EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
MORA DO CREDOR
BOA FÉ
Sumário

I - Num litígio entre condómino (credor) e condomínio (devedor), após este ter sido condenado a proceder à reparação de paredes no interior da fração autónoma daquele, não há mora do credor quando este recusa a entrada, na fracção onde habita, aos trabalhadores ao serviço do condomínio e, questionado depois por carta sobre a sua disponibilidade para agendamento da visita de técnico responsável, solicita, em carta de resposta, informação prévia sobre os termos da intervenção em concreto (designadamente, para saber quem a executaria e de que modo o faria).
II - Tratando-se da fracção de morada do credor, é justificada, no quadro do litígio existente, aquela conduta de procura de informação prévia à realização dos trabalhos no interior da sua casa de morada de família.
III - Se a contraparte (devedor) não respondeu a tal solicitação de informação relevante, que lhe cabia prestar à luz do princípio da boa-fé na execução da prestação devida, não pode depois invocar a mora do credor por impedimento de acesso ao local dos trabalhos, já que esse impedimento resulta justificado ante o deficit informativo assim imposto.
IV - Do mesmo modo, justificada a conduta do credor, não incorre este em abuso do direito – por comportamento contraditório – ao impedir, de forma motivada, aquele acesso e ficar a aguardar pela informação solicitada.

Texto Integral


Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

Por apenso a autos de execução para prestação de facto positivo, tendo por título executivo sentença condenatória, que lhe movem AA e marido, BB, com os sinais dos autos ([1]),

veio o Executado

Condomínio ..., ..., ...”, também com os sinais dos autos,

deduzir oposição ([2]), mediante embargos de executado, a tal execução, invocando, em síntese, que:

- a pretendida obrigação exequenda de realização de obras não é exigível, por já terem sido efetuadas as obras de reparação e manutenção exterior do edifício, em junho de 2015, enquanto, por outro lado, não foram realizadas as obras no interior por os Exequentes/Embargados as terem impedido (recusaram a entrada dos trabalhadores no interior da sua fração autónoma);

- litigando aqueles, assim, em abuso de direito, tanto mais que devedores do «Condomínio», e em manifesta má-fé, devendo, por isso, serem condenados em multa e indemnização a favor do Embargante.

Liminarmente admitidos os embargos, os Exequentes contestaram, pugnando pela improcedência dos argumentos invocados e concluindo pela total improcedência da oposição, bem como pela condenação da contraparte, como litigante de má-fé, em multa e indemnização.

Deixaram alegado, neste âmbito, que as obras realizadas não foram aptas a eliminar as infiltrações de água, que vinham ocorrendo, e que continuam a ocorrer, na fração dos Embargados, sendo que negaram terem impedido a realização das obras interiores, apenas tendo pretendido saber que obras iriam ser feitas, como e por quem, bem como, quais os termos do contrato de empreitada.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, com definição do objeto de litígio e dos temas da prova, sendo ainda oficiosamente determinada a realização de perícia «a incidir sobre a prestação de facto» ([3]).

Produzida a prova pericial, foi realizada a audiência final, após o que foi proferida sentença ([4]), com o seguinte dispositivo:

«(…) este Tribunal decide:

1. Julgar improcedentes os presentes Embargos de Executado; e consequentemente, determinar o prosseguimento dos autos principais de execução.

2. Condenar o Embargante nas custas dos presentes embargos à execução.

*

Registe, notifique e dê conhecimento ao Ex.mo Sr. Agente de Execução.

*

Requerimentos das partes que antecedem entrados em juízo após encerramento da discussão: desentranhe e junte aos autos principais de execução, a ter em consideração eventualmente, aquando da avaliação do custo da prestação.» (cfr. fls. 153 do processo físico, com destaques retirados).

Inconformado, o Embargante recorre da sentença, tendo apresentado alegação, onde formula as seguintes

Conclusões ([5]):

«1. O Embargante cumpriu a sua obrigação quanto à execução de obras no exterior do edifício, impedindo infiltrações, conforme melhor resulta de 4) , 5) e 13) dos factos provados.

2. O ora Recorrente foi impedido pelos Recorridos de aceder ao interior da fracção destes, pelo que a conduta obstaculizante dos Exequentes Embargados foi causa da não execução dos trabalhos.

3. Ao procederem do modo descrito, quer em Julho de 2015 ( facto 5) , quer em Setembro de 2015 ( factos 7), 8) e 9) ) os Recorridos constituíram-se em mora, nos termos do art.º 813º do C.Civil.

4. De acordo com o princípio da boa fé, impunha-se que os Exequentes permitissem o acesso à sua fracção a fim de elaborar um eventual caderno de encargos, orçar custos e decidir o tipo de intervenção a realizar.

5. Ao decidir que os Exequentes podiam impedir o acesso à fracção, como aconteceu, o tribunal a quo fez uma errada interpretação dos factos e da lei.

