SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663º/7 do CPC):
I.–No exercício de comparação das marcas, devemos atender ao elemento dominante de cada marca, ao seu núcleo essencial, desvalorizando os pormenores, interessando sobretudo considerar aquilo que o consumidor (médio) retém da marca quando não a tem à sua frente, ou seja, a reminiscência que ficou na sua memória e que permite reconhecer o sinal quando o voltar a encontrar.
II.–Existindo semelhança gráfica e fonética do elemento verbal/nominativo das marcas em confronto, para além de semelhança do ponto de vista conceptual, existe possibilidade de confusão/associação entre os produtos/serviços que as marcas se destinam a assinalar, pelo que se mostra preenchido o requisito de imitação de marca previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 238.º do Código da Propriedade Industrial e consequentemente, verifica-se o fundamento de recusa do registo previsto no art. 232º/1 b) do mesmo diploma legal.
III.–As marcas de prestígio gozam de uma protecção reforçada contra o seu uso no comércio, ainda que para designar produtos ou serviços que não tenham qualquer afinidade com os produtos que aquelas se destinam a assinalar, desde que se demonstre uma utilização que vise tirar indevidamente partido do carácter distintivo ou do prestígio da marca anterior ou possa prejudicar o seu titular e não ocorra justo motivo para o pedido de registo apresentado por terceiro (art. 235º CPI).
III.–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A)–FACTOS PROVADOS
O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos, com relevância para a decisão [transcrição]:
1–A recorrente é titular da marca da União Europeia nº 017363037
pedida em 18/10/2017 e concedida em 30/01/2018 para assinalar nas classes 25, 28, 32, 41 e 42 da Classificação Internacional de Nice, os seguintes produtos e serviços: «25 Vestuário; Calçado; Chapelaria; Canos de botas; Palas de boné; Sovacos para vestuário; Ferragens para calçado; Gáspeas para calçado; Armações de chapéus; Calcanheiras; Calcanheiras para meias; Tacões [salto alto]; Solas interiores; Antiderrapantes para calçado; Bolsos para vestuário; Forros pré-feitos [partes de vestuário]; Peitilhos de camisas; Encaixes de camisa; Solas para calçado; Pitons de calçado de futebol; Protetores para calçado; Viras de calçado.
28 Jogos; Aparelhos de ginástica; Artigos e equipamento de desporto; Decorações para árvores de Natal; Decorações festivas e árvores de Natal artificiais; Aparelhos para feiras e recreios; Brinquedos; Artigos para festas [artigos de cotilhão]; Maquinas de jogos para jogos de azar ou fortuna; Aparelhos para jogos, sem ser os adaptados para uso com um monitor; Aparelhos de jogos de vídeo; Máquinas de jogos de vídeo [arcade]; Máquinas de jogo automáticas, de pré-pagamento; Slot machines; Unidades portáteis para jogos de vídeo; Jogos portáteis com ecrãs de cristais líquidos; Modelos de veículos à escala; Veículos de brinquedo; Drones [brinquedos]; Capas especialmente concebidas para esquis e pranchas de surf; Isco artificial para pesca; Rodelas para tacos de bilhar; Marcadores de bilhar; Tabelas para mesas de bilhar; Indicadores de picada [artigos de pesca]; Detetores de picada [artigos de pesca]; Câmaras de ar de bolas de jogo; Cápsulas para pistolas [brinquedos]; Giz para tacos de bilhar; Suportes de árvores de natal; Árvores de natal de material sintético; Confetti; Sacos de cricket; Utensílios para reparar terreno [acessório de golfe]; Arestas de esquis; Carrosséis de feiras; Anzóis; Bóias de pesca; Sacos de golfe, com ou sem rodas; Vísceras para a pesca; Cordas de tripa para raquetes; Carretos para papagaios de papel; Linhas de pesca; Mastros para pranchas à vela; Bolas de pintura [munições para paintball]; Chapéus de festa em papel; Almofadas de proteção [partes de vestuário de desporto]; Carretos para a pesca; Rolos para bicicletas estáticas de exercício; Resina para desportistas; Peles de foca [revestimento para esquis]; Fixadores de ski; Revestimentos de esquis; Cordas para raquetes; Correias para pranchas de surf.
32 Cerveja; Águas minerais [bebidas]; Águas gasosas; Bebidas sem álcool; Bebidas de sumos de frutos; Xarope para fazer bebidas; Preparações para fazer bebidas; Bebidas energéticas.
41 Educação; Formação; Serviços de divertimento; Atividades desportivas e culturais; Publicações e reportagens informativas; Organização de conferências, exposições e competições; Serviços de jogos; Produção de áudio e vídeo, e fotografia; Desporto e forma física; Serviços bibliotecários; Tradução e interpretação; Produção de filmes; Serviços de jogo prestados on-line a partir de uma rede de computadores; Reservas para espetáculos; Serviços de caligrafia; Informação sobre educação; Edição eletrónica; Informação sobre entretenimento; Aluguer de equipamento de jogos; Serviços de intérpretes linguísticos; Serviços de layout, exceto para fins publicitários; Microfilmagem; Modelos para artistas plásticos; Serviços on-line de publicações eletrónicas, não descarregáveis; Publicação de livros; Publicação on-line de livros e revistas eletrónicos; Publicação de textos, com exceção dos textos publicitários; Informação sobre atividades recreativas; Aluguer de equipamento áudio; Aluguer de câmaras de vídeo; Aluguer de aparelhos de iluminação para palcos ou estúdios de televisão; Aluguer de projetores de cinema e acessórios; Aluguer de aparelhos de rádio e televisão; Aluguer de cenários de espetáculos; Aluguer de equipamento de mergulho; Aluguer de equipamento de desporto, exceto veículos; Aluguer de cenários de palco; Aluguer de vídeo gravadores; Interpretação de linguagem gestual; Serviços de bilheteira [entretenimento]; Cronometragem de eventos desportivos; Aluguer de brinquedos; Gravação de vídeo.
