QUESTÃO NOVA
PRESCRIÇÃO
RECONHECIMENTO DO DIREITO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário


I – Os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas e não a criá-las dobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso.
II - De acordo com os princípios da preclusão e da concentração da defesa, compete ao credor, no que toca à invocação da excepção de prescrição, alegar na fase processual própria a existência de um reconhecimento do seu direito, nos termos do artigo 325º do Código Civil, sem o que não pode o tribunal levar em linha de conta a invocação ulterior de factos impeditivos da prescrição.
III – A prescrição interrompe-se pelos meios que a lei autoriza como tais, pois que, estando regulada por normas de ordem pública, não se admitem modificações operadas por particulares.
IV – Nos termos do artigo 323º do Código Civil, para que a prescrição se tenha por interrompida, é necessário que o credor manifeste judicialmente ao devedor a intenção de exigir a satisfação do seu crédito e que este, por esse meio, tenha conhecimento daquele exercício ou daquela intenção.
V - Decorre claramente deste preceito (artº 323º) que não basta o exercício extrajudicial do direito para interromper a prescrição: é necessária a prática de actos judiciais que, directa ou indirectamente, dêem a conhecer ao devedor a intenção de o credor exercer a sua pretensão.
VI - O envio de comunicações extrajudiciais não é, pois, meio idóneo para operar a interrupção da prescrição.

Texto Integral




Proc.º nº 1360/17.0TBLSB.L1.S1

4ª Secção

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1 - Relatório

1. No Juízo do Trabalho ... do Tribunal Judicial da Comarca ... AA propôs contra “BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A.” acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma comum, pedindo a condenação do Réu nos seguintes moldes:

a) Deve o Tribunal decretar que o Autor tem direito a receber do Réu a mensalidade de reforma que vem referida no Anexo V do ACT para o sector bancário correspondente a 32 anos completos de antiguidade e ao último período;

b) Que à mensalidade referida em a) o Réu apenas tem direito a descontar a parte correspondente a (4,5) quatro anos e meio.

c) Que, quanto aos acertos referentes aos anos de 2011 a 2015, o Réu, estando prescritas as importâncias que, eventualmente, se verificassem relativas aos anos anteriores a 2011, apenas tem direito a descontar a quantia de € 10.398,80.

d) Que, do montante de € 10.398,80 referido na al. c), supra, acrescida das importâncias que, entretanto, o Réu venha a descontar nas mensalidades referentes aos anos de 2017 e seguintes, o Réu, só pode proceder ao desconto de 1/3 da correspondente mensalidade, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 738º do CPC.

e) Que, em relação aos anos que se seguirem ao trânsito em julgado da decisão que vier a pôr termo à presente acção, na mensalidade da pensão de reforme correspondente a 32 anos completos de antiguidade o Réu só poderá descontar o montante correspondente a quatro anos e meio.

Para tanto invocou o A., em síntese:

 - Foi admitido ao serviço do Banco Ponto e Sotto Mayor, posteriormente incorporado por fusão no R., em 25.6.1968, tendo, por acordo celebrado com o R, e de acordo com o regime do ACT para o sector bancário aplicável à relação laboral entre as partes, em que ficou estipulado que, para efeitos de reforma, a sua antiguidade era de 32 anos completos, nestes se incluindo o tempo de serviço prestado na função pública, em serviço militar obrigatório, de 1062 dias, passado à situação de reforma a partir de 31.12.1995, vindo posteriormente, com efeitos a 1.1.2004, a ser aposentado pela CGA pelo tempo em que desempenhou funções de professor, no ensino particular e cooperativo.

- Assim, a pensão que o R. lhe paga apenas pode ser reduzida na parte correspondente aos 4 anos 6 meses e 6 dias, respeitantes ao serviço militar obrigatório, também reconhecidos pela CGA, o que, no ano da propositura da acção [2017] perfaz a quantia de € 150,57, superior à que o R. tem vindo, desde 2015, a descontar, e que dos acertos referentes aos anos de 2011 a 2015, estando prescritas as importâncias respeitantes a anos anteriores a 2011, o R. apenas tem direito ao reembolso da quantia de €10 398,80, e deve ser condenado a devolver ao A. relativamente aos anos de 2015 e 2016 a diferença entre o que lhe descontou e o que podia descontar.

2. Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação o Réu apresentou contestação, pugnando pela improcedência da excepção de prescrição, sustentando que o prazo de prescrição é o prazo ordinário, pela improcedência da acção, e deduzindo pedido reconvencional.

Neste, tendo pedido inicialmente a condenação do A. na quantia de € 57 610,46, correspondente aos valores devidos pelo A. desde Janeiro de 2005, em sede de contestação aperfeiçoada, pediu a condenação do A. a pagar-lhe o valor de 228 980,42 euros relativos à correcção da compensação a fazer, acrescidos dos juros de mora a liquidar, e se improcedente este, no pagamento ao R. de 57 610,46 euros relativos à correcção da compensação a fazer, acrescidos dos juros de mora contados da interpelação feita ao A. por carta de 5 de Agosto de 2015.

Alegou, em resumo, que celebrou com o A. um acordo de passagem à reforma, tendo-lhe sido relevados, numa antiguidade de 32 anos, 1602 dias de tempo completou de serviço, pelo que o A. devia ter-lhe entregue o valor de reforma relevado pelo Banco na cláusula 2ª do Acordo de passagem à reforma, que corresponde a 12,36% do valor pago pela CGA, no montante de € 3 222,74, correspondente a 36 anos. Mais invocou que os cálculos do A. se mostram incorrectos porquanto a operação de proporcionalidade deverá ser efectuada na pensão de reforma Estatal não na paga pela entidade patronal, como resulta do nº 3 da cláusula 136º do ACT, e reservou-se o direito de ampliar o petitório em função do que o A. declarasse sobre o tempo de trabalho prestado em simultâneo para o R. e para o ensino público e privado.

A notificação do A. da resposta e da reconvenção foi expedida em 2 de Março de 2017.

3. O A. respondeu, invocando a prescrição das prestações vencidas antes de 2011, sustentando a improcedência do pedido reconvencional e, quanto à acção, concluindo como na petição inicial.