6. Se de outro modo não fosse, então o comportamento dos Exequentes consubstancia um manifesto abuso de direito, nos termos do art.º 334º do C.Civil.

Acresce que,

7. Já depois da realização da audiência de discussão e julgamento os exequentes embargados vieram acusar o recebimento da S..., SA, da quantia de €. 3.746,14, a título de indemnização pelos danos interiores da sua fracção.

8. A Meritíssima Juíza a quo entendeu mandar desentranhar o requerimento dos Exequentes e ordenar a junção aos autos principais de execução.

9. Salvo o devido respeito, neste segmento, a sentença recorrida deveria tomar em consideração, por relevante, o alegado pagamento, por tratar-se de facto extintivo da obrigação e ter ocorrido posteriormente à proposição da acção, tudo nos termos do disposto no art.º 611º do CPC.

10. Foram violados, entre outros, os artigos 334º e 813º do C.Civil e 611º do CPC.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, proferindo-se douto acórdão que julgue procedentes os embargos de executado, assim se fazendo a costumada

JUSTIÇA.».

Não se mostrando junta contra-alegação, o recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos (de embargos) e efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado nos articulados das partes – nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, está em causa na presente apelação, limitada a matéria de direito, saber:

a) Se está demonstrado o cumprimento quanto a obras no exterior do edifício;

b) Se, quanto a obras no interior da fração autónoma, ocorreu obstáculo colocado pelos Exequentes, que, por isso, impedindo a entrada dos trabalhadores, de modo injustificado, se constituíram em mora creditoris;

c) Ocorrendo também abuso do direito da sua parte;

d) Se houve indevido desentranhamento de peça processual ou documentação junta pelos Exequentes e, consequentemente, desconsideração de facto extintivo relevante (o pagamento por entidade terceira/seguradora), com violação do disposto no art.º 611.º do NCPCiv., ou se, constando esta matéria/questão das conclusões de recurso (cfr. conclusões 7 a 9), mas não da antecedente alegação, não deve ser apreciada em sede de apelação.

III – Fundamentação

          A) Matéria de facto

1. - Na 1.ª instância foi considerada – sem controvérsia – a seguinte factualidade como provada:

«1. Os exequentes intentaram execução contra o executado em 12.01.2016, dando à execução, sentença proferida em 20.01.2015, transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 6967/11...., que correu termos pela Instância Local ..., Secção Cível, ....

2. No dispositivo da sentença descrita em 1) consta:

§22. Por tudo exposto, decide-se:

a) Julgar parcialmente procedente a acção, condenando-se a R. na reparação dos defeitos quer na estrutura exterior quer nas paredes interiores da fracção dos AA., calafetando as brechas existentes, evitando infiltrações;

b) Julgar improcedente o pedido de condenação em indemnização;

c) Custas a serem suportadas pelo AA. da acção em um terço, e pela R. em dois terços.

§23. Notifique e registe.

3. No elenco dos Factos provados da sentença descrita em 1) consta:

a) Os AA. são donos e vivem na fracção autónoma ... do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na R. … n.º …, lote ..., em ... e a que corresponde o 4º andar ….

b) A área da fracção é encimada, pelo menos na zona poente, por uma sala destinada a reuniões de condomínio, sendo a parte restante da área do prédio encimada por um esconso onde a administração guarda documentação.

c) Em volta de toda a área de cobertura do bloco existe um passeio em laje de cimento com a largura de cerca de 80 cms., rodeada pelo exterior de uma platibanda de protecção, sendo a parte restante da cobertura em telhado vulgar, destinando-se tal passeio a facilitar a ida ao telhado e a sua reparação, encontrando-se toda a platibanda e passeio cobertos e isolados por telas.

d) Do lado poente, o prédio é revestido pelo exterior a cerâmica e pelo interior a azulejo, e do lado nascente e sul, a fracção identificada dispõe de um quarto, uma sala, quarto de banho e quarto, escritório e outra sala.

e) As empenas exteriores do edifício apresentam fissuras nos lados nascente e sul.

f) Na sequência de vistoria camarária, fez-se constar que “não foi verificado a existência de qualquer evidência de anomalias/deficiências na cobertura do prédio. Bem pelo contrário, a inexistência de acumulação de águas nas caleiras numa época de chuvas demonstra a eficácia do escoamento das águas pluviais. Nas paredes orientadas a nascente e sul, foi verificado a existência de algumas fissuras, as quais têm uma maior ocorrência e dimensão na zona envolvente às guarnições dos vãos e na platibanda. Face ao observado e ao exposto, é inconclusivo que as anomalias anteriormente observadas na fracção ... em parte ou no seu todo, tenham origem nas partes comuns do edifício”, concluindo “para no prazo de quarenta e cinco dias proceder à execução de obras de conservação necessárias à correcção das deficiências apontadas”.

