DIREITO DE PREFERÊNCIA
VENDA EM PROCESSO DE EXECUÇÃO
PRAZO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO URBANO
Sumário

I - O prazo para o exercício do direito de preferência por parte do proprietário de um terreno confinante com um outro que foi objecto de venda, mediante propostas em carta fechada, sem que tinha havido notificação para exercício do direito de preferência, é de seis meses a contar da data em que ele teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação.
II – A qualificação de um prédio urbano, para efeitos da alínea a) do artigo 1381.º do Código Civil, rege-se pelo n.º 2 do artigo 204.º do Código Civil.

Texto Integral


Autor: AA

Réus: BB
          CC
P..., L.da

                    *

   Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
O Autor intentou a presente acção contra os Réus, pedindo:
a. seja reconhecido ao autor o direito de haver para si o prédio rústico, sito em ..., composto por cultura arvense de regadio, olival, pomar de cerejeiras, videiras em cordão e mato, com a área de vinte e seis mil sento e trinta e nove metros quadrados, a confrontar do norte e nascente com o autor, do sul com DD e do poente com EE e outros, inscrito na matriz sob o artigo ...92.º, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...17, pela quantia de € 5.700,00 (cinco mil e setecentos euros),
b. seja anulado o registo que, face à adjudicação, foi feito em nome da sociedade ré,
c. sejam os réus condenados no reconhecimento referido, passando o autor a assumir a posição de comprador, substituindo a sociedade ré, e adquirindo, assim, o direito de propriedade e posse do dito prédio,
d. seja a sociedade ré, P..., L.da, condenada a entregar-lhe o prédio identificado no artigo 2.º da petição inicial.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese:
 - Por partilhas efectuadas em 18.9.2015, no sequencia do óbito do seu pai, também pai do Réu adquiriu o prédio  rústico, sito em Quinta..., composto por pomar de cerejeiras, pomar de pessegueiros, pomar de ameixeiras, olival e mato, com a área de trinta e trezentos e setenta e sete metros quadrados, a confrontar do norte e sul com caminho público, do nascente com Réu BB e do poente com EE e outros, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...3.º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...30, tendo o Réu adquirido o prédio rústico, sito em ..., composto por cultura arvense de regadio, olival, pomar de cerejeiras, videiras em cordão e mato, com a área de vinte e seis mil sento e trinta e nove metros quadrados, a confrontar do norte e nascente com o autor, do sul com DD e do poente com EE e outros, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...92.º, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...91.
- No dia 26.10.2017, na sequência da abertura de propostas em carta fechada realizada em 11.09.2017, no âmbito da execução que, constituindo o processo número 796/14...., corre termos pela Instância Local Cível ... – Juiz ..., foi adjudicado, pelo preço de € 5.700,00 (cinco mil e setecentos euros) à sociedade aqui ré o prédio rústico adquirido pelo Réu.
- Só tomou conhecimento dessa adjudicação no decorrer do corrente mês de abril.
- Os prédios confrontam um com o outro, sendo que o prédio do Réu está encravado e o seu único acesso é feito através de uma servidão de passagem que onera o seu prédio.
- Os dois prédios são destinados a cultura ou cultivo agrícola, sendo utilizados para o efeito, e, embora possuam pequenas construções destinadas a apoio das atividades agrícolas, arrecadações de máquinas agrícolas e produtos agrícolas, ou seja, que não têm autonomia funcional, pois, ambos têm uma utilização substancial e essencialmente rústica, pelo que não podem deixar de ser considerados como prédios rústicos.
- O preço pago pela sociedade Ré foi de € 5.700,00.
- Na execução onde foi vendido o prédio do Réu não foi dado cumprimento ao artigo 819.º do Código de Processo Civil.
- O prédio do Autor tem uma área de 35.377 m2, e o do Réu tem uma área de 26.139 m2.

                    Os Réus contestaram, invocando que o prédio que foi seu não é rústico, constituindo a sua única habitação e impugnado os factos alegados pelo Autor.
A Ré sociedade também contestou, alegando que:
-  vendeu o prédio ao Réu, seu anterior proprietário, mediante escritura pública outorgada no dia 7 de Maio de 2018, tendo tal aquisição sido registada pela Ap. ...11 de 2018/05/08 a favor do Réu BB.
- O prédio não é rústico, estando no mesmo construída uma moradia na qual vive o Réu e o seu agregado familiar.
- O prédio do Autor tem área superior à unidade de cultura.
- Na data da propositura da acção -  27/04/2018 – já tinha caducado o direito invocado pelo Autor.
Concluem pela improcedência da acção.

O Autor respondeu às excepções, pugnando pela sua improcedência.
 
