PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
INTERPELAÇÃO DO DEVEDOR
PROCESSO EXECUTIVO
CITAÇÃO
Sumário

I – Da conjugação do disposto nos artºs 780º nº 1 e 781º ambos do CCivil, prevê-se a possibilidade de o devedor perder o benefício do prazo estabelecido em seu favor e estipulado por convenção das partes, de que beneficiava até ao fim do contrato, com o imediato vencimento da obrigação a seu cargo, quando, por causa que lhe seja imputável, ocorra uma diminuição das garantias do crédito ou, ainda quando a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações e se verifique a falta de realização de uma única dessas prestações.
II - Nestas circunstâncias, face à perda do benefício do prazo pelo devedor(es), o credor passa a ficar em condições de exigir, não só, as prestações já vencidas e em falta, mas também todas as outras que se venceriam até ao “terminus” do contrato, ou seja, o cumprimento integral do contrato de mútuo, desde que interpele o devedor.
III – Essa interpelação pode ser judicial ou extrajudicial.
IV - Por via da interpelação judicial (citação) a ambos os executados, efectuada após a penhora do imóvel dado de garantia, as obrigações exequendas emergentes dos contratos de mútuo, mostram-se exigíveis.
V - A interpelação através da citação apenas terá influência sobre o momento a partir do qual se podem pedir juros relativamente às prestações vincendas mas nunca determinar a extinção da acção executiva com procedência total dos embargos, em virtude da inexigibilidade da quantia exequenda.

Texto Integral

Pº nº 627/21.7T8AGD-A.P1
(549)

Sumário:
………………………………
………………………………
………………………………

ACÓRDÃO

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

AA e BB deduziram os presentes embargos de executado contra P... Company alegando, em síntese:
- a ineptidão do requerimento executivo, por falta de alegação da causa de pedir ou por ininteligibilidade da mesma, por não ter sido feita qualquer referência à eventual resolução do contrato de mútuo dado à execução, nem ao conteúdo do plano prestacional, designadamente quanto ao valor das prestações mensais acordadas entre as partes, à entrada em mora por parte dos embargantes ou sequer ao incumprimento definitivo;
- o valor da quantia exequenda não é o correto, porquanto em 24.04.2020 foi cobrada pela Banco ..., SA uma prestação no valor 3.960,66€ e em 27.04.2020 outra prestação de 1.125,00€, no total de 5.085,96€, valor que não foi totalmente amortizado ao montante da quantia exequenda;
- a ausência de interpelação, dado que nunca receberam qualquer carta da exequente a comunicar a resolução do contrato de mútuo, nem a interpelar os embargantes, pelo que não se verifica o incumprimento definitivo do contrato;
- a não se considerar assim, a exequente não tem direito a receber os juros remuneratórios vencidos e vincendos contados a partir do momento em que considera resolvido o contrato;
- a prescrição dos juros de mora;
- o abuso de direito da exequente, porquanto decorreu um período superior a cinco anos sem que tenha sido promovida qualquer diligência por parte da exequente;
- da falta de integração dos embargantes no PERSI, já que não foram informados do incumprimento, não podendo aceder a este procedimento por causa disso.

