder, a verdade é que os pagamentos que vêm sendo efectuados cumprem pontualmente aquilo que o tribunal – que o mesmo tribunal – determinara a montante como condição da pena única de prisão suspensa anteriormente fixada.

Neste passo, aliás, cumpre assinalar – a latere e salvo o muito devido respeito – que não deixam de causar marginal estranheza quer a já aludida frugalidade na fundamentação da decisão recorrida, quer considerações como aquela acabada de enunciar e na mesma exarada, quando se constata que ambas as decisões de cúmulo jurídico superveniente relativas à situação do arguido (quer a decisão ora recorrida, quer aquela do anteriormente formulado), foram proferidas pelo mesmo tribunal (circunstância que o recorrente, aliás, reiteradamente se encarrega de assinalar) – e, quando se diz ‘pelo mesmo tribunal’, quer-se significar não apenas o mesmo órgão jurisdicional, mas inclusive o mesmo colectivo de Senhores Juízes.
É verdade que no (novo) cúmulo ora em análise foi incluída uma nova pena, em prisão efectiva, não integrada no cúmulo anterior; mas também não é menos verdade que essa nova condenação parcelar (em prisão efectiva), pese embora ainda não transitada em julgado à data daquela primeira decisão de cúmulo (que fixou uma pena única de prisão suspensa), já era do tribunal conhecida há quase dois anos – porque, igualmente aqui, fora o mesmo tribunal também a decidi–la.

Retomando a análise que se vinha efectuando, acresce que, se é certo em sede de matéria de facto provada (pontos 18., 19. e 21.), se dá por assente que o arguido mantém actividade empresarial nacional e internacional, designadamente na Suíça, Espanha e Chile, que a empresa que administra actualmente (“I2 ... S.A.”) tem um volume de facturação de cerca de dois milhões de euros, não detendo qualquer crédito bancário desde 2014 e apresenta lucros, e que o arguido aufere nas funções de administrador das empresas que administra entre 5.500€ a 6.000€ mensais, verdade também é que tal enumeração fáctica não permite concluir exactamente a partir de que data aufere o arguido esses rendimentos.
Seja como for, como se disse, na ponderação desta actuação tendente ao ressarcimento dos prejuízos causados não podem desvalorizar–se os montantes efectivamente pagos pelo arguido, sendo certo que o valor mensal fixo determinado aquando da condenação na anterior pena unitária suspensa correspondia aos €1.250,00 que têm vindo a ser pagos, não podendo confundir–se essa obrigação com aqueloutra, concomitante, de até ao fim do período de suspensão ali fixado (5 anos) se mostrar efectuado o pagamento do valor total devido para reparar os prejuízos causados a terceiros pela prática dos crimes.
Mostra-se ademais demonstrado na matéria de facto provada (ponto 26.) que, pese embora o arguido atribua os factos a fragilidades que imputa às perdas sofridas com a crise económica, e que afirma terem-no tornado permeável a mecanismo de resolução de problemas desajustados, também reconhece haver com isso causado danos para terceiros.

Ainda com especial ênfase na vertente da presente análise que impõe uma apreciação da personalidade do arguido e daquilo que os factos por si praticados possam da mesma reflectir, mais deverá ter-se na devida conta que o recorrente se mostra bem integrado social, familiar e profissionalmente.
Familiarmente, mantém uma relação conjugal de quase três décadas – relação tida por gratificante em termos afectivos e de partilha das dificuldades, tratando-se de um casal solidário –, tendo duas filhas ainda jovens e estudantes (pontos 14., 15. e 16. da matéria de facto provada).
Socialmente está também assente nos autos que exerce actividades de cariz social, sendo presidente de uma escola de música em ... - instituição que frequenta, aliás, desde muito jovem –, sendo que «no meio social onde vive, o arguido e elementos do seu agregado são referenciados como pessoas ajustadas no relacionamento interpessoal» (pontos 11. e 25. da matéria de facto provada)
Revela também investimento na sua formação pessoal e académica, sendo que, assentando a subsistência do agregado familiar de origem no exercício da actividade de agricultores pelos pais do arguido, este integrou a escolaridade em idade própria, concluiu o 4º ano, retomou os estudos aos 18 anos em regime nocturno, vindo a obter o 9º ano de escolaridade e habilitando-se com um curso de desenho (pontos 8., 9. e 10. da matéria de facto provada).
Tem sólidos hábitos de trabalho ao longo da vida, e desde a adolescência (começando a trabalhar aos 13 anos de idade na construção civil), nomeadamente a nível de empreendedorismo empresarial. Assim, mostra-se demonstrado que, mantendo actividade empresarial nacional e internacional, designadamente na Suíça, Espanha e Chile, em Portugal emprega entre 80/90 pessoas, e a nível global as empresas administradas pelo arguido empregam cerca de 450 trabalhadores (pontos 9., 18. e 20 da matéria de facto provada) - proporcionando, assim rendimentos laborais e sustento a múltiplas famílias.