Foi proferida sentença que julgou a acção pela seguinte forma:
Nos termos e com os fundamentos expostos julgo os pedidos deduzidos pelo autor integralmente procedentes, por provados, termos em que decido:
A. Condenar os réus BB e CC e a sociedade comercial P..., L.da a reconhecerem que ao autor AA assiste o direito de preferir na adjudicação/compra em processo de execução realizada no âmbito do processo com o número 796/14...., que corre termos na Instância Local Cível ... – Juiz ..., da comarca ..., inerente ao prédio rústico sito em ..., composto por cultura arvense de regadio, olival, pomar de cerejeiras, videiras em cordão e mato, com a área de vinte e seis mil sento e trinta e nove metros quadrados, a confrontar do norte e nascente com o autor, do sul com DD e do poente com EE e outros, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...92.º e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...17, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...92.º, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...17 e, em consequência, a havê-lo para si mediante o pagamento e depósito do preço de €5.700,00 (cinco mil e setecentos euros).
B. Determinar o cancelamento do registo da aquisição do direito do prédio acima identificado no ponto A. pela sociedade comercial P..., L.da com base na compra mencionada no ponto A. com aquisição registada pela AP. ...00 de 2017.11.13.
C. Condenar os réus BB e CC e a sociedade comercial P..., L.da a reconhecerem que ao autor AA assiste o direito de preferir na venda que a sociedade comercial P..., L.da efectuou aos réus BB e CC que teve por objecto o prédio rústico sito em ..., composto por cultura arvense de regadio, olival, pomar de cerejeiras, videiras em cordão e mato, com a área de vinte e seis mil sento e trinta e nove metros quadrados, a confrontar do norte e nascente com o autor, do sul com DD e do poente com EE e outros, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...92.º e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...17, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...92.º, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...17 e, em consequência, a havê-lo para si mediante o pagamento e depósito do preço de €5.700,00 (cinco mil e setecentos euros).
D. Determinar o cancelamento do registo da aquisição do direito do prédio acima identificado no ponto A. pelos réus BB e CC com base na compra e venda outorgada no dia 7 de Maio de 2018 com aquisição registada pela Ap. ...11 de 2018.05.08.
E. Condenar a sociedade comercial P..., L.da e os réus BB e CC a entregarem ao autor AA o prédio identificado no ponto A.

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Os 1º e 2ª Réus interpuseram recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª.) - A sentença proferida a fls.... pelo Juízo Local Cível do Fundão - Comarca de Castelo Branco é nula nos termos do disposto pelo artigo 615.º, 1, alíneas b ) a e) do Código de Processo Civil.
2ª) - Não deve proceder a presente ação de preferência com o fundamento na preterição da comunicação para o exercício da preferência, pois que a mesma foi cabalmente comunicada ao preferente (e demais) através da plataforma citius publica, a existência do processo executivo e demais condições, mormente, o preço mínimo, para apresentação das propostas em carta fechada.
3.ª) - A ação de preferência prevista no n.º 4 do artigo 819.º do Código de Processo Civil só pode ser interposta pelo preferente que não haja sido notificada para, querendo, o exercício da preferência.
Tal não é uma 2.ª oportunidade que é conferida ao alegado preferente.
4.ª) - A propositura da ação é intempestiva porque proposta para além dos seis meses previsto no artigo 819.º, 1 do Código de Processo Civil porquanto se tem de considerar que foi notificado através da informação constante na plataforma citius que anuncia o ato no processo executivo.
5.º) - Nos termos do disposto pelo artigo 1381.º, alínea a) e b) do Código Civil, configuram as exceções à preferência dos preferentes de terrenos confinantes. Estão nesta ação reunidas as exceções que afastam a procedência da ação pois que no prédio a preferir está edificado um prédio urbano que é residencial (ainda que intermitente) e de uso e fruição dos recorrentes e não afeto à cultura e porque no prédio a preferir estão ainda implantados um conjunto de edificações que servem e formam um todo uma exploração agrícola do tipo familiar, dedicando-se o recorrente-marido à agricultura como atividade acessória.
6ª.) - Há excesso de decisão proferida e por tal a sentença é nula no segmento da Decisão (C., D. e parte E.) por não ter sido feito qualquer pedido a tal respeitante na petição inicial nem em sede de ampliação de pedido. Nem a sentença no segmento da Fundamentação de Direito faz apelo ou referência à razão das condenações de C. D. e parte E. A preferência que sindicamos não tem como causa de pedir o ato outorgado a 07/05/2018 em que a sociedade P..., L.da Vendeu aos recorrentes, pelo preço de € 10.000,00, o prédio identificado em 2. da matéria provada nem pede o cancelamento do registo da aquisição Ap. ...11 de 08/05/2018; por outro lado, também não é objecto de qualquer pedido do recorrido para que ambos os réus procedam à entrega do imóvel, fazendo-o somente em relação a um deles, à sociedade P..., L.da Por essa razão, a sentença condenou em excesso, sem conhecimento oficioso, em relação ao que vem peticionado.
Além do mais,
7.ª) - Estando alegado na petição inicial a existência, no prédio identificado em 2. dos factos provados de edificações várias e, na matéria provada (ponto 2. v.), de uma casa, e não tendo havido pedido ou ampliação de pedido quanto a tais, não se pronunciou a sentença sobre as mesmas. Estando vedado ao recorrido obstruir o uso e fruição que os recorrentes fazem das mesmas. O objeto da preferência não as abrange e afeta.
8.ª) - A edificação implantada no prédio é residência alternada dos recorrentes, tal como a Motivação da Convicção do Tribunal se alcança “(…) mormente o carácter intermitente do eventual uso, por parte dos réus, da dita edificação implementada no imóvel (…)”.
9.ª) - O recorrente-marido dedica-se à agricultura a título acessório não carecendo de demonstrar que o não faz por não estar inscrito em qualquer candidatura a fundos do IFAP, I.P. (factos provados 22 de i. a iv. e 36).
10.ª) - O facto provado em 39. é insuficiente, para dar como provada e procedente a ação, pois que somente respondeu/provou que “O autor depositou nos autos a quantia de € 5.700,00”, sem especificar se ficou provado a que título o fez e em que data esse depósito ocorreu.
11.ª) - Resulta dos depoimentos das testemunhas DD, FF e GG que ter-se-iam de dar como provados os factos inscritos no julgamento da matéria não provada e que assim se identificam b. i., b.ii., c. e g.
11.1 - A redação do facto b.i. deverá passar a seguinte redação
O prédio descrito em 2. tem uma casa composta de  ... e  ... com cozinha e WC, sala de estar e jantar e um quarto, onde os réus recebem amigos, pernoitam alternadamente e recebem os filhos.
11.2 - A redação do facto b.ii. deverá passar para a matéria provada com a seguinte redação
A casa, que se acha implementada no prédio descrito em 2., encontra-se rodeada de um jardim e um tanque de rega usada como piscina.
11.3 - A redação do facto c. deverá passar para a matéria provada com a seguinte redação
A casa que se encontra implementada no imóvel descrito no ponto 2. é a habitação dos réus e assume-me como sua habitação secundária.
11.4 - A redação do facto g. deverá passar a integrar a matéria provada com a seguinte redação
Os réus socorrem-se de terceiros, amigos, para ajudar a plantar, semear, colher ou roçar o mato no imóvel descrito no ponto 2 por espírito altruísta e humano.
Com o que improcederá a preferência por se achar preenchida a exceção que obstaculiza o exercício da mesma, nos termos do disposto pelo artigo 1381.º do Código Civil.
12.º) - O Tribunal não se pronunciou acerca do meio de prova requerido pelas partes e que foi deferido durante a Audiência Final, seja, a inspeção ao local. E por essa razão, a sentença é nula.
Nestes termos, deverá ser julgado procedente o presente recurso por se verificarem preenchidas as exceções em que assenta o exercício do direito de preferência e mesmo porque a sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula, tudo nos termos do disposto pelo artigo 1381.º do Código Civil e 615.º, alíneas b) a e) do Código de Processo Civil.