43 Serviços de fornecimento de alimentos e bebidas; Alojamento temporário; Hotéis, pousadas e albergues, alojamento para férias e turismo; Infantários, centros de dia e casas de repouso; Instalações para eventos e instalações temporárias para escritórios e reuniões; Alojamento para animais; Aluguer de mobiliário, roupa e acessórios de mesa; Serviços de catering; Reservas de alojamento temporário; Reserva de pensões; Reserva de hoteis; Aluguer de cadeiras, mesas, toalhas de mesa, copos; Aluguer de aparelhos de cozinha; Aluguer de dispensadores de água potável; Aluguer de tendas; Aluguer de construções transportáveis.»
2–A recorrente é titular da marca da União Europeia nº 017363094
pedida a 18/10/2017 e concedida a 31/01/2018, para assinalar inúmeros produtos e serviços nas classes 25, 28, 32, 41, 43 da Classificação Internacional de Nice, «25 Vestuário; Calçado; Chapelaria; Canos de botas; Palas de boné; Sovacos para vestuário; Ferragens para calçado; Gáspeas para calçado; Armações de chapéus; Calcanheiras; Calcanheiras para meias; Tacões [salto alto]; Solas interiores; Antiderrapantes para calçado; Bolsos para vestuário; Forros pré-feitos [partes de vestuário]; Peitilhos de camisas; Encaixes de camisa; Solas para calçado; Pitons de calçado de futebol; Protetores para calçado; Viras de calçado.
28 Jogos; Aparelhos de ginástica; Artigos e equipamento de desporto; Decorações para árvores de Natal; Decorações festivas e árvores de Natal artificiais; Aparelhos para feiras e recreios; Brinquedos; Artigos para festas [artigos de cotilhão]; Maquinas de jogos para jogos de azar ou fortuna; Aparelhos para jogos, sem ser os adaptados para uso com um monitor; Aparelhos de jogos de vídeo; Máquinas de jogos de vídeo [arcade]; Máquinas de jogo automáticas, de pré-pagamento; Slot machines; Unidades portáteis para jogos de vídeo; Jogos portáteis com ecrãs de cristais líquidos; Modelos de veículos à escala; Veículos de brinquedo; Drones [brinquedos]; Capas especialmente concebidas para esquis e pranchas de surf; Isco artificial para pesca; Rodelas para tacos de bilhar; Marcadores de bilhar; Tabelas para mesas de bilhar; Indicadores de picada [artigos de pesca]; Detetores de picada [artigos de pesca]; Câmaras de ar de bolas de jogo; Cápsulas para pistolas [brinquedos]; Giz para tacos de bilhar; Suportes de árvores de natal; Árvores de natal de material sintético; Sacos de cricket; Utensílios para reparar terreno [acessório de golfe]; Arestas de esquis; Carrosséis de feiras; Anzóis; Bóias de pesca; Vísceras para a pesca; Cordas de tripa para raquetes; Carretos para papagaios de papel; Linhas de pesca; Mastros para pranchas à vela; Bolas de pintura [munições para paintball]; Chapéus de festa em papel; Almofadas de proteção [partes de vestuário de desporto]; Carretos para a pesca; Rolos para bicicletas estáticas de exercício; Resina para desportistas; Peles de foca [revestimento para esquis]; Fixadores de ski; Revestimentos de esquis; Cordas para raquetes; Correias para pranchas de surf; Confetti; Sacos de golfe, com ou sem rodas.
32 Cerveja; Águas minerais [bebidas]; Águas gasosas; Bebidas sem álcool; Bebidas de sumos de frutos; Xarope para fazer bebidas; Preparações para fazer bebidas; Bebidas energéticas.
41 Educação; Formação; Serviços de divertimento; Atividades desportivas e culturais; Publicações e reportagens informativas; Organização de conferências, exposições e competições; Serviços de jogos; Produção de áudio e vídeo, e fotografia; Desporto e forma física; Serviços bibliotecários; Tradução e interpretação; Produção de filmes; Serviços de jogo prestados on-line a partir de uma rede de computadores; Reservas para espetáculos; Serviços de caligrafia; Informação sobre educação; Edição eletrónica; Informação sobre entretenimento; Aluguer de equipamento de jogos; Serviços de intérpretes linguísticos; Serviços de layout, exceto para fins publicitários; Microfilmagem; Modelos para artistas plásticos; Serviços on-line de publicações eletrónicas, não descarregáveis; Publicação de livros; Publicação on-line de livros e revistas eletrónicos; Publicação de textos, com exceção dos textos publicitários; Informação sobre atividades recreativas; Aluguer de equipamento áudio; Aluguer de câmaras de vídeo; Aluguer de aparelhos de iluminação para palcos ou estúdios de televisão; Aluguer de projetores de cinema e acessórios; Aluguer de aparelhos de rádio e televisão; Aluguer de cenários de espetáculos; Aluguer de equipamento de mergulho; Aluguer de equipamento de desporto, exceto veículos; Aluguer de cenários de palco; Aluguer de vídeo gravadores; Interpretação de linguagem gestual; Serviços de bilheteira [entretenimento]; Cronometragem de eventos desportivos; Aluguer de brinquedos; Gravação de vídeo.