g) Em assembleia de condóminos realizada a 23 de Setembro de 2011 foi aprovado por unanimidade o orçamento da firma “P... Lda.” no valor de 6 875 euros para obras de manutenção, conservação e pintura do edifício.

h) Do lado nascente e sul, as paredes interiores da fracção dos AA. apresentam manchas negras, humidade, escorrências, zonas de bolor, pinturas estaladas, superfícies esvoroadas/decapadas de fungo, provocando ambiente húmido e frio no interior, para além do aquecimento central.

i) As fissuras mencionadas provocam infiltração de água nas fachadas que vão acumulando no vão das paredes duplas e daí para o interior da fracção dos AA. provocando o descrito em h).

j) Os AA. sentem mal estar, vendo-se obrigados a vestir duplos agasalhos, às vezes usar sobretudos e samarra.

k) Os AA. têm vindo a solicitar à administração do condomínio desde há dois anos em reuniões e assembleias de condomínio que se proceda a reparações das fissuras, à calafetação das fendas existentes e à reparação do aludido em h), ao que este se recusa.

l) As restantes fracções do prédio mostram-se em perfeitas condições de higiene e salubridade, sem vestígios de fungos ou bolores.

m) As paredes estão exteriormente revetidas a cerâmico nas fachadas nascente e poente, na fachada sul, parte está revestida a tinta plástica e outra parte encontra-se revestida a membrana elástica.

n) Os AA. têm perfurado ao nível do piso referido em §6. a), e na fachada nascente, têm perfurado a parede exterior, a berbequim, com pontuais furos na zona do estendal, com dimensões superiores à fissuras mencionadas em §6. e).

o) No ano de 2003, o construtor do prédio realizou tarefas de manutenção.

p) As vistorias camarárias foram solicitadas pelos AA..

4. No mês de Junho de 2015, o embargado levou a cabo obras de reparação e manutenção exterior do edifício.

5. Tais obras foram realizadas por “P..., Lda” e consistiram no seguinte:

[mostra-se digitalizado um documento, com assinatura sob a menção «P... (…) A Gerência», a fls. 137 e 138 do processo físico, correspondente às págs. 6 e 7 da sentença, em modo fotográfico, impedindo o uso em modo de tratamento de texto ([6]).

Desse documento consta (cfr. também fls. 12 v.º e seg.):

Na fachada sul foram efetuadas 3 carotes em zonas de maior fissuração para determinar o estado dos materiais no interior da parede. Na retaguarda, o tijolo não apresentava vestígios de possíveis infiltrações pelo que foi feita a sua selagem com recurso a argamassa fibrada em combinação com rede fibra de vidro, de modo a reforçar as zonas de ligação.

Foi realizada depois lavagem por intermédio de jato de água sobre pressão para remoção de contaminantes.

As fissuras foram abertas em “V” de maior comprimento, normalmente designadas como estruturais, removendo-se reboco danificado e repondo os níveis de agregação do mesmo.

Seguiu-se aplicação de revestimento impermeabilizante com as seguintes intervenções:

a) Uma demão de Imperflex, Ref. …;

b) Colagem de rede de fibra de vidro Fast Tela reforçadora de 360 gramas;

c) Aplicação de nova demão de Imperflex dotando a fachada de espessura adequada de impermeabilização;

d) Acabamento com tinta de membrana impermeável e resistente a fissuramentos.

As restantes fachadas em azulejo foram sujeitas ao mesmo tipo de intervenção, tendo sido aplicado um hidrofugante sobre o material cerâmico.]

6. Os exequentes constataram a existência de obras no exterior do edifício.

7. Os exequentes, aquando do descrito em 3), quando solicitados para permitir o acesso dos trabalhadores à sua fracção não o permitiram.

8. Perante o descrito em 7), o embargado remeteu-lhes, em 03 de Setembro de 2015, carta registada com aviso de recepção, recebida pelos exequentes, com o seguinte teor:

[mostra-se digitalizado outro documento, podendo ler-se:

«Exmos Senhores

Concluídas as obras no exterior do edifício e no sentido de dar integral cumprimento à sentença proferida nos autos em referência, torna-se necessário aceder ao interior da v/ fracção.

Assim, solicitamos a indicação de datas e horas da v/ disponibilidade a fim de poder agendar uma deslocação ao local com um técnico responsável.»]

9. À missiva descrita em 8), responderam os exequentes/embargados com a seguinte missiva, redigida pelo seu então mandatário:

[mostra-se digitalizado outro documento, podendo ler-se:

«(…) em resposta à v/ missiva datada de 03-09 p. p., informar que estes ignoram a que obras se referem como tendo sido feitas no exterior do imóvel (…)

Eles nem sequer podem sindicar a sua boa ou má execução em ordem a impedir infiltrações

Já para que possam aceder ao interior da habitação é necessário saber porquê, para quê, por quem

Essa administração ignora (?) que existem dois interessados: o condomínio e os meus clientes?

