CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
SEGURANÇA SOCIAL
NOTIFICAÇÃO PARA PAGAMENTO DO IMPOSTO
CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE
ACUSAÇÃO
NULIDADE SANÁVEL
CONFISCO
PERDA DE VANTAGENS PEDIDO CÍVEL
CONSEQUÊNCIAS
Sumário

I – Estando em causa o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, e determinando a lei apenas a inclusão na acusação, e apenas se possível, o tempo, da prática do facto ilícito típico, dela não é obrigatório constar a data da notificação do devedor para pagamento das obrigações em falta, pois que se trata de uma mera condição objectiva de procedibilidade que não constitui elemento do tipo.
II – Ora, se da acusação constar que o arguido foi notificado e a dívida não foi paga, nos termos legalmente estatuídos, não ocorre a nulidade da acusação, a qual, a existir, seria sempre uma nulidade sanável.
III – A jurisprudência tem sido constante na sustentação de que não é pelo facto de ter sido deduzido ou não pedido de indemnização civil que impede o tribunal de fazer funcionar o confisco das vantagens obtidas com o crime, sanção esta de natureza penal.
IV – No caso dos crimes de natureza fiscal, tenha ou não deduzido pedido civil, tenha ou não a Autoridade Tributária entendido que dispõe de meios suficientes para a cobrança coerciva do imposto devido, há lugar ao decretamento de perda de vantagens obtidas com a prática do crime.
V – Assim sendo, atenta a natureza autónoma e de natureza penal do instituto de perda de vantagens do crime, tais institutos não se confundem nem com a pena nem com a indemnização civil, não podendo deixar de ser aplicado, como pedido na acusação, sem que daí resulte uma dupla ou tripla execução, pois dependerá da relação subjacente estar ou não cumprida (satisfeita), sem prejuízo de se considerar que nesses casos, decretar o confisco poderá não ter utilidade.
VI - A declaração de perda não terá eficácia prática porquanto aquilo que vier a ser declarado perdido a favor do Estado reverterá para a vítima do crime através do pedido de indemnização reclamado por esta, embora no caso o lesado seja o mesmo (Estado).

Texto Integral

Rec nº 5981/20.5T9PRT.P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. C. S. 5981/20.5T9PRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Criminal do Porto - Juiz 1 em que são arguidos

- I..., Lda., sociedade comercial com o NIPC ..., com o NISS ..., e
- AA

Ministério Público requereu que sem prejuízo do pedido de indemnização civil que a Segurança Social venha a deduzir, se condenem os arguidos a pagar ao Estado o valor de €25.693,51, que corresponde ao valor da vantagem por estes obtida com a prática do facto ilícito típico, nos termos do art. 110.º, n.º 1, al. b) n.ºs 3 e 6, do Cód. Penal (anterior art. 111.º, n.ºs 2, 3 e 4),
O Instituto de Solidariedade e Segurança Social, I. P., deduziu pedido de indemnização cível (fls. 175 e ss.), contra os arguidos peticionando a condenação destes a pagarem-lhe a quantia global de €31.961,28, acrescida de juros de mora vincendos calculados pelo não pagamento nos prazos legais, contados desde 26 de Janeiro de 2021 inclusive - art. 3.º do Dec.-Lei 73/99, de 16/03-, até efectivo e integral pagamento, sendo que os vencidos contados sobre o capital de €25.693,51, até 25/01//2021 ascendem a €6.267,77.

Por sentença de 9/11/2021 foi decidido:
“Pelo exposto, julgo a acusação provada e procedente e em consequência:
1) condeno o arguido, AA, como autor material de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos arts. 107.º, n.ºs 1 e 2 e 105.º, n.ºs 1, 2 e 4 e 15.º, do RGIT, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 10 euros, num total de 1200,00 (mil e duzentos euros);
2) condeno a arguida, "I..., Lda.”, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos arts. 107.º e 105.º, n.ºs 1, 2 e 4 e 15.º, do RGIT e arts. 6.º e 7.º, do mesmo diploma legal, na pena de 150 dias, à taxa diária de 20 euros, num total de 3000,00 euros (3 mil euros).
3) Ao abrigo do art. 111.º, n.ºs 2 a 4, do Código Penal, condeno ainda os arguidos AA e arguida "I..., Lda.”, a pagarem, solidariamente, a título de perda de vantagem patrimonial, a quantia de €25.693,51, peticionada pelo Ministério Público em representação do Estado Português (a liquidar, subsidiariamente, caso tal quantia não venha a ser paga ao lesado/demandante Instituto de Segurança Social, I. P.).

*
4) Julgo procedente, por provado, o pedido cível de fls. 323 e ss., e, consequentemente:
Condeno os arguidos AA e arguida "I..., Lda.”, a pagarem, solidariamente, ao demandante, Instituto de Segurança Social, I. P., a quantia de €31.961,28, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal, desde 25/01/21, sobre o capital de €25.693,51, até efectivo e integral pagamento.
*
Condeno ainda o arguido AA e arguida sociedade, nas custas crime do processo, com taxa de justiça que fixo em 2 Uc´s cada um –reduzida a metade quanto ao arguido AA, atenta a confissão-, nos termos do art. 8.º, n.º9, e tabela III do R.C.P. e demais encargos.
Custas do pedido cível pelos demandados (art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).”

