INJUNÇÃO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
CONTRATO DE EMPREITADA
PREÇO
Sumário


I - O credor pode lançar mão do procedimento injuntivo se pretender exigir o cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente (i) de contrato e de valor não superior a 15.000,00€ ou (ii) de transacção comercial que dê origem ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços mediante remuneração.
II - Nada mais exige a lei. Nomeadamente, inexiste norma que limite o recurso à injunção aos casos simples e/ou céleres.
III – Quando o empreiteiro pede que o dono da obra lhe pague os “valores retidos”, em cada factura que lhe foi apresentada, a “título de caução”, está a pedir o pagamento das parcelas do preço da empreitada que não foram liquidadas aquando das facturas.
IV – E, assim, o empreiteiro pode recorrer ao procedimento injuntivo.
(Sumário pela Relatora)

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

Hugo Rodrigues Unipessoal, Lda. apresentou requerimento de injunção contra Algarvelux, S.A. para dela haver a quantia global de 64.933,20€.
Invocou, em síntese, que: celebrou com a requerida diversos contratos de empreitada (a requerente refere como data do contrato 20.9.10), por via dos quais efectuou vários trabalhos de construção civil; conforme acordado entre ambas, em cada factura apresentada pela requerente (entre 29.9.10 e 5.5.14), a requerida retinha uma parte a título de caução; a requerente tinha/tem direito a haver os valores retidos – no total de 49.842,90€ - 5 anos após a entrega das obras; não obstante ter solicitado por diversas vezes o pagamento, a requerida nada pagou; os juros de mora montam a 14.437,30€.
A requerida deduziu oposição, dizendo, em resumo, que: o requerimento é inepto, porquanto a requerente não alegou os factos essenciais constitutivos do seu direito, assim faltando a causa de pedir; pretendendo a requerente a restituição de quantias retidas a título de caução – e não o pagamento de serviços ou de bens – o procedimento de injunção não é o meio próprio para tal; e não é o meio adequado, dado que a problemática subjacente é complexa, prendendo-se com a não finalização dos trabalhos ou com a existência de defeitos. Caso não fosse absolvida da instância, a requerida invocou: terem sido celebrados entre as partes contratos de empreitada em 2010 e 2011; ter sido combinado que a retenção de 5% do valor de cada pagamento mensal se destinava a garantir o pontual cumprimento dos contratos até à recepção definitiva das obras; em Junho de 2013, a requerida comunicou à requerente os trabalhos ainda por concluir e os defeitos a corrigir; a requerente abandonou a obra e nada mais disse ou fez; a obrigação de devolver as quantias retidas não se venceu, pelo que há lugar à absolvição do pedido.
O tribunal julgou verificada a excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção, absolvendo a ré da instância.

A autora interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1.ª Decorre do disposto no artigo 2º, nº 1, do Dec.-Lei nº 62/2013, que o procedimento de injunção se aplica “a todos os pagamentos efectuados como remuneração de transacções comerciais”;
2.ª A al. b) do art. 3º do citado diploma legal define “transacção comercial” como sendo a transacção entre empresas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração;
3.ª No caso vertente, a A. peticionou o pagamento do remanescente das facturas que identificou e que emitiu na sequência de serviços/trabalhos que prestou à R. no âmbito de contratos de empreitada que com ela celebrou;
4.ª A R. bem entendeu o que lhe era pedido e identificou mesmo os contratos de empreitada em causa;
5.ª A. e R. são sociedades comerciais;
6.ª Assim, ao contrário do decidido, em violação dos anteditos ditames legais, estão reunidas as condições legais para a utilização do procedimento de injunção, tal como fez a recorrente;
7.ª Sendo certo que a alegada (e não demonstrada) complexidade da causa não pode obstar à utilização do procedimento de injunção, por tal interpretação do regime legal carecer de fundamento;
8.ª Sendo certo, por último, que tais questões alegadamente impeditivas da utilização do procedimento de injunção, estão ultrapassadas, uma vez que foi proferido despacho a transmutar o procedimento de injunção em processo comum;
9.ª O procedimento de injunção utilizado pela recorrente conforma-se com as disposições do artigo 7º do regime anexo do Decreto-Lei nº 269/98 e artigos 2º e 10º, nº 1, do Decreto-Lei nº 62/2013, ajustando-se os fundamentos substantivos da sua pretensão a tal procedimento de injunção;
10.ª Tudo razões para julgar procedente o presente recurso de apelação e em consequência revogar-se a decisão recorrida,
prosseguindo os autos os seus ulteriores termos.