O Autor apresentou resposta, defendendo a confirmação da sentença proferida.

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1. Do objecto do recurso
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas são as seguintes as questões a apreciar:
- nulidade da sentença
- impugnação da matéria de facto
- tempestividade da acção
-  se o prédio alienado constitui parte componente de um prédio urbano.

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2. Da nulidade da sentença

Os Recorrentes imputam à sentença o vício da nulidade por excesso de pronúncia que caracterizam pelo facto dos segmentos decisório identificados em C a E., terem condenado em mais do que aquilo que foi pedido.
 Dispõe o art.º 615, n.º 1:
É nula a sentença quando:
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento.
O art.º 608º, n.º 2, do C. P. Civil, determina que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excep­tuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A nulidade prevista na alínea d), do nº 1, do artigo 615º, do C. P. C. – quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – verifica-se quando o Juiz deixe de tomar posição sobre todas as causas de pedir invocadas na petição, sobre todos os pedidos formulados e mesmo sobre as excepções suscitadas ou de conhecimento oficioso, isto sem prejuízo do conhecimento de alguma delas prejudi­car a apreciação das restantes – artigo 608º, nº 2, do C. P. C.
Da conjugação das normas citadas o juiz deve pronunciar-se sobre todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação, mas está, naturalmente, impe­dido de se pronunciar sobre questões não submetidas ao seu conhecimento: no primeiro caso – se não se pronunciar sobre todas as questões – existirá uma omissão de pronúncia, no segundo caso – conhecer de questões não submetidas à sua apre­ciação – ocorrerá um excesso de pronúncia.
Da análise dos autos impõe-se a conclusão que os segmentos decisórios correspondentes a C, D e E não têm correspondência com qualquer dos pedidos formulados.
Tais segmentos têm o seguinte conteúdo:
C. Condenar os réus BB e CC e a sociedade comercial P..., L.da a reconhecerem que ao autor AA assiste o direito de preferir na venda que a sociedade comercial P..., L.da efectuou aos réus BB e CC que teve por objecto o prédio rústico sito em ..., composto por cultura arvense de regadio, olival, pomar de cerejeiras, videiras em cordão e mato, com a área de vinte e seis mil sento e trinta e nove metros quadrados, a confrontar do norte e nascente com o autor, do sul com DD e do poente com EE e outros, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...92.º e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...17, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...92.º, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...17 e, em consequência, a havê-lo para si mediante o pagamento e depósito do preço de €5.700,00 (cinco mil e setecentos euros).
D. Determinar o cancelamento do registo da aquisição do direito do prédio acima identificado no ponto A. pelos réus BB e CC com base na compra e venda outorgada no dia 7 de Maio de 2018 com aquisição registada pela Ap. ...11 de 2018.05.08.
E. Condenar a sociedade comercial P..., L.da e os réus BB e CC a entregarem ao autor AA o prédio identificado no ponto A.
Alegam os Recorrentes:
 O recorrido não usou da prerrogativa que lhe está conferido pelo artigo 265.,º, 2 do Código de Processo Civil, requerendo, eventualmente, a ampliação do pedido (que, salvo melhor opinião, ainda seria discutível a sua admissibilidade legal porque a preferência parecer estar a ser exercida perante o ato de adjudicação em processo executivo a favor da sociedade P..., L.da e não à venda que posteriormente foi feita aos aqui recorridos).
O negócio sobre qual os Autores exerceram o direito de preferência foi o correspondente à adjudicação do prédio à Ré no processo executivo, que ocorreu em data anterior à da venda posterior por esta aos Recorrentes.  A acção de preferência encontra-se registada desde 30.4.2018 – data anterior à aquisição pelos Recorrentes, pelo que não há qualquer dúvidas de qual o negócio em causa, não havendo qualquer excesso de pronúncia nos segmentos referidos, pois, a decisão neles contida não é mais do que a conclusão jurídica do anteriormente decidido quanto à validade da compra e venda, não estando sujeito às regras processuais da modificação do pedido. Acresce que esta decisão, que, como dissemos, só representa uma conclusão, não é, sem mais, desfavorável para os Recorrentes, pois nada lhe impõe.
Improcede, pois, a nulidade arguida de excesso de pronúncia.
 Imputam ainda à sentença a sua nulidade por omissão de pronúncia por na mesma não ter sido efectuada a discussão da inspecção judicial levada a efeito.
A inspecção judicial não é uma questão de que deva conhecer-se na sentença, mas um meio de prova a valorar, pelo que a valoração que o tribunal dela faz ou não faz, não constitui nulidade.
Improcede, também esta nulidade.