43 Serviços de fornecimento de alimentos e bebidas; Alojamento temporário; Hotéis, pousadas e albergues, alojamento para férias e turismo; Infantários, centros de dia e casas de repouso; Instalações para eventos e instalações temporárias para escritórios e reuniões; Alojamento para animais; Aluguer de mobiliário, roupa e acessórios de mesa; Serviços de catering; Reservas de alojamento temporário; Reserva de pensões; Reserva de hoteis; Aluguer de cadeiras, mesas, toalhas de mesa, copos; Aluguer de aparelhos de cozinha; Aluguer de dispensadores de água potável; Aluguer de tendas; Aluguer de construções transportáveis.»
3–A recorrente é titular da marca da União Europeia nº 018061503
pedida a 07/05/2019 e concedida a 19/09/2019, para assinalar nas classes 5, 34 e 41 da Classificação Internacional de Nice: «5 - Produtos farmacêuticos e remédios naturais; Preparações médicas; Preparações veterinárias; Produtos higiénicos para a medicina; Alimentos dietéticos para uso medicinal; Substâncias dietéticas para uso medicinal; Alimentos dietéticos adaptados para uso veterinário; Substâncias dietéticas adaptadas para uso veterinário; Alimentos para bebés; Suplementos alimentares para consumo humano; Suplementos nutricionais para animais; Emplastros; Materiais para pensos; Matérias para chumbar os dentes; Ceras dentárias; Desinfectantes; Produtos para a destruição de animais nocivos; Fungicidas; Herbicidas; Preparações e artigos dentários; Preparações e artigos higiénicos; Preparações e artigos pesticidas; Preparações para diagnósticos; Curativos, ligaduras e aplicadores médicos; Preparações de cafeína para uso estimulante; Suplementos dietéticos; Suplementos vitamínicos; Cigarros sem tabaco para uso medicinal; Sabões medicinais; Cosméticos medicinais; Loções capilares medicinais; Dentifrícios medicamentosos; Adesivos para próteses dentárias; Preparações desodorizantes para o ambiente; Preparações para a purificação do ar; Coleiras antiparasitas para animais; Culturas de tecidos biológicos para fins médicos; Culturas de tecidos biológicos para uso veterinário; Sangue para uso medicinal; Plasma sanguíneo; Lápis cáusticos; Madeira de cedro anti-insetos; Cimento para cascos de animais; Preparações para a limpeza de lentes de contacto; Abrasivos para uso dentário; Cimento dentário; Matérias para impressões dentárias; Lacas dentárias; Massas [mástiques] dentárias; Desodorizantes para vestuário e têxteis; Desodorizantes, sem ser para pessoas ou animais; Fraldas-calça para bebés; Fraldas de bebés; Palas oculares [oclusores] para uso médico; Caixas de primeiros socorros; Papel apanha-moscas; Adesivos para capturar moscas; Varas fumantes; Incenso repelente para insetos; Repelentes de insetos; Inseticidas; Sanguessugas para uso medicinal; Caldos de cultura para a bacteriologia; Caixas de medicamentos portáteis; Gordura para mungir [ordenhar]; Ceras para moldes para uso dentário; Papel anti-traça; Preparações anti-traças; Substâncias nutritivas para microrganismos; Lubrificantes sexuais; Porcelana para próteses dentárias; Repelentes para cães; Cauchu [borracha] para uso dentário; Sémen para a inseminação artificial; Ervas para fumar para uso medicinal; Preparações esterilizantes para solos; Soluções para lentes de contacto; Solventes para tirar gessos adesivos; Células estaminais para fins medicinais; Células estaminais para uso veterinário; Implantes cirúrgicos compostos por tecidos vivos; Extratos de tabaco [inseticidas].
34 Tabaco e produtos à base de tabaco (incluindo substitutos); Artigos para fumadores; Fósforos; Aromas para tabaco; Cinzeiros; Recipientes para tabaco e caixas humidifcantes para charutos; Isqueiros para fumadores; Vaporizadores e cigarros eletrónicos pessoais, e aromas e soluções para os mesmos; Cigarros; Cigarros contendo sucedâneos do tabaco não para uso medicinal; Cigarrilhas; Charutos; Ervas para fumar; Rapé; Caixas de rapé [Tabaqueiras].
41 Educação; Formação; Divertimento; Actividades desportivas e culturais; Publicações e reportagens informativas; Organização de conferências, exposições e competições; Serviços de jogos a dinheiro com fins recreativos; Produção de áudio e vídeo, e fotografia; Desporto e forma física; Serviços bibliotecários; Tradução e interpretação; Organização de equipas de corridas em veículos motorizados e desportivas que participam em competições; Produção de filmes; Serviços de jogo prestados online a partir de uma rede de computadores; Fornecimento de música não descarregável em linha; Disponibilização de vídeos on-line, não para download; Distribuição de filmes; Serviços de engenharia do som para eventos; Serviços de edição de imagens de vídeo para eventos; Serviços de técnico de iluminação para eventos; Reserva de lugares para espetáculos; Serviços de caligrafia; Informação sobre educação; Edição eletrónica; Informação sobre entretenimento; Aluguer de equipamento de jogos; Serviços de intéprete linguísticos; Serviços de layout, exceto para fins publicitários; Microfilmagem; Modelos para artistas plásticos; Fornecimento de publicações eletrónicas on-line [não descarregáveis]; Publicação de livros; Publicação de livros e revistas eletrónicas on-line; Publicação de textos, com exceção dos textos publicitários; Informação sobre atividades recreativas; Aluguer de equipamento de áudio; Aluguer de câmaras de vídeo; Aluguer de aparelhos de iluminação para palcos ou estúdios de televisão; Aluguer de projetores de cinema e acessórios; Aluguer de rádios e televisores; Aluguer de cenários de espetáculos; Aluguer de equipamento de mergulho; Aluguer de equipamento de desporto, exceto veículos; Aluguer de cenários de palco; Aluguer de vídeo gravadores; Interpretação de linguagem gestual; Serviços de bilheteira [entretenimento]; Cronometragem de eventos desportivos; Aluguer de brinquedos; Gravação de vídeo; Transferência de know-how [formação]; Realização de filmes (excluindo filmes publicitários).»
