JUNÇÃO DE DOCUMENTOS COM O RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INCAPACIDADE TESTAMENTÁRIA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO JUDICIAL
Sumário


1. Não há qualquer contradição em dar como provado que, numa acção de anulação de testamento, à data de elaboração do mesmo o testador já estava diagnosticado com a doença de Alzheimer, e dar simultaneamente como não provado que aquando da outorga do testamento, o estado de saúde do testador não lhe permitisse discernir de forma a entender o sentido da sua actuação e proceder de acordo com a sua vontade, e que o testador não estivesse livre e capaz de se autodeterminar de acordo com a sua vontade quando outorgou o testamento referido.
2. A existência de um diagnóstico de Alzheimer prévio à elaboração do testamento não implica uma inversão do ónus da prova, a qual apenas ocorre nos casos previstos no art. 344º CC.
3. O diagnóstico de Alzheimer não é um dado abstracto, é uma situação concreta, que pode variar de caso para caso, para além daqueles traços que são comuns a todos os doentes.
4. O que pode suceder é operar uma presunção judicial, nos termos do art. 349º CC.
5. Essas presunções inserem-se no quadro do julgamento da matéria de facto, e como tal são casuísticas.
6. E assim, o uso de uma presunção judicial que permita extrair do diagnóstico de Alzheimer prévio ao testamento a conclusão de que à data da elaboração deste o testador já não estava capaz de formar de forma livre e lúcida a sua vontade e de a expressar correctamente, depende dos factos concretos que o autor conseguir provar acerca do estado mental do testador à data da declaração de vontade.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

A. G. intentou a presente acção declarativa constitutiva, sob a forma de processo comum contra J. C., pedindo a anulação do testamento outorgado por G. G. em 06.03.2008, no qual este declarou legar ao ora réu as acções ao portador que possuía no capital social da sociedade comercial “Sociedade Imobiliária dos X, S.A.”, pessoa colectiva nº ………, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ….
Para tanto e em suma alegou que autor e réu são filhos e únicos herdeiros de G. G. e que o seu pai estava incapaz e privado da liberdade de autodeterminação de acordo com a sua vontade quando outorgou esse testamento.

O réu contestou, pugnando pela improcedência da acção, alegando que o pai estava capaz, livre, e que o testamento corresponde à sua vontade.

Proferiu-se o despacho a que alude o art. 596º do CPC e realizou-se a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais.

A final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo o réu do pedido.

Inconformado com esta decisão, o autor dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil).
Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