4. Em 30.4.2020 foi proferida sentença, posteriormente rectificada por despacho de 28.10.2020, que, após rectificação, findou com o seguinte dispositivo:

”Face ao exposto, decide-se julgar parcialmente improcedente a presente acção intentada por AA contra o Banco Comercial Português, S.A., e parcialmente improcedente o pedido reconvencional por este deduzido, e consequentemente:

a) Declarar que o Réu apenas tem direito ao reembolso da parte proporcional da pensão atribuída ao Autor pela Caixa Geral de Aposentações, que correspondente ao período do Serviço Militar Obrigatório, e que corresponde a 4 anos, 4 meses e 24 dias (1584 dias) – período contabilizado pela CGA;

b) Condenar o Autor a pagar ao Réu a quantia mensal de € 393,89 entre 1 de Janeiro de 2005 a 31 de Dezembro de 2008 e de € 401,27 de 1 de Janeiro de 2009 em diante, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 5 de Agosto de 2016 até integral pagamento deduzidas das quantias já descontadas constantes da factualidade provada;

c) Absolver Autor e Réu dos demais pedidos”.

5. Inconformado com a sentença dela apelou o Autor.

6. Conhecendo do recurso, o Tribunal da Relação da Relação, por acórdão de 28 de Abril de 2021, julgou-o parcialmente procedente, decidindo que se encontram prescritas as prestações que o A. deveria ter entregue ao R. até 5 de Março de 2012, absolvendo-o, em consequência, de pagar ao Réu a quantia mensal de € 393,89 entre 1 de Janeiro de 2005 a 31 de Dezembro de 2008 e de € 401,27 de 1 de Janeiro de 2009 até 5 de Março de 2012, e condenando o Autor a pagar ao Réu a quantia mensal de € 393,89 devida a partir de 5 de Março de 2012 em diante, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 5 de Agosto de 2015 até integral pagamento deduzindo-se desses montantes as quantias já descontadas referidas na factualidade dada como provada em 13 a 16 da matéria de facto provada.

7. É agora o Réu que inconformado com a decisão dela interpõe recurso de revista, formulando, a final, as seguintes conclusões:

1. O Recorrido celebrou em 30.12.1995 um acordo de cessação contrato de trabalho por passagem à reforma antecipada.

2. Tal acordo consignou que foi relevado pelo Recorrente para efeitos de antiguidade para reforma antecipada, o tempo de SMO do Recorrido,

3. E por isso adiantado por integração na pensão paga pelo Recorrente, no âmbito da Previdência Bancária, o valor correspondente àquele tempo,

4. Ficando o Recorrido obrigado por força do ACT aplicável (clª 136ª do ACTV então em vigor) a entregar ao Recorrente o valor que auferisse da CGA a título de benefício da mesma natureza.

5. O Recorrido passou a auferir uma pensão da CGA em Março de 2004, não tendo, no entanto, desde então, procedido à entrega ao Recorrente, de forma voluntária, qualquer valor percebido da CGA;

6. Ainda que reconhecesse o direito do Recorrente como se verá adiante, e reflete desde logo a própria petição inicial;

7. Por estes motivos o Recorrente dirigiu ao Recorrido missiva datada de 20.5.2010, pela qual o interpelou, e lhe solicitou a devolução dos valores por este percebidos pela CGA, e não entregues àquele;

8. O Recorrido respondeu por carta de 14.6.2010 (doc. 7 da d.p.i.), na qual acusa a receção da missiva do Recorrente de 20.5.2010, e declara o reconhecimento do direito do Recorrente ainda em liquidação diversa;

9. Não obstante, o Recorrido manteve-se sem entregar ao Recorrente qualquer valor, designadamente o que em seu entender era devido.

10. O Recorrente dirigiu nova carta ao Recorrido, desta feita em 12.11.2014 interpelando o Recorrido para proceder à entrega da quantia devida;

11. E este, por carta datada de 10.12.2014, acusou a receção daquela carta e no último paragrafo reconhece o direito do Recorrente, e declara mesmo que tal reconhecimento constava já da carta de 14.6.2010, cfr. doc. 9 junto com a d.p.i..

12. O Recorrente dirigiu então em 12.5.2015 uma carta ao Recorrido (cfr. doc. 11.1 da d.p.i.), na qual anunciou o valor que entendia em dívida, e que iria passar a descontar mensalmente na pensão do Recorrido o valor de 583,64 euros, o que efetivamente veio a fazer;

13. Reconhecendo o Recorrido qualitativamente o direito do Recorrente, não o reconheceu quantitativamente por efeito na divergência que cada uma das Partes usou no cálculo do valor mensal a entregar pelo Recorrido ao Recorrente, por um lado;

14. E por outro, admitindo um pedido reconvencional na ação que instaurou, invocando a prescrição do direito do Recorrente sobre todos os valores vencidos até cinco anos antes da notificação judicial desse mesmo pedido, que ocorreu, por compulsar dos autos, a 6.3.2017.

15. O valor da entrega mensal do Recorrido ao Recorrente foi determinado unissonamente pelas instâncias, pelo que existe dupla conforme, e se encontra, crê-se, definitivamente julgado nos autos.

16. O presente recurso tem por isso como único objeto as entregas que deveriam ter sido feitas pelo Recorrido desde de Março de 2004, a Março de 2011, e não foram.

17. Quanto a estas entendeu o Tribunal de Primeira Instância que as mesmas não se encontravam prescritas por ter entendido válida para interrupção da prescrição, as missivas supra mencionadas.

18. Já assim não entendeu o Tribunal da Relação no douto aresto em crise, que por isso, e em síntese, julgou prescritas as entregas que o Recorrente tinha direito a receber anteriores as 2012.

19. O Recorrente não se conformando com o douto aresto recorrido, pretende a sua revogação, por entender que:

20. (i) o Recorrido respondendo às missivas de interpelação reconhecendo o direito do Recorrente ainda que em diferente liquidação, e note-se que esta não obsta à compensação, que aliás operou, interrompeu o prazo prescricional em curso nos termos do disposto no artigo 325º do CC;

21. (ii) De qualquer modo ficou demonstrado, mesmo que reconhecimento do direito do Recorrente não tivesse existido pelo Recorrido, que o mesmo teve conhecimento da intenção do Recorrente de o interpelar para o pagamento, o que resulta claro do acuso de receção das missivas interpelativas, ficando por isso alcançada a teleologia do artigo 323º do CC, e cerceada a consignação de interpelação judicial aí consignada.