Aqui chegados, cumpre concluir quando se julga ser a devida configuração da situação jurídico-penal do arguido à luz dos assinalados critérios e parâmetros conjugados dos arts 40º, 71º e 77º do Cód. Penal.
Resumindo quando já acima se deixou enunciado, escreveu-se no Acórdão do S.T.J. de 21/11/2018 (proc. 574/16.4PBAGH.S1)[23] que “Na determinação da pena conjunta, impõe-se atender aos “princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso”, imbuídos da sua dimensão constitucional, pois que “a decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta - dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber (…) se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido”.
No presente caso, e numa análise global dos factos, julga-se evidente que essa visão da actuação conjunta do arguido revela aquilo que usualmente se designa por pluriocasionalidade da prática de ilícitos, todos de similar natureza, praticados em continuidade, e num período específico, delimitado da vida do arguido, período definitivamente cessado há praticamente uma década.
Ou seja, na consideração dos factos (rectius, do conjunto dos vários factos que integram os diversos crimes em efectivo concurso) percepciona-se uma avaliação da gravidade da ilicitude global que permite perspectivar os mesmos como um todo único, total, globalizado, manifestando-se entre grande parte dos mesmos ligações, conexões ou pontos de contacto, que se verificam quer entre os factos em concurso, quer pela sua relativa proximidade e circunscrição temporal, sendo ainda possível estabelecer alguma corrente de continuidade, interrompida embora, quer na identidade ou proximidade de bens jurídicos violados, quer no objectivo pretendido.
Depois, e em função de quanto se percepciona por seu turno da avaliação da personalidade do recorrente, não se denota que aquelas actuações assim delimitadas sejam emanação de qualquer tendência, ou carreira, criminosa, pois que, ademais, aquele período é exclusivo no que a práticas delituosas do arguido respeita. Não se revelando, de todo, uma tendência para o crime quando analisados globalmente os factos, não se suscita assim a necessidade de aplicação de um efeito agravante dentro da moldura do concurso.
Para além disto, e porque também influem na determinação da pena conjunta as exigências de prevenção, dever-se-á atender ao efeito que as condenações sofridas, e aquela a fixar, suscitam sobre o delinquente, e em que medida esse factor irá ou não facilitar a necessária reintegração do agente na sociedade. Ora, no caso, mais se constata que o dano ocasionado aos lesados, maiormente ao erário público, tem vindo a ser ressarcido pelo arguido, pelo menos na medida do que foi oportunamente imposto nesse sentido por anteriores decisões. O que denota haver o mesmo assumido o erro do seu procedimento e sentir a gravidade da censura sobre o mesmo.

Efectuando, enfim, o exercício de fixação da pena única dentro da moldura legal penal supra assinalada – mas sem desconsiderar quanto se disse no que tange à ponderação da janela delimitada pelos ditames da culpa e das exigências de prevenção –, haverá, pois, que, no caso, levar a cabo um exercício de compressão das penas parcelares em concurso – com excepção, naturalmente, daquela mais elevada, que transmite, na sua intocabilidade, o ponto de partida daquela moldura.

Neste exercício de compressão, cumpre dizê–lo, rejeita–se liminarmente o apelo a qualquer regra de ponderação de fórmulas aritméticas, traduzida no fraccionamento pré–estabelecido das penas parcelares, e adição matemática dos fragmentos das mesmas assim extraídos para construção da pena única aplicada.
Como se escreveu no Acórdão do S.T.J. de 16/05/2019 (proc. 790/10.2JAPRT.S1)[24], na determinação da medida concreta da pena única «ao tribunal impõe-se uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto, e não enquanto mero somatório de factos desligados, na sua relação com a personalidade do agente, neles revelada. (…) A determinação da pena única, quer pela sua sujeição aos critérios gerais da prevenção e da culpa, quer pela necessidade de proceder à avaliação global dos factos na ligação com a personalidade, não é compatível com a utilização de critérios rígidos, com fórmulas matemáticas ou critérios abstratos de fixação da sua medida. Como em qualquer outra pena, é a justiça do caso que se procura”.
No mesmo sentido, cita–se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28/01/2014 (proc. 702/12.9GTABF.E1)[25], que consigna que «O recurso a critérios práticos de base aritmética, apesar de visar o propósito louvável de obter maior uniformidade na aplicação das penas, é susceptível de críticas tão mais fundadas quanto mais tender à aplicação automática, sem criteriosa ponderação dos factores referentes à culpa e à prevenção, redundando no desrespeito do sistema de pena única conjunta acolhido entre nós ».

Assim, esse exercício de compressão deve antes ter presente que a realização do cúmulo jurídico de penas visa permitir que, num certo momento, se conheça da responsabilidade do arguido quanto a factos do passado, no sentido em que todos esses factos, caso houvesse contemporaneidade processual, poderiam ter sido apreciados (e sobre eles proferida decisão) em conjunto (e num só processo ou num único momento).
Tal aspecto é, aliás, particularmente relevante no caso dos presentes autos em que se verifica que todos os julgamentos, no âmbito dos quais o arguido sofreu as condenações em concurso, tiveram lugar depois do cometimento dos últimos factos em concurso. Ou seja, não estamos perante uma situação em que o arguido foi sendo julgado por determinados factos, sem ocorrência de trânsitos em julgado, durante um período concomitante com a prática de outros factos relativamente aos quais tenha a jusante surgido a necessidade de efectuar cúmulo com aqueles. No caso dos autos, toda a actividade criminal relevante para o cúmulo ocorreu anos antes do primeiro julgamento por qualquer dos factos que a integram.
Mais: esses cinco julgamentos, todos posteriores ao conjunto da actuação do arguido, tiveram lugar em apenas dois tribunais – o Juízo Local Criminal de Amarante (processos dos pontos 3. e 4. da matéria de facto) e o Juízo Central Criminal de Penafiel, Juiz 1 e Juiz 3 (processos dos pontos 1., 2. e 5. da matéria de facto), pelo que nem será despropositado considerar-se que bem poderia ter aqui ocorrido oportuna apensação pelo menos de alguns procedimentos.

Depois, realça-se que na fundamentação da pena única aplicada deverá evidenciar-se a proporcionalidade das penas parcelares englobadas com o sistema punitivo penal, nelas incidindo o denominado «factor de compressão» como aferidor do rigor e da justeza do cúmulo jurídico de penas, e, do mesmo passo, garante da objectividade da justiça e da igualdade de tratamento judicial do condenado. Como se escreve no recente Acórdão do S.T.J. de 03/11/2021 (proc. 99/20.3GGPTG.S1)[26], «A fração de “aproveitamento” das penas parcelares tem de adequar-se especialmente à fenomenologia das infrações e ainda à personalidade revelada pelo arguido na execução dos crimes do concurso. Sendo considerável a multiplicidade das penas parcelares cumuladas deve intervir o princípio constitucional da justa medida, que terá então de fundamentar-se, especificadamente».
No caso dos autos, e contemplando as molduras penais aplicáveis aos crimes em concurso (sendo que não há no caso crimes de concreta enormíssima pena), as penas parcelares aplicadas estão, globalmente, longe dos seus limites máximos, sendo considerável o peso das penas iguais ou inferiores a três anos de prisão – que são todas à excepção da mais elevada.

