CRIME DE CORRUPÇÃO
CONSUMAÇÃO
PRESCRIÇÃO
ACÇÃO ENCOBERTA
MEIO DE PROVA
AGENTE ENCOBERTO
AGENTE PROVOCADOR
FUNCIONÁRIO
DECLARAÇÕES DE CO-ARGUIDO
CRIME MILITAR
Sumário

I. A junção do processo de acção encoberta e, consequentemente, a sua consulta integral não só não é obrigatória, como traduz uma situação excepcional. Para se garantir um “fair trial” a um arguido e respeitar os seus direitos de defesa o que é fundamental é confrontá-lo com os meios de prova existentes, não sendo o procedimento de acção encoberta um meio de prova em si.
II. É o próprio artº 374º nº1 do Código Penal que prevê expressamente que o crime de corrupção activa se consome quer pela promessa, quer pela entrega, sendo um corolário lógico, que se houver as duas situações, a consumação considera-se realizada no último dos actos praticados. Se assim não fosse, o sistema jurídico estaria a permitir que crimes pudessem continuar a ser praticados no tempo sem qualquer censura penal pois para efeitos de prescrição o que revelaria seria apenas e tão só o primeiro acto de consumação do crime e não o último.
III. O que o legislador quis acautelar no artº 374º do Código Penal eram situações em que só pudesse ter havido promessa, sem alguma vez haver efectiva entrega, e não estabelecer dois prazos de prescrição para situações em que tenha havido ambas as realidades: promessa seguida de entrega.
IV. O caso concreto subjacente ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 90/2019 (citado no recurso), não traduzia uma situação de crime permanente ou de execução contínua tendo o Tribunal Constitucional partido de uma situação em que existe uma promessa de suborno, que não é logo seguida da concretização dessa promessa, através da entrega efectiva da vantagem prometida, ficando na dúvida se e quando essa entrega iria, se é que iria, alguma vez ocorrer, não tendo assim tal acórdão do TC qualquer aplicabilidade a crimes permanentes em que já existe execução (entrega efectiva da vantagem prometida).
V. Se o Tribunal a quo se limitou a requalificar os factos já indicados na acusação, e se os factos que acrescenta traduzem uma mera elaboração ou desenvolvimento do contexto em que o facto histórico retratado na acusação terá ocorrido, não há, aqui, verdadeiros factos “novos” não tendo sido alterada a estrutura fáctica em questão. Ou, dito por outras palavras, se continuamos a estar perante a mesma narrativa, perante o mesmo “pedaço de vida”, apenas com um maior desenvolvimento de pormenor, não se verifica uma alteração substancial ou não substancial dos factos.
VI. Para se saber se a prova obtida por agente encoberto é, de per si, uma prova proibida, o que é essencial fazer-se em primeiro lugar é a distinção entre um agente encoberto – ou em termos anglo-saxónicos “undercover agent” – que apenas auxilia a investigação em casos em que a prova é de difícl obtenção por o meio onde se processa ser fechado e até secreto, e um agente provocador que determina os outros à prática do crime para os incriminar.
VII. No caso do agente encoberto próprio sensu não há qualquer proibição de prova nos termos do artº 126º do CPP enquanto que, no caso do agente provocador, já estaríamos perante uma prova nula por ter sido obtida por meio enganoso.
VIII. Sendo a instigação uma forma de autoria que implica o domínio do agente, em vez do domínio da execução, ela só pode ser aferida em relação a pessoas concretas relativamente às quais seria possível determinar a prática de certos actos delituosos. Ou seja, só existe instigação se se concluir que o agente, que materialmente executa o crime, foi directamente determinado pelo instigador à prática do mesmo e que, sem essa instigação, o crime não se teria praticado.
IX. Para se concluir que um determinado agente encoberto age como agente provocador é preciso primeiro constatar a existência de todos os requisitos da instigação, o que se afere em relação a cada um dos arguidos individualmente. Por isso é que, mesmo que hipoteticamente se considerasse que em relação a um determinado arguido o agente encoberto tivesse actuado como instigador, isso não significa, nem daí se pode retirar ou concluir, que tivesse actuado como instigador em relação aos restantes arguidos, motivo pelo qual a respectiva prova, em relação a esses arguidos, não se mostra sequer beliscada, muito menos inquinada.
X. Um militar que é colocado numa messe onde já se encontra, há vários anos, um esquema de corrupção que envolve outros militares e parceiros económicos, e que apenas se limita a participar no referido esquema, praticando actos de execução do crime em causa, mas sem que a sua intervenção seja determinativa da actuação dos outros arguidos, age como agente encoberto, e não como agente provocador, pelo que a prova por si angariada não traduz prova proibida e deve ser valorada.
XI. A subordinação às orientações e supervisão da PJ por parte de um militar no âmbito específico e controlado de uma acção encoberta não implica a sujeição desse militar a uma situação que afecte a sua dignidade, quer perante as próprias Forças Armadas, quer perante a sociedade que espera dos seus militares, que juraram bandeira, o cumprimento escrupuloso das suas funções em prol do bem comum e não para ganho próprio. Constatando-se, assim, que nada impedia um militar da Força Aérea de integrar uma acção encoberta nos termos do artº 1º nº 2 da Lei nº 101/2001 de 25-08.
XII.  No que diz respeito à valoração das declarações de co-arguidos, há que atender ao disposto no artº 125º do Código de Processo Penal que determina que “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.” Sendo certo que, não estando as declarações de co-arguidos contidas no elenco das provas proibidas, constante do artº 126º do CPP, e até podendo ser alvo de acareação nos termos do artº 146º nº 1 CPP, nos termos do disposto no artº 127º do Código de Processo Penal “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”
XIII. Ora, apesar dos arguidos em apreço terem feito sistematicamente referência ao princípio da corroboração, em que as declarações de co-arguido só poderiam ser valoradas positivamente em relação a outro co-arguido se houvessem elementos concretos exteriores a essas declarações que corroborassem as mesmas, a verdade é que esse princípio não encontra eco no nosso sistema penal.
XIV. Afigura-se-nos que a melhor orientação é aquela na qual não se rejeita a priori as declarações de um arguido, contra outro co-arguido, mas embora exigindo um controlo de veracidade dessas declarações, não se impõe a existência de elementos externos para as corroborar. Pelo que, qualquer valoração da prova que o Tribunal efectue das declarações de co-arguido terá de encontrar suporte nas regras da lógica, da verosimilhança com a vida e senso comum, integrando um caminho trilhado de forma coerente na reconstrução daquilo que teria acontecido, contudo sem obrigar, como conditio sine qua non, um Tribunal a procurar um elemento externo que justifique as declarações de co-arguido se estas lhe parecerem perfeitamente verosímeis e credíveis.
XV. Se as declarações dos co-arguidos deveriam ou não ter sido valoradas da forma como o Tribunal a quo fez é outra questão, uma vez que a valoração das respectivas declarações é uma situação que se situa já no âmbito da formação da convicção do Tribunal podendo, quando muito, integrar um erro de julgamento mas nunca uma nulidade de prova.
XVI. Até à entrada em vigor da Lei nº 94/2021 de 21-12, que, acabando com uma velha querela doutrinária e jurisprudencial, veio estabelecer de uma vez por todas que os militares integram o conceito de funcionário previsto no artº 386º do Código Penal, esse entendimento já era válido, não levando a Lei nº 94/2021 à inconstitucionalidade da interpretação do disposto no artº 386º nº 1 al. d) do Código Penal, na redacção anterior, no sentido desta norma contemplar os militares das Forças Armadas como funcionários para efeitos de incriminação penal.
XVII. Aquando da elaboração do anteprojecto por Eduardo Correia, o Código de Justiça Militar que vigorava na ordem jurídica portuguesa era de 1875, e era um diploma que abrangia toda a actuação dos militares, fossem os ilícitos de natureza militar ou não, estando a tónica colocada num factor iminentemente pessoal, ou seja, o que relevava era a qualidade do infractor, neste caso, militar, e não a natureza do ilícito.
XVIII. Todavia, a entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa, aprovada pelo Decreto de 10 de Abril de 1976, determinou no seu artº 293º nº 2 que “são expressamente ressalvados o Código de Justiça Militar e legislação complementar, os quais devem ser harmonizados com a Constituição, sob pena de caducidade, no prazo de um ano, a contar da publicação desta.”
XIX. Com esta imposição constitucional o legislador ordinário viria a revogar o anterior Código de Justiça Militar, generalista no seu escopo, colocando no seu lugar o DL nº 141/77 de 09-04. Passou-se, assim, de um direito castrense assente num foro pessoal geral resultante da simples qualidade de militar para um código que passou a regular os crimes essencialmente militares, independentemente do agente ser militar ou não.
XX. Com a revisão constitucional operada pela Lei Constitucional n.º 1/1997, de 20 de setembro, que “determinou a extinção dos tribunais militares em tempo de paz, atribuindo a jurisdição dos crimes estritamente militares aos tribunais comuns, mantendo no entanto a possibilidade da existência de tribunais militares quando a Pátria se encontre em estado de guerra” o direito militar sofre uma segunda compressão do seu âmbito de aplicação pois a Lei Constitucional, no seu artº 213º, deixou a referência a crimes “essencialmente militares” e passou a prever crimes “estritamente militares”.