4–A recorrida solicitou em 04/09/2020 o registo da marca nº 649013
para assinalar nas classes 25 e 41 da Classificação Internacional de Nice os seguintes produtos e serviços:
«25- calçado; chapelaria; partes de vestuário, calçado e chapelaria; vestuário; artigos de chapelaria;
41 publicação, relato e redação de textos; serviços de educação, entretenimento e desporto; educação, entretenimento e desporto; serviços de reserva de bilhetes para atividades e eventos educativos, de entretenimento e desportivos.»
5–No processo administrativo a recorrente opôs-se ao registo da marca em estudo e os recorridos nada disseram.
6–O INPI entendeu não assistir razão à recorrente e o respectivo conselho directivo concedeu o registo da marca nº 649013
em 24/03/2021, por considerar que, apesar do prestígio das marcas prioritárias e da afinidade dos produtos que as marcas visam assinalar, não existe semelhança entre os sinais em estudo.
7–A recorrente é a fabricante que detém a maior quota de mercado de bebidas energéticas, estando à venda em 28 países dos Estados-Membros, tendo vendido mais de 2,5 milhões de unidades na Europa em 2019, com 17,6 milhões de vendas em Portugal.
8–A recorrente é patrocinadora de vários eventos desportivos a nível mundial e incluindo em Portugal, como seja o RED BULL Air Race, que ocorreu no Porto entre o dia 31 de Agosto e 3 de Setembro de 2017.
9–A recorrente patrocina o piloto Sebastien Ogier no Campeonato do Mundo de Ralis, que em 2019 decorreu em Portugal de 30/05/2019 a 02/06/2019.
10–Em 2019 a recorrente também patrocionou e promoveu o ‘Red Bull Cliff Diving World Series’ que decorreu em S. Miguel a 22/06/2019.
11–As marcas da foram, objecto de diversas publicações, artigos e campanhas publicitárias.
12–O Instituto Europeu das Marcas classificou a ‘RED BULL’ como a 78ª marca mais valiosa em 2018 em todo o mundo, tendo sido incluída no Top 100 dessa lista durante 8 anos consecutivos.
*
B)–Foi consignado na decisão recorrida que:
Não existem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.
*
Não vindo impugnada a matéria de facto, é pois, em face dos factos apurados na decisão recorrida, que cumpre apreciar a questão que importa decidir.
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IV.–FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Como flui das alegações de recurso, os ora Apelantes insurgem-se contra o juízo do Tribunal a quo que considerou verificado o risco de confusão e associação entre a marca registanda e as marcas prioritárias da Apelada e consequentemente revogou a decisão do INPI que concedera o registo daquela marca. Concluem os Apelantes que não se mostram verificados in casu os requisitos do conceito de imitação de marca, previstos nos arts. 235º e 238º/1 c) do Código da Propriedade Industrial (CPI), pugnando pela revogação da sentença recorrida.
O presente recurso perfila-se, pois, no domínio da Direito Industrial e concretamente das marcas, importando, previamente à apreciação da questão a decidir, atentar nas características e funções inerentes a estes sinais distintivos do comércio e requisitos da sua protecção legal.
Vejamos.
A protecção jurídica das marcas funda-se na idoneidade de tais sinais (distintivos de produtos e serviços) serem veículos de informação, permitindo que os adquirentes de produtos e serviços possam fazer escolhas aquisitivas informadas respeitantes às origens e aferir a manutenção ou cessação das qualidades constantes desses produtos e serviços.
O regime jurídico das marcas promove a eficiência económica, ajudando os consumidores a evitar custos de pesquisa no mercado de produtos e serviços «marcados». Como ensina João Paulo Remédio Marques («Direito Europeu das patentes e marcas», Almedina, 2021, pág. 380/381), as marcas constituem uma ferramenta essencial para assegurar uma concorrência significativa entre os agentes económicos e uma melhor e livre escolha aquisitiva por parte dos consumidores.
Estatui o art. 210º do Código da Propriedade Industrial (aprovado pelo referido Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro) que o registo da marca confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo dela para os produtos e serviços a que esta se destina. Confere ainda ao respectivo titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal semelhante em produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles da marca registada, caso exista um risco de confusão ou associação (art. 249º do CPI).
O mesmo estatui o art. 9º do Regulamento (UE) nº 2017/1001 relativamente às marcas da União Europeia.
A marca constitui, pois, o sinal distintivo que permite identificar o produto ou serviço proposto ao consumidor – é o sinal adequado a distinguir os produtos e serviços de uma determinada origem empresarial em face dos produtos e serviços dos demais (cf. art. 208º do CPI).
Das apontadas disposições normativas, conjugadas com o regime ínsito nos art.s 209º e 231º do CPI, extraímos os requisitos essenciais das marcas, ou seja, o carácter distintivo e a determinabilidade (vide Direito Industrial, Pedro Sousa e Silva, 2ª edição, Almedina, pág. 215), assim como as suas diversas funções, quer de indicação de proveniência (indicando a proveniência dos produtos ou serviços) e garantia de qualidade, quer publicitária.