E que o empreiteiro é um terceiro a quem podem ter de exigir a prestação de contas? Ou melhor, o cumprimento ou correcção de desconformidades? É assim: não existe um contrato de empreitada? Quais são os termos?»]

10. Na acta de Assembleia de Condóminos n.º ...3, datada de ...2016, foi deliberado que:

[mostra-se parcialmente digitalizado outro documento, com o teor que consta de fls. 140 do processo físico, correspondente à pág. 9 da sentença, aludindo «a dívida vencida dos condóminos BB e AA para com o condomínio, aos indicados títulos, monta a € 1.520,00 (…)»]

11. O condomínio remeteu aos exequentes/embargados, na sequência do descrito em 9), carta registada com aviso de recepção, pelos últimos recepcionada, com o seguinte teor:

[mostra-se parcialmente digitalizado outro documento (carta do «Condomínio ...»), com o teor que consta de fls. 141 do processo físico, correspondente à pág. 10 da sentença, datado de «27/02/2015», aludindo a «dívida vencida (…) para com o condomínio ... (…) referentes aos anos de 2013 e 2014 e ainda ao valor da quota referente às despesas decorrentes das obras de manutenção e pintura do edifício (…).

(…) notifico Vª Exas para efectuarem o pagamento em falta (…) no prazo máximo de 8 dias após a recepção da presente carta, sob pena de recurso à execução judicial, nos termos legais.»]

12 – O descrito em 3) no que se reporta ao interior da fracção dos exequentes/embargados mantêm-se ainda hoje.

13 – No relatório pericial junto aos autos em 14 de Julho de 2019, consta, relativamente à empena nascente e cobertura, o seguinte:

[mostra-se parcialmente digitalizado outro documento, com o teor que consta de fls. 142 do processo físico, correspondente à pág. 11 da sentença, aludindo a:

«Empena Nascente: Terá sido reparada (…) pelo que aparentemente a mesma encontra-se impermeável.

Cobertura:

A cobertura terá sido revestida tendo sido colocadas novas telas impermeabilizantes, nas zonas onde não existe telha. Encontra-se presentemente em bom estado de conservação, precisando no entanto de reparação pontual numa zona situada por cima da fração, uma vez que aí existe uma parte da tela impermeabilizante deslocada/arrancada»]

14 – No relatório descrito em 13) consta que para reparação será necessário:

[mostra-se parcialmente digitalizado outro documento, com o teor que consta de fls. 142 do processo físico, correspondente à pág. 11 da sentença, aludindo a:

«Reparação:

Para a reparação dos defeitos identificados será necessário proceder à lavagem e remoção da pintura nas zonas afetadas e posteriormente à sua pintura e ainda à reparação da zona danificada na cobertura. Para a execução das obras em causa estima-se o valor de 2.600€ ao qual acresce IVA à taxa legal em vigor.

Recomenda-se ainda a aplicação de um isolamento térmico na laje da cobertura de forma a minimizar a condensação e o aparecimento de humidades no teto. Estima-se para execução deste trabalho o valor de 400€ ao qual acresce IVA à taxa legal em vigor. Este valor não se encontra incluído na estimativa apresentada no parágrafo anterior.»]

15 – Em 07 de Março de 2021, a tela descrita em 13) encontrava-se toda arrancada na zona identificada no relatório pericial de 14.07.2019, sendo visualizáveis fissuras verticais na empena nascente.».

2. - E foi julgado não provado:

«a) os exequentes tenham presenciado pessoalmente todas as obras descritas em 4) dos Factos Provados;

b) o embargante tenha reparado integralmente os defeitos quer na estrutura exterior, quer nas paredes interiores da fracção dos exequentes/embargados, calafetando as brechas existentes, evitando infiltrações.» ([7]).

          B) O Direito

1. - Do (in)cumprimento quanto a obras no exterior do edifício

Invoca, desde logo, o Embargante/Recorrente ter cumprido a sua obrigação quanto à execução de obras no exterior do edifício, o que pretende ilustrar com os factos provados 4, 5 e 13, concluindo, assim, por estar impedida a ocorrência de infiltrações (conclusão 1.ª).

Posição esta diametralmente oposta à que consta da fundamentação jurídica da sentença, onde pode ler-se:

«(…) a obrigação exequenda consistia na eliminação desses defeitos.

Atenta a matéria de facto dada como provada, nos pontos 13, 14 e 15, resulta cabalmente demonstrado que os defeitos na estrutura exterior não foram completamente removidos, com as obras realizadas pelo embargado.

Assim sendo, a prestação não se extinguiu pelo seu cumprimento integral conforme impõe o artigo 763º, n.º1 do Código Civil.».

Vejamos, então.