A. Quanto à matéria de facto, analisados os factos dados como provados e não provados pelo Tribunal a quo à luz da prova produzida, conclui-se que o mesmo incorreu em manifesto erro de julgamento, impondo-se uma alteração à decisão recorrida nessa parte, com as necessárias consequências na subsunção jurídica dos factos ao direito.
B. Com efeito, a alteração à matéria de facto que se impõe levará necessariamente a concluir que, na concreta data da elaboração do testamento, G. G. se encontrava mentalmente incapaz de querer e entender o sentido e alcance desse acto.
C. Desde logo, na sentença recorrida, o Tribunal a quo como provado o seguinte facto:
3) Em data não concretamente apurada, mas que se reporta, pelo menos, a Setembro de 2005, foi diagnosticada a doença de Alzheimer a G. G. (facto provado 3)), tendo, por outro lado, considerado não provado d) Que a doença referida em 3) e o respectivo tratamento remontassem ao ano de 1995 (facto não provado d)).
D. Da conjugação dos referidos pontos resultou que o Tribunal deu como provado que G. G. padecia da doença de Alzheimer, tendo, porém, situado o início da doença em 2005, por considerar não provado que a doença e respectivo tratamento remontassem a 1995 – constituindo esta última parte uma autêntica decisão-surpresa.
E. Com efeito, no despacho de 18.05.2021 de fixação do objecto do litígio e dos temas da prova, o Tribunal a quo fixou o seguinte tema da prova: “sim ou não, o testador estava livre e capaz de se autodeterminar de acordo com a sua vontade quando outorgou o referido testamento, atenta a doença de Alzheimer de que padecia desde 1995, o acidente de viação que sofreu em 2003 e a doença de Parkinson que lhe foi diagnosticada posteriormente ao acidente”.
F. Ou seja, de forma expressa, o Tribunal a quo deu como assente que o testador padecia da doença de Alzheimer desde 1995, erigindo a tema da prova apenas a questão de saber se, não obstante aquela doença, estava ou não o testador capaz de se autodeterminar de acordo com a sua vontade na ocasião em que outorgou o testamento; nessa conformidade, estava o Recorrente convicto que a localização do início da doença em 1995 constituía facto assente para o Tribunal recorrido – porque assim foi pelo mesmo enunciado – e não sujeito ou necessitado de prova (ou pelo menos o Tribunal a isso induziu o Recorrente).
G. Ora, tal circunstância determina a de junção do documento n.º 1, sendo tal junção necessária e processualmente admissível nos termos do artigo 651.º do CPC, pois que dele resulta inequívoco que a doença de Alzheimer foi diagnosticada ao testador em 1995 - e tal é o suficiente para necessariamente determinar a alteração ao ponto 3) da matéria de facto dada como provada e ponto d) da matéria de facto dada como não provada.
H. Mas o facto é que também os depoimentos de diversas testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento e as declarações de parte do próprio Recorrente (a par com os documentos juntos com os articulados) permitiram confirmar que, efectivamente, a doença em causa se instalou no testador em 1995.
I. Foi o caso do depoimento e A. I., aliás claro e rigoroso sobre o tema e que, como o Tribunal a quo referiu, “Afirmou que o avô padecia de Alzheimer desde 1995, e que a doença se foi instalando progressivamente (…)” - cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento de 06.10.20121, Gravação, a partir de m03:27 e a partir de m05:00 conforme já transcrito no corpo das presentes alegações).
J. A referida testemunha situou com precisão a data do surgimento da doença, não só pelo conhecimento directo que tem por ter convivido de perto com o testador, mas também por saber que, desde1995, a doença havia sido diagnosticada pelo Dr. M. N. que o acompanhava e medicava desde então no tratamento da mesma (como, aliás, atestaram, igualmente o documento nº 1 ora junto e os documentos nºs 1 e 1-A juntos com o requerimento de 12.01.2021).
K. O mesmo resultou do depoimento da testemunha V. M., tendo garantido na audiência de 06.10.2021 (Gravação a partir de m04:36, conforme já transcrito no corpo das presentes alegações), com base no contacto directo que teve com o testador (embora com compreensível menor precisão quanto às datas) que, por volta de 1999, o mesmo “já não estava bem da mente”.
L. Também o mesmo resultou dos diversos depoimentos, citados nos artigos 34.º a 37.º da petição inicial, prestados no âmbito do processo n.º 2145/09.2TAGMR e constantes da sentença nele proferida junta como documento nº 7 com a petição inicial, tendo as testemunhas sido unânimes no sentido de que G. G. padecia daquela doença desde os anos 90.
M. Enfim, por tudo o exposto, os documentos carreados para os autos e os depoimentos das testemunhas ouvidas impunham uma decisão totalmente diversa quanto aos pontos 3) dos factos provados e d) dos factos não provados, assim fazendo com que o Tribunal a quo tenha incorrido em manifesto erro de julgamento nestes pontos.
N. Devendo, pois, os supra mencionados pontos da matéria de facto ser alterados de tal forma que o ponto d) dos factos não provados seja dado como provado e/ou que o ponto 3) dos factos provados passe a ter a seguinte redacção: “Em 1995 foi diagnosticada a doença de Alzheimer a G. G.”.
O. Por seu turno, considerou o Tribunal que os seguintes factos não resultaram provados:
a) Que aquando da outorga do testamento, o estado de saúde do testador não lhe permitisse discernir de forma a entender o sentido da sua actuação e proceder de acordo com a sua vontade;
b) Que o testador não estivesse livre e capaz de se autodeterminar de acordo com a sua vontade quando outorgou o testamento referido em 5);
c) Que o testador tivesse quadros depressivos profundos e fosse facilmente manipulável.
P. A convicção do Tribunal quanto aos factos que, dessa forma, deu como não provados resultou essencialmente dos seguintes factores: a) O facto de G. G. estar ainda alegadamente capaz de conduzir em 2003, tanto que teve um acidente de viação; b) O facto de no Verão de 2003 o testador e a mulher terem ido de férias para Cuba com os netos; c) O facto de, em 2006, 2007 e 2008, o testador ter alegadamente encerrado contas bancárias em instituições bancárias espanholas e ter assumido a presidência do Conselho de Administração da SIP; proposto novos membros para o Conselho de Administração, e vendido um imóvel em Maio de 2007; d) O facto de os depoimentos das testemunhas que estiveram presentes no momento da outorga do testamento terem, supostamente, contrariado a tese alegada pelo Recorrente.
Q. Sucede que, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento permitiu efectivamente fazer prova da factualidade supramencionada, não sendo, por outro lado, aquelas três primeiras circunstâncias de molde a concluir no sentido em que o Tribunal concluiu (pelo contrário, como, na verdade, resultou dos depoimentos das testemunhas).
R. Em face da prova que foi feita em sede de audiência de julgamento, impunha-se que os supramencionados factos tivessem sido dados como provados, tendo desde logo os depoimentos de diversas testemunhas ouvidas sido fulcrais para conseguir determinar o estado de saúde de G. G. aquando da feitura do testamento.
S. Essencial para esse efeito – como o próprio Tribunal recorrido reconhece – foi o depoimento da testemunha A. I., a qual depôs, com total rigor a este respeito no dia 06.10.2021 (Gravação 20211006113345_5914018_2870528 a partir de m02:47, a partir de m 17:00; a partir de m 23:54, a partir de m36:40, conforme já transcrito no corpo das presentes alegações).
T. A corroborar o testemunho da testemunha A. I. em relação à evolução da doença do avô, o depoimento da testemunha A. F. permite – ao contrário do relatado na sentença recorrida – retirar conclusões semelhantes quanto à evolução e estado de saúde do testador à data do testamento (Gravação de 06.10.2021 a partir de m02:39 e Gravação a partir de m00:00 e a partir de m07:04, conforme já transcrito no corpo das presentes alegações).
U. No mesmo sentido, testemunhou V. M. conforme já transcrito no corpo das presentes alegações (Gravação de 06.10.2021 a partir de m04:36, a partir de m10:30 e a partir de m14:28).
V. Também o Recorrente em sede de declarações de parte deu alguns exemplos ilustrativos do estado de saúde do pai nos últimos anos da sua vida (Gravação de 06.10.2021 a partir de m18:09, conforme já transcrito no corpo das presentes alegações).
W. A semelhantes conclusões se chega pela análise dos documentos juntos pelo Recorrente aos autos, nomeadamente com a petição inicial e com o requerimento de 12.01.2021 e, bem assim, pelo documento n.º 1 que ora se junta.
X. Todos estes meios de prova permitiram demonstrar que, fruto da deterioração cognitiva associada à doença, à data da suposta elaboração do testamento, G. G. se encontrava acamado e totalmente incapacitado mentalmente e dependente de terceiros, inexistindo qualquer dúvida de que não poderia o mesmo ter nessa ocasião decidido elaborar um testamento.
Y. A propósito da relevância dada pelo Tribunal a quo à viagem a Cuba em 2003, também a testemunha A. I. explicou com precisão as exactas circunstâncias dessa viagem (porque nela participou), as quais, ao contrário do que concluiu o Tribunal, corroboram a versão dos factos trazida a estes autos pelo Recorrente (Gravação de 06.10.2021 a partir de m07:09 conforme já transcrito no corpo das presentes alegações).
Z. As circunstâncias da viagem para Cuba foram também explicadas pelo Recorrente em sede de declarações de parte, designadamente quanto ao facto de, não obstante o estado de saúde mental do pai, ter autorizado as filhas a acompanhar os avós na viagem (Gravação de 06.10.2021 a partir de m38:20 conforme já transcrito no corpo das presentes alegações).
AA. Em suma, as comprovadas circunstâncias em que tiveram lugar as férias para Cuba em 2003 não poderiam ter levado o Tribunal a concluir no sentido em que concluiu ao dar os supramencionados factos como não provados, pois que foi rigorosa e detalhadamente explicado, em especial por uma das intervenientes dessa viagem, o estado de saúde em que o avô se encontrava nessa ocasião, designadamente as manifestações – ainda que à data moderadas – da demência progressiva que o afectava.
BB. De forma semelhante, aquilo que resultou dos depoimentos das testemunhas quanto às circunstâncias da ocorrência do acidente que, em 2003, vitimou o testador e às sequelas dele resultantes impunham conclusão totalmente oposta à retirada pelo Tribunal a quo no sentido de que o testador estaria então capaz de conduzir.
CC. Foi possível apurar, com base nos depoimentos das testemunhas ouvidas, que, aquando da ocorrência do referido acidente, G. G. já não costumava conduzir e que se tratou de uma situação isolada, e como foi explicado pelas testemunhas, o facto de o testador ter tido aquele acidente naquele dia demonstra isso mesmo: a única (ou uma das únicas vezes) em que o mesmo conduziu, quase de imediato embateu de frente numa árvore e num muro, o que é também indiciador do estado de saúde em que o mesmo se encontrava à data.
DD. Tal foi desde logo referido pelo Recorrente em sede de declarações de parte no dia 06.10.2021 (Gravação a partir do m16:05 conforme já transcrito no corpo das presentes alegações).
EE. Também o depoimento da testemunha G. A. na audiência de 06.10.2021 é relevante a este respeito (Gravação a partir do m07:09); assim como o depoimento da testemunha A. F. dessa mesma data (Gravação a partir do m05:50), conforme já transcritos no corpo das presentes alegações.
FF. Em suma, do facto de G. G. ter sofrido o referido acidente de viação em causa não se retira que o mesmo estava apto a conduzir, mas precisamente o inverso, atentas as circunstâncias da ocorrência do acidente, o que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não alcançou.
GG. Por outro lado, foi também demonstrado nos presentes autos o impacto que esse acidente teve ao nível da saúde física e mental de G. G. e o contributo para o acelerar da deterioração cognitiva do mesmo, o que resultou desde logo do documento n.º 1-A junto com o requerimento de 12.01.2021, mas também dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, que foram unânimes nos relatos efectuados acerca do acidente do testador e do longo período de convalescença a que obrigou.
HH. Particularmente esclarecedor a este respeito foi o depoimento de A. I. em 06.10.2021 (Gravação a partir de m17:00, conforme já transcrito no corpo das presentes alegações).
II. Também a testemunha V. M. se pronunciou a esse respeito (Gravação a partir do m14:28) e, bem assim, o próprio Recorrente em sede de declarações de parte de 06.10.2021 (Gravação a partir de m19:18), conforme já transcritos no corpo das presentes alegações.
JJ. Ademais, tão pouco as circunstâncias tomadas em consideração pelo Tribunal recorrido quanto ao facto de o testador ter alegadamente encerrado contas bancárias em 2006 em instituições bancárias espanholas, ter assumido a presidência do Conselho de Administração da SIP, proposto novos membros para o Conselho de Administração, e vendido um imóvel em Maio de 2007, têm a relevância que o Tribunal considerou terem.
KK. Quanto ao alegado encerramento das ditas contas bancárias e à venda do imóvel desconhecem-se as circunstâncias exactas em que tal sucedeu, desconhecendo-se igualmente se, tendo porventura existido tais deslocações, quem terá acompanhado o testador nessas ocasiões para conseguir concretizar tais actos, nomeadamente o Recorrido ou um terceiro.
LL. E quanto às actas do Conselho de Administração da SIP juntas aos autos pelo Recorrido como documentos nºs 9 e 10 com a contestação, muito espanta ao Recorrente que o Tribunal tenha valorizado tais documentos como meio de prova e que tenha considerado que o facto de o testador ter assumido a presidência do Conselho de Administração da SIP e proposto novos membros para o Conselho de Administração indiciaria que o mesmo se encontrava mentalmente bem nessa ocasião.
MM. Com efeito, foi explicado, de forma totalmente rigorosa e credível a intenção da prática (meramente formal) de tais actos societários e a forma como, na prática, eram recolhidas as assinaturas para as respectivas actas (um mero pró-forma) sem que fossem, na realidade, realizadas quaisquer assembleias gerais, estando o Recorrente convicto de não ter deixado dúvidas a esse respeito ao Tribunal a quo (cfr. declarações do Recorrente no dia 06.10.2021, Gravação a partir do m29:05, conforme já transcrito no corpo das presentes alegações).
NN. E mais: não obstante o conteúdo das referidas actas, nenhuma delas se encontra assinada por G. G., o que evidencia que – mesmo para os efeitos supra descritos – nem a sua assinatura foi possível recolher, constituindo um indício do seu estado de saúde à data, o que, salvo o devido respeito, a apreciação perfunctória do mérito da causa levada a cabo pelo Tribunal a quo não permitiu discernir.
OO. Também os depoimentos de que o Tribunal a quo se socorre para fundamentar a sua decisão não contrariaram a tese de incapacidade alegada pelo Recorrente.
PP. Desde logo, aquilo que assim resultou do depoimento do Senhor Notário C. T., foi que, efectivamente, o mesmo, à data da feitura do testamento, não foi informado da doença de Alzheimer de que o testador padecia (e que o próprio Tribunal dá como provada nessa data), e que, inclusivamente, se tivesse obtido essa informação, não teria realizado o testamento, ou não o teria feito sem a presença de dois médicos – cfr. passagens do depoimento da referida testemunha no dia 06.10.2021 já acima transcritas (Gravação a partir do m14:44, a partir do m15:55).
QQ. O que significa que o próprio Senhor Notário reconheceu ter sido induzido em erro quanto ao real estado de saúde e capacidades de G. G. à data da realização do testamento, referindo convictamente que, caso tivesse conhecimento da doença, o testamento jamais poderia ter sido feito nos termos em que foi, tendo-se a referida testemunha, no demais, limitado a descrever aqueles que são os seus procedimentos habituais neste tipo de casos por não ter nenhuma recordação concreta do momento da feitura do testamento (o que de pouco releva para efeitos de prova neste caso).
RR. Note-se ademais que, tendo em conta o objecto do testamento, conforme explicado acima, é evidente que qualquer conversa entre o Senhor Notário e o Senhor G. G. no sentido de aferir a real vontade deste último sempre teria que ter passado por explicar que aquilo que estava a ser doado eram acções da SIP e que a referida sociedade integrava bens próprios do próprio Recorrente (o que a testemunha garantiu não ter feito, até porque desconhece a mencionada sociedade).
SS. Pelo que não se percebe como pode o Tribunal ter concluído que o depoimento da testemunha C. T. contrariou a tese de incapacidade alegada pelo Recorrente, quando tudo o que do seu depoimento resultou foi (i) não só que o mesmo ignorava o estado de saúde incapacitante em que o testador se encontrava - e que caso contrário o testamento não teria sido realizado (ou, pelo menos, não nos termos em que foi) -(ii) mas também um relato genérico / abstracto do modo como o referido Senhor Notário conduz habitualmente a feitura de testamentos.
TT. Acabando, no entanto, por dele ser possível extrair que não foi efectivamente explicado ao testador aquilo que, concretamente, estava a doar por testamento e que, portanto, ao contrário do que concluiu a sentença recorrida, o Senhor Notário não estava “absolutamente certo da livre vontade do testador”.
UU. Também do depoimento da testemunha H. C. não resultou aquilo que o Tribunal dele extraiu no sentido de ter, alegadamente, contrariado a tese da incapacidade do testador; apenas se extraiu que (i) realizou o testamento a pedido do Dr. L. L., (ii) que a sua convicção era a de que nunca lhe seria pedido por este último que fizesse um testamento que não correspondesse à vontade do testador, (iii) tendo ainda discorrido acerca do método habitualmente seguido pelo Sr. Notário neste tipo de casos, confessando não se recordar do momento concreto nem do que porventura lhe pudesse ter sido dito pelo testador naquela ocasião.
VV. Acresce que, para fundar a sua convicção acerca do modo com o depoimento desta testemunha teria contrariado a tese do Autor, o Tribunal refere que “Muito embora não desenvolvesse a questão, por razões de sigilo profissional, o depoente recordava-se de que autor do testamento encarava aquele instrumento como uma forma de dar resposta a uma preocupação que tinha já há algum tempo”.
WW. Sucede que a testemunha nada concretizou a este respeito que pudesse servir como elemento de prova, tendo, inclusivamente, referido ter já efectuado um pedido de dispensa de sigilo profissional à Ordem dos Advogados para poder depor acerca do assunto em causa, pelo que, para a hipótese de o tribunal a quo pretender valorizar este segmento do depoimento da testemunha H. C. sempre se impunha, salvo o devido respeito, que tivesse aguardado pela resposta da Ordem dos Advogados ao pedido de dispensa de sigilo por forma a permitir à referida testemunha concretizar a informação transmitida.
XX. Além do mais, esta suposta motivação do testador – não minimamente concretizada – foi contrariada pelo depoimento de diversas testemunhas, que foram unânimes no sentido de que inexistiria qualquer motivação para G. G. outorgar o referido testamento, o qual lhes causava muita estranheza dada a relação do mesmo com os filhos e o facto de nunca o testador ter manifestado essa intenção – o que não foi minimamente valorado pelo Tribunal a quo.
YY. Isso resultou nomeadamente dos depoimentos, conforme acima transcritos, de 06.10.2021, prestados pelas testemunhas A. F. (Gravação a partir do m02:04), G. A. (Gravação a partir do m08:17) A. I. (Gravação a partir do m03:00 em diante) e V. M. (Gravação a partir do m09:54).
ZZ. Por sua vez, no que se refere aos depoimentos das testemunhas F. L., A. O. e J. P., salvo o devido respeito, é inconcebível como pode o Tribunal ter credibilizado e valorizado tais depoimentos e nos termos em que o fez, depoimentos visivelmente condicionados e surpreendentemente coincidentes - “ao milímetro” - com a tese propugnada pelo Réu nos autos, conforme supra demonstrado.
AAA. Por fim, ao contrário do que concluiu o Tribunal a quo, nada de relevante foi possível extrair do depoimento da testemunha M. R., desde logo porque, como o tribunal refere, a mesma apenas trabalhou na casa do testador até à ocorrência do acidente em 2003, não tendo nenhum contacto com o mesmo desde então que pudesse permitir atestar a evolução do seu estado de saúde até à data da elaboração do testamento.
BBB. Por fim, salvo o devido respeito, não se concebe a forma como o Tribunal recorrido valorizou o depoimento da testemunha G. J., cujo depoimento foi marcado não só por manifestações sentimentais manifestamente exacerbadas, como por testemunhos perfeitamente comprovadamente inverosímeis, o que, salvo o devido respeito, o Tribunal parece não ter alcançado.
CCC. Veja-se que, se, por um lado, a testemunha G. J. refere que o seu avô era seu confidente e amigo até ao fim da vida (melhores amigos, nas suas próprias palavras) e que o mesmo residia na casa dos seus pais, por outro, não só refere ignorar a doença de Alzheimer de que o mesmo padecia (e que o próprio Tribunal considerou provada), como assevera que o mesmo faleceu em perfeitas condições mentais (cfr. depoimento de 06.10.2021, Gravação a partir do m18:30), o que evidencia a total falta de credibilidade do seu depoimento e manifesta irrelevância para efeitos de prova.
DDD. Ficou assim evidenciado que, ao contrário do que concluiu o Tribunal a quo, a prova produzida no processo permitiu demonstrar a versão dos factos (aliás, a única) trazida a estes autos pelo Recorrente; em resumo que, aquando da outorga do testamento, o estado de saúde de G. G. encontrava-se de tal forma deteriorado ao nível das suas funções cognitivas e motoras, que era impossível que o mesmo pudesse ter tido o discernimento e a vontade de outorgar um qualquer testamento.
EEE. Por último, conjugando toda a prova produzida no processo, não se pode deixar de reiterar um conjunto de factos inequivocamente relevantes num exercício de concatenação de toda a prova, designadamente: a) o facto de o testamento não se encontrar assinado pelo testador; b) o facto de o testamento ter sido realizado na casa do beneficiário; c) o facto de a mulher do testador não se encontrar presente aquando da feitura do testamento; d) o facto de, aparentemente, a mulher do testador nem sequer ter tido alguma vez conhecimento da existência do testamento; e) o facto de – convenientemente – o testamento apenas ter sido revelado pelo Recorrido após a morte de ambos os pais e ter sido por este ocultado nos quase 10 anos que mediaram entre a morte do pai e a morte da mãe.
FFF. Enfim, conclui-se que os documentos carreados para os autos e, bem assim, os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de julgamento impunham uma decisão totalmente diversa quanto aos pontos a), b) e c) dos factos não provados, assim fazendo com que o Tribunal a quo tenha incorrido em manifesto erro de julgamento e impondo-se uma alteração à matéria de facto constante da sentença recorrida de tal modo que os mencionados pontos a), b) e c) sejam dados como provados.
GGG. Em matéria de Direito, o erro de julgamento de que padece a sentença recorrida em muito se ficou a dever à, também ela errónea, apreciação da matéria de facto por parte do Tribunal a quo já que os factos que, nos termos acima melhor descritos, se impõe que sejam dados como provados por este Tribunal superior demonstram ter efectivamente resultado provada uma situação de desvio da vontade do testador, constituindo uma evidência que o mesmo não estava capaz de testar em Março de 2008.
HHH. Sucede que o Tribunal a quo limitou-se a citar o artigo 2199.º e o artigo 257.º do Código Civil para concluir simplesmente, mais uma vez de forma meramente perfunctória, pela não verificação de qualquer situação de desvio da vontade, abstendo-se de tecer quaisquer considerações acerca do regime específico da anulabilidade do testamento e de transpor, de forma cuidada, um tal regime para o caso concreto dos autos.
III. Desde logo, contrariamente ao que parece entender o Tribunal a quo quando cita indiferenciadamente o artigo 257.º e o artigo 2199.º do Código Civil, o facto é que estão em causa regimes que não se confundem porquanto estão sujeitos a requisitos distintos; a incapacidade testamentária prevista no artigo 2199.º do Código Civil não se confunde com a incapacidade acidental prevista no artigo 257.º desse mesmo diploma.
JJJ. Ora, no caso a incapacidade testamentária de G. G. é evidenciada pela factualidade que efectivamente resultou provada, mas igualmente pelo impacto, comprovado cientificamente e que é do conhecimento geral, que a doença de Alzheimer tem ao nível das capacidades de percepção, compreensão, discernimento e entendimento dos doentes que dela padecem e da susceptibilidade de comprometer totalmente qualquer acto de vontade que pretendam levar a cabo.
KKK. E mais, ainda que o início da doença se se situasse apenas em 2005 como concluiu – erroneamente como se demonstrou – o Tribunal a quo, no que não se concede e por mera hipótese de raciocínio se admite, o próprio Tribunal reconhece então que, à data da feitura do testamento, esse diagnóstico já existia há três anos, o sempre evidencia o erro de julgamento em que a sentença incorreu.
LLL. Com efeito, tendo o Tribunal a quo dado como provado que G. G. padecia da doença de Alzheimer com anterioridade à outorga do testamento, constitui entendimento uniforme da jurisprudência que se presume que, na data do testamento, esse estado de incapacidade se mantinha sem interrupção, sendo, por isso, o testamento necessariamente anulável nos termos do artigo 2199.º do Código Civil.
MMM. Como ficou demonstrado supra, é próprio do quadro clínico – crónico e irreversível – associado à doença de Alzheimer, que as incapacidades não só se mantenham, mas que evoluam contínua e progressivamente, o que explica que, uma vez provada a doença, não se exija aos interessados na anulação do testamento a prova de que o estado de incapacidade se mantinha no concreto momento da feitura do testamento: presume-se naturalmente que sim, pelo que é sobre quem pretende manter os efeitos do testamento que recai o ónus de demonstrar a existência de uma janela de lucidez.
NNN. Ora, na sentença recorrida, o Tribunal ignorou a jurisprudência firmada a este respeito: não obstante tenha dado como provado que o testador padecia da doença de Alzheimer com anterioridade em relação à ocasião da elaboração do testamento, fez recair sobre o Recorrente o ónus da prova (diabólica) de que no momento da feitura do testamento, se verificava concretamente esse o estado de incapacidade, ao invés de concluir que, tendo o Autor feito prova da doença incapacitante de que padecia G. G., o Réu não logrou fazer prova – como constituía seu ónus – da verificação de uma janela de lucidez.
OOO. Mais: o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, limitou-se a fazer uma apreciação apressada e pela rama do mérito da presente acção, não só fazendo recair sobre o Recorrido a incumbência de fazer prova da efectiva capacidade do testador à data do testamento, como não se apercebendo de que a forma como o Recorrido extremou a sua posição (defendendo que o pai não padecia de Alzheimer) tornou a sua tese evidentemente inverosímil.