Recorrem os arguidos os quais no final da respectiva motivação apresentam as seguintes conclusões:
A. No âmbito do presente processo, foram condenados, o recorrente, AA, como autor material de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos artigos 107.º, n.ºs 1 e 2 e 105.º, n.ºs 1, 2 e 4 e 15.º do RGIT, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 10,00, num total de € 1.200,00 (mil e duzentos euros) e a Recorrente, "I..., Lda.”, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos artigos 107.º e 105.º, n.ºs 1, 2 e 4 e 15.º, do RGIT e artigos 6.º e 7.º, do mesmo diploma legal, na pena de 150 dias, à taxa diária de € 20,00, num total de € 3.000,00 (três mil euros).
B. Os Recorrentes, foram também condenados a pagar, solidariamente, a título de perda de vantagem patrimonial, a quantia de € 25.693,51, peticionada pelo Ministério Público em representação do Estado Português (a liquidar, subsidiariamente, caso tal quantia não venha a ser paga ao lesado/demandante Instituto de Segurança Social, I. P.).
C. Bem como no pagamento solidário do pedido cível de apresentado pelo Demandante, Instituto de Segurança Social, I. P, na quantia de €31.961,28, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal, desde 25/01/21, sobre o capital de € 25.693,51, até efetivo e integral pagamento.
D. É certo que o Arguido, aqui Recorrente, AA, confessou a prática dos factos.
E. No entanto, a acusação refere que os Arguidos foram notificados, nos termos do artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05.06, na redação da Lei n.º 53-A/2006, de 29.12, para procederem ao pagamento das retenções efetuadas nos salários supra mencionados e respetivos juros de mora, não tendo pago tais quantias.
F. Sucede, porém, que a acusação é omissa quanto à data em que tais notificações ocorreram.
G. Do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT resulta existirem duas condições objetivas de punibilidade:
a. Os factos apenas são puníveis, se tiverem decorrido mais de 90 dias sobe o termo do prazo legal para de entrega da prestação;
b. Os factos descritos apenas constituem crime se a prestação não for paga, acrescida dos respetivos juros e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
H. Considerando o disposto no artigo 105.° do RGIT, teremos de concluir que comete o crime de abuso de confiança fiscal quem, estando legalmente obrigado a entregar à Segurança Social prestação que, tendo recebido, tenha a obrigação legal de liquidar, de valor superior a € 7.500,00, omita, total ou parcialmente, tal entrega, desde que, cumulativamente, tenham decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação e a prestação não tenha sido paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
I. Até ao termo dos prazos supra estabelecidos, não se verificam — não pode haver — suspeitas de prática de crime.
J. Decorridos 90 dias sobre a data limite do prazo legal de entrega da prestação, é efetuada ao devedor a notificação prevista na alínea b), do n.º 4, do artigo 105.º do mesmo diploma (com a admonição de que se a entrega não ocorrer naquele prazo incorre em procedimento criminal);
K. Decorridos os 30 dias previstos naquela notificação, caso persista a falta de entrega da prestação (do tributo, juros respetivos e do valor da coima aplicável), o processo contraordenacional converte-se em processo criminal.
L. Resulta da acusação que, no período compreendido entre Outubro de 2014 e Dezembro de 2016, a Arguida, aqui recorrente, entregou na segurança social as declarações de remuneração dos trabalhadores e membro de órgãos estatutário ao seu serviço, tendo procedido ao desconto das contribuições devidas à Segurança Social pelos referidos trabalhadores e membro de órgãos estatutário nas remunerações efetivamente pagas aos
mesmos nos referidos meses, com a aplicação da taxa de 11%, descontos esses que se traduziram no valor global de € 25.693,51.
M. Tais montantes, não foram, porém, entregues pelos arguidos, aqui Recorrentes, à Segurança Social até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitam, assim como não os entregaram nos 90 (noventa) dias posteriores.
N. Conforme supra ficou exposto, o crime de abuso de confiança contra a segurança social, configura-se como um crime omissivo puro na medida em que o facto típico previsto na norma incriminadora se verifica com a não entrega da prestação, tendo-se por praticada a omissão na data em que termina o prazo para cumprimento da obrigação tributária.
O. Da acusação não consta a data em que as notificações foram efetuadas, pois que é em função das mesmas que se pode apurar a data da prática do crime pelo qual os Arguidos foram acusados e condenados.
P. De acordo com o artigo 283.º, n.º 3, al. b) do CPP, a acusação contém, sob pena de nulidade, “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada…”.
Q. Sendo que, nos termos do disposto no n.º3 do artigo 311.º CPP, a acusação considera-se manifestamente infundada:
b) Quando não contenha a narração dos factos;
d) Se os factos não constituírem crime.”
R. Pelo que não constando esses elementos da acusação, implica necessariamente a sua nulidade (artigo 283.º, n.º 3, alínea b) do CPP).
S. Sendo que tais factos são essenciais e imprescindíveis, e o que falta, designadamente a data em que ocorreu a notificação, corresponde à falta de narração a que se refere o a alínea b) do n.º 3 do artigo 311.º CPP.
