RECURSO HIERÁRQUICO
PRAZO
CONTAGEM DOS PRAZOS
Sumário

O regime legal de contagem do prazo estabelecido no artº 64 do D.L. 129/98 de 13/5 (recurso do despacho final do Conservador do RNPC) é do Código de Processo Civil.

Texto Integral

Acordam na Relação do Porto

A B........., com sede no ....., na Rua ......, no Porto, recorreu para o Juiz de Direito do Tribunal Cível da comarca do Porto, do despacho do Director-Geral dos Registos e do Notariado, que indeferiu liminarmente, por extemporaneidade, o recurso hierárquico que interpôs para essa entidade do despacho do Conservador do Registo Nacional de Pessoas Colectivas que, por sua vez, indeferiu o pedido de certificado de admissibilidade nº 388861.
Apreciando o referido recurso, o Sr. Juiz julgou-o improcedente, confirmando o mencionado despacho. Foi de tal decisão que a B....... interpôs o presente recurso.
Nas suas alegações, formula as seguintes conclusões:
1 . O Conservador do RNPC é um órgão da Administração Pública, hierarquicamente dependente do Director-Geral dos Registos e do Notariado, que também é um órgão da Administração Pública, que estabelece relações com os particulares, deferindo ou indeferindo as suas pretensões, no desempenho da actividade administrativa de gestão pública de decisão sobre a admissibilidade de firmas e denominações, na prossecução da função pública de providenciar o respeito pelos princípios da exclusividade e da verdade dessas firmas e denominações e da satisfação da necessidade colectiva da segurança jurídica.
2 . É aplicável ao RNPC e às suas relações com os particulares o Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL. nº 442/91, de 15 de Novembro, nos termos doa artº 2º do mesmo.
3 . Nos termos do artº 72º desse diploma, os prazos suspendem-se aos sábados, domingos e feriados.
4 . No artº 64º do DL. nº 129/98 não se estabelece forma diferente e especial de contagem e, muito menos, remissão para o artº 144º do C. P. Civil, não resultando a mesma de qualquer preceito do mesmo ou de outro diploma legal.
5 . Como aí se não estabelece qualquer remissão para o artº 279º do C. Civil, que se não aplica por si, exactamente pela existência da norma especial que é o invocado artº 72º do C. P. Administrativo.
6 . O recurso hierárquico liminarmente indeferido foi interposto por carta registada de 28 de Setembro de 2004, tendo sido recebido no RNPC no dia 29 imediato, sendo que o despacho de que ali se recorreu havia sido notificado a 18 de Agosto de 2004.
7 . É, assim, ao contrário do decidido, patentemente tempestivo o recurso hierárquico.
8 . e é, assim, ilegal o despacho recorrido do Senhor Director-Geral dos Registos e do Notariado confirmado pela sentença recorrida.
9 . Como é ilegal esta sentença, por violação de todos e cada um dos preceitos atrás invocados, e, designadamente, dos arts. 63º nº 1 e 64º do DL. 129/98, de 13 de Maio, 2º e 72º do C. P. Administrativo e 296º e 279º do C. Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que anule o referido Despacho de Sr. Director-Geral dos Registos e do Notariado.
O recorrido contra-alegou, oferecendo o merecimento dos autos.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos, cumpre conhecer do recurso.
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Vêm considerados provados os seguintes factos:
1 . Por despacho nº 388861 do Registo Nacional de Pessoas Colectivas foi indeferido o pedido da ora recorrente no qual requeria a aprovação da denominação «C...............»;
2 . Essa decisão foi notificada por fax à recorrente tendo sido recepcionada em 18.8.2004;
3 . Inconformado com essa decisão a recorrente interpôs, em 20.9.2004 um recurso hierárquico junto do Ex.mo Sr. Director-Geral do Registo Nacional de Pessoas Colectivas;
4 . Esse recurso hierárquico foi indeferido liminarmente por intempestividade, por ter sido interposto 38 dias após a data da notificação do despacho referido em 1..
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Como emerge com clareza das conclusões da alegação da recorrente, a única questão levantada no recurso consiste na determinação do regime legal aplicável à contagem do prazo estabelecido no artº 64º do regime aprovado pelo artº 1º do DL. 129/98 de 13 de Maio.
Segundo essa norma, conjugada com a do artº 63º nº 1 do mesmo regime, dos despachos finais que admitam ou indefiram firmas ou denominações, considerem haver ou não obstáculo legal ao registo de nome de estabelecimento ou declarem a perda do direito à exclusividade, cabe recurso hierárquico para o director-geral dos Registos e do Notariado, a interpor no prazo de 30 dias.
