I - O regime jurídico do acompanhamento do maior permite ao tribunal ´escolher e adequar`, em cada situação ´concreta`, as medidas que melhor possam contribuir para alcançar o seu ´objeto`, que é, o de assegurar o bem-estar, a recuperação e o pleno exercício da sua capacidade de agir.
II - As medidas aplicadas estão sujeitas a um controlo periódico (consentâneo com a natureza casuística e reversível do acompanhamento); o próprio beneficiário poderá pedir a modificação do acompanhamento, v. g., no tocante à pessoa do acompanhante e concretas medidas aplicadas, ou a sua cessação.
I. Em 12.11.2020, o M.º Público instaurou a presente ação especial de acompanhamento em benefício de AA, nascida a .../.../1968, solteira, residente na Casa de Saúde ..., ..., ..., requerendo a aplicação das seguintes medidas de acompanhamento: a) Representação geral, com dispensa da constituição do Conselho de Família (art.º 145º, n.ºs 2 alínea b) e 4 do Código Civil/CC); b) Limitação do direito pessoal de testar (art.º 147º, n.º 2 do CC). E pediu a publicidade da decisão final por anúncios em sítio oficial (art.º 893º, n.º 2 do Código de Processo Civil/CPC).
Alegou, nomeadamente: a requerida é portadora de um quadro clínico compatível com o diagnóstico de esquizofrenia de tipo paranoide, doença que se manifesta por delírios, alucinações e alterações do comportamento; a requerida não tem crítica para a sua doença, e a necessidade da medicação, o que inviabiliza que possa ter vida autónoma; necessita de alguém que a represente de forma a suprir a sua incapacidade; não há notícia que tenha celebrado testamento vital ou outorgado mandato para gestão dos seus interesses.
Para exercer as funções de Acompanhante indicou BB, ... onde a requerida se encontra.
A ação foi publicitada mediante editais.
Face do teor da certidão negativa de citação, cumpriu-se o disposto no art.º 21º, n.º 2 do CPC (nomeação de defensor oficioso).
O “ACeS” do Baixo Mondego informou que a requerida não possui registo de Testamento Vital, nem procuração para cuidados de saúde.
Procedeu-se à audição pessoal da requerida
Junto o relatório da perícia médico-legal (psiquiátrica) - no qual se concluiu que a examinada apresenta o diagnóstico de Esquizofrenia, ao qual se associa um processo de declínio cognitivo, sendo recomendável que continue a beneficiar, como até à data, do apoio, supervisão e cuidados por parte de familiares e/ou instituição para este tipo de casos, bem como de um regular acompanhamento médico-psiquiátrico -, o Mm.º Juiz a quo, ao abrigo do disposto nos art.ºs 138º e seguintes do CC e 891º e seguintes do CPC, decidiu[1] (reproduz-se o segmento injuntivo):
«julgo a presente ação procedente e, consequentemente:
1. Decreto o acompanhamento da requerida, AA cometendo ao acompanhante, as seguintes medidas de acompanhamento: 1.1. Representação geral; 1.2. Administração total de bens;
Nos termos do artigo 145º, n.º 4 do Código Civil, dispensa-se a constituição do conselho de família.
Nomeio acompanhante, BB, ... onde a Requerida se encontra.
Não se fixa regime de visitas ou de contactos entre acompanhante e acompanhada, uma vez que vivem na mesma residência.
Consigna-se que a maior acompanhada não outorgou testamento vital nem procuração para cuidados de prestação de saúde.
(...)
Publicite a presente decisão através de anúncios em sítio oficial - cf. art.º 893º, n.º 2 do Código Civil.
Revisão da presente decisão: Decorridos cinco anos após a data do respectivo trânsito em julgado.
Ponha em alarme.»
Inconformada, a requerida apelou formulando as seguintes conclusões:
1ª - Na origem do presente processo de Acompanhamento de Maior, temos o processo n.º 9873/18...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal ... – Juiz ... – Internamento Compulsivo, que sujeitou a Recorrente a um internamento compulsivo, com início no dia 26.12.2019, no Centro Hospitalar .../E..., EPE, por manter em casa 50 gatos, 1 pombo e 1 cão (fl. 19 dos autos).
2ª - O diagnóstico inicial emitido pelo .../E..., EPE aponta para uma Psicose SOE (fl. 17 dos autos).
3ª - Por falta de vagas nos hospitais daquela região de ..., a recorrente foi transferida para a Casa de Saúde ..., em ....
4ª - Tendo o caso sido sinalizado ao M.º ..., este deu início ao presente processo de Acompanhamento de Maior, onde pede como medidas de acompanhamento: a Representação Geral; e a Limitação do direito pessoal de testar, por apresentar um quadro clínico de esquizofrenia do tipo paranoide; e indica como acompanhante a CC, Sra. BB.
5ª - O M.º Público utiliza como prova da doença da Recorrente, uma informação clínica emitida pelo médico psiquiatra da Casa de Saúde ..., que, diferente do diagnóstico de Psicose SOE, diagnostica uma esquizofrenia, enquadrada na categoria F20.0, pela CID-10, 1993 (fls. 4 e 17 dos autos).
6ª - Diferente da esquizofrenia, a Psicose SOE, na maioria dos casos, pode ser tratada com medidas de apoio.
7ª - Na sequência, foi nomeada defensora à recorrente e oferecido prazo de 10 (dez) dias para contestar a ação.
8ª - Por falta de elementos, que não foram disponibilizados atempadamente pela Casa de Saúde ... - ..., a defensora não apresentou a contestação.
9ª - Entretanto, e após insistência da defensora, no dia 23.12.2021, a Casa de Saúde ... enviou informação social, informação do seu médico psiquiatra, informação clínica do Hospital .../E..., EPE e relatório social da recorrente, o qual foi junto aos autos (fls. 15-20 dos autos).
10ª - No dia 06.01.2021, o Tribunal a quo procedeu à audição da requerida/recorrente, tendo determinado que fosse solicitado exame médico ao INML, consignou que o processo passou a ter natureza urgente e determinou que a elaboração e remessa do relatório pericial deveria ser efetuada com a maior brevidade possível, no prazo de 30 dias (cf. fls. 22-23 dos autos).
11ª - Neste mesmo dia, o Tribunal a quo enviou ao INML... todos os documentos necessários para a boa elaboração do relatório, inclusive, informação social, informação do médico psiquiatra da Casa de Saúde ..., informação clínica do Hospital .../E..., EPE e relatório social da recorrente.
12ª - O relatório não foi elaborado no prazo determinado pelo Tribunal a quo,
tendo o seu teor sido disponibilizado apenas 11 (onze) meses após, no dia 03.12.2021.
