REENVIO PREJUDICIAL
CRÉDITOS SALARIAIS
CARTÓRIO NOTARIAL
CESSAÇÃO DE ATIVIDADE
Sumário

I – O reenvio prejudicial deve ocorrer quando um tribunal nacional tem fundadas dúvidas sobre a interpretação de uma norma comunitária ou sobre a validade de um ato jurídico das instituições da UE.
II – Somente podem ser objeto de tal reenvio questões referentes à interpretação ou apreciação da validade de disposições do Direito da União e não do Direito nacional.
III – Justifica-se o reenvio, em ação intentada por trabalhador do notariado que peticiona créditos salariais, quanto às seguintes questões:
a) Um cartório notarial pode, para o efeito do disposto na Diretiva 2001/23/CE do Conselho de 12/03/2001, ser considerado como uma empresa ou estabelecimento suscetível de transferência;
b) A cessação da atividade de um notário por atingir o limite de idade, com a abertura de procedimento na Ordem dos Notários e nos termos estatutários para o preenchimento temporário desse lugar, vindo a ser nomeado temporariamente um novo notário, que passa a exercer essa atividade no mesmo local e com os mesmos equipamentos, integra o conceito de transferência de estabelecimento previsto naquela Diretiva.

Texto Integral


Apelação n.º 487/20.5T8FIG.C1

_________________________________

Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente em ...,

intentou a presente ação de processo comum contra

BB, residente em ... e, subsidiariamente

CC, residente em ..., ...

alegando, em síntese, que:

Foi contratada pelo Réu para exercer as suas funções de técnica administrativa no cartório notarial do mesmo, funções que prestou desse 23/05/2005 até 28/04/2019; em janeiro de 2019 o R. comunicou à A. a caducidade do seu contrato de trabalho em virtude de ter atingido o limite de idade para poder exercer a sua atividade de notário; o R. não pagou à A. a compensação pela cessação do contrato de trabalho nem as férias vencidas em 01/01/2019 e não gozadas e respetivo subsídio, alegando agora que o cartório não encerrou, foi transmitido e que os contratos de trabalho integrados no estabelecimento em causa transmitiram-se naturalmente e ope legis para a nova entidade exploradora, nos termos do preceituado no artigo 285.º,do CT, o que não aceita, visto que o R. assumiu a caducidade que comunicou à A. por escrito, não houve qualquer transmissão de estabelecimento e é a própria lei e a específica forma como são regidos os cartórios notariais que impede a “transmissão do estabelecimento”, cartório notarial – com o limite de idade o notário cessa a atividade e encerra o cartório, pelo que, não poderá haver transmissão de estabelecimento, cessão de exploração ou qualquer outra figura de transmissão de estabelecimento comercial ou equiparado; a segunda Ré exerceu as funções de notária no mesmo cartório em regime de substituição e transitoriamente, por nomeação da ordem dos notários e contactou a A. para trabalhar mediante contrato de trabalho a termo incerto, o que aceitou, sem qualquer continuidade do contrato celebrado com o Réu; em 23/08/2019, este contrato terminou em virtude da segunda Ré ter terminado as suas funções no referido cartório e a A. ficou desempregada.

Termina dizendo que:

“Deve a Presente Ação ser Julgada procedente e provada e em consequência:

1-Ser declarado quer o Contrato de Trabalho celebrado entre a A. e o primeiro Réu Dr. BB, cessou em 28 de Abril de 2019 por caducidade promovida pelo Réu, e por força disso ser este Réu condenado a pagar à A. quantia de €15.199,68 (quinze mil cento e noventa e nove euros e sessenta e oito cêntimos) relativa às férias vencidas e não gozadas (13 dias uteis) e a totalidade do subsidio de férias, e ainda a compensação pela cessação do contrato de trabalho, acrescida dos juros vencidos desde a data do vencimento da obrigação- 28 de Abril 2019- e que neste momento totalizam a quantia de €563,01 (quinhentos e sessenta e três euros e um cêntimos) e ainda os juros vincendos até efetivo e integral pagamento, tudo com custas pelo Réu como é de lei.