Dos convocados factos 4 e 5 resulta que, em junho de 2015, o Executado/Embargante levou a cabo obras de reparação e manutenção exterior do edifício, realizadas pela sociedade “P..., Lda.” e que consistiram, designadamente, no seguinte:

Na fachada sul foram efetuadas 3 carotes em zonas de maior fissuração; na retaguarda, o tijolo não apresentava vestígios de possíveis infiltrações, pelo que foi feita a sua selagem com recurso a argamassa fibrada em combinação com rede fibra de vidro, de modo a reforçar as zonas de ligação; foi realizada depois lavagem por intermédio de jato de água sobre pressão para remoção de contaminantes; as fissuras foram abertas em “V” de maior comprimento, normalmente designadas como estruturais, removendo-se reboco danificado e repondo os níveis de agregação do mesmo; seguiu-se aplicação de revestimento impermeabilizante com uma demão de Imperflex, Ref. 17-600; colagem de rede de fibra de vidro Fast Tela reforçadora de 360 gramas; aplicação de nova demão de Imperflex dotando a fachada de espessura adequada de impermeabilização; acabamento com tinta de membrana impermeável e resistente a fissuramentos; as restantes fachadas em azulejo foram sujeitas ao mesmo tipo de intervenção, tendo sido aplicado um hidrofugante sobre o material cerâmico.

Porém, em julho de 2019, constatou-se, relativamente à empena nascente e cobertura, o seguinte:

a) Empena Nascente: aparentemente, encontrar-se impermeável;

b) Cobertura: encontrar-se em bom estado de conservação, precisando, no entanto, de reparação pontual numa zona situada por cima da fração, uma vez que aí existe uma parte da tela impermeabilizante deslocada/arrancada (facto 13);

c) Para reparação respetiva, será necessário proceder à lavagem e remoção da pintura nas zonas afetadas e posteriormente à sua pintura e ainda à reparação da zona danificada na cobertura. Para a execução das obras em causa estima-se o valor de 2.600€ ao qual acresce IVA à taxa legal em vigor. Recomendada é ainda a aplicação de um isolamento térmico na laje da cobertura de forma a minimizar a condensação e o aparecimento de humidades no teto, estimando-se para execução deste trabalho o valor de 400€, ao qual acresce IVA à taxa legal em vigor (facto 14);

d) Ocorrendo que, em março de 2021, a tela descrita em 13) se encontrava toda arrancada na zona já identificada, sendo visualizáveis fissuras verticais na empena nascente (facto 15).

Perante esta factualidade, claro se torna que, como refere a Apelante, foram efetuadas obras de reparação e manutenção (em 2015), as quais, porém, não solucionaram cabalmente o problema existente.

Com efeito, e como entendido na sentença, em 2019 e 2021 foi constada a existência de vícios na cobertura, os quais aquelas obras não lograram prevenir/impedir, como resulta da factualidade acabada de mencionar.

Assim, é certo, salvo o devido respeito, que os defeitos na estrutura exterior não foram completamente removidos/solucionados com as obras realizadas, pelo que não ocorreu cumprimento integral da prestação exequenda, não estando extinta, pois, a obrigação do Executado/Embargante nessa parte (cfr. fundamentação jurídica da sentença).

Donde que, inexistindo obstáculo, nesta parte, ao prosseguimento da execução, não colham as razões do Apelante em contrário, designadamente quanto à inexigibilidade da obrigação, inicialmente invocada.

2. - Da mora do credor quanto a obras no interior da fração e abuso do direito

Como visto, pretende o Recorrente, quanto a obras no interior da fração autónoma, ter sido levantado pela contraparte obstáculo insuperável à realização da prestação devida, por ter sido impedida a entrada dos trabalhadores, de modo injustificado. Daí a existência de mora creditoris ([8]).

Ora, é certo que entre os atos necessários ao cumprimento da obrigação estava, no caso, a permissão, pelos Exequentes/Recorridos (credor), de acesso à fração para observação dos vícios/anomalias e respetiva reparação (por técnicos/trabalhadores ao serviço do devedor).

E é certo também que aqueles Apelados, uma vez solicitados para permitir o acesso dos trabalhadores ao interior da sua fração autónoma, não o permitiram (facto 7).

Perante isso, o Apelante remeteu-lhes uma carta a solicitar indicação de datas para agendamento da deslocação ao local com técnico responsável (facto 8).

A que os Apelados responderam com nova carta (redigida por mandatário), onde colocavam diversas questões de âmbito informativo, que consideravam prévias, tais como quem seria o técnico responsável (“por quem”), o que iria lá fazer (“para quê”) e com que intenção (“porquê”).

Importa, então, verificar se havia, ou não, motivo justificado para a recusa dos Exequentes/Embargados/Apelados.