T. Ou seja, a exigida narração dos factos é a de todos os factos constitutivos do tipo legal de crime.
U. Sem tais elementos, não está definida a conduta típica, ilícita e culposa dos Arguidos.
V. Deste modo, resume-se que não estava verificada a condição objetiva de punibilidade prevista na alínea b) do nº 4 do artigo 105.º do RGIT relativamente aos arguidos e não preenchendo assim as suas apuradas condutas, o tipo objetivo do crime de crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelo artigo 107.º, nºs 1 e 2, do RGIT,
W. Pelo que se impunha a absolvição dos arguidos pela prática do crime pelo qual foram acusados.
X. O que não sucedeu, a justificação apresentada pelo Tribunal a quo não apresenta qualquer fundamento legal para o efeito.
Y. Nesta instância surge assim, a questão da nulidade da sentença por omissão de pronúncia (alínea c) do n.º 1 do art.º 379.º CPP, por referência ao disposto no n.º 2 do artigo 374.º CPP).
Z. No caso dos autos, lida a sentença proferida pelo Tribunal a quo, concluímos que existe, de facto, uma omissão de pronúncia na sentença quanto à fundamentação, quando refere que a falta da indicação da data concreta da notificação aos Arguidos, ora recorrentes, nos termos do artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, não constitui qualquer nulidade.
AA. Não foi cumprido pelo tribunal a quo, o dever de fundamentação das decisões proferidas.
BB. O dever de fundamentação, previsto no n.º5 do artigo 97.º do CPP, tem na sua génese, diversos princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da imediação e da contraditoriedade, da presunção de inocência, do direito à tutela efeciva e da livre apreciação da prova.
CC. Não o fazendo, incorreu o mesmo Tribunal numa omissão de pronúncia que consubstancia uma (invalidade) nulidade de sentença, pois deixou de pronunciar-se sobre uma questão que devia apreciar – cfr. 379.º, n.º 1, alínea c) CPP.
DD. A sentença recorrida padece pois de nulidade, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, por falta de fundamentação.
EE. Pelo que a sentença deve ser anulada e os autos devem baixar ao tribunal de primeira instância para que nele se proceda à elaboração de nova sentença, onde o tribunal fundamente devidamente a sua decisão.
FF. A sentença ora recorrida também merece reparo relativamente à condenação dos Arguidos na perda de vantagens e no pedido de indemnização civil formulado pelo demandante civil.
GG. O instituto legal da perda de vantagens patrimoniais é uma providência sancionatória de natureza jurídica análoga à das medidas de segurança, não tendo a natureza de pena acessória nem de efeito da condenação, antes estando ligada à prevenção da prática de futuros crimes.
HH. A verdade é que, tendo o Instituto da Segurança Social, I.P. deduzido pedido cível conexo com o processo penal, no valor de € 31.961,28, superior até ao valor da vantagem promovida - € 25.693,51 -, verifica-se uma comprovada e concreta inutilidade.
II. A condenação dos Arguidos na declaração de perda traduz-se numa sanção excessiva e injusta pois que pode conduzir ao pagamento em duplicado da vantagem obtida, não revestindo, por isso, qualquer utilidade.
JJ. Por este motivo, não deveriam os Arguidos ter sido condenados na perda de vantagens, como o foram.
KK. Daí que, na sentença que julga procedente o pedido cível deduzido pelo “ISS, IP”, como é o caso dos autos, necessariamente deverá o Tribunal concluir que com essa condenação no pedido cível, encontra-se julgado o mérito da transferência patrimonial e, por isso, o essencial das consequências da perda de vantagem, tal como o define no artigo 110.º nº1 alínea b) do CP, não podendo o Tribunal duplicar o julgamento sobre a mesma questão, duplicando a condenação na perda de vantagens, tal como peticionado pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público.
LL. Na questão que nos ocupa, até existe a agravante de que o ofendido é o próprio Estado (organismo que faz parte da Administração Pública do Estado), ente coincidente com o titular da defesa do interesse punitivo.
MM. Sendo que, na hipótese de os Arguidos não procederem ao pagamento da indemnização ao ISS, IP, estes sempre ficarão onerados com tal dívida, não ocorrendo qualquer extinção da mesma, apenas por não possuírem meios para o efeito, tal dívida poderá sempre ser reclamada.
NN. Pelo que, este Venerando Tribunal não pode partilhar o entendimento do Tribunal a quo, ou seja, o deferimento da declaração de perda, o qual traduzir-se-ia numa sanção excessiva e injusta pois que poderia conduzir ao pagamento em duplicado da vantagem obtida, não revestindo, por isso, qualquer utilidade.
OO. Atento o exposto deverá a decisão proferida ser substituída por uma outra que considere como improcedente a condenação dos Arguidos na perda de vantagens.
PP. Pelo exposto, os recorrentes fundamentam o presente recurso, na nulidade da acusação por falta de narração a que se refere a alínea b) do n.º 3 do artigo 311.º CPP, na nulidade da sentença por omissão de pronúncia, Art.º 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal e pretendem ainda a revogação da sentença proferida por a mesma conter
condenações que se reconduzem a uma dupla penalização da conduta dos Arguidos.