Ou,

QUANDO ASSIM SE NÃO ENTENDA,

E

SUBSIDIÁRIAMETE,

2- Ser declarado que entre ambos os RR. houve um acordo de transmissão do contrato de trabalho da Autora para a segunda Ré, e em consequência ser declarado NULO e de nenhum efeito, o contrato de trabalho a termo incerto celebrado entre a A. e a segunda Ré e por força dessa NULIDADE:

2.1- Ser declarado que o contrato de trabalho da A. durou ininterruptamente por 14 anos e 3 meses e terminou por despedimento promovido pela segunda Ré;

2.2- Serem ambos os RR. Solidariamente, ao abrigo do disposto no artigo 258 nº 6 do C.T., condenados a pagar à A. a quantia de €€15.199,68 (quinze mil cento e noventa e nove euros e sessenta e oito cêntimos) relativa às férias vencidas e não gozadas (13 dias uteis) e a totalidade do subsídio de férias, e ainda a compensação pela cessação do contrato de trabalho;

2.3 – Serem ambos os RR. Solidariamente condenados a pagar à A. juros vencidos desde o vencimento da obrigação, que neste caso se situa no dia 23 de Agosto de 2019, data da cessação do contrato e que nesta data totalizam a quantia de €371,46 (trezentos e setenta e um euros e quarenta e seis cêntimos), a que acrescem os juros que se vencerem até efetivo e integral pagamento à Autora;

2.4- Serem ainda os RR. Condenados nas custas como é de lei.”

                                                             *

A Ré CC contestou alegando, em sinopse, que:

A relação laboral existente entre a A. e a ora Ré é nova, independente da anterior e ocorreu sem qualquer transmissão de estabelecimento ou de trabalhadores, não houve qualquer acordo de transmissão nem podia ter havido devido pela natureza jurídica do cartório notarial e pelo facto de a Ré ser uma profissional nomeada pela ordem para exercer funções durante um determinado período de tempo; nem a existência do cartório notarial, nem o seu encerramento, nem a substituição do notário dependem da vontade das partes nem da liberdade negocial das mesmas, situações geridas pela ordem dos notários; a existência do cartório notarial depende da emissão de licença que é atribuída por despacho do Ministério da Justiça e, sendo pessoal e intransmissível, aniquilaria, desde logo, qualquer transmissão de estabelecimento comercial enquanto unidade económica, pelo que, o cartório notarial não pode ser considerado um estabelecimento comercial ou uma unidade económica tal como explanada no n.º 5 do artigo 285.º do CT.

Termina, dizendo que:

Nestes termos, e nos demais de direito, se solicita a V.ª Ex.ª que dê a presente contestação como procedente, por provada, e, em consequência:

a) absolva a Ré da instância com base na exceção da sua ilegitimidade, ou, caso assim não entenda;

b)absolva a Ré do pedido; e

c) condene a Autora a pagar indemnização à Ré em montante a definir segundo o juízo de equidade de V.ª Ex.ª por agir em abuso de direito;

d) condene a Autora a pagar indemnização à Ré em montante a definir segundo o juízo de equidade de V.ª Ex.ª por litigar com má-fé.”

                                                              *

O Réu BB também veio contestar alegando, em síntese, que:

“a) A cessação da atividade de notário por ter atingido o limite de idade não determina, sem mais, a caducidade do contrato de trabalho que haja celebrado com trabalhador notarial;

b) Só o encerramento definitivo do cartório conduziria à cessão do vínculo por caducidade;

c) O EN, corporizando o interesse público no regula e contínuo exercício da função notarial, prevê diversas normas visando assegurar a manutenção em funcionamento dos cartórios notariais previstos no mapa notarial, seja em casos de cessação de atividade como de mera suspensão ou ausência do notário;

d) A transmissão do cartório não pode, por razões de interesse público, ocorrer mediante negócio jurídico ao abrigo da liberdade contratual, mas apenas ope legis, nos termos estritos regulados no EN, estando limitada territorialmente e subjetivamente a detentor do título de notário integrante da Bolsa ou que obtenha licença em concurso para o efeito;

e) Ocorrendo a dita transmissão de cartório a título transitório, para a 2.ª R, transmitiu-se o contrato de trabalho que vinculava a A., sendo nulo qualquer pacto novatório celebrado e não operando a caducidade;

f) Tendo A. e 2.ª R feito cessar por mútuo acordo o contrato de trabalho originalmente celebrado com o 1.º R, não tem a A. direito a qualquer compensação por caducidade.

NESTES TERMOS E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V.ª EX.ª DEVE A AÇÃO SER JULGADA NÃO PROVADA E IMPROCEDENTE, ABSOLVENDO-SE O 1.º R. DO PEDIDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.”
*

Foi proferido o despacho saneador de fls. 101 e segs., tendo sido julgada improcedente a exceção de ilegitimidade passiva invocada pela segunda Ré, dispensada a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

                                                             *

Procedeu-se a julgamento conforme consta das respetivas atas.