13ª - As peritas que realizaram os exames concluíram que: “embora seja expectável que a examinanda venha a desenvolver um processo de deterioração cognitiva mais grave, a extensão dos seus efeitos não nos surge como suficiente para considerarmos que, em razão dessa situação, esteja totalmente impedida do exercício pleno, pessoal e consciente dos seus direitos e deveres”; “incoerências entre os relatos da examinada e as informações constantes nas peças processuais”, “na generalidade a examinada estará numa fase inicial de um processo de declínio cognitivo”, um “insignificante prejuízo/dano funcional em competências adaptativas” (fls. 81 e 87-88 dos autos).
14ª - Apesar disso, acabam por concluir que: “No entanto, atendendo à evolução e ao impacto que a sua doença de base acarreta, e a que já existe o referido prejuízo a nível cognitivo, surge-nos que poderá beneficiar de medidas de representação especial para a administração de património” e, do ponto de vista médico-psiquiátrico, que “é recomendável que continue a beneficiar, como até à data, do apoio, supervisão e cuidados por parte de familiares e/ou instituição vocacionada para este tipo de casos, bem como de um regular acompanhamento médico-psiquiátrico” (fls. 81-82 dos autos).
15ª - Nenhum dos relatórios elaborados pelo INML... faz alusão ao motivo que levou a recorrente a ser internada de forma compulsiva, nem ao diagnóstico de Psicose SOE, que lhe serviu de fundamento.
16ª - O Tribunal a quo acompanhou a orientação das peritas, prolatando sentença no dia 06.12.2021, e decretando o Acompanhamento de Maior, com medidas de: Representação Geral; e Administração total de bens, nomeando como acompanhante, BB, Superiora e Assessora de Direção da Casa de Saúde ... - ... (cf. fls. 91-92).
17ª - Decreta o regime de acompanhamento, mesmo fazendo referência a “Nessa medida, entendemos, por ora, em face de tal quadro clínico, não limitar a capacidade da requerida quanto ao exercício pleno, pessoal e consciente dos seus direitos e deveres, pois não resulta de forma concludente e manifesta a impossibilidade do respectivo exercício”.
18ª - O processo de Acompanhamento de Maior tem como intuito proteger um indivíduo, que, “por razões de saúde, deficiência ou pelo seu comportamento”, não se mostre capaz de “exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres…”.
19ª - Desta forma, e por ser a limitação da capacidade de um indivíduo uma medida bastante gravosa, não deve e nem pode ser tomada sem prova robusta que conclua pela existência de doença impeditiva da pessoa exercer de forma livre e consciente todos os seus direitos e deveres.
20ª - O relatório médico-psiquiátrico, deve ser bem fundamentado e conter todos os requisitos constantes no n.º 1, do art.º 899º do CPC.
21ª - Temos um relatório que se funda basicamente em outros relatórios e na opinião, eivada de preconceitos religiosos, de uma enfermeira, que não tem em consideração a motivação do internamento compulsivo, que foi uma Psicose SOE (Sem Outra Especificação); que não especifica de forma detalhada quais são os delírios, as alucinações e alteração de comportamento que levaram os peritos a desenquadrar a Psicose SOE e enquadrar na esquizofrenia; não demonstra com clareza se o declínio cognitivo observado se deve à suposta doença ou se está ligado ao internamento que já tem uma duração de 2 (dois) anos, ao excesso de medicamentos ministrados, à ausência de convívio com pessoas saudáveis, que a remete para uma folie imposée ou uma folie induite, que são os efeitos do convívio.
22ª - Os relatórios periciais indicam que “a extensão dos seus efeitos não nos surge como suficiente para considerarmos que, em razão dessa situação, esteja totalmente impedida do exercício pleno, pessoal e consciente dos seus direitos e deveres”, mas, ao recomendarem a manutenção da atual institucionalização, acabam por orientar o Tribunal a quo na violação do disposto nos art.ºs 138º e seguintes do CC.
23ª - Na dúvida, o acompanhamento do maior não deveria ter sido decretado.
24ª - Desta forma, os art.ºs 138º e seguintes do CC deveriam ter sido aplicados apenas se se tivesse assegurada a existência do princípio da necessidade e do princípio da subsidiariedade, tal como podemos verificar na decisão da ..., no processo n.º 3974/17...., e assim acabam por ser violados.
25ª - A sentença do Tribunal a quo, ao determinar o acompanhamento de maior
para uma pessoa que não tem necessidade do mesmo, determinou a sua permanência na Casa de Saúde ... - ..., que, salvo o devido respeito, é um “hospício”, onde estão internados doentes com afeção mental muito graves e com os quais a requerida/recorrente tem que conviver diariamente e a tempo integral, como ela refere “fechada num espaço doentio, onde a maior parte dos utentes revela comportamento fora dos parâmetros de uma mente saudável, entre gritos, choros e desentendimentos da mesmas, acompanhadas de desfiles de andarilhos e cadeiras de rodas, a partilhar quarto entre oito pessoas num espaço fechado ao mundo, onde não lhe é disponibilizada uma janela para ver o sol nascer, onde já assistiu a morte de duas utentes e ataque de outra, precisamente, no momento de uma refeição, em que mesmo à sua frente esteve a doente a revirar os olhos e a cair no chão” (fl. 40 dos autos).
26ª - Ao manter a recorrente institucionalizada na Casa de Saúde ..., está a se demonstrar uma solução que nem assegura e nem restabelece o equilíbrio psíquico da requerida, bem como não favorece o desenvolvimento das suas capacidades, ou a sua integração crítica no meio social, violando o preceituado no n.º 1, do art.º 2º da Lei da Saúde Mental - Lei n.º 36/98, de 24.7.
27ª - Certo é que, com o regime aplicado não se está a assegurar o bem-estar e
a recuperação da beneficiária, antes pelo contrário, está a sujeitá-la ao convívio com pessoas com quem não revela o menor afeto e sujeita apenas a tratamento medicamentoso para pessoas com esquizofrenia, violando, desta forma, o previsto no n.º 1 do art.º 140º do CC.
28ª - O internamento compulsivo da recorrente, de forma prolongada há 2 (dois) anos, e agora a sentença que mantém o internamento na Casa de Saúde ..., viola o art.º 3º da Lei da Saúde Mental, que tem como princípios gerais de política de saúde mental: “a) A prestação de cuidados de saúde mental é promovida prioritariamente a nível da comunidade, por forma a evitar o afastamento dos doentes do seu meio habitual e a facilitar a sua reabilitação e inserção social; b) Os cuidados de saúde mental são prestados no meio menos restritivo possível; c) O tratamento de doentes mentais em regime de internamento ocorre, tendencialmente, em hospitais gerais; d) No caso de doentes que fundamentalmente careçam de reabilitação psicossocial, a prestação de cuidados é assegurada, de preferência, em estruturas residenciais, centros de dia e unidades de treino e reinserção profissional, inseridos na comunidade e adaptados ao grau específico de autonomia dos doentes”, bem como o art.º 26º da Convenção Sobre os Direitos Das Pessoas Com Deficiência, Adotada a 13.12.2006 (resolução A/RES/61/106).