XXI. Assim, com a alteração constitucional operada pela Lei nº 1/97 que ditou uma metamorfose compressora dos crimes essencialmente militares em crimes estritamente militares houve necessidade de proceder a nova revisão do Código de Justiça Militar tendo sido elaborada a Lei nº 100/2003 de 15-11 que viria a aprovar o novo Código de Justiça Militar actualmente em vigor.
XXII. Com este novo Código de Justiça Militar comprimiu-se ainda mais o núcleo de crimes que revestem natureza militar e que, portanto, estarão sujeitos a uma jurisdição própria. Ora, o que se nos afigura importante em todo este historial legislativo, que parece ter sido esquecido pelo legislador nas motivações que oferece no projecto que deu lugar à Lei nº 94/2021, é que o direito militar começa por ser um direito abrangente de todos os militares nele cabendo todo o tipo de comportamento ilícito desde que praticado por militar, que paulatinamente vai sofrendo restrições na sua aplicação, até atingir um pequeno núcleo de comportamentos que têm de estar intimamente ligados à função militar, qua tale, e que directamente atinjam os interesses de defesa nacional e os outros interesses que a Constituição comete às Forças Armadas.
XXIII.  Mas, com este “encolher” de tutela jurídico-penal militar, expande em igual medida a tutela jurídico-penal comum que acaba por absorver no seu seio os comportamentos outrora considerados militares. Assim, não se nos afigura haver uma lacuna deixada pelo espaço outrora ocupada pela tutela jurídico-penal militar, não havendo casos omissos cuja integração através de uma interpretação analógica seja proibida pela lei penal. O que surge é uma expansão do direito penal comum que ocupa o espaço deixado pelo direito penal militar que foi encolhendo na sua esfera de actuação.
XXIV. Também não se nos afigura que as “Motivações”, tal como se encontram reflectidas no projecto que viria a resultar na Lei nº 94/2021, devam ser tidas em termos estritamente literais uma vez que o Código de Justiça Militar vigente (de 2003) só podia abranger, de acordo com os ditâmes constitucionais plasmados na Lei nº 1/97 e, em particular no artº 213º da CRP na redacção dada por aquela lei de revisão, os crimes estritamente militares.
XXV. Ora, o esquema corruptivo retratado nos autos, não reveste natureza estritamente militar, uma vez que se prende exclusivamente com o funcionamento das messes que visa alimentar o respectivo pessoal e garantir a sua alimentação, nada tendo a ver com a segurança nacional nem com outras funções especificamente cometidas às Forças Armadas.
XXVI. Apesar das Forças Armadas prosseguirem funções muitos específicas, sendo que o estatuto dos militares implica uma compressão de alguns direitos constitucionais reconhecidos a outras pessoas, não deixam, contudo, de integrar a Administração do Estado.
XXVII. E como tal, não deixam de ser responsáveis como os outros servidores do Estado, pelo simples facto de que, estando os militares onerados com o cumprimento de deveres que mais nenhum outro funcionário público tem, nomeadamente, o dever de dar a vida pela Pátria, a esfera de actuação dos militares em termos jurídicos é muito mais ampla do que a esfera de actuação dos outros servidores estatais.
XXVIII. Sendo assim, quem pode o mais pode o menos, ou no reverso da moeda, quem se sujeita ao mais tem de se sujeitar ao menos, isto é, se os militares podem ser chamados a cumprir missões que possam pôr em perigo a sua vida, e se lhes pode ser exigida a entrega da sua vida em prol da defesa da Pátria, por maioria de razão é-lhes exigível o mesmo rigor, isenção, transparência e honestidade que é exigido a todos os demais servidores do Estado, mormente os funcionários públicos civis, em todo o mais quanto possam desenvolver no âmbito mais alargado das suas funções nomeadamente a de índole meramente administrativa.
XXIX. Não é concebível, de um ponto de vista ontológico, que se possa pedir a um militar que entregue a sua vida, o seu bem mais precioso e um direito inviolável, pela defesa do seu País, e que não se lhe possa exigir um comportamento leal e ético no tratamento de dinheiros públicos na gestão de uma messe.
XXX. Em “2001, Portugal integrava o pódio dos países mais corruptos da União Europeia e o número de condenações revela-se absolutamente insignificante. (Sendo que) Portugal aparecia na terceira posição entre os países da União Europeia com maiores níveis de corrupção. Também, de 2000 a 2009, Portugal desceu da 23º para 35º posição no índice mundial da transparência da corrupção.”
XXXI. O que sucedeu com as sucessivas alterações legislativas é que a tutela jurídico-penal dos militares foi sendo especializada e refinada, ficando para o direito penal comum todo o ilícito que não se revestisse de estrita natureza militar.
XXXII. Mas o facto de não estar previsto no Código de Justiça Militar actual o crime de corrupção comum, reservado a servidores do Estado, não significa que os militares não pudessem desde logo estar abrangidos pelo Código Penal em tudo quanto não fosse estritamente militar.
XXXIII. Não há, assim, a mais pálida dúvida de que os militares que integram as Forças Armadas prosseguem interesses exclusivamente estatais, atento que, nos termos do artº 25º da  Lei de Defesa Nacional “os militares das Forças Armadas servem, exclusivamente, a República e a comunidade nacional e assumem voluntariamente os direitos e deveres que integram a condição militar, nos termos da lei.”
XXXIV. Por isso, qualquer actuação que o militar faça enquanto no exercício das suas funções de militar, permite equipará-lo a outros agentes do Estado, incluindo os Administrativos. No fundo, o militar é muito mais do que um mero funcionário público, tendo um estatuto próprio ele não deixa de absorver na sua esfera jurídica os deveres gerais dos funcionários públicos e ainda os especiais de militar.
XXXV. A confissão do arguido, bem como o seu arrependimento, quando constatado pelo Tribunal ser aquele importante na descoberta da verdade e esta sincera, deve o Tribunal atenuar especialmente a pena nos termos do artº 72º do Código Penal, não se tratando a atenuação de uma mera faculdade de que o Tribunal se pode ou não socorrer.
XXXVI. Estando em causa a aplicação de uma sanção acessória nos termos do artº 66º do Código Penal, a par da aplicação de uma pena principal de prisão superior a 3 anos, para que a sanção acessória em causa possa ser aplicada, tem a pena principal de ser efectiva e não suspensa na sua execução.
XXXVII. A sanção acessória aplicável nos termos do artº 66º do Código Penal tem de abranger as concretas funções que foram violadas através da prática criminosa do arguido e não toda e qualquer função que possa integrar o seu estatuto de militar; estando em causa um crime de corrupção ocorrido na gestão das messes da Força Aérea, a sanção acessória, desde que se verifiquem os restantes requisitos legais para a sua aplicação, só pode abranger as concretas funções ligadas à gestão das messes, à utilização de dinheiros orçamentados para esse efeito e à negociação com parceiros económicos para o respectivo fornecimento de géneros
 ( Sumário elaborado pela relatora  )

Texto Parcial

Acordam, na sequência de audiência realizada nos termos do artº 411º nº 5 do Código de Processo Penal, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. No âmbito de processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, que corre termos pelo Juiz ... do Juízo Central Criminal ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o nº 28/14...., após audiência de discussão e julgamento, foi proferido acórdão em 25-09-2020, com a refª ..., constante de fls. 17055 e ss[1], relativamente aos arguidos acima identificados, através do qual os mesmos foram absolvidos e condenados nos seguintes termos (transcrição):
V - Decisão
Por todo o exposto, acordam os Juízes que constituem o Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal ..., Tribunal Judicial da Comarca ..., em:
 A) Julgar a pronúncia parcialmente improcedente, por parcialmente não provada e, em consequência: 
1. Absolver os arguidos DD, PP, QQ, YY, AAA, BBB e DDD da prática dos crimes de corrupção passiva, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1, 374º-A, n.º 2 e 386º, n.º 1 al. b) do Código Penal, e de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do referido diploma legal, que lhes vinham imputados. 
2. Absolver os arguidos KKK, OOO, UUU, VVV e J..., L.da da prática dos crimes de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 374º, n.º 1 e 374º-A, n.º 2 do Código Penal, e de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 e 28º do referido diploma legal. 
3. Absolver os arguidos Motivexclusivo, L.da, Enredo Oceânico, L.da, WWW e Ar..., L.da da prática dos crimes de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 374º, n.º 1 e 374º-A, n.º 1 do Código Penal, e de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 e 28º do referido diploma legal. 
4. Absolver os arguidos Peixaria 26 – Alimentos Congelados do Liz, L.da e XXX da prática dos crimes de corrupção ativa, p. e p. pelo art. 374º, n.º 1 do Código Penal, e de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 e 28º do referido diploma legal.
2. Sem custas, nesta parte (art. 522º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
B) Julgar a pronúncia parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência: 
1. Condenar o arguido AA pela prática, em coautoria, de:
1.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão.
1.2. Nos termos do art. 66º, n.º 1 al. a) do Código Penal, condenar o arguido na pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 4 (quatro) anos.