Na sentença foi entendido que sim, com a seguinte fundamentação (que cabe agora sindicar):

«(…) recaindo sobre o devedor/embargante a obrigação de reparação das paredes interiores da habitação dos exequentes/embargados, e sobre estes impendendo a necessária colaboração para permitir a realização da prestação, a verdade é que sempre lhes assistirá, na nossa perspectiva, ao abrigo do princípio da boa fé (artigo 762º, n.º 2 do C.C.) o direito de ter acesso ao caderno de encargos da obra a realizar pelo embargado na sua propriedade, o esclarecimento do tipo de obras a efectuar, duração, por quem seriam realizadas, no interior da sua fracção, e isso não resulta que lhes tenha sido facultado, apesar de peticionado na missiva.

Assim sendo, entendemos que inexistiu mora do credor nos termos do artigo 813º do C.C.. (…)».

Contrapõe o Executado/Apelante que se impunha a permissão de acesso para a própria elaboração do invocado caderno de encargos da obra a realizar, o esclarecimento do tipo de obras a efetuar e a sua duração (conclusão 4).

Que dizer?

Dir-se-á que a polémica quanto à recusa/permissão de acesso ao interior da fração autónoma dos Exequentes (a sua casa de habitação, o “último reduto” das pessoas) tem um contexto e uma história, o contexto do litígio que já vinha de pretérito e que levou à condenação do condomínio na ação declarativa (esta intentada em 2011, como resulta do n.º do respetivo processo, com sentença condenatória proferida em 2015, a que se seguiu a execução, esta intentada em 2016, após obras de reparação exterior de junho de 2015), bem se compreendendo que a troca de correspondência – melhor seria a opção por contacto pessoal, entre condomínio e condóminos, se possível, atento o problema existente e a necessidade de o resolver – entre as partes fosse marcada pelo «clima de tensão entre ambas», a que alude a fundamentação de direito da sentença.

Perante um tal clima e sabido tratar-se do acesso àquele “último reduto” dos condóminos/Exequentes, é compreensível que estes não tenham querido abrir a porta, sem mais, aos trabalhadores.

O seu motivo era a falta de informação quanto ao âmbito da intervenção (tipo de trabalhos, nível de intrusão, demora/tempo necessário na intervenção, tipo de materiais a usar, identidade do empreiteiro) por tais trabalhadores, como se pode verificar pelo teor da subsequente missiva de resposta dirigida à contraparte.

Em tal missiva – perante a solicitação de datas possíveis para visita de um «técnico responsável» (já não os ditos «trabalhadores») –, tiveram os Exequentes, através de mandatário, oportunidade para deixar claro (como parece terem deixado, não obstante o tom não amistoso) que pretendiam informação prévia sobre as diversas dimensões da projetada intervenção da contraparte na sua casa de habitação.

Daí a forma interrogativa usada, a menção a «ignorância» sua sobre as obras, à identidade de quem as executaria (empreiteiro) e, em suma, a tudo o mais.

Quer dizer, o que se depreende, salvo o devido respeito, não é uma recusa à entrada necessária de pessoas para realização da reparação interior por que os Exequentes pugnam judicialmente desde o ano de 2011 ([9]), posto serem eles os primeiros interessados na reparação, não fazendo sentido que tivessem andado a pleitear a respeito durante tantos anos para chegarem ao fim e impedirem a reparação que consideram ser-lhes devida e cuja falta, a seu ver, prejudica a sua vivência na sua própria casa. Não é isso.

É, diversamente – patrocinados por mandatário –, a dita pretensão de informação prévia bastante sobre as diversas dimensões da projetada intervenção, na sua própria casa de habitação, por trabalhadores ao serviço da contraparte.

Admite-se que tal conteúdo informativo – que se afigura essencial e necessário – dependesse da prévia visita de um «técnico», não dos «trabalhadores» para eventual início imediato de trabalhos (que não se soubesse quais fossem em concreto e em pormenor).

Mas é líquido que na dita missiva não foi declarada uma proibição de entrada ao «técnico responsável»; apenas foram colocadas questões prévias, para que fossem esclarecidas, como pressuposto necessário às negociações para definição da intervenção (âmbito, tempo/prazo, materiais, nível de desocupação da fração, identidade do empreiteiro), uma vez que se trata – reitera-se – da casa de habitação dos Exequentes.

Justificava-se, pois, a colocação de tais dúvidas/questões, que cabia à contraparte esclarecer, pois impendia sobre si, em tais circunstâncias, um dever de prestação informativa, à luz da boa-fé ([10]), não se mostrando, porém, que este dever haja sido cumprido.

E, se a parte devedora carecia de acesso ao local para poder, devidamente, facultar as informações pretendidas, então devia tê-lo dito à contraparte, em vez de deixá-la sem resposta.

Donde que, assim sendo, não possa concluir-se pela verificação de mora creditoris, mas antes pelo deficit de prestação informativa necessária (solicitada pelos Exequentes e que não lhes foi concedida).