O recorrido contra-alegou, requerendo de forma subsidiária, isto é, para o caso de o recurso vir a merecer provimento, ao abrigo do preceituado no art. 636º do Código de Processo Civil, a ampliação do objecto do recurso. Termina as suas alegações com as seguintes conclusões:

1- O A. insurge-se quanto aos factos dados como provados sob o ponto 3) e sob a alínea d) dos factos não provados, pugnando pela sua alteração, mas sem razão.
2- Para demonstrar o erro de julgamento, o R./Recorrente pretende socorrer-se de um documento que juntaram agora com as suas alegações, alegadamente por ter havido uma decisão surpresa, tendo em consideração o despacho proferido pela Mma Juiz a quo, em 18/5/2021, na fixação do objecto do litígio e do (único) tema de prova deu como “assente que o testador padecia de Alzheimer desde 1995”.
3- A fixação dos temas de prova não tem por finalidade dar como assentes quaisquer factos; ao invés, tem como função delimitar a instrução do processo e a produção de prova ou, dito de outra forma, os temas de prova contêm a matéria fáctica a provar em sede de julgamento e não os factos que já se encontram provados.
4- O (único) tema de prova constante daquele despacho corresponde exactamente aos factos que consubstanciam a causa de pedir alegada pelo A./Recorrente; este alegou que o testador não se encontrava livre e capaz de autodeterminar a sua vontade por sofrer de doença de Alzheimer desde 1995.
5- Ora, feita a produção de prova, a Mma Juiz a quo deu como provado que tal doença apenas tinha sido diagnosticada em 2005, pelo que não se percebe onde está a decisão surpresa que alegadamente constitui o fundamento para a junção tardia do documento em causa.
6- A junção de tal documento contraria o preceituado no artº 651º, nº 1 do CPC, pelo que não deve ser admitido, conforme defende, aliás, António Santos Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, pág. 229.
7- De qualquer forma, tal documento é falso e não está sequer assinado por quem quer que seja, pelo que se impugna expressamente a sua autenticidade e genuinidade.
8- A impugnação da matéria constante do ponto 3) dos factos provados e da alínea d) dos factos não provados alicerça-se no depoimento das testemunhas A. I. e de V. M., que não é de molde a infirmar o que ali foi provado.
9- Das 13 testemunhas que prestaram depoimento em sede de audiência de julgamento, o A. conseguiu descobrir duas, repita-se, duas, que confirmam a sua tese.
10- Uma delas é filha do próprio A. -A. I.- que, em 1995, teria 6 anos, pelo que é preciso muita coragem para se alegar que tal “testemunha situou com precisão a data do surgimento da doença”.
11- É a mesma testemunha que conseguiu afirmar, sem esboçar qualquer sorriso, que fez uma viagem a Cuba com o avô (testador) em 2003, “e que, apesar de ter apenas 13 ou 14 anos, era a própria quem, juntamente com o primo, da mesma idade, ajudava os avós e os irmãos mais novos, porque o avô já se desorientava muito”- cfr. douta sentença recorrida.
12- As regras da experiência dizem-nos que tais factos são completamente inverosímeis, sendo certo que aquela testemunha demonstrou ter interesse na presente causa e um ressentimento relativamente ao R.- cfr. gravação de 6/10/2021, ficheiro m.12,37 transcrita no corpo destas alegações):
13- A outra das duas testemunhas -V. M.- não é de molde a confirmar a tese defendida pelo A., sendo certo que manifestou ter incompatibilidades com o R., resultantes do facto de ser arrendatário de um dos prédios da herança, sendo certo que na própria audiência de discussão e julgamento quis tirar satisfações com o próprio R.- cfr. gravação de 6/10/2021, Ficheiro: min. 15,30 já transcrito no corpo das presentes alegações;
14- Ao invés, os documentos juntos aos autos, designadamente o conteúdo do relatório de urgência que constitui o docº nº 6 junto com a inicial, os documentos 4 a 11 juntos com a contestação e o depoimento das testemunhas G. J., na audiência de 06-10-2021, Ficheiro: a partir do m. 06,07, m.13,44, m.20,42, m.36,16), J. P. na audiência 06-10-2021, ficheiro:, a partir do m.02,26, m.08,02, Dr. C. R., na Audiência 06-10-2021, Ficheiro: a partir do m.01.57), Dr. H. C., na audiência de 06-10-2021 Ficheiro:, a partir do m.12,16, m.21,44, m.26,02, m.36,00, m.40,51, M. R., na audiência de 20-10-2021, Ficheiro: a partir do m.06,39, A. O., na audiência de 06-10-2021, Ficheiro: a partir m.06,39, F. L., na audiência de 06-10-2021, Ficheiro: a partir do m.7,24 e do m.9,19, nas passagens todas transcritas no corpo destas alegações, infirmam as conclusões do A/Recorrente na pretendida alteração da matéria do ponto 3) dos factos provados e al) d) dos factos não provados.
15- Uma pessoa com a doença de Alzheimer pode viver, em média, sete anos, sendo certo que na tese do A/Recorrente, desde o alegado diagnóstico da doença (1995) até à morte do testador terão decorrido 15 anos, isto é o dobro da média.
16- Na tese do A/Recorrente o testador, sofrendo alegadamente da doença há mais de dez anos, ainda teve capacidade para levar os netos para férias noutro continente (Cuba), para proceder a levantamentos de dinheiro e cancelamentos de contas bancárias em Espanha, para intervir em assembleias gerais de sociedades comerciais, para ser eleito Presidente do conselho de administração numa dessas sociedades, para outorgar escrituras de compra e venda, em cartório afastado do seu concelho de residência, factos que estão comprovados documentalmente nos autos.
17- Improcede, assim, a pretendida alteração da matéria de facto dada como não provada- alínea d) e a pretendida alteração da redacção a dar ao ponto 3) dos factos provados.
18- O A Recorrente insurge-se igualmente contra a matéria constante das alíneas a), b) e c) dos factos não provados que, segundo ele, deveriam ter sido dados como provados, mas também sem razão.
19- O A. alicerça a sua pretensão no depoimento de uma única das 13 testemunhas que foram ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, sendo ela A. I., filha do A., pois claro.
20- O depoimento desta testemunha foi, desde logo, infirmado pelo depoimento da testemunha G. J., na audiência de 06-10-2021, Ficheiro: min. 13,44 e min. 36,16, já transcrito no corpo das alegações, cuja versão dos factos é a única que se manifesta consentânea com as regras da experiência e da normalidade.
21- As circunstâncias em que se verificou o acidente sofrido pelo testador nada têm a ver com a incapacidade do testador para conduzir alegada pelo A/Recorrente, sendo certo que este, para fundamentar a sua alegação, socorre-se das declarações, pasme-se …dele próprio.
22- O certo, porém, é que o próprio A. confessa que o testador conduzia habitualmente á data da verificação do acidente, conforme resulta das suas declarações na gravação de 06.10.2021, ficheiro min. 18,10, já transcrito no corpo destas alegações.
23- A conclusão do A. relativa a esta matéria - condução do veículo automóvel- foi infirmada ainda pelo depoimento da testemunha J. P. na audiência 06-10-2021, ficheiro: min. 02,26 já transcrito no corpo destas alegações.
24- Os documentos 6 a 11 juntos com a contestação comprovam que o testador procedeu, em 2006, ao encerramento de contas bancárias em Instituições Bancárias espanholas, que assumiu a Presidência da Sociedade Imobiliária dos X, SA, que propôs os novos membros do conselho de administração daquela sociedade e que procedeu à venda um imóvel em Maio de 2007, têm objectivamente a relevância que lhe foi atribuída pela Mma Juíza a quo, pelo que não podia deixar de se dar como não provada a matéria fáctica constantes das alíneas a), b) e c) dos factos não provados.
25- Nenhum desses documentos que corporizam os factos vindos de descrever foi impugnado pelo A., pelo que os mesmos fazem prova dos factos deles constantes.
26- As deslocações feitas a Espanha resultam ainda do depoimento de J. P. na audiência 06-10-2021, ficheiro: min.03,59, já transcrito no corpo destas alegações.
27- As deliberações constantes das actas juntas aos autos- docºs nºs 9 e 10 juntos com a contestação, não constituíram meras formalidades, sendo certo que para prova da sua alegação o A. baseia-se unicamente nas suas declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento.
28- Tais actas jamais foram impugnadas pelo A. e o que delas resulta é que o testador foi nomeado presidente do Conselho de Administração da sociedade, sociedade esta que se vincula perante terceiros com a assinatura daquele Presidente e de um outro Administrador- cfr. certidão cuja chave de acesso consta do artº 18º da inicial.
29- Ora, sendo necessária e imprescindível a assinatura do Presidente do Conselho de Administração para vincular a sociedade, ao nomear para tal cargo uma pessoa alegadamente incapaz para o fazer, estar-se-ia automaticamente a paralisar a actividade dessa mesma sociedade.
30- O presidente do Conselho de Administração- o testador- não poderia, naquela data de 3 de Novembro de 2006, deixar de estar na posse de todas as suas capacidades mentais, necessárias para manter a actividade empresarial da sociedade em questão.
31- A acta da assembleia geral da Sociedade Imobiliária dos X, SA, de 3 de Novembro de 2008- docº nº 10 junto com a contestação-, isto é, oito meses após a elaboração do testamento, o testador fez uma proposta para a nomeação dos órgãos sociais da referida Sociedade.
32- Este documento não foi impugnado pelo A/Recorrente, pelo que nos termos do artº 63º do Código das Sociedades Comerciais as deliberações tomadas naquela assembleia se consideram provadas.
33- Em 15 de Maio de 2007, o testador deslocou-se ao Cartório Notarial de … a fim de proceder, juntamente com a sua mulher, à venda de um imóvel que pertencia ao casal, sendo certo que procedeu à assinatura da respectiva escritura depois desta ter sido lida “e explicado o seu conteúdo”.
34- Por sua vez, do docº nº 6 junto pode ver-se a mulher do A. – P. F., que tanto se esforçou em arranjar documentos que confirmassem a tese por ele propugnada (cfr. docº nº 1 e 1-A junto com o requerimento que deu entrada em juízo em 12 de Janeiro de 2021)-, juntamente com o testador no momento do episódio de urgência em causa, tendo por esta sido referido naquele momento, isto é, em Fevereiro de 2008, que “até há cerca de 6 meses o doente seria autónomo e caminhava sem ajuda, altura em que começou a ficar mais desorientado e mais “caído”.
35- Desse documento resulta que o testador, até Agosto de 2007, seria completamente autónomo, facto que infirma as declarações prestadas pelo A./Recorrente, que declarou que o testador estava acamado desde 2006, e pela filha deste, a testemunha A. I., que declarou igualmente que o seu avô, testador, antes de 2007 “já tinha períodos de estar acamado” e que antes de acamar “já tinha uma marcha de pequenos passos, um tremor, rigidez, muito marcado, já com alguma dependência”.
36- Todos estes documentos vindos de referir comprovam à exaustão que o estado de saúde do testador, aquando da outorga do testamento, lhe permitia discernir de forma a entender o sentido da sua declaração, encontrando-se livre e capaz de se autodeterminar de acordo com a sua vontade, infirmando, assim, as conclusões do A/Recorrente no que concerne à matéria das alíneas a) b) e c) dos factos não provados.
37- O mesmo resulta de toda a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente do depoimento do Notário, Dr. C. R., prestado na Audiência 06-10-2021, já transcrito no corpo das alegações;
38- Do depoimento da testemunha Dr. H. C., na audiência de 06-10-2021, já transcrito no corpo destas alegações, testemunha esta que interveio como testemunha no testamento que se pretende anular.
39- De depoimento da testemunha M. R., na audiência de 20-10-2021, já transcrito no corpo das alegações;
40- Do depoimento da testemunha A. O., na audiência de 06-10-2021, já transcrito no corpo destas alegações;
41- Do depoimento da testemunha F. L., na audiência de 06-10-2021, já transcrito no corpo destas alegações;
42. Do depoimento da testemunha J. P., na audiência de 06-10-2021, já transcrito no corpo destas alegações;
43- Do depoimento de G. J., na audiência de 06-10-2021, já transcrito no corpo destas alegações.
44- O depoimento de todas estas testemunhas, conectados com os documentos a que acima se fez referência, demonstra à saciedade que não foi feita qualquer prova no sentido de provar que o testador, à data da prática do acto, não tinha capacidade de querer e entender e que não pudesse autodeterminar-se de acordo com a sua vontade, pelo que bem andou a Mma Juíza a quo ao dar como não provada a matéria fáctica constante das alíneas a), b) e c) dos factos não provados.
45- Embora não seja relevante para a decisão, a motivação para a outorga do testamento nos termos em que foi feito resulta dos documentos juntos aos autos, em 25 de Janeiro de 2021- Refª 37820631-, bem como do depoimento das testemunhas F. L. na audiência de 06-10-2021, e da testemunha J. P., na audiência de 06-10-2021, ambos já transcritos no corpo destas alegações.
46- A discordância do A/Recorrente no que concerne à matéria jurídica da causa, sem que tenham expressamente referido nas suas alegações quais as normas jurídicas violadas, reside na não utilização, por parte da Mma Juíza a quo, da presunção legal que resultaria do facto de encontrar provado que tinha sido diagnosticada ao testador, em 2005, a doença de Alzheimer, pelo que incumbia ao R. provar, mediante a inversão do ónus de prova, a plena capacidade do testador para a prática do acto.
47- Há vários estádios na doença de Alzheimer- inicial, intermédio e avançado- sendo certo que dos autos não consta qualquer indicação acerca do estádio da doença em que o testador de encontrava, nem foram alegados, e muito menos provados, quais os factos em que se manifestava tal doença.
48- Para ser admitida a presunção judicial em causa, torna-se igualmente necessário provar o concreto quadro clínico/médico do testador, conforme resulta da jurisprudência citada pelo A/Recorrente nas suas alegações.
50- Na verdade, num dos Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães faz-se referência ao facto de o testador “estar totalmente dependente de terceiros”.
49- E no outro desses Arestos, foram dados como provados todos os factos em que se consubstanciava a incapacidade do testador, designadamente que o testador deixou de ter força física para se locomover pelos seus próprios meios, deixou de conseguir formar palavras de forma coerente, carecendo da ajuda de terceiros para comer e ingerir bebidas, deixou de conhecer as pessoas, designadamente, os filhos, e os demais actos lá devidamente discriminados.
50- Aqui sim, poder-se-ia justificar que sobre o R. incidisse o ónus de prova de que, no momento da outorga do testamento, houve uma “janela de lucidez”, sendo certo que nos presentes autos nada disso acontece.
51- Na verdade, foi alegado pelo A/Recorrente que o testador tinha falhas de memória e dificuldades de realização das actividades do dia-a-dia, que não reconhecia as pessoas que lhe eram próximas, não se recordava de acontecimentos importantes da sua vida, bem como de acontecimentos recentes do dia-a-dia, esquecia-se de fazer face às suas necessidades básicas, tais como comer ou outras, tinha um discurso incoerente e muito confuso, dificuldade de raciocínio, dizia coisas sem lógica, fora do contexto, trocava nomes de pessoas, coisas, datas, acontecimentos, esquecendo-se do que ia dizer a seguir e aparentando muitas vezes ficar a olhar para o vazio e NENHUM DESTES FACTOS FOI DADO COMO PROVADO.
52- Pelo contrário, a fundamentação à decisão da matéria de facto é muito clara no sentido de que o testador tinha plena capacidade de querer e entender e autodeterminar a sua vontade, pelo que a inversão do ónus de prova pretendida pelo A/Recorrente não tem, assim, aplicação no caso sub judice.
53- Não havendo inversão do ónus da prova, cabia ao A. provar a incapacidade do testador, conforme é defendido no Ac. do STJ de 19 de Janeiro de 2016, in Col. STJ. Ano XXIV, Tomo I, pág. 325.
54- Por outro lado, a pretendida inversão do ónus de prova esbarra com uma impossibilidade legal. É que a aquela inversão parte de uma presunção judicial a que a jurisprudência se socorre: Se o testador sofre de uma doença, designadamente doença de Alzheimer, presume-se que na data da outorga do testamento aquele estado se mantém sem interrupção.
55- Sucede, porém, que no caso sub judice, foram dados como não provados os factos constantes das alíneas a), b) e c), pelo que tal presunção não pode relevar.
56- Ora, a não prova dos factos constantes daquelas alíneas, conforme refere o recentíssimo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 2021, em WWW.DGSI.PT, transcrito no corpo destas alegações, impossibilita o recurso à presunção a que alude o A/Recorrente: “A não prova de tais factos colide directamente com a prova por presunção judicial, a qual, nestas circunstâncias, não pode ser admitida.
57- Foi exactamente o que resultou nos presentes autos pois, apesar de se ter dado como provado que o testador sofria da doença de Alzheimer desde Setembro de 2005, o certo é que foi dado como não provado que o testador estivesse incapacitado de querer e entender no momento da prática do acto, pelo que a presunção não pode ser admitida.
58- Bem andou, assim, Mma Juíza a quo, atenta a matéria dada como não provada, em não admitir a presunção que o A. pretende seja usada.
59- Caso procedam as conclusões do A/Recorrente -o que apenas para efeitos de mero raciocínio se concede-, designadamente no que concerne à utilização da presunção decorrente de ter sido diagnosticada ao testador a doença de Alzheimer em Setembro de 2005 e que, por essa razão, incumbiria ao R./Recorrido provar a “Janela de lucidez”, o R/Recorrido, ao abrigo do preceituado no artº 636º do Código de Processo Civil, requerer a ampliação do objecto do recurso.
60- O R./Recorrido, não se conforma, pois, por erro de julgamento, com a matéria fáctica dada como provada naquele ponto 3) dos factos provados pelo que, subsidiariamente, impugna, por erro de julgamento, a decisão que foi dada a esta matéria e ao facto de não ter sido dado como provado de que o testador estava, no momento da prática do acto tinha plena capacidade de querer e entender o sentido da declaração que nele ficou plasmada.
61- A prova do diagnóstico da doença de Alzheimer de que padeceria o testador desde 2005 baseou-se do relatório de urgência de fls. 19 vº, datado de 17/2/2008 e da informação do serviço de neurologia junta a fls 89 v e 90, datada de 28 de Setembro de 2005.
62- Da alegada informação do “serviço de neurologia”- JÁ AGORA DE QUE UNIDADE HOSPITALAR???????,- que não se encontra sequer assinada, JAMAIS consta qualquer referência à doença de Alzheimer e apenas refere uma “alteración cognitiva global de grado ligero”.
63- Como refere o Neurologista José Barros, in Visão Saúde, de 03-04-2021 o défice cognitivo ligeiro que vem referido naquele documento traduz-se apenas numa “perturbação isolada de memória”, sendo certo que tais perturbações de memória são insuficientes para afirmar um diagnóstico de demência, mormente da doença de Alzheimer.
64- Desse documento consta expressamente que o testador “apresenta nível de consciência normal, orientado em espacio e tempo”.
65- Por outro lado, contrariamente ao que é referido na douta sentença recorrida, desse documento NÃO CONSTA EM LADO ALGUM que o “testador estava medicado com Ebixa e Aricept”.
66- A referência a estes dois medicamentos é feita, ao invés, numa folha avulsa, sem qualquer assinatura, elaborada sabe-se lá por quem, e está datada de 25 de Abril de 2006 !!!!!!!.
67- De qualquer forma, tais medicamentos destinam-se “primariamente” à doença de Alzheimer, o que não significa que se destinem exclusivamente a doentes com a doença em causa.
68- Por sua vez, o relatório de urgência de fls 19 resultou de informações verbais que foram dadas pela “família”, in casu, pela mulher o A. que aparece na fotografia do relatório em causa e as informações dele constantes não foram comprovadas por qualquer médico do serviço onde o testador foi observado.
69- Conforme resulta, e bem, da douta sentença recorrida, “o diagnóstico de uma doença não prescinde do decreto médico” (sublinhado e negrito nosso), sendo certo que, in casu, tal decreto/atestado médico não existe, pelo que a Mma juíza deveria ter tirado as consequentes ilações da inexistência desse atestado.
70- Dos autos não consta qualquer elemento objectivo, qualquer exame, qualquer atestado médico, donde resulte o diagnóstico da doença de Alzheimer, pelo que mal andou a Mma. Juíza a quo ao dar como provada a matéria constante do ponto 3) dos factos provados, pelo que matéria deve ser dada como não provada.
71- De todo o circunstancialismo constante dos autos, resulta que foi feita prova de que o testador, à data da outorga do testamento, tinha plena capacidade de querer e entender o sentido da declaração que nele ficou exarada.
72- Tal prova consubstancia-se nos documentos 7 a 11 juntos com a contestação, que comprovam que:
-O testador procedeu, em 2006, ao encerramento de contas bancárias em Instituições Bancárias espanholas;
-Em 2006, assumiu a Presidência da Sociedade Imobiliária dos X, SA;
-Em Novembro de 2008, já depois de outorgar o testamento em causa, participou numa assembleia geral daquela sociedade imobiliária;
-Em Maio de 2007, procedeu à venda de um imóvel.
73- E no depoimento do Notário que elaborou o testamento, Dr. C. R., prestado na Audiência 06-10-2021, já transcrito no corpo das presentes alegações, da testemunha Dr. H. C., na audiência de 06-10-2021 transcrito no corpo destas alegações e da testemunha Dra A. R., na audiência de 06-10-2021, igualmente já transcrito no corpo destas alegações.
74- A presença do Notário e das testemunhas vindas de referir, conforme é salientado por Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume VI, pág. 336: “E a simples presença do notário (aditada à das testemunhas que, segundo a lei notarial, devem presenciar o acto) é uma primeira e qualificada garantia de que o testador gozava ainda, no momento em que foi revelando a sua vontade, de um mínimo bastante de capacidade anímica para querer e entender o que afirmou ser sua vontade.”
75- Houve, assim, erro de julgamento ao não ser dada como provada tal matéria fáctica, na medida em que a Mma Juiza a quo não valorou, como devia, os elementos probatórios vindos de referir.
76- Assim, atendendo aos documentos referidos, bem como aos depoimentos das três testemunhas vindas de citar, deve ser dado como provado e, em consequência, acrescentado aos factos provados o seguinte: O testador, aquando da outorga do testamento, tinha plena capacidade para querer e entender o sentido da sua declaração e de discernir e de agir de acordo com a sua vontade.
Termos em que deve negar-se provimento ao recurso, mantendo-se, na íntegra, a douta sentença recorrida,
Ou, quando assim não se venha a entender deve, subsidiariamente, ampliar-se o objecto do recurso e, na procedência das questões abrangidas na ampliação, absolver-se o R/Recorrido do pedido formulado na acção

