ACIDENTE DE TRABALHO
FALECIMENTO DO SINISTRADO NA PENDÊNCIA DA ACÇÃO
PERÍCIAS MÉDICAS
AVALIAÇÃO DA INCAPACIDADE
Sumário


A responsabilidade emergente de acidente de trabalho pode incluir prestações pecuniárias ao autor que já estejam vencidas à data do seu óbito, as quais não integram relações jurídicas pessoais ou infungíveis determinantes da extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, e daí que os arts. 141.º e 144.º do Código de Processo do Trabalho prevejam a suspensão da instância por falecimento do autor para habilitação dos seus herdeiros.
Em incidente de revisão da incapacidade do sinistrado, o laudo de junta médica no sentido de que a falta física daquele, por falecimento superveniente, impedia a avaliação dum eventual agravamento da IPP, não é fundamento de extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, devendo o tribunal apreciar as restantes provas e decidir se as mesmas são suficientes para concluir pelo agravamento das sequelas e incapacidade do sinistrado à data do requerimento.

Alda Martins

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado J. A. e responsável X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., proferiu-se sentença em 15/07/2011, na qual, além do mais, se reconheceu que o primeiro, sendo armador de ferro de 1.ª, sofreu um acidente de trabalho no dia 22/12/2009, que lhe determinou a IPP de 2% desde 9/07/2010, e se condenou a seguradora a pagar-lhe o capital de remição duma pensão anual no valor de 284,10 €, tendo por base a retribuição anual de 20.293,08 €.
Através de requerimento de 8/11/2019, veio o sinistrado requerer incidente de revisão da sua incapacidade, com fundamento em que houve agravamento das sequelas resultantes do acidente, juntando quesitos.
Submetido ao respectivo exame, o Sr. perito médico foi de parecer de que a incapacidade permanente parcial do sinistrado se mostra agravada para 4%.
Devidamente notificados o sinistrado e a seguradora, esta veio requerer a realização de perícia por junta médica, mas, sem que esta se tivesse iniciado, o sinistrado faleceu no dia 20/01/2021 por causa não relacionada com o acidente de trabalho dos autos.
Designada novamente perícia por junta médica, declararam os senhores peritos, por unanimidade: «Considerando que as sequelas do acidente em questão se relacionam com sinais e sintomas objetivos, e não sendo possível ter a presença física do sinistrado na presente Junta, não é possível avaliar concretamente um eventual agravamento da IPP, visto que a informação clínica presente nos Autos não é suficiente para quantificar as sequelas.»

Seguidamente, foi proferido o seguinte despacho:
«(…)
Atendendo a que o sinistrado faleceu e considerando que sem a realização de um exame médico com a sua presença não é possível determinar se ocorreu um agravamento das sequelas, entendemos que se verifica uma situação de inutilidade superveniente da lide relativamente ao presente incidente (art. 277º al. e) do Cód. de Processo Civil).
Nos dizeres de LEBRE DE FREITAS, ‘a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, em virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida’.
É precisamente com este circunstancialismo que nos deparamos, uma vez que, como resulta do entendimento unânime que foi expresso pelos senhores peritos médicos, o falecimento do sinistrado impede que possa apreciar-se a sua pretensão no sentido do agravamento das sequelas que resultaram do acidente de trabalho.
Pelo exposto, declaro extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
Fixo ao presente incidente o valor da causa nos autos principais.
Custas a cargo do sinistrado.»