Improcedem, pois, as conclusões do Apelante em contrário, visto que cabia a este, procedendo de acordo com a regra de conduta da boa-fé (na execução da prestação devida), conceder as informações justificadamente pretendidas, por estar em causa intervenção no interior da habitação/casa de morada de família da contraparte, como pressuposto para o agendamento da visita do «técnico responsável» e início dos trabalhos devidos.

Nesta perspetiva, também não pode, por outro lado, ter-se como consubstanciado o invocado abuso do direito.

Este traduzir-se-ia num comportamento intoleravelmente contraditório dos Exequentes: por um lado (num primeiro tempo) exigiam judicialmente as reparações no interior da sua fração, para depois, quando a contraparte procurava cumprir, realizando tais reparações, impedirem o acesso ao local a reparar.

Um tal comportamento surgiria como manifestamente abusivo e oposto aos ditames da boa-fé objetiva (art.º 334.º, n.º 1, do CCiv.), ao pretender-se uma reparação, cuja realização se vinha depois a deixar impedida, por não se permitir a entrada no local a reparar, o que nos transportaria para o venire contra factum proprium, enquanto modalidade do abuso do direito.

Porém, analisadas já, numa perspetiva dinâmica e contextualizada, as condutas das partes, concluiu-se que o comportamento dos Exequentes é justificado perante o aludido deficit de prestação informativa necessária, imputável à contraparte (o Executado/Apelante).

Em suma, improcedem também nesta parte as conclusões em contrário do Recorrente.

 

3. - Do indevido desentranhamento de documentação junta e consequente desconsideração de facto extintivo

Por fim, dedica o Apelante parte do seu acervo conclusivo (cfr. conclusões 7 a 10) à questão do indevido desentranhamento de documentação junta pelos Exequentes e, consequentemente, desconsideração de facto extintivo relevante (o pagamento por entidade terceira/seguradora), com violação do disposto no art.º 611.º do NCPCiv..

É certo que no final da sentença consta a seguinte determinação:

«Requerimentos das partes que antecedem entrados em juízo após encerramento da discussão: desentranhe e junte aos autos principais de execução, a ter em consideração eventualmente, aquando da avaliação do custo da prestação.».

E o art.º 611.º, n.º 1, do NCPCiv. dispõe assim:

«Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.».

Porém, também é certo que, em matéria recursiva, o art.º 639.º, n.º 1, do mesmo Cód. (quanto ao «Ónus de alegar e formular conclusões») prescreve:

«O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.».

Com efeito, devendo distinguir-se entre alegação/motivação, por um lado, e conclusões recursivas, por outro, é sabido que, ao impugnar a decisão proferida, o recorrente deve indicar sempre os fundamentos do recurso (as razões da sua discordância, de facto e/ou de direito), enunciando-os, primeiramente, no corpo da motivação e sintetizando-os, finalmente, nas respetivas conclusões.

Como refere Abrantes Geraldes ([11]), «(…) o ónus do recorrente decompõe-se na apresentação tempestiva de alegação e na formulação de conclusões.

A motivação do recurso é de geometria variável (…), devendo este [o recorrente] tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará, de forma sintética, nas conclusões.».

Por outro lado, o convite ao aperfeiçoamento no âmbito recursivo, como legalmente previsto, restringe-se às conclusões, não sendo, por isso, permitido um convite ao aperfeiçoamento da alegação/motivação (cfr. art.º art.º 639.º, n.º 3, do NCPCiv.).

Ora, contata-se, quanto à aludida questão do indevido desentranhamento de documentação junta (e consequente desconsideração de facto extintivo relevante), contemplada nas conclusões do Apelante, que a mesma é totalmente omitida na motivação do recurso.

Com efeito, em sede de alegação/motivação nada é dito sobre essa matéria, limitando-se a parte, já no final das suas conclusões, a suscitar a questão, sobre a qual nada referira anteriormente.

Assim, resta concluir que, nesta parte, o recurso é destituído de motivação/alegação, termos em que as conclusões sobre tal questão não encontram qualquer sustento na antecedente motivação.

O que compromete, por vício formal imputável ao Recorrente, a apreciação desta parte do seu acervo conclusivo.

Mas mesmo que assim não se entendesse, o certo é que a própria parte admite expressamente que se trata de requerimento – não é referido se foi junto algum documento, com cariz probatório – apresentado «já depois da realização da audiência de discussão e julgamento», com «alegado pagamento» (conclusões 7 a 9), tratando-se, pois, de requerimento/alegação «entrado em juízo após encerramento da discussão» (cfr. parte final da sentença).

Ora, é sabido que, em 1.ª instância, depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento (art.º 425.º do NCPCiv.).

No caso, aquando da apresentação, não havia recurso, nem sequer sentença, mas já ocorrera o encerramento da discussão.