                                                             *

De seguida, foi proferida a decisão recorrida de fls. 138 e segs. e cujo dispositivo é o seguinte:

Pelos fundamentos expostos, declaro suspensa a instância, nos termos dos Arts. 269º, n.º 1, al. d) e 272º, n.º 1 do Novo Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no Art. 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, até que o Tribunal de Justiça da União Europeia se pronuncie, a título prejudicial, sobre as questões que agora se formulam:

I. Um cartório notarial pode, para efeito do disposto na Diretiva 2001/23/CE do Conselho de 12 de março de 2001, ser considerado como uma empresa ou estabelecimento suscetível de transferência;

II. A cessação da atividade de um notário por atingir o limite de idade, com a abertura de procedimento na Ordem dos Notários e nos termos do Estatuto do Notariado e do Estatuto da Ordem dos Notários para o preenchimento temporário desse lugar, vindo a ser nomeado temporariamente, por efeito desse procedimento, um novo notário, que passa a exercer essa atividade no mesmo local e com os mesmos equipamentos, integra (ou não) o conceito de transferência de estabelecimento previsto na Diretiva 2001/23/CE do Conselho de 12 de março de 2001.

*

A , notificada desta decisão, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

“1. Ao abrigo do art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento a União Europeia, e do art. 1.º, n.º 1 da Diretiva 2001/23/CE do Conselho de 12 de março de 2001, determinou o M.mo Juiz a quo, por despacho datado de 7 de julho de 2001, a suspensão da instância até que o Tribunal de Justiça da União Europeia se pronuncie, a título prejudicial – despacho esse sobre o qual aqui se recorre, e cuja declaração de nulidade se peticiona.

2. No recorrido despacho o Mmo. Juiz formula duas questões:

I. Um cartório notarial pode, para efeito do disposto na Diretiva 2001/23/CE do Conselho de 12 de março de 2001, ser considerado como uma empresa ou estabelecimento suscetível de transferência;

II. A cessação da atividade de um notário por atingir o limite de idade, com a abertura de procedimento na Ordem dos Notários e nos termos do Estatuto do Notariado e do Estatuto da Ordem dos Notários para o preenchimento temporário desse lugar, vindo a ser nomeado temporariamente, por efeito desse procedimento, um novo notário, que passa a exercer essa atividade no mesmo local e comos mesmos equipamentos, integra (ou não) o conceito de transferência previsto na Diretiva 2001/23/CE do Conselho de 12 de março de 2001.”

3. O art. 1.º da Diretiva 2001/23/CE do Conselho de 12 de março de 2001 foi transposto para o direito interno pelo art. 285.º do Código do Trabalho.

4. Aquelas questões não devem ser formuladas com recurso para a Diretiva, porque a mesma não está em causa, mas antes com recurso ao Código do Trabalho, como por exemplo:

I. Um cartório notarial pode, para efeito do dispostonoart.285.ºdoCódigo do Trabalho, ser considerado como uma empresa ou estabelecimento suscetível de transferência;

II. A cessação da atividade de um notário por atingir o limite de idade, com a abertura de procedimento na Ordem dos Notários e nos termos do Estatuto do Notariado e do Estatuto da Ordem dos Notários para o preenchimento temporário desse lugar, vindo a ser nomeado temporariamente, por efeito desse procedimento, um novo notário, que passa a exercer essa atividade no mesmo local e com os mesmos equipamentos, integra (ou não) o conceito de transferência conforme decorre do art. 285.º do Código do Trabalho

5. Além disso, o caso concreto tem a especificidade de versar sobre um cartório notarial.

6. Ao caso em concreto aplica-se o Código do Trabalho, o Estatuto do Notariado (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de fevereiro), e o Regulamento da Bolsa dos Notários.

7. De facto, estão excluídas do reenvio prejudicial, previsto no art. 267.º do TFUE, as questões relativas à interpretação ou à apreciação das normas legislativas ou regulamentares de direito interno, bem como as de compatibilidade delas com o direito comunitário.

8. Nos termos da legislação em vigor, cartório notarial é uma figura híbrida, entre as suas funções públicas, e o seu caráter privado.

9. O seu funcionamento depende da existência de licença (que, tanto quanto se sabe, não está regulamentada por nenhum normativo comunitário);

10. licença esta que é atribuída pelo Ministério da Justiça, para prossecução da atividade profissional; que caduca automaticamente pelo limite de idade, e que obriga ao encerramento do cartório notarial (art. 34.º e seguinte do Estatuto do Notariado, e art. 47.º do mesmo diploma).

