SUSPENSÃO DE ATOS
PROCESSO DE EXECUTIVO
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
Sumário

I - O art.º 6.º-A n.ºs 7  al. b) e 8 da Lei 1-A/2020 de 19.03, na redacção dada pela Lei 13-B/2021 de 05.04, estabelece duas hipóteses quanto à suspensão  de actos do processo executivo se o imóvel constituir casa de morada de família: i)  a suspensão pode ser decretada, incondicionalmente, ie., ipso facto, dada a natureza e finalidade do imóvel, mas apenas na fase da entrega  ii) A suspensão pode ser decretada antes da entrega efectiva do imóvel,  e ainda na fase da venda, mas aqui apenas se  o executado provar a prática de acto que seja susceptível de prejudicar a sua subsistência .
II -  Não provando ele a prática deste acto, mantendo-se na fruição da casa, não se  antolhando iminente a sua entrega efectiva, e estando apenas a iniciar-se  a fase da venda, a pretensão de suspensão das diligências em curso para a venda revela-se legalmente inadmissível porque intempestiva.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

No processo em epígrafe em que é exequente P... Company e executados AA e BB,

 

foi proferido o seguinte despacho:

«Extinta a execução, por existência de penhora anterior sobre o imóvel penhorado e por não ter sido requerida a penhora de outros bens, levantada a penhora anterior, veio a exequente requerer o prosseguimento dos autos, para a fase da venda.

O senhor A.E., a 01/09/2021, juntou certidão de ónus ou encargos sobre o prédio penhorado, constatando-se que a penhora efetuada permanece registada (22/06/2020) e que não existem registadas outras penhoras anteriores.

Citados os credores e notificadas as partes para se pronunciaram relativamente à modalidade da venda e valor base do imóvel, vieram os executados requerer: a) a manutenção da extinção da execução, por existência de penhora anterior sobre o imóvel; b) sem prescindir, não se opõe à venda através de leilão eletrónico, desde que seja avaliado o imóvel, para apuramento do seu valor de mercado; c) sem prescindir, a suspensão das diligências de venda, nos termos do artigo 6º-E da Lei n.º 13-B/2021, de 5/4, na medida em que as mesmas causam grave/irreparável prejuízo à sua subsistência e do seu agregado familiar.

A exequente, notificada, pronunciou-se requerendo a venda através de leilão eletrónico, pelo valor base de 370.000,00€, tendo pugnado pelo indeferimento do requerimento, alegando que: a) a anterior penhora já foi levantada; b) não devem ser suspensas as diligências de venda, nada tendo a opor a que a entrega do imóvel seja relegada para momento posterior à venda.

Cumpre apreciar e decidir.

Relativamente ao prosseguimento dos autos, compulsados os autos, verifica-se que a anterior penhora foi já levantada, não existindo registada outras penhoras anteriores, nada obstando ao prosseguimento dos autos, pelo que falece o primeiro requerimento dos executados.

Relativamente à decisão de venda, trata-se de uma decisão da competência do senhor A.E., para o qual se relega a tomada de decisão.

Em todo o caso, deve ponderar-se o demais requerido relativamente à suspensão das diligências de venda.

O fundamento legal invocado pelos executados enquadra-se na Lei n.º 13-B/2021, de 5/4, cujo artigo 6º-E, na parte que aqui releva, dispõe: «1 - No decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais (…) regem-se pelo regime excecional e transitório previsto no presente artigo. (…)

7 - Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo: (…) b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;

(…) 8 - Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária».

Encontramo-nos, ainda, no decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, mantendo-se a referida lei em vigor, encontrando-se as diligências a realizar no âmbito do presente processo sujeitas ao regime excecional e transitório aí previsto.

Não sendo controverso entre as partes que o prédio penhorado é a casa de morada de família dos executados, questiona-se se devem ser suspensas as diligências de venda prévias à adjudicação e entrega do imóvel ou, ao invés, se a execução só deve ser suspensa na fase da entrega.