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber se:

a) ocorreu erro no julgamento da matéria de facto
b) ocorreu erro na aplicação do direito aos factos

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:
1) Autor e o réu são os únicos filhos de G. G. e de A. C..
2) G. G. e A. C. faleceram, respectivamente, nos dias - de Janeiro de 2010 e - de Novembro de 2018.
3) Em data não concretamente apurada, mas que se reporta, pelo menos, a Setembro de 2005, foi diagnosticada a doença de Alzheimer a G. G..
4) Em data não concretamente apurada mas não posterior a 17.02.2008, G. G. começou a ser medicado para a doença de Parkinson.
5) Em 06.03.2008, G. G., no estado de casado com A. C. no regime da comunhão geral, outorgou um testamento no qual declarou que «[l]ega ao seu filho J. C. (…) as acções ao portador que possui no capital social da sociedade comercial com a firma “Sociedade Imobiliária dos X, S.A. (…). Que o presente legado é efectuado por conta da quota disponível do testador e na parte em que a exceder por conta da legítima».
6) O testamento referido em 5) foi celebrado na casa do ora réu, onde o testador residiu em vários períodos de tempo, nos últimos anos de vida.
7) A sociedade Imobiliária dos X S.A. foi constituída em 1994.

Factos não provados
Com pertinência para o mérito da causa não se provaram os demais factos alegados, designadamente:
a) Que aquando da outorga do testamento, o estado de saúde do testador não lhe permitisse discernir de forma a entender o sentido da sua actuação e proceder de acordo com a sua vontade.
b) Que o testador não estivesse livre e capaz de se autodeterminar de acordo com a sua vontade quando outorgou o testamento referido em 5).
c) Que o testador tivesse quadros depressivos profundos e fosse facilmente manipulável.
d) Que a doença referida em 3) e o respectivo tratamento remontassem ao ano de 1995.