11. A licença é nacional, pessoal e intransmissível (art. 35.º do Estatuto do Notariado).

12. Donde, e novamente, não se vislumbra aqui qualquer questão com a aplicação uniforme do direito comunitário.

13. Donde, nos resulta claro, que,

i. não houve qualquer transmissão,

ii. o cartório notarial não ser não é um estabelecimento ou empresa,

iii. não está, nem nunca esteve em causa qualquer normativo comunitário,

pelo que, o despacho recorrido só podem ser declarado nulo, o que aqui desde já se requer.

Fazendo assim, V. Exas, a costumada

JUSTIÇA!”

                                                             *

Não foi apresentada resposta.

                                                   *

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer que antecede no sentido de que a apelação deverá ser julgada improcedente.

                                                             *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

II – Questões a decidir:

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C. na redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Cumpre, assim, apreciar a seguinte questão suscitada pela Ré recorrente:

- Se o despacho recorrido é nulo porque as questões não devem ser formuladas com recurso para a Diretiva 2001/23/CE de 12/03 mas antes ao Código do Trabalho e porque estão excluídas do reenvio prejudicial as questões relativas à interpretação ou apreciação das normas ou regulamentos internos,  bem como as de compatibilidade delas com o direito comunitário.  

                                                             *

                                                             *

III – Fundamentação
a) Factos provados

Os constantes do relatório que antecede.                                                                                                                                       *

                                                             *

b) - Discussão

Apreciando a questão suscitada pela Ré recorrente:

Alega a Ré recorrente que:

- As questões formuladas na decisão recorrida não devem ser formuladas com recurso para a Diretiva, porque a mesma não está em causa, mas antes com recurso ao Código do Trabalho.

- O caso concreto tem a especificidade de versar sobre um cartório notarial, aplicando-se o CT, o Estatuto do Notariado e o Regulamento da bolsa dos notários.

- Estão excluídos do reenvio prejudicial as questões relativas à interpretação ou apreciação das nomas legislativas ou regulamentares de direito interno, bem como as de compatibilidade delas com o direito comunitário.

- O funcionamento do cartório notarial depende da existência de licença e que caduca automaticamente pelo limite de idade e que obriga ao encerramento do cartório, licença nacional, pessoal e intransmissível, pelo que, não se vislumbra qualquer questão com aplicação uniforme do direito comunitário.

A este propósito consta da decisão recorrida o seguinte:

“Depois da realização, com observância das formalidades legais, da audiência final, como consta das atas juntas aos autos, o Tribunal determinou que estes autos fossem conclusos para prolação da respetiva sentença única relativa à matéria de facto e de direito, nos termos do Art. 73º do Código de Processo do Trabalho, sempre na sua redação atual, resultante da Lei n.º 107/2019, de 9 de setembro, e do Art. 607º do Novo Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no Art. 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, mas sendo certo que, ao elaborar a respetiva sentença, entende-se que se suscitam neste processo questões (prejudiciais e relevantes para a decisão a proferir a final) relativas à interpretação e posterior aplicação da Diretiva infra referida, com as consequências que se retirarão no final deste despacho.

*

*

Como se sabe, o Art. 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, dispõe, no que ora interessa, que “O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: a) Sobre a interpretação dos Tratados; b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária o julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie (…)”

Ora, o Art. 1º, n.º 1 da Diretiva 2001/23/CE do Conselho de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos, dispõe que “a) A presente diretiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão. b) Sob reserva do disposto na alínea a) e das disposições seguintes do presente artigo, é considerada transferência, na aceção da presente diretiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória. c) A presente diretiva é aplicável a todas as empresas, públicas ou privadas, que exercem uma atividade económica, com ou sem fins lucrativas. A reorganização administrativa de instituições oficiais ou a transferência de funções administrativas entre instituições oficiais não constituem uma transferência na aceção da presente diretiva”.

