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AUDIÊNCIA PRÉVIA
DISPENSA DE REALIZAÇÃO
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
ADIAMENTO
JUSTO IMPEDIMENTO
AMPLIACÇÃO DO JULGAMENTO DE FACTO
Sumário
1.–Nas acções que seguem termos em processo declarativo comum de valor inferior a metade da alçada dos tribunais da Relação, findos os articulados, compete ao juiz definir os trâmites processuais que devem ser seguidos, tendo em conta a natureza e complexidade da acção e a necessidade e adequação dos actos ao seu julgamento, sendo possível que, em face da mera apresentação dos articulados, se possa avançar logo directamente para a audiência final.
2.–Esta decisão inscreve-se no âmbito do poder de gestão processual que compete ao juiz, traduzindo-se no exercício de um poder discricionário, insusceptível de recurso (cfr. Art. 630.º n.º 1 do C.P.C.).
3.–A forma de reagir, quer quanto à opção de não realização da audiência prévia, quer quanto à dispensa do despacho previsto no Art. 596.º do C.P.C., quer quanto à designação de audiência final imediata, no pressuposto de que é cumprido o Art. 151.º do C.P.C., será apenas a reclamação, no prazo estabelecido no Art. 149.º do C.P.C.. Não havendo reclamação, os actos consolidam-se e a tramitação do processo segue os termos definidos pelo juiz.
4.–A reforma do Código de Processo Civil de 2013, restringiu as causas de adiamento da audiência final em caso de falta do advogado, apenas admitindo essa possibilidade no caso de a audiência não ter sido marcada com o acordo prévio dos mandatários ou em situações de justo impedimento (Art. 603.º n.º 1 do C.P.C.), eliminando também a possibilidade de suspensão da instância por acordo das partes que implicassem, por essa via, o adiamento da audiência final (Art. 272º n.º 4 do C.P.C.).
5.–Não constitui justo impedimento, para os efeitos do Art. 603º n.º 1 “in fine” do C.P.C. a mera justificação de que existiam “motivos imprevistos” e de “força maior”, que depois se vem a apurar referir-se a alegada avaria de veículo automóvel de que o mandatário já teria conhecimento 5 dias antes da audiência, porque tal não constitui um obstáculo absoluto à sua presença em tribunal, pois o mandatário teria tempo mais que suficiente para lançar mão de meio de transporte alternativo.
6.–Numa acção de responsabilidade civil destinada a ver reconhecido o direito a indemnização, movida contra um banco, por motivo de ter permitido o levantamento indevido de conta bancária em nome da Autora sem autorização ou consentimento dessa, o pressuposto da ilicitude está dependente da demonstração de que essa movimentação bancária foi feita sem autorização ou consentimento da titular da conta. Nessa medida, tendo esse facto sido alegado, o mesmo deverá necessariamente constar dos factos provados, ou não provados, da sentença recorrida, de acordo com a convicção a que o tribunal chegou sobre essa matéria.
7.–Verificando-se que a sentença é omissa sobre esse facto, sem que a Recorrente tenha impugnado a decisão sobre a matéria de facto ou invocado a nulidade da sentença, e não sendo possível ao Tribunal da Relação suprir essa falta por se constatar a ausência duma decisão clara sobre a convicção a que o Tribunal a quo efectivamente chegou sobre essa matéria, deve ser determinada a anulação oficiosa do julgamento, nos termos do Art. 662.º n.º 2 al. c) e d) do C.P.C., por forma a permitir a correcção do vício verificado, ampliando a matéria de facto, por forma a incluir especificamente na sentença o alegado pela Autora, seja nos factos provados, seja nos factos não provados, de acordo com a versão que julgou provada, ou não provada, em função da convicção a que efectivamente chegou, a qual deverá ser explicitada de forma clara e coerente.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I–RELATÓRIO:
A intentou a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra a Caixa Económica Montepio Geral, S.A., pedindo a condenação da R. ao pagamento da quantia de €4.000,00, referente ao depósito a prazo levantado indevidamente, acrescida da indemnização de €5.000,00, a título de danos morais e patrimoniais, e juros à taxa legal de 5% ao ano, desde o cancelamento indevido do depósito a prazo até integral pagamento.
Para tanto, alegou ser cliente da R., tendo aí uma conta de depósitos à ordem à qual se encontrava associada uma conta de depósitos a prazo. Sucede que a R. transferiu da conta de depósitos a prazo para a conta de depósitos à ordem e, posteriormente, para a conta de um terceiro, um total de €4.000,00, sem que a A. tenha dado quaisquer instruções bancárias nesse sentido. Em consequência desses factos, para além do prejuízo patrimonial, sofreu danos morais, resultado da vergonha sofrida junto de amigos e familiares, cujo ressarcimento reclama.
Citada, veio a R. contestar impugnando parte dos factos alegados pela A. e alegando que atuou de acordo com a diligência que lhe era exigível, negando qualquer responsabilidade no sucedido, concluindo pela sua absolvição do pedido.
Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, com dispensa de realização da audiência prévia, em face da manifesta simplicidade da causa, sendo admitidos os meios de prova requeridos (Cfr. “Despacho Saneador” de 20-01-2021 – Ref.ª n.º 402033483 - p.e.). Após, veio a ser designada audiência final para o dia 4 de junho de 2021, com início pelas 10h00m, escalonando-se a produção de prova, começando pelo depoimento da A., às 10h00m, e terminando com a última testemunha da R. às 15h00m, fazendo-se no final expressa advertência de que «Caso nada seja dito no prazo de 5 dias, considera-se a data proposta admitida por acordo, para efeitos do disposto no artigo 151.º do Código de Processo Civil». (cfr. “Marcação Julgamento” de 06-05-2021 – Ref.ª n.º 405119779 - p.e.).
Os mandatários foram notificados do despacho de marcação da audiência a 13 de maio de 2021 (cfr. “Not Mandatário da data do julgamento - artº 151º CPC” de 13-05-2021 – Ref.ª n.º 405466654 e n.º 405466668 - p.e.), nada tendo dito no prazo de 5 dias. Mas, entretanto, veio a ser junto requerimento do mandatário da A. (cfr. “Requerimento” de 01-06-2021 – Ref.ª n.º 29424243 – p.e.), com o seguinte teor: «RS....., advogado constituído nos presentes autos, vem informar V.Ex.ª de que por motivos imprevistos e força maior, vem requerer o adiamento da audiência de julgamento marcada para o dia 4 de Junho. «De acordo com o ilustre advogado do Réu, Dr.PC....., agradecemos que a audiência de julgamento se efetue na primeira quinzena de Julho de 2021».
Nessa sequência vem a ser proferido o despacho de 1 de junho de 2021 (cfr. “Despacho” de 01-06-2021 – Ref.ª n.º 406082258 - p.e.), com o seguinte teor: «Notifique o Ilustre Mandatário para vir aos autos concretizar quais os “motivos imprevistos e força maior”, juntando, se for o caso, os respetivos documentos justificativos do impedimento, já que essa alegação, só por si, não é suficiente para justificar a sua falta e o adiamento da audiência de julgamento oportunamente agendada»
No próprio dia da audiência final veio a ser junto pelo mandatário da A. um requerimento (cfr. “Requerimento” de 04-06-2021 – Ref.ª n.º 29451083 - p.e.), com o seguinte teor: «RS....., advogado, notificado do douto despacho, vem informar V.Ex.ª o seguinte: «Os Advogados subscritores do requerimento para adiamento do julgamento são pessoas honestas e credíveis. «O presente despacho mina a credibilidade do signatário e a confiança que o tribunal tem a seu respeito. «O Tribunal não pode nem deve interferir na vida pessoal dos mandatários. «O motivo que levou a solicitar o adiamento da audiência está plasmado no documento que se anexa. «Os advogados têm todo o interesse que a justiça seja célere, e está na disponibilidade das partes pedir o seu adiamento por acordo. «Assim reitera que o sugere que o adiamento seja adiado, conforme foi requerido oportunamente».
Em anexo a tal requerimento juntou um documento pré-impresso, com os espaços por preencher, da “Portilavauto, Lda. Reboques – Oficina de Reparações de automóveis”.
Da ata de audiência final (cfr. “Ata” de 04-06-2021 – Ref.ª n.º 406166809 – p.e.), ficou a constar o seguinte: «PRESENTES: O Mandatário da Ré e a testemunha Luís ..... . «FALTOSOS: O Mandatário da Autora (notificado), a Autora (notificada), a testemunha António ..... . (notificada), Maximina ..... (notificada) e João .....(notificado). «Comunicado verbalmente á Mm.ª Juíza de Direito o rol dos presentes, pelas 11:00 horas, foi declarada aberta a audiência, tendo em conta a greve dos Funcionários Judiciais que se encontra a decorrer de 1 hora por dia fixada entre as 10:00 horas e as 11:00 horas. «Nesta altura, pela Mm.ª Juíza de Direito, foi dada a palavra ao Mandatário do Réu a fim de o mesmo se pronunciar sobre a falta do Mandatário da Autora, cujo requerimento ficou gravado no sistema Habilus Media Studio. «Em seguida, deu-se conta de que pelas 10:20:32 horas, foi enviado requerimento aos autos pelo Mandatário da Autora e, por esse motivo, deu-se conhecimento desse requerimento e novamente a palavra ao Mandatário do Réu para se pronunciar sobre o mesmo, cujo requerimento ficou gravado no sistema Habilus Media Studio. «Em seguida, pela Mm.ª Juíza de Direito, foi proferido o seguinte: «DESPACHO “A data para realização da presente audiência de julgamento foi previamente agendada nos termos do disposto no art.º 151.º do C.P.C., sem que tenha sido arguido qualquer impedimento para realização do mesmo na presente data. “Por requerimento de 01-06-2021, o Ilustre Mandatário da Autora veio requerer o adiamento da audiência de julgamento “por motivos imprevistos e de força maior”. Nessa sequência, por despacho proferido na mesma data, foi notificado o Ilustre Mandatário da Autora “para vir aos autos concretizar quais os “motivos imprevistos e força maior”, juntando, se for o caso, os respetivos documentos justificativos do impedimento, já que essa alegação, só por si, não é suficiente para justificar a sua falta e o adiamento da audiência de julgamento oportunamente agendada.”. “Por requerimento entrado no dia de hoje, pelas 10:20 horas, veio o Ilustre mandatário da Autora, não especificando qual o motivo do impedimento, juntar um documento que alegadamente explicita o motivo que justifica o motivo da audiência. “Compulsando tal documento, trata-se de um documento de uma oficina de reparações automóveis que em nada esclarece o porquê da falta do Ilustre Mandatário da Autora. “Nos termos do disposto no art.º 140.º ex vi art.º 603.º n.º 1 do C.P.C., considera-se justo impedimento um evento não imputável à parte que obste, neste caso, à comparência na audiência de julgamento, oportunamente agendada. “O Ilustre Mandatário da Autora não especificou, nem sequer após despacho do Tribunal nesse sentido, o que é que o impedia de comparecer na audiência. “Acrescenta-se até que, mesmo que estivesse em causa um problema com o seu veículo automóvel, como terá comunicado à contra parte (mas não ao processo), esse problema será conhecido pelo menos desde o dia 1 de Junho, pelo que nunca seria considerado justo impedimento de comparência, atenta a disponibilidade de transportes públicos que poderiam assegurar a presença do Ilustre Mandatário nas instalações do Tribunal, e até, se assim fosse requerido e com o acordo da contraparte, a sua presença através de meios de comunicação à distância. “Pelo que é manifesto que não se verifica qualquer situação de justo impedimento válido pelo que a falta do Ilustre Mandatário da Autora não é causa de adiamento da audiência de julgamento, indeferindo-se o requerimento nesse sentido.” «Em seguida, pelo Mandatário do Réu foi dito não prescindir da testemunha Maximina ....., testemunha comum, cujo requerimento ficou gravado no sistema Habilus Media Studio.