IV
Questão prévia

Nas alegações de recurso, o recorrente A. G. veio requerer a junção aos autos de um documento, invocando o disposto no art. 651º,1 CPC. Isto porque, afirma, “de forma expressa, o Tribunal a quo deu como assente que o testador padecia da doença de Alzheimer desde 1995, erigindo a tema da prova apenas a questão de saber se, não obstante aquela doença, estava ou não o testador capaz de se autodeterminar de acordo com a sua vontade na ocasião em que outorgou o testamento; nessa conformidade, estava o Recorrente convicto que a localização do início da doença em 1995 constituía facto assente para o Tribunal recorrido – porque assim foi pelo mesmo enunciado – e não sujeito ou necessitado de prova (ou pelo menos o Tribunal a isso induziu o Recorrente)”. Alega pois que a decisão do Tribunal a quo quanto à data de início da doença de Alzheimer do testador (2005), em contradição com o que havia deixado assente a esse respeito no tema da prova fixado no despacho de 18.05.2021 (1995), tornou necessária a junção de um meio de prova adicional a esse respeito.
E assim, pretende a admissão de um relatório médico elaborado pelo Dr. M. N., médico que, como resultou provado nos autos, acompanhava o Recorrente no tratamento da doença de Alzheimer -sendo também o autor dos documentos 1 e 1-A juntos com o requerimento de 12.01.2021 e que o Tribunal valorou para efeitos de prova (cfr. documento n.º 1 que se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
No exercício do contraditório, o recorrido veio opor-se a tal junção, alegando que “a fixação dos temas de prova não tem por finalidade dar como assentes quaisquer factos; ao invés, tem como função delimitar a instrução do processo e a produção de prova ou, dito de outra forma, os temas de prova contêm a matéria fáctica a provar em sede de julgamento e não os factos que já se encontram provados. Aliás, o (único) tema de prova constante daquele despacho corresponde exactamente aos factos que consubstanciam a causa de pedir alegada pelo A./Recorrente”. Não existe pois, segundo o recorrido, qualquer decisão surpresa que fundamente a junção tardia de documento. Cita António Santos Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, pág. 229: “A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitas a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”. Conclui assim que não é legalmente admissível a junção do documento em causa, por contrariar o referido art. 651º,1 do CPC.

Vejamos.

Dispõe o art. 651º CPC, sob a epígrafe “Junção de documentos e de pareceres”: 1. As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
A regra é pacífica: a junção de prova documental “deve ocorrer preferencialmente na 1ª instância, regime que se compreende na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica” (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, 2014, Almedina, p. 191).
Estatui o artigo 425º CPC que, depois “do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”, resultando do artigo 423º do mesmo diploma que os documentos deverão “ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes” (nº 1), ou “até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado” (nº 2), ou até ao encerramento da discussão, desse que a sua “apresentação não tenha sido possível ate aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior” (nº 3).
Assim, estando em plena instância de recurso, como acontece agora, em face do preceituado nos artigos 425º e 651º,1 CPC, a admissibilidade da junção de documentos com as alegações assume carácter excepcional e ocorre apenas em duas situações: a) se a junção do documento não foi possível até àquele momento, isto é, nos casos de impossibilidade objectiva ou subjectiva de junção anterior do documento ou b) se a junção do documento se tornou necessária em virtude do julgamento proferido pela 1ª Instância.
A junção de documento em fase de recurso com fundamento de que essa junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido pela 1ª Instância tem como pressuposto que essa decisão contenha elementos de novidade, isto é que tenha sido, de todo, surpreendente para o apresentante do documento, face ao que seria de esperar em face dos elementos do processo; é o que ocorre designadamente nos casos em que a decisão se baseou em meios de prova cuja junção foi oficiosamente determinada pelo tribunal, em momento processual em que já não era possível à parte carrear para os autos o documento, ou em que se fundou em preceito jurídico ou interpretação do mesmo, com a qual aquele não podia justificada e razoavelmente contar.

Veja-se a propósito o recente Acórdão desta Relação de 30/10/2019, proferido no P. nº 763/18.7T8GMR.G1 (Relatora- Raquel Baptista Tavares):
Relativamente à junção de documento em fase de recurso com fundamento de que essa junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido pela 1ª Instância tem a mesma como pressuposto que essa decisão contenha elementos de novidade, isto é que tenha sido, de todo, surpreendente para o apresentante do documento, face ao que seria de esperar em face dos elementos do processo; é o que ocorre designadamente nos casos em que a decisão se baseou em meios de prova cuja junção foi oficiosamente determinada pelo tribunal, em momento processual em que já não era possível à parte carrear para os autos o documento, ou em que se fundou em preceito jurídico ou interpretação do mesmo, com a qual aquele não podia justificada e razoavelmente contar”.
Assim, se o documento era necessário para fundamentar a acção ou a defesa antes de ser proferida a decisão da 1ª Instância e se esta se baseou nos meios de prova com que as partes razoavelmente podiam contar (depoimentos ou declarações de parte, declarações das testemunhas, documentos, prova pericial ou por inspecção judicial, arrolados e requeridos pelas partes ou oficiosamente determinadas pelo juiz, mas neste caso, em momento processual em que ainda era possível às partes juntar o documento) não se pode dizer que a junção aos autos do documento com as alegações ocorre em virtude do julgamento realizado pela 1ª Instância.
O argumento invocado pelo recorrente é o de que, de forma expressa, o Tribunal a quo deu como assente que o testador padecia da doença de Alzheimer desde 1995, erigindo a tema da prova apenas a questão de saber se, não obstante aquela doença, estava ou não o testador capaz de se autodeterminar de acordo com a sua vontade na ocasião em que outorgou o testamento.

Mas será assim ?

Vejamos o que ficou a constar do referido despacho saneador de 18.5.2021:

Assente que está que o autor e o réu são filhos e únicos herdeiros de G. G. e A. C., falecidos, respectivamente, nos dias 11 de Janeiro de 2010 e 20 de Novembro de 2018 (certidões de fls. 14 a 17), e que G. G., em 06.03.2008, outorgou um testamento no qual declarou legar ao ora réu as acções ao portador que possuía no capital social da sociedade comercial “Sociedade Imobiliária dos X, S.A.” (fls. 16 verso e 17), subsiste para discussão em julgamento um único tema da prova: sim ou não, o testador estava livre e capaz de se autodeterminar de acordo com a sua vontade quando outorgou o referido testamento, atenta a doença de Alzheimer de que padecia desde 1995, o acidente de viação que sofreu em 2003 e a doença de Parkinson que lhe foi diagnosticada posteriormente ao acidente”.

Ora, da leitura integral deste parágrafo, não cremos que assista razão ao recorrente. Este leu a parte relevante do despacho como querendo dizer que estava provado que o testador padecia da doença de Alzheimer desde 1995. Porém, se tivermos presente que o Julgador não poderia nunca nessa fase processual considerar que isso estava provado, pois tal facto foi directa e circunstanciadamente impugnado pelo réu na contestação (cfr. artigos 28º e seguintes de tal peça), teremos de concluir que a leitura mais óbvia, mais correcta e mais plausível de tal despacho é a de que o mesmo está a resumir numa só frase tudo o que vai ser objecto de prova nos autos: saber se, sim ou não, “o testador estava livre e capaz de se autodeterminar de acordo com a sua vontade quando outorgou o referido testamento, atenta a doença de Alzheimer de que padecia desde 1995, o acidente de viação que sofreu em 2003 e a doença de Parkinson que lhe foi diagnosticada posteriormente ao acidente”. Tudo o que consta da frase carece de ser demonstrado, logo irá ser objecto de prova. É para nós evidente que a M.ma Juíz a quo não quis dizer que estava provado que o testador sofria de Alzheimer desde 1995. Primeiro porque como acabámos de ver não o podia fazer. E depois porque, vendo bem, esse facto, se fosse dado como provado, praticamente decidia a acção.
Assim, não pode o recorrente invocar com sucesso qualquer elemento de surpresa na sentença recorrida, porque nunca o Tribunal a quo poderia considerar provado, “a meio do caminho”, esse elemento fundamental da causa de pedir. Nem o réu na acção o interpretou assim, pois se o tivesse feito teria vindo de imediato impugnar esse segmento do despacho saneador. Logo, o autor / recorrente sabia, e se não sabia tinha obrigação de saber, que ia ter de provar esse facto por si alegado.
Aliás, o mesmo disse, e bem, o Tribunal recorrido, no despacho de 7.3.2022, que admitiu o recurso.
Deve ser recusada a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado (neste sentido os Acórdãos do STJ de 27/06/2000, in CJ/STJ, ano VIII, tomo II, página 131 e de 18/02/2003, in CJ/STJ, ano XI, tomo I, página 103 e seguintes onde se afirma que “Não é lícito juntar, com as alegações de recurso de apelação, documento relativo a factos articulados e de que a parte podia dispor antes do encerramento da causa na 1.ª instância. Na verdade, o artigo 706.º do CPC (com a mesma redacção, no que a este particular interessa, do artigo 693.º-B actual), ao admitir a junção só tornada necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância, não abrange a hipótese da parte pretender juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância (Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, vol. IV, pág. 10; Antunes Varela, R.L.J. 115-94)”, os quais mantêm actualidade em face da redacção dos preceitos do actual Código de Processo Civil).
Assim, consideramos que não estão reunidos os requisitos exigidos por lei para ser junta prova documental com as alegações de recurso.
Donde, não se admite a respectiva junção, determinando-se seja o mesmo desentranhado e restituído, após trânsito em julgado deste acórdão.

Conhecendo do recurso.
Começa o recorrente por impugnar a decisão sobre matéria de facto.

Sendo manifesto que foram respeitados os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto, nos termos do art. 640º CPC, vamos de imediato apreciar o mérito do recurso.

1. O recorrente começa por impugnar o facto provado 3, cujo teor é:
Em data não concretamente apurada, mas que se reporta, pelo menos, a Setembro de 2005, foi diagnosticada a doença de Alzheimer a G. G.”.
E, ao mesmo tempo, impugna o facto não provado d): “que a doença referida em 3) e o respectivo tratamento remontassem ao ano de 1995”.
E o recorrente quer que o ponto d) dos factos não provados seja dado como provado e/ou que o ponto 3) dos factos provados passe a ter a seguinte redacção: “Em 1995 foi diagnosticada a doença de Alzheimer a G. G.”.