*

In casu, sabendo-se igualmente, como resulta já da vasta jurisprudência europeia a este respeito, que o Tribunal de Justiça da União Europeia tem interpretado de forma ampla e lata este normativo (cfr., verbi gratia, o Acórdão do Tribunal de Justiça (Décima Secção) de 19 de outubro de 2017, consultado em https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=195740&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=129767, onde se decidiu, inter alia, que “O artigo 1.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos, deve ser interpretado no sentido de que está abrangida pelo conceito de «transferência […] de uma empresa [ou de um] estabelecimento», na aceção desta disposição, uma situação em que um contratante resolveu o contrato de prestação de serviços de vigilância e de segurança das suas instalações celebrado com uma empresa e, em seguida, para a execução dessa prestação, celebrou um novo contrato com outra empresa, que recusa integrar os trabalhadores da primeira, quando os equipamentos indispensáveis ao exercício da referida prestação foram retomados pela segunda empresa”), transposto no direito interno português pelo Art 285º do Código do Trabalho (que tem atualmente a seguinte redação: “1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral. 2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração. 3 - Com a transmissão constante dos n.os 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos. 4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo-o ao seu serviço, exceto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral. 5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória. 6 - O transmitente responde solidariamente pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, bem como pelos encargos sociais correspondentes, vencidos até à data da transmissão, cessão ou reversão, durante os dois anos subsequentes a esta. 7 - A transmissão só pode ter lugar decorridos sete dias úteis após o termo do prazo para a designação da comissão representativa, referido no n.º 6 do artigo seguinte, se esta não tiver sido constituída, ou após o acordo ou o termo da consulta a que se refere o n.º 4 do mesmo artigo. 8 - O transmitente deve informar o serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral: a) Do conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações; b) Havendo transmissão de uma unidade económica, de todos os elementos que a constituam, nos termos do n.º 5. 9 - O disposto no número anterior aplica-se no caso de média ou grande empresa e, a pedido do serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, no caso de micro ou pequena empresa. 10 - O disposto no presente artigo é aplicável a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de seleção, no setor público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação. 11 - Constitui contraordenação muito grave: a) A conduta do empregador com base em alegada transmissão da sua posição nos contratos de trabalho com fundamento em transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou em transmissão, cessão ou reversão da sua exploração, quando a mesma não tenha ocorrido; b) A conduta do transmitente ou do adquirente que não reconheça ter havido transmissão da posição daquele nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores quando se verifique a transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou a transmissão, cessão ou reversão da sua exploração. 12 - A decisão condenatória pela prática de contraordenação referida na alínea a) ou na alínea b) do número anterior deve declarar, respetivamente, que a posição do empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores não se transmitiu, ou que a mesma se transmitiu. 13 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.os 7, 8 ou 9. 14 - Aos trabalhadores das empresas ou estabelecimentos transmitidos ao abrigo do presente artigo aplica-se o disposto na alínea m) do n.º 1 do artigo 3.º e no artigo 498.º”), entende-se ser de suscitar, desde já e junto desse Tribunal, questões prejudiciais relativas à aplicação desse normativo ao presente processo e à situação fáctica subjacente ao mesmo (dado que se está perante um cartório notarial e uma atividade muito particular, com regras muito diversas de outras atividades), que a seguir se enunciarão.

Assim e em resumo, dado que se considera que se deverá obter uma pronúncia prévia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões concretas que se suscitam no âmbito deste processo, que não se afiguraram resultar totalmente claras e evidentes da Diretiva em questão e que são relevantes e importantes para a decisão final destes autos, este processo ficará com os seus termos processuais suspensos, nos termos das disposições legais a seguir referidas, até que seja proferida decisão relativamente a essas questões específicas agora objeto de reenvio prejudicial.

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*

*

Pelos fundamentos expostos, declaro suspensa a instância, nos termos dos Arts. 269º, n.º 1, al. d) e 272º, n.º 1 do Novo Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no Art. 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, até que o Tribunal de Justiça da União Europeia se pronuncie, a título prejudicial, sobre as questões que agora se formulam:

I. Um cartório notarial pode, para efeito do disposto na Diretiva 2001/23/CE do Conselho de 12 de março de 2001, ser considerado como uma empresa ou estabelecimento suscetível de transferência;

II. A cessação da atividade de um notário por atingir o limite de idade, com a abertura de procedimento na Ordem dos Notários e nos termos do Estatuto do Notariado e do Estatuto da Ordem dos Notários para o preenchimento temporário desse lugar, vindo a ser nomeado temporariamente, por efeito desse procedimento, um novo notário, que passa a exercer essa atividade no mesmo local e com os mesmos equipamentos, integra (ou não) o conceito de transferência de estabelecimento previsto na Diretiva 2001/23/CE do Conselho de 12 de março de 2001.” fim de citação.

Vejamos, então, se assiste razão à recorrente.