De acordo com o disposto nos artigos 208º do CPI e 4º do Regulamento sobre a Marca da União Europeia (Regulamento EU 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de Julho de 2017), a marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respetiva embalagem, entre outros; ou, actualmente, flexibilizado que foi o modo de representação dos sinais, por um sinal, ou conjunto de sinais que permita determinar de modo claro e preciso, o objecto da protecção conferida ao seu titular, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
Corolário do princípio da liberdade na composição das marcas, o leque de sinais – exemplificativo – é amplo, abarcando além dos tradicionais (nominativos, figurativos e mistos), outras representações (v.g. marcas multimédia, hologramas), desde que aptas a distinguir os produtos ou serviços provenientes de uma empresa dos de outras.
O conceito legal de marca assenta, pois, na capacidade distintiva.
Complementando o disposto no citado art. 208º, o art. 209º do mesmo diploma procede a uma delimitação negativa, concretizando a falta de capacidade distintiva nas proibições aí elencadas.
A alínea a) do mencionado art. 209º reporta-se às marcas desprovidas de qualquer sinal distintivo, enquanto que as alíneas c) e d) dizem respeito aos sinais meramente descritivos e usuais, respectivamente. Em qualquer dos casos estamos perante motivos absolutos de recusa do registo, previstos no art. 231º alíneas b) e c) do CPI, o que se justifica por razões do sistema concorrencial.
Sendo as marcas sinais distintivos, o mínimo que se pode exigir é que efectivamente se distingam umas das outras, dentro do universo dos produtos ou serviços a que respeitam, o que se reflecte na definição de imitação constante do art. 238º do CPI, sendo proibida a reprodução ou imitação, total ou parcial, da marca anteriormente registada e constituindo a confundibilidade fundamento ou motivo (relativo) de recusa do registo (art. 232º/1 b) do CPI).
Como estatui o citado art. 238º/1 do CPI, constituem requisitos (cumulativos) da figura de “imitação ou usurpação” a prioridade da marca registada [alínea a)], a identidade ou afinidade entre os bens a que se reportam as marcas em consideração [alínea b)] e a existência de semelhança gráfica, fonética, figurativa ou outra de molde a suscitar a fácil indução do consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação entre a marca ulterior e a marca anterior [alínea c)].
Do quadro legal nacional, em consonância com a Directiva (EU) 2015/2436 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/12/2015 (cf. designadamente Considerando 16 e art. 5º), resulta claramente que o que a lei quer evitar é que as marcas gerem um risco de confusão nos consumidores (destinatários da informação que o sinal distintivo pretende veicular) ou um risco de associação com marca anteriormente registada.
Donde, os parâmetros a apreciar no juízo comparativo são o elemento visual, o elemento fonético e o elemento conceptual.
O risco de afinidade aumenta nos casos em que pode mediar uma relação de substituição, complementaridade, acessoriedade ou derivação entre os produtos ou serviços ou, mesmo, entre produtos e serviços.
Tal risco deve ser aferido por referência ao consumidor médio dos produtos ou serviços que a marca visa assinalar, que se presume normalmente informado e razoavelmente atento (neste sentido, Pedro Sousa e Silva, ob. cit. pág. 278).
Acresce que a comparação entre sinais se deve fazer através de uma impressão de conjunto, sem dissecação de pormenores, considerando-se que o consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das diferentes particularidades (vide Acordãos do TJ da EU de 11/11/1997 – Sabel.Puma, C-251/95, Col. p. I-6191; de 22/06/1999 – Lloyd Schuhfabrik, C-342/97, Col.p.-3819 e do TPI (TG) de 22/10/2003 – Asterix. T311/01).
Na mesma linha, o Supremo Tribunal de Justiça entende que é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação das marcas, pois o que importa ter em conta é a impressão global do conjunto, própria do público consumidor, que, desvalorizando pormenores, se concentra nos elementos fundamentais dotados de maior eficácia distintiva.
Parafraseando Vanzetti/Di Cataldo (citado por Pedro Sousa e Silva, ob. cit. pág. 280), é preciso identificar qual o elemento que possa considerar-se o «coração» da marca, ou seja, o seu núcleo mais característico.
Assim, como conclui Pedro Sousa e Silva, no exercício de comparação das marcas, devemos atender ao elemento dominante de cada marca, ao seu núcleo essencial, desvalorizando os pormenores, interessando sobretudo considerar aquilo que o consumidor retém de cada marca quando não a tem à sua frente, ou seja, a reminiscência que ficou na sua memória e que permite reconhecer o sinal quando o voltar a encontrar (evitando o erro frequente que consiste em colocar os sinais lado a lado e realizar um exercício comparativo de «veja as diferenças»).
*
Importa agora transpôr para o caso vertente as considerações supra expostas, Analisemos os sinais em confronto.
Marca registanda dos Apelantes:
Marcas da Apelada:
e
Não é posto em causa que, atenta a factualidade provada, se mostram in casu verificados os dois primeiros requisitos enunciados no art. 238º/1 alíneas a) e b), ou seja, a prioridade das marcas da UE da Recorrida (foram registadas anteriormente) e a identidade do tipo de produtos/serviços (qualquer das marcas se destina a assinalar produtos da classe 25 e 41 da Classificação Internacional de Nice, com excepção de uma das marcas da Apelada (a marca nº 018061503), que apenas assinala produtos da classe 41, além da classe 5 e 34).
Assim, tal como considerou o tribunal a quo, a análise deve limitar-se à verificação do requisito da alínea c) do mencionado preceito legal.
Olhando para os sinais em confronto, constatamos que são patentes os elementos comuns entre eles, o que se percebe na impressão global das marcas. Na verdade, ressaltam, quer na marca registanda (dos ora recorrentes), quer numa das marcas prioritárias da ora recorrida, evidentes semelhanças gráficas, existindo equivalência quantitativa das sílabas e praticamente das letras que compõem os elementos nominativos «Bulls» e «Bull» e com muito semelhante terminação fonética, tratando-se de elementos de fantasia, e conceptualmente com o mesmo significado («Bull» significa touro, sendo o seu plural «Bulls»).