O art. 607º,4 CPC estabelece que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
E o nº 5 acrescenta que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
Em anotação a este artigo, escreve Lebre de Freitas (CPC anotado, 3ª edição): “o princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração (ver o nº 2 da anotação ao art. 604º): é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção de que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência aplicáveis”.
De seguida o mesmo autor faz uma breve nótula sobre a evolução histórica do princípio da livre apreciação.
Seguidamente acrescenta que estão sujeitas à livre apreciação do julgador a prova testemunhal (art. 396º CC), a prova por inspecção (art. 391º CC), a prova pericial (art. 389º CC), e a prova por declarações de parte (…)”.
Ora, quando temos duas versões totalmente díspares sobre a mesma realidade, por definição, sabemos que uma delas é falsa e alguém está a mentir. Quando assim é, a experiência judiciária demonstra-nos que primeiro devemos olhar para as declarações em confronto e tentar detectar se alguma merece mais credibilidade que a outra, pela forma como foi prestada, e pela sua coerência interna. Nessa tarefa, as Relações deparam-se com uma dificuldade suplementar, mas que é ultrapassável: é que “a gravação dos depoimentos por registo áudio ou por meio que permita a fixação da imagem (video) nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no Tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância. Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador” (1).
Ou seja, o registo audio da prova não permite captar na totalidade aquilo que a psicologia designa de “comunicação não-verbal”. E para um juiz que tem perante si dois relatos divergentes sobre os mesmos factos essenciais, essa comunicação não-verbal assume uma importância determinante na conclusão final sobre a veracidade dos depoimentos.
Assim, a priori, numa situação destas, um recurso da decisão sobre matéria de facto assente apenas no entendimento do recorrente, necessariamente divergente do entendimento do Tribunal, estará na esmagadora maioria dos casos votado ao fracasso.
Só assim não será se da análise da decisão e sua fundamentação se verificar a existência de algum erro manifesto, contradição, ou alguma incoerência ou implausibilidade, que coloque sérias dúvidas sobre a justeza da decisão, ou se for manifesto que, das duas versões testemunhais apresentadas perante o Tribunal, aquela na qual este se apoiou para julgar a matéria de facto for notoriamente menos credível que a outra, que o Tribunal a quo desvalorizou.
Tendo tudo isto presente, vejamos então a primeira discordância com a decisão.
Está em causa saber quando foi diagnosticada a doença de Alzheimer ao testador G. G..
E vamos desde já adiantar que não vemos qualquer erro na decisão. O Tribunal considerou que apenas podia situar esse diagnóstico em Setembro de 2005. O recorrente queria recuá-lo até 1995.
A primeira coisa a dizer, e a mais óbvia, é que a melhor maneira de ter a certeza sobre a data desse diagnóstico seria ter tido nos autos um relatório elaborado por um médico neurologista, que tivesse diagnosticado a G. J. essa doença, datado e assinado, e que o neurologista tivesse sido ouvido como testemunha na audiência de julgamento.
Não tivemos nada disso.
Assim, o que tivemos foi, nem mais nem menos, o que o Tribunal a quo explicou na motivação da decisão: prova indirecta, indiciária e circunstancial.
Escreve-se na sentença o seguinte: “quanto à incapacidade imputada ao testador, o relatório de urgência junto a fls. 19 verso, datado de 17.02.2008, refere, no item “queixa inicial”, que G. G. – que aí dera entrada na urgência em virtude de uma situação de dispneia - sofre de “demência de Alzheimer”, constando da “história da doença” que é seguido em consulta de neurologia em Espanha há vários anos. Quanto à medicação, diz-se aí que é medicado, entre outros, com Ebixa (que é um fármaco utilizado primariamente no tratamento da doença de Alzheimer, como se atesta in: www.infarmed.pt) e Aricept, que é um fármaco aprovado para o tratamento da doença de Alzheimer (in: www.infarmed.pt). Dessas referências e medicação, entendo que pode concluir-se, com alguma segurança, que em Fevereiro de 2008 a doença de Alzheimer estava diagnosticada. Já o momento a que se reporta esse diagnóstico é totalmente desconhecido, sendo que a data mais antiga que pode apontar-se é Setembro de 2005. De facto, a informação do serviço de neurologia junta a fls. 89 v. e 90, datada de 28 de Setembro 2005, refere que nessa altura havia uma alteração cognitiva global, mas de grau ligeiro, e que o testador estava medicado com Ebixa e Aricept. Considerando que, por um lado, esta declaração de 2005 é em língua espanhola e apresenta como declarante “Prof. Dr. M. N.”, por outro lado, no relatório de urgência de Fevereiro de 2008 refere-se que G. G. era seguido em consultas de neurologia, em Espanha, desde há vários anos, entendo que, apesar de a referida declaração não estar assinada, poderá concluir-se com segurança bastante pelo referido em 3). Não há, porém, quaisquer elementos objectivos –designadamente registos clínicos e relatórios médicos- que permitam reportar a doença a meses e anos anteriores, não tendo a prova testemunhal permitido chegar a conclusões sérias a tal propósito (sendo aliás de salientar que o diagnóstico de uma doença não prescinde do decreto médico) – al. d).
Do mesmo modo, para a gravidade e ritmo de evolução de tal doença, ou até mesmo para a verificação de um estado de parca lucidez, a prova produzida não foi de molde a afirmarem-se os factos que vieram a dar-se por não provados nas alíneas a) e b)”.
E, com efeito, a prova documental não nos traz mais do que isto.
E quanto à prova testemunhal, igualmente não vemos que se possa apontar qualquer erro ao raciocínio feito pelo tribunal recorrido, que analisou tal prova de acordo com a regra da livre apreciação.
Vejamos: “concretizando, apurou-se que em 2003 G. G. ainda conduzia, tendo intervindo num acidente de viação, sofrendo diversas fracturas e traumatismo craneoencefálico. Isso foi referido por todos os intervenientes que a propósito se pronunciaram, não havendo, neste ponto, controvérsia. Daqui resulta que, nesse ano, G. G. estava capaz de conduzir”.
Note-se, a este respeito, que deste episódio se retira que G. J., nessa altura se sentiu capaz de conduzir e quis conduzir. O acidente em si mesmo não nos diz muito, pois pode não ter nada a ver com a doença de Alzheimer, mas sim com a doença de Parkinson, que qualquer leigo sabe que afecta a forma como o doente se movimenta, traduzindo-se habitualmente em movimentação não voluntária dos membros (tremores), movimentos lentos e rigidez muscular.
Continuando: “antes do sinistro, no Verão de 2003, o testador e a mulher foram de férias para Cuba, levando os quatro netos, todos menores (sendo que os dois mais velhos tinham 14 anos). Como se referirá novamente mais adiante, não é crível que os pais das crianças, que são as partes nesta acção, deixassem os filhos fazer uma viagem intercontinental com os avós se um deles estivesse incapacitado, ficando o outro encarregue de tomar conta de quatro menores e um adulto. Particularmente quando esse outro tinha limitações auditivas severas, como sucedia com A. C., mulher do testador (conforme foi também referido por todos quantos a tal propósito se pronunciaram). Daqui se conclui que, nessa altura, o testador estava capaz de viajar e responsabilizar-se por quatro menores. Por outro lado, dos documentos juntos a fls. 67 verso a 74 resulta que foram praticados actos relevantes pelo testador nos anos de 2006, 2007 e 2008, contrariando a ideia de que estivesse num estado avançado de demência, tais como: encerramento das contas bancárias sedeadas em duas instituições bancárias espanholas (67 v. e 68); assunção de presidência do Conselho de Administração da Sociedade Imobiliária dos X, na sequência da renúncia dos filhos e por proposta do próprio (68 v., e 69); proposta, pelo próprio, de novos membros para o C.A., em Novembro de 2008 (69 v. e 70); venda de um imóvel em Maio de 2007 (fls. 71 a 74)”.
Também aqui acompanhamos na íntegra o julgamento feito pelo tribunal recorrido. É um exemplo paradigmático do que é a livre apreciação da prova. Trata-se de só atender àquilo que é dito pelas testemunhas depois de filtrar esses depoimentos por um crivo feito pelas regras da experiência, de bom senso e de normalidade da vida. Observe-se este episódio da viagem a Cuba: ficou provado sem margem para dúvidas que no Verão de 2003 o testador G. J. e a esposa foram de férias para Cuba, levando os quatro netos, todos menores (sendo que os dois mais velhos tinham 14 anos), e ficaram lá 15 dias. A conclusão retirada pelo tribunal recorrido é, com todo o respeito por opiniões contrárias, a única que um julgador pode retirar. Por muito que se queira dizer que era difícil contrariar o testador, não podemos aceitar como verosímil que dois pais e duas mães permitissem que os seus filhos menores (com 14 anos e menos) fossem duas semanas para Cuba com o avô, se soubessem que este já estava severamente diminuído pela doença de Alzheimer. E tanto quanto a prova nos mostrou, o facto é que os 4 menores foram, voltaram, e nada de mal lhes aconteceu, o que quanto a nós demonstra que G. J., nessa data, estava ainda totalmente capaz não só de gerir a sua pessoa como ainda de tomar conta de 4 netos com aquelas idades.
O recorrente faz assentar a sua tese de que em 1995 foi diagnosticada a doença ao testador, e logo, que na viagem a Cuba a doença em causa já levava 8 anos de desenvolvimento imparável, nas declarações do próprio autor e no depoimento da sua filha.
Esta última, a testemunha A. I., neta do testador, declarou que quando foram nessa viagem de 2003 a Cuba o avô já não estava bem, esquecia-se, baralhava-se, não se orientava bem como dinheiro. E o autor A. G. declarou, em síntese, que em 2003 o pai já sofria de Alzheimer, a mãe ouvia muito mal e tinha problemas psiquiátricos, e mesmo assim ele deixou que lhe levassem os seus dois filhos menores durante 15 dias numa viagem a Cuba. Explicou-se dizendo: “era muito difícil contrariar o meu pai”; “eu não podia coarctar a vontade do meu pai”.
Mas, acompanhando totalmente o tribunal recorrido, não podemos dar credibilidade a estas afirmações, por tudo quanto já ficou exposto. Mesmo sabendo que as regras da experiência e do senso comum também nos dizem que por vezes pessoas adultas têm muita dificuldade em contrariar os seus próprios progenitores, neste caso estamos perante alguém que, alegadamente já sofria há cerca de 7 anos os efeitos imparáveis da doença de Alzheimer, e o que estava em causa era confiar a segurança e mesmo a vida de 4 menores a um avô nessa situação. Pura e simplesmente, não podemos acreditar que adultos normais deixassem ir os seus filhos menores nessas circunstâncias. Finalmente, não podemos fechar os olhos a que tal descrição da realidade nos vem de duas pessoas (o autor e a sua filha) que dificilmente podem ser vistas como isentas neste litígio.
E podemos ainda mencionar que em sentido contrário se pronunciou G. J. (filho do réu e sobrinho do autor), o qual, sendo certo que também não pode em abstracto ser visto como mais isento, não obstante prestou um depoimento muito mais plausível e próximo do senso comum, dizendo que não notou qualquer diminuição das capacidades do seu avô nessa viagem.

Assim, sem necessidade de mais considerandos, não vemos qualquer erro de julgamento nesta matéria.

2. Seguidamente, pretende o recorrente que estes factos não provados:
“a) aquando da outorga do testamento, o estado de saúde do testador não lhe permitisse discernir de forma a entender o sentido da sua actuação e proceder de acordo com a sua vontade
b) o testador não estivesse livre e capaz de se autodeterminar de acordo com a sua vontade quando outorgou o testamento referido em 5)
c) o testador tivesse quadros depressivos profundos e fosse facilmente manipulável”
sejam dados como provados.

Mas sem razão.
Em primeiro lugar, estas 3 alíneas podem ser condensadas numa única proposição: que o testador G. J. não estivesse, na data do testamento, capaz de formar a sua vontade de forma livre e esclarecida e proceder de acordo com essa vontade.

Para poder afirmar tal coisa, seria necessário demonstrar uma de duas coisas:

a) que o testador estivesse no momento afectado por uma qualquer incapacidade acidental e transitória;
b) que o testador estivesse nessa altura já a sofrer as consequências de uma doença que lhe retirasse de forma prolongada essa capacidade de percepção, volição e discernimento.

O cenário da alínea a) não foi alegado, pelo que nem se coloca.
Resta-nos o cenário da alínea b).
Só que esse foi o que acabámos de analisar. A posição que o recorrente defende é a de que o seu pai sofria de Alzheimer já desde 1995, pelo que quando elaborou o seu testamento, em 6.3.2008, já a doença o tinha privado da capacidade de entendimento e de formar de forma livre e esclarecida a sua vontade.
O que se provou foi que efectivamente ao testador tinha sido diagnosticada a doença de Alzheimer, mas a data mais recuada que foi possível estabelecer para esse diagnóstico foi Setembro de 2005.
Assim, temos alguém a quem é diagnosticada a doença de Alzheimer em Setembro de 2005, e que em Abril de 2008 faz um testamento. E a questão que se coloca é a de saber se na data em que fez o testamento já a doença o tinha privado da capacidade de formar livre e esclarecidamente a sua vontade e de a manifestar perante terceiros.
A resposta a tal pergunta, não tendo sido possível recorrer a perícia médico-neurológica no momento do testamento, só pode emergir de prova circunstancial, ou seja, de prova que nos diga qual o comportamento do testador no momento em que expressou a sua vontade perante o Notário.
E aqui, voltamos mais uma vez a ter de dizer que concordamos na íntegra com tudo o que se escreveu na sentença recorrida. E quando a decisão recorrida está correcta, o Tribunal de recurso pouco tem a dizer ou acrescentar.

O tribunal recorrido fundamentou assim a decisão:

As testemunhas que estiveram presentes no momento da outorga do testamento foram credíveis nos seus depoimentos, tendo contrariado a tese da incapacidade alegada pelo autor.
Desde logo, o Sr. Notário, C. R., foi peremptório em afirmar que não hesitaria em recusar o testamento se não estivesse absolutamente certo da livre vontade do testador. É, de resto, essa a sua prática habitual: quando se lhe suscitam dúvidas quanto à capacidade do testador -designadamente se o mesmo padece de alguma doença que pode ser incapacitante-, faz-se acompanhar de médicos, recusando o acto se estes não atestarem a capacidade. Por vezes, mesmo conhecendo a capacidade do testador, visando acautelar impugnações futuras, designadamente se aquele for muito idoso, faz-se também acompanhar de médicos que atestam a capacidade para o acto.
Daí que, se previamente à celebração do testamento lhe tivesse sido comunicado que o testador padecia de Alzheimer (como se viu supra, em Setembro de 2005 já estaria medicado para a doença), só celebraria o testamento se médicos atestassem a capacidade.
Porém, uma vez que nada lhe foi referido nesse sentido, seguiu os procedimentos habituais, falando com o testador durante algum tempo, para perceber a sua vontade, só depois celebrando o acto.
Nessa conversa não se lhe suscitou qualquer dúvida, quer quanto à capacidade do testador, quer quanto à sua real vontade, pois, como se disse já, se tal dúvida tivesse, não celebraria o testamento.
Ora, estando em causa um notário, experiente e visivelmente preocupado em não desvirtuar a vontade dos testadores, não há razão alguma para duvidar de que manteve com o autor do testamento um tipo de conversa que lhe permitiu, por um lado, perceber se o mesmo estava capaz, por outro, se o texto do testamento correspondia efectivamente ao que aquele pretendia.
H. C., advogado que esteve nesse acto, também foi muito claro no seu depoimento.
Foi o próprio quem elaborou o testamento, nos termos que lhe foram solicitados.
Conheceu o testador em 2004, no escritório do Dr. L. L., onde o depoente exercia e exerce advocacia, nada fazendo suspeitar que pudesse ter alguma doença incapacitante.
O ano de 2007 terá sido aquele em que G. G. foi pela última vez ao escritório do Dr. L. L., de quem era amigo pessoal. Nessa altura apresentava dificuldades, mas apenas de locomoção. E terá sido por causa dessa menor mobilidade que, em Março de 2008, o testamento foi outorgado na casa onde o testador residia durante grandes períodos de tempo, que era a casa do ora réu [artigo 6)]”.
Não temos muito mais a acrescentar.