1.3. Absolver o arguido do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.ºs 1 als. d) e e) e 4, que igualmente lhe vinha imputado.
2. Condenar o arguido BB pela prática, em coautoria, de:
2.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
2.2. Nos termos do art. 66º, n.º 1 al. a) do Código Penal, condenar o arguido na pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 4 (quatro) anos.
2.3. Absolver o arguido do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.ºs 1 als. d) e e) e 4, que igualmente lhe vinha imputado.
3. Condenar o arguido CC pela prática, em coautoria, de:
3.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão.
3.2. Nos termos do art. 66º, n.º 1 al. a) do Código Penal, condenar o arguido na pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 4 (quatro) anos.
3.3. Absolver o arguido do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.ºs 1 als. d) e e) e 4, que igualmente lhe vinha imputado.
4. Condenar o arguido EE pela prática, em coautoria, de:
4.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão.
4.2. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena por igual período de tempo, ou seja, por 4 (quatro) anos.
4.3. Nos termos do art. 66º, n.º 1 al. a) do Código Penal, condenar o arguido na pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 2 (dois) anos.
4.4. Absolver o arguido do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.ºs 1 als. d) e e) e 4, que igualmente lhe vinha imputado.
5. Condenar o arguido FF pela prática, em coautoria, de:
5.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão.
5.2. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena por igual período de tempo, ou seja, por 4 (quatro) anos.
5.3. Nos termos do art. 66º, n.º 1 al. a) do Código Penal, condenar o arguido na pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 2 (dois) anos.
5.4. Absolver o arguido do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.ºs 1 als. d) e e) e 4, que igualmente lhe vinha imputado.
 6. Condenar o arguido GG pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
6.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
6.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
6.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 6.1.) e 6.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. 
6.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena por igual período de tempo, ou seja, por 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses.
6.5. Nos termos do art. 66º, n.º 1 al. a) do Código Penal, condenar o arguido na pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 2 (dois) anos.
7. Condenar o arguido HH pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
7.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
7.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
7.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 7.1.) e 7.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. 
7.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena por igual período de tempo, ou seja, por 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses.
7.5. Nos termos do art. 66º, n.º 1 al. a) do Código Penal, condenar o arguido na pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 2 (dois) anos.
8. Condenar o arguido II pela prática, em coautoria, de:
8.1. Um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo art. 373º, n.º 1, com referência ao art. 386º, n.º 1 al. d), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
8.2. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena por igual período de tempo, ou seja, por 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.
8.3. Absolver o arguido do mais que vinha peticionado.
9. Condenar o arguido JJ pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
9.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
9.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
9.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 9.1.) e 9.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. 
9.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena por igual período de tempo, ou seja, por 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses.
 9.5. Nos termos do art. 66º, n.º 1 al. a) do Código Penal, condenar o arguido na pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 2 (dois) anos.
10. Condenar o arguido LL pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
10.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
10.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
10.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 10.1.) e 10.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 4 (quatro) anos de prisão
10.4. Nos termos do art. 66º, n.º 1 al. a) do Código Penal, condenar o arguido na pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 3 (três) anos.
11. Condenar o arguido MM pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
11.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
11.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
11.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 11.1.) e 11.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 4 (quatro) anos de prisão
11.4. Nos termos do art. 66º, n.º 1 al. a) do Código Penal, condenar o arguido na pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 3 (três) anos.
12. Condenar o arguido NN pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
12.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
12.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
12.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 12.1.) e 12.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 4 (quatro) anos de prisão
12.4. Nos termos do art. 66º, n.º 1 al. a) do Código Penal, condenar o arguido na pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 3 (três) anos.
13. Condenar o arguido KK pela prática, em coautoria, de:
13.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 1 e 3, com referência aos arts. 202º, al. a) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão.
13.2. Absolver o arguido do mais que vinha peticionado.
14. Condenar o arguido OO pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
14.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;
14.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
14.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 14.1.) e 14.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 6 (seis) anos de prisão
14.4. Nos termos do art. 66º, n.º 1 al. a) do Código Penal, condenar o arguido na pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 4 (quatro) anos.
15. Condenar o arguido RR pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
15.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
15.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
15.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 15.1.) e 15.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão. 
15.4. Absolver o arguido do mais que vinha peticionado.
16. Condenar o arguido SS pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
16.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
16.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
16.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 16.1.) e 16.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. 
16.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena por igual período de tempo, ou seja, por 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses.
16.5. Nos termos do art. 66º, n.º 1 al. a) do Código Penal, condenar o arguido na pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 2 (dois) anos.
17. Condenar o arguido TT pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
17.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
17.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
17.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 17.1.) e 17.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão
18. Condenar o arguido UU pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
18.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
18.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
18.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 18.1.) e 18.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão
18.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena por igual período de tempo, ou seja, por 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses.
18.5. Nos termos do art. 66º, n.º 1 al. a) do Código Penal, condenar o arguido na pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 2 (dois) anos.
19. Condenar o arguido VV pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
19.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
19.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
19.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 19.1.) e 19.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão
19.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena por igual período de tempo, ou seja, por 3 (três) anos e 6 (seis) meses.
19.5. Absolver o arguido do mais que vinha peticionado.
20. Condenar o arguido WW pela prática, em concurso real, de:
20.1. Em autoria material, um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
20.2. Em coautoria, um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
20.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 20.1.) e 20.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão
20.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena por igual período de tempo, ou seja, por 3 (três) anos e 6 (seis) meses.
20.5. Absolver o arguido do mais que vinha peticionado.
21. Condenar o arguido XX pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
21.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
21.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
21.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 21.1.) e 21.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão
21.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena por igual período de tempo, ou seja, por 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses.
21.5. Nos termos do art. 66º, n.º 1 al. a) do Código Penal, condenar o arguido na pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 2 (dois) anos.
22. Condenar o arguido ZZ pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
22.1. Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
22.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
22.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 22.1.) e 22.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão
22.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena por igual período de tempo, ou seja, por 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses.
22.5. Nos termos do art. 66º, n.º 1 al. a) do Código Penal, condenar o arguido na pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 2 (dois) anos.
23. Condenar o arguido CCC pela prática, em concurso real, de:
23.1. Em autoria material, um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
23.2. Em coautoria, um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
23.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 23.1.) e 23.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão
23.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena por igual período de tempo, ou seja, por 3 (três) anos e 6 (seis) meses.
23.5. Absolver o arguido do mais que vinha peticionado.
24. Condenar o arguido EEE pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
24.1. Um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 374º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
24.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
24.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 24.1.) e 24.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 4 (quatro) anos de prisão.
25. Condenar a arguida Pac & Bom – Comércio e Serviços, L.da pela prática, em coautoria e em concurso real, ao abrigo do disposto no art. 11º, n.º 2 do Código Penal:
25.1. Um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 90ºA, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 374º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 420 (quatrocentos e vinte) dias de multa;
25.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2, 90º-A, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa.
25.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 25.1.) e 25.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar a arguida na pena única de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 250, o que perfaz a multa total de € 112.500 (cento e doze mil e quinhentos euros).
25.4. Ao abrigo do disposto nos arts. 90º-A, n.º 2 al. c) e 90º-H do Código Penal, condenar a arguida na pena acessória de proibição de celebrar contratos com o Estado pelo período de 4 (quatro) anos.
26. Condenar a arguida Chavibom - Comércio e Distribuição Alimentar, L.da pela prática, em coautoria e em concurso real, ao abrigo do disposto no art. 11º, n.º 2 do Código Penal:
26.1. Um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 90ºA, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 374º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 210 (duzentos e dez) dias de multa;
26.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2, 90º-A, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa.
26.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 26.1.) e 26.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar a arguida na pena única de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à razão diária de € 250, o que perfaz a multa total de € 60.000 (sessenta mil euros).
26.4. Ao abrigo do disposto nos arts. 90º-A, n.º 2 al. c) e 90º-H do Código Penal, condenar a arguida na pena acessória de proibição de celebrar contratos com o Estado pelo período de 4 (quatro) anos.
27. Condenar o arguido FFF pela prática, em concurso real, de:
27.1. Em coautoria, um crime de corrupção ativa, p. e p. pelo art. 374º, n.º 1, com referência ao art. 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
27.2. Em autoria material, um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art. 86º, n.º 1 al. d), com referência aos arts. 2º, n.º 1 als. o) e an), 3º, n.º 2 al. i), 4º, n.º 1 e 9º, n.ºs 1 e 2, todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com a redação introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 6 de maio, pela Lei n.º 12/2011, de 27 de abril, e ainda pela Lei n.º 50/2013, de 24 de julho, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à razão diária de € 10 (euros), no total de € 2.000 (dois mil euros).
27.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 24.1.) e 24.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão e de 200 (duzentos) dias de multa, à razão diária de € 10 (dez euros), o que perfaz o total de € 2.000 (dois mil euros).
27.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena de prisão aplicada por igual período de tempo, ou seja, por 1 (um) ano e 6 (seis) meses.