A este respeito, decidiu o AcRP de 20-09-2021 (rel. Des. Manuel Domingos Fernandes), jurisprudência em que nos revemos, que: « I– O art.º 6.º-A, n.º 6, alíneas b) e c) e n.º 7, da Lei n.º 1- A/2020, de 19/03 (na redacção da Lei n.º 16/2020, de 29/05) prevê três níveis diferentes de protecção das pessoas visadas com diligências de entrega de imóveis: a) se o imóvel em causa constituir casa de morada de família ficam automaticamente suspensas todas as diligências de entrega judicial da mesma; b) se o imóvel a entregar, não sendo casa de morada de família, for um imóvel arrendado apenas se suspendem estas mesmas diligências caso “o arrendatário, por força da decisão final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outrarazão social imperiosa”; c) se o imóvel em causa não constituir casa de morada de família nem for  arrendado somente se suspende a prática de tais diligências caso estas “sejam susceptíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente (…) desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável. II- A al. b) do citado preceito apenas suspende a entrega do imóvel que constitui a casa de morada de família, mas não já a sua venda ou adjudicação que necessariamente precedem aquela. III- O nº 7 do citado preceito não abrange na sua factie species a casa de morada de família, mas ainda que assim não fosse, não vemos como seria possível, nessas situações, a verificação do primeiro dos apontados requisitos (prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente), quando a sua protecção durante o período pandémico está garantida pela imposição da suspensão da entrega judicial do imóvel, sendo que, passado o referido período, a venda do imóvel poderá ser uma inevitabilidade».

Assim, sustentando-se o entendimento que o processo executivo não deve ser suspenso na fase da venda, mas apenas na fase da entrega do imóvel, indefere-se o requerido, relegando-se para o senhor A.E. a decisão de venda.»

2.

Inconformado recorreram os executados.

Rematando as alegações com as seguintes conclusões.

1- Vem o presente recurso interposto da sentença que indeferiu a requerida suspensão das diligências de venda do imóvel penhorado ao abrigo do regime excepcional e transitório previsto na Lei n.º 13-B/2021 de 5 de Abril, e, em consequência, determinou a prossecução dos autos para venda da casa de morada de família, decisão com a qual não concorda e que motiva o presente recurso.

2- Nos presentes autos requereram os recorrentes a suspensão das diligências de venda em curso, ao abrigo do disposto no artigo 6.º-E da Lei n.º 13-B/2021 de 5 de Abril, na medida em que as mesmas causam grave/irreparável prejuízo à sua subsistência e do seu agregado familiar.

3- Os executados residem todos eles no imóvel penhorado, sendo a sua casa de morada de família, não tendo qualquer outro que possam habitar.

4- Encontrando-se por isso mesmo impossibilitados de pagar as despesas normais de todo e qualquer agregado familiar com a mesma dimensão, como sejam, entre outras, alimentação, vestuário, saúde e educação.

5- Inexistindo ainda, como é bom de ver, disponibilidade financeira para passarem a residir em qualquer outro local que não a casa de habitação penhorada nestes autos.

6- Pois como se disse, não têm outra habitação onde possam residir e também não têm actualmente condições económicas para albergar condignamente o seu agregado familiar seja por via de arrendamento seja por qualquer outra forma, muito necessitando de continuar a habitar no imóvel penhorado.

7- Por outro lado, a pretendida suspensão não causa prejuízo grave à subsistência da exequente atenta a sua natureza e condição económica - nem tal facto foi sequer contestado ou colocado em questão pelo Tribunal recorrido.

8- Estabelece o n.º 8 do artigo 6.º-E, da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, na redacção introduzida pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, que, “[N]os casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária”.

9- A crise pandémica causada pela Covid-19 é a verdadeira ratio legis do citado preceito legal, que, aliás, se continua a fazer sentir.

10- Veja-se que o legislador ao referir que a suspensão alcança quer os actos de venda, quer os actos de entrega, quis expressamente suspender os actos de venda e, por conseguinte, atrasar quer as vendas, quer as entregas dos bens imóveis, dando mais tempo aos visados.