Apenas realçar que o depoimento mais importante e decisivo, nesta matéria, foi o da testemunha C. T., o Notário que elaborou o testamento. Pela sua preparação técnica e pela sua experiência profissional, esta testemunha era a que melhor estava em condições de se aperceber se o testador estava ou não estava na plena posse das suas capacidades intelectuais. Do seu depoimento retira-se o seguinte:
-os factos ocorreram há 13 anos;
-fui à casa do testador;
-o formalismo que eu sigo é sempre o mesmo: faço ao testador as perguntas normais para ver se sabe o que quer e se está orientado no espaço e no tempo;
-quando tenho dúvidas levo médicos;
-neste caso não tive qualquer dúvida quanto às capacidades do testador;
-se as tivesse tido tinha recusado elaborar o testamento e tinha chamado médicos;
-lembro-me dos testamentos que são complicados, pelas mais variadas razões (testador surdo-mudo, etc) mas dos normais não me lembro, pelo que este foi normal;
-não sei porque é que o testador não assinou: às vezes dizem que tremem muito, não conseguem assinar, e eu digo que não há problemas, põem o dedo;
-este para mim não foi um testamento complicado;
-para mim o testador estava na plena posse das suas capacidades.
E não se tente desvalorizar este depoimento com o argumento de que a testemunha disse que já não se recordava da situação em concreto. É verdade que disse. Mas até isso lhe dá credibilidade. Poderia ser estranho se a testemunha se recordasse com detalhe de um testamento, igual a tantos outros, que fez há 13 anos. E a lógica do depoimento da testemunha é imbatível: embora não se recorde deste testamento em concreto, garante que segue sempre o mesmo formalismo, sendo o primeiro passo tentar aperceber-se da capacidade do testador para o acto. E se fez o testamento foi porque nada na conversa nem no comportamento do testador o fez suspeitar de que o mesmo não estivesse totalmente capaz de lhe transmitir de forma livre e esclarecida a sua vontade.
A única forma de abalar o peso probatório deste depoimento seria minando a credibilidade da testemunha. O que não foi feito, nem sequer tentado.
E não é o facto de ter sido diagnosticada ao testador a doença de Alzheimer 2 anos e 8 meses antes da data do testamento, que nos deve levar a concluir que ele já não estava em condições de emitir a sua vontade de forma livre e esclarecida. Mesmo sem ter sido produzida prova pericial sobre este tema, podemos assentar em que a doença de Alzheimer é uma doença de progressão gradual de perda das capacidades cognitivas. Mas sabemos que o testador estava medicado contra ela, pelo neurologista que o seguia há vários anos, e sabemos que o Notário que fez o testamento lhe fez as perguntas habituais para aferir da sua capacidade de testar, e das respostas que recebeu concluiu que nada impedia a realização do testamento. Só podemos concluir daqui que na data em que fez o testamento, o testador estava num estádio da doença em que ainda tinha as suas capacidades de saber o que queria e de o transmitir a terceiros intacta.
Diga-se ainda que o facto de G. J. não ter assinado o testamento não fortalece a tese do recorrente. O testador podia não conseguir assinar devido aos efeitos da doença de Parkinson, que se manifesta em diminuição motora, mas não de perda de faculdades cognitivas.
No mais, ou seja, quanto aos restantes depoimentos testemunhais, damos aqui por reproduzida a análise feita pelo Tribunal recorrido na fundamentação da decisão, com total concordância.
Para terminar, vejamos em traços muito rápidos, a argumentação do recorrente.
Este faz assentar grande parte das suas motivações de recurso no depoimento da sua própria filha, a testemunha A. I..
Ora, a relação familiar entre o autor e a testemunha, por si só, já obriga a olhar para o depoimento desta com o que podemos designar de “desconfiança preventiva aberta a contraprova”. E sem qualquer outra prova mais segura, não podemos dar como provada a data em que a testemunha disse que a doença foi diagnosticada. E não é só pelas razões relacionadas com a viagem a Cuba, já abordadas supra. É ainda porque, considerando o depoimento isento de C. T., segundo o qual no dia do testamento G. J. estava lúcido e respondeu acertadamente às perguntas que lhe foram feitas, exprimindo de forma convincente para um notário treinado em ouvir testadores a sua vontade, o aceitar como verdadeira a data de 1995 como a data do primeiro diagnóstico da doença significaria que ao fim de 13 anos de doença, ele ainda estaria na posse de quase todas as suas faculdades, o que, mesmo para um leigo, e mesmo com medicação, não é crível.
O recorrente recorre ainda ao depoimento de V. M., mas sem sucesso. Esta testemunha, de relevante apenas disse que entre 2000 e 2003 o testador ficou mais combalido, mais fraco e já não geria a empresa, e que desde 98/99 já se vinha a notar que não estava bem, havia uma quebra de memória. Considerar que este depoimento permite diagnosticar a doença de Alzheimer já em 1998/99 é dar-lhe peso e credibilidade numa matéria altamente técnica e especializada que a testemunha manifestamente não domina.
O depoimento de A. F., ao contrário do que o recorrente afirma, foi irrelevante para o que aqui interessa.
O facto de o Notário se ter deslocado à residência do testador (este estava na residência do seu filho, aqui réu), não permite retirar qualquer ilação sobre uma suposta incapacidade, a não ser de locomoção. O que mais uma vez pode ser explicado pelo diagnóstico de doença de Parkinson.
As considerações feitas sobre o depoimento do Notário C. T. espelham a opinião do recorrente, não a do Tribunal recorrido, e não a desta Relação, já exposta supra.
Assim, os factos constantes das alíneas a), b) e c) dos factos não provados devem continuar não provados.
E em conclusão, consideramos que não se vislumbra qualquer erro na decisão da matéria de facto. A qual confirmamos.

Matéria de direito

O recorrente afirma na sua conclusão GGG que “em matéria de Direito, o erro de julgamento de que padece a sentença recorrida em muito se ficou a dever à, também ela errónea, apreciação da matéria de facto por parte do Tribunal a quo já que os factos que, nos termos acima melhor descritos, se impõe que sejam dados como provados por este Tribunal superior demonstram ter efectivamente resultado provada uma situação de desvio da vontade do testador, constituindo uma evidência que o mesmo não estava capaz de testar em Março de 2008”.
Já vimos que assim não é, e que esta Relação considera que a decisão sobre a matéria de facto não sofre dos erros ou vícios que o recorrente lhe aponta.
No mais, o recorrente afirma que o Tribunal a quose limitou a citar o artigo 2199.º e o artigo 257.º do Código Civil para concluir simplesmente, mais uma vez de forma meramente perfunctória, pela não verificação de qualquer situação de desvio da vontade, abstendo-se de tecer quaisquer considerações acerca do regime específico da anulabilidade do testamento e de transpor, de forma cuidada, um tal regime para o caso concreto dos autos”.
Ao contrário do que pretende o recorrente, a incapacidade testamentária de G. J. não é evidenciada pela factualidade que resultou provada.
Argumenta ainda o recorrente que essa incapacidade igualmente resulta evidenciada “pelo impacto, comprovado cientificamente e que é do conhecimento geral, que a doença de Alzheimer tem ao nível das capacidades de percepção, compreensão, discernimento e entendimento dos doentes que dela padecem e da susceptibilidade de comprometer totalmente qualquer acto de vontade que pretendam levar a cabo”.
Esta afirmação reconduz-se ao julgamento da matéria de facto, no que se refere à não prova dos factos constantes das alíneas a), b) e c), questão já decidida supra.
Mas argumenta ainda o recorrente que ainda que o início da doença se situasse apenas em 2005 como concluiu o Tribunal a quo, no que não se concede e por mera hipótese de raciocínio se admite, o próprio Tribunal reconhece então que, à data da feitura do testamento, esse diagnóstico já existia há três anos, o que sempre evidencia o erro de julgamento em que a sentença incorreu.
Porém, a conclusão não está contida nas premissas, como já analisámos em sede de julgamento da matéria de facto. Ou seja, apesar de ter ficado provado de que a doença de Alzheimer já existia à data do testamento, não obstante não ficou provado que: a) aquando da outorga do testamento, o estado de saúde do testador não lhe permitisse discernir de forma a entender o sentido da sua actuação e proceder de acordo com a sua vontade; b) que o testador não estivesse livre e capaz de se autodeterminar de acordo com a sua vontade quando outorgou o testamento referido; e c) que o testador tivesse quadros depressivos profundos e fosse facilmente manipulável.
Em termos de solução jurídica, O Tribunal recorrido considerou o seguinte: “o art. 2199º do CC dispõe que «é anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória». Por outro lado, preceitua o art. 257º do CC que «1-A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário”. 2 - O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar». (…) Ora, no caso em apreço não se provou qualquer situação de desvio da vontade, não sendo possível afirmar à data da celebração do testamento, o testador não estivesse capaz e/ou não pudesse testar, por força do disposto nos arts. 2189º a 2191º do CC ou dos arts. 257º e 2199º do CC. De igual modo, não há nenhum facto que permita concluir que o testador não estava livre no momento em que testou, não tendo aplicação o disposto no art. 255º do CC.
Impõe-se, por conseguinte, a improcedência da acção”.
Com efeito, é essa a norma jurídica (art. 2199º CC) que o autor veio invocar como acolhendo a sua pretensão: “é anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória”.
Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação a este artigo, escrevem: “o capítulo IV da sucessão testamentária, de pequeníssima extensão (estende-se desde o art. 2199º até ao art. 2203º), tem a sua reduzida complexidade explicada no facto de o testamento ser um simples negócio unilateral, em cuja estrutura se não levanta, a propósito dos problemas da falta e vícios da vontade, o conflito sistemático de interesses entre uma e outra das partes, que é própria do contrato”.
Estes Mestres fazem de seguida uma comparação com o regime constante do art. 257º CC, aplicável aos actos entre vivos em geral, sendo que os dois preceitos prevêem o mesmo tipo de deficiência psicológica.
E fazem ainda a comparação com o regime que resulta do art. 2189,b CC (incapacidade de testar baseada na interdição por anomalia psíquica). Explicam que a nulidade do testamento feito pelo interdito baseia-se na presunção do estado ou situação de incapacidade, iures et de iure, criada pela sentença, desde o momento em que é proferida até ao momento em que a interdição é levantada. Já a “anulação decretada, a requerimento do interessado, com base no art. 2199º, assenta pelo contrário, na falta alegada e comprovada de capacidade do testador, no preciso momento em que lavrou o testamento, fosse para entender o sentido e alcance da sua declaração, fosse para dispor, com a necessária liberdade de decisão, dos bens que lhe pertenciam”.
Actualmente, a Lei n.º 49/2018 de 14 de Agosto, que entrou em vigor em 10 de Fevereiro de 2019, alterou a alínea b) do art. 2189º ficando a constar que “são incapazes de testar (…) os maiores acompanhados, apenas nos casos em que a sentença de acompanhamento assim o determine”. Mas mantém-se o princípio geral constante do art. 2188º, segundo o qual podem testar todos os indivíduos que a lei não declare incapazes de o fazer, assim como se mantém o art. 2190º que continua a ferir de nulidade o testamento feito por incapazes.
O caso dos autos não é manifestamente um caso de incapacidade permanente de testar, pois não foi proferida nenhuma decisão prévia a determiná-la.
Também temos como pacífico que não é aplicável aos testamentos o regime do art. 257º CC, pois este apenas se aplica aos casos em que por definição existe um declaratário, o que não sucede com o testamento, o qual é, também por definição (art. 2179º,1 CC), um negócio jurídico unilateral, não receptício.
Assim, resta o regime de anulabilidade constante do art. 2199º CC.
O recorrente vem impugnar a aplicação que o Tribunal a quo fez desta norma, invocando a solução aplicada no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 10.04.2017, proferido no âmbito do processo n.º 1108/14.0TJVNF.G1, do qual se retira: “I- Em princípio, o ónus da prova dos factos demonstrativos da incapacidade acidental do testador, no momento da feitura do testamento - cfr. art. 2199º do CC-, recai sobre o interessado na anulação do testamento, nos termos do artigo 342, n.º 1 do Código Civil; II- No entanto, logrando o interessado na anulação do testamento provar que a testadora padecia de doença de alzheimer com anterioridade ao período que abrange o acto anulando – testamento -, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção. III- Assim, se, à data do testamento, se mostra atestado medicamente que a Testadora sofria da referida doença de alzheimer, em contínua actividade e progressão, e que estava totalmente dependente de terceiros, é de concluir que, no momento da feitura do testamento, aquela se encontrava numa situação de incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração testamentária; IV- Nestes casos, provando-se a referida situação de demência, incumbia à beneficiária do testamento fazer a prova de que, no momento da feitura do mesmo, apesar da referida doença de que sofria, a testadora não foi influenciada pelo concreto estado demencial em que se encontrava.”
Solução semelhante foi adoptada no Acórdão também desta Relação de 04.09.2019, proferido no âmbito do processo n.º 1146/17.1T8BGC.G14.
O recorrente vem assim suscitar a questão da inversão do ónus da prova, nos casos em que está provada a existência de uma doença neurodegenerativa com diagnóstico prévio à data do testamento.
Ora, temos de começar por dizer que a inversão do ónus da prova apenas ocorre nos casos previstos no art. 344º CC, o qual dispõe: “1. As regras dos artigos anteriores invertem-se, quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine. 2. Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações”.
No caso destes autos não ocorre nenhuma destas situações.
Donde, podemos afirmar com segurança que não ocorre uma inversão do ónus da prova.