A ré apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
a) A Recorrente impugna a Douta Sentença que julgou procedente a exceção inominada de uso indevido do procedimento de injunção e absolveu a Ré, aqui Recorrida, da instância, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 676.º do CPC;
b) Sem razão, uma vez que a Sentença fez uma aplicação criteriosa do Direito, não merecendo qualquer censura, motivo pelo qual deve ser confirmada por este Venerado Tribunal;
c) Com efeito, a Recorrente alega que em cada fatura a Recorrida efetuava uma retenção do valor total a titulo de caução, tendo direito à sua libertação ao fim de cinco (5) anos a contar da data da entrega das obras;
d) Logo, a Recorrente não veio pedir ao Tribunal a quo o pagamento do preço devido pelos serviços prestados no âmbito das empreitadas de construção civil, mas sim a libertação de uma caução destinada a garantir, nomeadamente, a reparação de defeitos dessa obra que pudessem vir a ser detetados durante o período de garantia;
e) É essa a causa de pedir trazida pela Recorrente no requerimento de injunção, consistindo o objeto do litigio em determinar se há defeitos nas obras realizadas pela Recorrente, e se, em função da factualidade que se provar sobre essa matéria, a Recorrente tem direito a receber a quantia peticionada de € 64.933,20;
f) Tal objeto do litigio não se enquadra na noção de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, que legitima o recurso ao procedimento de injunção nos termos Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio;
g) Acresce que, como é referido, e bem, na Sentença impugnada pela Recorrente, o procedimento de injunção é caracterizado pela sua simplicidade e celeridade, estando, por isso, vocacionado para a cobrança simples de dívidas;
h) É certo que, atento o valor da ação, a tramitação subsequente será a do processo declarativo comum, porém, a fase dos articulados já terminou e foi moldada à luz das normas que regulam o procedimento de injunção, manifestamente diferentes daquelas que regulam o processo declarativo comum e prescritas visando a referida simplicidade pressuposta pelo legislador;
i) Nestas circunstâncias, é inadmissível que possa prosseguir uma ação que nasceu “coxa”, por não ser adequada a discutir e decidir os defeitos das empreitadas e a eventual obrigação de restituir a caução, só porque a Recorrente quis “fintar” as regras processuais que lhe impunham o recurso ao processo declarativo comum, e apostar num procedimento que lhe poderia, em certas condições, garantir um titulo executivo rapidamente;
j) Afigura-se, assim, manifesto que o procedimento de Injunção não constitui o meio adequado para peticionar e discutir os defeitos e a obrigação de libertação da caução;
k) Ao contrário do que é alegado pela Recorrente, o facto de, após a oposição, ser operada a transformação ou transmutação do processo injuntivo em processo declarativo comum (como ocorreu nos presentes autos), não impede o Tribunal de declarar a aludida excepção peremptória;
l) O preenchimento dos requisitos legais estabelecidos à admissibilidade do procedimento de injunção é verificado ab initio, e não a posteriori, em função da tramitação processual subsequente determinada pelo valor da causa, não se encontrando na lei qualquer disposição que torne irrelevantes os vícios que pudessem obstar à adoção da injunção quando ela deu entrada no Balcão Nacional de Injunções;
m) Essa solução, além de não ser permitida por lei, frustraria os objetivos subjacentes à instituição deste tipo de procedimentos, com consequências graves, designadamente a diminuição das garantias de defesa, começando logo pelo facto de numa injunção o requerido dispor de 15 dias para deduzir oposição e numa ação declarativa comum o prazo ser de 30 dias.