Admitidos liminarmente os embargos de executado, veio a exequente apresentar contestação, tendo alegado, em síntese, que aceita que foi indevidamente amortizado o valor de 5.085,96 €.
No tocante à ineptidão e inexigibilidade da quantia exequenda, não se verifica a primeira, porquanto dos títulos executivos dados à execução resulta qual o valor que foi mutuado aos embargantes, tendo a exequente alegado o requerimento executivo a data até à qual as prestações foram cumpridas, encontrando-se dispensada de alegar quaisquer outros factos.
Dado o incumprimento do contrato, o banco mutuante enviou várias cartas de interpelação aos embargantes no período compreendido entre 15.06.2016 a 05.10.2017, para a morada constante do requerimento executivo e onde foram citados para os termos da execução.
Não obstante, atentos os termos do contrato, as obrigações vencer-se-iam e tornariam automaticamente exigível a quantia exequenda, determinando o vencimento antecipado de todas as prestações.
No que concerne à resolução, na sequência do incumprimento verificado por ausência da realização dos pagamentos devidos nos termos contratuais, o que determinou o vencimento antecipado das prestações, operou a resolução automática dos contratos em causa, nos termos do artigo 436/2 do Código Civil.
Quanto aos juros peticionados, os mesmos referem-se ao que ficou contratualizado.
No que toca à prescrição, os embargantes não concretizam a forma como entendem que se aplica a mesma, o mesmo acontecendo com o invocado abuso e direito.
Por fim, e quanto ao PERSI, a integração dos embargantes naquele procedimento foi-lhes comunicada por carta de 23.06.20216, que não manifestaram interesse no mesmo, não enviando a documentação solicitada, o que fez com que o Banco os informasse da extinção do procedimento por cartas datadas de 11.06.2016 e de 29.04.2020.
Conclui pela improcedência dos embargos de executado.

Foi proferida sentença que julgou procedentes os embargos de executado deduzidos por BB e AA contra P... Company declarando extinta a execução.

Inconformada, apelou a exequente, apresentando alegações, cujas conclusões são as seguintes:
………………………………
………………………………
………………………………

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram colhidos os vistos legais.