Sopesando, enfim, os dados em presença, sem prescindir do rigor da lei, mas tendo em atenção a globalidade dos factos, avaliando a interconexão entre os crimes do concurso e a personalidade do arguido (e que este denota manter, desde a cessação do período a que se reportam os factos, um seguro percurso de ressocialização), julga–se que as exigências de prevenção podem ser satisfeitas com a fixação de uma pena única em medida concreta igual à decidida no anterior cúmulo, não se mostrando necessária no presente caso concreto a agravação desta última.
Decisão que, ademais, se julga a mais coerente com a constatação inultrapassável de que aquilo que está em causa neste momento é a reformulação de uma decisão cumulatória anterior apenas e só por via da integração no concurso de factos que, não apenas foram praticados bem adentro do período temporal que aquela anterior cumulação já abrangera – factos que estão, inclusive, no patamar dos segundos mais antigos de todos os que integram o concurso –, como revelam absoluta integração nas já caracterizadas homogeneidade típica criminal e conexão objectiva dos demais factos em concurso.

Decide–se, pois, e concedendo provimento a esta parte do recurso, fixar ao arguido/recorrente, em cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos elencados nos pontos 1. a 5. da matéria de facto provada no acórdão recorrido, a pena única de 5 (cinco) anos de prisão.
*
4. De saber se a pena única fixada em resultado da alteração determinada deve ser suspensa na respectiva execução.

Fixada a pena única ao arguido em 5 anos de prisão, cumpre então apreciar da última questão suscitada em sede de recurso, qual seja a de saber se a pena em causa deve ser declarada suspensa na respectiva execução, ainda que condicionada nomeadamente ao cumprimento do dever de prosseguimento de ressarcimento dos prejuízos causados com as condutas em concurso.

Na verdade, fixada ao agente dos factos – de acordo com os parâmetros previstos em especial nos arts. 71º e, no presente caso, 77º do Cód. Penal – uma pena de prisão em medida concreta não superior a 5 anos, poderá a mesma ser suspensa na respectiva execução nos termos do disposto no art. 50º/1 do Cód. Penal, onde exactamente se prevê que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

O primeiro aspecto a realçar, ainda antes de prosseguirmos na nossa análise, é o de se ter por claro que a circunstância de o cúmulo jurídico em causa nos autos integrar, de entre todas as condenações penais em concurso, uma em pena de prisão efectiva, não é obstáculo a que a pena única agora fixada possa ser suspensa na sua execução.
Na verdade, para a determinação da pena única em caso de concurso superveniente deve partir-se sempre, como vimos, das penas originais, antes da sua substituição; porém, depois de encontrada a pena única que pune a globalidade da conduta criminosa unificada pelo concurso, poderá (deverá) sempre, e nos termos gerais, ponderar–se da possibilidade da sua substituição, designadamente por via do regime da suspensão da pena de prisão, se for o caso.
Também essa ponderação, sobre se a pena única deve ou não ficar suspensa na sua execução, estará no âmbito da tarefa incumbida ao tribunal do cúmulo de reavaliação em conjunto dos factos e da personalidade do arguido, não sendo essa viabilidade perturbada pela integração no cúmulo de penas de prisão efectiva.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça formou-se, aliás, entendimento maioritário precisamente neste sentido – de que em caso de conhecimento superveniente de concurso que integre penas de prisão, só no final se deverá decidir se a pena conjunta deve ou não ficar suspensa na sua execução –, podendo ver–se neste sentido, e entre outros, os acórdãos de 16/11/2011 (proc. 150/08.5JBLSB.L1.S1)[27], de 25/10/2012 (proc. 242/10.00GHCTB.S1)[28], de 21/3/2013 (proc. 153/10.0PBVCT.S1)[29], de 25/9/2013 (proc. 1751/05.9JAPRT.S1)[30], de 12/06/2014 (proc. 300/08.1GBSLV.S2)[31], e de 28/10/2015 (proc. 245/11.8GAPVL.S1)[32].
O mesmo ensinamento já se mostra também efectuado pelo Professor Figueiredo Dias (em “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime” , 1993, §409), quando refere (pág. 285) que «sabendo-se que a pena que vai ser efectivamente aplicada não é a pena parcelar, mas a pena conjunta, toma-se claro que só relativamente a esta tem sentido pôr a questão da sua substituição», e, reportando–se em especial ao concurso superveniente, adita (§430) que «nas hipóteses que ora consideramos, bem pode acontecer que uma das penas seja uma pena de substituição de uma pena de prisão. Não há na lei qualquer critério de conversão desta para efeito de determinação da pena conjunta. Também aqui, pois, como atrás, valerá para o efeito a pena de prisão que foi substituída, e também aqui, uma vez determinada a pena do concurso, o tribunal decidirá se é legalmente possível e político­-criminalmente conveniente a substituição da pena conjunta de prisão por uma pena não detentiva».
Aliás, diga-se, só no âmbito de uma perspectiva predominantemente retributiva das finalidades da punição criminal, que não é acolhida desde logo pelo art. 40º do Cód. Penal, poderia entender-se que a transposição, em sede de cúmulo superveniente de penas, de anteriores penas de prisão efectiva numa pena única de prisão suspensa, é mais afrontosa daquelas finalidades do que o inverso - isto é, o transformar de penas parcelares de prisão suspensa, numa pena única de prisão efectiva.
Sendo ademais que no presente caso concerto nem encontra respaldo o argumento a que usualmente se recorre para justificar a cumulação de penas eficazmente suspensas, e a respectiva integração, por via da realização de cúmulo jurídico, numa punição única de prisão efectiva: qual seja o de que o juiz que aplicou a pena de prisão suspensa eventualmente não teria tomado essa decisão caso tivesse conhecimento de que o arguido praticara um outro crime, ainda que em concurso.
Para além de sempre se poder argumentar que o contrário também é verdadeiro (isto é, que o juiz que aplicou uma pena de prisão efectiva poderia ter substituído essa pena por pena de prisão suspensa caso soubesse que num outro processo fora formulado um juízo de prognose favorável, baseado em elementos que possivelmente não lhe foram levados ao conhecimento), no caso concreto dos presentes autos o que se constata é que, como já se assinalou, apesar de ter sido fixada, em Outubro de 2017, no processo nº 101/11.0IDPRT (ponto 5. da matéria de facto provada), a pena parcelar de prisão efectiva ora integrada no novo cúmulo, isso não obstou a que, o mesmo tribunal, mais de um ano depois (em Março de 2019), tenha proferido a decisão do anterior cúmulo jurídico (no processo nº 2331/18.4T8PNF) determinando a aplicação de uma pena única de prisão suspensa na sua execução.
Ou seja, sendo embora certo, repete-se, que aquela condenação em prisão efectiva ainda não tinha transitado em julgado, pelo menos o procedimento criminal pelos factos em causa na mesma, e inclusive uma decisão condenatória em primeira instância pelos mesmos, já era inevitavelmente conhecida do mesmo tribunal. E ainda assim, apesar de conhecedor de que o arguido praticara um outro crime em concurso com os demais, o mesmo tribunal decidiu cumular esses demais crimes (por factos contemporâneos e até bem mais recentes que os daquela) numa pena única suspensa na sua execução.
Isto dito, prossigamos.