O Mº Pº respondeu defendendo a improcedência do recurso dos arguidos;
Nesta Relação o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Foi cumprido o artº 417º2 CPP

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência.
Cumpre apreciar.
Consta da sentença recorrida (transcrição):

II – FUNDAMENTAÇÃO:
1) Instruída e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. A sociedade “I..., Lda.” tem por objecto a realização de projectos e instalações eléctricas, projectos e instalações especiais (AVAC), manutenção industrial e automação de sistemas, sendo a contribuinte da Segurança Social n.º ..., com sede na Rua ..., Porto.
2. O arguido AA é o único gerente da “I..., Lda.” desde a sua constituição.
3. O arguido AA, em representação da “I..., Lda.”, tinha, além do mais, a obrigação de proceder à liquidação e pagamento dos impostos e contribuições sociais devidas.
4. Em todos os meses do período de Outubro de 2014 a Dezembro de 2016, o arguido AA, agindo na qualidade de gerente da sociedade “I..., Lda.”, entregou nas instituições de segurança social as declarações de remuneração dos trabalhadores e membros de órgãos estatutários ao seu serviço, tendo procedido ao desconto das contribuições devidas à Segurança Social pelos referidos trabalhadores e membros de órgãos estatutários nas remunerações efectivamente pagas aos mesmos nos referidos meses, com a aplicação da taxa de 11%, descontos esses que se traduziram no valor global de 25.693,51€.
5. Tais montantes, não foram, porém, entregues pelos arguidos à Segurança Social até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitam, assim como não os entregaram nos 90 (noventa) dias posteriores.
6. O arguido AA e a arguida “I..., Lda.” foram ainda notificados, nos termos do art. 105º, n.º 4, al. b), do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05.06, na redacção da Lei n.º 53-A/06, de 29.12, para procederem ao pagamento das retenções efectuadas nos salários supra mencionados e respectivos juros de mora, não tendo pago tais quantias.
7. Os arguidos não entregaram à Segurança Social as supra identificadas quantias, sabendo, no entanto, que aquelas lhes não pertenciam e que originavam à Segurança Social prejuízo de igual valor, que ficou privada de as utilizar para as finalidades que lhe são legalmente atribuídas.
8. Agiu sempre o arguido AA em nome e no interesse da “I..., Lda.”, bem como, no seu próprio interesse.
9. Agiram os arguidos de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei penal.
Mais se provou:
10. Na data dos factos a que se referem os autos, a sociedade arguida sofreu dificuldades económicas originadas pelo efeito da crise e falta de pagamento de clientes, alguns dos quais encerraram;
11. Foi devido a tal situação que o arguido AA canalizou o valor dos descontos efectuados para o giro normal da empresa e para pagar outras despesas básicas, necessárias à sua manutenção, como os salários dos trabalhadores.
12. Da quantia referida em 4), nada foi pago.
13. A empresa arguida:
a) foi declarada insolvente por decisão proferida em 15/11/17 no proc. 1493/15.7T8VNG- do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia- J3;
b) Não lhe são conhecidos bens.
c) Não tem antecedentes criminais.
14. O arguido AA:
a) tem 45 anos de idade e é solteiro;
b) explora uma empresa de ar condicionado, a “X..., Lda.”, sita na Rua ..., Vila do Conde; retira um salário de valor não concretamente apurado mas que se sabe ser pelo menos equivalente ao ordenando mínimo;
c) nessa empresa laboram 7 funcionários, que auferem ordenados que oscilam ente os €700,00 e os €1200,00 mensais;
d) as instalações da empresa são arrendadas e paga de renda €475,00 mensais;
e) o arguido vive com os pais, em casa dos mesmos;
f) tem como habilitações literárias a licenciatura em Engenharia;
g) o seu processo de socialização:
g.1- o seu processo de desenvolvimento decorreu junto do agregado de origem composto pelos progenitores e duas irmãs, sendo o arguido o filho do meio;
g.2- o progenitor exercia as funções de técnico de química, na empresa P... e a progenitora era doméstica; a dinâmica familiar é descrita como coesa e as necessidades básicas eram asseguradas pelo salário do progenitor;
g.3- o arguido licenciou-se em engenharia eletrotécnica; aos 21 anos, após conclusão do bacharelato integrou o mercado de trabalho na empresa “V...”, na sua área de formação, onde se manteve até 2004;
g.4- em 2002 criou a empresa arguida, mantendo ligação com a empresa “V...”, durante algum tempo;
g.5- a partir de 2004 passou a dedicar-se apenas à sua empresa, surgindo dificuldades financeiras quer em virtude da crise económica, quer da inexperiência empresarial do arguido, que culminou com o encerramento em 2017, por decisão da autoridade tributária;
g.6- em 2013 criou a empresa “X..., Lda.”, na área da assistência técnica, iniciando laboração em 2015, que se mantém até à actualidade;
g.7- mantém relação de namoro, sem coabitação há cerca de 15 anos, por decisão mútua, devido a constantes deslocações laborais;
g.8- reside com os progenitores e a irmã mais nova, solteira, professora universitária, em habitação dos pais, com boas condições de habitabilidade;
g.9- refere auferir um salário de €665,00 mensais e não contribuir nas despesas domésticas, por decisão parental;
g.10- é bem considerado no seu meio social.
h) confessou integralmente e sem reservas os factos que vinha acusado e mostrou-se arrependido;
i) Já respondeu pela prática em 28/08/15, de um crime de ofensa à integridade física simples, um crime de ameaça agravada e um crime de injúria, tendo sido condenado por sentença de 30/05/18, transitada em julgado em 02/07/18, na pena única de 130 dias de multa, à taxa diária de €9,00, num total de €1170,00, declarada extinta em 20/02/19 (Proc. 1319/15.T9PVZ, do Juízo Local Criminal de Vila do Conde-Juiz 1).
2) Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos, para além ou em contrário dos dados como provados.
3) Convicção do Tribunal:
Na sua convicção, o Tribunal teve em conta, o conjunto da prova produzida em julgamento, apreciada de forma crítica e conjugada, nos termos do art. 127.º, do C.P.P., mais concretamente:
a) o arguido:
Confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado e mostrou-se arrependido.
Confirmou que era o único gerente da sociedade arguida no período a que se referem os autos, fez os descontos nas retribuições referidas na acusação e não pagou as referidas quantias, cujos valores confirma.
Referiu que tal sucedeu em virtude de dificuldades económicas da empresa, na sequência da crise, que muitas empresas clientes deixaram de pagar e algumas delas fecharam.
Quanto à sociedade arguida referiu que um cliente pediu a insolvência da sociedade; houve um processo de revitalização mas depois acabou por ser declarada insolvente em 2016.
Não pagou à Segurança Social por não ter capacidade financeira.
Pagou aos funcionários, não ficou a dever nada; não recebeu dos clientes.
Explora uma empresa de ar condicionado, a “X...”, sita na Rua ..., Vila do Conde; retira um salário equivalente ao ordenando mínimo. Tem 7 funcionários, que auferem ordenados que oscilam ente os €700,00 e os €1200,00 mensais.
As instalações da empresa são arrendadas e paga de renda €475,00 mensais.
É solteiro e vive com os pais; não tem filhos.
Tem como habilitações literárias a licenciatura em Engenharia.
***
Tiveram-se ainda em conta os documentos juntos aos autos, mais concretamente, certidão comercial de fls. 111-118; mapas de valores deduzidos e não entregues, de fls. 90-91; extracto de remunerações de fls. 34-36; recibos de vencimento de fls. 74-75 e 81-85 e notificações do art. 105.º RGIT, de fls. 51 e 54.
Teve-se ainda em conta o teor de fls. 161-166, relativos ao processo de insolvência da arguida, que correu termos sob o proc. 1493/15.7T8VNG- do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia- J3; certidão permanente de fls. 195-198 e 276-279 e informação de fls. 216.
***
Relativamente ao pedido cível teve-se ainda em conta o mapa de dívida de fls. 178-179.
***
No que respeita às condições de vida do arguido e situação da empresa arguida e seus antecedentes criminais, além do depoimento do arguido, que se revelou credível, tiveram-se em conta o relatório social junto aos autos e os certificados de registo criminal de fls. 283-285.
***
Analisando o conjunto da prova produzida, designadamente a prova documental junta aos autos e a confissão do arguido, dívidas não restaram que o arguido praticou os factos que lhe foram imputados autos.
Assim, o arguido confessou integralmente os factos de que vinha acusado (retenção das contribuições/descontos e a sua não entrega à segurança social), bem como, que sabia que as mesmas eram devidas à Segurança Social e confirmou ainda o não pagamento de tais quantias.
Explicou ainda o arguido a situação financeira da empresa e as dificuldades da mesma, motivo pelo qual optou por fazer as retenções e usar as referidas quantias para liquidar as despesas básicas da empresa, como o pagamento de salários.
E, tendo em conta os documentos juntos aos autos, verifica-se que da referida quantia nada foi pago.”
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São as seguintes as questões a apreciar:
- nulidade da acusação por falta de narração a que se refere a alínea b) do n.º 3 do artigo 311.º CPP (omissão nesta da data de notificação para pagar a quantia em divida (condição de punibilidade) – tempo da prática do acto ilícito.
- na nulidade da sentença por omissão de pronúncia, art.º 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal por falta de fundamentação sobre a nulidade da acusação.
- perda de vantagens e indemnização civil (dupla penalização)
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O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in DR. I-A de 28/12 - tal como, mesmo sendo o fundamento de recurso só de Direito: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou o erro notório na apreciação da prova (Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 do seguinte teor:“ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) mas que, terão de resultar “ do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “ não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100 - e constitui a chamada “ revista alargada” como forma de sindicar a matéria de facto.
Tais vícios não são invocados e vista a decisão recorrida também não os vislumbramos.