Quanto aos elementos figurativos, verificamos que todos eles representam a figura de um touro, afigurando-se-nos que na marca (mista) registanda, o elemento nominativo «Bulls» é aquele que se evidencia face ao elemento figurativo, sendo previsivelmente aquele que ficará guardado na memória do consumidor.
Nas palavras de Carlos Olavo (citado no acórdão do TRL de 17/12/2015, P. nº 27/15.8YHLSB.L1-2, publicado em www.dgsi.pt), «Os elementos fonéticos são mais idóneos para perdurar na memória do público do que os elementos gráficos ou figurativos».
A este propósito, pode ler-se na sentença recorrida que:
“A marca da recorrente, embora seja um sinal misto, o elemento nominativo é claramente prevalente.
Agrava a confundibilidade entre os elementos nominativos o facto de se tratar de um elemento de fantasia, sem qualquer significado relacionado com qualquer dos produtos e serviços que assinala, de boa sonoridade e facilmente recordável.
Por outro lado, conceptualmente o vocábulo Bull e Bulls são idênticos, pois. BULL significa touro e BULLS é touro no plural.
Por outro lado, embora os elementos figurativos sejam desenhisticamente diferentes, o certo é que todos representam a figura de um touro, sendo que os demais elementos verbais existentes na marca em estudo, são quase imperceptíveis e são totalmente ofuscados pela palavra BULLS e a cabeça do touro.
Face à coincidência entre os elementos prevalentes dos sinais em apreço, o erro dos consumidores não só é possível como é muitíssimo provável.
Assim sendo, este requisito referido na alínea c), do art. 238º do CPI, encontra-se verificado.
Em conclusão, num juízo de apreciação global das marcas em apreço (aquele que realmente importa efectuar), verificam-se semelhanças bastantes para induzir o consumidor ao risco de associação entre ambas as marcas, pensando que provêm da mesma entidade empresarial.”
Concordamos inteiramente com a análise a que procedeu o Tribunal a quo, considerando-se que as semelhanças entre os sinais em confronto são muito mais expressivas do que as diferenças, tanto do ponto de vista gráfico, figurativo e fonético, como conceptual, assim induzindo facilmente o consumidor (médio ou relevante) em erro ou confusão quanto à existência de vínculos ou ligações entre as empresas titulares dos produtos/serviços (idênticos ou afins) assinalados pelas marcas, referentes às classes 25 e 41 da classificação internacional de Nice, implicando que o consumidor muito facilmente associe a marca dos ora Apelantes à marca da Apelada «Red Bull» (art. 238º/1 c) do CPI).
Do que vimos expondo, concluímos que do confronto entre o sinal registando e os prioritariamente registados (designadamente a marca «Red Bull»), analisados no seu conjunto, surgem evidentes as semelhanças gráficas e fonéticas que não permitem afastar o risco de confusão ou de associação, existindo, por conseguinte, imitação das marcas da Apelada - cf. art. 238º/1 e 232º/1 b) do CPI.
Acresce que, conforme foi decidido pelo Tribunal de 1ª Instância, a marca «Red Bull» é uma marca de prestígio, gozando, como tal, de uma protecção mais intensa do que as marcas comuns.
Com efeito, o grau de notoriedade da marca anterior poderá aumentar a susceptibilidade de erro por parte do público, que a terá mais presente e que, por isso, em face de nova marca com um grau mínimo de semelhança a poderá associar à marca já existente no mercado.
Como ensina Pedro Sousa e Silva (Direito Industrial, 2ª edição, Almedina, 2019, pág. 300, 306 a 309), as marcas de prestígio, como marcas famosas, de renome excepcional ou de grande reputação, cujo «selling power» se reflecte mesmo fora do círculo de protecção definido pela respectiva especialidade merceológica, constituem uma excepção ao princípio da especialidade, sendo apontados pela doutrina e jurisprudência os seguintes requisitos para qualificação de um sinal como «marca de prestígio»:
- elevado grau de notoriedade junto do público (na expressão de Vito Mangini, trata-se de uma marca «supernotória»);
- individualidade e originalidade acentuadas do sinal (que não poderá ser uma marca fraca);
- considerável prestígio junto do público (marca particularmente apreciada, que goza de especial estima), pela elevada qualidade geralmente reconhecida aos produtos que assinala, ou pela imagem especialmente atractiva que lhe está associada.
O regime das marcas de prestígio está consagrado no art. 235º do CPI, que estabelece:
“Sem prejuízo do disposto no artigo anterior [marcas notórias], o pedido de registo será igualmente recusado se a marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem identidade ou afinidade, constituir tradução, ou for igual ou semelhante, a uma marca anterior registada que goze de prestígio em Portugal ou na União Europeia, se for marca da União Europeia, e sempre que o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca, ou possa prejudicá-los.” (sublinhado nosso)
Como consta da sentença recorrida, “No mesmo sentido, dispõe o artigo 8º, nº 5, do Regulamento (CE) nº 207/2009 do Conselho sobre a marca comunitária [hoje marca da UE] - na redacção dada pelo Regulamento (UE) 2015/2424 do parlamento Europeu e do Conselho de 16/12/2015 - que “Mediante oposição do titular de uma marca anterior […] o pedido de registo de uma marca idêntica ou semelhante à marca anterior é rejeitado, independentemente de essa marca se destinar a ser registada para produtos afins ou não afins àqueles para os quais a marca anterior foi registada, sempre que, no caso de uma marca da EU anterior, esta goze de prestígio na União […] e sempre que a utilização injustificada da marca para a qual foi pedido o registo tire indevidamente partido do caracter distintivo ou do prestígio da marca anterior ou lhe cause prejuízo.”