29ª - Por mais que se diga que com a medida de Representação Geral não se tolhe a liberdade de um indivíduo, quando esta medida é aplicada para uma pessoa que esteja institucionalizada, sempre estará sujeita às regras da Instituição, que, no caso em concreto, condiciona em tudo a vida da recorrente, que hoje se encontra sem liberdade para sair, com visitas controladas ao critério da instituição, sem liberdade para a criação cultural, uma vez que já não consegue desenvolver o projeto de edição de livros, sem liberdade para o exercício da sua religião, uma vez que está impedida de prestar o seu culto no templo, o que, neste sentido, viola o disposto no n.º 1, do art.º 41º; e no art.º 42º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
30ª - Desta forma, a decretação do acompanhamento da recorrente, viola o seu direito fundamental à liberdade, consagrado nos art.ºs 9º/b, 18º, 27º e 41º da CRP.
31ª - Para além disso, o Tribunal a quo funda a sua decisão no pressuposto “que
a requerida beneficiará da nomeação de acompanhante, que dela possa cuidar e com quem mantenha afetividade”.
32ª - A recorrente não pode deixar de mencionar o facto de não ter nenhuma relação de proximidade ou afetividade com a pessoa escolhida pelo Tribunal a quo para ser sua acompanhante.
33ª - E disso alertou ao Tribunal a quo em sua carta que foi junta aos autos (fls. 25-42).
34ª - Assim, ao não considerar a vontade da requerida, o Tribunal a quo violou
o disposto nos art.ºs 138º e ss do CC, bem como os art.ºs 14º e 19º da Convenção Sobre os Direitos Das Pessoas Com Deficiência, Adotada a 13.12.2006 (resolução A/RES/61/106).
35ª - Entristece a recorrente saber que trabalhou durante mais de 20 (vinte) anos como docente, tendo passado em diversos concursos para tal, inclusive públicos, sem nada que manche a sua curricula, mas, que, um dia sonhou escrever livros para crianças, até demitiu-se do seu trabalho como docente para se dedicar ao projeto “...”, no entanto, apesar de ter dado início ao trabalho, não chegou a obter lucros, e as coisas à sua volta se deterioraram, e, por ser uma pessoa honesta, decidiu ficar sem nada em casa, mas sem dívidas com terceiros.
36ª - Desde o dia 26.12.2019, data em que foi internada de forma compulsiva, tem colaborado com tudo o que lhe é pedido.
37ª - Desta forma, o bem-estar e o pleno exercício de todos os direitos da requerida, podem e devem ser garantidos através dos deveres gerais de cooperação e de assistência.
38ª - A recorrente merece uma melhor proteção por parte da justiça.
39ª - Conforme o disposto no n.º 2, do art.º 202º da CRP, cabe em especial aos Tribunais, “assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”.
40ª - A decisão do Tribunal a quo, ao não observar que a medida de acompanhamento só deve ser decretada no caso de necessidade, acaba por violar a alínea b), do n.º 1, art.º 5º da Lei da Saúde Mental, que prevê como direito do utente: “Receber tratamento e protecção, no respeito pela sua individualidade e dignidade”, bem como a alínea b) do art.º 9º e o n.º 2, do art.º 18º, art.º 26º, n.º 1 do art.º 27º e n.º 1 e alínea a) do n.º 3, do art.º 64º da CRP.
41ª - Desta forma, e tendo em atenção a desnecessidade do acompanhamento de maior, a requerida/recorrente, está a ser sujeita a tratamento cruel, degradante e desumano, violando, assim, o disposto no n.º 2, do art.º 25º da CRP e os art.ºs 15º e 17º da Convenção Sobre os Direitos Das Pessoas Com Deficiência, Adotada a 13.12.2006 (resolução A/RES/61/106).
42ª - Desta forma, a sentença proferida pelo Tribunal a quo, por os fundamentos que servem de base estar em oposição com a decisão, padece de nulidade,
conforme previsto na alínea c), do n.º 1, do art.º 615º do CPC.
43ª - Igualmente padece de nulidade a sentença, por o juiz do Tribunal a quo ter deixado de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, violando, desta forma, o preceituado na alínea d), do n.º 1, do art.º 615º do CPC.
44ª - Normas violadas: art.ºs 9º/b, 18º/2, 25º/2, 26º, 27º/1, 41º, 42º, 64º/1 e 3 a), e 202º/2 da CRP; 138º e seguintes do CC; 2º/1, 3º/1 a) a d) e 5º/1 b) da Lei da Saúde Mental - Lei n.º 36/98, de 24.7; 14º/2, 15º, 17º, 19º e 26º da Convenção Sobre os Direitos Das Pessoas Com Deficiência, Adotada a 13.12.2006 (resolução A/RES/61/106).
45ª - Os art.ºs 138º e seguintes do CC, deveriam ter sido interpretados tendo em atenção o conteúdo específico dos princípios da necessidade e da subsidiariedade, que regem a ação especial de acompanhamento de maior, conforme encontramos descritos no cit. acórdão exarado pela Relação ....
Remata reafirmando a dita “nulidade da sentença” e pedindo o levantamento da medida de internamento, substituindo-a por outra que não restrinja os direitos pessoais da requerida, tais como deveres gerais de cooperação e assistência, através de acompanhamento em consultas de psiquiatria, com terapias cognitivo-comportamental e com técnicas motivacionais, aliados ao apoio social para a sua reinserção na sociedade.
A Exma. Magistrada do M.º Público respondeu concluindo pela improcedência do recurso.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa conhecer e/ou reapreciar, principalmente, da oportunidade e adequação/necessidade das medidas de acompanhamento aplicadas.
a) A requerida, filha de DD e de EE[2], é natural da freguesia ..., concelho ....
b) Seguida em consulta de psiquiatria no .../..., em 2019, por quadro psicopatológico de natureza psicótica com anos de evolução, sem crítica para a sua condição mórbida ou para a necessidade de tratamento, foi sujeita a avaliação clínico-psiquiátrica que determinou o seu tratamento compulsivo.
c) Em 26.12.2019, foi internada em regime compulsivo no .../..., por sintomatologia psicótica.[3]
d) Residia no distrito ..., desde os 23 anos de idade.
e) Solteira, sem filhos, vivia em casa própria, sozinha, com 50 gatos, 1 cão e 1 pombo.
f) À data, não mantinha qualquer contacto com a sua mãe.
g) Tem um irmão, residente em ..., com quem contacta regularmente por telefone e que a visitou aquando do seu internamento[4], havendo assumido o pagamento das despesas pessoais da requerida[5].
h) Era Professora do ensino primário do Agrupamento de Escolas ..., tendo-se despedido (em 2018) alegando “justa causa”.[6]
i) Sem recursos que lhe permitissem assegurar as necessidades básicas, recorreu à “casa da sopa” e acabou por vender todo o recheio da habitação para fazer face às despesas correntes.
j) Dormia num colchão no chão.
k) Os vizinhos fizeram várias queixas às Entidades de Saúde Pública relacionadas com os animais existentes na habitação da requerida (falta de higiene e salubridade).