11- Dito de outro modo, o legislador quis efectivamente suspender os actos de venda quando esta ainda não foi realizada e suspender a entrega quando a venda já foi concretizada, precisamente em função da fase processual em que se encontra a execução.

12- De outra forma, o legislador suspenderia unicamente a entrega do imóvel, o que não quis/fez.

13- Nessa decorrência previu para os casos em que se já vendeu o bem imóvel, a suspensão da entrega e previu para os casos em que a venda ainda não se tinha iniciado ou estava em curso, a suspensão da própria venda. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/09/2020, acessível in www.dgsi.pt).

14- É esta a interpretação correcta da lei e que aqui se preconiza, pois, na verdade, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

15- Conforme se salienta no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08/03/2021, acessível in www.dgsi.pt, “[p]ara se aferir se a realização da venda importa em prejuízo para a subsistência do executado deve o Juiz fazer uma avaliação casuística e ponderada que leva em consideração os rendimentos do executado, a composição do seu agregado familiar, as suas despesas essenciais em alimentação, vestuário e saúde e, ainda, o valor da renda mensal que o mesmo terá que suportar para obter o arrendamento de um locado para a habitação do seu agregado familiar.”

16- Em face de tudo quanto se expôs, verifica-se, pois, que a venda do imóvel em questão é susceptível de causar prejuízo à subsistência dos executados e do seu agregado familiar e, atenta a natureza da exequente e a sua capacidade financeira, com activos de milhões de euros, não lhe causa prejuízo grave à sua subsistência ou um prejuízo irreparável.

17- Encontramo-nos, ainda e infelizmente, no decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, mantendo-se a referida lei em vigor, encontrando-se as diligências a realizar no âmbito do presente processo sujeitas ao regime excecional e transitório aí previsto.

18- Ao não decidir pela suspensão da venda, ao interpretar a referida lei no sentido de não ter aplicabilidade a suspensão da venda, mas tão só da entrega, por entender poder ser a venda uma inevitabilidade, na óptica do Tribunal recorrido, é esvaziar todo o conteúdo e efeito da lei e fazer uma interpretação ilógica.

19- A lei é bastante clara ao referir que, repita-se, a suspensão alcança quer os actos de venda, quer os actos de entrega, pretendendo expressamente suspender os actos de venda e, por conseguinte, atrasar quer as vendas, quer as entregas dos bens imóveis, dando mais tempo aos visados, consoante a fase da execução em que se encontre o respectivo processo.

20- Por tudo o exposto, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a suspensão da venda judicial do imóvel penhorado e que constitui a casa de morada de família dos executados, tudo com as demais consequências legais.

Contra alegou a exequente pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

A. A decisão Apelada tem como objeto Despacho proferido pelo Tribunal a quo no qual é autorizada a venda do imóvel penhorado nos Autos, mantendo apenas a suspensão da entrega efetiva do mesmo.

B. O imóvel em causa consubstancia a casa de morada de família dos Apelantes.

C. A presente execução corre termos desde 16/05/2020, aquando do Requerimento Executivo apresentado pela ora Apelada.

D. Porém, o incumprimento dos contratos que deu origem à presente execução reporta-se a Dezembro de 2013 e Maio de 2014, e que importou o vencimento de todas as prestações acordadas.

 E. Apesar destes autos datarem de 2020, pelo menos desde Dezembro de 2013 que os Executados deixaram de pagar as prestações a que estavam obrigados e, por isso, que sabem que a falta de pagamento das mesmas poderia levar a consequências.

F. Mais, a ora Apelada já havia reclamado os seus créditos em várias ações executivas, a saber, no âmbito dos processos n.º 450/11...., 330/15.... e ...42 e Ap., tendo a presente sido intentada face à extinção/ausência de venda nos referidos autos.

G. É, deste modo, que a ora Apelada acompanha o douto entendimento do tribunal a quo quando este refere que a “venda do imóvel poderá ser uma inevitabilidade”.

H. É certo que o imóvel em causa consubstancia a casa de morada de família dos Apelantes, não estando tal facto em discussão ou sequer posto em causa.