Conforme resulta do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia:

<<O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:

a) Sobre a interpretação dos Tratados;

b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal. (…)>>

Como refere Luísa Lourenço[2], “o reenvio prejudicial pode, como previsto nas duas alíneas do número 1 do artigo 267.º do TFUE, incidir sobre a interpretação dos Tratados (alínea a)), ou interpretação ou validade “dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União” (alínea b)). Assim, o juiz nacional pode pedir um esclarecimento ao TJUE quanto à interpretação de uma norma europeia, seja ela de direito primário ou derivado; contudo, no que toca à apreciação da validade,
pode o pedido portar apenas sobre normas de direito secundário ou derivado.

Como se explica esta distinção? Em primeiro lugar, a letra de lei assim o estabelece: os Tratados referem apenas a validade de atos jurídicos a cargo das instituições, órgãos ou organismos da UE. Por outro lado, cabe relembrar que os Tratados são a norma constitutiva para o Tribunal de Justiça em si, pelo que se impõe o respeito pelo Estado de Direito (“rule of law”) e pela vontade dos Estados-Membros.

(…)

Cabe igualmente precisar o que se entende por “atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União” na aceção da alínea b) do número 1 do artigo 267.º do TFUE.

Enquanto que o facto de as instituições europeias se encontrarem plasmadas no artigo 13.º do TUE pode servir de auxílio para a definição dos autores dos atos jurídicos em causa, estes últimos não se encontram delimitados. Parece, pois, que se visa com isto cobrir todos os atos jurídicos de direito europeu, no garante da proteção jurisdicional efetiva, como visado pelo artigo 47.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia (“Carta”). Só este entendimento garante um sistema completo de
vias de recurso, o qual permite ao TJUE controlar a validade dos atos independentemente de quem os deve aplicar. Estão, assim, abrangidos os atos adotados com base nos Tratados e os atos da União que se referem a outros atos, bem como os acordos da UE com países terceiros (uma vez que estes formam parte integrante do direito da União e a exigência de uma interpretação uniforme assim o impõe)18. Convém notar, por outro lado, que um acórdão do próprio TJUE proferido enquanto decisão prejudicial não é suscetível de um processo prejudicial de apreciação de validade.

            (…)

            Notando que o reenvio se destina a “evitar divergências na interpretação do direito comunitário, cuja aplicação cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais”, o Tribunal de Justiça acrescentou, no acórdão Rheinmühlen Düsseldorf, que este instrumento assegura essa aplicação, “ao facultar ao juiz nacional um meio para eliminar as dificuldades que a exigência de dar ao direito comunitário o seu pleno efeito no âmbito dos sistemas jurisdicionais dos Estados-membros poderia suscitar”. Assim, qualquer órgão jurisdicional pode fazer uso do pedido de apreciação prejudicial, dispondo de uma “faculdade ilimitada de recorrer ao Tribunal de Justiça, se considerarem que um processo neles pendente suscita questões relativas à interpretação ou à apreciação da vali-
dade de disposições do direito comunitário com base nas quais têm de decidir”.

Deve sublinhar-se que o direito a efetuar um reenvio prejudicial para o TJUE não pode em alguma circunstância ser limitado pelo direito nacional.

(…)

Quando o juiz nacional considere que as normas aplicáveis no litígio em causa levantam questões de direito Europeu que requerem uma intervenção por parte do TJUE, a sua função, enquanto juiz comum deste último ordenamento e guardião da ordem jurídica europeia, será a de tentar obter tal esclarecimento. Contudo, nem sempre o reenvio prejudicial será admissível.

Assim, no que toca à possibilidade de recorrer ao TJUE, o pedido de decisão prejudicial não pode, em caso algum, incidir sobre questões de direito interno, sobre as quais os órgãos nacionais detêm jurisdição exclusiva (ainda que se ponha a questão de uma norma de direito português que resulta da implementação de uma Diretiva, será sempre quanto à interpretação desta última que irá pronunciar-se o TJUE); o mesmo se aplica à validade de direito primário, uma vez que este sai da esfera de competência do TJUE38.

Por outro lado, as regras referidas devem ser efetivamente aplicáveis no caso em apreço — o Tribunal de Justiça sublinhou, no acórdão Dzodzi, que, na repartição de funções jurisdicionais com os tribunais nacionais, lhe cabe pronunciar-se a título prejudicial sobre as questões colocadas, a não ser que o processo tenha sido “desviado do seu objetivo”, e vise “conduzir o Tribunal de Justiça a decidir através de um litígio inventado, ou na hipótese de ser manifesto que a disposição de direito comunitário submetida à interpretação do Tribunal de Justiça não pode aplicar-se”.