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3. Os factos
Os recorrentes pretendem que, após reapreciação da matéria de facto, sejam julgados provados os factos não provados identificados em b. i., b.ii., c. e g que têm a seguinte redacção:
b. O imóvel descrito no ponto 2:
i. tem uma moradia composta por  ... e  ..., com cozinha, W/C, sala de estar, sala de jantar, três quartos, local em que os réus recebem amigos, pernoitam e onde os filhos têm o seu quarto e pernoitam,
ii. a moradia encontra-se rodeada de jardim, espreguiçadeiras e esplanada e piscina,
c. A casa que se encontra implementada no imóvel descrito no ponto 2 dos factos provados é a única habitação dos réus.
g. Os réus socorrem-se de terceiros, amigos, para ajudar a plantar, semear, colher frutas ou roçar o mato no imóvel descrito no ponto 2, no regime de permuta de trabalho, em face dos débeis recursos económicos, com espírito altruísta e humano.
A fundamentação de tal julgamento é:
Por outro lado, resulta a fls. 152, que o réu iniciou a sua actividade – exploração de um café – em 23.01.2017 e a ré trabalha no Instituto de Segurança Social, I.P. (cfr., fls. 186/9), pelo que se deram como não provadas as alíneas b., c., d. e f., g., k. e l. e o., m. e n..
Para a modificação pretendida convocam excertos dos depoimentos prestados por DD, FF e GG.
Do depoimento prestado por DD, irmão do Autor e Réu, nada resulta relativamente à matéria impugnada pois não revelou ter conhecimento consistente das questões em apreço.
FF, filha dos Réus e sobrinha do Autor, declarou de forma pouco convincente que a casa da quinta, desde que saíram de ..., sempre foi a habitação principal dos pais até o pai ter adoecido, continuando a passar lá os fins de semana. Disse ainda que quando vai visitar os pais, principalmente no Verão fica nessa casa, ficando também da casa do .... Descreveu essa casa de uma forma muito simples, esclarecendo que aquilo a que chamam piscina é um tanque de rega. A testemunha não foi esclarecedora quanto à utilização que os seus pais fazem dessa casa, uma vez que também vivem no ... numa casa arrendada e lá exploravam, até há pouco tempo, pessoalmente, um café que funcionava todos os dias excepto ao domingo.
GG, residente no ..., declarou conhecer o Autor e os Réus BB e CC há muitos anos, tendo trabalhado na quinta de que faz parte o prédio em causa, desde os 13 anos de idade.
Quanto à configuração da casa, a testemunha não a fez nos termos que constam do facto impugnado, nomeadamente quanto ao número de quartos que é só um e à existência de piscina.
A testemunha foi peremptória a declarar que a casa que os Réus habitam é só um apoio desde a doença do Réu e devido às horas a que saem do café que está fechado desde Fevereiro de 2021.
Os excertos dos depoimentos convocados não se revelam aptos a fazer operar a modificação pretendida pelos Recorrentes, pois de nenhum deles resulta, com um mínimo de consistência a sua verificação, mantendo-se, assim, inalterada a matéria de facto.
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Os factos provados são:
1. Encontra-se registado em nome do autor o prédio rústico sito em Quinta..., composto por pomar de cerejeiras, pomar de pessegueiros, pomar de ameixeiras, olival e mato, com a área de trinta e trezentos e setenta e sete metros quadrados, a confrontar de norte e sul com caminho público, do nascente com o réu BB e do poente com EE e outros, inscrito na matriz predial sob o artigo ...3.º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...30.
2. Até ao dia 13.11.2017, encontrava-se registado em nome do réu o prédio rústico sito em ..., composto por cultura arvense de regadio, olival, pomar de cerejeiras, videiras em cordão e mato, com a área de vinte e seis mil sento e trinta e nove metros quadrados, a confrontar do norte e nascente com o autor, do sul com DD e do poente com EE e outros, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...92.º e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...17, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...92.º, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...17.
3. Os referidos imóveis foram adjudicados ao autor e ao réu, respectivamente, por contrato de partilha por sucessão celebrado em 18.09.2015, com termo de autenticação da solicitadora HH, na mesma data.
4. Os imóveis descritos nos pontos 1 e 2 vieram à posse e propriedade do autor e do réu BB, respectivamente, por sucessão hereditária.