27.5. Absolver o arguido do crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, que igualmente lhe vinha imputado.
28. Condenar a arguida Portral – Comércio e Indústria de Carnes, L.da pela prática, em coautoria, e ao abrigo do disposto no art. 11º, n.º 2 do Código Penal:
28.1. Um crime de corrupção ativa, p. e p. pelos arts. 90º-A, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5 e 374º, n.º 1, com referência ao art. 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de € 100, o que perfaz a multa total de € 18.000 (dezoito mil euros).
28.2. Em conformidade com o disposto no art. 90º-D, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, substituir a pena de multa aplicada por caução de boa conduta, que se fixa em € 4.500 (quatro mil e quinhentos euros), pelo prazo de 5 (cinco) anos.
28.3. Absolver a arguida da prática do crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2, 90º-A, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, que igualmente lhe vinha imputado.
29. Condenar o arguido GGG pela prática, em coautoria, de:
29.1. Um crime de corrupção ativa, p. e p. pelo art. 374º, n.º 1, com referência ao art. 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
29.2. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena de prisão aplicada por igual período de tempo, ou seja, por 1 (um) ano e 6 (seis) meses.
29.3. Absolver o arguido do crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, que igualmente lhe vinha imputado.
30. Condenar a arguida M..., S.A. pela prática, em coautoria, e ao abrigo do disposto no art. 11º, n.º 2 do Código Penal:
30.1. Um crime de corrupção ativa, p. e p. pelos arts. 90º-A, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5 e 374º, n.º 1, com referência ao art. 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de € 100, o que perfaz a multa total de € 18.000 (dezoito mil euros).
30.2. Em conformidade com o disposto no art. 90º-D, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, substituir a pena de multa aplicada por caução de boa conduta, que se fixa em € 4.500 (quatro mil e quinhentos euros), pelo prazo de 5 (cinco) anos.
30.3. Absolver a arguida da prática do crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2, 90º-A, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, que igualmente lhe vinha imputado.
31. Condenar o arguido HHH pela prática, em coautoria, de:
31.1. Um crime de corrupção ativa, p. e p. pelo art. 374º, n.º 1, com referência ao art. 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
31.2. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena de prisão aplicada por igual período de tempo, ou seja, por 1 (um) ano e 6 (seis) meses.
31.3. Absolver o arguido do crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, que igualmente lhe vinha imputado.
32. Condenar a arguida C..., Lda. pela prática, em coautoria, e ao abrigo do disposto no art. 11º, n.º 2 do Código Penal:
32.1. Um crime de corrupção ativa, p. e p. pelos arts. 90º-A, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5 e 374º, n.º 1, com referência ao art. 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de € 100, o que perfaz a multa total de € 12.000 (doze mil euros).
32.2. Em conformidade com o disposto no art. 90º-D, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, substituir a pena de multa aplicada por caução de boa conduta, que se fixa em € 3.000 (três mil euros), pelo prazo de 5 (cinco) anos.
32.3. Absolver a arguida da prática do crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2, 90º-A, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, que igualmente lhe vinha imputado.
33. Condenar o arguido III pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
33.1. Um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 374º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
33.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.
33.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 33.1.) e 33.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 3 (três) anos de prisão.
33.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena de prisão aplicada por igual período de tempo, ou seja, por 3 (três) anos.
34. Condenar a arguida A... Lda. pela prática, em coautoria e em concurso real, ao abrigo do disposto no art. 11º, n.º 2 do Código Penal:
34.1. Um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 90ºA, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 374º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa;
34.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2, 90º-A, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa.
34.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 34.1.) e 34.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar a arguida na pena única de 360 (trezentos e sessenta) dias de multa, à razão diária de € 100, o que perfaz a multa total de € 36.000 (trinta e seis mil euros).
34.4. Em conformidade com o disposto no art. 90º-D, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, substituir a pena de multa aplicada por caução de boa conduta, que se fixa em € 9.000 (nove mil euros), pelo prazo de 5 (cinco) anos. 
35. Condenar o arguido JJJ pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
35.1. Um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 374º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
35.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
35.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 35.1.) e 35.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
36. Condenar a arguida Doce Cabaz, L.da pela prática, em coautoria e em concurso real, ao abrigo do disposto no art. 11º, n.º 2 do Código Penal:
36.1. Um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 90ºA, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 374º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 360 (trezentos e sessenta) dias de multa;
36.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2, 90º-A, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa.
36.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 36.1.) e 36.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar a arguida na pena única de 420 (quatrocentos e vinte) dias de multa, à razão diária de € 100, o que perfaz a multa total de € 42.000 (quarenta e dois mil euros).
36.4. Ao abrigo do disposto nos arts. 90º-A, n.º 2 al. c) e 90º-H do Código Penal, condenar a arguida na pena acessória de proibição de celebrar contratos com o Estado pelo período de 4 (quatro) anos.
37. Condenar o arguido LLL pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
37.1. Um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 374º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 1 e 3, com referência aos arts. 202º, al. a) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
37.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.
37.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 37.1.) e 37.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
37.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena de prisão aplicada por igual período de tempo, ou seja, por 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.
38. Condenar o arguido MMM pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
38.1. Um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 374º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 1 e 3, com referência aos arts. 202º, al. a) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
38.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
38.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 38.1.) e 38.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
38.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena de prisão aplicada por igual período de tempo, ou seja, por 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.
39. Condenar a arguida NNN pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
39.1. Um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 374º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 1 e 3, com referência aos arts. 202º, al. a) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
39.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
39.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 39.1.) e 39.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
39.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena de prisão aplicada por igual período de tempo, ou seja, por 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.
40. Condenar a arguida Padaria ..., Lda. pela prática, em coautoria e em concurso real, ao abrigo do disposto no art. 11º, n.º 2 do Código Penal:
40.1. Um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 90ºA, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 374º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 1 e 3, com referência aos arts. 202º, al. a) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa;
40.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2, 90º-A, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa.
40.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 40.1.) e 40.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar a arguida na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à razão diária de € 100, o que perfaz a multa total de € 30.000 (trinta mil euros).
40.4. Em conformidade com o disposto no art. 90º-D, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, substituir a pena de multa aplicada por caução de boa conduta, que se fixa em € 7.500 (sete mil e quinhentos euros), pelo prazo de 5 (cinco) anos. 
41. Condenar o arguido PPP pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
41.1. Um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 374º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
41.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
41.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 41.1.) e 41.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 3 (três) anos de prisão.
41.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena de prisão aplicada por igual período de tempo, ou seja, por 3 (três) anos.
42. Condenar a arguida Ma..., L.da pela prática, em coautoria e em concurso real, ao abrigo do disposto no art. 11º, n.º 2 do Código Penal:
42.1. Um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 90ºA, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 374º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa;
42.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2, 90º-A, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa.
42.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 42.1.) e 42.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar a arguida na pena única de 360 (trezentos e sessenta) dias de multa, à razão diária de € 100, o que perfaz a multa total de € 36.000 (trinta e seis mil euros).
42.4. Em conformidade com o disposto no art. 90º-D, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, substituir a pena de multa aplicada por caução de boa conduta, que se fixa em € 9.000 (nove mil euros), pelo prazo de 5 (cinco) anos. 
43. Condenar o arguido QQQ pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
43.1. Um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 374º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 1 e 3, com referência aos arts. 202º, al. a) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
43.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
43.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 43.1.) e 43.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
43.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena de prisão aplicada por igual período de tempo, ou seja, por 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.
44. Condenar o arguido RRR pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
44.1. Um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 374º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;
44.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
44.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 44.1.) e 44.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão.
44.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena de prisão aplicada por igual período de tempo, ou seja, por 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.
45. Condenar a arguida Ca..., L.da pela prática, em coautoria e em concurso real, ao abrigo do disposto no art. 11º, n.º 2 do Código Penal:
45.1. Um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 90ºA, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 374º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 2 e 3, com referência aos arts. 202º, al. b) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 270 (duzentos e setenta) dias de multa;
45.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2, 90º-A, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa.
45.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 45.1.) e 45.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar a arguida na pena única de 320 (trezentos e vinte) dias de multa, à razão diária de € 100, o que perfaz a multa total de € 32.000 (trinta e dois mil euros).
45.4. Em conformidade com o disposto no art. 90º-D, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, substituir a pena de multa aplicada por caução de boa conduta, que se fixa em € 8.000 (oito mil euros), pelo prazo de 5 (cinco) anos. 
46. Condenar a arguida SSS pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
46.1. Um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 374º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 1 e 3, com referência aos arts. 202º, al. a) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
46.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
46.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 46.1.) e 46.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar a arguida na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
46.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena de prisão aplicada por igual período de tempo, ou seja, por 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.
47. Condenar o arguido TTT pela prática, em coautoria e em concurso real, de:
47.1. Um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 374º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 1 e 3, com referência aos arts. 202º, al. a) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
47.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
47.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 47.1.) e 47.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
47.4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução da pena de prisão aplicada por igual período de tempo, ou seja, por 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.