22. (iii) De qualquer modo, a prescrição não impede a compensação, se à data em que os créditos se tornaram compensáveis, a prescrição não fosse invocável – cfr. artigo 850º do CC.

23. Ora os direitos da Partes são periódica e sucessivamente contemporâneos, o vencimento consequência o vencimento do outros, pelo que a prescrição não era invocável pelo Recorrido à data em que se venceu o direito do Recorrente,

24. Tornando assim a prescrição, se existisse, o que não se concede, inoperante, o que se requer seja determinado.

25. (iv) Por outro lado, a prestação de a que o Recorrido está obrigado, é uma entrega de dinheiro,

26. O dinheiro é uma coisa, fungível, pelo que a sua titulação de faz através do direito de propriedade, o que significa que o Recorrido não entregou ao Recorrente coisa propriedade deste, que tinha e tem em sua posse.

27. Ora o direito de propriedade não está sujeito a prescrição extintiva, mas apenas à prescrição aquisitiva – usucapião;

28. O que o Recorrido não invocou, nem podia, por que nunca agiu sobre ele como se seu proprietário fosse, aliás reconhece nos próprios autos o direito de propriedade do Recorrente, ainda que em configuração diferente da desenhada por este.

29. Deste modo, o Recorrido não pode fazer seu o que ao Recorrente tem de entregar, 30. E correspondente aos valores vencidos entre Março de 2004 e Março de 2011, num total de 38.808,60 euros, acrescidos de juros.

31. Foi violado ou artigo 323º, ou o 325º, ou o 850º, ou o 1305º todos do Código Civil

32. Pelo que deve ser revogado o douto acórdão recorrido, e o mesmo substituído por outro que reconheça o direito do Recorrente a haver para si todas as entregas que o Recorrido sempre esteve obrigado cumprir, e correspondente aos benefícios da mesma natureza que auferiu da CGA referentes ao tempo de S.M.O.
Termos em que com o douto suprimento de V.Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o douto acórdão recorrido, julgando não prescrito o direito do Recorrente, ou se prescrito, com prescrição inoperável, ou caso se entenda não se tratar de um direito de crédito, mas de um direito real, se determine a inexistência de prescrição aquisitiva”.

8. O Autor apresentou contra-alegações que finalizou com as seguintes conclusões:

“I. A interpretação da vontade das partes num negócio jurídico é uma questão de facto, que se situa fora da competência do Supremo Tribunal sem prejuízo do poder de fiscalização do Tribunal de revista sempre que haja necessidade de averiguar se as instâncias fizeram correta aplicação dos critérios interpretativos fixados na lei nomeadamente nos artigos 236 n. 1 e 238 do Código Civil ou,

igualmente, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

II. Porém, não foram utilizadas pelo Venerando Tribunal da Relação as regras dos arts. 236º nº 1 e 238º do C. Civil com vista à reconstituição do sentido virtual ou hipotético que o homem padrão atribuiria a eventuais declarações do recorrente, e não se vislumbra qualquer ofensa a qualquer norma que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, pelo que nos encontramos perante uma questão inteiramente de facto e não direito.

III. Assim, se a Relação não vislumbrou um reconhecimento qualitativo, tal não ofende os artigos 236 n.º 1 e 238 n.º 1 do CC, o que o recorrente não alega, não poderá também este Supremo Tribunal interpretar de modo diverso a prova produzida, dando por provado algo que não o foi pelas instâncias.

IV. Os limites de cognição do Supremo Tribunal de Justiça no que tange à decisão de facto não são ultrapassáveis substituído uma factualidade por outra;

V. Não consta da factualidade provada que em momento algum o recorrido tenha “reconhecido qualitativamente” o que quer que seja – seja lá o que for que tal expressão, usada pelo recorrente, queira dizer;

VI. O dito reconhecimento que o recorrente diz ser qualitativo e não quantitativo, é uma questão nova que este nunca invocou;

VII. O mesmo quanto à suposta compensação - outra questão nova;

VIII. E ao usucapião de, supõe-se, numerário – que mais que uma questão nova, será uma questão verdadeiramente inovadora;

IX. Não sendo lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, improcedem todas as conclusões do recorrente porque todas se empilham, de forma pouco segura, nesse quadro fatual alternativo a partir do qual o recorrente alinhava novas possibilidades e novas questões não conhecidas pelo Venerando Tribunal a quo;

X. A invocação da compensação no presente recurso de revista é extemporânea porquanto teria que ter sido suscitada por via reconvencional, conforme disposto no art.º 266.º, n.º 2, c) do CPC.

XI. Estatui o Art. 323.º n.º 1 do CC cuja epígrafe é “Interrupção promovida pelo titular” que “1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente” e o n.º 4 do mesmo artigo que o mesmo efeito interruptivo ocorre através do uso de qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido.

XII. Não se tendo provado que o pagamento da pensão do recorrente tenha sido realizada usando moedas e notas da propriedade do recorrido, nem se percebe como poderá ter havido ou deixar de haver usucapião e menos se percebe que sentido pode fazer a sua invocação no presente processo em que se discutem direitos de crédito;

XIII. Quanto ao reconhecimento, é jurisprudência dominante, se não uniforme, a de que o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido tem de ser concreto, preciso, sem margem de vacuidade ou ambiguidade;

XIV. Ora, por definição, um reconhecimento qualitativo mas não quantitativo, que talvez o seja ou não seja que nem sequer se provou, é o perfeito oposto de um reconhecimento concreto, preciso, sem margem de vacuidade ou ambiguidade.

XV. O recorrente que nunca até este momento havia alegado um reconhecimento, não logra sequer alegar um reconhecimento relevante mas o seu contrário e, nem em rigor, afirma de modo assertivo que tal reconhecimento tenha existido.