l) Os animais foram retirados pelas Associações Protetoras; o Departamento de Salubridade da Câmara ... efetuou a desinfestação.
m) Deixou de pagar as mensalidades pela aquisição de habitação própria.
n) Foi admitida na Casa de Saúde ..., a 01.7.2020 (para continuidade de cuidados), referenciada pelo Centro Hospitalar .../....
o) Em informação clínica prestada por médico psiquiatra, em 14.9.2020 e 21.12.2020, fez-se constar que a requerida “é portadora de um quadro clínico caraterizado por delírios, alucinações e alterações do comportamento,[7] sem crítica para o seu estado, compatível com o diagnóstico de esquizofrenia de tipo paranoide (categoria F20.0, pela 10ª Classificação Internacional de Doenças, CID-10, 1993), a qual é uma doença crónica e incapacitante, necessitando de tratamento psicofarmacológico, bem como de apoio e vigilância permanente por parte de terceiros.”
p) Submetida a exame pericial psiquiátrico, na Delegação do Centro do INML/Serviço de Clínica e Patologia Forenses, no dia 25.3.2021, fez-se constar do respetivo relatório (de 30.11.2021), sob o item “História pessoal”, designadamente: «(...) evidencia dificuldade no relacionamento interpessoal, hostilidade verbal e discurso centrado em temáticas bíblicas ou de grandiosidade. Tem também recusado colaborar nas tarefas propostas, bem como em dar consentimento para a realização de um conjunto de procedimentos médicos, tidos como necessários.»
Depois, sob o enquadramento “Observação psicopatológica”: no discurso, “evidenciava ideação delirante de grandiosidade e mística”; “apresentava ausência total de ´insight` e juízo crítico para a sua situação clínica”; “evidenciava défice a nível das funções cognitivas”[8].
q) Conclui-se, no mesmo relatório, que a requerida “apresenta o diagnóstico de Esquizofrenia, enquadrável no código 6A20 da 11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde da Organização Mundial de Saúde (CID-11), ao qual se associa um processo de declínio cognitivo, em fase inicial.”.
r) E que “embora seja expectável que a examinanda venha a desenvolver um processo de deterioração cognitiva mais grave, a extensão dos seus efeitos não nos surge como suficiente para considerarmos que, em razão dessa situação, esteja totalmente impedida do exercício pleno, pessoal e consciente dos seus direitos e deveres. No entanto, atendendo à evolução e ao impacto que a sua doença de base acarreta, e a que já existe o referido prejuízo a nível cognitivo, (...) poderá beneficiar de medidas de representação especial para a administração de património.
s) Referiu-se, por último: “na ausência de outro tipo de informação, podemos fixar a data provável de início, a pelo menos, 8 de novembro de 2021, data do Relatório de Avaliação Psicológica”; “do ponto de vista médico-psiquiátrico, é recomendável que continue a beneficiar, como até à data, do apoio, supervisão e cuidados por parte de familiares e/ou instituição vocacionada para este tipo de casos, bem como de um regular acompanhamento médico-psiquiátrico.”
2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.
O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código (art.º 138º do CC, na redação conferida pela Lei n.º 49/2018, de 14.8[9]).
O acompanhamento é decidido pelo tribunal, após audição pessoal e direta do beneficiário, e ponderadas as provas (art.º 139º, n.º 1). Em qualquer altura do processo, podem ser determinadas as medidas de acompanhamento provisórias e urgentes, necessárias para providenciar quanto à pessoa e bens do requerido (n.º 2).
O acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as exceções legais ou determinadas por sentença (art.º 140º, n.º 1, sob a epígrafe “objetivo e supletividade”). A medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam (n.º 2).
O acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, pelo cônjuge, pelo unido de facto, por qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorização, pelo Ministério Público (art.º 141º, n.º 1). O tribunal pode suprir a autorização do beneficiário quando, em face das circunstâncias, este não a possa livre e conscientemente dar, ou quando para tal considere existir um fundamento atendível (n.º 2).
O acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente (art.º 143º, n.º 1). Na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respetivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente: a) Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto; b) Ao unido de facto; c) A qualquer dos pais; d) À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado; e) Aos filhos maiores; f) A qualquer dos avós; g) À pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja integrado; h) Ao mandatário a quem o acompanhado tenha conferido poderes de representação; i) A outra pessoa idónea (n.º 2).
O acompanhamento limita-se ao necessário (art.º 145º, n.º 1). Em função de cada caso e independentemente do que haja sido pedido, o tribunal pode cometer ao acompanhante algum ou alguns dos regimes seguintes: a) Exercício das responsabilidades parentais ou dos meios de as suprir, conforme as circunstâncias; b) Representação geral ou representação especial com indicação expressa, neste caso, das categorias de atos para que seja necessária; c) Administração total ou parcial de bens; d) Autorização prévia para a prática de determinados atos ou categorias de atos; e) Intervenções de outro tipo, devidamente explicitadas (n.º 2).
No exercício da sua função, o acompanhante privilegia o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada (art.º 146º, n.º 1). O acompanhante mantém um contacto permanente com o acompanhado, devendo visitá-lo, no mínimo, com uma periodicidade mensal, ou outra periodicidade que o tribunal considere adequada (n.º 2).
O exercício pelo acompanhado de direitos pessoais e a celebração de negócios da vida corrente são livres, salvo disposição da lei ou decisão judicial em contrário (art.º 147º, n.º 1). São pessoais, entre outros, os direitos de casar ou de constituir situações de união, de procriar, de perfilhar ou de adotar, de cuidar e de educar os filhos ou os adotados, de escolher profissão, de se deslocar no país ou no estrangeiro, de fixar domicílio e residência, de estabelecer relações com quem entender e de testar (n.º 2).
O internamento do maior acompanhado depende de autorização expressa do tribunal (art.º 148º, n.º 1). Em caso de urgência, o internamento pode ser imediatamente solicitado pelo acompanhante, sujeitando-se à ratificação do juiz (n.º 2).
O acompanhamento cessa ou é modificado mediante decisão judicial que reconheça a cessação ou a modificação das causas que o justificaram (art.º 149º, n.º 1). Podem pedir a cessação ou modificação do acompanhamento o acompanhante ou qualquer uma das pessoas referidas no n.º 1 do artigo 141º (n.º 3).
O tribunal revê as medidas de acompanhamento em vigor de acordo com a periodicidade que constar da sentença e, no mínimo, de cinco em cinco anos (art.º 155º).
3. O processo de acompanhamento de maior tem carácter urgente, aplicando-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes (art.º 891º, n.º 1 do CPC, na redação introduzida pela Lei n.º 49/2018, de 14.8, sob a epígrafe “natureza do processo e medidas cautelares”). Em qualquer altura do processo, podem ser requeridas ou decretadas oficiosamente as medidas cautelares que a situação justificar (n.º 2).