 48. Condenar a arguida Pratalusa – Unipessoal, L.da pela prática, em coautoria e em concurso real, ao abrigo do disposto no art. 11º, n.º 2 do Código Penal:
48.1. Um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 90ºA, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 374º, n.º 1 e 374º-A, n.ºs 1 e 3, com referência aos arts. 202º, al. a) e 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa;
48.2. Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2, 90º-A, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa.
48.3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares descritas sob os n.ºs 48.1.) e 48.2.), em conformidade com o disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar a arguida na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à razão diária de € 100, o que perfaz a multa total de € 30.000 (trinta mil euros).
48.4. Em conformidade com o disposto no art. 90º-D, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, substituir a pena de multa aplicada por caução de boa conduta, que se fixa em € 7.500 (sete mil e quinhentos euros), pelo prazo de 5 (cinco) anos. 
49. Condenar a arguida Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares, L.da pela prática, em coautoria, e ao abrigo do disposto no art. 11º, n.º 2 do Código Penal:
49.1. Um crime de corrupção ativa, p. e p. pelos arts. 90º-A, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5 e 374º, n.º 1, com referência ao art. 386º, n.º 1 al. d), todos do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de € 100, o que perfaz a multa total de € 12.000 (doze mil euros).
49.2. Em conformidade com o disposto no art. 90º-D, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, substituir a pena de multa aplicada por caução de boa conduta, que se fixa em € 3.000 (três mil euros), pelo prazo de 5 (cinco) anos.
49.3. Absolver a arguida da prática do crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 28º, n.ºs 1 e 2, 90º-A, n.º 1, 90º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5 e 256º, n.º 1 als. d) e e) e n.º 4 do Código Penal, que igualmente lhe vinha imputado.
50. Condenar os arguidos nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça individual em 5 (cinco) Uc’s (arts. 513º e 514º do Código de Processo Penal, art. 8º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao mesmo diploma).
51. Ao abrigo do disposto no art. 111º, n.º 1 do Código Penal, declarar perdidas a favor do Estado as quantias em dinheiro apreendidas aos arguidos EE (bem como os certificados de aforro igualmente apreendidos, tudo até ao montante total de € 19.050, determinando-se a restituição do remanescente), FF, HH, GG, JJ, MM, NN, OO, SS, VV, XX e ZZ, bem como a quantia de € 2.897,08 apreendida ao arguido LLL.
52. Declarar perdida a favor do Estado a quantia de € 1.839,60 pertencente ao arguido WW, e determinar a devolução do remanescente que ainda se mostra apreendido à ordem dos presentes autos, logo que satisfeito o pagamento das custas processuais (art. 34º, n.º 1 al. d) do Regulamento das Custas Processuais), observando-se o preceituado no art. 186º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
53. Declarar perdidas a favor do Estado as quantias monetárias apreendidas ao arguido (não pronunciado) YYY, e todas as quantias em dinheiro apreendidas no âmbito da ação encoberta.
54. Declarar perdidos a favor do Estado os certificados de aforro apreendidos ao arguido AA, com exceção dos dois primeiros, constituídos, respetivamente, em 2000 e 2007.
55. Determinar o levantamento da apreensão e a restituição aos arguidos II, FFF, EEE, PPP e MMM, das quantias monetárias que lhes foram respetivamente apreendidas, logo que satisfeito o pagamento das custas processuais (art. 34º, n.º 1 al. d) do Regulamento das Custas Processuais), observando-se o preceituado no art. 186º, n.º 3 do Código de Processo Penal. 
56. Determinar o levantamento da apreensão e a restituição aos arguidos OOO, VVV e WWW das quantias monetárias que lhes foram apreendidas, e que assim ainda se encontram à ordem dos presentes autos.  
57. Determinar o levantamento da apreensão das quantias monetárias apreendidas aos arguidos AAA e BBB, e determinar a respetiva restituição ao S.A.F. da Força Aérea.   
58. Ao abrigo do disposto no art. 109º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, declarar perdidas a favor do Estado as armas apreendidas ao arguido FFF e determinar a sua entrega à Polícia de Segurança Pública.
59. Julgar improcedente, por não provado, o incidente de liquidação deduzido pelo Ministério Público, ao abrigo do disposto nos arts. 7º, n.º 1 e 8º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, contra o arguido FFF, indeferindo-se, na totalidade, o peticionado.
60. Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o incidente de liquidação deduzido pelo Ministério Público, nos termos dos arts. 7º, n.º 1 e 8º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, contra o arguido OO e, em consequência, condenar o arguido no pagamento ao Estado da quantia de € 29.801,26 (vinte e nove mil oitocentos e um euros e vinte seis cêntimos), correspondente ao respetivo património incongruente.
Notifique e deposite.
Após trânsito:
- Remeta boletins à D.S.I.C. 
- Comunique, com cópia, ao Estado-Maior da Força Aérea.
- Comunique ao Gabinete de Recuperação de Ativos.
- Comunique à Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública o perdimento das armas a favor do Estado.”
II.  Inconformados com a respectiva decisão condenatória vieram interpor recurso
os seguintes arguidos[2]:
a) Pinguins de Gelo e Comércio, Lda., em 18-11-2020 (refª ...), junto a fls. 18025 e ss (volume 59º)
b) VV, em 21-11-2020 (refª ...), junto a fls. 18038 e ss (volume 59º)  através do qual oferece as seguintes conclusões:
c) CCC, em 24-11-2020 (refª ...), junto a fls. 18067 e ss (volume 59º)  através do qual oferece as seguintes conclusões:
d) FF, em 25-11-2020 (refª ...), junto a fls. 18076 e ss (volume 59º)  através do qual oferece as seguintes conclusões:
e) UU, em 26-11-2020 (refª ...), junto a fls. 18093 e ss (volume 59º)  através do qual oferece as seguintes conclusões:
f) MMM, em 27-11-2020 (refª ...), junto a fls. 18135 e ss (volume 59º) através do qual oferece as seguintes conclusões:
g) ZZ, em 27-11-2020 (refª ...), junto a fls. 18166 e ss (volume 59º) através do qual oferece as seguintes conclusões:
h) JJJ e Doce Cabaz, Lda., em 27-11-2020 (refª ...), junto a fls. 18199 e ss (volume 59º) através do qual oferece as seguintes conclusões:
i) GGG e M..., S.A.,
k) KK
l) EE, em 28-11-2020 (refª ...), junto a fls. 18363 e ss (volume 60º) através do qual oferece as seguintes conclusões:
m) II, LL e NN
n) HHH e C..., Lda.
o) TT,
p) Pac & Bom – Comércio e Serviços, Lda., Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda. e EEE,
q) NNN,
r) JJ,
t) BB
u) MM,
v) XX,
x) III e A... Lda.
y) OO,
z) LLL,
aa) SS
bb) RR,
cc) CC,
III. Recorreu ainda o Ministério Público
IV. Os recursos foram admitidos por despacho de 18-01-2021, com a refª ..., constante de fls. 19738 e ss[3], tendo sido fixado efeito suspensivo a todos.
V. Respondeu o MºPº através de contra-alegações juntas
VI. Responderam ao recurso interposto pelo MºPº os arguidos UU a fls. 20084 e ss (refª ...), VV a fls. 20099 e ss (refª ...), CCC a fls. 20126 e ss (refª ...), WW a fls. 20196 e ss (refª ...), XX a fls. 20212 e ss (refª ...) e ZZ a fls. 20225 e ss (refª ...), todos pugnando pela respectiva improcedência.
VII. Foi aberta vista nos termos do disposto no artº 416º nº 1 do CPP, tendo a Exmª Srª. Procurador-Geral Adjunta proferido douto parecer em 02-06-2021
VIII. Em 13-03-2019, com a refª ... (fls. 14615 e ss) foi ainda interposto recurso intercalar pelas arguidas Pac & Bom – Comércio e Serviços, Lda. e Chavibom – Comércio E Distribuição Alimentar, Lda. relativamente ao despacho proferido em sede da 18ª sessão da audiência de discussão e julgamento realizada em 11-02-2019 e constante da acta com a refª ...
IX. O recurso foi admitido por despacho de 19-03-2019 com a refª ..., que fixou efeito devolutivo e subida a final, tendo as recorrentes oferecido as seguintes conclusões
(...)
 Termos em que:
Deverá o presente recurso ser havido por procedente por provado e, em consequência, anular-se o Despacho Recorrido em toda a extensão, substituindo por outro que ordene o acesso integral (com protecção da identidade dos envolvidos) à defesa das arguidas do procedimento de acção encoberta.
Pois só assim se fará a Costumada Justiça!”
X. Ao recurso intercalar respondeu o MºPº em 29-04-2019 através de contra-alegações com refª ... nas quais apresentou as seguintes conclusões:
(...)
Termos em que se conclui que o douto despacho recorrido efectuou um correcto enquadramento jurídico-penal da situação sub judice pelo que deverá ser mantido nos seus precisos termos, com o que, decidindo pelo exposto, V. Exas., farão JUSTIÇA.”
XI. Foram colhidos os vistos e realizada audiência.
*
XII: Analisando e decidindo.
Questão Prévia:
Vieram os arguidos TT e RR reclamar para a conferência o indeferimento dos seus respectivos pedidos de realização de audiência.