Invocam os recorrentes a nulidade da acusação por falta de narração a que se refere a alínea b) do n.º 3 do artigo 311.º CPP (omissão nesta da data de notificação para pagar a quantia em divida (condição de punibilidade) – tempo da prática do acto ilícito.
Alega que sendo condiçao de punibilidade a falta de pagamento das prestações tributárias no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito, a data da notificação devia constar da acusação e não constando ocorre a omissão da al.b) do nº3 do artº 311º CPP, geradora da nulidade da acusação.
Sem razão, cremos por várias vias.
O artº 105º nºs 1 e 4 RGIT tem a seguinte redacção.
1 - Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias. (…)
4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.”, estando em causa a al. b) do nº4, que o STJ classificou como condição objectiva de punibilidade pelo ac. STJ de Fixação de Jurisprudência nº 6/2008 , in DR I Série, nº 94 de 15-05-2008 dom seguinte teor: “A exigência prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, configura uma nova condição objectiva de punibilidade que, por aplicação do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Em consequência, e tendo sido cumprida a respectiva obrigação de declaração, deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo [alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT].” pois ali se discutia se era ou não elemento do tipo legal de ilícito, sendo restabelecido deste modo que não é. E não sendo não faz parte da estrutura do crime (acção típica, ilícita e culposa), e por isso também o momento da consumação do crime é o momento em que a prestação tributária devia ter sido paga, e não foi, a que se seguirão, para efeitos de punibilidade da conduta, os prazos previstos no nº 4 do artº 105º do RGIT, como mais uma oportunidade dada ao arguido para não ser punido. Cfr ac RC de 17/12/2014 www.dgsi.pt “: I. O crime de abuso de confiança em relação á segurança social é um crime omissivo e como tal, considera-se praticado na data em que terminou o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários (art.º 5º, nº 2)”, defendendo-se ainda que a condição de punibilidade não é a notificação mas o não pagamento como no ac. TRP de 7/01/2015 www.dgsi.pt “I. A nova redação do artigo 105º, n.º 4, al. b), do RGIT, estabelece um pressuposto adicional de punibilidade segundo o qual a não punição resultará de uma atitude positiva do agente que obsta a essa consequência penal, pagando a dívida. II. A condição de punibilidade não é a notificação para pagamento, mas sim a atitude que o contribuinte toma perante ela, liquidando (ou não) as quantias em causa [condição de não punibilidade]”

Por seu lado o artº 283º 3 al.b) CPP dispõe 3 - A acusação contém, sob pena de nulidade: (…)
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”
Donde apenas determina a inclusão na acusação, e apenas se possível, do tempo, da prática do facto ilícito típico, e assim não sendo elemento do tipo a data da notificação não tem como obrigação de constar da acusação.
O que dela tem de constar é que o arguido foi notificado e a divida não foi paga, nos termos daquele normativo, e isso consta da mesma, razão pela qual não ocorre a nosso ver a nulidade da acusação, e tais notificações foram efectuadas pessoalmente conforme consta de fls. 51 e 54 dos autos e referenciadas na fundamentação da sentença. É certo que nada custava indicar a data da notificação, face à comprovação da notificação mas essa ausência não determina a nulidade.
Por outro lado, estando em causa a nulidade da acusação e estando em causa uma nulidade sanável, como está (cf. artºs 118º1, 119º, 120º1 e 3 c) CPP, ac R Lx 11/12/2008 www.dgsi.pt; ac TRG 18/2/2008 www.dgsi.pt; ac RP 6/12/2006 www.dgsi.pt; ac. RP 30/11/2011 www.dgsi.pt e ac RP 26/10/2016 www.dgsi.pt) e não tendo sido arguida em tempo – invocável até 5 dias depois de declarado encerrado o inquérito e deduzida acusação ou até ao encerramento do debate instrutório se houver (artº 120º 1 e 3 c) CPP) – pois só na contestação à acusação após designação do dia para julgamento é que foi suscitada, verifica-se que se existisse estaria sanada e não poderia mais ser arguida.
Improcede por isso esta questão.

Tal invocação de nulidade na contestação dos arguidos teve o seu conhecimento relegado para a decisão final, e aí foi decidido:
“No caso dos autos, invocaram os arguidos a nulidade da acusação, uma vez que a mesma, apesar de referir que os arguidos foram notificados nos termos do art. 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT e que não liquidaram os valores em dívida, não é indicada a data da notificação, faltando assim a condição objectiva de punibilidade a que alude a referida norma legal.
Ora, não obstante a referida notificação e a falta de pagamento nesse prazo –que constam da acusação como os arguidos reconhecem- constituir uma condição objectiva de punibilidade, entende-se que a falta da indicação a data concreta da notificação dos arguidos nos termos do art. 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, não constitui qualquer nulidade, pelo que sem necessidade de maiores considerandos, se indefere o requerido” em face do que os arguidos vem invocar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, art.º 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal por falta de fundamentação sobre a nulidade da acusação.
Sem razão, pois que o tribunal pronuncia-se expressamente sobre a questão suscitada e fá-lo de modo perceptivel e claro, ali se dizendo que é a falta de notificação e de pagamento que constitui a condição objectiva de punibilidade (e logo não elemento do tipo de ilícito) e como tal não constitui a nulidade invocada.
Improcede esta questão

Questionam os arguidos a perda de vantagens e a condenação na indemnização civil (dupla penalização, ocorrendo uma inutilidade)
Diz-se na sentença recorrida:

O Ministério Público veio requerer que seja declarada a perda da vantagem patrimonial nos termos do art. 110.º, n.º1, al. b), 2, 3 e 6 do Código Penal –redacção da Lei 30/17-, no valor de €25.693,51, quantia que era devida à Segurança Social (ISS) e de que esta ficou desapossada pelo crime de abuso de confiança contra a segurança social, cometido pelo arguido e sociedade arguida que lhes foi imputado nos autos, p. e p. pelos arts. 107.º, n.º1 e 105.º, n.º1, do RGIT, sem prejuízo dos direitos do lesado (pedido de indemnização civil que a Segurança Social venha a deduzir).
Assim, dispõe o art. 110.º do Código Penal, sob a epígrafe de “Perda de produtos e vantagens”, na redacção da Lei 30/17, de 30/05, que:
“1 - São declarados perdidos a favor do Estado:
a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objectos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e
b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, directa ou indirectamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.
2 - O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem.
3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objecto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado.
4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.
5 - O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz.
6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido.”
Por seu turno, o art. 111.º, do Código Penal, na redacção da Lei 30/17, de 30/05, sob a epígrafe “Instrumentos, produtos ou vantagens pertencentes a terceiro”, estabelece que:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a perda não tem lugar se os instrumentos, produtos ou vantagens não pertencerem, à data do facto, a nenhum dos agentes ou beneficiários, ou não lhes pertencerem no momento em que a perda foi decretada.
2 - Ainda que os instrumentos, produtos ou vantagens pertençam a terceiro, é decretada a perda quando:
a) O seu titular tiver concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção, ou do facto tiver retirado benefícios;
b) Os instrumentos, produtos ou vantagens forem, por qualquer título, adquiridos após a prática do facto, conhecendo ou devendo conhecer o adquirente a sua proveniência; ou
c) Os instrumentos, produtos ou vantagens, ou o valor a estes correspondente, tiverem, por qualquer título, sido transferidos para o terceiro para evitar a perda decretada nos termos dos artigos 109.º e 110.º, sendo ou devendo tal finalidade ser por ele conhecida.
3 - Se os produtos ou vantagens referidos no número anterior não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.
4 - Se os instrumentos, produtos ou vantagens consistirem em inscrições, representações ou registos lavrados em papel, noutro suporte ou meio de expressão audiovisual, pertencentes a terceiro de boa-fé, não tem lugar a perda, procedendo-se à restituição depois de apagadas as inscrições, representações ou registos que integrarem o facto ilícito típico. Não sendo isso possível, o tribunal ordena a destruição, havendo lugar à indemnização nos termos da lei civil.”
Por seu turno, o art. 111.º do Código Penal, na redacção em vigor à data dos factos -Lei 32/10, de 02/09, que entrou em vigor em 02/03/11-, sob a epígrafe de “Perda de vantagens”, estabelecia que:
1- “Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.
2- São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito, tiveram sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.
3- O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transacção ou troca com as coisas ou direitos directamente conseguidos por meio de facto ilícito típico.
4- Se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos no número anterior não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor.”
De acordo com o que resulta do art. 23.º da Lei 30/17, de 30/05, “o disposto na presente lei aplica-se aos processos que se iniciem a partir da data de entrada em vigor da presente lei”.
Por outro lado, caberá referir que a perda das vantagens está prevista no Título III que dispõe sobre as consequências jurídicas do facto.
A natureza de tais disposições não é pacífica quer na doutrina quer na jurisprudência.
Conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Cód. Penal, p. 315), a perda de vantagens é exclusivamente determinada por necessidades de prevenção. Não se trata de uma pena acessória, porque não tem relação com a culpa do agente nem de um efeito da condenação porque também não depende de uma condenação. Trata-se de uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, pois baseia-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de prática de um facto ilícito-típico, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito decorrente do objecto.
No mesmo sentido, o prof. Figueiredo Dias (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 638). Com efeito, ao contrário de Damião da Cunha, Figueiredo Dias não considera este instituto como pena acessória pois esta implica a culpa –dolo– do agente.
Sendo considerado um instituto criado para a prevenção geral do crime, no seguimento da ideia que “o crime não compensa”, para a aplicação de tal instituto basta que tenha existido uma facto típico-ilícito e não necessariamente culposo.
Para Pedro Caeiro o instituto da perda de vantagens do crime configura-se como um tertium genus. Ou seja, não configura uma pena acessória porque se basta com um facto típico e ilícito, não carecendo de estar verificada a culpa na sua produção, mas também não configura uma medida de segurança uma vez que esta implica que se confirme a perigosidade de o agente vir a praticar factos homogéneos, (…) a pena exige a culpa; a medida de segurança exige a perigosidade do agente; a perda basta-se, muito prosaicamente, com a existência de vantagens patrimoniais obtidas através da prática do crime.” 1
Por seu turno, refere o acórdão da Rel. do Porto de 05/04/17 (www.dgsi.pt), a “legislação não deixa dúvidas. A responsabilidade civil emergente de crime é regulada pela lei civil-art. 129.º do Cód. Penal. No RGIT o direito subsidiário, quanto à responsabilidade civil, não obstante o princípio da adesão, regula-se pelas disposições do C.C. e legislação complementar (art. 3.º, al. c). O cumprimento da sanção aplicada não exonera o agente do pagamento da prestação tributária devida e acréscimos legais, suposto que deduzido o pedido cível (art. 9.º do RGIT)”.
E, conforme refere o citado acórdão, “quanto aos efeitos da perda –mercadorias, meios de transporte, armas e outros instrumentos- o RGIT tem legislação especial que se aplica a um conjunto de crimes aduaneiros disciplinados nos arts. 92.º a 96.º do RGIT. Se o legislador quisesse estabelecer, autonomamente, uma perda da vantagem patrimonial ilegítima para os crimes de fraude ou abuso de confiança fiscal, a exemplo do que acontece com outros crimes aduaneiros, teria usado a mesma técnica legislativa. A perda de vantagens é disciplinada em alguns diplomas de forma clara, como acontece com a lei do tráfico ou consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas ou branqueamento de capitais, onde o legislador de forma especial decreta a perda de vantagens conseguidas com a prática do facto ilícito, ao invés a relação jurídica tributária implica uma responsabilidade civil que tem que ser conduzida pelos meios próprios- a acção de indemnização civil”.
Conforme se referiu ainda no acórdão da Relação do Porto, de 22-3-2017 (sumário) “não há lugar ao decretamento da perda de vantagens (arts. 111º CP) se o Estado (A.T.) optou pela recuperação do seu crédito de imposto através da execução fiscal, arredando o Ministério Público de intervenção na recuperação daquela quantia por considerar ter meios suficientes para cobrança coerciva desse imposto.”