O juiz determina, quando o processo deva prosseguir e o requerente da medida não seja o beneficiário, a sua imediata citação pelo meio que, em função das circunstâncias, entender mais eficaz (art.º 895º, n.º 1). Se a citação não produzir efeitos, nomeadamente em virtude de o beneficiário se encontrar impossibilitado de a receber, aplica-se o disposto no artigo 21º (n.º 2).
Findos os articulados, o juiz analisa os elementos juntos pelas partes, pronuncia-se sobre a prova por elas requerida e ordena as diligências que considere convenientes, podendo, designadamente, nomear um ou vários peritos (art.º 897º, n.º 1). Em qualquer caso, o juiz deve proceder, sempre, à audição pessoal e direta do beneficiário, deslocando-se, se necessário, ao local onde o mesmo se encontre (n.º 2).
Quando determinado pelo juiz, o perito ou os peritos elaboram um relatório que precise, sempre que possível, a afeção de que sofre o beneficiário, as suas consequências, a data provável do seu início e os meios de apoio e de tratamento aconselháveis (art.º 899º, n.º 1). Permanecendo dúvidas, o juiz pode autorizar o exame numa clínica da especialidade, com internamento nunca superior a um mês e sob responsabilidade do diretor respetivo, ou ordenar quaisquer outras diligências (n.º 2).
Reunidos os elementos necessários, o juiz designa o acompanhante e define as medidas de acompanhamento, nos termos do artigo 145º do Código Civil e, quando possível, fixa a data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes (art.º 900º, n.º 1, sob a epígrafe “decisão”). O juiz pode ainda proceder à designação de um acompanhante substituto, de vários acompanhantes e, sendo o caso, do conselho de família (n.º 2). A sentença que decretar as medidas de acompanhamento deverá referir expressamente a existência de testamento vital e de procuração para cuidados de saúde e acautelar o respeito pela vontade antecipadamente expressa pelo acompanhado (n.º 3).
4. A proteção da saúde mental efetiva-se através de medidas que contribuam para assegurar ou restabelecer o equilíbrio psíquico dos indivíduos, para favorecer o desenvolvimento das capacidades envolvidas na construção da personalidade e para promover a sua integração crítica no meio social em que vive (art.º 2º, n.º 1 da Lei n.º 36/98, de 24.7/Lei de Saúde Mental[10]). As medidas referidas no número anterior incluem ações de prevenção primária, secundária e terciária da doença mental, bem como as que contribuam para a promoção da saúde mental das populações (n.º 2).
Sem prejuízo do disposto na Lei de Bases da Saúde, devem observar-se os seguintes princípios gerais: a) A prestação de cuidados de saúde mental é promovida prioritariamente a nível da comunidade, por forma a evitar o afastamento dos doentes do seu meio habitual e a facilitar a sua reabilitação e inserção social; b) Os cuidados de saúde mental são prestados no meio menos restritivo possível; c) O tratamento de doentes mentais em regime de internamento ocorre, tendencialmente, em hospitais gerais; d) No caso de doentes que fundamentalmente careçam de reabilitação psicossocial, a prestação de cuidados é assegurada, de preferência, em estruturas residenciais, centros de dia e unidades de treino e reinserção profissional, inseridos na comunidade e adaptados ao grau específico de autonomia dos doentes (art.º 3º, n.º 1).
Sem prejuízo do previsto na Lei de Bases da Saúde, o utente dos serviços de saúde mental tem ainda o direito de: a) Ser informado, por forma adequada, dos seus direitos, bem como do plano terapêutico proposto e seus efeitos previsíveis; b) Receber tratamento e proteção, no respeito pela sua individualidade e dignidade; c) Decidir receber ou recusar as intervenções diagnósticas e terapêuticas propostas, salvo quando for caso de internamento compulsivo ou em situações de urgência em que a não intervenção criaria riscos comprovados para o próprio ou para terceiros; (...) (art.º 5º, n.º 1).
O internamento compulsivo[11] só pode ser determinado quando for a única forma de garantir a submissão a tratamento do internado e finda logo que cessem os fundamentos que lhe deram causa (art.º 8º, n.º 1). O internamento compulsivo só pode ser determinado se for proporcionado ao grau de perigo e ao bem jurídico em causa (n.º 2). Sempre que possível o internamento é substituído por tratamento em regime ambulatório (n.º 3). As restrições aos direitos fundamentais decorrentes do internamento compulsivo são as estritamente necessárias e adequadas à efetividade do tratamento e à segurança e normalidade do funcionamento do estabelecimento, nos termos do respetivo regulamento interno (n.º 4).
O portador de anomalia psíquica grave que crie, por força dela, uma situação de perigo para bens jurídicos, de relevante valor, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, e recuse submeter-se ao necessário tratamento médico pode ser internado em estabelecimento adequado (art.º 12º, n.º 1). Pode ainda ser internado o portador de anomalia psíquica grave que não possua o discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do consentimento, quando a ausência de tratamento deteriore de forma acentuada o seu estado (n.º 2).
A decisão sobre o internamento é sempre fundamentada (art.º 20º, n.º 1). A decisão de internamento identifica a pessoa a internar e especifica as razões clínicas, o diagnóstico clínico, quando existir, e a justificação do internamento (n.º 2).
O internamento é substituído por tratamento compulsivo em regime ambulatório sempre que seja possível manter esse tratamento em liberdade, sem prejuízo do disposto nos artigos 34º e 35º (art.º 33º, n.º 1).
O internamento finda quando cessarem os pressupostos que lhe deram origem (art.º 34º, n.º 1). A cessação ocorre por alta dada pelo diretor clínico do estabelecimento, fundamentada em relatório de avaliação clínico-psiquiátrica do serviço de saúde onde decorreu o internamento, ou por decisão judicial (n.º 2). A alta é imediatamente comunicada ao tribunal competente (n.º 3).
Se for invocada a existência de causa justificativa da cessação do internamento, o tribunal competente aprecia a questão a todo o tempo (art.º 35º, n.º 1). A revisão é obrigatória, independentemente de requerimento, decorridos dois meses sobre o início do internamento ou sobre a decisão que o tiver mantido (n.º 2). Tem legitimidade para requerer a revisão o internado, o seu defensor e as pessoas referidas no art.º 13º, n.º 1 (n.º 3). Para o efeito do disposto no n.º 2 o estabelecimento envia, até 10 dias antes da data calculada para a revisão, um relatório de avaliação clínico-psiquiátrica elaborado por dois psiquiatras, com a eventual colaboração de outros profissionais de saúde mental (n.º 4). A revisão obrigatória tem lugar com audição do Ministério Público, do defensor e do internado, exceto se o estado de saúde deste tornar a audição inútil ou inviável (n.º 5).
5. O Mm.º Juiz a quo apresentou a seguinte fundamentação:
«Quanto aos requisitos necessários para a aplicação de medidas de acompanhamento, conforme salienta Mafalda Miranda Barbosa na intervenção que efectuou na ação de formação contínua dedicada ao novo regime do maior acompanhado e que se encontra publicada e disponível no sítio do Centro de Estudos Judiciários: «São dois os requisitos para que possa ser decretado o acompanhamento, um de ordem subjetiva e outro de ordem objetiva.
