INJUNÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
CLÁUSULA PENAL
EMPRESAS DE TELECOMUNICAÇÕES MÓVEIS
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário


1 - O procedimento de injunção não é meio adequado para peticionar o pagamento da obrigação resultante da aplicação da cláusula penal acordada para o incumprimento do período de fidelização.
2 - No procedimento de injunção não se pode obter título executivo cumulando pretensão por dívidas referentes a prestações pecuniárias emergentes de contrato com indemnização por incumprimento contratual.
3 - A injunção à qual foi aposta fórmula executória nestas circunstâncias está assim afectada de vício que constitui exceção dilatória inominada justificativa do indeferimento liminar da execução.

Texto Integral

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

Nos Comunicações, S. A. instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa contra C.R., que corre termos Tribunal Judicial da Comarca de Beja (Juízo Local Cível de Beja – Juiz 2), tendo em vista a liquidação coerciva do montante de € 866,08 que refere corresponder ao valor remanescente (capital e juros) de duas injunções, respetivamente com os números 76952/20.9YPRT e 76851/19.7YPRT, que havia movido contra a executada, às quais foi aposta fórmula executória, nas quais era exigido o pagamento de mensalidades em dívida referentes a contratos de prestação de bens e serviços de telecomunicações, bem como o pagamento de cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada dos contratos, por incumprimento do período de fidelização acordado.
Na injunção 76952/20.9YPRT foi peticionada a quantia global de 362,63 (capital, juros e encargos associados à cobrança da dívida). Na injunção 76851/19.7YPRT foi peticionada a quantia global de 802,68 (capital, juros e encargos associados à cobrança da dívida).
Por despacho de 11/02/2022 foi reconhecida a verificação de exceção dilatória inominada de uso indevido do procedimento injuntivo, através do qual se formou o título executivo e em consequência, por referência ao artigo 734º do CPC, decidiu-se rejeitar o requerimento executivo, determinando-se a extinção da execução.
*
Irresignada com este despacho, veio a exequente dele interpor recurso de apelação, terminando por formular as seguintes conclusões:
1. A decisão recorrida, que rejeitou liminarmente o requerimento executivo, pela invalidade do titulo executivo por se verificar a exceção dilatória inominada de utilização indevida de procedimento injuntivo, carece de fundamento.
2. Apesar de no âmbito do procedimento injuntivo n.º 76851/19.7YIPRT – o qual serve de fundamento à execução – se encontrar peticionado o pagamento de um valor, de €520,63, resultante da aplicação da cláusula penal acordada para o incumprimento do período de fidelização, a verdade é que tal montante não integra o valor da dívida exequenda, tendo a Exequente optado por não proceder à sua cobrança.
3. O procedimento injuntivo é um meio adequado para peticionar o pagamento da obrigação resultante da aplicação da cláusula penal acordada para o incumprimento do período de fidelização, dado que tal encargo: 1) é uma obrigação pecuniária de valor determinável; 2) resulta da celebração de um contrato de prestação de serviços e respetivo incumprimento.
Apreciando e decidindo

Como se sabe, o objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso (artºs 635º n.º 4, 639º n.º 1 e 608º n.º 2 ex vi do artº 663º n.º 2 todos do CPC).

Assim, em síntese, do que resulta das conclusões, a questão nuclear em apreciação cinge-se em saber se há, ou não, fundamento para o indeferimento do requerimento executivo, baseado em invalidade do título executivo, por o procedimento de injunção não ser o meio processual idóneo para peticionar montante referente a indemnização por violação do compromisso de permanência ou fidelização (cláusula penal convencionada).