5. Em 20.09.2014, na freguesia ..., no município do ..., faleceu, sem testamento ou disposição de última vontade, II, no estado de casada, em primeiras núpcias de ambos, sob o regime da comunhão geral de bens, com JJ, natural da freguesia ..., município do ..., deixando como seus únicos e universais herdeiros o respectivo cônjuge e os seus filhos: DD, o réu BB e o autor.
6. Em 25.01.2015, na freguesia ... e ..., município da ..., faleceu, sem testamento e sem disposição de última vontade, JJ, natural da freguesia ..., município do ..., no estado de viúvo de II, deixando como seus únicos e universais herdeiros os seus filhos: DD, o réu BB e o autor.
7. O autor e, antes deste, os seus pais e antepossuidores, vem possuindo, fruindo e benfeitorizando como melhor lhe convém o imóvel descrito no ponto 1, nele entrando, saindo e permanecendo quando e como lhes apraz, aí efectuando, à sua custa, escavações, terraplanagens e construções, cultivando-o, colhendo os respectivos frutos, suportando os impostos e demais encargos inerentes ao dito prédio.
8. Fizeram-no, tal como no presente, publicamente, à vista de toda a gente e sem estorvo ou oposição de ninguém, na convicção de que lhe(s) pertence, tudo há mais de vinte anos.
9. Os réus BB e CC e, antes deste, os pais do réu, antepossuidores, vem possuindo, fruindo e benfeitorizando como melhor lhe convém o imóvel descrito no ponto 2, nele entrando, saindo e permanecendo quando e como lhes apraz, aí efetuando, à sua custa, escavações, terraplanagens e construções, cultivando-o, colhendo os respectivos frutos, suportando os impostos e demais encargos inerentes ao dito prédio.
10. Fizeram-no, tal como no presente, publicamente, à vista de toda a gente e sem estorvo ou oposição de ninguém, na convicção de que lhes pertence, tudo há mais de vinte anos até ao dia 26.10.2017.
11. Os imóveis descritos nos pontos 1 e 2, desde sempre e até à presente data, confrontam um com o outro.
12. O imóvel descrito no ponto 1 é atravessado por uma faixa de terreno que consubstancia uma passagem de traçado retilíneo, com cerca de três metros de largura, em toda a sua extensão, e que permite a acessibilidade desde o caminho público sito a norte ao imóvel descrito no ponto 2.
13. A referida faixa de terreno:
i. encontra-se trilhada pela batida das passagens que vem sofrendo, a pé e com veículos e máquinas, durante dezenas de anos e
ii. é utilizada como o único acesso ao imóvel descrito no ponto 2, inexistindo qualquer outro modo de lhe aceder, à vista de toda a gente, designadamente vizinhos, ante possuidores e proprietários de prédios confinantes, sem estorvo ou oposição de quem quer que seja.
14. Presentemente, a referida passagem – que existe há mais de vinte e trinta anos - é utilizada pelo autor, pelo réu BB e por DD, como foi pelos seus ante possuidores, como passagem a pé, de veículos de tração animal, de automóvel, de tractor e com as alfaias necessárias ao cultivo da terra e à recolha dos frutos e têm conservado e beneficiado tal caminho.
15. Os imóveis descritos nos pontos 1 e 2:
i. têm como escopo a cultura ou cultivo/exploração agrícola e têm sido utilizados, desde sempre, à cultura de regadio,
ii. têm pessegueiros, cerejeiras, oliveiras, videiras, hortas, laranjeiras, limoeiros e ameixeiras e
iii. possuem pequenas construções destinadas a apoio das actividades agrícolas, arrecadações de máquinas agrícolas e produtos agrícolas.
16. O imóvel descrito no ponto 1 tem uma área de 35.172 m2, ou seja, 3,5 hectares.
17. O imóvel descrito no ponto 2 tem uma área de 25.798 m2, ou seja, 2,5 hectares.
18. O autor não habita no imóvel descrito no ponto 1.
19. O autor, há alguns anos, dedica-se exclusivamente à actividade agrícola, passando todo o seu tempo de trabalho no imóvel descrito no ponto 1.
20. Na construção implementada no imóvel descrito no ponto 1, o autor arruma a roupa e materiais que utiliza no amanho da terra da quinta e nos cuidados que presta às plantas e árvores nela plantados, toma algumas refeições e faz pão e bolos nas alturas festivas e os cuidados dos animais da quinta que destina a consumo próprio.
21. O autor, ao final do dia, regressa à casa onde reside, com a mulher e os seus dois filhos, sita no ..., sem número, ..., ..., ....
22. No imóvel descrito no ponto 2:
i. Os réus criam animais, tais como galinhas, perus e cães,
ii. Existe um tanque e um alambique,
iii. Os réus regam diariamente as árvores, tratam do jardim, limpam a quinta, caldam plantas e árvores,
iv. Há um curral para acolher os animais e criação dos mesmos, sendo parte destinada à cultura e pastagem e outra parte à exploração, onde os réus estrumam para, após passagem por curral, ser transformado em estrume e fertilizante para a terra,