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Os factos a ter em conta para a economia do presente recurso são os que se descreveram no relatório.
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A única questão a decidir é a de saber se o procedimento de injunção era legalmente adequado à pretensão da requerente.

A) A 1ª instância fundamentou, assim, a sua posição:
“O procedimento de injunção foi criado pelo DL n.º 404/93, de 10.12 com o intuito de tornar célere a execução de dívidas pecuniárias de pequeno valor.
Entretanto, tal diploma veio a ser revogado pelo DL n.º 269/98, de 01.09, cujo art.º 7.°, com as alterações introduzidas pelos DL nºs 383/99, de 23.09, 183/2000, de 10.08, 32/2003, de 17.02 e com o DL n.º 107/2005, de 01.07, veio definir a injunção como "a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o art.º 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro".
Por força do DL n.º 32/2003, de 17.02, que veio proceder a alterações ao regime da injunção, alargou-se o âmbito de aplicação ao atraso no pagamento de transações comerciais, independentemente do valor da dívida.
Por sua vez, o DL n.º 62/2013, de 10.05 veio revogar o DL n.º 32/2003, de 17.02., aplicando-se a contratos celebrados a partir da sua entrada em vigor (01.07.2013).
De acordo com este diploma, entende-se por transação comercial "Qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração" (art.º 3.°, al.b) do citado DL n.? 62/2013, de 10.05).
Como referem João Vasconcelos Raposo e Luís Batista Carvalho, in "Injunções e Ações de Cobranças", p. 28, entende-se por "(…) transação comercial aquele contrato oneroso em que um dos obrigados forneça determinado bem ou preste certo serviço contra uma remuneração, nos casos de contratos em que as contraprestações sejam ambas pecuniárias é inaplicável este regime".
É, assim, pressuposto objetivo genérico do procedimento da injunção, a presença de obrigações pecuniárias geradas por um contrato, melhor, por um negócio jurídico plurilateral de natureza onerosa.
Obrigações pecuniárias essas que, para o efeito pretendido - de determinação do conceito de obrigação pecuniária atualizável pela via da injunção -consiste numa quantia em dinheiro e são de quantidade (aquelas que têm por objeto uma prestação em dinheiro a qual é destinada a proporcionar ao credor o valor da quantia devida e não de determinada espécie monetária- art.º 550.° do Código Civil).
Porém, a obrigação pecuniária que aqui está em análise só pode ser vista em sentido estrito, ou seja, como aquela em que a quantia pecuniária é o próprio objeto da prestação. E não aquela prestação em que o valor pecuniário é perspetivado como meio de liquidação, tal como ocorre na obrigação de indemnização.
Por este motivo se considera que o procedimento de injunção apenas poderá ser utilizado quando em causa a cobrança do preço correspetivo ao valor dos bens fornecidos ou dos serviços prestados (vide o Ac. do TRL, de 21.04.2016, acessível in www.dgsi.pt).
Como se escreve neste aresto, "(…) se bem virmos, as transações comerciais que o legislador teve em mente são as que dão origem à emissão de uma fatura (documento emitido pelo vendedor ou prestador de serviço) como se colhe dos Considerandos 2), 3) e 18) da Diretiva 20 1117/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de fevereiro de 2011, que o DL n.º 62/2013, de 10 de maio transpôs.
Aí se pode ler: "2) A maior parte dos bens e serviços é fornecida no mercado interno por operadores económicos a outros operadores económicos e a entidades públicas em regime de pagamentos diferidos, em que o fornecedor dá ao cliente tempo para pagar a fatura, conforme acordado entre as partes, ou de acordo com as condições expressas na fatura do fornecedor ou ainda nos termos da lei.
(3) Nas transações comerciais entre operadores económicos ou entre operadores económicos e entidades públicas, acontece com frequência que os pagamentos são feitos mais tarde do que o que foi acordado no contrato ou do que consta das condições comerciais gerais. Ainda que os bens sejam entregues ou os serviços prestados, as correspondentes faturas são pagas muito depois do termo do prazo. Atrasos de pagamento desta natureza afetam a liquidez e complicam a gestão financeira das empresas.
Também põem em causa a competitividade e a viabilidade das empresas, quando o credor é forçado a recorrer a financiamento externo devido a atrasos de pagamento. O risco destes efeitos perversos aumenta grandemente em períodos de recessão económica, quando o acesso ao crédito é mais difícil. (…)
(18) As faturas constituem avisos de pagamento e são documentos importantes na cadeia de valor das transações para o fornecimento de bens e a prestação de serviços, nomeadamente para determinar os prazos de pagamento.