Assim será igualmente em situações desprovidas de um elemento de conexão com o ordenamento jurídico europeu: “quando, por um lado, o objeto do litígio no processo principal não apresenta nenhum elemento de conexão com o direito da União e, por outro, a regulamentação cuja interpretação é requerida não se situa no quadro do direito da União”.

Este é também o caso de situações puramente internas.”

Face ao que ficou dito, facilmente se conclui que as questões objeto de reenvio prejudicial só podem incidir sobre a interpretação ou apreciação da validade de disposições do direito comunitário e não do direito nacional e, por isso, inexiste qualquer razão à recorrente quando alega que as questões formuladas na decisão recorrida não devem ser formuladas com recurso para a Diretiva, porque a mesma não está em causa, mas antes com recurso ao Código do Trabalho.

Quanto ao mais:

Resulta do disposto no artigo 1.º, n.º 1, b) da Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12/03/2001 que “é considerada transferência, na aceção da presente diretiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória”.

 E, por outro lado, consta do artigo 285.º do CT (redação da Lei n.º 18/2021, de 08/04) que transpôs para a ordem jurídica interna aquela Diretiva n.º 2001/23/CE que:

1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.

2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.

3 - Com a transmissão constante dos n.ºs 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.

4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo-o ao seu serviço, exceto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.

5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.

6 - O transmitente responde solidariamente pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, bem como pelos encargos sociais correspondentes, vencidos até à data da transmissão, cessão ou reversão, durante os dois anos subsequentes a esta.

7 - A transmissão só pode ter lugar decorridos sete dias úteis após o termo do prazo para a designação da comissão representativa, referido no n.º 6 do artigo seguinte, se esta não tiver sido constituída, ou após o acordo ou o termo da consulta a que se refere o n.º 4 do mesmo artigo.

8 - O transmitente deve informar o serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral:

 a) Do conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações;

b) Havendo transmissão de uma unidade económica, de todos os elementos que a constituam, nos termos do n.º 5.

 9 - O disposto no número anterior aplica-se no caso de média ou grande empresa e, a pedido do serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, no caso de micro ou pequena empresa.

10 - O disposto no presente artigo é aplicável a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de seleção, no setor público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação.

11 - Constitui contraordenação muito grave:

 a) A conduta do empregador com base em alegada transmissão da sua posição nos contratos de trabalho com fundamento em transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou em transmissão, cessão ou reversão da sua exploração, quando a mesma não tenha ocorrido;

b) A conduta do transmitente ou do adquirente que não reconheça ter havido transmissão da posição daquele nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores quando se verifique a transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou a transmissão, cessão ou reversão da sua exploração.

12 - A decisão condenatória pela prática de contraordenação referida na alínea a) ou na alínea b) do número anterior deve declarar, respetivamente, que a posição do empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores não se transmitiu, ou que a mesma se transmitiu.

13 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 7, 8 ou 9.

14 - Aos trabalhadores das empresas ou estabelecimentos transmitidos ao abrigo do presente artigo aplica-se o disposto na alínea m) do n.º 1 do artigo 3.º e no artigo 498.º”.

Ora, impõe-se dizer, desde já, que no caso em apreciação não estamos perante um “típico” estabelecimento, posto que, trata-se de um cartório notarial sujeito a legislação especial.

Na verdade, o notário é simultaneamente um oficial público e um profissional liberal, a função notarial encontra-se regulada no Estatuto do Notariado e do qual constam normas reguladoras da cessação da atividade notarial, nomeadamente, por limite de idade e dos efeitos daquela, quais sejam, o encerramento do cartório notarial, a substituição – designação de um notário a título transitório –, a elaboração de um inventário e a realização de concurso para atribuição de nova licença (artigos 41.º, b), 43.º e 47.º a 50.º, todos do citado Estatuto).

Acresce que, como já ficou dito, o artigo 285.º do CT, prevê a transmissão de estabelecimento tendo adotado uma noção ampla – por qualquer título – e, assim, a transferência pode consistir numa simples transmissão do direito de propriedade, num trespasse, numa cessão de exploração ou até numa transmissão por força de uma venda judicial, abrangendo todas as situações em que a titularidade do estabelecimento se transfere de um sujeito para o outro, seja a que título for, sendo que, a exploração tem de prosseguir sem interrupção.