No que ao primeiro respeita, haveremos de considerar a impossibilidade de exercer plena, pessoal e conscientemente os direitos ou cumprir os deveres. Em causa está, portanto, a possibilidade de o sujeito formar a sua vontade de um modo natural e são. Por um lado, há-de ter as capacidades intelectuais que lhe permitam compreender o alcance do ato que vai praticar quando exerce o seu direito ou cumpre o seu dever. Por outro lado, há-de ter o suficiente domínio da vontade que lhe garanta que determinará o seu comportamento de acordo com o pré-entendimento da situação concreta que tenha. Em suma, trata-se da possibilidade de o sujeito se autodeterminar, no que respeita ao exercício dos seus direitos e ao cumprimento dos seus deveres. A lei prescinde agora dos requisitos da habitualidade, permanência e durabilidade e permite que o acompanhamento seja decretado em relação a um especial domínio da vida do beneficiário e a situações transitórias. Pense-se, por exemplo, no internamento subsequente a um acidente, tratamento ou intervenção cirúrgica, que deixa a pessoa impossibilitada de exercer os seus direitos por um período de tempo relativamente curto. Mas continua a exigir-se uma certa constância, até porque o acompanhamento só será decretado quando não seja possível alcançar as finalidades que com ele se prosseguem através de deveres gerais de cooperação e assistência.
Quanto ao requisito de índole objetiva, exige-se que a impossibilidade para exercer os direitos ou cumprir os deveres se funde em razões de saúde, numa deficiência ou no comportamento do beneficiário. (…)
Nas razões de saúde integram-se quer as patologias de ordem física, quer as patologias de ordem psíquica e mental. Parece, portanto, haver um alargamento em relação ao quadro de fundamentos das interdições e inabilitações, não se ficando preso a uma ideia estrita de anomalia psíquica. Já no que respeita à deficiência, integram-se na previsão normativa os cegos e os surdos-mudos, a que já se referia o anterior regime das interdições e inabilitações, tal como se integram as deficiências mentais, aí também contempladas. Fundamental é que a deficiência limite o desempenho do sujeito em termos volitivos e/ou cognitivos. (...) Fundamental é que o comportamento concreto se repercuta na impossibilidade de exercer direitos e cumprir deveres, isto é, que o comportamento seja causa, em concreto, pelo menos num domínio específico da vida, da falta de autodeterminação da pessoa. (...)»
Aqui chegados, todos os elementos que os autos nos fornecem apontam claramente para a necessidade de acompanhamento da requerida, e subsequente cometimento de medida de acompanhamento ao acompanhante, pois que o bem-estar, assim como o pleno exercício de todos os direitos da requerida não se mostram garantidos através dos deveres gerais de cooperação e de assistência.
Com efeito, e a título principal, como se pode constatar das conclusões do relatório médico pericial (perícia psiquiátrica) junto aos autos, a fls. 81, a requerida “apresenta o diagnóstico de Esquizofrenia, enquadrável no código 6A20 da 11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde da Organização Mundial de Saúde (CID-11), ao qual se associa um processo de declínio cognitivo, em fase inicial.”. Acrescentando a perícia psicológica, a fls. 87, entre outras conclusões, que “Tendo em conta o seu grupo etário e nível de escolaridade, na generalidade a examinada estará numa fase inicial de um processo de declínio cognitivo, com o comprometimento acentuado da eficiência intelectual ao nível da função cognitiva específica da memória”. Sendo ainda apontado à requerida, nas conclusões da referida perícia psicológica, a fls. 88, “que é evidente a ausência de espírito crítico perante o seu estado de saúde (negando qualquer problema de saúde).”.
Perante este contexto, é lícito concluir que a requerida beneficiará da nomeação de acompanhante, que dela possa cuidar e com quem mantenha afetividade, “atendendo à evolução e ao impacto que a sua doença de base acarreta, e a que já existe o referido prejuízo a nível cognitivo” – cf. fls. 81, parte final da perícia psiquiátrica. (...)
Ora, considerando globalmente todos os elementos constantes dos autos, concordamos com a medida de acompanhamento proposta pelo Ministério Público, devendo ainda ser acometida ao acompanhante a administração total dos bens da requerida.
Já no que tange à aplicação de outras limitações à capacidade da requerida, conclui a avaliação clínica e parecer psiquiátrico-forense que - cf. fls. 81 -: “embora seja expectável que a examinanda venha a desenvolver um processo de deterioração cognitiva mais grave, a extensão dos seus efeitos não nos surge como suficiente para considerarmos que, em razão dessa situação, esteja totalmente impedida do exercício pleno, pessoal e consciente dos seus direitos e deveres.” Nesta medida, entendemos, por ora, em face de tal quadro clínico, não limitar a capacidade da requerida quanto ao exercício pleno, pessoal e consciente dos seus direitos e deveres, pois não resulta de forma concludente e manifesta a impossibilidade do respetivo exercício.»
6. A situação dos autos não é isenta de dificuldades.
Todavia, por exemplo, os elementos disponíveis pouco ou nada esclarecem sobre a vida da requerida no período imediatamente anterior às aparentes/presumíveis dificuldades no contexto laboral e no seu relacionamento com os vizinhos, circunstancialismo necessariamente ligado às vicissitudes da sua vida pessoal referidas, principalmente, em II. 1. e) a k) supra.
Acresce que pouco sabemos sobre o relacionamento da requerida com os seus familiares e as possibilidades/potencialidades dessa relação para a sua vida futura e, quiçá, a cessação da atual situação de internamento e a modificação ou cessação das medidas de apoio aqui em causa.
Nada sabemos a respeito dos amigos, colegas e pessoas que mais de perto lidaram com a requerida ao longo dos últimos anos (!), mormente no período anterior ao internamento compulsivo, no seu decurso e no tempo presente.
Perante a descrita escassez de elementos, existindo um processo autónomo de internamento compulsivo e dada a natureza complexa da doença que afetará a requerida, dir-se-á, por um lado, que, por ora, não vemos alternativa às decretadas (genéricas) medidas de acompanhamento (representação geral e apoio patrimonial) e, por outro lado, justificar-se-á, talvez, a impulso da própria requerida (em colaboração com os seus patronos), desencadear os procedimentos considerados adequados tendentes a uma oportuna/tempestiva reavaliação quer da sua situação de internamento e dos pressupostos que a determinaram, quer das medidas aqui questionadas com a eventual adoção de outras que melhor respondam à vontade da requerida e assegurem o seu bem estar e a sua recuperação.