«Em seguida, pela Mm.ª Juíza de Direito foi proferido o seguinte: «DESPACHO “A Autora e as testemunhas António ....., Maximina ..... e João ....., regularmente notificadas para comparecer, não compareceram nem justificaram a falta pelo que vão as mesmas condenadas em multa processual, fixando-se a da Autora em 3 U.C. (atento o seu maior grau de interesse e responsabilidade no julgamento) e a das testemunhas em 2 U.C.. “No que respeita às testemunhas António ..... e João ....., nada sendo requerido, prosseguirá a audiência sem a sua inquirição, nos termos do disposto no art.º 508.º n.º 3 do C.P.C a contrario. “No que respeita à testemunha Maximina ....., sendo a sua inquirição comum ao Réu e não prescindindo o Réu da sua inquirição, nem requerendo a sua substituição, determina-se a emissão de mandado para assegurar a comparência na data que oportunamente vier a ser agendada para continuação. “Constata-se agora que não foi proferido despacho quanto ao requerimento de prova efetuado pelo Réu em sede de contestação da junção de um documento (e-mail) a que se faz referência no despacho proferido nos autos 43/14.7PBBRG, mas cuja cópia não foi junta. Assim, ao abrigo do disposto no art.º 429.º do C.P.C., por se considerar que os factos que se pretendem provar com esse documento são relevantes para a decisão da causa, notifique a Autora para, no prazo de 10 dias, vir aos autos juntar o e-mail que terá recebido em data não concretamente apurada do mês de Novembro de 2013, aparentemente remetido pelo Banco Montepio Geral e dirigido ao endereço de correio eletrónico mariaj.salvadormail.com.”. «Após, procedeu-se à inquirição das testemunhas (…) «Pelo Mandatário do Réu foi pedida a palavra e, sendo-lhe concedida no seu uso disse que prescinde do depoimento de parte da Autora, da testemunha Maximina ..... e da apresentação do documento (e-mail) pela Autora, cujo requerimento ficou gravado no sistema Habilus Media Studio. «Pela Mm.ª Juíza de Direito foi proferido despacho no sentido de dar sem efeito a emissão de mandados antes determinada e bem assim a notificação da Autora para junção de documentos, que ficou gravado no sistema Habilus Media Studio. «*** «Finda a produção de prova, pela Mm.ª Juíza de Direito foi concedida a palavra, ao Mandatário do Réu, para em alegações orais expor as conclusões de facto e de direito que haja extraído da prova produzida, tendo as mesmas ficado gravadas no sistema Habilus Media Studio. «Seguidamente, pela Mm.ª Juíza de Direito foi proferido despacho no sentido de ser aberta conclusão para prolação de sentença, que ficou gravado no sistema Habilus Media Studio. «Pelas 15:30 horas, a Mm.ª Juíza de Direito declarou encerrada a audiência».
Após veio a ser proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a R. de todos os pedidos contra si formulados.
É dessa sentença que a A. vem agora interpor recurso de apelação, apresentando no final as seguintes conclusões: 1.º-A realização de audiência não respeitou as normas legais em vigor, por isso, é anulável, motivos que abaixo se irão invocar. 2.º-O mandatário da Autora, e de acordo com o mandatário do Réu, subscreveram um requerimento em solicitavam o adiamento da audiência de julgamento por motivos imprevisíveis e não imputáveis ao mandatário da Autora. 3.º-A Meritíssima juíza não atendeu aos motivos invocados e realizou a audiência de julgamento. 4.º-Nesse dia houve greve dos funcionários e o julgamento começou às 11,00 Horas, conforme ata de julgamento. 5.º-Mais grave ainda, o julgamento continuou da parte da tarde, sem que nenhuma notificação fosse feita ao mandatário da Autora, o que acarreta a nulidade do julgamento. 6.º-A realização da audiência de Julgamento estava marcada para as 10,00 horas e as testemunhas da Autora que se deslocaram ao tribunal foram avisadas de havia greve. 7.º-Dada a complexidade do caso, deveria ter sido marcada audiência prévia, para discutir as exceções invocadas pelo Réu, violando o disposto no art.º 591 do C.P.C.. 8.º-Foi violado o art.º 603, n.º 1 do C.P.C, uma vez que a audiência de julgamento pode ser adiada por falta de mandatário. 9.º-O art.º 151 do C.P.C veio estabelecer, como regra que a marcação das diligências judiciárias seja levada a cabo mediante acordo prévio dos mandatários. 10.º-Foi o aconteceu no presente caso, cinco dias antes da realização da audiência de Julgamento, os mandatários chegaram a acordo para a que a realização fosse adiada para o princípio do mês de Julho, dando disso conhecimento ao tribunal. 11.º-O tribunal não aceitou o acordo celebrado entre os mandatários e coartou ao núcleo essencial do direito fundamental previsto no art.º 20.º da C.R.P. uma restrição inaceitável. 12.º-Ao não entender o justo impedimento invocado pelo mandatário da Autora, o tribunal coartou o exercício da contraditório, pelo que existe nulidade prevista nos art.º 195 a 197 do C.P.C.. 13.º-A sentença fez uma errada interpretação da matéria de facto e da prova produzida. 14.º-A Autora e Banco celebraram um contrato de conta bancária 15.º-No âmbito desse contrato foi aberta uma conta à ordem a que foi atribuído o n.º049.10.0156515-4, a qual tinha associada um a conta a prazo com o n.º 33615000298-6, no valor de €7.000,00. 16.º-A Autora não deu instruções para o cancelamento do depósito a prazo. 17.º-O tribunal entendeu que a culpa das transferências efetuadas era das titulares da conta. 18.º-Com base na presunção que não fundamenta. 19.º-O registo das operações não pode ser entendido como sinal inequívoco como sinal inequívoco de que a autorizou as referidas transferências. 20.º-O Banco Montepio não provou que a Autora tivesse atuado negligência grosseira e grave. 21.º-E esta prova cabia ao Banco fazer, o que não foi feito. 22.º-Existe nos autos uma prova factual, que foi o Tribunal fez juntar aos autos a acusação do M.P. e que o tribunal fez tábua rasa de tal documento. 23.º-Segundo as regras que decorrem do DL. 317/2009, porque a transferências não foram autorizadas pela Autora e que foi o Banco que comunicou à Autora os movimentos anómalos, incumbia ao Banco o ónus de alegar e provar que a operação foi autorizada pela Autora, ou que esta agira de forma fraudulenta ou que não cumprira, deliberada ou por forma gravemente as suas obrigações contratuais., cfr. artigos 70, n.º 3 e 72 n.º 1. 24.º-Incumbia o ónus da prova ao Banco provar a ocorrência de comportamento negligente ou dolosa da Autora. 25.º-A douta sentença recorrida fez incorreta interpretação e aplicação do direito aos factos provados violando o disposto nos artigos 796.º n.º 1, 799.º n.º 1 do Código Civil e artigos 68.º, 71.º e
do DL 317/2009, de 30.10, devendo a sentença ser revogada e o Banco Réu ser condenado a pagar à Autora as quantias peticionadas.