Requerida a habilitação de herdeiros do sinistrado, o tribunal proferiu decisão a julgar habilitados nessa qualidade sua viúva M. S., o filho menor R. F., representado pela anterior, e as filhas maiores L. A. e A. S., que interpuseram recurso do despacho que julgou extinta a instância, formulando as seguintes conclusões:

«1. Pelo presente recurso pugna-se pela revogação do despacho proferido na decisão recorrida que determinou, a extinção da instância, por inutilidade da lide, e sua substituição por um outro que determine a apreciação de mérito da questão material controvertida suscitada no presente incidente de revisão de incapacidade.
2. No dia 08.11.2029 o sinistrado alegando o agravamento das sequelas sofridas no acidente de trabalho ocorrido em 22.12.2009, veio suscitar incidente de revisão.
3. Em 28.01.2020, foi submetido a exame médico, no Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado, tendo-lhe sido fixado um agravamento das suas sequelas, alterando a incapacidade permanente parcial anteriormente fixada de 2% para 4%, por padecer de edema crónico do pé e tornozelo esquerdos com esforços, fenómenos dolorosos, limitação da mobilidade e força muscular diminuída.
4. Em 27.04.2020, a demandada seguradora discordando do exame médico singular requereu a submissão do sinistrado a junta médica.
5. Em 20.01.2021, ocorreu o falecimento do sinistrado, por doença natural, comunicada e documentada nos autos.
6. Em 17-09-2021, foi realizado exame, por junta médica, no qual, os senhores peritos declararam que «Considerando que as sequelas do acidente em questão se relacionam com sinais e sintomas objetivos, e não sendo possível ter a presença do sinistrado na presente Junta, não é possível avaliar concretamente um eventual agravamento da IPP, visto que a informação clínica presente nos autos não é suficiente para quantificar as sequelas.»
7. Em 28.06.2021 foi proferido despacho que declarou, extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º. 277º al. e) do C.P.C., por considerar que tendo o sinistrado falecido na pendência da causa, não foi possível submetê-lo a exame, por junta médica, e como tal não seria também possível apreciar a sua pretensão, no sentido de ter sofrido um agravamento das sequelas que resultaram do acidente de trabalho.
8. Em 09.07.2021, a viúva do sinistrado veio requerer a sua habilitação e dos seus filhos, para prosseguimento da lide em nome do sinistrado, ratificando todo o processado, nos termos e para os efeitos do previsto no nº 3 e 4 do art.º. 270º do CPC.
9. Ora, afigura-se que padece de erro na aplicação do direito a decisão recorrida que, ao invés de decidir o mérito da causa - determinar se o sinistrado sofreu ou não um agravamento das suas sequelas e, consequentemente um agravamento da sua IPP – veio a declarar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide.
10. Uma coisa será os senhores peritos médicos concluíram que, face ao falecimento do sinistrado não poderiam proceder ao seu exame médico e, consequentemente estariam impossibilitados de avaliar se ocorreu um agravamento das respetivas sequelas, outra coisa, diametralmente oposta será o Sr. Juiz a quo chegar à mesma conclusão a fim de se demitir de proferir a decisão que aprecie em concreto o presente incidente de revisão.
11. Está-se perante uma situação de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, quando devido a novos factos, verificados na pendência do processo, não existe qualquer efeito útil na decisão a proferir, quando já não é possível o pedido ter acolhimento ou quando o fim visado com a ação foi atingido por outro meio – cf. Prof. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, Coimbra 1946, pp. 368-369.
12. A impossibilidade superveniente da lide dá-se quando o efeito jurídico pretendido através do processo se tornou lógica, natural ou juridicamente irrealizável durante a instância, o que não é de todo o caso dos autos.
13. A circunstância superveniente ocorrida nos autos, atinente ao sujeito - morte do sinistrado - não extingue nem os sujeitos, nem o objeto da causa (pedido formulado e/ou causa de pedir invocada), pelo que, não constitui causa superveniente de inutilidade da lide.
14. O sinistrado passa a estar representado pelos seus sucessores e os presentes autos de revisão continuam a revestir-se de utilidade para as partes, designadamente para os sucessores daquele.
15. Também o fato do sinistrado não ter sido avaliado no exame, por junta médica, não é impeditivo para o Meritíssimo Juiz a quo se demitir da decisão de mérito, pois, sempre teria ao seu alcance nos autos outros meios de prova, também periciais, que lhe permitia e permitem confirmar ou infirmar o alegado e peticionado no requerimento inicial pelo mesmo.
16. Tanto mais que, no presente incidente, o sinistrado já havia sido submetido a uma perícia, na qual, foi emitido um “juízo técnico e científico” por um perito singular integrado num organismo autónomo, independente e de reconhecida idoneidade técnica para o efeito, o INML, que confirmou o agravamento das sequelas do sinistrado ancorado em meios de diagnóstico, exame objetivo do sinistrado e nas próprias declarações do mesmo sobre as suas limitações e handicaps.
17. Exame médico, que não é letra morta nos autos e, como tal, não pode, nem deve, ser desconsiderado pelo Tribunal recorrido, quer como meio de prova, quer na apreciação do direito arrogado pelo sinistrado.
18. Tanto mais que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre – art.º. artigo 389º do CCivil - segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido.
19. A inutilidade superveniente da lide tem de ser absoluta.
20. Mantendo-se qualquer utilidade, ainda que mínima ou pouco provável para as partes, não se verifica a inutilidade da lide.
21. Pelo exposto, não se verifica qualquer causa de inutilidade superveniente da lide;
22. Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo violou a norma do art.º 277º al. e) do CPC.»