7. Cremos que só uma melhor indagação e uma mais cuidada e completa análise da concreta situação da requerida possibilitará caminhar no sentido de “uma sábia e humana relação de compreensão e ajuda à pessoa doente, na sua diversa (psico)patologia e personalidade”, sendo que a mesma “deve ter direito ao tratamento mais eficaz e completo (...) para a recuperação da saúde e uma vida útil e satisfatória, sem estigmas, nem marginalizações”, desiderato, naturalmente, sempre possível.[12]
8. Não obstante, afigura-se que os relatórios clínicos aludidos em II. 1. o) a s), supra, não merecem as reservas ou reparos suscitados na alegação de recurso, porquanto não deixa de existir uma adequada correlação entre o que ali se expressa, a factualidade apurada e o conhecimento científico divulgado desde a primeira metade do séc. XX, que considera, nomeadamente:
- A Demência esquizofrénica verdadeiramente “sui generis” deixa intactas ou pelo menos não compromete diretamente as organizações cerebrais mediante as quais a psique apreende, fixa e elabora os dados da experiência;
- O esquizofrénico acalenta e nutre no mais íntimo da sua personalidade recônditos afetos, inconfessáveis desejos, por vezes formidáveis aspirações;
- Em vez de se manter no domínio da realidade e de dirigir a sua atividade sobre o meio, procurando obter mediante o seu esforço a tangível realização dos seus desejos, evade-se dela, volta decididamente as costas ao mundo objetivo, ensimesma-se e compraz-se em procurar na fantasia uma espécie de ´autossatisfação das suas aspirações` – satisfação meramente subjetiva, mas que acaba por adquirir para ele o valor da realidade. ´O sonho substitui a ação, o sonhado tem o valor do vivido`.[13]
Ademais, demonstra-se a factualidade indicada em II. 1., supra, e nenhuma censura merece a sentença por a ter acolhido, sendo que esta Relação não deixou de atender a toda a prova junta aos autos, inclusive, “a informação (disponível) que deu impulso ao internamento compulsivo”[14].
9. Além da factualidade mencionada em II. 1., supra, foram analisadas, por esta Relação, nomeadamente, a audição realizada a 06.01.2021 e a carta/exposição da requerida junta aos autos em 15.01.2021 (fls. 22 e 25).
Tendo-se adiantado a resposta a dar ao presente recurso, importa considerar as concretas questões colocadas.
10. A manutenção, ou não, do internamento (e questões diretamente conexas) deverá ser decidida no processo de Internamento Compulsivo - cf. II. 1. alíneas b) e c), supra; art.ºs 148º, n.º 1 e 149º, n.ºs 1 e 3 do CC e art.ºs 8º, 12º, 33º, n.º 1, 34º e 35º da Lei n.º 36/98, de 24.7; cf., ainda, II. 6., in fine, supra.
11. No processo de maior acompanhado questionam-se “os tipos de apoio necessários àquela pessoa para que exerça a sua capacidade jurídica”; devendo-se respeitar “a autonomia da pessoa com deficiência no alcance de suas possibilidades”, importa igualmente “protegê-la na medida das suas vulnerabilidades”.
O regime jurídico do acompanhamento do maior respeita, sempre que possível, a ´vontade` do beneficiário e a sua ´autodeterminação`, limita-se ao ´necessário` e permite ao tribunal ´escolher e adequar`, em cada situação ´concreta`, as medidas que melhor possam contribuir para alcançar o seu ´objeto`, que é, o de assegurar o bem estar, a recuperação e o pleno exercício da sua capacidade de agir.[15]
12. A medida de acompanhamento de maior só é decretada se estiverem preenchidas duas condições:
- Uma condição positiva (orientada por um princípio de necessidade): tem de haver justificação para decretar o acompanhamento do maior e, designadamente, uma das medidas enumeradas no art.º 145º, n.º 2, CC; isto significa que, na dúvida, não é decretada nenhuma medida de acompanhamento;
- Uma condição negativa (norteada por um princípio de subsidiariedade): dado que a medida de acompanhamento é subsidiária perante os deveres gerais de cooperação e assistência (nomeadamente, de âmbito familiar) (art.º 140º, n.º 2, CC), o tribunal não deve decretar aquela medida se estes deveres forem suficientes para acautelar as necessidades do maior.[16]
13. Face ao descrito enquadramento e atentos os elementos disponíveis, afigura-se que a decisão sob censura, que decretou o acompanhamento, visa garantir a defesa dos direitos da requerida/recorrente, inclusive, na sua vertente patrimonial.
As medidas aplicadas são adequadas, proporcionais e necessárias atentas as conhecidas particularidades do presente caso.
E, obviamente, estão sujeitas a um controlo periódico (consentâneo com a natureza casuística e reversível do acompanhamento); a própria beneficiária/recorrente poderá pedir a modificação do acompanhamento, no tocante à pessoa do acompanhante e concretas medidas aplicadas, ou a sua cessação - cf., designadamente, art.ºs 149º e 155º do CC e 891º, n.º 1 e 899º do CPC e II. 6., in fine, supra.
14. A respeito da acompanhante nomeada impõe-se dizer que, pesem embora os “reparos” feitos na dita carta/exposição e no recurso da requerida, não foi indicada outra pessoa que a pudesse substituir[17] e a sua designação obedeceu ao disposto no art.º 143º do CC.[18]
15. Não se verificam as apontadas “nulidades da sentença”, pois é evidente que inexiste qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão e o Mm.º Juiz a quo pronunciou-se sobre as questões que lhe cabia apreciar; a sentença sob censura não padece assim de vício suscetível de a ferir de nulidade (na previsão da 1ª parte das alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC) - cf., nomeadamente, II. 5. e II. 8., supra.
16. Concluindo: existindo, é certo, as limitações e as dificuldades mencionadas em II. 6. e 7., supra, cremos, no entanto, que o Mm.º Juiz a quo deu a resposta reclamada pelo caso concreto, com as vicissitudes e a configuração que emergem dos autos.[19]
17. Como na “conclusão 38ª”, ponto I., supra, podemos/devemos afirmar que “a recorrente merece uma melhor proteção por parte da justiça” ou a melhor proteção por parte da justiça e das Instituições de Saúde e de Solidariedade Social.
Contudo, a (possível e desejável) revisão ou modificação (e, no limite, cessação) das medidas aplicadas - a oportuna adoção de medidas que deem a melhor resposta às necessidades da requerida - implicará um diferente quadro fático (uma melhor configuração da realidade), muito provavelmente, derivado ou sequente a um maior e melhor empenhamento de todos quantos possam contribuir para o bem-estar da requerida.
De resto, ao processo de acompanhamento de maior é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes (art.º 891º, n.º 1 do CPC).
18. Improcedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso, não se mostrando violadas quaisquer disposições legais.
Sem custas.
05.4.2022
[8] No relatório (de 08.11.2021) da avaliação psicológica a que foi submetida a 16.6.2021, conclui-se, designadamente: “Tendo em conta o seu grupo etário e nível de escolaridade, na generalidade a examinada estará numa fase inicial de um processo de declínio cognitivo, com o comprometimento acentuado da eficiência intelectual ao nível da função cognitiva específica da memória”; “é evidente a ausência de espírito crítico perante o seu estado de saúde (negando qualquer problema de saúde)”.