XVI. Nos termos do n.º 1 do art.º 848.º do C.C., "a compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra", o que significa que a compensação não opera ipso jure. Carece de uma declaração de vontade nesse sentido, declaração essa que, sendo receptícia, só se torna eficaz quando chega ao conhecimento da outra parte ou quando dela é conhecida - art. 224.º, n.º 1, do C.C e igualmente o Art. 854.º do CC refere uma “declaração de compensação”.

XVII. Pelo que a compensação não opera automaticamente, para que dois créditos se considerem extintos, não basta que se encontrem em condições de poderem ser compensados (situação de compensação), mas torna-se ainda necessária a manifestação de vontade de um dos credores-devedores nesse sentido (declaração de compensação) - terá de ser feita mediante declaração de uma das partes à outra;

XVIII. Não consta da matéria de facto a existência de qualquer declaração do recorrente com esse sentido, o recorrente confunde o que poderia ter feito com o que fez.

XIX. Não consta sequer da alegação do recorrente a mais pálida alusão a uma eventual declaração de compensação pelo que tal pretensão do recorrente não tem como proceder.

XX. Embora a prescrição aquisitiva se dê por usucapião não existe qualquer relação entre esta prescrição, exclusiva dos direitos reais e a prescrição extintiva, exclusiva do direito das obrigações;

XXI. O Art. 323.º n.º 1 do CC que o douto acórdão refere a fls. 41 a 45, que seria impertinente reproduzir na totalidade e cuja epígrafe é “Interrupção promovida pelo titular” estatui que: “1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.

XXII. Uma simples carta do titular não tem o efeito de interromper a prescrição porque, uma carta do titular, como tão claramente resulta da norma jurídica invocada no douto acórdão recorrido a fls. 43 não é uma citação ou notificação judicial.

XXIII. A interpretação propugnada pelo recorrente, contra legem, é inaceitável por ser, passe a repetição, contra legem (Art. 9.º CC).

XXIV. O art. 310.º, al. d) do CC estatui que prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, devendo com esse fundamento ser o recorrente absolvido da condenação nesses juros, nos termos em que o determinou o douto acórdão recorrido;

XXV. O recurso não versa sobre a parte dispositiva do douto acórdão que condenou o recorrido a pagar ao recorrente juros de mora desde 5 de agosto de 2012, não imputando ao douto acórdão recorrido qualquer vício;
XXVI. O recurso versa apenas o período decorrente entre março de 2014 e Março de 2011, conforme se extrai da conclusão 30 que delimita o objeto do recurso, pelo que os créditos posteriores a esse que igualmente hajam sido considerados prescritos estão igualmente fora do âmbito deste recurso”.

9.   Cumprido o disposto no artº 87º, nº 3, do C.P.T., o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência da revista, parecer que, tendo sido notificado às partes, não foi objecto de resposta.

II

2 - Delimitação objectiva do recurso

Delimitado o objecto do recurso pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3, e 639º, nº 1, do CPC, a questão trazida à apreciação deste Supremo Tribunal é a de saber se está (ou não) prescrito o direito do Recorrente a haver do Autor as prestações periódicas da pensão por este recebida da C.G.A., desde a sua reforma por esta em 1.3.2004,, correspondentes ao período que foi também considerado na passagem à situação de reforma antecipada do A. enquanto trabalhador bancário, que o A., mediante o “ “Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho por Passagem à Situação de Reforma” deveria ter entregue ao Recorrente, anteriores a 5 de Março de 2012.

III

3 - Fundamentação de facto

A matéria de facto provada é a seguinte:

1. O Autor foi trabalhador do Ex-Banco Pinto & Sotto Mayor, S.A., no período compreendido entre 25.06.1968 e 30.12.1995, inclusive, data em que passou à situação de reforma.

2. Entre o Banco Pinto & Sotto Mayor, S.A. e o Autor, AA, foi celebrado, em 20 de Dezembro de 1995, o acordo escrito denominado “Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho por Passagem à Situação de Reforma”, cuja cópia se encontra a fls. 29 e 30 do suporte físico dos autos, com o seguinte teor:

“(…) é convencionado e mutuamente aceite o presente acordo de cessação do contrato de trabalho, por passagem à situação de reforma, que se regerá pelas cláusulas seguintes:

Cláusula 1ª

O Contrato de trabalho vigente entre o BANCO e o EMPREGADO cessa, por passagem deste à situação de reforma, com efeitos a partir de 31/12/95, inclusive.

Cláusula 2ª

1. Para efeitos da reforma ora acordada o tempo total de serviço prestado pelo EMPREGADO é de 32 (trinta e dois) anos completos.

2. No tempo referido no número anterior inclui-se o tempo de serviço prestado na Função Pública comprovado pelo EMPREGADO.

Este tempo de serviço, apenas releva para efeitos de aplicação do Anexo V do ACTV do Sector Bancário, não contando designadamente para efeitos de diuturnidades e prémio de antiguidade.

Cláusula 3ª

1. Pela passagem à situação de reforma, o EMPREGADO receberá os valores (…).

2. O EMPREGADO reconhece (…).

Cláusula 4ª

Em tudo o que for omisso neste acordo, aplicar-se-ão as normas constantes do ACTV do Sector Bancário.”.

3. O tempo de função pública a que alude a cláusula 2ª do acordo referido em 2, corresponde ao tempo de serviço militar obrigatório que o Autor prestou entre 24.01.1964 a 20.06.1967, que incluindo a bonificação de 50% no período de 01.06.1965 a 24.05.1967, perfaz o total de 4 anos, 4 meses e 24 dias (1584 dias).

4. Na sequência do acordo referido em 2, e com efeitos a partir de 31/12/1995, inclusive, Banco Pinto & Sotto Mayor, S.A. passou a pagar ao Autor a pensão de reforma, calculada nos termos previstos no ACTV.

5. Por despacho da Direcção da Caixa Geral de Aposentações de 01.03.2004 foi reconhecido ao Autor o direito à aposentação, tendo-lhe sido fixada uma pensão, desde Abril de 2004, no montante mensal ilíquido de € 3222,74 até 31.12.2008, actualizada em Janeiro de 2009 para o montante mensal ilíquido de € 3283,11.