Para efeitos da presente diretiva, os Estados-Membros deverão promover sistemas que contribuam para a certeza jurídica no que respeita à data exata da receção das faturas pelos devedores, incluindo a faturação em linha, em que a receção das faturas pode produzir prova eletrónica, a qual é em parte regulada pelas disposições relativas à faturação da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado".
Daí que, em consonância com tal regime, o DL n.º 62/2013 estatui que o "montante devido" integra "as taxas, direitos ou encargos aplicáveis que constam da fatura", atribuindo ainda relevância jurídica à data da receção da fatura pelo devedor (artºs 4.°, nº 3, al. a) e 5.°, nº 1, al. b) do referido diploma).
Atento este quadro conceptual, evidencia-se que no presente caso se mostrava afastada a possibilidade de a autora utilizar o procedimento de injunção, na medida em que este apenas é possível quando esteja em causa a cobrança do preço correspondente ao valor de bens fornecidos ou de serviços prestados.
Tal não é a situação em apreço, conforme deflui do requerimento inicial, do qual emerge que está em causa o pagamento dos valores retidos nas faturas emitidas pela ré.
Os quais, como comummente sucede, se destinam a garantir a boa execução dos trabalhos, correspondendo a uma caução/garantia.
O processo simplificado que o legislador teve em vista com a criação do regime especial da injunção, de modo a facultar ao credor de forma célere a obtenção de um título executivo, em ações que normalmente se revestem de grande simplicidade, não é adequado a decidir litígios decorrentes de contratos que revestem alguma complexidade, como é o caso, em que:
- há que analisar e avaliar clausulado complexo;
- há que analisar e avaliar a participação nesses lucros, calculada segundo critérios complexos;
- há que conceder à requerida a possibilidade de deduzir pedido de reconhecimento de um crédito, por via da reconvenção (art.° 266.°, nº 2, al. c) do Código de Processo Civil).
Destarte, o processo adequado à pretensão da autora será o processo comum (artºs 546.°, nºs 1 e 2 e 548.°, ambos do Código de Processo Civil).
O que distingue o processo comum do procedimento de injunção é que nesta forma processual surge mais vincada a tendência para a simplificação dos atos e a brevidade do julgamento destacando-se, desde logo, uma redução dos prazos e dos articulados admissíveis.
Daqui que, seguindo de perto o aresto do TRL de 21.04.2016, a transmutação em processo comum não tem a virtualidade de sanar as diferenças incontornáveis entre:
- o requerimento de injunção, cujos contornos estão estabelecidos no art. ° 10.° do anexo ao DL n.º 269/98 e a petição inicial que despoleta uma ação de processo comum, a qual, em forma articulada, há de conter os fundamentos de facto e de direito que sustentam a pretensão formulada, desde logo instruída com os pertinentes documentos e indicação de meios de prova;
- a notificação para pagamento em 15 dias ou para dedução de oposição em 15 ou 20 dias, consoante o valor (art°s 12.° n.º 1, 13.° e 15.° do anexo ao DL n.º 269/98) e a citação para contestar no prazo de 30 dias, com possibilidade de prorrogação e de dedução de reconvenção, acompanhada dos documentos que sustentam a pretensão do demandante, com indicação para constituir mandatário, se for o caso;
- a oposição à injunção, que não carece de forma articulada (art°s 15.° e 1°, n.º 3 do já referido anexo) e uma contestação que obedeça aos formalismos enunciados no art.º
572.° do Código de Processo Civil.
Tais diferenças que são, portanto, tão acentuadas nas fases vitais do processo, reforçam a conclusão de que o recurso ao procedimento injuntivo só pode ocorrer quando se verifiquem na íntegra os pressupostos da sua admissibilidade, v.g. quando se trate de uma dívida proveniente de transação comercial, em que esteja em causa o fornecimento de um bem ou a prestação de um serviço.
Ou seja, o requerimento de injunção com a linearidade prevista no art.° 10.° do D.L. n.º 269/98 de 1 de setembro e uma notificação para pagar ou deduzir oposição em 15 dias e com o conteúdo descrito no art.º 13° do mesmo só são compagináveis quando os pressupostos que presidiram à criação deste expediente célere e simples de cobrança de dívidas se verifiquem efetivamente.
Caso contrário, estava encontrado o meio para, com esse propósito, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, defraudando as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção (neste sentido vide o Ac. do TRC de 20.05.2014, acessível in www.dgsi.pt). acabando até por coartar direitos de defesa do réu (mormente com acentuado encurtamento dos prazos para apresentação da defesa).
Donde, não resta senão concluir que foi feito um uso indevido pela autora do procedimento de injunção, o que configura uma exceção inominada que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos do art.° 576.°, n.º 2 do Código de Processo Civil.”.