………………….
1 Pedro Caeiro in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 21, nº 2, “Sentido e função do instituto da perda de vantagens relacionadas com o crime no confronto com outros meios de prevenção da criminalidade redtícia (em especial os procedimentos de confisco in rem e a criminalização do enriquecimento ilícito).
…………………
No entanto, baseando-se na doutrina de que a perda de vantagens é exclusivamente determinada por necessidades de prevenção, a maioria da jurisprudência dos tribunais superiores mais recente, designadamente do Tribunal da Relação do Porto e da Relação de Guimarães, entende dever ser decretada a referida perda de vantagens.
Assim:
- no Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães datado de 14.01.2019, cuja Relatora é a Exma. Sra. Juíza Desembargadora, Dra. Isabel Cerqueira, decidiu-se (sumário) “I) O Mº Pº, no interesse da comunidade e por direito próprio, pode sempre peticionar a perda de vantagens do crime fiscal, mesmo que a Autoridade Tributária não pretenda que seja deduzido pedido cível. II) - E até independentemente da existência de pedido de indemnização civil ou de a Autoridade Tributária ter usado de outros meios para cobrança do imposto em dívida (e apesar de eventual falta de utilidade prática), quer porque o Estado só pode executar uma vez a mesma quantia, quer porque a perda de vantagens do crime prevista na alínea b) do n.º 2 do art.º 110º do CP é determinada por outros fins para além da indemnização do Estado, fins de prevenção da criminalidade ligada à velha ideia de que o crime não compensa”; III) - O pedido de indemnização civil ou outras formas de cobrança do imposto em dívida não são suficientes para assegurar as razões subjacentes à perda de vantagens do crime, nomeadamente, por a responsabilidade tributária obedecer ao previsto na Lei Geral Tributária, com prazos e princípios próprios, tais como, prazos de caducidade curtos, e mera responsabilidade subsidiária de outros sujeitos para além do sujeito passivo.”
- no Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto datado de 24.10.2018, cujo Relator é o Exmo. Sr. Juiz Desembargador, Dr. José Piedade, decidiu-se (sumário): “A existência de uma execução fiscal no domínio da responsabilidade tributária subjacente à prática de um crime de abuso de confiança fiscal não constitui impedimento à declaração de perda de vantagem patrimonial, no âmbito penal.”
- no Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto datado de 12.09.2018, cuja Relatora é a Exma. Sra. Juíza Desembargadora, Dra. Maria Dolores da Silva e Sousa, decidiu-se (sumário): “Deve ser declarado perdido a favor do Estado ao abrigo do artº 111º 2 CP o valor da vantagem patrimonial obtido pelo arguido com a prática do crime de abuso de confiança fiscal (art. 105º RGIT) mesmo não tendo o Mº Pº deduzido pedido civil a pedido da Autoridade Tributária.”
- no acórdão proferido em 11/04/19, no Tribunal da Relação do Porto, relatado também pela Exma. Sra. Juíza Desembargadora, Dra. Maria Dolores da Silva e Sousa, decidiu-se dever ser decretada a perda de vantagens, mesmo que tenha sido também deduzido pedido cível (no caso, como o dos autos, estava em causa um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social), apelando, em síntese, à diversa natureza dos dois institutos e defendendo que neste caso “a perda de vantagens é aqui subsidiária, no sentido de constituir uma reserva, para o caso de o PIC, por exemplo, não ser executado, mas tem sempre um carácter de reforçar ou fortificar a procedência do PIC visto que além dele tem uma função que é a de dar o sinal comunitariamente muito relevante que o crime não compensa…. Perda de vantagem, portanto, a decretar sempre, embora sem prejuízo do que o Estado, no caso Segurança Social consiga obter em termos de pagamento no âmbito do pedido cível que efectuou e foi procedente”. E, citando João Conde Correia/Hélio Rigor Rodrigues –em Julgar Online 8, p. 20-, refere ainda o mesmo acórdão que “o credor passa a dispor de dois títulos executivos que pode utilizar alternativamente e que têm âmbitos subjectivos distintos. O que ele jamais poderá fazer (é óbvio) é executar duas vezes a mesma quantia”.
No caso dos autos, resultou apurado que o arguido ao não remeter à Segurança Social, nos prazos legais, as deduções que efectuou nas remunerações apropriou-se de tais quantias que não lhe eram devidas, nem lhe pertenciam, integrando-as no giro comercial da empresa que geria e teve um enriquecimento, ainda que para a sociedade que à data representava, em detrimento da Segurança Social.
Assim, teve uma vantagem patrimonial no montante de €25.693,51.
No caso dos autos, temos que a Segurança Social deduziu pedido cível nos autos.
Pelo exposto, e revendo posição anteriormente adoptada, tendo em conta as recentes decisões dos tribunais superiores, decide-se e ao abrigo do disposto no artigo 111º, n.º 2, 3 e 4 do Código Penal, e a título de perda de vantagem patrimonial, condenar ainda o arguido AA e sociedade arguida a pagarem Estado Português a referida quantia peticionada pelo Ministério Público, em representação do Estado Português e a título de perda de vantagem patrimonial, no valor global de €25.693,51.”
No caso foi decretada a perda e também a procedência do pedido civil por parte do ISS, ambos com o mesmo objecto, embora o do ISS o exceda (juros).
Dissemos no rec 112/15.6T9VFR.P1 desta Relação:
“…pela …Lei nº 30/2018, foi alterado o artº 110º CP que passou a prever o regime jurídico da perda a favor do Estado dos produtos do crime – facto ilícito típico (por não estar dependente da punibilidade da conduta ou da culpa jurídico penal do seu autor “ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz” (nº 5 do artº 110º CP) - (que define: “considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática” - artº 110º 1 a) CP)) - e das vantagens do crime (facto ilícito típico), que define “considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem”, incluindo “a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem” – artº 110º 1 b) e 2 CP – seguindo assim o produto do crime e as vantagens do crime o mesmo regime jurídico, de acordo com o qual e grosso modo, os produtos e as vantagens são sempre declaradas perdidos a favor do Estado, não estando dependentes de nenhum critério material, e mormente a da sua perigosidade, e cuja amplitude foi alargada e esclarecida no seu nº 3 ao prever que “ A perda dos produtos e das vantagens … tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado.”
Regime que afinal era já o aplicável à perda de vantagens (mas não aos produtos do crime), pois que, como naquele se disse: “o artº 111º CP (actual artº110º CP), que se refere às vantagens obtidas com o crime e que abrange para além da recompensa dada ou prometida “as coisas, direitos ou vantagens que, através, do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos … pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie” e são definidos no artº 110º actual: “b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem” para além da recompensa. Tal perda pode ser caracterizada já como medida sancionatória (ac RP 22/2/2017 www.dgsi.pt) embora também com intuitos preventivos como todas as sanções, visando perder tudo o que obteve com a actividade criminosa e daí a mensagem de que o crime não compensa - cf Figueiredo Dias "As consequências jurídicas do crime" Coimbra, pág. 632.