II – QUESTÕES A RESOLVER
Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente importando decidir as questões nelas colocadas – e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso –, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – artºs. 635º, 639º e 663º, todos do Código Processo Civil.
Assim, em face das conclusões apresentadas, a questão a resolver por este Tribunal é a seguinte:
- Da ausência de interpelação e exigibilidade do crédito exequendo.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na primeira instância, consideraram-se provados os factos seguintes:
A)Foram dados à execução os seguintes contratos de mútuo com hipoteca celebrados entre a Banco ..., SA e os embargantes BB e AA:
1 - o contrato datado de 21 de agosto de 1997, através do qual aquela instituição bancária entregou aos executado o valor de 74.819,68€, ao qual foi atribuído o n.º ...;
2 - o contrato celebrado em 29 de novembro de 1999, através do qual aquela instituição bancária entregou aos executado o valor de 74.819,68€, ao qual foi atribuído o n.º ...;
3 - o contrato celebrado em 5 de novembro de 2007, através do qual aquela instituição bancária entregou aos executado o valor de 50.000,00€, ao qual foi atribuído o n.º PT
....
B) Nos referidos contratos, os executados obrigaram-se a reembolsar o banco mutuante do capital e respetivos juros, em prestações mensais e sucessivas.
C) Para garantia das quantias mutuadas, juros e despesas foi constituída a favor do Banco hipoteca voluntária sobre o prédio urbano, composto por casa de cave, rés-do-chão, primeiro andar, logradouro e jardim, sito à “Rua ..., ...”, Bairro ..., freguesia e concelho de Oliveira do Bairro, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número ....
D) As hipotecas encontram-se definitivamente registadas na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro sob as AP. ... de 1997/07/22, AP. ... de 1999/09/28 e AP. ... de 2007/10/26.
E) A cláusula décima quinta, alínea d) do documento complementar referente aos contratos de mútuos indicados em A)1 e A)2 tem o seguinte teor:
“À credora fica reconhecido o direito de:
d) considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações deste contrato.”
F) A cláusula 13 do documento complementar do contrato de mútuo indicado em A)3 estabelece o seguinte:
1 - O Banco ... poderá considerar antecipadamente vencida em toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:
a) Incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato;
b) Incumprimento pela parte devedora de quaisquer obrigações decorrentes de outros contratos celebrados ou a celebrar com o Banco ... ou com empresas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo;
c) Venda, permuta, arrendamento ou qualquer outra forma de alienação ou oneração, sem prévio acordo, escrito, do Banco ..., dos bens que sejam ou venham a ser dados em garantia das obrigações emergentes do presente contrato e, bem assim, a sua desvalorização que não resulte de uso corrente;
d) Propositura contra a parte devedora de qualquer execução, arresto, arrolamento ou qualquer outra providência judicial ou administrativo que implique limitação da livre disponibilidade dos seus bens;
e) Insolvência de qualquer dos devedores, ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição das garantias de crédito;
2 – Caso ocorra qualquer uma das situações referidas no número anterior, o Banco ... fica com o direito de considerar imediatamente vencidas e exigíveis quaisquer obrigações da parte devedora emergentes de outros contratos com ela celebrados.”
G) Por carta datada 23.03.2016 enviada pelo Banco ... ao embargante BB, dava-lhe conhecimento do seguinte:
Incumprimento – Abertura PERSI
(…)
Por se registar incumprimento na(s) operação(ões) abaixo indicadas:
Crédito habitação