I. Porém, o preceito legal invocado Lei n.º 13- B/2021 de 5 de Abril relativo á suspensão das diligências de venda do imóvel penhorado é apenas transitório e especial, sendo imperativa a prova da fragilidade dos Apelados por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa, o que nos autos não se verificou.

J. Conclui-se, assim, que suspensão ora corrente das diligências de entrega do imóvel será suficiente para os Executados poderem procurar uma nova habitação.

K. Isto porque o tempo que medeia entre o início das diligências de venda e o momento em que o imóvel é efectivamente adjudicado é, em regra, bastante demorado, dando aos Apelados o tempo necessário para procurar uma nova habitação.

L. No mais, sendo que o imóvel vem sendo penhorado por diversas entidades distintas há vários anos, sempre seria inevitável a respetiva venda, o que os Apelantes não podiam ignorar.

M. Face a tudo quanto o que foi exposto, apenas se pode concluir que o verdadeiro interesse dos Apelantes será o de protelar a venda do imóvel, o que não se pode aceitar.

N. Assim, bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, devendo manter-se a decisão Apelada, prosseguindo a venda executiva do imóvel mantendo-se, apenas, a suspensão da respetiva entrega efetiva.

3.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

Ilegalidade de da decisão que indeferiu a suspensão da venda do imóvel.

4.

Decidindo.

4.1.

Prescreve o artº 6-A nºs 7 e 8 da Lei 1-A/2020 de 19.03, na redação dada pela Lei 13-B/2021 de 05.04.

7 - Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo:

b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;

8 - Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária.

Da adequada exegese deste preceito, norteados pelas regras interpretativas plasmadas no artº 9º do CC, resulta o seguinte:

 A al. b) do nº 7 diz-nos que estando em causa a casa de morada de família, o processo é suspenso apenas no momento da efetiva concretização da sua entrega judicial.

Aqui protege-se  a suposta utilidade do seu uso e os benefícios que normalmente advêm, em termos de  estabilidade vivencial, para o  executado e o seu agregado familiar que a habitar.

Tal significa que mesmo que o executado e seu agregado não tivessem qualquer prejuízo decorrente da efetiva entrega judicial, esta entrega tem de ser sustada.

Mas tal proteção mais alargada tem uma limitação processual: o processo não é suspenso na fase e durante as diligências da venda, mas apenas no momento da entrega para se evitar esta.

Esta limitação intui-se: com a sustação da entrega, o aludido fito da permissão da continuação do uso da casa é consecutido; e, assim, não se justificando, até por razões de celeridade e de proteção dos interesses do exequente, que não podem ser descurados, que o processo se suspenda em fase/momento anterior.

Já do nº8 retira-se que, não estando em causa a casa de morada de família, a suspensão abrange, ou pode abranger, não apenas os atos referentes à entrega do imóvel, mas também os atinentes à sua venda; ou seja, temos uma abrangência processual de suspensão mais ampla – cfr. neste sentido e para mais desenvolvimentos, o Ac. RL de 17.02.2022, p. 3220/17.5T8FNC-C.L1-6, in dgsi.pt.

Mas aqui a lei impõe um requisito o condição: que o atos ou atos praticados quer na fase da venda quer na fase/momento da entrega seja suscetível de  causar prejuízo à subsistência do executado.

Este requisito, como é bom de ver, não opera automaticamente ou ope legis, antes tem de ser alegado e provado, por aquele que dele se pretende aproveitar, através de um processado de cariz incidental, com cumprimento do contraditório – cfr. AC. RL de 17.06.2021, p. 1055/20.7YLPRT.L1.

Urge outrossim ter presente que, sendo o imóvel casa de morada de família, a suspensão tanto pode ser decretada, mas apenas na fase da entrega, ao abrigo da al. b) do nº7, como, no âmbito do nº8, aqui também já  podendo abranger a fase da venda; posto é que o requerente alegue e prove a existência do aludido requisito exigido por este segmento normativo.