Progredindo, pois, para a apreciação da derradeira questão colocada pelo recurso, cumpre então decidir se deve ser suspensa na respectiva execução a pena única de prisão em que o recorrente ora vai condenado.

Como já vimos, de acordo com o art. 40º do Cód. Penal, as finalidades das penas são a protecção de bens jurídicos e a socialização do agente do crime, determinando-se que a culpa constitui o seu limite, mais determinado o art. 50º/1 do Cód. Penal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Não são, pois, considerações de culpa que devem presidir na decisão sobre a decisão de suspensão da execução da pena ou não – mas antes razões ligadas às exigências de prevenção geral e especial, sendo que na ponderação das segundas não pode nunca perder-se de vista a salvaguarda das primeiras.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias (ob. citada, §518), «pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente; que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – bastarão para afastar o delinquente da criminalidade», acrescentando «para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal se reporta ao momento da decisão, não ao da prática do facto».
Conforme se pode ler no Acórdão do S.T.J. de 25/06/2003 (proc. 03P2131)[33], o instituto em causa “constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas. (…) Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas »
Para avaliar da necessidade da execução da pena de prisão importa, fundamentalmente, atender à personalidade do agente, conduta anterior e circunstâncias dos crimes, para aquilatar da probabilidade de a socialização poder ter êxito sem o cumprimento efectivo daquela pena – o que significa ser necessário que o julgador se convença que o facto cometido não está de acordo com a personalidade do arguido e que foi caso acidental, esporádico, ocasional na sua vida e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delituosas e ainda que a pena de substituição não coloque em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos.
Em suma, pressuposto material de aplicação da suspensão da pena é, pois, que o Tribunal, em face dos factos provados, conclua, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do seu facto e do seu percurso de vida, por um prognóstico favorável com relação ao seu comportamento - mas deve ter-se em consideração sempre em última análise que a suspensão da execução da pena não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção criminal, enquanto exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa e garantia de eficácia do ordenamento jurídico-penal.
Ou seja, o pensamento ressocializador não esquece a necessidade de as soluções penais serem suficientemente dissuasoras da criminalidade, impondo-se, consequentemente, que a comunidade não encare a suspensão da execução da pena como um caso de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal – para a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão é necessário que a mesma não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.
Donde, só quando que as exigências de prevenção fiquem asseguradas, a pena de prisão poderá ser suspensa na sua execução.

Tendo presentes todos estes pressupostos, reverta–mo–los à situação concreta dos autos.
Considerando que, como acaba de se expor, a ponderação aqui em causa passa desde logo pela consideração da personalidade do agente e das circunstâncias do seu facto – aqui do seu facto global –, e ademais do seu percurso de vida, naturalmente que todas as considerações já acima expostas a propósito da determinação concreta da pena do arguido – e que passaram no essencial por similar crivo de análise –, mantém, nesta sede e momento decisório, renovada pertinência.
Em devido prejuízo de fastidiosa repetição, dão-se tais considerações por essencialmente reproduzidas aqui, cumprindo apenas resumir e salientar os seguintes aspectos tópicos.

Não deixa de se ponderar no caso a necessidade de tutela dos bens jurídicos que aqui foram materialmente lesados pelo comportamento criminoso do arguido – ainda que tratando-se de uma cumulação de actuações tipicamente homogéneas, e que protegem, no essencial, valores de ordem patrimonial –, os quais revestem com acentuado relevo social e comunitário.
Tal circunstância – e é isso que nesta sede cumpre realçar – coloca a fasquia da demanda de tutela da ordem jurídica e das exigências de prevenção geral, num patamar que não pode ser ignorado.