A R. respondeu ao recurso, sobrelevando das suas contra-alegações as seguintes conclusões: XL.–Entende a CEMG que não assiste qualquer razão à recorrente, não merecendo a decisão sub judice a censura que lhe é imputada, pelo que deverá a sentença proferida em primeira instância ser mantida por este Tribunal ad quem; II.–Constitui princípio geral do direito processual que o Tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação – situação que se verificou no caso dos autos; III.–Nenhuma razão assiste à recorrente, pois bem andou o Tribunal a quo no julgamento que fez da prova carreada aos autos, não merecendo a sua decisão qualquer reparo ou censura. IV.–No que entende dever responder a aqui recorrida, são estas as questões fulcrais sobre as quais orbitam as alegações da recorrente: a.-A ausência de realização da audiência prévia; b.-O não adiamento da audiência de julgamento, por alegado justo impedimento do seu Ilustre Mandatário; c.-A alegada errada interpretação da matéria de facto e da prova produzida. V.–Alega a autora, nas suas doutas alegações, que a realização da audiência não respeitou as normas legais em vigor, remetendo para a inexistência de audiência prévia (e consequente nos termos dos artigos 195.º e 197.º do CPC), bem como para o facto de não ter, Tribunal a quo, adiado a audiência de julgamento, por não atender a “justo impedimento invocado pelo mandatário da Autora”, assim impedimento do exercício do contraditório, em incumprimento do n.º 1., do artigo 603.º do CPC; VI.– Mais refere, ainda, que o facto de as testemunhas da autora se terem deslocado ao tribunal e serem informadas de que havia greve, constitui mais um motivo para invocar a nulidade da audiência de julgamento, assim como a continuação da audiência da parte da tarde, sem que nenhuma notificação fosse feita ao mandatário da autora.;
Ora, VII.–Não colhem as alegações da recorrente, porquanto razão assiste ao Tribunal a quo ao decidir pelo não adiamento da audiência de julgamento, tendo em conta que, o impedimento invocado – uma avaria no carro do mandatário da autora – ocorrido cinco dias antes daquela, não se traduziria num facto verdadeiramente inibitório do início e da sequência da audiência final; VIII.–Assim, entende a CEMG que para aplicação da norma constante do n.º 1., do artigo 603.º do CPC, quando se refere a possibilidade de adiamento da audiência por falta de mandatário, será exigível um efetivo e justo impedimento o que, como já vimos, não ocorreu, não se verificando a violação da norma; IX.–A este respeito será relevante o que consta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/09/2020, processo n.º 731/16.3T8STR.E1.S1 (disponível para consulta em www.dgsi.pt) (…); X.–No que diz respeito à dispensa de audiência prévia, decidiu o Tribunal a quo que, no âmbito dos poderes que lhe são concedidos e na interpretação e análise que fez dos autos e documentação anexa, não se justificaria a realização da audiência prévia, tendo desse facto informado as partes (cfr. douto despacho de 28/01/2021); XI.–Sendo de interesse, nesta matéria, o que consta do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/09/2015, processo n.º 128/14.0T8PVZ.P1 disponível em www.dgsi.pt (…); XII.–De notar que tendo sido as partes para tanto notificadas, como foram, e discordando a autora da dispensa da audiência prévia, poderia ter lançado mão do mecanismo previsto no n.º 3 do artigo 593.º do CPC – o que não fez -, assim dando o seu acordo à dispensa de realização da audiência prévia; XIII.–Constituindo princípio geral do direito processual que o Tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação – situação que não se verificou no caso dos autos – posto que a verificação da omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, ou a prática de ato que a lei não admita, bem como a omissão de qualquer formalidade que a lei prescreva, tal como a da generalidade das nulidades processuais, deve ser objeto de arguição perante o Tribunal onde é cometida, reservando-se o recurso para o despacho que sobre a mesma incidir, o que, como resulta à evidência, não sucedeu no caso dos presentes autos; XIV.–Quanto à deslocação das testemunhas da recorrente ao Tribunal, onde teriam sido, as mesmas, alegadamente, informadas de que existia greve, não se verificaria qualquer impedimento de as mesmas terem prestado o seu testemunho, sempre dizendo a CEMG que as testemunhas por si arroladas compareceram e prestaram depoimento; XV.–Assim como a alegação de que a audiência se prolongou para a parte da tarde sem que para tanto tivesse sido o mandatário da autora notificado não corresponde à verdade, tendo em conta que, como bem sabe a autora, por despacho de 13/05/2021, foi programada a audiência de julgamento, prevendo-se o seu início às 10:00h e continuação da parte da tarde, assim se concluindo que a audiência em apreço cumpriu todas as normas legais em vigor, não padecendo de qualquer vício.
No que à alegada incorreta interpretação da matéria de facto, da prova produzida e à aplicação do Direito concerne, temos que: XVI.–É dever das entidades bancárias prestar, aos seus clientes, um serviço de banca à distância (homebanking) eficaz e seguro, dotado de um sistema tecnológico com encriptação informática; XVII.–Recaindo sobre o cliente, deveres acessórios de conduta, como o da utilização correta do serviço e de confidencialidade relativamente ao código de acesso pessoal à conta e aos dispositivos de segurança personalizados fornecidos pela entidade bancária – no caso dos autos número de identificação Montepio, código PIN e cartão matriz (que tem função de autenticação das operações, sem a qual não será possível realizar operações que onerem o património dos clientes); XVIII.–Devendo os clientes bancários preservar a confidencialidade dos mesmos, por forma a evitar a sua apropriação por terceiros; XIX.–Sendo um dos deveres instrumentais da entidade bancária, para atingir a necessária segurança do serviço a que os seus clientes/utilizadores acedem, o de garantir estes o façam de forma correta, fornecendo-lhes a informação necessária para o efeito – tal como a CEMG sempre fizera, através de avisos e notificações, na própria aplicação, de alertas referentes a situações de fraude informática, como se provou; XX.–Sendo aqui relevante o vertido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14/07/2020, processo n.º 1482/17.7T8PRD.P2, disponível para consulta em www.dgsi.pt (…); XXI.–O contrato de homebanking – situação aqui em análise – encontrava-se previsto, à data dos factos, no artigo 2.º, alínea o), do Decreto-lei n.º 317/2009, de 30 de Outubro, como um contrato-quadro, ou um contrato de prestação de serviços de pagamento que rege a execução futura de operações de pagamento individuais e sucessivas; XXII.–Tal Acórdão refere, ainda, que “constitui ónus da prova da entidade bancária provar a ocorrência de comportamento negligente, gravemente negligente ou doloso do utilizador”. XXIII.–Não obstante, profere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14/07/2020, processo n.º 22158/17.0T8PRT.P1 (disponível em www.dgsi.pt) que “(…) sendo, embora, ao Banco Réu que cabe provar o comportamento negligente do titular da conta e a medida em que esse contribuiu para as operações não autorizadas, feita essa prova e bem assim que não houve qualquer ataque ao sistema do Banco Réu (por força do qual terceiros acedessem à conta da autora), ficará ilidida a presunção dos artigos 799º, n.º 1 do Código Civil e mesmo afastada a aplicação do artigo 796º, nº1, do Código Civil, porquanto foi o alienante (a Autora/Cliente) que causou o perecimento da coisa, não sendo o Banco responsável pelo prejuízo causado ao credor (art. 798.º do Código Civil).” XXIV.–Devendo, ainda, a este propósito, referir-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12/07/2018, processo n.º 2256/10.0T8LSB.L1, 7.ª Secção – Cível (…) XXV.–Retirando-se, ainda, do já referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14/07/2020, por referências às entidades bancárias, que aquelas “(…) não têm qualquer possibilidade de controlar a parte do sistema que se encontra do lado do cliente, a utilização que os clientes fazem dos seus computadores – isto é, não se vislumbra seja possível estender essa proteção à parte do sistema que está do lado do utilizador.”; XXVI.–Incumbia, assim, à CEMG, afastar a presunção de culpa a seu cargo, alegando e provando que a transferência dos montantes em causa nos autos não decorreu de culpa sua, por ter cumprido com todos os deveres de cuidado e diligência que se lhe exigiam, alegando e provando que a aqui recorrente teve uma atuação gravemente negligente – o que foi devidamente justificado e tido como factos provados em sede de julgamento.
Ora, XXVII.–Efetivamente, o n.º 1., do artigo 72.º, do DL n.º 317/2009, diploma que regulava esta matéria à data dos factos, esclarece que apenas no caso de estarmos perante uma situação de negligência leve do utilizador do serviço é que o banco terá de suportar os prejuízos excedentes que decorram de operações de pagamento não autorizadas, cabendo-lhe, nessa situação, suportar o risco do sistema informático que permitiu a intromissão de terceiros – ou seja: se o cliente for diligente no cumprimento das suas obrigações de guarda e notificação, não deve o banco suportar nenhum prejuízo decorrente da operação fraudulenta. XXVIII.–Assim, na senda do mencionado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14/07/2020, processo n.º 22158/17.0T8PRT.P1“Tratando-se de negligência grave/grosseira ou dolo do utilizador do serviço, a situação é, porém, de todo diferente: aqui, terá de ser esse utilizador a arcar com as consequências nefastas para si do desvio ilícito de fundos da sua conta, a ele, portanto, cabendo suportar os prejuízos que decorram de tais operações de pagamento não autorizadas.” XXIX.–Tendo em consideração toda a defesa fáctica e de Direito apresentada em sede de contestação e produzida em audiência de julgamento, não pode a CEMG concordar quando alega a recorrente, que a CEMG não provou que tivesse aquela atuado com negligência grosseira e grave, prova essa que cabia à CEMG, o que não foi feito. XXX.–Porquanto, segundo o Professor Eduardo Correia, a negligência é a omissão de um dever objetivo de cuidado ou diligência. O dever, cuja violação a negligência supõe, consiste antes de tudo em o agente não ter usado aquela diligência exigida segundo as circunstâncias concretas para evitar o evento. XXXI.–Sendo, contudo, necessário que a produção do evento seja previsível, e só a omissão desse dever impeça a sua previsão ou a sua justa previsão; XXXII.–Logo, a mera omissão dum dever jurídico não implica desde logo a possibilidade objetiva da negligência – é necessário que esse dever vise obstar à produção do evento, isto é, seja adequado a evitá-lo; XXXIII.–Não sendo a previsibilidade absoluta, mas determinada de acordo com as regras gerais da experiência dos homens. XXXIV.–Assim, a delimitação do dever de cuidado efetua-se mediante a formulação de um juízo ex ante em que se atende ao cuidado exigível a um “homem médio”, ou seja, um homem medianamente conhecedor e diligente do tipo social e profissional do agente colocado nessa situação concreta e detendo idênticos conhecimentos especiais. XXXV.–Sendo o conceito de cuidado objetivo e normativo: objetivo, pois para o estabelecer importa ponderar do cuidado que é requerido numa perspetiva de interação social relativamente ao comportamento em causa; normativo, pois resulta da comparação entre a conduta que devia ter adotado um homem razoável e prudente na situação da recorrente e a conduta que efetivamente observou.