A seguradora não apresentou resposta ao recurso.
O recurso foi admitido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso.
Vistos os autos, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil –, a única questão que se coloca a este Tribunal é a de saber se existe causa de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide ou deve ser proferida decisão de mérito sobre se o sinistrado sofreu ou não um agravamento da sua incapacidade determinante de aumento da pensão devida.

3. Fundamentação de facto

Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são os que resultam do Relatório supra.

4. Apreciação do recurso

Nos termos conjugados dos arts. 269.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 e 276.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil, o falecimento de alguma das partes apenas dá lugar à suspensão da instância até à habilitação dos seus sucessores, excepto se tornar impossível ou inútil a continuação da lide, nos termos do art. 277.º, al. e) do mesmo diploma, sendo que esta situação só sucede “(…) quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.” (1)

Por outras palavras (2):

“A impossibilidade superveniente da lide pode derivar de três ordens de razões: impossibilidade subjectiva nos casos de relações jurídicas pessoais que se extinguem com a morte do titular da relação, não ocorrendo sucessão nessa titularidade; impossibilidade objectiva nos casos de relações jurídicas infungíveis em que a coisa não possa ser substituída por outra ou o facto prestado por terceiro; impossibilidade causal quando ocorre a extinção de um dos interesses em litígio (v.g. por confusão).
A inutilidade superveniente decorre em geral dos casos em que o efeito pretendido já foi alcançado por via diversa, sendo o caso mais típico o do pagamento da quantia peticionada ou, em geral, o cumprimento espontâneo da obrigação em causa ou a entrega do bem reivindicado.”
Nesta perspectiva, o falecimento do autor de acção emergente de acidente de trabalho não seria causa de inutilidade mas quando muito de impossibilidade superveniente da lide.
Não obstante, mesmo esta impossibilidade pode não se verificar, uma vez que a responsabilidade emergente de acidente de trabalho pode incluir prestações pecuniárias ao autor que já estejam vencidas à data do seu óbito, caso em que não estão em causa relações jurídicas pessoais ou infungíveis. Daí que os arts. 141.º e 144.º do Código de Processo do Trabalho prevejam a suspensão da instância por falecimento do autor para habilitação dos seus herdeiros, caso aquele ocorra antes ou depois do julgamento da causa ou da extinção da instância por outro motivo, respectivamente.
Nos presentes autos, conforme acima descrito, estando requerida a realização de perícia por junta médica, e tendo entretanto falecido o sinistrado, aquela foi ainda assim designada, o que significa que se considerou – e bem – que o falecimento do sinistrado não era só por si causa de extinção da instância por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide.
Na verdade, compulsado o requerimento de revisão da incapacidade, constata-se que se visava que a seguradora, em consequência do agravamento do estado do sinistrado, não só lhe prestasse cuidados médicos e de fisioterapia – ponto em que, pelas sobreditas razões, efectivamente ocorre impossibilidade superveniente da lide –, como também lhe pagasse o correspondente aumento da pensão. Ora, nesta parte, não se verifica a impossibilidade superveniente da lide, uma vez que está em causa uma prestação pecuniária que seria devida ao sinistrado desde a data do requerimento e, falecido o mesmo entretanto, se transmitiria aos respectivos herdeiros.