Assinala-se, outrossim, que os factos em concurso traduzem a exclusividade da actividade criminalmente registada do arguido. Não apresentava assim, e à data da prática de qualquer deles, quaisquer antecedentes criminais, assim como, de outra parte, e desde a data da prática dos últimos factos que integram o presente cúmulo jurídico (e decorrido que se encontra um período de quase dez anos), também não voltou a incorrer na prática de qualquer outro ilícito crime.
Não é neste particular inconveniente voltar a realçar que a pena de 3 anos de prisão efectiva agora integrada ex novo no cúmulo jurídico a reformular se reporta a factos praticados entre 2007 e 2008, ou seja, factos ocorridos não apenas num período já bastante distante no tempo, como inclusive anteriores à maior parte daqueles que, praticados posteriormente e por isso com uma proximidade maior no atinente ao juízo de prognose póstuma, não impediram a realização de anterior cúmulo jurídico com conclusão pela aplicação de uma pena única de prisão suspensa na sua execução.
Quanto fica já dito, releva desde logo também no que tange à avaliação da personalidade do arguido, factor como vimos preponderante na decisão aqui a adoptar.
Ora, o percurso de vida do arguido, anterior e posterior aos factos, indicia que o período em que aqueles ocorreram não terá sido fruto de qualquer tendência criminal, mas antes uma pluriocasionalidade sem reiteração, tendo prosseguido o seu percurso profissional como empresário de forma normativa, e mostrando–se adequadamente inserido familiar e socialmente.
Acresce que tem desenvolvido uma actuação tendente a assegurar o ressarcimento dos prejuízos que a sua conduta causou, mormente com respeito das condições impostas na maioria das penas (quase todas, à excepção de uma, suspensas condicionalmente) cumuladas e bem assim no cúmulo anteriormente efectivado, como já sobredito.
O recorrente surge nesta fase como alguém que, tendo embora adoptado a conduta acentuadamente censurável que adoptou, no tempo entretanto decorrido sobre os factos revela uma atitude denotadora da interiorização não só da objectividade dos resultados danosos da sua actuação passada, como, mais relevantemente, da reprovabilidade dessa mesma conduta global.
O que, tudo, não pode deixar de acentuar numa perspectiva favorável a avaliação que se faz sobre a personalidade do arguido, exercício do qual não transparece indiciada uma deficiente preparação para assumir o respeito por valores jurídicos básicos.

Assim, e em termos do exigido juízo de prognose sobre o comportamento futuro do arguido, o ‘risco’ que, nesta perspectiva, sempre envolve a ponderação pelo tribunal da suspensão da pena de prisão, assume–se como um risco que se revela ainda prudente, e que permite sobrestar as exigências que se fazem sentir ao nível da prevenção especial positiva ou de socialização – mormente se acompanhada a decisão a adoptar do condicionamento do comportamento do arguido ao cumprimento de deveres de conduta especialmente destinados a assegurar a continuidade da reparação do mal causado.
Donde, e tudo ponderado, entende–se que que a mera censura do facto e a ameaça da pena serão suficientes para cumprir de forma adequada a necessidade de reprovação dos crimes em concurso e do facto global que os mesmos revelam, bem como se mostra no limite suficiente para satisfazes as exigências de prevenção geral e especial.
Mostram–se. pois, reunidos aqui os necessários requisitos que possibilitam a suspensão da pena única de prisão do arguido, e que se mostram previstos no art. 50º do Cód. Penal.
Pelo que se determina a suspensão da pena de 5 anos de prisão fixada ao arguido.
Tal suspensão, nos termos do disposto no nº5 do art. 50º do Cód. Penal, será pelo período de cinco anos, o qual se julga ajustado às exigências do caso e, principalmente, à efectivação da devida avaliação sobre a adequação do juízo de prognose favorável que sustenta a suspensão em causa.

A eficácia da suspensão de pena em causa deverá, contudo, e como já anunciado, ser acompanhada do respectivo condicionamento ao cumprimento pelo arguido de deveres de conduta especialmente destinados a assegurar a continuidade da reparação do mal causado – traduzidos, como será fácil antever, no pagamento (rectius, no caso concreto, no seu prosseguimento) dos valores das prestações patrimoniais correspondentes ao prejuízo causado – assim, respeitando, ademais, a adequação do edifício da condenação única aos similares condicionamentos já impostos nas condenações englobadas no cúmulo.