Por conseguinte, como justificar a negligência grosseira e grave da autora, aqui recorrente? XXXVI.–Importa aqui recordar que a negligência grosseira constitui uma negligência qualificada, ou seja, um tal grau de negligência que implique total ausência de cuidados ou a grave violação do dever de cuidado, de atenção e de prudência – noutras palavras, a negligência grosseira constitui a grave omissão das cautelas necessárias para evitar a realização do facto antijurídico, quando não foi observado, de forma pouco habitual, o cuidado exigido, ou que, no caso concreto, resultaria evidente para qualquer pessoa – veja-se, a este propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26/03/2008, processo n.º JTRP00041178 (disponível em www.dgsi.pt) (…). XXXVII.–Face a todo o sobredito, entende a CEMG que, face à factualidade apurada, pode atribuir-se, à recorrente, uma negligência qualificada, em que a culpa é agravada pelo elevado teor de imprevisão ou de falta das precauções exigidas pela mais elementar prudência, tendo adotado uma conduta de manifesta irreflexão ou ligeireza, pelos factos já mencionados e atempadamente provados – existiu, assim, uma conduta negligente grave da recorrente, que forneceu a terceiros os seus códigos pessoais de acesso, que serviram para a movimentação na sua conta por banda desses mesmos terceiros, apesar dos inúmeros avisos veiculados pela CEMG. XXXVIII.–Alega, ainda, a autora, que o Tribunal a quo não tomou em devida consideração a existência de um processo de natureza criminal (certidão junta aos autos em 07/12/2020), tendo de tal certidão feito “tábua rasa”. XXXIX.–Discorda a CEMG de tal entendimento, uma vez que suspeitas existissem, com referência ao agente que efetuou as operações bancárias em apreço nos autos, tais suspeitas, não constituem prova suficiente – artigo 623.º do CPC, a contrario; XXXX.–Sendo de interesse nesta matéria, o que decorre do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 21/03/2019, processo n.º 601/12.2TUBRG.G1 (disponível para consulta em www.dgsi.pt), excertos supratranscritos; XXXXI.–Ora, in casu, nem sequer ainda existe qualquer decisão penal condenatória – assim, verifica-se que a factualidade produzida nos presentes autos foi no sentido de que existiam duas titulares das contas bancárias em causa, a que ambas podiam aceder e realizar operações bancárias, e que foram realizadas três destas operações com códigos e acessos credenciais de acessos corretos, sem qualquer indicação de erro; XXXXII.–Deste modo, não existia qualquer indício perante a CEMG, de que as operações em causa estivessem a ser feitas por um terceiro, e não pelas titulares da conta bancária, sendo aqui de aplicar o constante do artigo 414.º do CPC. XXXXIII.–No que à responsabilidade civil diz respeito, a recorrente fez uma alegação genérica dos deveres exigíveis às instituições bancárias, sendo, contudo, necessário, que viesse explicitar, concretamente, quais os deveres que deveriam ter sido cumpridos e não foram, sendo ainda necessário, para se verificar uma situação de responsabilidade civil, a ocorrência de uma violação normativa, a culpa, o dano, e o nexo de causalidade entre o facto ocorrido e o dano sofrido – violação essa que não existiu; XXXXIV.–Não tendo aqui cabimento, igualmente, recorrer à presunção de culpa do artigo 799.º do CC, uma vez que a CEMG demonstrou ter cumpriu, cabalmente, todas as medidas de segurança para assegurar que o serviço de homebanking seria somente utilizado pela recorrente – artigo 68.º e n.º 2., do artigo 70.ºdo DL 317/2009; XXXXV.–Não existindo lugar a responsabilidade contratual, uma vez que foi a autora quem violou a cláusula 9.16 do contrato celebrado entre as partes, ao transmitir a terceiros os seus dados de acesso ao seu serviço pessoal de homebanking. XXXXVI.–Relativamente à possibilidade de aplicação do regime da responsabilidade pelo risco, tendo em conta o artigo 72.º, do DL 317/2009, no limite, entende a CEG dever aplicar-se, à situação dos autos, o n.º 3, do artigo 72.º do DL 317/2009, nomeadamente quando o mesmo refere que o risco corre por conta do utilizador, quando a existência de negligência grave por sua parte. XXXXVII.–Assim, no caso de ter sido um terceiro a realizar as operações bancárias em causa, como alega a autora, fê-lo porque a recorrente forneceu os seus códigos de acesso e de as coordenadas aleatórias do seu “cartão matriz”, que permitiram a efetuação das operações à primeira tentativa, sem qualquer erro de introdução – sendo, assim, devido ao fornecimento daqueles dados, que se considera que a recorrente agiu com negligência grave e censurável; XXXXVIII.–No que à requerida indemnização por danos morais à recorrente, a apreciação de tal questão estará, obviamente, prejudicada, no entendimento da CEMG: não existindo censura a fazer à CEMG não haverá lugar a qualquer indemnização a arbitrar à recorrente.
Pede assim que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida.
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II–QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).
Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são as seguintes: a)-A nulidade do processo por não realização da audiência prévia, em face da alegada complexidade da causa; b)-A nulidade do julgamento por não ter sido adiada a audiência final por alegado impedimento do mandatário da A., por haver acordo com o mandatário da parte contrária e por haver greve dos funcionários judiciais e as testemunhas terem sido disso avisadas; c)-A verificação dos pressupostos da obrigação de indemnização emergente de responsabilidade contratual, tendo em especial atenção a presunção de culpa e a distribuição do ónus de prova decorrente dos Art.s 68.º, 70.º n.º 3 e 72.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 317/2009, aqui aplicáveis.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade: 1.–No desenvolvimento da referida atividade, a A. no ano de 2003, celebrou com a R. um contrato de depósitos à ordem, a que correspondeu a conta de Depósitos à Ordem com o n.º 049.10.0156515-4. 2.–Em 23/10/2007, A foi adicionada à indicada conta, na qualidade de “autorizada”. 3.–A referida conta, tinha associada a conta de depósitos à ordem, uma conta de depósitos a prazo com o número 33615000298-6, no valor de €7.000,00. 4.–O depósito a prazo celebrado entre a A. e a R. foi constituído em 26/10/2010, pelo prazo de 4 anos, sendo os juros calculados anualmente, creditados na conta de depósitos á ordem associada, de acordo com as seguintes taxas de juros:
i.- 1.º ano: 2,00% / 1,570%
ii.- 2.º ano: 2,500%/1,963%
iii.- 3.º ano: 3,500% /2.748%
iv.- 4.º ano: 5,00% / 3.925%. 5.–O depósito a prazo era mobilizável a qualquer momento, total ou parcialmente. 6.–A A. foi contactada via correio eletrónico por alguém fazendo-se passar pela R.. 7.–A A. forneceu as informações solicitadas nessa mensagem de correio eletrónico. 8.–No dia 04/12/2013, foi transferida a quantia de €7.000,00 da conta de depósitos a prazo para a conta de depósito à ordem. 9.–No dia 04/12/2013, foi transferida a quantia de €2.000,00 da conta de depósitos à ordem para a conta de Luís ..... . 10.–No dia 05/12/2013, foi transferida a quantia de €2.000,00 da conta de depósitos à ordem para a conta de Luís ..... . 11.–A R. presta um serviço de homebanking, designado por “Montepio24”, tendo a A. aderido a esse serviço. 12.–Das “Condições Gerais de Comercialização de Produtos e Serviços” da R. consta que “o Cliente compromete-se […] a guardar sob segredo os seus elementos de identificação PIN e Chave Alfanumérica, bem como a prevenir adequadamente a utilização abusiva por parte de terceiros. O Cliente é o único responsável por todos os prejuízos resultantes da utilização indevida dos Serviço Montepio24 por parte de terceiros […]” (clausula 9.16). 13.–Em 09/04/2013, a A. subscreveu um contrato de adesão ao serviço de homebanking, do qual consta que “todas as ordens transmitidas pelo Cliente ao Montepio através do Serviço Montepio24 […] gozarão de plenos efeitos jurídicos, não podendo o Cliente alegar a falta de assinatura manuscrita para o cumprimento das ordens transmitidas” (clausula 2.3). 14.–Para o efeito, a R. atribuiu à A. códigos de acesso/credenciais de utilização. 15.–Os códigos de acesso/credenciais de utilização fornecidos aos clientes que aderem ao serviço Montepio24, são pessoais e intransmissíveis e funcionam a três níveis de segurança, designadamente: a.-Um número de identificação Montepio, atribuído e entregue ao cliente no momento da adesão; b.-Um código PIN multicanal, composto por seis dígitos, atribuído e entregue ao cliente no momento da adesão, PIN esse que o cliente altera, obrigatoriamente, aquando do seu primeiro acesso ao serviço (permitindo estas duas credenciais – apenas – a realização de operações e consultas que não comportem alterações de património – como, no caso em apreço, mobilização de um depósito a prazo para uma conta de depósitos à ordem coma mesma titularidade); c.-Um cartão matriz, que consiste num cartão de coordenadas com 72 posições, cada uma com 3 dígitos (logo, 216 dígitos, no total), para validação de operações passíveis de alteração do património detido pelos clientes. 16.–O cartão matriz é remetido via CTT para o endereço dos clientes em estado de pré - ativo, passível de ser ativado pelos clientes mediante validação de códigos de acesso (através do número de cliente e do PIN multicanal) como é explicado aos clientes e como consta do site do Montepio24. 17.–A A. ativou o seu cartão matriz em 30/04/2013. 18.–Em todos os acessos ao serviço de homebanking são apresentadas as seguintes informações: “O Montepio apenas lhe solicita a indicação de 2 posições do seu Cartão Matriz nas operações em que o seu património é alterado, por exemplo na realização de uma Transferência Interbancária ou Pagamento de Serviços, entre outros”; “Na ativação do Cartão Matriz não são solicitadas posições do mesmo.”; “O Montepio nunca lhe solicitará a realização de qualquer atualização de segurança de códigos de identificação via e-mail, nem procede ao envio de e-mails com links diretos para o site oficial.”; “Para validar operações que alterem o seu património no Net24 e restantes canais à distância, são apenas solicitadas 2 coordenadas aleatórias do seu cartão Matriz, e nunca a totalidade das mesmas”. 19.–As operações de transferência acima mencionadas foram efetuadas via homebanking, com a introdução de 4 posições do cartão matriz (distintas em cada operação), inseridas à primeira tentativa, sem erro. 20.–No dia 05/12/2013, na sequência de um alerta de fraude de outro cliente, a A. foi contactada telefonicamente por uma funcionária da R. a informar que detetou dois movimentos anómalos na conta da A., cada de um de €2.000,00 euros. 21.–No dia 05/12/2013, a conta de Luís ..... tinha um saldo positivo de €246,15. 22.–Aquando das operações bancárias em causa, o sistema informático da R. não foi alvo de qualquer ataque ou quebra de segurança informáticas.