Aliás, como se vinha dizendo, o entendimento do tribunal recorrido não se alicerçou no falecimento do sinistrado mas no subsequente laudo da junta médica no sentido de que a falta física daquele impedia a avaliação dum eventual agravamento da IPP, ou seja, a inutilidade ou impossibilidade da lide radicaria na impossibilidade de realização dum meio de prova, o que manifestamente não é um fundamento idóneo para o efeito. Na verdade, a alegada impossibilidade de prolação duma decisão pericial não acarreta de modo algum a impossibilidade de prolação da decisão judicial, quando muito motiva que esta, apreciando as restantes provas e concluindo pela sua insuficiência, seja no sentido da improcedência do requerido.
Isto é, o que importa é proceder a tal apreciação do mérito do incidente de revisão da incapacidade, não obstante o resultado da perícia por junta médica.
Vejamos, então.
Decorre dos autos que o sinistrado sofreu um acidente de trabalho no dia 22/12/2009, de que resultou traumatismo do membro inferior esquerdo, tendo-lhe sido atribuída a IPP de 2% desde 9/07/2010. Subsequentemente, o sinistrado deduziu dois incidentes de revisão, na sequência dos quais se procedeu a perícias por junta médica em 25/10/2012 e 12/05/2016, respectivamente, que concluíram pela inexistência de alterações do estado do sinistrado decorrente do acidente de trabalho.
Na sequência do requerimento do sinistrado de 8/11/2019, que deu origem ao presente incidente de revisão, aquele foi submetido a perícia médica na delegação competente do IML, em 28/01/2020, tendo a senhora perita, Assistente em Medicina Legal, lhe reconhecido a IPP de 4%.
Aí se referem, e juntam em anexo, a título de exames realizados posteriormente à última perícia por junta médica: ressonância magnética dos membros inferiores datada de 16/07/2017, onde se descreve “(…) edema dos tecidos moles envolvendo sobretudo o dorso do pé mas também são visíveis nas regiões perimaleolares e porção distal da perna de natureza inespecífica (…) resultar de compressão com eventual atingimento neural/neuropatia de distrofia reflexa simpática, a valorizar clinicamente (…) artrose da 1.ª metatarso-falângica num contexto de hallux valgo (…)”; e relatório de alta datado de 22/10/2019 do Serviço de Medicina Física e de Reabilitação do Hospital de Braga, onde se lê “(…) discectomia lombar em 2016. Diverticulite complicada em 2017 – colostomizado (…) RMN – alterações sugestivas de algoneurodistrofia. EMG: exame normal (…) EO: edema discreto do tornozelo. Limitação da DF/FP últimos graus. Sem défices NV. O doente beneficia em realizar tratamento fisiátrico (…).”
Descrevem-se, a título de queixas apresentadas pelo sinistrado, a nível funcional: dificuldade em caminhar mais de meio km por dor no pé e tornozelo esquerdos; fenómenos dolorosos no pé e tornozelo esquerdos, com o esforço e mesmo em repouso, não demandando toma de medicação analgésica (devido aos problemas no “intestino”); edema do pé e tornozelo esquerdos com os esforços; e a nível situacional: dificuldade em caminhar por dor no pé e tornozelo esquerdos; dificuldade em usar sapatos por edema do pé esquerdo; ter deixado de jogar futebol com os amigos devido a dor no pé; não ter voltado a trabalhar desde o último exame de revisão, encontrando-se reformado por incapacidade por motivos não relacionados com o evento em análise.
Em sede de exame objectivo, regista-se com relevo: que o sinistrado apresenta marcha claudicante, sem recurso a ajudas técnicas; que, a nível do membro inferior esquerdo, apresenta no tornozelo, quanto a mobilidades, flexão máxima de 5º (com 12º no contralateral), extensão máxima de 12º (com 20º no contralateral), inversão e eversão mantidas mas com muita dor referida nos últimos graus de movimento; sem atrofia muscular da perna; força muscular diminuída (4/5); sem edema aparente; dificuldade em realizar agachamento, por dores referidas ao tornozelo.