A decisão assim completada encontra desde logo escopo no nº2 do mesmo art. 50º do Cód. Penal, onde se dispõe que “O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova” – sublinhado nosso, em realce dos mais concretos termos que aqui importará ponderar.
Os deveres, visando a reparação do mal do crime, encontram-se previstos, de forma exemplificativa, no artigo 51º/1 do Cód. Penal, enquanto as regras de conduta, tendo em vista a reintegração ou socialização do condenado, se encontram previstas, também a título exemplificativo, no artigo 52º do mesmo diploma.
Assim, em conformidade e estipulando a forma como o condicionamento da suspensão da pena de prisão ao cumprimento de deveres pelo condenado deverá ser objecto de avaliação e aplicação, estabelece o art. 51º do Cód. Penal, precisamente sob a epígrafe “Deveres”, o seguinte:
1 - A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente:
a) Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea;
b) Dar ao lesado satisfação moral adequada;
c) Entregar a instituições, públicas ou privadas, de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição monetária ou prestação de valor equivalente.
2 - Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.
3 - Os deveres impostos podem ser modificados até ao termo do período de suspensão sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento.
4 - O tribunal pode determinar que os serviços de reinserção social apoiem e fiscalizem o condenado no cumprimento dos deveres impostos ”.
Não pode perder–se de vista que o escopo essencial de aplicação do instituto da suspensão da pena de prisão é a de afastamento do arguido, no futuro, da prática de novos crimes.
Porém, o juízo de prognose que sustente tal decisão não pode olvidar a necessidade de que essa finalidade seja prosseguida em termos que irrevogavelmente respeitem as finalidades dessa punição – porque é, ainda e sempre, de uma sanção penal que se trata –, ou seja, e nos termos do disposto no artigo 40º do Cód. Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. É isso mesmo, aliás, que exige in limine o citado nº1 do art. 50º do Cód. Penal: que a aplicação deste regime de substituição penal só pode e deve ser aplicada quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ou seja, o prognóstico (nunca a ‘certeza’, pois não é isso que se exige – caso contrário jamais o instituto teria aplicabilidade na prática) de que a suspensão da pena poderá afastar o arguido de futuros crimes só poderá ter–se por verificada se realizar suficientemente as finalidades da punição.
É no âmbito da avaliação sobre essa adequação à salvaguarda das finalidades punitivas que surge a necessidade do condicionamento da suspensão da pena ao cumprimento de deveres, pois que tal assume aqui um carácter do mesmo passo reeducativo e pedagógico, proposto a salvaguardar que a desejável socialização em liberdade se conseguirá realizar sem que o condenado deixe de sentir a sua condenação como uma advertência séria e solene, e que saberá compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido do respeito dos valores juridicamente protegidos a que está adstrito.
Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01/07/2015 (proc. 129/14.8GAVLC.P1)[34] «A imposição de deveres e regras de conduta, condicionantes da pena suspensa, constitui um poder/dever, sendo quanto aos deveres condicionado pelas exigências de reparação do mal do crime e quanto às regras de conduta vinculado á necessidade de afastar o arguido da prática de futuros crimes », ideia que encontra corroboração por exemplo no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/04/2012 (proc. 297/08.8GACBC.G1)[35], « Impor-se como condição da suspensão o cumprimento de deveres ou de regras de conduta previstas nos arts. 51º e 52º CP é fazer não só sentir ao arguido “o mal do crime”, mas permitir também ao Tribunal concluir que existe da parte dele uma firme vontade de reparar o mal causado e de se reinserir de forma plena na sociedade », ou ainda no seguinte Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19/03/2013 (proc. 679/05.7TAEVR.E2)[36], onde se resume que « A subordinação da suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta está condicionada a um julgamento sobre a conveniência e adequação desse dever ou regra à realização das finalidades da punição» acrescentando–se que «A suspensão condicionada é um “meio razoável e flexível para exercer uma influência ressocializadora sobre o agente, sem privação da liberdade”. A sua vantagem “reside precisamente na possibilidade de adaptar a sanção às circunstâncias e necessidades do agente” (JeschecK, Weigend, Tratado de Derecho Penal, 2002, p. 898-899). Permite potenciar largamente as virtualidades do instituto da suspensão da execução da pena, que não se limita assim a descansar na “ideia da ameaça da pena e do seu efeito intimidativo”, sendo antes integrado pela imposição ao agente de deveres e regras de conduta que reforçam tanto a socialização do delinquente como a reparação das consequências do crime (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005 reimp., p.339). ».
A decisão de aplicação em concreto de deveres ao condenado como condição de suspensão da sua pena está, por outro lado, delimitada – como vimos imposto pelo nº2 do art. 51º do Cód. Penal – pela verificação de que o comportamento exigido não pode em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.
Remete–se aqui, muito claramente, para a necessidade de efectuar, no caso concreto, um juízo de exigibilidade de tais deveres, exercício que deve ter em conta a adequação e proporcionalidade dos mesmos com relação ao fim preventivo visado. Ou seja, a fixação de deveres só cumprirá as finalidades acima enunciadas se se demonstrar que o arguido se encontra em condições de poder cumprir a obrigação na qualidade, na quantidade e/ou no tempo determinados na condenação.
A ponderação sobre essa adequação às circunstâncias pessoais do arguido deverá assentar num juízo de prognose e previsibilidade assente na averiguação das possibilidades do cumprimento do dever a impor, de forma a fixá-lo num modo quantitativa e temporalmente compatível com as condições do condenado.
Só desta forma se alcançarão de forma adequada as finalidades da pena bem como o direito a uma pena que deve ser, sempre – mesmo no que tange aos termos do seu cumprimento – justa.

Em suma, é nesta espécie de dicotomia entre a salvaguarda das finalidade da punição – no âmbito das quais não pode merecer descrédito a necessidade de retribuição penal pelo desvalor da conduta sancionada e a reparação na medida possível do mal que a mesma causou – por um lado, e o respeito pela justiça concreta do conteúdo do dever a impor – traduzida na adequação do mesmo àquilo que for razoável e proporcional exigir ao condenado e às suas circunstâncias –, por outro lado, que deve o tribunal fazer o seu exercício valorativo, sempre fundamentado num apuramento fáctico também ela adequada e suficiente, e decidir se é de aplicar o dever em causa e quais os respectivos contornos.
Necessidade e adequação são, pois, os vértices em que se deve fundamentar a decisão em causa.
Como de forma bastante elucidativa se resumiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/10/2011 (proc. 488/07.9GCACB.C1)[37], «Os deveres condicionadores da suspensão da execução da pena terão de obedecer a um princípio de razoabilidade (cfr. n.º 2, do art.º 51.º, do C. Penal), ou seja, deverão poder ser satisfeitos pelo condenado de acordo com as suas normais possibilidades, devendo, porém, traduzir um sacrifício para o visado, de modo a fazer-lhe sentir a natureza punitiva de um tal dever. Será na conjugação destes dois vectores - reforço das finalidades da punição e normal possibilidade de cumprimento - que se hão-de definir os deveres condicionadores da suspensão da execução da pena».