Donde que não possa aproveitar-se, como bem decidido na sentença, aquela peça processual da contraparte no âmbito destes autos de embargos de executado.

Mas tal não implica uma rejeição sem remédio, posto ter sido ordenado o desentranhamento da peça extemporânea (no plano do processado de embargos) e a sua aquisição para os autos principais (execução), a ser tida ali em consideração, oportunamente (para efeitos de avaliação, no modo legal, do custo da prestação).

Donde que nada houvesse a censurar neste plano ao decidido pelo Tribunal recorrido.

Improcede, pois, o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

***

(…)
***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Custas da apelação e na 1.ª instância a cargo do Embargante/Apelante.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.


Coimbra, 26/04/2022

         

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro



([1]) Pretendem tais Exequentes que o Executado «Condomínio» proceda às obras necessárias à reparação dos defeitos, quer na estrutura exterior, quer nas partes interiores, da fração autónoma daqueles, calafetando as brechas existentes e evitando infiltrações.
([2]) Em 09/03/2016.
([3]) Cfr. fls. 34 do processo físico.
([4]) Em cuja fundamentação se explicitou improcederem os pedidos deduzidos de condenação por litigância de má-fé.
([5]) Que se deixam integralmente transcritas.
([6]) Deve dizer-se que a digitalização e colagem de documentos (em modo fotográfico), ou de partes de documentos, no elenco dos factos provados, para além de não fazer a necessária destrinça adequada entre factos e documentos, não corresponde ao imperativo de discriminação fáctica a que alude o art.º 607.º, n.º 3, do NCPCiv., recorrendo/incorrendo, em nova versão, na difundida confusão de pretérito entre factos e documentos, quando, em adoção de prática não adequada, se dava simplesmente por reproduzido na parte fáctica da sentença o teor de determinados documentos, muito embora bem se soubesse – e continua a saber – que uma coisa são os factos e outra os documentos, que são apenas (estes) elementos de prova, servindo, pois, para prova dos factos, uns (os factos) a terem assento na parte fáctica da sentença e outros (os documentos) a serem, enquanto elementos/meios de prova, atendidos/valorados na justificação da convicção probatória do Tribunal (cfr. n.ºs 4 e 5 do mesmo art.º), e não mais. Bem se entende, assim, o exarado no Ac. TRC de 08/03/2022, Proc. 586/16.8T8PBL-C.C1 (Rel. Fonte Ramos), em www.dgsi.pt, em cuja fundamentação pode ler-se: «A Mm.ª Juíza a quo não elaborou a sentença segundo o disposto, nomeadamente, no art.º 607º, n.ºs 3, 1ª parte [“Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados (...)”] e 4 [“Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (...)”] do CPC. // Na verdade, os citados normativos sobre a elaboração da sentença não foram devidamente observados quanto à factualidade a que se alude em (…), supra, sabendo-se que “os documentos não são factos, mas simples meios de prova dos factos alegados”, razão pela qual, na fixação da matéria de facto, sempre importará indicar, expressamente, os factos provados pelos documentos, não bastando “dar como reproduzidos” os documentos ou realizar uma simples “cópia e colagem” do seu teor. // Ademais, se, eventualmente, a alegação dos factos tiver sido feita com remissão para os documentos, deverá o juiz selecionar os factos incluídos ou decorrentes de tais documentos que importem à decisão da causa (…)» (itálico aditado).
([7]) Consignou-se ainda que «Os demais factos alegados configuram juízos conclusivos de facto e ou direito».
([8]) De acordo com o disposto no art.º 813.º do CCiv., o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os atos necessários ao cumprimento da obrigação.
([9]) Isto é, desde há mais de uma década com referência ao tempo atual.
([10]) Como enfatizado no Ac. TRC de 23/11/2021, Proc. 3361/18.1T8VIS.C1 (Rel. Vítor Amaral), deste mesmo coletivo, disponível em www.dgsi.pt: «O princípio da boa-fé revela determinadas exigências objetivas de comportamento impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabilidade, probidade e equilíbrio de conduta, num campo normativo onde operam subprincípios, regras e ditames ou limites objetivos, indicando um certo modo de atuação dos sujeitos, considerado conforme à boa-fé.». Podendo ainda dizer-se que «A boa-fé objetiva, com acolhimento na figura do abuso do direito, postula a adoção nas relações intersubjetivas (contratuais ou outras, de que nasçam deveres entre as partes/sujeitos) de uma conduta honesta, correta e leal, bem como razoável e transparente, sempre reportada ao correto agir, ao viver honesto, à atuação como pessoa de bem.» – cfr. o Ac. TRC de 09/11/2021, Proc. 108/13.2RTPNH-A.C1 (com o mesmo relator e coletivo), também em www.dgsi.pt.
([11]) V. Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 115 e segs..