Acontece que, pese embora estejamos perante a cessação da atividade de um notário nos termos supra referidos e dos respetivos efeitos previstos no Estatuto mencionado, tendo em conta que o TJUE tem interpretado de forma ampla a citada Diretiva, o entendimento do mesmo no sentido de a transmissão poder ocorrer mesmo sem a existência de um vínculo contratual entre cedente e cessionário e, ainda, que a atividade do notário cessou no dia 28/04/2019 e o substituto  iniciou as suas funções no dia 29/04/2019, é nosso entendimento que se justificam/existem fundadas dúvidas sobre a interpretação da citada Diretiva 2001/23/CE nos termos enunciadas na decisão recorrida e que consubstanciam questões relevantes para a decisão da causa.

É que, como se decidiu no acórdão desta Relação de 10/07/2010, disponível em www.dgsi.pt, que acompanhamos:

Os órgãos jurisdicionais nacionais estão vinculados a interpretar o direito nacional em conformidade com o direito europeu, incluindo as Directivas, e com a interpretação do mesmo realizada pelo TJUE, tendo em consideração o princípio do primado do Direito da UE.

Nos termos do art. 267º do Tratado da União Europeia, “O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:

a) Sobre a interpretação dos Tratados;

b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.

Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível.”

Na categoria dos “actos adoptados pelas instituições … da União” está incluído todo o “… conjunto do Direito Comunitário derivado, isto é, do conjunto de actos tanto autónomos como convencionais, concluídos pelas instituições comunitários. Abarcam-se, pois aqui, os regulamentos e as decisões individuais (…) e também as directivas e as decisões de carácter normativo geral …” – M. Melo Rocha, O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, Coimbra ed. 1982, p. 48.

Por outro lado, está em causa nestes autos, a interpretação de disposições do Direito Comunitário derivado, concretamente da Diretiva 2001/23 do Parlamento Europeu e do Conselho (…), a fim de que, assente essa interpretação, se possa subsequente interpretar em conformidade com a mesma determinadas normas jurídicas nacionais, concretamente as normas, do CT/2009 e dos AE aplicáveis supra citadas e que regem em matéria de descanso semanal obrigatório e complementar.

O reenvio prejudicial é um instrumento jurídico criado pelos Tratados em face da especificidade da EU (União de Estados dotada de personalidade jurídica) e com vista à aplicação uniforme do direito comunitário pelos tribunais nacionais, a qual depende de uma interpretação uniforme das mesmas regras e constitui, ao mesmo tempo, fundamento e consequência da aplicabilidade directa (efeito directo) e da primazia das normas comunitárias. Ora, o reenvio prejudicial deve ocorrer “Quando um tribunal nacional tem fundadas dúvidas sobre a interpretação a dar a uma norma comunitária ou sobre a validade de um acto jurídico das instituições …”, ou de outro modo, o TJUE pronuncia-se “…a pedido da jurisdição nacional de um estado membro que deve aplicar uma regra de direito comunitário ou que deve constatar as consequências jurídicas de um acto levado a cabo por uma instituição...”, sendo papel do TJUE “…o de definir o sentido das disposições cuja interpretação lhe é pedida ou de se pronunciar sobre a sua validade isto é sobre a sua legalidade.” - Jean Victor Louis, A Ordem Jurídica Comunitária, ed. Comissão das C.E. 1981, p. 24.

Resta dizer que se é certo que no âmbito de um processo de reenvio o TJUE não pode pronunciar-se sobre a compatibilidade de uma disposição legislativa ou regulamentar nacional com o direito comunitário, menos certo não é que o mesmo TJUE pode fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação resultantes do direito comunitário e que permitam a esse órgão decidir da compatibilidade dessas normas com a norma comunitária invocada.”

Pelo exposto, a decisão recorrida não sofre da nulidade que lhe foi assacada pela recorrente.

                                                             *

Assim sendo, na improcedência das conclusões do recurso, impõe-se a manutenção da decisão recorrida.

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(…)

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V - DECISÃO.

Nestes termos, na improcedência do recurso, acorda-se em manter a decisão recorrida.

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Custas a cargo da Ré recorrente.

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Coimbra, 2022/04/29

(Paula Maria Roberto)

(Felizardo Paiva)

(Jorge Loureiro)





[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Felizardo Paiva
                     Jorge Loureiro
[2] “O reenvio prejudicial para o TJUE e os pareceres consultivos do Tribunal EFTA”, Revista Julgar n.º 35, Almedina, pág. 187 e segs.