6. A pensão atribuída pela Caixa Geral de Aposentações considerou como “tempo efectivo” – 29 anos e 3 meses – e como “tempo considerado” – 36 anos (correspondentes a 12960 dias), na qual foi contabilizado o tempo correspondente ao serviço militar que o Autor prestou entre 24.01.1964 a 20.06.1967, que incluindo a bonificação de 50% no período de 01.06.1965 a 24.05.1967, perfaz o total de 4 anos, 4 meses e 24 dias (1584 dias).

7. A Caixa Geral de Aposentações, considerou que pelo tempo de serviço correspondente ao serviço militar, proporcionalmente aos 36 anos (12960 dias), caberia uma parcela de € 393,89 entre 1 de Abril de 2004 a 31 de Dezembro de 2008 e de € 401,27 de 1 de Janeiro de 2009 em diante.

8. Em 15 de Dezembro de 2000, o Banco Pinto & Sotto Mayor, S.A., foi incorporado, por fusão (mediante transferência global do seu património), no BCP, JF, SGPS, Sociedade Unipessoal, Lda, a qual, por sua vez, foi incorporada no Banco Comercial Português, S.A..

9. O Réu enviou ao Autor a carta datada de 20 de Maio de 2010, cuja cópia se encontra a fls. 40 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, que este recebeu e à qual respondeu através da carta datada de 14 de Junho de 2010, constante de fls. 41 do suporte físico dos autos.

10. O Réu enviou ao Autor a carta cuja cópia se encontra a fls. 53 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, que este recebeu.

11. A Caixa Geral de Aposentações emitiu, em 29 de Junho de 2015, a certidão inserta a fls. 51 a 52 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, da qual o Autor deu conhecimento ao Réu.

12. Na sequência do referido em 11, o Réu enviou ao Autor a carta, datada 5 de Agosto de 2015, cujo teor se dá por reproduzido, fixando em € 56.818,09 o valor em dívida pelo Autor.

13. Até Abril de 2015, inclusive, o Réu pagou ao Autor a pensão de reforma de € 1.306,80 (€ 1076,70 de pensão base e € 233,10 de diuturnidades).

14. Nos meses de Maio, Junho e Julho de 2015, o Réu pagou ao Autor a pensão mensal de reforma de € 1.306,80 (€ 1076,70 de pensão base e € 233,10 de diuturnidades), deduzida da quantia mensal de € 584,64, relativa à pensão CGA.

15. Nos meses de Agosto de 2015, inclusive, até Junho de 2016, inclusive, o Réu pagou ao Autor a pensão mensal de reforma de € 1.306,80 (€ 1076,70 de pensão base e € 233,10 de diuturnidades), deduzida da quantia mensal de € 400,21, relativa à pensão CGA, sendo que no mês de Novembro de 2015, o valor deduzido foi de € 800,42, por abranger o subsídio de Natal.

16. Nos meses de Julho de 2016, inclusive, até 31 de Dezembro 2016, inclusive, o Réu pagou ao Autor a pensão mensal de reforma de € 1.306,80 (€ 1076,70 de pensão base e € 233,10 de diuturnidades), deduzida da quantia mensal de € 400,21 relativa à “pensão CGA” e da quantia de € 676,41, relativa a “Dívida CGA”, sendo que no mês de Novembro de 2016, as quantias foram deduzidas também no subsídio de Natal.

17. O Autor efectuou descontos para a CGA, por prestação da actividade de docência no ensino público e particular, nos seguintes períodos:

- No ensino público, de 01.10.1962 a 23.01.1964, 21.06.1967 a 30.09.1968 e 01.09.1997 a 01.01.2004;

- No ensino privado, 01.10.1968 a 30.08.1997.

18. A pensão atribuída pela CGA, referida em 6, considerou 30 anos de actividade de docência e o serviço militar obrigatório, num total de 36 anos.

4 - Fundamentação de Direito

Tal como acima se deixou já enunciado a questão trazida à apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça, decidida no acórdão recorrido é a de saber se estão (ou não) prescritas as prestações periódicas respeitantes à obrigação que o recorrido assumiu por “Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho por Passagem à Situação de Reforma”, celebrado entre as partes em 20.12.1995, de entregar ao recorrente os valores que a título de benefício da mesma natureza viesse a receber da C.G.A., o que veio a suceder com a sua reforma pela C.G.A. em 1.3.2004, anteriores a 5 de Março de 2012.

Está em causa a prescrição das prestações da pensão que o A. recebeu da C.G.A, desde Março de 2004, e devia ter entregue ao Recorrente, vencidas até 5 de Março de 2012.

A prescrição dos créditos do Réu foi invocada, inicialmente e por antecipação, pelo A. na petição inicial, sustentando que estavam prescritas as importâncias que, eventualmente, se verificassem relativas aos anos anteriores a 2011, e, depois de o Réu, ora recorrente, formular o pedido reconvencional, para os créditos vencidos há mais de 5 anos, isto é, vencidos até 01.05.2014, por ter sido notificado do pedido reconvencional reformulado em 02.05.2019.

As instâncias, seguindo a orientação jurisprudencial, firmada, entre outros, nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 25.6.2002, Procº nº 02S882, 21.6.2003, Procº nº 02S3384, e 7.10.2003, Procº nº 0 3S1785, segundo a qual em matéria de prescrição de reforma há que distinguir dois direitos : o direito unitário a receber as respectivas pensões vitalícias, e o direito às prestação periódicas em que a reforma se concretiza ao longo do tempo, convergiram no entendimento, em tal jurisprudência afirmado, de que a estas prestações, e respectivos juros legais, se aplica o prazo de prescrição de cinco anos, previsto no artigo 310º,  al. d) e g) do Código Civil.

Já quanto à questão da ocorrência da prescrição foi divergente o entendimento das instâncias:

A 1ª instância foi de entendimento que o Recorrente, dispondo dos elementos necessários ao exercício do direito ao reembolso a partir de 14.6.2010, interrompeu a prescrição com a carta de 12 de Maio de 2012, interpelando o A. para proceder ao pagamento da dívida, interrompeu a prescrição, concluindo que o direito do R. à devolução da parte da pensão (proporcional ao tempo de serviço militar obrigatório) auferida pela A. da CGA, não se mostra prescrito.