B) A injunção é uma providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de determinadas obrigações (artigo 7º do Anexo ao DL 269/98, de 1.9).
Começou por abranger as obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância (artigo 1º do DL 269/98), estendeu-se, com o DL 107/2005, de 1.7, às de valor não superior à alçada da Relação (que, à data era de 14.963,94€) e, com o DL 303/2007, de 24/08, alargou-se àquelas de valor não superior a 15.000,00€. E passou a incluir, também, por via do DL 32/2003, de 17.2, as obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas por tal diploma, independentemente do valor da dívida (artigo 7º nº 1 do DL 32/2003), entendendo-se por transacção comercial qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração (artigo 3º do DL 32/2003).
Assim sendo, o credor pode lançar mão do procedimento injuntivo se pretender exigir o cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente (i) de contrato e de valor não superior a 15.000,00€ ou (ii) de transacção comercial que dê origem ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços mediante remuneração.
Nada mais exige a lei. Nomeadamente, inexiste norma que limite o recurso à injunção aos casos simples e/ou céleres. Independentemente do que pudesse ser considerado um caso com tais características (e a respectiva conceptualização afigura-se-nos tarefa muito difícil), há que dizer que, em regra, os requerimentos de injunção – até pelo modelo adoptado – não apontam para especiais dificuldades ou morosidade. O que pode tornar o processo complexo e/ou moroso é, também em regra, a defesa apresentada na oposição. E, naturalmente, não pode ser o teor da defesa apresentada a, retroactivamente, determinar a inadequação do procedimento de injunção. Acresce que, como acima descrevemos, a evolução legislativa foi precisamente no sentido do alargamento das situações que o procedimento injuntivo pode acolher.
[No sentido exposto, Ac. RG de 25.11.21, RC de 9.11.21 e RP de 12.7.21, in http://www.dgsi.pt, respectivamente, Proc. nº 101460/20.2YIPRT.G1, 37724/19.0YIPRT.C1 e 100453/19.7YIPRT.P1]