Multiopções – prestação n.º 100, vencida em 05.03.2016, capital vencido 159,19€; juros 13,80€ e juros de mora 0,35€.
Crédito Pessoal Consolidado
Prestação n.º 34 e n.º 35, no valor total em dívida de 604,77€.
Montante total em dívida de 788,68€;
Montante total de juros de mora 8,91€;
Total 797,59€.
Informa-se que, de acordo com o disposto no Art.º 14º do D.L. nº227/2012, de 25 de outubro, procedemos à sua integração nesta data, no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), acima referenciado.
Assim, para a resolução da sua situação de incumprimento e para beneficiar dos direitos consignados no referido Dec-Lei, deverá dirigir-se a uma Agência do Banco ..., até ao dia 2016-04-02, apresentando os seguintes documentos comprovativos:
Última Declaração de IRS e respetiva Certidão de Liquidação;
Documentos comprovativos de rendimentos auferidos, nomeadamente a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais.
Para mais esclarecimentos sobre o PERSI ou negociação de eventuais alternativas para a regularização da situação de Incumprimento poderá dirigir-se a uma Agência da Banco ..., enviar uma mensagem de correio eletrónico para o endereço ... ou consultar ....
(…)
H) Em 11.07.2016, a Banco ..., SA enviou carta à embargante AA, informando o seguinte:
“(…)
PERSI nº ...
(…)
Informa-se que ao abrigo do DL 227/2012 de 25 de outubro, o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) foi extinto em 2016-07-11, por motivo de:
CLIENTE NÃO COLABOROU COM O Banco ...
Caso tenha créditos noutra Instituição de Crédito poderá recorrer a um mediador de crédito, no prazo de 5 dias, para manter ao abrigo das garantias do PERSI.
(…)”
I) Os executados não procederam aos pagamentos das seguintes prestações:
- contrato referido em A1 – prestação vencida em 29.07.2017;
- contrato referido em A2 – prestação vencida em 21.08.2017;
- contrato referido em A – prestação vencida em 05.04.2017.
J) Em 08.08.2017, o Banco ..., SA enviou o 1º Aviso de Incumprimento, relativo ao contrato referenciado em A1, ali referindo que não foi possível cobrar a prestação 207, vencida em 29.07.2017, sendo o valor de capital vencido de 192,89€, juros de 8,86€, comissões de 14,50€, no valor total de 216,25€, a que acrescem juros diários de 0,02€ e taxa e sobretaxa de mora, no valor total de 0,21€, perfazendo 216,46€ o valor global em dívida.
K) Em 31.08.2017, o Banco ..., SA enviou o 1º Aviso de Incumprimento, relativo ao contrato referenciado em A1, ali referindo que não foi possível cobrar a prestação 208, vencida em 21.08.2017, sendo o valor de capital vencido de 182,8€, juros de 8,44€, comissões de 14,50€, no valor total de 205,82€, a que acrescem juros diários de 0,02€ e taxa e sobretaxa de mora, no valor total de 0,20€, perfazendo 206,02€ o valor total em dívida.
L) Em 12.09.2017, o Banco ... enviou o segundo aviso de incumprimento relativo às prestações n.º 207 e 208, referenciadas em F) e G), no valor global de 433,77€.
M) Em 05.10.2017, o banco mutuante enviou 2º aviso de incumprimento aos ora embargantes, relativo ao contrato identificado em A2), por se encontrarem em dívida as prestações n.º 217 e 218, vencidas em 21.08.2017 e 21.09.2017, encontrando-se por pagar o valor global de 412,20€.
N) Entre a exequente P... Company e a Banco ..., SA foi celebrado contrato de cessão de créditos, que englobou o crédito exequendo, em 12 de maio de 2020.
O) Em 24.09.2020, a Banco ... emitiu uma comunicação dirigida a BB com o seguinte teor:
“(…)
PERSI nº ...
(…)
Informa-se que ao abrigo do DL 227/2012 de 25 de outubro, o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) foi extinto em 2016-07-11, por motivo de:
DECORRIDOS MAIS DE 90 DIAS DESDE A INTEGRAÇÃO EM PROCESSO PERSI (SEM ACORDO)
Caso tenha créditos noutra Instituição de Crédito poderá recorrer a um mediador de crédito, no prazo de 5 dias, para manter ao abrigo das garantias do PERSI.
(…)”