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A sentença recorrida considerou como não provados os seguintes factos: i.-As instruções para realização das transferências bancárias dadas como provadas provieram da R.. ii.-As instruções para realização das transferências bancárias dadas como provadas provieram de um terceiro. iii.-O valor da conta de depósitos a prazo era de €8.750,00. iv.-A A. diligenciou junto da R. para que essa anulasse as operações bancárias dadas como provadas. v.-Em consequência dos factos, a A. sofreu transtornos, aborrecimentos, inquietação, desgosto, tristeza, mal estar e sofrimento. vi.-Em consequência dos factos, a A. sentiu vergonha junto de pessoas amigas e familiares.
Tudo visto, cumpre apreciar.
IV– FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Fixadas questões que fazem parte do objeto da presente apelação, cumprirá então sobre elas nos debruçarmos pela sua ordem de precedência lógica, começando pela alegada nulidade decorrente da não realização da audiência prévia.
1.– Da nulidade por não realização da audiência prévia.
Veio a Recorrente sustentar a nulidade do processo por motivo de não ter sido realizada audiência prévia, considerando que a complexidade da causa não justificaria a dispensa dessa diligência.
A Recorrida veio contrapor que a decisão de dispensa dessa audiência mostrava-se plenamente justificada no caso, sendo que a A. foi notificada do despacho saneador, onde se fundamentava essa dispensa, não tendo então reagido, nem sequer lançado mão do disposto no Art. 593.º n.º 3 do C.P.C., reclamando pela sua realização.
Contrapostas as posições, temos de ter em atenção que estamos perante uma ação de condenação, que segue os seus termos em processo declarativo comum, mas que tem valor tributário de €9.000,00. Portanto, não superior a metade da alçada dos Tribunais da Relação que, nos termos da lei vigente, têm alçada de €30.000,00 (cfr. Art. 44.º n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário aprovada pela Lei n.º 62/2013 de 26/8).
Neste tipo de ações, de valor inferior a metade da alçada dos tribunais da Relação, findos os articulados, o juiz pode, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo, decidir pela realização de quaisquer dos vários atos previstos nas alíneas do Art. 597.º do C.P.C.. Entre eles estão: a convocação de audiência prévia (al. b), a prolação de despacho saneador (al. c), a prolação de despacho destinado à identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova (al. e) e a designação imediata de audiência final (al. g).
Nestes casos é ao juiz que compete definir os trâmites processuais que devem ser seguidos, tendo em conta a natureza e complexidade da ação e a necessidade e adequação dos atos ao seu julgamento (Vide: Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa in “Código de Processo Civil Anotado”, pág. 703).
Por regra, quanto à necessidade da realização de audiência prévia, estabelece o Art. 593.º n.º 1 do C.P.C. que o juiz pode dispensar a mesma, quando esta apenas se destinaria aos fins estabelecidos nas al.s d), e) e f) do n.º 1 do Art. 591.º. Ou seja, quando o seu propósito se limitaria à prolação do despacho saneador (al. d), à determinação da adequação formal, simplificação ou agilização processual (al. e) e identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova, bem como, decidir as respetivas reclamações (al. f).
Portanto, a audiência prévia é tendencialmente obrigatória, mas pode ser dispensada nos casos previstos no Art. 593.º n.º 1 do C.P.C. (vide: Jorge Augusto Pais do Amaral in “Direito Processual Civil”, 14.ª Ed., pág. 281 a 282). Nesse caso, competirá então ao juiz legitimamente optar por não realizar essa diligência, mesmo que a intenção do legislador não seja essa, por regra (vide: Paulo Pimenta in “Processo Civil Declarativo”, 2.ª Ed., pág. 323).
Mas nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação, findos os articulados, fica na disposição do juiz uma panóplia de opções quanto à tramitação subsequente dos autos, sendo possível que, em face da mera apresentação dos articulados, se possa avançar logo diretamente para a audiência final. Esta decisão inscreve-se no âmbito do poder de gestão processual que compete ao juiz, traduzindo-se no exercício de um poder discricionário, insuscetível de recurso (cfr. Art. 630.º n.º 1 do C.P.C.) - (vide, neste sentido: Paulo Pimenta in “Processo Civil Declarativo”, 2.ª Ed., págs. 329 e 330; Jorge Augusto Pais de Amaral in “Direito Processual Civil”, 14.ª Ed., pág. 291; e Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, 3.ª Ed., pág. 673).
No caso o juiz a quo decidiu dispensar a audiência prévia e, simultaneamente, proferir logo despacho saneador, debruçando-se sobre a admissibilidade dos requerimentos probatórios, com vista à designação de audiência final, que só veio a ser planeada e ordenada em despacho posterior. Verificamos ainda que não foi fixado o objeto do processo, nem enunciados os temas de prova, sendo assim omitido o despacho previsto no Art. 596.º do C.P.C., em face da perceção de que a causa se afigurava manifestamente simples e, portanto, as partes facilmente poderiam identificar o objeto do litígio e os temas de prova da mera leitura dos articulados de que tinham necessário conhecimento.
A forma de reagir, quer quanto à opção de não realização da audiência prévia, quer quanto à dispensa do despacho previsto no Art. 596.º do C.P.C., quer quanto à designação de audiência final imediata, no pressuposto de que é cumprido o Art. 151.º do C.P.C., será apenas a reclamação (Vide: Paulo Pimenta in Ob. Loc. Cit., págs. 330 a 331). Não havendo reclamação, no prazo estabelecido no Art. 149.º do C.P.C., os atos consolidam-se e a tramitação do processo segue os termos definidos pelo juiz.
Assim sendo, tendo em atenção que estamos no âmbito do exercício de um poder discricionário, inserido no poder de gestão processual conferido por lei ao juiz, a decisão tomada, agora posta em crise, não pode ser objeto de recurso (cfr. Art. 630.º n.º 1 do C.P.C.).
Mesmo que assim se não entendesse, como o eventual vício verificado se traduziria numa omissão na tramitação processual devida, a nulidade em consideração sempre haveria de preencher a previsão do Ar. 195.º do C.P.C. e, em face da ausência de reclamação oportuna, nos termos dos Art. 199.º e 149.º do C.P.C., a tramitação processual assim decidida consolidou-se, já não podendo ser objeto de recurso.
De facto, como explicam Luís Mendonça e Henrique Antunes (in “Dos Recursos”, Quid Juris, pág. 51): «A reclamação por nulidade e o recurso articulam-se, portanto, de harmonia com o princípio da subsidiariedade: a admissibilidade do recurso está na dependência da dedução prévia da reclamação. / Assim, o que pode ser impugnado por via do recurso é a decisão que conhecer da reclamação por nulidade – e não a nulidade ela mesma. A perda do direito à impugnação por via da reclamação – caducidade, renúncia, etc. – importa, simultaneamente, a extinção do direito à impugnação através do recurso ordinário».
Neste sentido, Teixeira de Sousa (in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, pág. 372) afirma que: «(…) quando a reclamação for admissível, não o pode ser o recurso ordinário, ou seja, esses meios de impugnação não podem ser concorrentes; - se a reclamação for admissível e a parte não impugnar a decisão através dela, em regra está precludida a possibilidade de recorrer dessa mesma decisão».
Em face disso, improcedem todas as conclusões que sustentam a nulidade do processo por falta de realização da audiência prévia.
2.–Da nulidade do julgamento por não ter sido adiada a audiência final.
A segunda questão suscitada no presente recurso tem a ver com a decisão de não adiamento da audiência final, na sequência de requerimento feito nesse sentido pelo mandatário da A., por alegado motivo justificativo, que obteve o acordo do mandatário da R., sendo que nesse dia também teria havido greve dos funcionários judiciais e as testemunhas da A. foram disso avisadas. Entende assim a Recorrente que foi violado o disposto no Art. 603.º n.º 1 do CP.C., verificando-se ainda uma nulidade, por não ter sido atendido ao justo impedimento, nos termos do Art. 195.º e 197.º do C.P.C..
A Recorrida veio chamar a atenção para o facto de a greve de funcionários não ter sido motivo impeditivo para a inquirição das testemunhas na data aprazada, que efetivamente se veio a realizar, sendo que o motivo do justo impedimento que foi invocado, relacionado com a avaria do veículo do mandatário da A., verificado 5 dias antes da data designada para a audiência final, não constituiria justificação suficiente para o adiamento da audiência final.
Apreciando, temos de partir do pressuposto que em causa estava apenas um alegado impedimento meramente temporário que teria justificado a pretensão de adiamento da audiência final fundada na falta do mandatário da A.. Essa situação é especificamente regulada pelo Art. 603º n.º 1 do C.P.C..
Efetivamente, o Art. 603.º, n.º 1 do C.P.C. prescreve o seguinte: «1–Verificada a presença das pessoas que tenham sido convocadas, realiza-se a audiência, salvo se houver impedimento do tribunal, faltar algum dos advogados sem que o juiz tenha providenciado pela marcação mediante acordo prévio ou ocorrer motivo que constitua justo impedimento».
É sabido que este preceito introduz uma alteração substancial ao regime anterior do Código de Processo Civil, sendo evidente a preocupação do legislador de 2013 em reduzir os casos de adiamento da audiência final.
Até a própria alteração da epígrafe do preceito traduz esse mesmo espírito, já que o correspondente Art. 651º do C.P.C., na sua versão pretérita à entrada em vigor da Lei n.º 41/2013 de 26/6, era epigrafado de “Causas de adiamento da audiência”, quando o Art. 603º do C.P.C. atualmente vigente substituiu essa epígrafe por “Realização da audiência”.