Diz-se no ac. TRP de 31/05/2017 www.dgsi.pt “II - Os pressupostos legais da perda de vantagens são apenas o facto antijurídico e a existência de proveitos (…) ” e no ac. TRP de 12/07/2017 www.dgsi.pt “ 1 - A perda de vantagens do crime (artigo 111º do Código Penal) constitui um instrumento de política criminal, com finalidades preventivas, através do qual o Estado exerce o seu ius imperium anunciando ao agente do crime, ao potencial delinquente e à comunidade em geral que nenhum benefício resultará da prática de um ilícito.”
No caso dos autos existem claramente as vantagens do crime, traduzidas na retenção e apropriação dos valores que deviam ser entregues à SS e não foram “afetando esses valores ao pagamento de outras dívidas integrando essas quantias no património da sociedade”
E sendo assim deve ou não ocorrer o decretamento de perda dessas vantagens, visto que tal foi pedido pelo Mº Pº na acusação, inexistindo, por isso, obstáculo formal?
Por força do AFJ nº 1/2013 – DR 7/1/2013, o STJ estabeleceu que: “Em processo penal decorrente de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. no artº 107º nº 1, do R.G.I.T., é admissível, de harmonia com o artº 71.º, do C.P.P., a dedução de pedido de indemnização civil tendo por objecto o montante das contribuições legalmente devidas por trabalhadores e membros dos órgãos sociais das entidades empregadoras, que por estas tenha sido deduzido do valor das remunerações, e não tenha sido entregue, total ou parcialmente, às instituições de segurança social.” resulta que a administração publica apesar do direito de execução prévia administrativa pode em caso de crime, deduzir pedido de indemnização, apenas não podendo, sob pena de enriquecimento sem causa, obter a quantia devida, duplamente, mas podendo usar o titulo que entender, como ali se escreve: “A dedução do pedido de indemnização civil em processo penal, não depende do ‘aval’ de outros ordenamentos jurídicos; estes não determinam, quer a legitimidade, quer a viabilidade daquele. Por isso, não há que fazer cotejo, ou comparação de ordenamentos jurídicos, nomeadamente do processo penal com outros ramos do direito, nomeadamente com processo tributário, de execução fiscal, para aquilatar da legalidade do pedido de indemnização civil em processo penal.
O facto de existir a possibilidade legal de a administração fiscal ou a Segurança Social dispor de duas vias de cobrança, uma com base no título executivo por si emitido e outra com base no título executivo civil, não significa que possa haver um duplo recebimento, que constituiria então enriquecimento sem causa, uma vez que o decidido numa poderá constituir oposição à execução na outra, requerendo-se a extinção da dívida pelo pagamento, não beliscando a harmonia com a unidade do sistema jurídico.[81]”
Tal qualmente não é pelo facto de deduzir ou não pedido de indemnização civil que impede o tribunal de aplicar a lei e nomeadamente fazer funcionar o confisco das vantagens obtidas com o crime, sanção esta de natureza penal. Cf. ac. RP de 26/10/2017 www.dgsi.pt “ Tenha ou não deduzido pedido civil, tenha ou não a Autoridade Tributária entendido que dispõe de meios suficientes para a cobrança coerciva do imposto devido, há lugar, nos termos do artº 111º CP, num crime de burla tributária, ao decretamento de perda de vantagens obtidas com a prática do crime”
Obviamente que o valor devido ao Estado será sempre e apenas o mesmo, [mas à Segurança Social acrescerão os juros]
Esta tem sido a jurisprudência constante.
Assim:
- ac. RP de 31/05/2017 www.dgsi.pt “I - O instituto da perda de vantagem patrimonial é uma providência sancionatória de natureza jurídica análoga das medidas de segurança, não tendo a natureza de pena acessória nem de efeito da condenação, estando ligada prevenção da prática de futuros crimes. II - Os pressupostos legais da perda de vantagens são apenas o facto antijurídico e a existência de proveitos. III - As medidas de caracter sancionatório como a perda de vantagem, ainda que devam constar da acusação, têm caracter irrenunciável, sem prejuízo do disposto no artº 112º CP. IV - O facto de a A.T. ter ao seu dispor meios legais para ser ressarcida das quantias devidas, não é obstáculo à declaração de perda da vantagem patrimonial, porque:- existe autonomia entre a responsabilidade tributária e a responsabilidade civil originária na prática do crime.- o decretamento da perda de vantagem não fica dependente do êxito ou não da cobrança tributária nem da dedução do pedido civil.- a A.T apenas poderá ser ressarcida uma vez das quantias em divida cuja génese é o incumprimento da prestação tributaria.”
- ac. RP de 12.07.2017 www.dgsi.pt “1 - A perda de vantagens do crime (artigo 111º do Código Penal) constitui um instrumento de política criminal, com finalidades preventivas, através do qual o Estado exerce o seu ius imperium anunciando ao agente do crime, ao potencial delinquente e à comunidade em geral que nenhum benefício resultará da prática de um ilícito. 2 - Mesmo nos casos em que o ofendido é o próprio Estado/Administração Tributária que não deduziu pedido de indemnização civil e beneficia de outros meios coercivos de obter o pagamento da quantia em causa, isso não pode afetar o exercício do poder de autoridade pública subjacente ao instituto em causa, uma vez que a lei não prevê tal distinção”
- ac. RP de 24.10.2018 www.dgsi.pt “A existência de uma execução fiscal no domínio da responsabilidade tributária subjacente à prática de um crime de abuso de confiança fiscal não constitui impedimento à declaração de perda de vantagem patrimonial, no âmbito penal”
tendo-se todavia manifestado em sentido contrario o ac RP de 22/03/2017 www.dgsi.pt “Não há lugar ao decretamento da perda de vantagens (artºs 111º CP) se o Estado (A.T.) optou pela recuperação do seu crédito de imposto através da execução fiscal, arredando o MºPº de intervenção na recuperação daquela quantia por considerar ter meios suficientes para cobrança coerciva desse imposto”
Todavia atenta a natureza autónoma e de natureza penal do instituto de perda de vantagens do crime, tais institutos não se confundem nem com a pena nem com a indemnização civil, não podendo deixar de ser aplicado, como pedido na acusação, sem que daí resulte uma dupla ou tripla execução, pois dependerá da relação subjacente estar ou não cumprida (satisfeita), sem prejuízo de se considerar como Jorge de Figueiredo Dias que nesses casos, decretar o confisco poderá não ter utilidade, pois nestes casos “poucas serão as hipóteses em que a perda das vantagens poderá ser decretada utilmente” - Direito Penal Português…, p. 633).
Nestes casos convirá também ter apresente o estabelecido no artº 130ºCP em face do que o “ tribunal pode atribuir ao lesado, … até ao limite do dano causado, … vantagens declarados perdidos a favor do Estado ao abrigo dos artigos 109.º a 111.º, incluindo o valor a estes correspondente…”, donde a declaração de perda não terá eficácia prática porquanto aquilo que vier a ser declarado perdido a favor do Estado reverterá para a vítima do crime através do pedido de indemnização reclamado por esta, embora no caso o lesado seja o mesmo (Estado).”
In casu será apenas parte dada a condenação em juros na indemnização civil.
Assim sendo a vantagem obtida no valor de € €25.693,51, no seu pagamento deverão ser os arguidos condenados.
Improcede assim esta questão e dada ausência de outras de que cumpra conhecer, improcede o recurso.
+
Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar improcedente o recurso interposto pelos arguidos "I..., Lda. e AA e em consequência mantém a sentença recorrida.
Condena cada um dos arguidos recorrentes no pagamento da taxa de justiça de 3 Uc e solidariamente nas demais custas.
Notifique.
Dn
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Porto, 30/03/2022
José Carreto
Paula Guerreiro
Francisco Marcolino