Conclui-se, respondendo aos quesitos: que as sequelas observadas representam um agravamento face às observadas na última avaliação; que se enquadram na TNI na rubrica I.14.2.4. Sequelas de entorse do tornozelo (persistência de dores, insuficiência ligamentar, edema crónico); e que determinam o coeficiente de 4%, tendo em conta o estado do sinistrado naquela data, tal como descrito anteriormente (registos clínicos, queixas do examinado e exame objectivo efectuado.
Ora, na avaliação do sinistrado imediatamente anterior, que teve lugar em sede de junta médica reunida em 12/05/2016, no âmbito também dum incidente de revisão, os senhores peritos médicos, por unanimidade, haviam declarado que aquele apenas apresentava dor residual do tornozelo esquerdo, sendo de manter a IPP de 2%, já anteriormente reconhecida, por não haver agravamento das sequelas do acidente em apreço.
Assim, as alterações constatadas no exame objectivo do sinistrado realizado no dia 28/01/2020, a saber, marcha claudicante, diminuição de mobilidade do tornozelo esquerdo – flexão máxima de 5º (com 12º no contralateral), extensão máxima de 12º (com 20º no contralateral) e inversão e eversão mantidas mas com muita dor referida nos últimos graus de movimento – e força muscular diminuída (4/5) e dificuldade em realizar agachamento, por dores referidas ao tornozelo, reconduzem-se a agravamento das sequelas referidas na anterior avaliação, limitadas a dor residual do tornozelo esquerdo, pelo que, atendendo ao intervalo de coeficientes previsto na rubrica I.14.2.4. da TNI (0,01 a 0 0,05) e à profissão de armador de ferro que o sinistrado tinha aquando do acidente, se afigura adequada a fixação de coeficiente significativamente superior ao anteriormente reconhecido, e concretamente o de 4% proposto pela senhora perita médica. Este laudo mostra-se devidamente corroborado pela ressonância magnética dos membros inferiores datada de 16/07/2017 e pelo relatório de alta datado de 22/10/2019 do Serviço de Medicina Física e de Reabilitação do Hospital de Braga, sendo também inteiramente consistente com as queixas apresentadas pelo sinistrado que se registaram.
Por conseguinte, atendendo ainda à competência e isenção que são de presumir na entidade que procedeu a tal perícia médica, em razão da qualidade e título da mesma, e inexistindo quaisquer outros elementos em contrário, não obstante o falecimento do sinistrado impeditivo da sua sujeição a junta médica, julga-se que a prova produzida e referida é suficiente para reconhecer ao sinistrado a IPP de 4% desde a data do requerimento de revisão (8/11/2019).
Em face do exposto, o sinistrado tinha desde aquela data direito ao capital de remição da pensão anual de 568,21 € (20.293,08 € x 70% x 4%), deduzido do que a tal título já recebera, e acrescendo à diferença juros de mora à taxa legal, sendo certo que os seus herdeiros lhe sucederam nesse direito.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, e, em consequência, condena-se a seguradora a pagar aos herdeiros do sinistrado o capital de remição da pensão anual de 568,21 €, deduzido da parte já paga, acrescendo à diferença juros de mora à taxa legal desde 8/11/2019 até integral pagamento.
Custas pela Apelada.

21 de Abril de 2022

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso



1. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, Coimbra Editora, 3.ª ed., p. 546.
2. António Santos Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, Almedina, 2.ª edição, p. 339.