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A apelante não impugnou a decisão de facto (artºs 639º e 640º, do CPC).
Logo, é com base no elenco factual supra reproduzido que iremos analisar da justeza da sua pretensão recursória.
In casu, mostram-se dados à execução três contratos de mútuo com hipoteca, os quais integram a previsão do artº 703º nº 1 al. b) do CPCivil, constituindo títulos executivos que importam a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação.
Nos contratos a que faz referência a al. A) dos factos provados, os mutuários/executados/embargantes reconhecem serem devedores das quantias pecuniárias que nas datas respectivas referentes aos três contratos lhes foram entregues pela C..., SA, obrigando-se a restituir à instituição bancária mutuante, os respectivos capitais e juros acordados em prestações mensais e sucessivas de capital e juros.
Não havendo dúvidas quanto aos títulos executivos que foram dados à execução que seguiu a foram sumária (artº 550º nº 2 al. c) do CPCivil), há que apurar se são exigíveis ou não as quantias reclamadas pelo ora exequente, atento o contrato de cessão de créditos celebrado entre a C..., SA e a P... Company em 12/05/2020 e que englobou o crédito exequendo (cfr. al. O) dos factos provados).
Ora bem, o T. a quo, julgou procedentes os presentes embargos de executado, com fundamento na ausência de interpelação prévia dos executados quanto aos contratos de mútuo identificados na al. A) dos factos provados, para efectuarem o pagamento dos valores em dívida, exigíveis por via do disposto no artº 781º do CCivil, concluindo que não pode considerar-se suprida tal omissão com a citação para a acção executiva uma vez que esta ocorreu após a penhora.
Neste contexto, com relevância para a apreciação do presente recurso, importa ter presente o que ficou provado nas als. E) a M) do elenco factual, ou seja, aí se alude às condições em que a instituição bancária mutuante poderá considerar imediata e antecipadamente vencidas todas as obrigações que emergem dos aludidos contratos, para os executados.
De facto, ali se prevê o imediato vencimento dos empréstimos concedidos, se a parte devedora (os executados) deixarem de cumprir alguma das obrigações decorrentes dos aludidos contratos.
Nos termos do artº 432º nº 1 do CCivil, é admitida a resolução do contrato quando fundada na lei ou em convenção das partes, assim se admitindo a resolução convencional, facultando, às partes, de acordo com o princípio da autonomia da vontade, o poder de expressamente, por convenção, atribuir a ambas ou a cada uma delas, o direito (potestativo) de resolver o contrato quando ocorra determinado facto, mais concretamente e, para o aqui interessa, o não cumprimento nos exactos termos acordados.
Em regra, a cláusula resolutiva figura no próprio contrato mas pode também resultar de uma acto separado, contemporâneo ou mesmo posterior à celebração do contrato.
No caso em apreço, as cláusulas referidas em E) e F) da factualidade provada, não consagram a possibilidade de resolução dos contratos por parte do banco mutuante verificados os eventos nelas consignados e imputáveis aos executados tal como vêm descritos nas als. G) a M) dos factos provados, mas apenas, os eventos que sendo imputáveis aos executados conduzem à perda do benefício do prazo conferido a favor dos mesmos e, nesse circunstancialismo consentem ao banco credor considerar imediatamente vencidas todas as prestações que apenas se venceriam sucessivamente no tempo, ou seja, permite-se o vencimento de todas as prestações mensais referentes ao reembolso dos valores financiados e respectivos juros e que, em condições normais de cumprimento só se venceriam no fim da última prestação vencida e paga.
Portanto, o que aqui está em causa não é a resolução ou o termo dos aludidos contratos de mútuo mas apenas e só o cumprimento integral dos mesmos por parte dos executados, mediante a antecipação do vencimento da totalidade das prestações previstas nos contratos em apreciação e que só num futuro se venceriam.
Neste caso, não há que apurar se houve ou não resolução dos contratos através das cartas endereçadas aos executados e mencionadas nas als. G) a M) dos factos provados ou sequer se se impunha a interpelação admonitória prevista no artº 808º nº 1 do CCivil, para efeitos da conversão da mora em incumprimento definitivo, uma vez que, como já se disse, as cláusulas a que aludem as als. E) e F) da factualidade provada não consagram a hipótese de resolução contratual e, consequentemente a obrigação exequenda não decorre dessa resolução mas sim do vencimento antecipado da totalidade das prestações.
A este propósito, ficou demonstrado que os executados deixaram de pagar diversas prestações referentes ao capital e juros convencionados dos contratos de mútuo por si celebrados com a instituição bancária credora -cfr. als. G) a M) dos factos provados.
Ora, dispõe o artº 780º nº 1 do CCivil que «Estabelecido o prazo a favor do devedor, pode o credor, não obstante exigir o imediato cumprimento da obrigação, se o devedor se tornar insolvente, ainda que a insolvência não tenha sido judicialmente declarada ou, se, por causa imputável ao devedor, diminuírem as garantias do crédito ou não forem prestadas as garantias prometidas» (sublinhado nosso)