Sobre a questão da marca de prestígio, considerou o Tribunal de 1ª Instância que:
“As marcas de prestígio gozam assim de uma protecção reforçada contra o seu uso no comércio ou como marca, ainda que para designar produtos ou serviços que não tenham qualquer afinidade com os produtos a que aquelas se destinam (como é o caso dos autos).
Esta protecção acrescida visa acautelar o particular valor distintivo associado ao prestígio da marca contra a inevitável erosão que resultaria do seu uso indiscriminado para assinalar ou promover todo o tipo de produtos ou serviços, ainda que sem conexão com os visados pela marca prestigiada, aproveitando deste modo, e concomitantemente diluindo, o particular atractivo e capacidade distintiva desta.
Os pressupostos para a recusa do registo de marca posterior com base nos citados dispositivos são, pois, os seguintes:
- a identidade ou semelhança dos sinais em confronto,
- o prestígio da marca anterior (in casu na União Europeia, tratando-se de marca da EU), e
- uma utilização que vise tirar indevidamente partido do caracter distintivo ou do prestígio da marca anterior ou possa prejudica-los.
A recorrente entende que as semelhanças das marcas são tais que o consumidor as irá confundir. Conforme supra já exposto, a conclusão a que se chegou é precisamente a mesma, pois a dissemelhança do elemento figurativo ou os elementos verbais existentes na marca dos recorridos, estão longe de ser suficientes para afastar essa confundibilidade, pelo menos por associação à mesma entidade empresarial, pois o elemento BULL é o que sobressai nos sinais em apreço.
Está assim verificado o primeiro pressuposto, supra referido, da semelhança dos sinais em confronto.
No que concerne ao segundo pressuposto – o prestigio das marcas da recorrente, entende esta de que ele existe, e tem razão.
Conforme ensina António Campinos e Couto Gonçalves, em Código da Propriedade Industrial anotado, 2010, Almedina, p. 473, “Em regra, o prestígio da marca tem que ser demonstrado por quem o invoque, podendo, nomeadamente, para este efeito ser apresentadas sondagens, estudos de mercado, evidências do volume de vendas, da posição alcançada no mercado, da publicidade de que o sinal tenha sido objecto e decisões judiciais em que ao mesmo já tenha sido reconhecido o prestigio”.
Resulta dos autos que a marca RED BULL é flagrantemente conhecida do público, sendo patrocinadora de vários eventos desportivos, sendo líder no mercado no sector das bebidas energéticas, conforme decorre da documentação toda junta aos autos.
Dos documentos juntos e dos factos provados, também se apura a publicidade dada às marcas em causa, bem como os prémios recebidos. Aliás, tal nem sequer é refutado pelos recorridos.
Consideramos, pois, que as marcas da recorrente gozam de prestígio em Portugal. estando assim preenchido o correspondente pressuposto de entre os elencados no artigo 235º do CPI.
Resta analisar o terceiro e último pressuposto, a saber: que o uso da marca da recorrida procure tirar partido indevido do caracter distintivo ou do prestígio da marca anterior, ou possa prejudica-los.
É inegável que, ao reproduzir integralmente o elemento textual característico das marcas anteriores - BULL, os recorridos irão inevitavelmente, independentemente da sua intenção, tirar proveito do prestígio associado às marcas da recorrente, beneficiando da imagem, reputação e poder atractivo junto do público sem ter de arcar com os inerentes custos.
Com efeito, a identidade do elemento verbal reproduzido na marca dos recorridos BULLS, aliado ao elemento figurativo (cabeça de touro), não podem deixar de estabelecer, aos olhos do público, uma patente ligação às marcas de prestigio da recorrente, compostas e caracterizadas pela mesma expressão BULL (RED BULL) acompanhadas ou não da correspondente representação gráfica e desenhistica – as cores vermelha, preta e as figuras dos touros.
A este respeito, tem a doutrina e a jurisprudência entendido que a protecção extensiva de que gozam as marcas de prestígio, se bem que dispense a demonstração do risco de confusão (critério que é substituído pelo de vantagem indevida ou prejuízo), tem com pressuposto que a marca posterior crie uma ligação, na mente dos consumidores, à marca anterior de prestígio (ver por todos Vanessa Marsland, Famous and Well-Known Trademarks in EU Law, World Trademark Review - Country Correspondants - January/February 2008, pp. 66-67, e jurisprudência aí citada). O Tribunal de Justiça da União Europeia já teve ocasião de se pronunciar sobre o que se entende pela noção de aproveitamento do caracter distintivo ou do prestígio da marca para efeitos do artigo 8 (5) do Regulamento nº 40/94 do Concelho sobre a marca comunitária, correspondente ao artigo 242º, nº 1, do CPI. No caso NASDAQ, em que estava em causa a reprodução desta reputada sigla registada para produtos e serviços essencialmente de telecomunicações, processamento de informação e financeiros num pedido de marca homónima posterior para produtos de desporto e similares, o Tribunal de Primeira Instância da União Europeia considerou que “Um prejuízo é causado ao caracter distintivo de uma marca anterior, ou um partido indevido é tirado, quando operadores conscientemente escolhem sinais idênticos ou similares a uma marca de prestígio para usar em outra área, com vista a desviar em seu próprio benefício parte dos investimentos feitos pelo anterior titular. Uma tal conduta infere-se de vários elementos interdependentes, incluindo o grau de distintividade per se da marca anterior, o seu grau de prestígio, o grau de similitude entre os sinais e o grau de similitude entre os bens e serviços visados. Quanto maior o caracter distintivo e prestígio da marca anterior, tanto mais fácil é aceitar que prejuízo lhe foi causado ou partido indevido dela foi tirado. Cfr. Acordão do TPI no Caso T-47/06 Antartica Srl v OHIM, acessível em: http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=61834&pageIndex=0&doclang=EN&mode=I st&dir=&occ=first&part=1&cid=661595 .