O artº 411º nº 5 do Código Processo Penal, cuja epígrafe é interposição e notificação de recurso diz o seguinte:
“5 - No requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos.”  
O actual nº 5 do artº 411º do Código de Processo Penal foi introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29-08 que viria a efectuar a 15ª alteração ao Código de Processo Penal (aprovado pelo DL nº 78/87 de 17-02)[4].
Conforme se conclui no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 163/2011, publicado no Diário da República n.º 211/2011, Série II de 2011-11-03:
“Com efeito, «a Lei n.º 48/2007, de 29.8, não só suprimiu as alegações escritas, como abandonou a regra da audiência no tribunal de recurso em processo penal», tendo o legislador considerado que a supressão da possibilidade de apresentação de alegações escritas se justificava, na medida em que aquelas acabaram por se revelar “«actos processuais supérfluos», pois «a experiência demonstrou constituírem pura repetição das motivações» (ver a motivação da proposta de lei n.º 109/X)”. Além disso, "com o mesmo objectivo de celeridade processual e ponderando que a audiência já constituía um direito renunciável, o legislador consagrou a audiência no tribunal de recurso como uma excepção" (Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário ao Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2009, p. 1118).”
Ou seja, a realização de audiência passou a ser uma excepção tendo sido concedida uma mera faculdade ao respectivo recorrente pedir a sua realização.
Assim, e na senda do Acórdão do TC nº 163/2011 (acima identificado):
“a condição processual para produção de alegações orais, perante o tribunal de recurso, tal como fixada pelo n.º 5 do artigo 411.º do CPP não configura uma "eliminação", uma "redução" ou sequer uma "oneração" excessiva que diminua o âmbito e a extensão do direito fundamental de recurso penal (artigo 32.º, n.º 1, da CRP). Mesmo que o recorrente se veja privado da possibilidade de produção de alegações orais, certo é que o núcleo essencial do direito a que determinada decisão penal condenatória seja apreciada por um outro tribunal, mantém-se plenamente intacto, visto que as suas motivações escritas serão alvo de conhecimento, pela conferência resultante da alínea c) do n.º 3 do artigo 419.º do CPP.
(…) a extensão do direito ao recurso à produção de alegações orais nem sequer resulta da Lei Fundamental (artigo 32.º, n.º 1, da CRP), pelo que há que destrinçar o "direito fundamental ao recurso penal" de um (pretenso) "direito à produção de alegações orais" que, na perspectiva do recorrente, estaria ínsito naquele direito fundamental.
Em consequência, é constitucionalmente admissível que o actual regime dos recursos penais conceba a audiência de julgamento para produção de alegações orais como uma efectiva excepção ao regime normal de tramitação. Aliás, mesmo no âmbito do regime jurídico anterior à Lei n.º 48/2007, a produção de alegações orais nem sequer constituía um direito indisponível do arguido, podendo este dele prescindir.
(…) Conforme resulta da jurisprudência consolidada neste Tribunal, do direito fundamental ao recurso penal (artigo 32.º, n.º 1, da CRP) não resulta um direito de ver a questão controvertida que é objecto de recurso ser apreciada, oralmente, em audiência de julgamento. Assim ditou o Acórdão n.º 352/98 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/):
«Nada na Constituição impõe, desta sorte, que nos recursos em matéria criminal que versem somente sobre matéria de direito deva haver lugar a uma audiência subordinada aos princípios da imediação e da oralidade.»
É este entendimento que se sufraga e reitera, considerando-se que a eventual ausência de uma fase de audiência de julgamento de recurso, mediante produção de alegações orais, não conflitua com o direito fundamental ao recurso penal (artigo 32.º, n.º 1, da CRP).” – sublinhado nosso
Ora, no caso em apreço, constata-se que os recorrentes TT e RR, que, nos seus respectivos recursos, requereram a realização de audiência ao abrigo do artº 411º nº 5 do CPP, não cumpriram o ónus legal imposto em tal preceito uma vez que não vieram indicar os concretos pontos da sua motivação que pretendem debater.
O que ambos os arguidos pediram nos seus respectivos recursos foi a realização da audiência sobre toda a matéria e todos os pontos dos respectivos recursos.
Ora, remeter, na íntegra e sem discriminação, para tudo quanto fora alegado nas motivações e tudo quanto fora condensado nas conclusões não cumpre o ónus contido no nº 5 do artº 411º do CPP que claramente impõe o ónus de “especificar os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos.”
Especificar significa escolher, de entre um grupo maior de argumentos, aqueles que pretende ver especificamente, isto é, concretamente, debatidos.
Conforme entendimento propugnado pelo Tribunal Constitucional no acórdão acima identificado:
“No caso em apreço, é inquestionável que a sujeição do recorrente a um ónus processual de identificação dos pontos da motivação de recurso que pretende discutir, mediante alegações orais, constitui medida adequada e idónea a assegurar uma maior eficiência e celeridade na tramitação processual penal (neste sentido, apontando a consagração da audiência, para produção de alegações orais, como um situação excepcional, à luz do novo regime de recurso, ver Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2009, p. 1118). Com efeito, tal medida tanto permite ao julgador (e aos recorridos, em particular ao Ministério Público, que exerce a acção penal) preparar(em) as questões a discutir em audiência de julgamento - note-se, a este propósito, que cabe ao Relator junto do tribunal recorrido, elaborar uma "exposição sumária sobre o objecto do recurso, na qual enuncia as questões que o tribunal entende merecerem exame especial" (artigo 423.º, n.º 1, do CPP) - como, simultaneamente, implica um esforço adicional dos recorrentes na compressão e síntese dos pontos da motivação a discutir, oralmente, em audiência.”
Ora, no caso em apreço dois dos oito arguidos que requereram a realização de audiência nos termos do artº 411º nº 5 do CPP não cumpriram com o ónus que lhes incumbia de especificar os concretos pontos da sua motivação que pretendem ver debatidos.
Esses dois recorrentes são TT e RR que remeteram em bloco para tudo quanto discutem nos seus respectivos recursos pois que o arguido TT quer a realização de audiência para “toda a materialidade conexa ao recurso” enquanto que o arguido RR quer ver debatido em sede de audiência “todos os pontos da motivação”.
Ora, a falta de especificação dos concretos pontos da motivação que os recorrentes pretendiam ver debatidos oralmente em sede de audiência impediu a respectiva Relatora de efectuar uma exposição sumária sobre o objecto do recurso, nos termos do disposto no artº 423º nº1 do CPP.
E, consequentemente, obstou à realização da requerida audiência.
Conforme explana o Tribunal Constitucional no recurso já referido:
“É certo que o n.º 5 do artigo 411.º do CPP fixa um ónus processual de natureza preceptiva. É igualmente certo que a omissão do cumprimento de tal ónus processual impossibilita o julgador de proceder ao agendamento e realização de audiência de julgamento de recurso, mediante produção de alegações orais pelo recorrente.
(…) a falta de indicação dos pontos da motivação de recurso, de acordo com a interpretação normativa, apenas implica a não produção de alegações orais, mas exige sempre - desde que cumpridos os demais pressupostos processuais de conhecimento - a apreciação da motivação e respectivas conclusões de recurso, por parte do tribunal recorrido. – sublinhado nosso
Motivo pelo qual o Tribunal Constitucional conclui que:
“Não se afigura que a interpretação normativa em causa seja desproporcionada, por violação do princípio da necessidade.”
O arguido TT ainda entende que o despacho que lhe indeferiu a realização de julgamento padece da nulidade prevista no artº 120º nº 2 al. d) do CPP por o MºPº não se ter pronunciado sobre o recurso por si interposto.
Afigura-se-nos que o arguido em referência não leu correctamente a norma que invoca pelo que aqui a reproduzimos:
“2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais:
d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.”
Pergunta-se como é que a falta de eventual pronúncia por parte do MºPº nos termos do artº 417º nº 2 do CPP pode ser considerada uma omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade?
Esta nulidade no que tange à segunda parte da norma em apreço, diz respeito ao processo ainda em fase de obtenção da prova e não em fase de recurso, ademais quando o MºPº não vai, com o seu visto ou parecer, contribuir para a descoberta da verdde que só se coloca na fase do julgamento.
Por outro lado, não é verdade que o MºPº não se tenha pronunciado acerca dos recursos, uma vez que no fim da audiência, à Exmª Srª Procuradora-Geral Adjunta foi dada a palavra para tecer todas as considerações que tivesse por pertinentes não estando impedida de o fazer em relação a todos os recursos.
Por fim, nos termos do disposto no artº 417º nº 2 do CPP, é lícito ao MºPº simplesmente apor o seu visto, sem nenhum parecer emitir.
O que interessa é que o MºPº tenha acesso ao processo e que o possa analisar, sendo por isso que os autos lhe vão com vista nos termos do artº 416º do CPP mesmo antes de irem à mão do Relator.
E foi isso que aconteceu, motivo pelo qual não se vislumbra a invocada nulidade.