E, do artº 781º do mesmo código, resulta que «Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas» (sublinhado nosso)
Estipula-se, assim, a possibilidade de o devedor perder o benefício do prazo estabelecido em seu favor e estipulado por convenção das partes, de que beneficiava até ao fim do contrato, com o imediato vencimento da obrigação a seu cargo, quando, por causa que lhe seja imputável, ocorra uma diminuição das garantias do crédito ou, ainda quando a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações e se verifique a falta de realização de uma única dessas prestações.
Nestas circunstâncias, face à perda do benefício do prazo pelo devedor(es), o credor passa a ficar em condições de exigir, não só, as prestações já vencidas e em falta, mas também todas as outras que se venceriam até ao “terminus” do contrato, ou seja, o cumprimento integral do contrato de mútuo – neste sentido, vide I. Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 6ª ed., pag. 261.
Como se disse não é de resolução contratual que se trata mas sim da possibilidade (exigibilidade) de o credor poder exigir antecipadamente do devedor(es) o cumprimento integral do(s) contrato(s), verificadas aquelas condições que importam a perda do benefício do prazo.
De facto, como refere L. Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, II vol., 6ª ed., pags. 162/165 «a perda do benefício do prazo ocorre porque a estipulação do prazo (em favor do devedor) tem por pressuposto a confiança do credor na solvabilidade do devedor, cessando os seus efeitos logo que essa confiança desaparece».
In casu, conforme decorre da matéria de facto provada, o credor está em condições de exigir o imediato vencimento das obrigações vencidas e vincendas, porquanto os devedores/executados deixaram de pagar as prestações convencionadas nos aludidos contratos de mútuo.
Aqui chegados, pergunta-se se será exigível ao credor que interpele (judicial ou extrajudicialmente) o(s) devedor(es), para o pagamento de todas as prestações (totalidade da dívida)?
Segundo A. Varela, M. Bezerra e S. Nora in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pag. 52/53, «O vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda não se vencera constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindindo consequentemente da interpelação do devedor». (sublinhado nosso)
A interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (realizando todas as prestações restantes) constitui a manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui. – neste sentido, vide ac. do STJ de 11/07/2019 (pº nº 6496/16.1T8GMR-A.G1.S1), consultável em www.dgsi.pt
O T. a quo entendeu que a exequente/apelante não interpelou os mutuários/executados para o pagamento do valor total que a exequente considerou vencido.
De facto, no caso ora em análise, o que se verifica da factualidade provada sob as als. G) a M) é que, não foi feita por parte da exequente, ora apelante, interpelação extrajudicial ao(s) devedor(es) no sentido de lhes ser comunicado o vencimento imediato da totalidade dos valores em débito, tendo-lhes apenas e só sido comunicado os valores referentes às prestações vencidas e em dívida.
Assim sendo, será exigível aos devedores/executados a obrigação exequenda por parte do credor, ora apelante?
O T. a quo entendeu que a quantia exequenda não era exigível, por considerar que não pode ser suprida a omissão de falta de interpelação extrajudicial com a citação para a acção executiva uma vez que esta ocorreu após a penhora.
Ora, como resulta do disposto no artº 805º nº 1 do CCivil, a interpelação tanto pode ser extrajudicial como judicial, não havendo qualquer razão para não aproveitar dos seus efeitos ao nível da interpelação dos devedores/executados.
No caso dos autos, o exequente apenas demonstrou ter interpelado os executados com a citação para a acção executiva, após a penhora do imóvel dado como garantia (hipoteca), atenta a forma sumária da execução e uma vez que nada foi suscitado pelo agente de execução em termos de apreciação liminar do requerimento executivo oferecido pela exequente.
Perante isto, tal como consta do recente ac. deste TRP de 21/06/2021 (pº nº 24105/19.5T8PRT-A.P1), consultável em www.dgsi.pt, que trata situação muito idêntica à dos presentes autos e que aqui nos permitimos seguir de perto, a questão que se coloca é saber se tendo a execução sido recebida pelo agente de execução e a penhora tido lugar sem que estivesse demonstrada (em termos de prova complementar, mediante a junção ao requerimento executivo da interpelação extrajudicial realizada) naquela data a exigibilidade da obrigação exequenda, mesmo assim, deve a oposição proceder com este fundamento ou, pelo contrário, atendendo a que o acto exigível (a interpelação) já foi entretanto praticado em relação a ambos os devedores/executados com a sua citação para a execução, deve admitir-se o prosseguimento da execução?
Por concordarmos inteiramente com a solução vertida no citado ac. deste TRP acima referido que, por sua vez reproduz a posição adoptada no ac. do STJ de 16/12/2020 (pº nº 5995/03.0TVPRT-B.P1.S1) proferido na sequência de ac. do TRP de 21/11/2019 (pº nº 5995/03.0TVPRT-B.P1), todos disponíveis em www.dgsi.pt, iremos transcrever a resposta aí exarada àquela pergunta:
“O critério orientador ou determinante não poderá deixar de ser o das consequências desta falta de interpelação. Cumpre, mais precisamente, saber quais os interesses tutelados com a exigência da interpelação e se a falta de interpelação lhes causou algum prejuízo grave ou irreparável. Só na hipótese afirmativa se justificará desaproveitar a citação entretanto efectuada, com o inerente sacrifício da economia processual, e dar procedência à oposição nesta parte. Uma solução meramente formalista, que impusesse uma obediência irrestrita às palavras da lei e não desse atenção às circunstâncias do caso concreto (a eventualidade de os interesses em causa estarem acautelados com a citação posterior e da situação não decorrer prejuízo para ninguém) seria excessiva/desadequada.
A interpelação pode ser definida, de uma forma geral, como o mecanismo através do qual o credor dá conhecimento ao devedor da sua intenção de exigir o cumprimento da obrigação e dos termos em que ele é exigido e, quanto associada ao artigo 781º do CC, como mecanismo através do qual o credor expressa a vontade em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui de instar o devedor a cumprir imediatamente toda a obrigação (realizando todas as prestações restantes).
Como claramente resulta do art. 805º, n.º 1, do CC, a interpelação pode ser extrajudicial ou judicial, sendo consensualmente entendido que esta é um equivalente funcional daquela.
Ora, não há grandes dúvidas de que, ainda que tardia, a interpelação efectuada in casu (consubstanciada na citação dos executados) teve o mesmo conteúdo que teria a citação efectuada antes da penhora e desempenhou a mesma função (a função habitual), tendo os executados ficado a saber da pretensão dos exequentes e do alcance desta pretensão.
Terá a falta de interpelação atempada (i.e, antes da penhora de bens) afectado gravemente ou posto em risco os interesses dos executados merecedores de tutela?
A consequência imediata da penhora dos bens é que os executados foram desapossados destes bens – e desapossados destes bens num momento em que parte da dívida ainda não estava vencida.
O certo é que nada garante que este efeito não se produzisse da mesma forma, em função da dívida já vencida na altura. Quer dizer: ainda que a obrigação exequenda se reduzisse às prestações vencidas, seriam, com toda a probabilidade, penhorados aqueles bens aos executados.”
No caso dos presentes autos, sempre teria que obrigatoriamente ser penhorado o imóvel dado de hipoteca para garantia das obrigações em dívida, como decorre do preceituado no artigo 752º, nº 1 do CPCivil.
Acrescenta ainda o citado ac. do STJ supra mencionado:
“mesmo que assim não fosse, não só seria já impossível eliminar este efeito como também, e sobretudo, já seria impossível evitá-lo para o futuro, uma vez que o argumento do não vencimento da dívida deixou de valer a partir do momento em que os executados foram citados, com isso tomando conhecimento da execução da totalidade da dívida.
Ponderando tudo, o desaproveitamento da interpelação/citação dos executados emerge, em concreto, como não justificado: primeiro, porque ela desempenhou eficazmente a sua função; segundo, e mais importante ainda, porque não se descortinam interesses que reclamassem uma solução destas.”
Sufragando, assim, o entendimento vertido em tal aresto, somos a concluir que, por via da interpelação judicial (citação) a ambos os executados, as obrigações exequendas emergentes dos contratos de mútuo, mostram-se exigíveis, improcedendo, deste modo, a oposição deduzida pelos executados/embargantes, com o consequente prosseguimento dos presentes embargos de executado apenas para conhecimento das demais questões suscitadas pelos mesmos em tal oposição e que se consideraram prejudicadas face à decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Por isso, em nossa opinião, a interpelação através da citação apenas terá influência sobre o momento a partir do qual se podem pedir juros relativamente às prestações vincendas mas nunca determinar a extinção da acção executiva com procedência total dos embargos, em virtude da inexigibilidade da quantia exequenda, como decidiu o T. a quo.
Por último, cabe apenas salientar que não é pelo facto de os embargantes terem alegado que o valor da quantia exequenda não era o correcto que torna a obrigação incerta até porque a exequente na contestação que apresentou já assumiu ter sido indevidamente amortizada a quantia de € 5.085,96.
Procede, assim, a apelação interposta pela exequente.

V – DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida, determinando-se o prosseguimento dos embargos de executado apenas para decisão das restantes questões suscitadas pelos embargantes e consideradas prejudicadas atento o sentido decisório acolhido na sentença recorrida.

Custas da apelação pelos embargantes (sem prejuízo de eventual apoio judiciário de que beneficiem).

(Processado por computador e integralmente revisto pela Relatora)

Porto, 21/03/2022
Maria José Simões
Abílio Costa
Augusto de Carvalho