Diferentemente o acórdão recorrido, foi de entendimento que para a interrupção da prescrição, por acto do credor é necessário, de conformidade com o disposto no artigo 323º, nºs 1, e 4, do Código Civil, a prática de um acto judicial (citação, notificação judicial ou qualquer outro meio judicial) que, directa ou indirectamente, dê a conhecer ao devedor a intenção do credor de exercer a sua pretensão, não bastando, para o efeito, o envio de comunicações extrajudiciais como as cartas de 12 de Maio de 2012, 5 de Agosto de 2015 e 20.5.2010  que o recorrente dirigiu ao recorrido, vindo a concluir, por um lado, que o prazo de prescrição decorreu desde o momento em que o A. começou a receber montantes da C.G.A. a que o R. tinha direito, e que, tendo a notificação do A. do pedido reconvencional deduzido pela R. na acção sido expedida a 2 de março de 2017, a prescrição se interrompeu a 5 de Março de2017, apenas não se mostrando prescritos os valores que o A. deveria ter entregue  ao R. a partir de5 de Março de 2012, ou seja, em síntese, que estão prescritas todas as prestações devidas até cinco anos antes da interrupção da prescrição a 5.3.2017.

Insurgindo-se contra o assim decidido invoca o recorrente, como ressalta das conclusões das suas alegações, que:

 (i) o Recorrido, respondendo às missivas de interpelação reconheceu o direito do recorrente;

(ii) mesmo que assim não fosse, o recorrido teve conhecimento da intenção do recorrente de o interpelar para o pagamento, o que resulta claro do acuso de recepção das missivas interpelativas, ficando, por isso, alcançada a teleologia do artigo 323º do Código Civil;

(iii) a prescrição não impede a compensação, se, como era o caso, à data em que os créditos se tornaram compensáveis, a prescrição não fosse invocável (artº 325º do C. Civil), e,

(iv) a prestação a que o recorrido está obrigado é de uma entrega em dinheiro que é propriedade do recorrente e aquele tinha e tem na sua posse, não estando o direito de propriedade  sujeito a prescrição extintiva mas apenas a prescrição aquisitiva – usucapião,

concluindo, a final, pela violação, pelo acórdão recorrido, dos artigos 323º, ou 325º, ou 850º ou 1305º, todos do Código Civil.

Contrapõe o recorrido, nas contra-alegações apresentadas, que não consta da factualidade provada que em momento algum o recorrido tenha reconhecido qualitativamente o que quer que seja, e que o reconhecimento, a compensação e a usucapião alegados são questões novas, nunca antes invocadas, por isso não sendo lícita a sua invocação no presente recurso, acrescentando que a invocação da compensação é extemporânea, uma vez que deveria ter sido suscitada por via reconvencional, conforme disposto no artigo 266º, nº 2, al. c), do C.P.C., e que não se percebe como poderá ter havido ou deixado de haver usucapião nem se percebe que sentido pode fazer a sua invocação no presente processo em que se discutam direitos de crédito.

Começando,  por apreciar as questões prévias suscitadas pelo recorrido, dir-se-á que, como se sabe, e tem sido inúmeras vezes afirmado na jurisprudência deste Supremo Tribunal, firmada, entre muitos outros, nos acórdão de 24.2.2015, Procº nº 1866/11.4TTPRT.P1.S1, 10.12.2015, Procº 677/12.4TTALM.L1.S1, e 17.11.2018, Procº nº 860/13.3TTVIS.C1.S2, todos da Secção Social, os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso, pelo que está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça emitir pronúncia sobre questões que só no âmbito da revista foram suscitadas..

Na presente revista vem o recorrente invocar a compensação, sustentando, como se referiu, não só que “o recorrido respondendo às missivas de interpelação reconhecendo o direito do Recorrente ainda que em diferente liquidação, e note-se que esta não obsta à compensação, que aliás operou, interrompeu o prazo prescricional em curso nos termos do disposto no artigo 325º do CC”, mas também que a prescrição não impede a compensação, se, como era o caso, à data em que os créditos se tornaram compensáveis, a prescrição não fosse invocável (artº 325º do C. Civil), o que efectivamente constitui questão nova, nunca antes submetida à apreciação das instâncias.

A compensação, como é sabido, é uma forma de extinção das obrigações para além do cumprimento,  prevista no artigo 847º, nº 1, do Código Civil, possibilitando que quando duas pessoas sejam simultaneamente credor e devedor, qualquer delas possa livrar-se da obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificando-se determinados requisitos, e que postula o reconhecimento de um crédito, a confrontar com um contra-crédito, pelo que o reconvinte não pode alegar a compensação se nega a existência do crédito invocado pelo reconvindo.

A partir da reforma do processo civil operada pela Lei nº 41/2013, de 36 de Junho, a compensação passou a ter que ser sempre invocada através de reconvenção, independentemente do valor do crédito de que o réu é titular, nos termos do artigo 266º, nº 2, al. c) do Código de Processo Civil.

No caso vertente, tendo o A. logo na petição inicial invocado, por antecipação, a prescrição das “importâncias que, eventualmente se verificassem, relativas aos anos anteriores a 2011”, o R., na sua contestação, respondendo a essa excepção limitou-se a invocar que o prazo de prescrição do seu crédito não é o de cinco anos mas o prazo geral, aplicável ás prestações de natureza contratual, tendo formulado pedido reconvencional no qual se incluem, além das posteriores, o valor das prestações a que o R. se entendia com direito  relativas a esse período.

Nem nesse articulado, nem na reconvenção perfeiçoada, em que reproduz idêntica resposta à excepção, o R. faz qualquer alusão à figura e instituto da compensação, sendo clara na resposta à excepção de prescrição, deduzida pelo A. por antecipação, a inexistência de qualquer alusão ou a referência a qualquer compensação e a qualquer possibilidade de a fazer operar a despeito da prescrição, que, de resto, o R. sempre refutou, e tão pouco foi invocada pelo R. nas contra-alegação que apresentou no recurso de apelação, tratando-se, pois, de matéria e questão que não foi alegada nem submetida à apreciação das instâncias e por estas apreciada, configurando questão nova, matéria que não foi alegada nem submetida à apreciação das instâncias e por estas apreciada e ponderada.