v. Encontra-se implementada uma casa construída em pedra há, pelo menos 50 anos, que consubstanciou a residência dos pais do autor e do réu.
23. O réu, após a partilha informal do património dos seus pais, em meados de 2002, construiu no dito imóvel descrito no ponto 2 os anexos e o tanque.
24. Desde data não concretamente apurada, os réus habitam, pernoitam e têm o centro da sua vida familiar numa casa arrendada sediada no ..., próximo do estabelecimento comercial de café sito no Largo ...,  ... direito, ... ....
25. É na referida casa arrendada que os réus dormem diariamente, confeccionam os alimentos, tomam as refeições, lavam e engomam a roupa e se vestem diariamente.
26. O réu BB explora diariamente o referido café sito no Largo ...,  ... direito, ... ... e onde passa os seus dias, desde 23.01.2017.
27. A ré CC trabalha no ..., auferindo mensalmente o vencimento de €693,13, acrescido do subsidio de refeição no valor diário de €4,77.
28. A ré encontra-se a faltar, por motivo de doença, desde 23 de junho de 2020.
29. A filha dos réus, FF, com 29 anos de idade, é enfermeira no Hospital ..., ..., desde 20.11.2017, e reside em ....
30. O filho dos réus, com 34 anos de idade, reside em ..., ..., ..., onde trabalha, servindo à mesa no restaurante T....
31. Os réus e os filhos não são agricultores e não têm formação profissional específica na referida área.
32. O réu não exerce, como actividade profissional, exclusiva ou sequer acessória, a agricultura, por si e/ou terceiros.
33. No dia 26.10.2017, na sequência da abertura de propostas em carta fechada realizada em 11.09.2017, no âmbito do processo com o número 796/14...., que corre termos na Instância Local Cível ... – Juiz ..., foi adjudicado, pelo preço de € 5.700,00 (cinco mil e setecentos euros), à sociedade ré o imóvel descrito no ponto 2.
34. No âmbito do referido processo:
i. o imóvel descrito no ponto 2 foi penhorado em 05.04.2016 e
ii. a abertura de propostas teve lugar no dia 11.09.2017, tendo a venda/adjudicação sido precedida de publicidade mediante anúncio no portal Citius, a dar conhecimento de todos os elementos essenciais da venda.
35. A ré é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto social o comércio por grosso e a retalho de máquinas agrícolas e industriais, material de floresta e jardim, ciclomotores, quadriciclos, veículos automóveis ligeiros e pesados, peças para todo o tipo de material comercializado, oficina de reparação, indústria de serralharia, construção de estruturas metálicas e, sua aplicação e montagem, comércio por grosso e a retalho de equipamentos de energias renováveis.
36. Após a dita adjudicação, o réu BB continuou a deslocar-se ao imóvel descrito no ponto 2, actuando os réus como se fossem proprietários do mesmo, visando a cultura no dito imóvel.
37. O autor tomou conhecimento da execução e adjudicação descrita no ponto 33 durante o mês de abril de 2018, cerca de 15 dias/três semanas antes de intentar a presente acção, no dia 26.04.2018, através de conversa com KK, o seu primo, que lhe deu conhecimento.
38. O autor pretende continuar e manter as culturas agrícolas que predominam no imóvel descrito no ponto 2, não tendo quaisquer intenções de o destinar a qualquer outro tipo de utilização.
39. O autor depositou nos autos a quantia de €5.700,00.
40. A sociedade ré vendeu ao réu BB o imóvel descrito no ponto 2 mediante escritura pública outorgada no dia 7 de Maio de 2018 no Cartório Notarial ... sito na Rua ..., ..., com aquisição registada – provisoriamente por natureza - pela Ap. ...11 de 2018.05.08. – facto completado quanto à natureza da inscrição.
41. Desde o dia 13.11.2017 até ao dia 07.05.2018, encontrava-se registado em nome da sociedade ré o imóvel descrito no ponto 2., pela AP. ...00 de 2017.11.13.
42. Os réus não deram conhecimento ao autor da adjudicação mencionada nos pontos 33 e 34 e da compra e venda descrita no ponto 40.
43. O imóvel sito na Rua ..., ... ... integra a herança indivisa por morte dos pais do autor e do réu.
44. Os réus foram citados, no âmbito deste processo, na referida morada.
45. O réu, após ter sido despedido em 2014, sofre de doença psicológica, de ansiedade, depressão com consultas em especialistas do foro psicológico e internamentos sucessivos em psiquiatria e actualmente tem problemas de saúde do foro oncológico.
46. A presente acção foi inscrita em 30.4.2016 na Conservatória do Registo Predial. – facto aditado.