Refere o arguido RR que o despacho que indeferiu o seu pedido de realização de audiência padece da nulidade prevista na al. e) do artº 119º do CPP porquanto a Relatora não tinha competência para proferir tal despacho tendo sido violadas as normas contidas nas alíneas a) e f) do artigo 73.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, no artigo 12.º n.ºs 1, 3 alínea e) e 4 do Código de Processo Penal e no artigo 417.º n.ºs 1 a 7 e 9 do mesmo Código.
Vejamos.
O artº 119º al. e) do Código de Processo penal considera uma nulidade insanável a violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º
O disposto no artº 12º do Código de Processo Penal apenas determina o funcionamento geral das Relações em materia penal não se podendo retirar deste artigo, mormente dos seus nºs 1, 3 al. e) e 4, que a decisão de indeferir a realização de julgamento seja da competência do Tribunal Colectivo e não apenas do Relator.
Aliás, as normas invocadas são de índole genérico, referente apenas e tão só às Relações, e em relação às secções, sendo que as normas específicas, que definem os poderes do Relator, encontram-se prevsitas nos artºs 417º e ss do CPP.
Sendo que a actividade desenvolvida pelo Relator pode ser sindicado através de reclamação para a conferência.
Assim, nos termos do disposto no artº 12º nº 3 al. b) do CPP compete às secções criminais, compostas por três juízes, julgar os recursos e, o mesmo se diga em relação ao artº 73º da LOSJ, no entanto, nos termos do disposto no artº 417º nº 6 do CPP o Relator pode proferir decisão sumária, ou seja, pode até decidir sozinho o recurso, podendo esta decisão ser sindicada através de reclamação para a conferência nos termos do nº 8 do mesmo artº 417º.
Como compete ao Relator fazer o exame preliminar do recurso e, assim, decidir se a realização de audiência de discussão e julgamento é ou não admissível uma vez que se trata de uma decisão de mera conformidade com a norma ínsita no nº 5 do artº 411º do CPP e não uma decisão de mérito sobre o objecto do recurso.
Sob pena de não haver qualquer razão para o Relator ter um exame preliminar, e muito menos, elaborar o projecto de acórdão.
As normas invocadas pelo recorrente RR não permitem concluir-se pela falta de competência do Relator para proferir a decisão de indeferir a audiência de julgamento, que é um acto facultativo e delimitado no seu escopo como já vimos, pelo que não se verifica a nulidade prevista na al. e) do artº 119º do CPP suscitada por este recorrente.
Entende ainda o arguido RR que o despacho que indeferiu a realização de audiência padece da nulidade prevista na al. b) do artº 119º do CPP porquanto se verifica a ausência de facto do Ministério Público no Julgamento do Recurso.
Temos alguma dificuldade em compreender o escopo da arguição desta nulidade a não ser que o recorrente em apreço pretende litigar por litigar uma vez que o MºPº esteve presente na audiência de julgamento que foi realizada no âmbito deste processo.
Por outro lado, sendo a realização de audiência uma faculdade, se ela não ocorrer o MºPº não tem de estar presente em diligência que não se realiza.
Entende ainda o recorrente RR que o despacho que lhe indeferiu a realização de julgamento padece da nulidade de omissão de pronúncia uma vez que o “Despacho Reclamado contém implícita a decisão prevista na alínea b) do número 7 do mesmo artigo 417.º, no sentido de não haver lugar a renovação da prova.”
Mais “face ao disposto nos artigos 419.º n.º 3 alínea c) e 430.º do Código de Processo Penal, trata-se de questão sobre a qual não poderia ter deixado de haver decisão explicita, ou expressa, e devidamente fundamentada, mostrando-se quanto a essa questão o Despacho viciado de nulidade por omissão de pronúncia, precisamente por violação do disposto nos artigos 417.º n.º 6 alínea a), 419. n.º 3 e 430º citados.”
O Tribunal, seja ele de primeira instância, a Relação ou o STJ só tem de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas.
No caso dos autos, nenhum dos recorrentes que requereu a realização de audiência pediu a renovação da prova, por isso, não era assunto que tivesse de ser decidido no despacho em apreço.
Quanto aos artigos invocados afigura-se-nos que o arguido labora em erro quanto à sua respectiva interpretação uma vez que o artº 417º nº 6 al. a) do CPP diz respeito à situação em que o Relator profere decisão sumária sempre que alguma circunstância obsta ao conhecimento do mérito do recurso, o que não é o caso, pois nada obsta a que se conheça de todos os recursos interpostos no âmbito deste processo e não foi proferida qualquer decisão sumária nos termos do nº 6, tendo os autos seguido para julgamento e posterior decisão colectiva.
O artº 419º nº 3 do CPP apenas indica as situações em que o recurso é julgado em conferência, mas os presentes autos foram julgados após julgamento pelo colectivo de juízes desembargadores.
Por outro lado, não tendo sido requerida a renovação da prova não há que se pronunciar sobre algo que não é requerido.
Por fim, o artº 430º do CPP diz respeito a uma situação em que a Relação se depare com vícios do artº 410º do CPP em relação aos quais, se houver renovação de prova, evita-se o reenvio mas, isso só tem relevância se e quando a Relação constata a existência dos referidos vícios e se constatar que pode poupar um reenvio.
Ora, nada disso tem de constar de um despacho em que haja pronúncia acerca da admissibilidade ou não de julgamento requerido por um dos recorrentes.
Aliás, estranha-se que o recorrente entende que o Relator tem de se pronunciar acerca da renovação da prova, mesmo que esta não tenha sequer sido requerida, mas depois entende que o Relator já não tem competências para se pronunciar acerca da admissibilidade legal formal (e não de mérito) de um pedido de audiência.
Pelo que não se verifica, de todo, qualquer nulidade por omissão de pronúncia.
Insurge-se ainda este arguido quanto ao facto de ter havido um despacho de aperfeiçoamento proferido pela mesma Relatora que lhe indeferiu a realização de julgamento por entender que era nesse despacho que deveria também ter sido convidado a concretizar os pontos que pretendia ver debatidos em sede de julgamento.
Afigura-se-nos que o recorrente não leu convenientemente o disposto no artº 417º nº 3 do CPP pelo aqui o reproduzimos:
“Se das conclusões do recurso não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º, o relator convida o recorrente a completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afetada. Se a motivação do recurso não contiver as conclusões e não tiver sido formulado o convite a que se refere o n.º 2 do artigo 414.º, o relator convida o recorrente a apresentá-las em 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado.”
Em parte alguma se faz referência no citado preceito à obrigatoriedade de se notificar o recorrente para concretizar os pontos que pretende ver discutidos em sede de julgamento nos termos do artº 411º nº 5 do CPP.
Insurge-se ainda o arguido RR contra o despacho reclamado por entender “que em processos com mais do que um recorrente e um recurso interposto da mesma decisão, havendo lugar à realização de Audiência, por ter sido requerida ou por se mostrar necessária a renovação da prova nos termos do artigo 430.º, todos os recursos devem ser julgados em Audiência”.
Contudo não é isto que resulta da lei processual penal que atribuiu ao julgamento um carácter facultativo, e excpecional, não fazendo sequer qualquer sentido que, pelo facto de 8 de entre dezenas de arguidos recorrentes, que pediram realização de audiência se tenha de julgar todos os recusos em audiência.
Isso não só violaria o disposto no artº 411º nº 5 do CPP que exige que a audiência tenha um objecto já definido, o que faltaria se a Relação decidisse por moto próprio julgar todos os recursos em sede de julgamento, como desvirtuaria todo o sistema de recursos que foi implementado pelo legislador que “consagrou a audiência no tribunal de recurso como uma excepção. Para que a audiência tenha lugar no tribunal de recurso, o recorrente tem de manifestar a sua vontade nesse sentido.”[5]
E, novamente se nos afigura que o recorrente não leu com a devida atenção o disposto no artº 414º nº 8 do CPP que diz o seguinte:
“Havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto.” – sublinhado nosso
Ser julgado pelo mesmo Tribunal que julga a matéria de facto não é a mesma coisa que ser julgado em audiência.
Novamente o arguido labora em erro uma vez que é o mesmo Tribunal de Recurso, composto pelo mesmo colectivo de juízes desembargadores que vão decidir todos os recursos interpostos no âmbito deste processo, não sendo verdade que são tribunais diferentes.
Aliás, é proferido um único acórdão e a deliberação é só uma.
Por fim, entende o arguido RR que “a norma do artigo 411.º n.º 5 do Código, invocada no Despacho em fundamento da decisão aqui reclamada, é inconstitucional por violação do artigo 18.º n.º 2 da Constituição” o que já vimos não ser o caso.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou em inúmeras ocasiões, em exemplos que foram logo citados no despacho reclamado, acerca da alegada restrição do direito de recorrer.
Conforme também refere Paulo Pinto Albuquerque[6]:
“O abandono da regra da audiência no tribunal de recurso não viola as garantias de defesa, incluindo o direito do arguido ao recurso…porquanto o direito ao recurso não inclui necessariamente a realização de uma audiência de julgamento…”
Face ao exposto a realização de audiência nos termos do artº 411º nº 5 do CPP só podia ser indeferida em relação aos recorrentes TT e RR, motivo pelo qual se confirma essa decisão.