No código de 1961 a prática tinha consagrado a regra de poder haver um adiamento, sendo muito aberto o leque de situações que permitia essa possibilidade, nomeadamente a falta de mandatário, mesmo que sem qualquer justificação.
Com as alterações introduzidas pelo Dec.Lei n.º 183/2000 de 10/8, já não bastava a falta do mandatário, passando a exigir-se que pelo menos o mesmo comunicasse a impossibilidade de comparência (Art. 651º n.º 1 al. d) do C.P.C. pretérito), sendo certo que também não se exigia a apresentação de justificação para essa falta.
A reforma de 2013, como vimos, restringiu as causas de adiamento da audiência final em caso de falta do advogado, apenas admitindo essa possibilidade no caso de a audiência não ter sido marcada com o acordo prévio dos mandatários ou em situações de justo impedimento.
Por outro lado, também se eliminou os casos de suspensão da instância por acordo que implicassem, por essa via, o adiamento da audiência final (Art. 272º n.º 4 do C.P.C.). Sendo assim evidente que o legislador se preocupou com a celeridade do julgamento da causa, pretendendo evitar ocorrências anómalas e dilatórias que justificassem sucessivos atrasos na ação da justiça.
Tendo em atenção as duas únicas situações previstas no Art. 603º n.º 1 do C.P.C. como fundamentos do adiamento da audiência final por falta do advogado, diremos que a primeira encontra-se evidentemente afastada, porque o julgamento foi marcado com o acordo dos mandatários, já que os mesmos foram notificados nos termos do Art. 151º do C.P.C., com expressa advertência para no prazo de 5 dias invocarem impedimentos pessoais e proporem datas alternativas de comum acordo (cfr. despacho de “Marcação Julgamento” de 06-05-2021 – Ref.ª n.º 405119779 - p.e. – e notificações aos mandatários “Not Mandatário da data do julgamento - artº 151º CPC” de 13-05-2021 – Ref.ª n.º 405466654 e n.º 405466668 - p.e.).
Portanto, tendo sido dado cumprimento ao Art. 151º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C., na falta de invocação oportuna de impedimento pessoal, a marcação do julgamento tem-se por acordada com os mandatários e a falta do advogado, só por si, não constitui justificação legal bastante para o adiamento da audiência final.
Por outro lado temos de realçar que a previsão do n.º 3 do Art. 603º não se aplica à falta dos mandatários com o propósito de adiar o julgamento. Esse preceito está especialmente pensado para a falta das partes ou de quaisquer outros intervenientes acidentais (vide, a propósito: Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2, 3.ª Ed., pág. 688) e tem por finalidade única permitir às pessoas em causa que vejam as suas respetivas faltas oportunamente justificadas, estabelecendo-se para o efeito um prazo máximo de 5 dias.
A falta do advogado, como fundamento do adiamento da audiência, estava assim, no caso, restrita à situação de haver “justo impedimento” (Art. 603º n.º 1 “in fine” do C.P.C.).
A matéria do “justo impedimento” vem regulada no Art. 140.º do C.P.C., onde se estabelece que: «1– Considera-se “justo impedimento” o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato. «2–A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o Requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou. «3– É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º1 do artigo 412º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.»
A este respeito, escreve também Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1.º, 3.ª Ed., pág. 275-276) que constitui justo impedimento «os acidentes e as avarias dos automóveis (…) quando obstem em absoluto à prática do ato em tempo; igualmente o constituirão os atrasos dos meios de transporte, se a parte ou o seu mandatário tiverem usado de diligência, segundo critérios de normalidade; As situações de doença súbita (…) quando configurem um obstáculo razoável e objetivo à prática do ato, tidas em conta as condições mínimas de garantia do exercício do direito em causa (…). Hoje, constituem justo impedimento não só a impossibilidade total e absoluta, mas também o obstáculo à plena realização do ato, tal como a parte ou o mandatário a prefiguraram; mas continuará a não haver justo impedimento se o ato a praticar pelo mandatário impedido constituía facto perfeitamente fungível (…); A greve de funcionários judiciais, ainda que previsível porque notificada com antecedência (…) se os tribunais tiverem encerrado sem a “prestação de cuidados mínimos”».
No caso, há que realçar que não houve qualquer impedimento objetivo para a realização da audiência relacionado com o Tribunal. Nomeadamente a situação da anunciada greve dos funcionários judiciais era meramente temporária (1 hora por dia) e não constituiu obstáculo efetivo à produção de prova, que se iniciou às 11 horas, e não às 10 horas do dia 4 de junho de 2021, como inicialmente aprazado.
A questão relativa à nulidade da audiência por motivo de “inesperada” continuação da audiência na parte da tarde, é uma falsa questão. Trata-se de mera distração do mandatário da A., pois como já deixámos expresso no relatório do presente acórdão, ao sumariarmos o conteúdo do despacho de marcação de audiência, é evidente que desde o início que estava agendada a inquirição de testemunhas, quer para a parte da manhã, quer para a parte da tarde do dia 4 de junho de 2021 (cfr. despacho de “Marcação Julgamento” de 06-05-2021 – Ref.ª n.º 405119779 - p.e.).
Por outro lado, a alegada existência de acordo entre os mandatários para o adiamento da audiência, como vimos, também já não pode ser relevada, porque o espírito e a letra da lei já não permite esse tido de entendimentos.
Portanto, no final, o que estava em causa era uma alegada dificuldade de deslocação do mandatário da A. ao tribunal com vista ao acompanhamento da produção de prova em julgamento, o que constituía sua obrigação profissional, enquanto advogado. Para lograr o adiamento da audiência, por motivo da sua falta, necessário seria invocar “justo impedimento”, o que poderia implicar a apresentação de prova logo com o requerimento em que o impedimento é invocado (cfr. Art. 140.º n.º 2 do C.P.C.).
Quanto à questão concreta da necessidade de prova imediata do justo impedimento, não poderemos deixar de reproduzir um trecho do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 5/5/2016 (Relatora: Elisabete Valente – Proc. n.º 1117/12.4TBVNO.E1) que reza o seguinte: «Apesar do art.º 140.º, n.º 2 do CPC impor que a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova, deve entender-se que, sendo necessário que a comunicação seja logo efetuada, até à abertura da audiência, não é exigível que prontamente seja exibido atestado médico, pois, se o advogado comunicar prontamente ao tribunal as circunstâncias impeditivas do seu comparecimento e não estiver ainda munido de documento comprovativo do impedimento legítimo, deve convencer o juiz da seriedade do motivo invocado, sem prejuízo de, posteriormente e no mais curto prazo, remeter o documento justificativo da sua ausência (note-se que, não sendo tal documento enviado, o mesmo não evidencie uma causa de doença que impeça o advogado de comparecer ou o juiz duvide da genuinidade do documento, terá o mandatário de suportar as custas devidas pelo desenvolvimento processual anómalo a que deu causa)».
Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro (in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, vol. I, págs. 571 a 572) fazem a este propósito uma distinção importante entre o impedimento de comparência na audiência (Art. 603º n.º 1 do C.P.C.), o impedimento da mera comunicação das circunstâncias impeditivas (Art. 151º n.º 5 do C.P.C.) e o impedimento de oferecimento da sua prova (Art. 140º n.º 2 do C.P.C.). Assim, para estes Autores se a parte não está impedida de comunicar o impedimento de comparência, deve fazê-lo imediatamente (Art.s 7.º e 151.º n.º 5), pois só assim obtém o adiamento da audiência. Para o efeito deve logo oferecer a respetiva prova, salvo se justificadamente estiver impossibilitada de o fazer. O juiz, ouvida a parte contrária, quando seja possível em tempo útil, deve deferir o adiamento se o evento invocado constituir justo impedimento e, no caso de ter sido oferecida prova, o julgar verificado (ou ser provável a sua verificação). Se o adiamento for deferido sem que tenha sido oferecida prova, esta deve ser apreciada logo que possível, já não para instrução do incidente – findo com a decisão de deferimento do adiamento –, mas para que a conduta da parte seja eventualmente apreciada nos quadros da má-fé processual (Art. 542.º).
No caso concreto, ao contrário do que o mandatário da A. parece fazer crer, não era necessário que tivesse de expor factos da sua via privada, mas, podendo, deveria precisar algo mais do que a mera invocação de que existiam “motivos imprevistos” e de “força maior”, pois a isso obrigaria o princípio da cooperação e o cumprimento do dever de boa-fé processual (cfr. Art.s 7.º e 8.º do C.P.C.). Sendo que, constatando-se que o que estaria em causa seria uma situação relacionada com uma avaria em veículo automóvel, de que o mandatário já teria conhecimento 5 dias antes da audiência, é evidente que tal não constituiria um obstáculo absoluto à sua presença em tribunal no dia 4 de junho, pois teria tempo mais que suficiente para lançar mão de meio de transporte alternativo.
Nessa medida, só poderemos subscrever o despacho proferido em audiência, no sentido de julgar que não havia motivo para adiar o julgamento, porque não havia justo impedimento, não tendo por isso sido violado o Art. 603.º n.º 1 do C.P.C., nem os atos subsequentes são suscetíveis de anulação, ao abrigo dos Art.s 195.º e 197.º do C.P.C..
Aliás, uma vez mais, esta questão, tal como aquela a que nos reportamos no ponto 1 do presente acórdão, deveria ter sido suscitada, antes de mais, perante o tribunal a quo, mediante prévia reclamação. O que não se verificou, tendo-se assim consolidado o ato alegadamente inválido.
Em suma, julgamos improcedem as conclusões das alegações de recurso da Recorrente que suportam sentido oposto ao exposto, não se verificando qualquer motivo para anular o julgamento.
3.– Da obrigação de indemnização.
Aqui chegados cumprirá então apreciar se existe fundamento para alterar o julgamento de mérito resultante da sentença recorrida, que no final absolveu a R. do pedido.
A presente ação visava a condenação da R. ao pagamento de €4.000,00, referente a valor de depósito a prazo que foi indevidamente levantado da conta da A., a que acresceria um indemnização por danos morais e patrimoniais de €5.000,00 e juros, por motivo da R., enquanto instituição bancária onde estavam depositados os valores monetários em causa, ter permitido essas movimentações, sem o consentimento da titular da conta.