C) Tendo em conta que o valor do peticionado crédito ultrapassa os 15.000,00€, vejamos, então, se o mesmo resulta de transacção comercial que dê origem ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços mediante remuneração. Para o que importa interpretar o requerimento de injunção (é aí que, verdadeiramente, radica a solução do litígio), à luz das regras do artigo 236º do Cód. Civ..
No requerimento de injunção, a requerente indicou tratar-se de “obrigação emergente de transação comercial” e invocou ter celebrado com a requerida diversos contratos de empreitada (referindo como data do contrato 20.9.10), por via dos quais efectuou vários trabalhos de construção civil. Mais explicou que, conforme acordado entre ambas, em cada factura apresentada pela requerente (enumerou diversas, com datas compreendidas entre 29.9.10 e 5.5.14), a requerida “efetuava uma retenção” do valor total, a título de caução; e que, igualmente conforme combinado, os valores retidos – no total de 49.842,90€ - deveriam ser pagos à requerente 5 anos após a entrega das obras.
Perante tal requerimento, a requerida entendeu que a injunção não visava “o pagamento da remuneração de uma prestação de serviços ou do fornecimento de bens através de uma compra e venda (…), mas sim o cumprimento de uma obrigação de restituir quantias retidas a título de caução”. E a 1ª instância secundou tal entendimento, afirmando que o que está em causa é “o pagamento dos valores retidos nas faturas emitidas pela ré”, “os quais, como comummente sucede, se destinam a garantir a boa execução dos trabalhos, correspondendo a uma caução/garantia”.
A nosso ver, sem a mais leve razão.
Da leitura e interpretação do requerimento injuntivo e considerando o que é frequente suceder em contratos de empreitada - e é, aliás, do conhecimento comum - não temos dúvidas em concluir (como qualquer declaratário normal colocado na posição da requerida) que:
- é trazido aos autos um contrato de empreitada (que constitui uma das modalidades do contrato de prestação de serviços – artigo 1155º do Cód. Civ.), celebrado entre empresas, em que a requerente é a empreiteira e a requerida a dona da obra;
- nessa qualidade, a requerente realizou diversos trabalhos de construção civil que, indubitavelmente, têm como contrapartida um preço (artigo 1207º do Cód. Civ.), a pagar pela requerida;
- tratando-se de empresas e tendo em conta exigências fiscais e contabilísticas, o preço foi objecto de factura/s emitida/s pela requerente (eventuais facturas emitidas pela requerida, naturalmente, a pagar pela requerente, nunca poderiam evidenciar um crédito desta, mas apenas uma dívida);
- relativamente ao valor constante de cada um das facturas, a requerida não pagava a totalidade, antes deduzia uma parte (é comum que essa parte corresponda a uma percentagem do total), sendo este o único sentido a dar à expressão “efetuava uma retenção”. Com efeito, a única realidade que a requerida, obrigada ao pagamento do preço facturado, podia “reter” era, precisamente, o pagamento, posto que não vem equacionado (nem sequer na oposição) que a requerente tenha entregue à requerida qualquer quantia em dinheiro que esta houvesse de restituir;
- a parcela do preço facturado que a requerida não pagava na altura, funcionava como caução, garantindo – como bastas vezes sucede – a boa e completa execução dos trabalhos durante 5 anos.
Não temos, assim, dúvidas de que está em causa uma transacção comercial entre requerente e requerida, pretendendo aquela haver desta o cumprimento do/s contrato/s de empreitada, em concreto, o pagamento parcial do/s preço/s convencionados.
Aliás, a requerida bem entendeu a pretensão da requerente e o quadro factual invocado, juntando aos autos os contratos de empreitada celebrados e esclarecendo que deles consta uma cláusula em que “para garantia e pontual cumprimento do contrato seria deduzida a percentagem de 5% em cada pagamento mensal a fazer à requerente, a título de caução” e até à recepção definitiva da/s obra/s. O que a requerida opôs foi a não ocorrência dessa recepção, sendo certo que a requerente não concluiu todos os trabalhos acordados, abandonando a/s obra/s, mais tendo executado outros defeituosamente.

D) Em conclusão, a pretensão da requerente encontra adequado aconchego formal no procedimento injuntivo.
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Por todo o exposto, acordamos em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogamos a decisão recorrida, ora se decidindo não ocorrer erro na forma do processo e se determinando o prosseguimento dos autos.
Custas pela requerida.

Évora, 28 de Abril de 2022
Maria da Graça Araújo

Anabela Luna de Carvalho

Maria Adelaide Domingos