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4. O direito aplicável

O direito legal de preferência de proprietários de prédios confinantes foi introduzido na legislação portuguesa pela Lei 2116, de 14 de Agosto de 1962 (Base VI), regulamentada pelo Decreto n.º 44647 de 26 de Outubro de 1962 [1]. Esta Lei, pre­vendo a fixação, pelo Governo, da unidade de cultura, como unidade mínima dos terrenos aptos para a cultura, variável segundo as zonas do país e, dentro de cada zona, segundo as exigências técnicas de cultivo e as condições locais de natureza económico-agrária e social, conferia aos proprietários confinantes de terrenos com área inferior à unidade de cultura o direito de preferência na venda, dação em paga­mento ou aforamento destes outros terrenos.
A consagração deste direito insere-se num conjunto de medidas, visando pôr cobro à excessiva fragmentação da propriedade rústica, causadora de graves inconvenientes de ordem económica, designadamente a baixa produtividade dos prédios de área reduzida.
O Código Civil, nos seus artigos 1380º e 1381º, veio a consagrar este direito de preferência.
Dispõe o n.º 1, do art.º 1380º, do C. Civil:
Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietá­rio confinante.
A sentença recorrida reconheceu ao Autores o direito de preferir na compra que a 3.ª Ré efectuou em 26.10.2017 -  na sequência da abertura de propostas em carta fechada realizada em 11.09.2017, no âmbito do processo executivo movido aos 1º e 2º Réus, com o número 796/14...., que correu termos na Instância Local Cível ... – Juiz ... - do prédio rústico sito em ..., composto por cultura arvense de regadio, olival, pomar de cerejeiras, videiras em cordão e mato, com a área de vinte e seis mil cento e trinta e nove metros quadrados, a confrontar do norte e nascente com o autor, do sul com DD e do poente com EE e outros, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...92.º e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...17, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...92.º, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...17.

4.1 Da tempestividade do exercício do direito de preferência

A venda executiva não afasta o exercício dos direitos de preferência de terceiros na aquisição dos bens penhorados [2].
O bem objecto do exercício do direito de preferência pelo Autor foi vendido em processo executivo mediante venda por propostas em carta fechada.
Nesta modalidade de venda judicial o art.º 819º, n.º 1 do C. P. Civil, impõe a notificação, do dia hora e local aprazados para a abertura de propostas, aos titulares do direito de preferência, legal ou convencional com eficácia real, na alienação dos bens a fim de poderem exercer o seu direito no próprio acto, se alguma proposta for aceite.
Esta notificação está sujeita às regras relativas à citação, não tendo lugar a citação edital – n.º 3 daquele artigo -, e a sua falta tem a mesma consequência que a falta de notificação ou aviso prévio na venda particular – n.º 4.
Como resulta dos factos provados o Autor, enquanto proprietário de um terreno confinante - com área inferior à de cultura -  com aquele que é objecto da venda, é titular de um direito legal de preferência – art.º 1380º, n.º 1 do C. Civil –, não foi notificado nos termos acima referidos, pelo que a data relevante para exercício do seu direito de preferência sobre o bem em causa é aquela em que teve conhecimento dos elementos essenciais da venda – art.º 1410, n.º 1 ex vi do art.º 819º, n.º 4 do C. P. Civil – tendo que exercer esse direito dentro do prazo de seis meses, a contar dessa data.
Não tendo o Autor sido notificado no processo executivo e resultando dos factos provados que só teve conhecimento da venda durante o mês de Abril de 2018, instaurando a presente acção em 26.04.2018, impõe-se a conclusão de que exerceu tempestivamente o direito de preferência.