Mas vejamos melhor o que consta do Acórdão desta Relação cuja solução o recorrente pretende transplantar para o presente caso sub judice, para aquilatar da enorme diferença entre as situações de um e outro caso. Nesse acórdão, resultou provada a seguinte factualidade:

a) o testamento foi outorgado a 9 de Agosto de 2007
b) a testadora foi vítima de violência doméstica durante anos;
c) Em consequência disso acabou por tombar numa situação de alcoolismo crónico, decorrente da dependência de bebidas alcoólicas;
d) no ano de 1996 sujeitou-se a internamento hospitalar para desintoxicação da adição;
e) no ano de 1997 foi confrontada com a morte de um seu filho;
f) facto que, conjugado com os maus tratos que lhe continuavam a ser infligidos pelo marido, conduziu a que passasse a padecer de um estado de saúde física e psíquica débil, agravado pela recaída no consumo excessivo de bebidas alcoólicas;
g) com o decurso do tempo, aliado ao seu envelhecimento, passou a evidenciar sintomas de doença mental, que se traduziam numa menor capacidade de discernimento para reger a sua pessoa e os seus bens;
h) Mostrava-se desorientada no tempo;
i) Evidenciava indiferença com a sua pessoa e os seus bens;
j) Denotava indiferença pelas outras pessoas e, em particular, pelos filhos;
k) Quadro que se foi agravando até 2003;
l) Em Novembro de 2003 passou a ser seguida em consulta de neurologia;
m) Em Dezembro de 2003, foi-lhe diagnosticada patologia demencial, em consequência da mesma apresentar um quadro neuro-degenerativo de demência tipo «Alzheimer»;
n) Entre, pelo menos 2003 e 2006, passou a evidenciar os seguintes episódios típicos de degeneração neurológica, em consequência da doença de «Alzheimer»:
-Perdas de memória sucessivas quanto a factos ou eventos do dia-a-dia;
-Deixou de cozinhar e, quando o tentava fazer, enganava-se nas refeições, trocando a ordem das refeições do dia ou querendo cozinhar durante anoite;
-Esquecia-se de se alimentar;
-Deixou de ser capaz de pensar os animais domésticos que tinha em casa;
-Quando cozinhava, abandonava tal tarefa a meio, esquecendo os alimentos ao lume, permitindo que tudo se queimasse;
-Quando saía de casa, perdia o sentido de orientação e não conseguia regressar pelos seus próprios meios;
-O agravamento da sua falta de visão e audição, tornou-a mais desorientada e indiferente consigo e com as pessoas próximas;
-Não reconhecia, por vezes, os vizinhos e amigos;
-Manifestava, por vezes, dificuldade em distinguir o nome dos filhos;
-Chegou a levantar-se durante a noite para ir alimentar o cão, tendo-se afastado de casa e perdido, não tendo sido capaz de regressar a casa, por se ter desorientado no espaço;
o) Entre 2003 e 2006, os episódios supra referidos foram-se agravando e sucedendo de forma progressiva e quase diária, apesar da medicação prescrita pela médica neurologista;
p) Em consequência do referido os filhos passaram a ocupar-se das compras, das refeições, da limpeza da casa;
q) Após o falecimento do marido e em consequência do agravamento do quadro clínico atrás descrito, ficou impossibilitada de, por si só, vestir-se, alimentar-se e higienizar-se, tendo passado a usar fralda;
r) Deixou de reconhecer o dinheiro;
s) Deixou de ser capaz de contar e distinguir quantidades;
t) Acentuou-se a sua dificuldade em distinguir as pessoas;
u) Deixou de entender o conteúdo da informação escrita;
v) Passou a evidenciar ecolalia, repetindo o que lhe diziam, sem fazer ideia do significado das expressões repetidas;
x) Comia pela própria mão, desde que a comida lhe fosse colocada à frente;
y) Passou a ter dificuldade em caminhar, passando grande parte do tempo sentada ou na cama;
z) A partir de Janeiro de 2007, em consequência da degeneração neurológica inerente à diagnosticada doença de «Alzheimer», passou a depender, por completo, de terceiros para todas as actividades;
aa) No período compreendido entre Julho e Setembro de 2006, esteve acolhida, de forma alternada, em casa dos autores;
ab) Em consequência do referido supra, aquando da outorga do testamento, já não detinha capacidade para querer nem para entender o alcance do acto praticado e o conteúdo do que ali declarou.

Chama-se igualmente a atenção para que, no caso daqueles autos, foi ouvida como testemunha a médica neurologista e que acompanhou a testadora, entre Novembro de 2003 até ao fim vida desta) e juntos aos autos os documentos por esta emitidos (declarações médicas datadas de 24.5.2007 e de 14.6.2012). Esta explicou que, para além da sintomatologia referida ser a típica dos doentes portadores do referido quadro neurodegenerativo, decorrente da doença de «Alzheimer», esses sintomas, em concreto, verificavam-se na paciente, como, de resto, a mesma pode observar directamente, nas consultas, como comprovar em função do historial comportamental que lhe era relatado pela família aquando dessas consultas e que, no essencial, se resumiam aos seguintes: sucessivas perdas de memória, troca de refeições e rotinas, abandono das tarefas a meio, perda acentuada de visão, audição e sentido de orientação, agnosia conducente ao esquecimento, troca de identidades e ao não conhecimento/identificação de objectos ou pessoas.
A médica neurologista confirmou o atestado médico por si emitido, datado de 24.5.2007, onde se pode ler: “Declara-se que a Sra. … é seguida na consulta de neurologia e apresenta um quadro neurodegenerativo demência de Alzheimer, estando completamente dependente de terceiros para todas as actividades…”. O que se mostra reforçado na Declaração médica datada de 14.6.2012 onde se refere: “… O diagnóstico de patologia demência foi estabelecido em Dezembro de 2003. Desde esta altura verifica-se agravamento progressivo apesar da medicação. Completamente dependente de terceiros desde Janeiro de 2007“.
E foi perante este quadro probatório que, quer o Tribunal recorrido, quer a Relação, decidiram que “ante este cenário de incapacidade, decorrente de um estado clínico demencial e degenerativo das capacidades de percepção e compreensão da testadora, que atingiu o seu auge em Janeiro de 2007, bem se poderia afirmar, com recurso à máxima “id quod plerum accidit”, que aquele estado de demência se manteve sem interrupções daí por diante, passando por sua vez a caber à ré ilidir esta presunção natural, demonstrando em juízo que o testamento foi outorgado num intervalo de lucidez [cfr., neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de Julho de 2011 (CJSTJ/Ano IX/Tomo II/151) e de 24 de Maio de 2011 (processo n.º 4936/04.1TCLRS.L1.S1, relator Marques Pereira); GALVÃO TELLES, R.T, Ano 72, pág. 268)“.
Acabou a Relação por concluir, ali, que: “é justamente esta a situação do caso concreto, pois que, como bem entendeu o Tribunal Recorrido, tendo os AA. logrado provar – com recurso a meios de prova de cariz médico- que a Testadora padecia de doença de Alzheimer desde 2003 e que essa doença em Janeiro de 2007, implicando a total dependência da Testadora de terceiros, significava a sua falta de capacidade e entendimento, não há duvidas que, na ausência de outra prova com igual força (por exemplo, que no momento da outorga do testamento tivesse sido comprovado também medicamente que a Testadora estava num intervalo momentâneo de lucidez), tal doença, como também defendeu a testemunha Dra. A. S., “…à luz da ciência e da experiência comum, não se compatibiliza com períodos de lucidez ou compreensão (normal) das situações vivenciais”- para utilizar as palavras de um dos citados Acórdãos. Ou seja, resulta, assim, destas considerações que incumbia à Ré ilidir aquela presunção judicial (que decorria de um forma inequívoca das regras da ciência e da experiência comum)”.

Pois bem.
O art. 349º CC dispõe que “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.
Para nos ajudar a entender melhor o que é uma presunção, e sobretudo uma presunção judicial, vamos recorrer à ajuda de Luís Filipe Pires de Sousa, in Direito Probatório Material, fls. 69 e seguintes.
Aí se pode ler que “a presunção pode definir-se como um raciocínio em virtude do qual, partindo de um facto que está provado, chega-se à consequência da existência de outro facto, que é o pressuposto fáctico de uma norma, atendendo ao nexo lógico existente entre os dois factos”.
E, mais adiante: “o nexo lógico não é um facto, mas um juízo de probabilidade qualificada que assenta e deriva de uma máxima da experiência, tida por aplicável no caso, segundo a qual perante a ocorrência de um facto, gera-se uma probabilidade qualificada de que se tenha produzido outro. Assim, a parte que recorre a uma presunção judicial não tem que provar o nexo lógico mas tem que lograr convencer o juiz da existência e aplicabilidade ao caso de uma máxima da experiência. O que é objecto de prova é a máxima da experiência e não o nexo lógico”.
Aqui chegados, já podemos com toda a segurança afirmar que as presunções judiciais, ou naturais, inserem-se no julgamento da matéria de facto. Ou seja, são casuísticas. Valem aquilo que o acervo factual provado permite que valham.
No caso da anulação de um testamento por incapacidade do testador, podemos estabelecer o seguinte quadro lógico:
O facto conhecido é o acervo de factos sobre a situação de saúde do testador: a doença que lhe foi diagnosticada, a data desse diagnóstico, as manifestações concretas da doença, os factos concretos do dia a dia dos quais se retira a perda de qualidades neurológicas, a prova pericial sobre a natureza da doença, os seus efeitos e a possibilidade ou não de cura, etc.
O facto a provar é o de que, aquando da outorga do testamento, o testador não estava em condições de formar de forma livre a sua vontade, de se autodeterminar de acordo com ela, e de entender o sentido da sua actuação.
E o nexo lógico entre os dois, que pode variar de caso para caso, mas que decorre essencialmente de uma máxima da experiência ou da ciência, diz-nos que, dadas as circunstâncias, da premissa 1 decorre sempre a conclusão 2.
Ora, no caso que aquele aresto decidiu, essa demostração foi cabalmente feita. A lista de factos provados é de tal forma impressiva, bem como a prova sobre a doença de Alzheimer e suas consequências, que outra solução não podia haver que não aquela que o Tribunal recorrido e a Relação extraíram.
Mas no caso dos nossos autos, a situação é drasticamente diferente.

Apenas ficou provado que:

a) em data não concretamente apurada, mas que se reporta, pelo menos, a Setembro de 2005, foi diagnosticada a doença de Alzheimer a G. G..
b) em data não concretamente apurada mas não posterior a 17.02.2008, G. G. começou a ser medicado para a doença de Parkinson.
c) o testamento foi feito em 6.3.2008

Repare-se como esta espartana relação de factos compara com a lista esmagadora de sintomas decorrentes da doença de Alzheimer que ficou provada no processo nº 1108/14.0TJVNF.G1. Repare-se que ali foram juntos atestados médicos, devidamente assinados, e a médica neurologista que os elaborou e assinou foi ouvida como testemunha e explicou tudo sobre a doença da testadora. Já aqui, apenas foi junto um documento não assinado pelo seu autor, o qual não foi ouvido como testemunha.
Repare-se que ali o diagnóstico de Alzheimer foi feito em Dezembro de 2003, e o testamento em 9 de Agosto de 2007, e que entre essas duas datas ficaram provados todos os sintomas supra referidos, como perdas de memória sucessivas quanto a factos ou eventos do dia-a-dia, esquecimento de se alimentar, abandonar tarefas a meio, perdia-se quando saía de casa, falta de de visão e audição, não reconhecimento de vizinhos e amigos, dificuldade em distinguir o nome dos filhos, uso de fralda, impossibilidade de se vestir e alimentar e higienizar-se, não reconhecimento do dinheiro, ecolalia, em suma, dependência completa de terceiros para todas as actividades. Perante este quadro, não admira que o Tribunal tenha considerado provado que aquando da outorga do testamento, a testadora já não detinha capacidade para querer nem para entender o alcance do acto praticado e o conteúdo do que ali declarou.
Já no caso destes autos, não foi feita qualquer prova minimamente sólida e credível acerca da sintomatologia que a doença de Alzheimer foi causando em G. J., até à data do testamento, no sentido de tornar evidente que o mesmo estava incapaz, por força da doença, de formar a sua vontade de testar e de a transmitir.
Pelo contrário, a prova foi no sentido oposto, tendo sido ouvido o Notário que se deslocou à casa onde o testador estava, e conversou com este, fazendo-lhe as perguntas habituais para aferir do seu estado, e se as respostas tivessem sido desconexas ou reveladoras de desnorte, paranóia ou perda acentuada de capacidades cognitivas, certamente que o testamento não teria sido feito. Desse depoimento podemos pelo menos concluir que G. J. respondeu acertadamente às perguntas que lhe foram feitas.
A versão trazida pelo autor/recorrente careceu de credibilidade, como se pode atestar pelo facto de na mesma constar a alegação de que o testador sofria de Alzheimer pelo menos desde 1995, e que apesar disso o autor e o réu o teriam deixado levar os 4 netos menores (de 14 anos e menos) para Cuba durante 15 dias, no ano de 2003, ou seja, já após 8 anos de progressão da doença.

E assim, por tudo quanto fica exposto, não podemos dar razão ao recorrente quando vem dizer que estando provado que G. J. Guimarães padecia da doença de Alzheimer com anterioridade à outorga do testamento, se tem de presumir que, na data do testamento, esse estado de incapacidade se mantinha sem interrupção, sendo, por isso, o testamento necessariamente anulável nos termos do artigo 2199.º do Código Civil.
O diagnóstico de Alzheimer não é um dado abstracto. É uma situação concreta, que certamente varia de caso para caso, para além dos traços comuns a todas as pessoas. E se no caso do Acórdão que o recorrente invocou, havia todas as razões para presumir que dos factos provados sobre a doença se podia concluir pela falta de capacidade da testadora, já no caso destes autos os poucos factos provados sobre a doença não nos permitem presumir o que o recorrente quer que se presuma. São claramente insuficientes para permitir essa presunção. E assim, não ocorre qualquer inversão do ónus da prova.
A sentença recorrida não merece qualquer censura.

Sumário:

1. Não há qualquer contradição em dar como provado que, numa acção de anulação de testamento, à data de elaboração do mesmo o testador já estava diagnosticado com a doença de Alzheimer, e dar simultaneamente como não provado que aquando da outorga do testamento, o estado de saúde do testador não lhe permitisse discernir de forma a entender o sentido da sua actuação e proceder de acordo com a sua vontade, e que o testador não estivesse livre e capaz de se autodeterminar de acordo com a sua vontade quando outorgou o testamento referido.
2. A existência de um diagnóstico de Alzheimer prévio à elaboração do testamento não implica uma inversão do ónus da prova, a qual apenas ocorre nos casos previstos no art. 344º CC.
3. O diagnóstico de Alzheimer não é um dado abstracto, é uma situação concreta, que pode variar de caso para caso, para além daqueles traços que são comuns a todos os doentes.
4. O que pode suceder é operar uma presunção judicial, nos termos do art. 349º CC.
5. Essas presunções inserem-se no quadro do julgamento da matéria de facto, e como tal são casuísticas.
6. E assim, o uso de uma presunção judicial que permita extrair do diagnóstico de Alzheimer prévio ao testamento a conclusão de que à data da elaboração deste o testador já não estava capaz de formar de forma livre e lúcida a sua vontade e de a expressar correctamente, depende dos factos concretos que o autor conseguir provar acerca do estado mental do testador à data da declaração de vontade.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente e confirma a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente (art. 527º,1,2 CPC).

Data: 28.4.2022

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)


1 - Conselheiro Abrantes Geraldes, ob cit, fls. 286.