Acresce, ainda no âmbito deste juízo de adequação acabado de caracterizar, que, naturalmente, o mesmo só pode ser efectuado por reporte directo e imediato à natureza do dever a fixar.
O que significa que, assumindo o dever imposto a forma (legalmente prevista, como vimos) de uma reparação dos danos provocados ao lesado, traduzida na imposição de uma obrigação de pagamento de determinado valor monetário à entidade em causa em determinado período, aquelas averiguação e fundamentação de facto que sustentam o correspondente juízo de adequação (ou não) de fixação do dever, devem incidir em particular no circunstancialismo sócio–económico do condenado e do seu percurso e situação de vida.
Incluindo, adita–se, quanto possa resultar demonstrado em termos de capacidade e potencialidades aquisitivas futuras por parte do condenado, tendo aqui pleno acolhimento as considerações expendidas por exemplo no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12/04/2016 (proc. 1444/10.5TAPTM.E1)[38], onde se consignou que « a determinação da parte da indemnização que se entenda dever ser satisfeita pelo arguido, como condição da suspensão da execução da pena de prisão, não tem, necessariamente, de ser operada apenas com base nas atuais condições económico-financeiras do arguido, como que afectando, para tal efeito, a parcela do seu actual rendimento conhecido, tida por justa. É que, não deve o tribunal, neste ponto, abstrair-se de uma possível melhoria da situação económica do arguido, devendo ser averiguadas e esclarecidas as perspectivas dessa eventual melhoria, isto é, devendo ser analisadas as condições económico-financeiras do arguido numa perspectiva dinâmica no tempo (e não apenas num olhar de curtíssimo prazo) ».
Que a capacidade económico–financeira futura do arguido é um factor preponderante nesta agora referenciada perspectiva dinâmica no tempo, demonstram–no as circunstâncias de que alterações futuras daquela capacidade relativamente à que se tem por demonstrada no momento da fixação da condição, por um lado poderem relevar para efeitos de modificação dos contornos desta última, e, por outro, poderem determinar inclusive a avaliação do contexto em que se dê o seu eventual incumprimento. É o que decorre do exposto respectivamente nos arts. 51º/3 do Cód. Penal (onde se estipula, como vimos, que “Os deveres impostos podem ser modificados até ao termo do período de suspensão sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento”), e arts. 55º e 56º do mesmo Código (onde se exige, para que uma falta de cumprimento de um dever possa suscitar uma reacção do tribunal que no limite passe pela revogação da suspensão da pena que tal dever condiciona, que essa falta, por referência ao momento em que ocorra, seja culposa, e reiterada ou grosseira).

Tendo presentes todas estas considerações, revertamos, enfim, à análise do caso dos presentes autos.

Estará aqui em causa um dever de reparação dos danos provocados aos lesados, consubstanciado na imposição de uma obrigação de se mostrar assegurado o pagamento de determinados valores monetários, quer à sociedade comercial “P...”, ofendida no processo em causa no ponto 1. da matéria de facto provada, como ao erário público.
Donde, e sem necessidade de grandes considerações adicionais, se julga desde logo fora de qualquer dúvida a justeza da fixação de tal dever à luz daquilo que o mesmo deve traduzir em termos de consubstanciação material do desvalor da conduta apurada do arguido, e das finalidades da sua punição pela mesma.
À situação configurada nos autos assenta de pleno a consideração assinalada por M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, em ‘Código Penal – Parte Geral e Especial’, 2ª ed., pág. 339, de acordo com a qual « Os deveres concorrem para reparar o desvalor do ilícito. Impondo-os pode evitar-se que a opinião pública e o próprio agente fiquem com a impressão de que o facto praticado acabou por ficar sem adequada reacção de quem tem o juspuniendi ».
A fixação como condição da suspensão da pena de um dever com a configuração daquele concretamente estipulado pelo tribunal a quo, surge, pois, como um imperativo que sustenta a devida retribuição penal pelo desvalor da conduta sancionada e a reparação na medida possível do mal que a mesma causou.

Quanto à exigida adequação do dever fixado, no seu conteúdo quantitativo e temporal, àquilo que é razoável e proporcional exigir ao arguido e às suas circunstâncias pessoais, entende–se também que, em face da matéria de facto suficientemente apurada nesta matéria e transposta na decisão recorrida, é possível percepcionar uma capacidade económica, decorrente da sua actividade empresarial, bem acima da média, e sem nota de dificuldades financeiras – nesta avaliação se incluindo a viabilidade de uma prognose positiva sobre as capacidades económicas do arguido também para o futuro, em virtude de quanto se tem por demonstrado relativamente ao carácter bem sucedido da sua actividade profissional.
Tem–se, pois, por relativamente seguro que o arguido tem capacidade financeira para fazer face ao cumprimento de um dever com o conteúdo daquele que virá de seguida a fixar, e sem colocar de todo em causa a sua subsistência e a do seu agregado familiar.

Tudo isto é, aliás, expressamente reconhecido pelo próprio arguido em sede de recurso, quando conclui que «a pena única – a fixar, no limite, em 5 anos de prisão – deve ser suspensa na sua execução, sob a condição de ressarcimento, de resto como já foi imposto em anteriores condenações englobadas no cúmulo; isso porque, de um lado, a sanção deve ser orientada ainda pela recuperação social do delinquente, e, de outro lado, trata-se de ilícitos em que se pretende fomentar o ressarcimento ou a reposição da verdade tributária, com o animus de evitar que “o crime compense”, sendo, por isso, adequado que as necessidades de prevenção especial sobrelevem as de prevenção geral».

Merece, pois, integral provimento o recurso interporto pelo arguido também nesta parte.

Duas notas complementares neste segmento.
Em primeiro lugar, referir que o condicionamento a fixar terá por reporte e limite imediato a devida adequação da condenação única aos condicionamentos que foram impostos nas condenações englobadas no cúmulo, e apenas a estes – sob pena de violação do princípio da proibição de reformatio in pejus, previsto no art. 409º do Cód. de Processo Penal, onde, no respectivo nº1, se estipula que «Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes».
E em segundo lugar, que os deveres a fixar têm em vista mostrarem–se, no final do período fixado para o respectivo cumprimento, integralmente pagos os valores globais impostos, sendo que, na consideração desse pagamento, deverão, muito naturalmente, ser imputados e relevados todos os parcelares pagamentos que entretanto o arguido já haja feito, e correspondentes na sua natureza às condições fixadas, seja em qualquer dos processos das condenações em concurso, seja também naquela do cúmulo jurídico anteriormente efectuado no âmbito do processo nº 2331/18.4T8PNF – exercício de contabilização a efectuar oportunamente pela primeira instância.