A sentença recorrida julgou a ação improcedente, porque entendeu que a R. não incumpriu o contrato que a vinculava à A., tendo as movimentações bancárias sido resultado de negligência grosseira da própria A., que forneceu a terceiros os seus códigos de acesso e de todas as coordenadas aleatórias do seu “cartão matriz”.
A Recorrente não concorda com a decisão recorrida, por entender que foi feita prova suficiente de que não foi uma titular da conta quem ordenou as movimentações bancárias em causa, sendo que não se provou que a A. tivesse atuado com negligência grave ou grosseira, pois terá sido vítima da ação fraudulenta de um terceiro, conforme decorre da acusação crime, que se mostra junta aos autos e que o Tribunal Recorrido não teve em consideração. Portanto, incumbindo ao Banco fazer prova da negligência grave da A. (Art.s 70.º n.º 3 e 72.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 317/2009 de 30/10) e não o tendo feito, os riscos das falhas do sistema informático de homebanking correriam por conta da R. (Art. 796.º n.º 1 do C.C.), devendo a mesma responder pelas transferências não autorizadas, por incumprimento das obrigações que a si incumbiam nos termos da lei (v.g. Art.s 68.º do Dec.Lei n.º 317/2009 de 30/10).
A Recorrida sustenta que foi feita prova suficiente da existência de comportamento gravemente negligente por parte da A., que forneceu a terceiros informações que estavam na sua disponibilidade exclusiva guardar, não sendo o Banco responsável pelos prejuízos alegados, na medida em que cumpriu com os deveres de cuidado que legal e contratualmente lhe estavam atribuídos.
Contrapostas as posições, temos de partir da consideração de que a pretensão da A. funda-se na existência de contrato de depósito bancário que vinculava ambas as partes.
A doutrina tradicional costumava assemelhar o contrato de depósito bancário de fundos monetários ao contrato de mútuo. E, de facto, o depósito bancário não é um mero contrato de depósito tal como ele é definido no Art. 1185º do C.C..
Efetivamente, resulta desse preceito que o contrato de depósito é aquele pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa para que esta a guarde e restitua quando exigida. Só que nos depósitos bancários comuns, a obrigação de guarda e restituição não se refere exatamente à coisa entregue, mas a coisa do mesmo género. Ao que acresce que o banco não se limita a guardar a quantia depositada, ficando com a faculdade de executar operações de crédito com os fundos que lhe são entregues, sendo por isso muitas vezes estabelecido o dever de pagar juros ao depositante pela disponibilidade financeira que lhe é proporcionada.
Deste modo, quando estão em causa depósitos de coisa fungíveis, designadamente de fundos monetários, porque o depósito aparece num cruzamento de obrigações que assemelham esse negócio jurídico ao contrato de mútuo, optou o legislador por integrar estes contratos no âmbito do conceito de “contrato de depósito irregular” (Art. 1205º do C.C.), ao qual se aplica, na medida do possível, o regime próprio do contrato de mútuo (Art. 1206º do C.C.).
As principais diferenças do contrato de depósito irregular em relação ao contrato de depósito em sentido estrito são: que o primeiro é um contrato translativo do domínio da coisa; nele desaparece praticamente a obrigação de custódia da coisa; e a obrigação de restituição converte-se de específica em genérica (Vide: Pires de Lima e Antunes Varela - in “Código Civil Anotado” Vol. II, 3ª Ed., pág. 783).
É exatamente em atenção a estas semelhanças que o depósito bancário é equiparado por natureza ao depósito irregular, nos termos supra considerados e, por isso está sujeito, em grande medida, às regras próprias do mútuo (Art. 1142º e ss. do C.C.), sendo certo que devem ser tomados em consideração os desvios previstos nos Art.s 406º e 407º do Cód. Comercial e a regulamentação legal própria estabelecida em legislação bancária avulsa (Vide, a propósito: Menezes Cordeiro in “Manual de Direito Bancário”, 1998, pág. 479 e in “Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário”, 2003, pág. 225; com uma interpretação mais casuística entre o depósito irregular e o contrato de mútuo: Paula Ponces Camacho in “Do Contrato de Depósito Bancário”, 1998, pág. 145 e ss).
Nestes termos, o depósito bancário de fundos monetários é por regra um negócio jurídico real “quad constituitionem”, porque nasce com a entrega do dinheiro ou dos valores ao banco. É um contrato unilateral, na medida em que dele somente emergem obrigações para uma das partes, designadamente o banco, que fica obrigado a restituir coisa do mesmo género da depositada e, eventualmente, a pagar os juros. Finalmente, é ainda um negócio translativo, na medida em que o depósito implica a transmissão da propriedade da coisa depositada.
Portanto, a questão da titularidade dos fundos depositados em conta bancária fica diluída nesta relação contratual, de tal forma, que ao depositante não assiste o poder de reivindicar o depositado como coisa sua (Art. 1311º do C.C.), mas somente um mero direito de crédito de receber coisa do mesmo género e qualidade por parte do banco (Art. 1142º “ex vi” Art. 1206º do C.C.).
Em grande medida é o cumprimento desta a obrigação que a A. pretende fazer exigir pela presente ação, quando formulou a sua pretensão principal de pagamento de €4.000,00, tendo ainda por base o exercício do direito a indemnização decorrente de responsabilidade contratual da R., nos termos dos Art.s 798º e ss. do C.C., em que se sustenta ainda o pedido de reparação de danos morais.
Nos termos do Art. 798º do C.C., o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
São assim pressupostos da responsabilidade civil contratual: a) o facto objetivo do não cumprimento duma obrigação por parte do devedor; b) a ilicitude; c) a culpa; d) o prejuízo sofrido pelo credor; e e) o nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo (Vide: Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 4ª Ed., pág. 90 e ss.).
O facto voluntário alegado pela A., pressuposto do seu direito, é que a R. operou a transferência de €7.000,00 da conta a prazo da A. para a sua conta à ordem e, depois, transferiu, por 2 vezes, €2.000,00 para a conta de um terceiro. Sendo que, essas operações bancárias foram dadas por provadas nos pontos 8., 9. e 10. dos factos provados na sentença recorrida.
Sucede que, essas operações foram realizadas em sistema de homebanking, ao qual a A. aderiu por contrato celebrado em 9 de abril de 2013 (cfr. doc. de fls. 53 a 54), o que pressupôs a introdução de 4 posições do cartão matriz, distintas em cada uma dessas 3 operações, as quais foram inseridas à primeira tentativa e sem qualquer erro (cfr. factos provados 11 a 19 da sentença recorrida). Portanto, de algum modo, se poderá dizer que o facto voluntário imputado ao Banco resultou do cumprimento de ordem que, pelo menos na aparência, emanava da titular das contas bancárias.
A ilicitude desse comportamento alegadamente resultou do facto do Banco ter executado operações bancárias a crédito e débito nas contas de depósitos a prazo e à ordem em nome da A. de forma alegadamente não autorizada, sem o conhecimento ou consentimento da respetiva titular.
Sucede que, quanto a este pressuposto, a sentença recorrida limitou-se a dar como não provado que essas operações tenham sido resultantes de instruções emanadas da própria R. ou de terceiros (cfr. factos não provados em i. e ii. da sentença recorrida). No entanto, temos de realçar que, na sua fundamentação sobre a formação da sua convicção sobre esses factos não provados, ficou expresso que a prova produzida sobre toda essa matéria foi insuficiente.
De facto, consta nessa parte da sentença o seguinte: «O Tribunal não nega a existência de um processo de natureza criminal, cuja acusação se encontra junta aos autos por iniciativa deste Tribunal, e as suspeitas que recaem sobre terceiros de utilização abusiva dos códigos e credenciais de acesso da Autora para realizar essas transferências, o que resulta também dos factos dados como provados em 6 e 7 (alegados e provados pela Ré). Mas essas suspeitas não constituem prova suficiente (cfr. artigo 623.º do Código de Processo Civil “a contrario”, uma vez que nem sequer ainda existe qualquer decisão penal condenatória), prova essa que tinha de ser realizada na audiência de julgamento que teve lugar nestes autos. «Objetivamente, a prova que foi produzida nestes autos foi no sentido de que existiam duas titulares das contas bancárias em causa e que podiam aceder à mesma e realizar operações, sendo que foram efetuadas três operações bancárias com os códigos e credenciais de acesso corretos, sem qualquer indicação de erro. Assim, nenhum indício existia perante a Ré de que as operações bancárias em causa poderiam estar a ser feitas, não pela Autora, mas por um terceiro com intuitos ilegítimos, e parece-nos ser possível presumir, de facto, que terá sido uma das titulares da conta bancária a efetuar essas operações bancárias, sendo a prova produzida pela Autora (meramente documental) insuficiente para afastar essa presunção de facto. «No mínimo, resta a dúvida sobre quem ordenou as operações bancárias em causae, por força do disposto no artigo 414.º do Código de Processo Civil, terá o facto de ter sido um terceiro de resultar como não provado» (sublinhados nossos).
Em face do assim exposto, a fundamentação da decisão da matéria de facto, nesta parte, parece algo contraditória e ambígua, pois começa por parecer sustentar-se numa presunção (de facto?) de que terá sido uma das titulares da conta quem efetuou essas operações. Mas depois, conclui que, “no mínimo” haveria uma dúvida sobre quem efetuou essas operações.
Sucede que, a A. alegou explicitamente no artigo 13.º da petição inicial que as movimentações a débito e a crédito efetuadas na sua conta «não foram autorizadas ou de algum modo consentidas pela Autora». Ora, este facto (existência ou não de autorização, ou consentimento, da A. para a realização das transferências bancárias mencionadas em 8., 9. e 10. dos factos provados) é completamente omisso na sentença, quer nos factos provados, quer nos factos não provados, o que constitui uma constatação verdadeiramente chocante, na medida em que ele constitui o verdadeiro cerne desta ação.
Nós não podemos ficar na dúvida sobre se o Tribunal a quo julgou por provado que houve autorização ou consentimento, porque presume (de facto?) que foi a A. quem ordenou essas operações bancárias, ou se, pelo contrário, considera que a prova é insuficiente e, portanto, na dúvida julga por não provado que a A. não deu autorização, ou não consentiu, essas movimentações a crédito e débito nas suas contas bancárias.