No caso dos autos, a identidade do elemento verbal característico das marcas em confronto, o facto de ambos visarem algumas áreas de serviços afins, e o forte poder distintivo e prestígio das marcas da recorrente, permitem mais facilmente aceitar o prejuízo desse caracter distintivo e de prestígio, em benefício da marca posterior que inteiramente reproduz a expressão BULL com que o público em geral, e os seus consumidores em particular, estão acostumados a identificar a recorrente e os seus produtos e serviços.
Este prejuízo para o prestígio e particular força distintiva dos sinais de prestígio, e correspondente partido que dele extrai a marca posterior que os reproduz, passa também pela banalização do sinal de prestígio resultante da sua utilização indiscriminada para os mais diversos fins, sem conexão com os produtos e serviços lhe estão normalmente associados aos olhos do público, assim se diluindo progressivamente a sua capacidade para os identificar, que o mesmo é dizer, o seu caracter distintivo.
Não se vê, nem foi invocado, justo motivo para o uso da expressão “BULLS” na marca controvertida”.
Temos por correcta a apreciação assim efectuada, conducente à conclusão de que se mostram verificados in casu os pressupostos previstos nos citados art. 235º do CPI e art. 8º/5 RMUE.
Além da semelhança dos sinais em confronto já analisada, resulta da factualidade provada que a marca Red Bull é reconhecida ao nível nacional, europeu e internacional (cf. factos provados nº 7 a 12), tendo designadamente sido classificada pelo Instituto Europeu de Marcas em 2018 como 78º marca mais valiosa no mundo e tendo sido incluída no top 100 dessa lista durante 8 anos consecutivos. Consequentemente, o uso pelos ora recorrentes da marca registanda constituiria um aproveitamento indevido e/ou retiraria indevidamente partido do carácter distintivo ou do prestígio da marca (anterior) da recorrida («Red Bull»), beneficiando da sua reputação e prestígio e sendo susceptível de lhe causar prejuízo.
Estando-se perante uma marca de prestígio, a mesma está protegida não só contra o risco de confusão (como as marcas comuns), mas também contra os riscos de diluição (enfraquecimento da capacidade distintiva da marca), degradação (diminuição da força de atracção da marca) e parasitismo (benefício que o terceiro retira da utilização do sinal), conforme vem decidindo o TJUE (v.g. no caso Interflora – cf. Pedro Sousa e Silva, ob. cit., p. 313).
Donde, como tem sido entendido pela doutrina e jurisprudência, nas marcas de prestígio a protecção não depende da prova do risco de erro ou confusão entre as marcas em confronto (neste sentido vide anotação ao art. 235º do CPI Anotado, Coord. Luís Couto Gonçalves, p. 940; Ac TJUE L’Óréal; e no mesmo sentido João Remédio Marques, Direito Europeu das Patentes e Marcas, Almedina, 2021, p. 526 e p. 530).
A tutela da marca de prestígio confere ao seu titular o ius prohibendirelativamente a terceiros que, sem o seu consentimento, usem no exercício de actividades económicas, um sinal idêntico ou semelhante à marca de prestígio, em determinadas circunstâncias (art. 249º/1 c) do CPI).
Em conformidade com o primado e interpretação conforme do Direito Europeu, a protecção concedida às marcas de prestígio não pode ser aplicável se existir um justo motivo para o pedido de registo apresentado por terceiro.
No caso dos autos e como considerou o Tribunal a quo, «não se vê, nem foi invocado, justo motivo para o uso da expressão “Bulls” na marca controvertida».
Concluindo-se na sentença que:
«Estabelecidos que estão o prestígio e anterioridade do registo da marcas da recorrente, bem como o possível prejuízo que para a mesma resulta da sua reprodução na marca requerida, nomeadamente em termos de diluição e enfraquecimento da sua força distintiva (independentemente da afinidade dos produtos ou serviços visados pelos sinais em confronto ou da intenção do requerente), estão verificados os requisitos que permitem a aplicação do artigo 235 do CPI para recusar a concessão do registo à marca».
Da mesma forma, concluímos no sentido de que estão reunidos os requisitos de protecção da marca de prestígio da ora Apelada, nos termos do art. 235º do CPI e ainda que assim não fosse, como vimos, sempre estariam verificados os pressuposto de imitação previstos no art. 238º/1 do mesmo diploma, o que constitui fundamento de recusa do registo (art. 232º/1 b) do CPI).
Improcede, pois, a apelação, devendo manter-se a decisão posta em crise, que negou protecção à marca registanda nº 649013.
*
V.–DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente (artigo 527º/1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.
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Lisboa, 23 de Março de 2022
Ana Mónica C. Mendonça Pavão - (Relatora)
Maria da Luz Teles Menezes de Seabra - (1ª Adjunta)
Carlos M. G. de Melo Marinho - (2º Adjunto)
6 [Transcrição da decisão do INPI a este propósito]
7 “Resulta dos autos que a marca RED BULL é flagrantemente conhecida do público, sendo patrocinadora de vários eventos desportivos, sendo líder no mercado no sector das bebidas energéticas, conforme decorre da documentação toda junta aos autos.
Dos documentos juntos e dos factos provados, também se apura a publicidade dada às marcas em causa, bem como os prémios recebidos. Aliás, tal nem sequer é refutado pelos recorridos.
Consideramos, pois, que as marcas da recorrente gozam de prestígio em Portugal. estando assim preenchido o correspondente pressuposto de entre os elencados no artigo 235º do CPI.”