Na verdade, se a lei permite a suspensão nos termos do nº8 para qualquer imóvel, sem excluir a casa de morada de família, tem de entender-se, por igualdade, ou, até, maioria de razão – argumento a fortiori -  que esta também nele é abarcada, se o executado provar que  os atos para a sua venda ou para a sua  entrega prejudicam ou, com forte a probabilidade, podem causar prejuízo à sua subsistência;  ou seja, que a satisfação das suas necessidades básicas seja, ou muito provavelmente possa vir a ser, intoleravelmente afetada.

Todavia importa ter presente que o ato primacial e natural que, tanto no âmbito da al. b), como do nº8, que pode contender com a satisfação das necessidades fundamentais do executado, é a efetiva entrega do imóvel.

Pois que, assim, e desde logo, o executado tem de encontrar outra residência para a qual, em termos de normalidade, tem de arcar com os respetivos custos.

Nesta conformidade, e afora este ato de entrega, outros atos praticados, quer na fase da venda quer no momento que precedem a entrega, tem de ser adrede invocados e quanto a eles invocada e provada a verificação daquela consequência para si nociva.

Revisitando o aludido Ac. RL de 17.02.2022, poderá ser o caso em que o executado alegue e prove que 

«esse imóvel constituía fonte de subsistência da executada, v.g., por estar parcialmente dado de arrendamento, ou nele funcionar algum estabelecimento, comercial ou industrial, gerador de receitas/subsistência da executada.»

 4.2.

No caso vertente.

Vistos os autos verifica-se que os executados impetraram a suspensão  «das diligências de venda em curso» alicerçados no nº8 do artº 6-A.

E invocaram factos que na sua opinião preenchem a previsão deste segmento normativo quanto à existência/verificação do aludido requisito nele previsto, referindo os seus proventos e as suas despesas e concluindo que, perante eles, «não têm disponibilidade financeira para passarem a residir em qualquer outro local que não a casa de habitação penhorada.»

Mas tal não basta.

Em primeiro lugar o que a lei prevê é  a prática de atos processuais, normalmente atinentes e incidentes sobre o imóvel, que, assim, e por esta via, podem por em risco a subsistência do executado, o que, normalmente, acontece se tal prática afetar negativamente o património económico financeiro, vg. pelos motivos supra referidos no Ac. cit.

Ou seja, o ato, por via de regra relativo ao imóvel, tem de ser a causa desta afetação negativa.

O qual, e como supra se disse, prototipicamente se antolha como sendo o ato da entrega judicial efetiva da casa de morada de família.

Pelo que a simples insuficiência de cabedal económico financeiro dos executados, independentemente da prática, ou não prática, de tal ato processual, assume-se,  porque inversa da previsão e da lógica legais, em princípio, como irrelevante ou inócua.

Em segundo lugar, parece que os aqui executados estão a alegar no pressuposto de que  a casa já foi entregue ou que está na iminência de o ser.

O que não resulta dos autos, antes pelo contrário, pois que como dimana da decisão em crise, no momento da prolação desta, ainda nem sequer tinha sido tomada a decisão quanto à sua venda, a qual foi relegada para o AE.

A assim ser, os rendimentos e despesas invocados são irrelevantes para se concluir que eles são intoleravelmente afetados na satisfação das suas necessidades básicas, pois que  continuam a habitar a casa e a fruir as suas utilidades, não  tendo, ao menos por ora, despesas acrescidas advindas de qualquer ato praticado nos autos relativamente à casa.

Oportunamente, aquando dos atos relativos à entrega, ou mesmo antes,  se, neste caso, provarem a prática de outros atos que, mesmo sem a entrega efetiva, impliquem que a casa lhes deixou de proporcionar rendimentos ou utilidades que, não fora aquela prática, beneficiariam,  é que as suas presentes alegações poderão ser pertinentes e relevantes.

Por ora,  nesta fase e neste momento, não é invocado nem se vislumbra a prática de qualquer ato idóneo a preencher a precisão do citado nº8, pelo que as suas alegações no mencionando requerimento e presente recurso alcançam-se legalmente inadmissíveis,  porque demasiado temporãs.

Improcede o recurso.

5.

(…)

6.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão.

Custas pelos recorrentes.

Coimbra, 2022.04.26.