Destarte, constituindo a questão suscitada pelo R. uma questão nova, dela não poderá conhecer este Supremo Tribunal.

O mesmo se diga quanto à questão da usucapião, que o Recorrente formula nos seguintes termos “(…a prestação a que o recorrido está obrigado é uma entrega de dinheiro. O dinheiro é uma coisa, fungível, pelo que a sua titulação se faz através do direito de propriedade, o que significa que o Recorrido não entregou ao Recorrente pois propriedade deste, que tinha e tem em sua posse. Ora, o direito de propriedade não está sujeito a prescrição extintiva, mas apenas à prescrição aquisitiva – usucapião; o que o Recorrido não invocou (…), não podendo o Recorrido fazer seu o que ao Recorrente tem de entregar (…)”, concluindo o Recorrente pedindo que “caso se entenda não se tratar de um direito de crédito, mas de um direito real, se determine a existência de prescrição aquisitiva”.

A usucapião, definida no artigo 1287º do Código Civil, é uma forma de aquisição originária da generalidade dos direitos reais de gozo que pressupõe o exercício da posse correspondente ao respetivo direito por um certo período de tempo.

Trata-se, também aqui, em que estão em causa direitos de diferente natureza e em que, como sublinha o recorrida nas sus contra-alegações, para além da utilização do fonema “prescrição” não existe qualquer relação entre esta prescrição, exclusiva dos direitos reais e a prescrição extintiva dos direitos das obrigações, de matéria e questão que jamais foi invocada nos autos -v.g. pelo Recorrente, a quem cumpria fazê-lo, posto que a excepção de prescrição do crédito que veio fazer valer por via reconvencional, logo foi invocada pelo A. na petição inicial – jamais foi debatida entre as partes, apreciada e decidida nas decisões das instâncias e acórdão recorrido.

De resto, além da contradição entre tal alegação e a invocada compensação, não se vislumbra nos autos que alguma vez o Recorrente tenha sustentado, e provado, que o valor da pensão que o Recorrente recebe da Caixa Geral de Aposentações, que lhe é devida pelo trabalho que prestou a outras entidades que não o Recorrente, considerando embora um período de tempo que relevou para a pensão bancária, é de sua, Recorrente, propriedade.

Em suma, trata-se de questão nova que está vedado a este Supremo Tribunal de Justiça conhecer.

Do mesmo modo, também o alegado reconhecimento do crédito pelo Autor alegado pelo Recorrente jamais foi por si invocado nos autos, tratando-se também de questão nova de que não pode este Supremo Tribunal conhecer. Com efeito,

 Nos termos do artigo 325º, nº 1, do Código Civil, a “prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido”, sendo que (nº 2) o “reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam”.

Sabido que a prescrição, enquanto instituto que, tal como a caducidade e o não uso, exprime a relevância do tempo sobre o exercício dos direitos, visando satisfazer a necessidade social da segurança jurídica e certeza dos direitos, e assim proteger o interesse do sujeito passivo, é, quando invocada, um facto extintivo/impeditivo do direito do credor, incumbe àquele a quem aproveita, o sujeito passivo, o respectivo ónus de alegação e prova, conforme decorre do artigo 342º, nº 2, do Código Civil.

Em contraponto incumbe ao credor, no momento processual próprio, o ónus de alegação e prova de factos impeditivos daquele efeito, ou seja, para o que aqui releva, do facto interruptivo da prescrição, que inutiliza, para a prescrição, todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, em regra idêntico ao prazo da prescrição primitiva (artº 326º do Código Civil), consistente no reconhecimento do direito por aquele contra quem o direito pode ser exercido.

Como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 17.12.2019, Procº nº 325/15.4T8SCR.L1.S1., de acordo com os princípios da preclusão e da concentração da defesa, compete ao credor, no que toca à invocação da excepção de prescrição, alegar na fase processual própria, por regra a resposta à contestação, a existência de um reconhecimento do seu direito, nos termos do artigo 325º do Código Civil, sem o que não pode o tribunal levar em linha de conta a invocação ulterior de factos impeditivos da prescrição.

No caso vertente, na resposta à excepção de prescrição relativamente às prestações e acertos anteriores a 2011, invocada, por antecipação, pelo Autor na petição inicial, o Réu, no articulado em que apresentou resposta a tal excepção, limitou-se a invocar que o prazo de prescrição era o prazo ordinário (20 anos), sem invocar qualquer reconhecimento.

E se é certo que o acórdão recorrido, depois de ter concluído que nenhuma das missivas (de fls. 53 dos autos, datada de 12.5.2015, de fls. 55 dos autos, datada de 5.8.2015, e de fls. 40 dos autos, datada de 20.5.2010, dirigidas pelo Recorrente ao recorrido)  constitui uma citação ou notificação judicial avulsa que a interrupção por acto do credor pressupõe, e pela verificação da prescrição, se refere à questão do reconhecimento do direito pelo recorrente, fá-lo  começando por dizer, “E nem se tente esgrimir para lograr a interrupção no caso em exame com o disposto no artigo 325º do Código Civil”, passando depois à análise do caso concreto, neste com referência, ou seja numa abordagem teórica, argumentativa e coadjuvante da conclusão anteriormente alcançada, um mero obiter dictum, ou acrescento à fundamentação, que não constitui o fundamento da decisão, que em nada contende com a conclusão de que a questão do reconhecimento do crédito pelo devedor é questão nova, não invocada nos autos nem decidida de mérito pelo acórdão recorrido.

De todo o modo, se, numa perspectiva meramente formal, é correcto assim concluir, também sob o ponto de vista material, a alegação do Recorrente  não é susceptível de acolhimento. Na verdade,

Sustenta o recorrente que na resposta que o recorrido, por carta de 14.6.2010, apresentou à carta de interpelação de 20.5.2010, na qual acusa recepção da missiva do recorrente de 20.5.2010, declara o reconhecimento do direito do Recorrente ainda que em liquidação diversa, e que, em resposta à sua carta de 12.11.2014, em que interpelou o recorrido para proceder ao pagamento da quantia devida, o recorrente, por carta de 10.12.2014, acusando recepção daquela, reconhece o direito do recorrente, e declara mesmo que tal reconhecimento constava já da carta de 14.6.2010 (conlusões 8 a 11 das alegações).