[9] Diploma que criou o regime jurídico do maior acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação, previstos no Código Civil de 1966, e introduzindo alterações a diversos diplomas legais, entre os quais, os Códigos Civil e de Processo Civil (art.ºs 1º, 2º e 3º); entrou em vigor em 10.02.2019 (art.º 25º, n.º 1).
[10]Diploma que estabelece os princípios gerais da política de saúde mental e regula o internamento compulsivo dos portadores de anomalia psíquica, designadamente das pessoas com doença mental (art.º 1º).
[11] Definido como internamento por decisão judicial do portador de anomalia psíquica grave (art.º 7º, alínea a)).
[12] Vide José Manuel Paiva Jara, Prefácio de “A vida psíquica dos esquizofrénicos – Professor Sobral Cid” / Clássicos da Psiquiatria, Padrões Culturais Editora, 2011, págs. 8 e 13.
[13] Vide Sobral Cid, A vida psíquica dos esquizofrénicos, Clássicos da Psiquiatria, Padrões Culturais Editora, 2011, págs. 25 e 26.
[14] Cf. o ponto 54. da fundamentação da alegação de recurso.
[15] Vide A. Pinto Monteiro, Das incapacidades ao maior acompanhado, RLJ, 148º, págs. 72 e seguintes.
Afirma ainda o referido Autor (sublinhado nosso), na parte inicial do referido artigo (págs. 72 e 73): «É claro que há ´razões de fundo`, razões que estiveram presentes na tomada de posição de várias instâncias internacionais, no sentido de ´valorizar os direitos das pessoas deficientes`, da sua ´dignidade` e ´autonomia`. Para lá dos avanços da ciência médica, também de um ponto de vista social foram vários os apelos - entre nós e por esse mundo fora - a uma nova compreensão dos problemas das pessoas com deficiências físicas ou mentais, ou com quaisquer outras limitações que afetem a sua capacidade jurídica. Essa tomada de consciência deu corpo a um movimento internacional de peso. / A este respeito, impõe-se mencionar a ´Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência`, adotada pelas ´Nações Unidas` em 30 de Março de 2007 (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 56/2009, de 7 de Maio, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 71/2009, de 30 de Julho), bem como o respetivo ´Protocolo Adicional`, adotado pelas Nações Unidas na mesma data de 30 de Março de 2007 (e aprovado pela Resolução da AR n.º 57/2009, tendo sido ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 72/2009, de 30 de Julho). / Neste contexto, já antes se destacara a Recomendação (99) 4, do Conselho da Europa, adotada em 23 de fevereiro de 1999, com a proclamação de alguns princípios aplicáveis à proteção de adultos incapazes, entre os quais os da ´flexibilidade`, da ´proporcionalidade`, da ´subsidiariedade` e da ´necessidade`, princípios esses que mais tarde a Convenção de Nova Iorque veio também acolher e sublinhar.»
E, na sua parte final (pág. 84): «(...) temos hoje, dizia, um regime que segue um modelo ´flexível` e ´monista`, de ´acompanhamento ou apoio, casuístico e reversível`, que respeita na medida do possível a ´vontade` das pessoas e o seu poder de ´autodeterminação`. / É claro que o sucesso, na prática, deste novo modelo vai depender, em grande medida, dos tribunais, pela ´responsabilidade acrescida` que o novo regime lhes atribui, na definição - e ´revisão - das medidas adequadas a cada deficiente, a cada situação! ´ / É esta mais uma tarefa que a lei confia aos tribunais, ´no desempenho da nobre missão de servir a vida! `»
[16] Vide Miguel Teixeira de Sousa, O Regime do Acompanhamento de Maiores: Alguns Aspetos Processuais /Cadernos do CEJ/Formação Contínua, O Novo Regime do Maior Acompanhado (pág. 51) - http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Regime_Maior_Acompanhado.pdf.
[17] Neste contexto, temos por inteiramente pertinente o afirmado na resposta à alegação de recurso: «(...) a indicação da Responsável da Instituição, como Acompanhante, resulta do desconhecimento quanto à existência de familiar próximo que se interesse pela saúde e bem-estar da Requerida e que, designadamente, a visite agora ou antes, por forma a impedir que a situação que levou ao processo de internamento compulsivo, tivesse sido evitada.»
[18] Não se encontrando suficiente similitude com o caso decidido pelo acórdão da RC de 03.11.2020-processo 156/19.9T8OHP.C1 [assim sumariado: «I - O acompanhante ao qual se referem os artigos 138º e seguintes do Código Civil – maior acompanhado –, deve ser alguém em quem o acompanhado deposite confiança e este último, se as suas faculdades mentais lhe permitam fazer tal avaliação, é a pessoa melhor colocada para saber em quem confia. II - A dignidade da pessoa implica que se respeite a sua vontade quanto aos aspetos da sua vida privada, salvo se se mostrar que a pessoa, em relação a esse ato de vontade, já não tem capacidade para compreender e avaliar a realidade que o cerca. III - Tendo o Requerido declarado na contestação, através do defensor nomeado, que não tem bom relacionamento com a Requerente, sua esposa, a qual pretende ser nomeada sua acompanhante, e que não quer que ela seja nomeada para esse cargo, tal declaração é, em regra, suficiente para impedir que essa pessoa seja nomeada acompanhante.»], relatado pelo aqui 1º adjunto, publicado no “site” da dgsi.
[19] A propósito do aresto citado amiúde na alegação de recurso - acórdão da RL de 04.02.2020-processo 3974/17.9T8FNC.L1-7, publicado no “site” da dgsi [com o sumário: «I - A medida de acompanhamento de maior só é decretada se estiverem preenchidas duas condições: - uma positiva (princípio de necessidade): tem de haver justificação para decretar o acompanhamento do maior e uma das medidas enumeradas no art.º 145º, n.º 2 do CC, sendo que na dúvida, não é decretada nenhuma medida de acompanhamento; - uma negativa (princípio de subsidiariedade): a medida de acompanhamento é subsidiária perante deveres gerais de cooperação e assistência, nomeadamente de âmbito familiar (art.º 140º, n.º 2, CC), não devendo o tribunal decretar essa medida se estes deveres forem suficientes para acautelar as necessidades do maior. II - A regra geral é de reconhecer a capacidade da pessoa humana para exercer de forma livre os seus direitos pessoais (art.º 147º, n.º 2 do CC), sendo as restrições ou limitações ao seu exercício a exceção, que sempre deverá ser bem fundamentada.»] -, sempre se dirá que, ao contrário do presente caso, questionava-se, ali, o internamento da beneficiária autorizado pelo tribunal recorrido e veio a concluir-se não decorrer dos autos “a necessidade premente do internamento”, tal como se conclui que se justificava o acompanhamento geral, mas era desnecessária a decretada “restrição de direitos pessoais” em toda a sua amplitude.