Para apreciação e conhecimento da questão resultam dos autos, com interesse os seguintes factos:
A - No requerimento executivo a exequente para reclamar o pagamento das quantias em dívida, alega o seguinte:
A Exequente, NOS COMUNICAÇÕES, S.A., sociedade comercial anónima, com sede na Rua Ator António Silva, n.º 9, Campo Grande, 1600 404 Lisboa, titular do número único de matrícula e de pessoa coletiva 502604751, é portadora de 2 requerimentos de injunção, aos quais foi aposta fórmula executória - injunção nº 76952/20.9YIPRT,injunção nº 76851/19.7YIPRT -, requerimentos esses que constituem títulos executivos, nos termos do art.º 703º, n.º 1, alínea d) do CPC e art.º 21º do DL 269/98 de 1 de setembro.
Não obstante ter sido notificado no âmbito das injunções que servem de base à presente execução, não procedeu o Executado ao pagamento integral dos valores reclamados.
É, por isso, o Executado, devedor do valor remanescente dos títulos executivos, acrescido de (i) juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados à taxa legal comercial desde a data de entrada das injunções até efetivo e integral pagamento, (ii) juros à taxa de 5% ao ano, calculados sobre os títulos executivos desde a data de aposição das fórmulas executórias até efetivo e integral pagamento, nos termos dos art.º 21º e 13º alínea d) do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, os quais revertem em partes iguais para a Exequente e para o Cofre Geral dos Tribunais, (iii) das quantias exigíveis nos termos do art.º 33º, n.º 4 da Lei 32/2014, de 30.05 [art.º 5º, alínea c) vi) e vii) do mesmo diploma] e art.º 26º, n.º 3 alínea c) do RCP.
Termos em que requer a penhora de bens do Executado para satisfação da quantia exequenda, custas, despesas e honorários.
(…)
Liquidação da obrigação:
Valor Líquido: 642,82 €
Valor dependente de simples cálculo aritmético: 223,26
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €
Total: 866,08 €
Dos títulos executivos permanece em dívida o montante de € 642,82, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal comercial desde a data de entrada da injunção, dos juros compulsórios e das quantias exigíveis nos termos do art.º 33º, n.º 4 da Lei 32/2014, de 30.05 [art.º 5º, alínea c) vi) e vii) do mesmo diploma] e art.º 26º, n.º 3 alínea c) do RCP.
B – No requerimento de injunção n.º 76952/20.9YPRT, consta o seguinte, relativamente aos factos e pretensão:
Exposição dos factos que fundamentam a pretensão
A Req.te (Rte), celebrou com o Req.do (Rdo) um contrato de prestação de bens e serviços telecomunicações a que foi atribuído o n.º 845499603. No âmbito do contrato, a Rte obrigou-se a prestar os bens e serviços, no plano tarifário escolhido pelo Rdo, e este obrigou-se a efetuar o pagamento tempestivo das faturas e a manter o contrato pelo período acordado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento de cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato.
Das faturas emitidas, permanece(m) em dívida a(s) seguinte(s): €34.29 de 26/02/2020, €34.29 de 26/03/2020, €20.99 de 26/04/2020, €21.96 de 26/05/2020, €1.53 de 26/06/2020, €43.58 de 26/07/2020, €25.98 de 26/ 08/2020,vencidas, respetivamente, em 19/03/2020, 19/04/2020, 19/05/2020, 19/06/2020, 19/07/2020, 19/08/2020 e 19/09/2020. Enviada(s) ao Rdo logo após a data de emissão e apesar das diligências da Rte, não foi(ram) a(s) mesma(s) paga(s), constituindo-se o Rdo em mora e devedor de juros legais desde o seu vencimento.
Mais, é o Rdo devedor à Rte de €100, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida. Termos em que requer a condenação do Rdo a pagar a quantia peticionada e juros vincendos.
O valor em dívida poderá ser pago, nos próximos 15 dias, realizando uma transferência bancária para o IBAN PT50004399991140594189635.
C – No requerimento de injunção n.º 76851/19.7YPRT, consta o seguinte, relativamente aos factos e pretensão:
Exposição dos factos que fundamentam a pretensão
A Req.te (Rte), celebrou com o Req.do (Rdo) um contrato de prestação de bens e serviços telecomunicações a que foi atribuído o n.º 843887901. No âmbito do contrato, a Rte obrigou-se a prestar os bens e serviços, no plano tarifário escolhido pelo Rdo, e este obrigou-se a efetuar o pagamento tempestivo das faturas e a manter o contrato pelo período acordado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento de cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato.
Das faturas emitidas, permanec(em) em dívida a(s) seguinte(s): €25.98 de 26/02/2019, €28,49 de 26/03/2019, €28,49 de 24/04/2019, €520.63 de 26/07/2019, vencidas, respetivamente, em 19/03/2019, 19/04/2019, e 26/07/2019. Enviada(s) ao Rdo logo após a data de emissão e apesar das diligências da Rte, não foi(ram) a(s) mesma(s) paga(s), constituindo-se o Rdo em mora e devedor de juros legais desde o seu vencimento.
Mais, é o Rdo devedor à Rte de €120,72, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida. Termos em que requer a condenação do Rdo a pagar a quantia peticionada e juros vincendos.