Não é indiferente julgar-se que ficou provado, ainda que sustentado numa presunção (que sempre deferia ser devidamente fundamentada), que foi a A. quem ordenou as operações e, portanto, necessariamente autorizou-as e nelas consentiu, ou dar-se por não provado o facto alegado pela A. no artigo 13.º da petição inicial de que não autorizou ou consentiu nessas operações, tendo por base a insuficiência da prova e a subsistência de fundada dúvida.
A primeira versão, a ficar assente, só pode levar à improcedência da ação (Vide: Ac. S.T.J. de 5/4/2016 – Proc. n.º 4640/11.4TBRG.G2.S1- Relator: Martins Sousa, disponível em www.dgsi.pt, de que se destaca o seguinte segmento do seu sumário: «V- O disposto no art. 796.º, n.º 1, do CC, só se aplica ao pagamento feito pelo banco a terceiro sem o consentimento do titular da conta, e não também ao pagamento feito em execução de ordem deste mesmo titular»).
A segunda versão, a ser dada por assente, em função das várias soluções admissíveis em direito, pode não conduzir necessariamente ao mesmo desfecho (Vide, este propósito, o que resulta do sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de dezembro de 2016 (Proc. n.º 1063/12.1TVLSB.L1.S1 – Relator: Pinto de Almeida, também disponível em www.dgsi.pt: «I- O contrato de “homebanking” – que a lei também qualifica de “contrato-quadro” (art. 2.º, al. m), do Regime dos Sistemas de Pagamento (RSP), aprovado pelo DL n.º 317/2009, de 30-10) – celebrado entre autora e banco réu – é o acordo mediante o qual o cliente adere a um serviço prestado pelo banco, que consiste na possibilidade de manter relações via internet, de forma a: (i) aceder a informações sobre produtos e serviços do banco; (ii) obter informações e realizar operações bancárias sobre contas de que a autora fosse titular; (iii) realizar pagamentos, cobranças e operações de compra, venda, subscrição ou resgate sobre produtos ou serviços disponibilizados pelo banco. II- Apenas o prestador do serviço de pagamentos referido em I – o banco – pode assegurar a operacionalidade do complexo sistema informático utilizado e a regularidade do seu funcionamento, garantindo, também, a confidencialidade dos dispositivos de segurança que permitem aceder ao instrumento de pagamento. III- Por esta razão, recai sobre o banco prestador do serviço o risco das falhas e do deficiente funcionamento do sistema, impendendo ainda sobre o mesmo o ónus da prova de que a operação de pagamento não foi afetada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência (cf. art. 70.º do referido Regime dos Sistemas de Pagamento). IV- Ao utilizador do serviço de pagamento – que deve dispor de um conjunto de dispositivos de segurança, como o código de acesso, cartão matriz, entre outros, que lhe vão permitir aceder a esse serviço, dada a sua função de autenticação e identificação – exige-se que tome as medidas razoáveis em ordem a preservar a eficácia desses dispositivos. V- Entre as técnicas mais frequentemente utilizadas por terceiros para aceder, fraudulentamente, através do sistema, à conta do cliente utilizador do serviço de homebanking, contam-se: (i) o phishing,que consiste no envio de mensagens de correio eletrónico, que provêm aparentemente do banco prestador do serviço, tentando obter dados confidenciais que permitam o acesso ao serviço de pagamento eletrónico; e (ii) o pharming, uma “técnica mais sofisticada em que é «corrompido» o próprio nome de domínio de uma instituição financeira, redirecionando o utilizador para um site falso – em tudo similar ao verdadeiro – sempre que este digita no teclado a morada correta do seu banco”. VI- Havendo quebra de segurança resultante da intromissão abusiva de terceiros, que lograram, por meio desconhecido, obter os dispositivos de segurança que permitiram o acesso às contas, não é adequado concluir ser aquela quebra imputável ao utilizador do serviço de pagamento apenas por ter este facultado os referidos dispositivos à contabilista, uma “auxiliar”, sendo esta atuação conforme com a diligência de um homem médio e, por isso, razoável, inexistindo negligência grave. VII- Se o banco réu não demonstrou, como era seu ónus, que o utilizador tenha tido qualquer comportamento suscetível de pôr em causa a segurança do sistema, desconhecendo-se o modo como os terceiros lograram obter os dispositivos de segurança, tem o mesmo a obrigação de reembolsar imediatamente o ordenante do montante da operação de pagamento não autorizada (art. 71.º, n.º 1, do Regime dos Sistemas de Pagamento)». Ou ainda do Ac. S.T.J. de 18/12/2013 (Proc. n.º 6479/09.8TBBRG.G1.S1 – Relatora: Ana Paula Boularot): «III.- O phishing (do inglês fishing «pesca») pressupõe uma fraude eletrónica caracterizada por tentativas de adquirir dados pessoais, através do envio de e-mails com uma pretensa proveniência da entidade bancária do recetor, por exemplo, a pedir determinados elementos confidenciais (número de conta, número de contrato, número de cartão de contribuinte ou qualquer outra informação pessoal), por forma a que este ao abri-los e ao fornecer as informações solicitadas e/ou ao clicar em links para outras páginas ou imagens, ou ao descarregar eventuais arquivos ali contidos, poderá estar a proporcionar o furto de informações bancárias e a sua utilização subsequente. IV.- A outra modalidade de fraude onlineé o pharminga qual consiste em suplantar o sistema de resolução dos nomes de domínio para conduzir o usuário a uma pagina Web falsa, clonada da página real, baseando-se o processo, sumariamente, em alterar o IP numérico de uma direção no próprio navegador, através de programas que captam os códigos de pulsação do teclado (os ditos keyloggers), o que pode ser feito através da difusão de vírus via spam, o que leva o usuário a pensar que está a aceder a um determinado site – por exemplo o do seu banco – e está a entrar no IP de uma página Web falsa, sendo que ao indicar as suas chaves de acesso, estas serão depois utilizadas pelos crackers, para acederem à verdadeira página da instituição bancária e aí poderem efetuar as operações que entenderem, destinando-se ambas as técnicas (phishinge pharming) à obtenção fraudulenta de fundos. V.- Os riscos da falha do sistema informático utilizado, bem como dos ataques cibernautas ao mesmo, têm de correr por conta dos bancos, do aqui Réu portanto, por a tal conduzir o disposto no artigo 796º, nº1 do CCivil, não se tendo provado, como não se provou, que tivesse havido culpa da Autora. VI.- A esse mesmo resultado se chega com a aplicação do DL 317/2009, de 30 de Outubro, que transpôs para a nossa ordem jurídica o novo enquadramento comunitário em matéria de serviços de pagamentos, maxime a Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Novembro, o qual, não obstante seja posterior aos factos em causa nesta ação, a eles é aplicável, ex vi do seu artigo 101º, nº1 no qual se predispõe que «O regime constante do presente diploma regime jurídico não prejudica a validade dos contratos em vigor relativos aos serviços de pagamento nele regulados, sendo-lhes desde logo aplicáveis as disposições do presente regime jurídico que se mostrem mais favoráveis aos utilizadores de serviços de pagamentos»).
Temos de ter em consideração que não foi impugnada a decisão sobre a matéria de facto pela Recorrente, o que inviabiliza qualquer possibilidade de alteração dos factos provados ou não provados pelo Tribunal da Relação, pela apreciação da prova efetivamente produzida em audiência final, tendo em atenção o disposto nos Art.s 640.º e 662.º n.º 1 do C.P.C..
O Tribunal da Relação também não pode presumir o que o Tribunal de 1.ª Instância afinal julgou por provado ou não provado, quando a matéria de facto é completamente omissa sobre o facto alegado pela A. no artigo 13.º da petição inicial e a expressão da sua convicção sobre essa matéria é contraditória nos seus termos ou, no mínimo, ambígua e obscura, tornando-a ininteligível, sendo certo que também não foi invocada a nulidade da sentença, nos termos do Art. 615.º n.º 1 al. c) do C.P.C..
Seja como for, o que podemos constatar é que existe uma omissão na matéria de facto (provada ou não provada), insuprível pelo Tribunal da Relação por se constatar a ausência duma decisão clara sobre a convicção a que o Tribunal a quo efetivamente chegou sobre essa matéria, o que inviabiliza o conhecimento do mérito da causa por falta de todos os elementos necessários para o efeito, em função das várias soluções admissíveis em direito e da verificada omissão de pronúncia clara e inequívoca sobre concretos factos que foram alegados pelas partes, que são fulcrais para ser proferida decisão conscienciosa.
Esta situação, em face dos limites expostos, só pode conduzir à anulação oficiosa do julgamento, nos termos do Art. 662.º n.º 2 al. c) e d) do C.P.C., por forma a permitir que a Mm.ª Juíza que prolatou a sentença recorrida possa corrigir o vício verificado, ampliando a matéria de facto, por forma a incluir especificamente na sentença o alegado pela A. no artigo 13.º da petição inicial, seja nos factos provados, seja nos factos não provados, de acordo com a versão que julgue provada, ou não provada, em função da convicção a que efetivamente chegou, a qual deverá ser explicitada de forma clara e coerente.
Assim, com fundamentos diversos dos expostos nas conclusões de presente recurso, a sentença não poderá subsistir, devendo ser oficiosamente anulada.
V–DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, por provada, com fundamentos diversos dos invocados pela Recorrente, anulando oficiosa o julgamento, nos termos do Art. 662.º n.º 2 al. c) e d) do C.P.C., por forma a permitir que a Mm.ª Juíza que prolatou a sentença recorrida possa corrigir o vício verificado, ampliando a matéria de facto para incluir especificamente na sentença o facto alegado pela A. no artigo 13.º da petição inicial, seja nos factos provados, seja nos factos não provados, de acordo com a versão que julga efetivamente provada, ou não provada, em função da convicção a que chegou, a qual deverá ser explicitada de forma clara e coerente.
- Custas pela apelada (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).
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Lisboa, 5 de abril de 2022
Carlos Oliveira Diogo Ravara Ana Rodrigues da Silva