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4.2 Da causa impeditiva prevista no artigo 1381.º a), 1.ª parte do C. Civil

Os Recorrentes questionam, desde logo, que o prédio que lhes pertencente reúna as características necessárias para lhes conferir direito de preferência, alegando que esse prédio não tem autonomia, constituindo apenas o logradouro da construção nele existente e que é a sua casa de habitação.
Na alínea b), do art.º 1381º, do C. Civil, exclui-se, além do mais, o direito de preferência na alienação de prédios rústicos confinantes, quando algum deles constitua parte componente de um prédio urbano.
Esta excepção justifica-se pela finalidade dos motivos determinantes da consagração deste direito legal de preferência que foi instituído como meio de combater a pulverização da propriedade rústica e de favorecer o emparcelamento, permitindo, desse modo, a unificação de prédios vizinhos de modo a formar prédios com área adequada a uma maior e melhor produtividade e rentabilização, o que não é conseguido quando um dos prédios se destine a um fim que não seja a sua cultura agrícola ou florestal.
A lei civil, para qualificar um prédio como sendo rústico ou urbano, não aceita o critério de predominância da parte rústica ou urbana, como também não atende ao tipo de inscrição matricial nem ao tipo de descrição predial, pelo que temos que recorrer à definição dada pelo artigo 204º do C. Civil. [3]
A definição de prédio rústico é-nos dada pelo art.º 204º, n.º 2, do C. Civil pela seguinte forma:
Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro.
Segundo a jurisprudência maioritária a distinção entre prédio rústico e urbano deve assentar numa avaliação casuística, tendo subjacente o critério base de destinação ou afectação económica [4].
No caso em apreço resulta dos factos provados, – os quais se mantiveram tal como julgados na 1ª instância – que:
15. Os imóveis descritos nos pontos 1 e 2:
i. têm como escopo a cultura ou cultivo/exploração agrícola e têm sido utilizados, desde sempre, à cultura de regadio,
ii. têm pessegueiros, cerejeiras, oliveiras, videiras, hortas, laranjeiras, limoeiros e ameixeiras e
iii. possuem pequenas construções destinadas a apoio das actividades agrícolas, arrecadações de máquinas agrícolas e produtos agrícolas.
22. No imóvel descrito no ponto 2:
i. Os réus criam animais, tais como galinhas, perus e cães,
ii. Existe um tanque e um alambique,
iii. Os réus regam diariamente as árvores, tratam do jardim, limpam a quinta, caldam plantas e árvores,
iv. Há um curral para acolher os animais e criação dos mesmos, sendo parte destinada à cultura e pastagem e outra parte à exploração, onde os réus estrumam para, após passagem por curral, ser transformado em estrume e fertilizante para a terra,
v. Encontra-se implementada uma casa construída em pedra há, pelo menos 50 anos, que consubstanciou a residência dos pais do autor e do réu.
A este respeito consta da sentença:
Da materialidade dada como provada, verifica-se que o prédio preferente é um prédio rústico, tendo o autor alegado e provado que as características predominantes que sobressaem no prédio preferente são de cariz rústico, mormente a área que envolve a parte rústica (cerca de 2,5 hectares), as plantações, a criação de animais (critério de destinação ou afectação económica) e as construções de apoio às actividades agríc0las – cfr., factos provados n.ºs 15 e 22 a 32.
Por outro lado, não se pode concluir que a casa que se encontra implantada no dito imóvel preferente seja residencial – cfr., factos provados n.ºs 24 e 25 e factos não provados com as alíneas b., c. e d.
Neste caso, mesmo que não se atendesse aos critérios expostos, verifica-se que a casa implementada no imóvel descrito no ponto 2 dos factos provados, vulgo casa de campo/casa agrícola, é um acessório destinado à exploração agrícola, pelo que o terreno ajuizado não constitui parte componente de um prédio urbano. Do compulso dos factos provados, verifica-se que nem os réus nem o autor residem e/ou residiram com carácter permanente nos prédios descritos nos pontos 1 e 2 dos factos provados.
Do compulso dos elementos objectivos nos autos – área do imóvel descrito no ponto 2 dos factos provados, de cerca de 2,5 hectares – verifica-se que não se pode concluir que o terreno remanescente com cerca de 2,5 hectares possa figurar como um quintal.
Nessa medida, não se pode concluir que a parte rústica é complemento da casa de habitação como seu quintal, servindo aos seus moradores de horta para subsistência doméstica. Verificamos que do uso e fruição que lhe é conferido pelos seus proprietários e pela ligação física que mantém com as construções referidas, que a mesma se destina a servir de apoio à exploração agrícola.
A prova da factualidade integrante de causa impeditiva, no caso a do art.º 1381º, n.º 1, 1ª parte da  a) do C. Civil - do direito dos Autores impende sobre os Réus, que não a fizeram pois não demonstraram, para além dos factos acima referidos, que o terreno em causa não tem autonomia, constituindo apenas o logradouro da habitação ali existente.
Aliás, a sorte deste fundamento do recurso estava dependente da alteração da matéria de facto, pelo que permanecendo esta inalterada também a decisão é de manter.

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Decisão
Nos termos expostos, improcedendo o recurso confirma-se a decisão recorrida.

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Custas pelos Recorrentes.

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                                                               26.4.2022



[1] Sobre anteriores tentativas legislativas de combater a fragmentação e dispersão da propriedade, vide o preâmbulo do DL 384/88 de 25.10.

[2] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “Acção Executiva Singular”, 1998, p. 379.
[3] Ac. do S. T. J. de 14.1.2021, relatado por Rosa Tching e acessível em www.dgsi.pt .

[4] Ac. citado na nota 3.