O recurso não foi admitido, por o director-geral dos Registos e do Notariado ter entendido que foi interposto para além do prazo estabelecido, tendo em conta o disposto no artº 144º do C. P. Civil.
Por aí se ter adoptado o regime do C. P. Civil, a recorrente recorreu para o tribunal cível da comarca do Porto, defendendo que antes é aplicável o estabelecido no C. P. Administrativo, solução que aqui continua a defender, face à improcedência da sua pretensão no aludido tribunal.
As teses em controvérsia assentam, uma na natureza de órgão da administração pública do conservador do RNPC, hierarquicamente dependente do director-geral dos Registos e do Notariado, que também é um órgão da administração pública, que estabelece relações com os particulares, cujas pretensões sobre a admissibilidade de firmas e denominações aprecia na prossecução da função pública de regular a respectiva exclusividade e verdade, garantindo a segurança jurídica nesse âmbito.
A outra, adoptada na decisão recorrida, que assinala nos actos de registo do conservador uma natureza não inteiramente administrativa, mas sim jurisdicional ou parajudicial.
Esta última, radica na vinculação à livre interpretação que faça da lei, com autonomia próxima da actividade de julgar, do conservador.
É, contudo, na natureza própria do registo público, que reside o acento não administrativo da função do conservador.
Com efeito, embora se trate de órgão da administração pública, a sua intervenção destina-se a publicitar, e titular reflexamente, a situação jurídica, direitos e interesses dos particulares, no âmbito do direito privado.
Quem se apresenta a requerer o registo, não coloca o seu interesse em relação com qualquer interesse próprio do Estado, como pessoa de direito público, mas tão só com o interesse público, no sentido de interesse geral, na segurança jurídica, no caso assegurado através de um órgão da administração pública.
Por isso mesmo, a denominada privatização do notariado, actividade semelhante, não interfere essencialmente com a natureza desta, dado serem particulares os interesses que titula.
Assim, a orientação seguida na decisão recorrida, é a consentânea com a natureza do acto primitivamente recorrido.
Acresce uma outra razão, não tratada ainda nos autos, mas de relevo.
Na versão do C. P. Civil aprovado pelo DL. 29.637 de 28 de Maio de 1939, nos arts. 1082º e ss, regulava-se o recurso dos conservadores, aliás no seguimento do já constante dos arts. 788º a 791º do código anterior, salvaguardada a regulação da matéria nos arts. 252º e 253º do C. Registo Predial no período imediatamente anterior à entrada em vigor daquele.
Foi na citada versão de 1939 do C. P. Civil, que se introduziu o recurso hierárquico, na altura para o ministro da Justiça, concretamente no artº 1087º, previamente ao recurso contencioso, quer dizer, ao recurso para os tribunais comuns.
Mesmo desprezando o facto de a matéria constar do Código de Processo Civil, acresce que não havia nesse diploma qualquer norma própria para a contagem do prazo de admissão do referido recurso, o que significa que se aplicava o regime geral constante dos respectivos arts. 143º e ss.
O facto de a regulamentação dos recurso dos mencionados actos dos conservadores ter passado do C. P. Civil para o DL. 37.666 de 19 de Dezembro de 1949, aí limitado ao recurso para o ministro da Justiça, não teve continuidade, pois pela lei nº 2049 de 6 de Agosto de 1951, respeitante à organização dos serviços do Registo e do Notariado, as disposições do C.P. Civil respeitantes à matéria foram reintroduzidas, sendo reproduzidos na íntegra, nos arts. 165º a 170º os arts. 1082º a 1088º do C. P. Civil de 1939, na parte respeitante aos conservadores e aos notários.
A posterior arrumação das normas equivalentes em diplomas sectoriais, p.ex. nos arts. 140º e ss. do C. Registo Predial vigente e incluindo, quanto ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas, o DL 129/98 de 13 de Maio, nos arts. 63º e ss., em nada interfere com a persistente inclusão do tratamento dos recursos que se vêm referindo, no regime próprio do processo civil, por isso também no tocante ao prazo de interposição e respectiva contagem.
Pelo exposto se conclui que o presente recurso não deve ter êxito.
Consequentemente, decide-se julgá-lo improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 29 de Novembro de 2005
António de Antas de Barros
Cândido Pelágio Castro de Lemos
Alberto de Jesus Sobrinho