Tudo dito e considerado, a pena única de 5 anos de prisão aplicada ao arguido/recorrente será condicionada aos seguintes deveres e nos seguintes termos :
– o dever de, no período da suspensão, se mostrarem integralmente pagos os valores de €79.266,40€ à sociedade comercial francesa “P...” (id. no ponto 1. da matéria de facto provada em sede de acórdão), e de €787.704,46 ao Estado português,
– e o dever de, sem prejuízo do dever anterior, durante o mesmo período de cinco anos, o arguido proceder ao pagamento do valor de pelo menos €2.000,00 a cada mês, a imputar naqueles valores globais na proporção de 10% para a referida sociedade “P...” e de 90% para o Estado, sendo que, a partir do momento em que se mostre a primeira ressarcida, o valor em causa (€2.000,00) passará a reverter integralmente para o Estado,
– nos valores globais referenciados no primeiro ponto, deverão ser imputados todos os parcelares pagamentos que entretanto o arguido já haja feito em qualquer dos processos das condenações em concurso e bem assim no âmbito do processo nº 2331/18.4T8PNF na sequência da decisão de cúmulo jurídico ali anteriormente efectivada.

O que, tudo, se decidirá.
*
III. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto por AA e, em consequência, revoga–se a decisão recorrida, substituindo–se a mesma por outra que decide :
1º, cumular juridicamente as penas aplicadas nos autos identificados nos pontos 1. (proc. nº 25/14.9T9MCN), 2. (proc. nº 61/13.2IDPRT), 3. (proc. nº 46/09.3IDPRT), 4. (proc. nº 12/11.9IDPRT) e 5. (101/11.0IDPRT) da matéria de facto provada, fixando em 5 (cinco anos) a pena única de prisão aplicada ao arguido,
2º, suspendem a aludida pena única pelo período de 5 (cinco) anos,
3º a suspensão em causa é condicionada ao cumprimento pelo arguido dos seguintes deveres e nos seguintes termos :
i. ao dever de, no período da suspensão, se mostrarem integralmente pagos pelo arguido os valores de €79.266,40€ (setenta e nove mil, duzentos e sessenta e seis euros, e quarenta cêntimos) à sociedade comercial francesa “P...” (identificada no ponto 1. da matéria de facto provada em sede de acórdão), e de €787.704,46 (setecentos e oitenta e sete mil, setecentos e quatro euros, e quarenta e seis cêntimos) ao Estado português,
ii. ao dever de, sem prejuízo do dever anterior, durante o mesmo período da suspensão, o arguido proceder ao pagamento do valor de pelo menos €2.000,00 (dois mil euros) a cada mês, a imputar naqueles valores globais na proporção de 10% para a referida sociedade “P...” e de 90% para o Estado, sendo que, a partir do momento em que se mostre a primeira ressarcida, o valor em causa (€2.000,00) passará a reverter integralmente para o Estado,
iii. nos valores globais referenciados no ponto i. supra, deverão ser imputados todos os parcelares pagamentos que, entretanto, o arguido já haja feito em qualquer dos processos das condenações em concurso e bem assim no âmbito do processo nº 2331/18.4T8PNF na sequência da decisão de cúmulo jurídico ali anteriormente efectivada.

Sem custas.
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Porto, 27 de Abril de 2022
Pedro Afonso Lucas
Pedro Lima
Francisco Marcolino

(Texto elaborado pelo primeiro signatário como relator, e revisto integralmente – sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo da primeira página)
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[1] Rectius, pelo Ministério Público foi junta peça processual de resposta ao recurso, a qual, todavia, e conforme despacho proferido a fls. 797 dos autos, não foi admitida por extemporânea.
[2] Relatado por Nuno Gomes da Silva, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[3] Relatado por Arménio Sottomayor, acedido em https://www.stj.pt
[4] Conforme rectificação de lapsos de escrita ordenados por despacho datado de 28/05/2020 (a fls. 220/221 dos autos).
[5] Relatado por Paulo Ferreira da Cunha, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[6] Relatado por Henriques Gaspar, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[7] Relatado por Maria José Nogueira, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[8] A referência ao mês de «Março do ano de 2019» como termo final do pagamento considerado, consubstancia evidente lapso de escrita da decisão recorrida, como se conclui pela circunstância de se considerar como termo inicial do dito pagamento o mês de Maio do mesmo ano – donde, claramente, como bem interpretou o recorrente, ali se queria referir o mês de Março do ano de 2020.
[9] Relatado por Álvaro Melo, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[10] Relatado por Santos Cabral, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[11] Relatado por Rodrigues da Costa, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[12] Relatado por Oliveira Mendes, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf [13] Relatado por Oliveira Mendes, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[14] Relatado por Raul Borges, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[15] Relatado por Maria José Nogueira, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[16] Ambos relatados por Maia Costa, e acedidos em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[17] Ambos relatados por Simas Santos, e acedidos em www.dgsi.pt/jtstj.nsf
[18] Relatado por Orlando Gonçalves, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[19] Relatado por Gabriel Catarino, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf [20] Relatado por Pires da Graça, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[21] Relatado por Raul Borges, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[22] Querela doutrinária e jurisprudencial na qual não cumpre adentrar na presente decisão, desde logo por ser intangível o respeito à força de caso julgado inerente à decisão cumulatória anteriormente decidida, e que procedeu a tal integração.
[23] Relatado por Manuel Augusto de Matos, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[24] Relatado por Maia Costa, acedido em www.dgsi.pt/jtstj.nsf
[25] Relatado por António João Latas, acedido em www.dgsi.pt/jtre.nsf
[26] Relatado por Nuno Gonçalves, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[27] Relatado por Santos Cabral, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[28] Relatado por Santos Carvalho, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[29] Relatado por Santos Cabral, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[30] Relatado por Oliveira Mendes, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[31] Relatado por Isabel Pais Martins, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[32] Relatado por Manuel Augusto de Matos, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[33] Relatado por Henriques Gaspar, disponível em Col. Jurisprudência – STJ, 2003, tomo II, pág. 221 e em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[34] Relatado por Maria Dolores da Silva e Sousa, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[35] Relatado por António Codesso, acedido em www.dgsi.pt/jtrg.nsf
[36] Relatado por Ana Barata Brito, acedido em www.dgsi.pt/jtre.nsf
[37] Relatado por Alberto Mira, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[38] Relatado por João Amaro, acedido em www.dgsi.pt/jtre.nsf