Conhecendo da questão
A recorrente defende que o procedimento de injunção é um meio adequado para peticionar o pagamento da obrigação resultante da aplicação da cláusula penal acordada para o incumprimento do período de fidelização, dado que tal encargo é uma obrigação pecuniária de valor determinável e resulta da celebração de um contrato de prestação de serviços e respetivo incumprimento.
O Julgador a quo entendeu não poder a exequente lançar mão do procedimento injuntivo para peticionar quantias inerentes ao valor da cláusula penal imposta pelo incumprimento do período de fidelização contratual, expondo a sua posição na seguinte motivação:
«Estamos perante ação executiva para pagamento de quantia certa fundada em título executivo injuntório ou parajudicial, vide alínea d) do n.º 1 do artigo 703.º do Código de Processo Civil e artigo 14.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, e sequentes alterações, cujo teor [do título] se dá aqui por integralmente reproduzido.
No âmbito do procedimento de injunção (e da ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, em caso de transmudação) visa-se exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, vide artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, e subsequentes alterações, “num sentido restrito”, ou seja, trata-se de obrigações que tenham por objeto uma prestação em dinheiro, visando proporcionar ao credor o seu valor, vide artigos 550.º a 558.º e 806.º do Código Civil.
Decisiva e normativamente não é qualificável como obrigação pecuniária, aquela cuja prestação, mesmo que se defina pela fixação de uma quantia em dinheiro, se reporte à direta disponibilização do valor económico de outra realidade, v.g. obrigação de indemnização, vide artigo 566.º do Código Civil.
A questão decidenda convocada é simples nos seus termos: pode a indemnização por violação do compromisso de permanência e correlativo montante apurado ser caracterizada como obrigação pecuniária?
Ajuíza-se que não, porquanto a referida indemnização é fixada prévia e contratualmente, por violação de certo período de fidelização, não se fundando numa pretensão de cumprimento, mas sim meramente ressarcitória - por todos, neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 17/12/2015, proferido no âmbito do processo n.º 122528/14.9YIPRT.L1-2.
Estamos perante uma obrigação de indemnização, cujo carácter pecuniário é apenas mediato:
a) a sua natureza não se confunde com o referido carácter pecuniário do montante apurado do dano, pois, de outro modo, estar-se-ia a qualificar normativamente tal indemnização em ordem e em função do objeto em que se traduziria e não pela sua concreta especificidade.
b) obrigação de indemnização, ainda que tenha origem contratual, é uma dívida de valor, que se distingue da obrigação pecuniária, por a prestação não ter objeto o dinheiro, mas corresponder ao valor de certa coisa ou ao custo de determinado objetivo (o quantum monetário é um ponto de referência ou meio necessário para liquidação).
Conforme o prescrito normativamente, o Autor pode deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação, vide n.º 1 do artigo 555.º do Código de Processo Civil.
Exigindo-se, para tal, entre outros requisitos, a identidade da forma do processo, correspondente a todos os pedidos, vide n.º 2 e 3 do artigo 37.º do mesmo diploma, sendo a especificidade própria do procedimento injuntivo (mesmo que transmudado em ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias) impedimento normativo à autorização de cumulação e correlativa adaptação do processado.
Juízo contrário em ordem e em função de um princípio de economia processual padece de razão suficiente, porquanto estar-se-ia a permitir ao requerente do procedimento injuntivo a possibilidade, em caso de procedência, de obter um título executivo que, à partida, lhe estaria vedado, em detrimento do quadro normativo valorativo subjacente ao referido procedimento.
Paralelamente, mesmo que se enquadrasse normativamente tal situação em erro na forma do processo, vide n.º 1 e 2 do artigo 193.º do Código de Processo Civil, mobilizar-se-ia idêntico raciocínio impeditivo da adequação do processado, por efetivamente resultar uma diminuição das garantias do Réu, dada a especificidade do procedimento injuntivo (v.g. prazo de oposição; apresentação de meios probatórios; celeridade do procedimento).
Ou seja, a adequação formal, face à diferente natureza da tramitação não permitiria sanar tal cumulação no âmbito do procedimento injuntivo, ante a congénita simplicidade e finalidade do procedimento, vide n.º 2 do artigo 37.º do Código de Processo Civil.
Não sendo o procedimento de injunção (mesmo que transmudado em ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias) o meio processual idóneo para se peticionar tal montante, verificando-se a existência de uma cumulação ilegal de pedidos.