À troca de correspondência entre o recorrente e o recorrido referem-se os pontos 9, 10 e 12 da matéria de facto provada, onde se referem as cartas cujas cópias se encontram a fls. 40 do suporte físico dos autos, datada de 20.5.2020, que o recorrente enviou ao recorrido, à resposta do recorrido, a fls, 41 dos autos, datada de 14.6.2010, de fls. 53 e 55 dos autos, datadas de 12.5.2015, e 5.8.2015, do recorrente ao recorrido, estas informando o valor em dívida das pensões e solicitando ao A. que informe como pretende regularizar esse montante.

A carta do recorrido datada de 10.12.2014, que o recorrente invoca no ponto 11 das conclusões como expressando o reconhecimento pelo recorrido seu direito, não consta do elenco dos factos provados –que, estes e apenas estes, constituem a base necessária para a decisão de mérito-.

Das invocadas pelo recorrente a outra carta enviada ao A., datada de 20 de Maio de 2010 tem, na parte aqui relevante, o seguinte teor:

Serve a presente para informar que no momento da sua passagem à situação de reforma, foi-lhe contado para efeitos de cálculo da sua pensão, o tempo de serviço que prestou na Função Pública.

Acresce que aquele período de tempo confere-lhe direito a uma aposentação através da Caixa Geral de Aposentações, pelo que, dado ter atingido a idade, para a poder requerer agradecemos que apresente junto daquela instituição (CGA…) o pedido de atribuição  da pensão a que tem direito , entregando o impresso e a declaração que enviamos em anexo.

Entretanto, deverá remeter-nos fotocópia comprovativa da entrega do referido requerimento ou do registo da carta remetida à CGA com a documentação, visto que o valor da pensão reverterá a favor do Banco tal como ficou acordado aquando da sua passagem à situação de reforma.

Por fim, importa ainda referir que mal lhe seja concedida a pensão de reforma, deverá remeter-nos os documentos que receber da Caixa Geral de Aposentações com o respectivo cálculo.
(…)”

Por seu turno a carta, em resposta, do A., datada de 14 de Junho de 2010, constante de fls. 41 do suporte físico dos autos, tem o seguinte teor:

Exmos Senhores,

Acuso recepção da V/carta de 20-05-2020 e, relativamente ao seu conteúdo, informo o seguinte:

Após me ter reformado do ex-Banco Pinto & Sotto Mayor, S.A., efectuei descontos para a Caixa Geral de Aposentações, relativamente à minha actividade de professor e vim a aposentar-me em 01-04-2004, tendo sido considerados 36 anos de serviço, por força da legislação aplicável aos docentes.

À data da reforma no Banco possuía 27 anos de tempo de serviço e foram considerados 5 anos de tempo de função pública, tendo assim ficado com 32 anos de serviço para efeitos do Anexo V.

Verifica-se, assim, que se não tivesse exercido as funções docentes e a pensão de aposentação respeitasse apenas àqueles 5 anos, a mesma teria o valor da pensão mínima. Por outro lado, também só me aposentaria aos 70 anos de idade, ou seja, em 28-08-2011 e não antes, como aconteceu, por ter beneficiado da assinalada legislação.

Acresce que foi, também, por causa da específica legislação para docentes que beneficiei do cálculo da pensão expressa no ofício da C.G.A. que anexo à presente.
(…)”..

Parece claro que esta resposta do A. ao Recorrente não revela de forma alguma aceitação ou reconhecimento expresso, tácito e muito menos inequívoco, do direito do Recorrente às concretas prestações da pensão de reforma do A., as prestações periódicas em que se desdobra o direito unitário à pensão, reclamadas e peticionadas na acção pelo Recorrente, o mesmo sucedendo, de resto, com a resposta do A. de 10.12.2014 também invocada pelo recorrente, pelo que, nesta perspectiva, improcede a alegação do recorrente.

No que constitui a única questão que integra o objecto do recurso de que este Supremo Tribunal pode conhecer alega o recorrente que mesmo que assim não fosse, ou seja, ainda que não tivesse existido reconhecimento do seu direito, o recorrido teve conhecimento da sua intenção de o interpelar para pagamento, o que, no dizer do recorrente, resulta claro do acuso de recepção das missivas interpelativas, com o que ficou alcançada a teleologia do artigo 323º do Código Civil.

Como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 4.3.2020, Procº nº 1472/04.0TVPRT-C.S1, a prescrição interrompe-se pelos meios que a lei autoriza como tais, pois que, estando regulada por normas de ordem pública, não se admitem modificações operadas por particulares.

O artigo 323º, nº 1, do Código Civil dispõe que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.

Prevê-se aí expressamente que a prescrição desencadeada por acto do credor pressupõe um acto judicial que, directa ou indirectamente, dê a conhecer ao devedor a intenção do credor, evidenciando que o legislador quis restringir a interrupção da prescrição promovida pelo titular do direito à utilização de determinados meios de comunicação com a contraparte que considerou idóneos para se atingir os fins em causa, e esses meios são, com exclusão de qualquer outro, a citação ou a notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito.

Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, 1987, pág. 290, decorre claramente deste preceito (artº 323º) que não basta o exercício extrajudicial do direito para interromper a prescrição: é necessária a prática de actos judiciais que, directa ou indirectamente, deem a conhecer ao devedor a intenção de o credor exercer a sua pretensão.

O envio de comunicações extrajudiciais, como são aquelas a que se refere o recorrente, não é, pois, meio idóneo para operar a interrupção da prescrição.

No caso sub judice o único acto judicial praticado com a virtualidade de interromper a prescrição foi a notificação do A., por ofício expedido em 2 de Março de 2017, presumindo-se recebido no dia 5 seguinte, da reconvenção deduzida pelo Réu recorrente, como se decidiu no acórdão recorrido.

É, assim, improcedente a alegação do recorrente.

IV

Face ao exposto acorda-se em negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 21 de Abril de 2022

Leonor Cruz Rodrigues (Relatora)

Pedro Branquinho Dias

Ramalho Pinto