Mais – e decisivamente – conclui-se que a Exequente não poderia ter recorrido ao procedimento injuntivo e, tendo-o feito, deu causa à verificação da indicada exceção dilatória [que se reconduz, ademais, ao de uso indevido/inadequado do procedimento de injunção].
Aqui chegados, formula-se, assim, decisivamente a seguinte questão: o efeito prático normativo do aludido vício [exceção] inquina, ou não, todo o procedimento injuntivo e, como tal a validade integral do título dado à execução, por não se mostrarem reunidos os pressupostos normativos exigíveis para a sua utilização?
De outro modo: se ante a utilização indevida do procedimento injuntivo, considerando o pedido referente ao valor da cláusula penal, poderia o processo prosseguir quanto à matéria que podia – efetivamente – ser objeto do referido processo [outras quantias peticionadas]?
Hic et nunc, no que concerne à questão de saber se o vício inquina, ou não, todo o processo, sopesando-se crítica e reflexivamente as possíveis soluções, acompanha-se, agora, a posição adotada no lapidar Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-11-2021 proferido no âmbito do processo n.º 88236/19.0YIPRT.L1-7 e correlativa jurisprudência nele citada.
Em síntese:
a) o vício não permite qualquer adequação processual ou convite a aperfeiçoamento, sob pena de se defraudarem as exigências prescritas nas disposições normativas que disciplinam o procedimento injuntivo;
b) a circunstância de o presente juízo implicar um reinício de um percurso processual (com perda de economia processual) apenas radica na responsabilidade do requerente da injunção, por ter decidido iniciar um procedimento para o qual não lhe assistia direito a obtê-la, “(…) podendo mesmo considerar-se que, a não se obviar pela assinalada forma da absolvição da instância, se contribui para aumentar o risco de os credores procurarem obter títulos executivos por via de injunção, aproveitando-se do facto de o controlo não ser exercido jurisdicionalmente, apesar de saberem que o crédito invocado não lhes permitia o recurso à injunção.”
c) a Requerente poderia, ab initio, ter-se socorrido do meio processual para obter a condenação do devedor, mas não o fez, preferindo o mecanismo da injunção e correlativo risco [risco, esse, que afeta todo o processo e não apenas a parte que a mesma colocou “a mais” do que poderia ou deveria]
d) decisivamente, as condições normativas para que seja decretada a injunção são condições de natureza substantiva, ocorrendo transmutação da ação em processo comum [nos casos em que é permitido, ante o valor], tal não assume expressão, contudo, nos casos em que ocorre transmutação da ação para ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, o processo torna-se inaproveitável e a absolvição da instância faz terminar a ação pela procedência da exceção dilatória inominada de uso indevido / inadequado da providência de injunção.
E quais as consequências normativas da verificação do indicado vício, encontrando-se já formado o título injuntório, ou seja, tendo sido aposta fórmula executória?
A verificação da indicada exceção implica o reconhecimento da invalidade do título (porquanto a sua formação encontra-se inquinada).
Não sendo o procedimento de injunção (mesmo que transmudado em ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias) o meio processual idóneo para obtenção da(s) indicada(s) quantia(s), estaria vedado à aqui Exequente a obtenção do indicado título – por referência, além do mais, nº 1 do artigo 555.º, 1.ª parte do n.º 1 do artigo 37.º, n.º 1 e 2 do artigo 576.º, artigo 577.º, 578.º e alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º do Código de Processo Civil.
Nesse conspecto, ajuíza-se que o vício indicado afeta a validade do título executivo fundante da presente ação executiva (não sendo suscetível de aperfeiçoamento) e, como tal, lógica, necessária e normativamente, a execução não poderá prosseguir.
Ergo, sem necessidade de maiores considerandos, por referência ao artigo 734.º do Código de Processo Civil, rejeita-se e determina-se a extinção da execução».
Em nosso entendimento, não obstante a argumentação da recorrente, a posição expressa pelo Julgador a quo é de acolher e de sufragar.
O procedimento de injunção é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos (não tendo a virtualidade de servir para exigir obrigações pecuniárias resultantes da responsabilidade civil contratual), pois, como decorre da lei, o mesmo é destinado “a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contatos…”,[1] sendo certo, que tal prestação obrigacional só pode ter por objeto imperativamente uma obrigação pecuniária, isto é, uma entrega em dinheiro em sentido restrito (em contraposição com a obrigação de valor, que não tem por objeto a entrega de quantias em dinheiro e visa apenas proporcionar ao credor um valor económico de um determinado objeto ou de uma componente do património). Pois, as verdadeiras obrigações pecuniárias, são inerentes a dívidas de dinheiro, sendo descartada de tal terminologia as obrigações em que o dinheiro intervém como simples meio de determinação do quantitativo da prestação ou da respetiva liquidação, por neste caso estarmos perante as chamadas dívidas de valor de outros bens. A obrigação de indemnização decorrente da aplicação da cláusula penal por violação do compromisso de permanência ou fidelização contratual não se integra assim nas “autênticas e próprias obrigações pecuniárias”,[2] donde vem sendo assumido pela jurisprudência a inadmissibilidade do pedido de pagamento da cláusula penal por incumprimento contratual no procedimento injuntivo.[3]
Tendo, a ora exequente, optado por recorrer ao procedimento de injunção para obter título executivo cumulando pretensão por dívidas referentes a prestações pecuniárias emergentes de contrato com indemnização por incumprimento contratual, não sendo tal atuação compatível com a natureza do procedimento, existe um efetivo vício que constitui exceção dilatória inominada, afetando todo o procedimento de injunção, designadamente a aposição da fórmula executória, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização (as condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção), não permitido o aludido vício qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento, pois caso contrário, estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção.[4]
Resulta, assim, que a formação do título dado à execução está, como salienta o Julgador a quo, inquinada, que tem como consequência a sua invalidade, donde não possui os requisitos legalmente exigidos para alicerçar a pretensão executiva.
A recorrente alega que mesmo que se reconhecesse ter havido utilização indevida do procedimento de injunção relativamente ao montante indemnizatório referente à sanção pecuniária por incumprimento do período de fidelização peticionado no âmbito da injunção n.º 76851/19.7YIPRT, que serve de fundamento à execução, nesta não foi peticionado qualquer valor a esse título, não integrando o montante da dívida exequenda, porque se optou por não se proceder à sua cobrança.
Resulta dos autos que só nesta sede recursiva é que a exequente invoca que não terá integrado no montante da dívida exequenda o valor que foi por ela peticionado no procedimento de injunção, a título de sanção pecuniária. Pois, não o fez no requerimento executivo, nem no requerimento que apresentou em exercício do contraditório, a solicitação do Juiz, previamente à prolação da decisão recorrida.
Mesmo que se defendesse (o que não é o caso, como se deixou dito), o aproveitamento do título executivo, na parte em que os valores nele elencados respeitam a autênticas e próprias obrigações pecuniárias, sempre teríamos de reconhecer que não foi facultado ao tribunal, quer expressamente, quer implicitamente (nesta vertente com recurso a operações aritméticas), a possibilidade de se poder concluir que os valores que foram peticionados em sede de execução diziam respeito exclusivamente a prestações de natureza pecuniária. Ao ler-se o requerimento executivo fica-se com a perceção que a executada, apesar de notificada, não procedeu ao pagamento integral dos valores reclamados nas injunções (teria pago, apenas, parte) pelo que lhe é exigido “o valor remanescente dos títulos”, sem se fazer diferenciação da fonte que o origina, pelo que é impossível de saber se a propalada intenção de não proceder à cobrança da aludida quantia indemnizatória foi efetivamente uma realidade.
Nestes termos, do que se deixou dito, há que julgar improcedente a apelação, e confirmar a decisão recorrida.

DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Não há dívida de custas, atendendo a que se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso recursivo e como não foi apresentada alegação por parte da apelada. não há lugar a pagamento de custas de parte.
Évora, 28 de abril de 2022
Mata Ribeiro
Maria da Graça Araújo
Anabela Luna de Carvalho
__________________________________________________
[1] - v. artº 1º do Dec. Lei 269/98 de 01/09.
[2] - v. Almeida Costa in Direito das Obrigações, 11ª edição, 735-736; Manuel de Andrade in Obrigações, 1958, 244.
[3] - v. Acs. do TRL de 08.10.2015, no processo 154495/13.0YIPRT.L1-8; de 12.05.2015, no processo 154168/13.YIPRT.L1-7; de 15-10-2015, no processo 96198/13.1YIPRT.A.L1-2 e de 17.12.2015, no processo 122528/14.9YIPRT-L1.2, disponíveis em www.dgsi.pt);
[4] - v. Acs. do TRC de 20/05/2014, no processo 30092/13.6YIPRT.C1 e do TRP de 18/12/2013, no processo 32895/12.0YIPRT.P1, disponíveis em www.dgsi.pt.