Veio ainda o arguido RR arguir “a nulidade do prazo concedido aos Senhores Desembargadores para “os vistos” por ser também manifestamente insuficiente para a necessária apreciação de todas as questões sobre julgamento.”
Ora, não só o arguido não identifica a norma que teria sido violada pelo facto de, na sua óptica, o prazo concedido para os vistos ser insuficiente como, não subsume a nulidade por si invocada em nenhuma norma processual penal que o permitisse.
Que nulidade é esta que o arguio RR invoca?
Qual o prazo legal de que dispõem os senhores juízes desembargadores adjuntos para os vistos?
Ora, os vistos estão previstos no artº 418º do Código de Processo Penal que determina o seguinte:
“1 - Concluído o exame preliminar, o processo, acompanhado do projecto de acórdão se for caso disso, vai a visto do presidente e do juiz-adjunto e depois à conferência, na primeira sessão que tiver lugar.
2 - Sempre que a natureza do processo e a disponibilidade de meios técnicos o permitirem, são tiradas cópias para que os vistos sejam efectuados simultaneamente.”
Como se retira, com facilidade, da leitura da norma em apreço não está estabelecido qualquer prazo para os vistos, apenas que os mesmos devem ocorrer antes da realização da conferência.
Mas mesmo assim é legalmente possível dispensar os vistos.
Por outro lado, quando se determina o cumprimento dos vistos o projecto do acórdão já se encontra elaborado pelo que os vistos são uma mera formalidade processual sem qualquer influência na deliberação que é tomada quanto à decisão a proferir.
No caso em apreço, dada a especial complexidade dos autos, fruto do número elevado de recursos e dos temas sucitados, o projecto deste acórdão esteve em elaboração durante vários meses como não podia deixar de ser, sendo que os juízes desembargadores que intervieram na deliberação obviamente que tiveram todo o tempo julgado necessário para analisar e discutir o projecto, não sendo o momento dos vistos minimamente reflexo do tempo real que foi concedido para o estudo das matérias trazidas à discussão deste Tribunal de recurso.
Assim, não tendo sido violada nenhuma norma processual, nem tendo sido identificada a nulidade que é suscitada, a qual não existe em termos processuais, e porque os senhores juízes desembargadores que intervêm nesta decisão puderam dispor de todo o tempo necessário, bem como puderam consultar os autos em qualquer momento, claro se torna ver que não existe qualquer nulidade processual e muito menos a nulidade invocada, mas não identificada, pelo arguido RR.
*
Dos recursos:
 O objecto dos recursos, e portanto da nossa análise, está delimitado pelas respectivas conclusões desses mesmos recursos, atento o disposto nos artºs 402º, 403º e 412º todos do CPP devendo, contudo, o Tribunal ainda conhecer oficiosamente dos vícios elencados no artº 410º do CPP que possam obstar ao conhecimento do mérito do recurso.[7]
Das disposições conjugadas dos artºs 368º e 369º, por remissão do artº 424º nº 2, e ainda o disposto no artº 426º, todos do Código de Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso, pela seguinte ordem:
1º: das questões que obstem ao conhecimento do mérito da decisão, aqui incluindo-se as nulidades previstas no artº 379º e os vícios constantes do artº 410º, ambos do CPP;
2º: das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do artº 412º do CPP;
3º: as questões relativas à matéria de Direito.
Em suma:
A arguida Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares Lda.  entende que:
- o acórdão padece de insuficiência da matéria de facto, de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova – os três vícios previstos no artº 410º nº 2 als. a), b) e c) do CPP;
-  pelo que, consequentemente, impugna a matéria de facto;
- houve violação do princípio in dúbio pro reo;
- há erro na subsunção jurídica dos factos aos crimes que lhe foram imputados, pois que, tendo sido absolvida do crime de falsificação de documento não podia, consequentemente, ser condenada pelo crime de corrupção;
- a medida concreta da pena foi mal determinada havendo violação do disposto nos artºs 70º e 71º do Código Penal, mostrando-se desproprocional.
O arguido VV entende que:
- há nulidade do acórdão nos termos do artº 379º nº 1 al. a) do CPP uma vez que há falta de exame crítico da prova nos termos do artº 374º nº 2 do CPP;
- houve erro de julgamento pelo que impugna a matéria de facto;
- houve violação do princípio in dúbio pro reo;
- suscita a inconstitucionalidade do artº 127º do Código Processo Penal nos moldes aplicados pelo Tribunal a quo;
- a medida concreta da pena foi mal determinada havendo violação do disposto nos artºs 70º e 71º do Código Penal, mostrando-se desproprocional.
O arguido CCC entende que:
- o acórdão padece de insuficiência da matéria de facto, e de erro notório na apreciação da prova – artº 410º nº 2 als. a) e c) do CPP;
-  bem como houve erro de julgamento;
- pelo que, consequentemente, impugna a matéria de facto.
O arguido FF entende que:
- a medida concreta da pena, bem como da pena acessória, foi mal determinada havendo violação do disposto nos artºs 70º e 71º do Código Penal, mostrando-se desproprocional;
- a pena acessório não é de natureza automática.
O arguido UU entende que:
- há nulidade do acórdão nos termos do artº 379º nº 1 al. c) do CPP, por omissão de pronúncia, uma vez que não foi analisada a questão por si suscitada na sua contestação acerca da aplicação da pena acessória;
- há nulidade da própria acusação por violação do disposto no artº 283º nº 3 al. c) CPP;
- há igualmente nulidade do acórdão nos termos do artº 379º nº 1 al. b) do CPP uma vez que o Tribunal a quo condenou o arguido numa pena acessória que não contém factos na acusação, violando, assim, o artº 358º do CPP;
- há insuficiência de factos para a agravação do crime de corrupção, nos termos do artº 410º nº 2 al. a) do CPP;
- sendo que haverá sempre erro de julgamento, pelo que impugna a matéria de facto;
- existe um concurso meramente aparente, e não real, entre os crimes de falsificação de documento e corrupção, pelos quais foi condenado;
- a aplicação da pena acessória assentou num conceito de funcionário que não coincide com o conceito utilizado pelo Tribunal a quo aquando da subsunção dos factos ao crime de corrupção;
- consequentemente o acórdão padece de uma inconstitucionalidade, por violação do artº 29º da CRP, na aplicação que foi efectuada do artº 66º nº 1 do Código Penal;
- a medida concreta da pena, foi mal determinada havendo violação do disposto nos artºs 70º e 71º do Código Penal, devendo ter beneficiado de uma diminuição da ilicitude constante do artº 72º do CP atenta a estrutura hierárquica em que agiu.
O arguido MMM entende que:
- houve erro de julgamento e impugna a matéria de facto.
O arguido ZZ entende que:
- houve erro de julgamento e impugna a matéria de facto;
- houve falta de exame crítico da prova produzida com violação do artº 374º nº 2 CPP ferindo o acórdão de nulidade;
- a prova resultante da acção do agente encoberto é nula nos termos do artº 126º nº 2 do CPP pois esse agente actuou como agente provocador;
- houve violação do princípio in dúbio pro reo;
-  a medida concreta da pena foi mal determinada havendo violação do disposto nos artºs 70º e 71º do Código Penal, mostrando-se desproporcional.
Os arguidos JJJ e Doce Cabaz, Lda.  entendem que:
- o acórdão é nulo por violação do artº 355º CPP por ter sido valorada prova documental que não foi analisada em sede de julgamento, sendo por isso, igualmente, inconstitucional;
- a decisão recorrida padece de erro notório da apreciação da prova revelando o vício do artº 410º nº 2 al. c) CPP;
- o acórdão padece ainda da nulidade do artº 379º nº 1 al. b) do CPP por condenar os recorrentes por factos diferentes daqueles que constam da Acusação/Pronúnica;
- houve erro de julgamento e impugna a matéria de facto;
- houve violação do princípio in dúbio pro reo;
- não se mostram preechidos os elementos objectivos do crime de corrupção activa;
- não há co-autoria entre os recorrentes e todos os restantes arguidos pois os recorrentes só se relacionaram com os oficiais das messes e não com os outros fornecedores e militares;
- a integração na norma do crime de falsificação de documento está inocrrecta uma vez que os recorrentes não são funcionários;
-  a medida concreta da pena, tal como as penas acessórias aplicadas, foram mal determinadas havendo violação do disposto nos artºs 70º e 71º do Código Penal, mostrando-se desproporcional;
- havia possibilidade de se fazer um juízo de prognose favorável devendo a pena ter sido suspensa na sua execução;
- o Tribunal a quo valorou para efeitos de determinação da pena o silêncio dos recorrentes o que é inconstitucional por violação do artº 32º da CRP.
Os arguidos GGG e M..., S.A. entendem que:
- o acórdão padece de erro notório na apreciação da prova, insuficiência para a decisão de matéria de facto e contradição entre a fundamentação e decisão nos termos do artº 410º nº 2 als. a), b) e c) do CPP;
- consequentemente, impugna a matéria de facto;
- houve violação do princípio in dúbio pro reo;
-  a medida concreta da pena foi mal determinada havendo violação do disposto nos artºs 70º e 71º do Código Penal, mostrando-se desproporcional.
O arguido AA entende que:
- o acórdão padece ainda da nulidade do artº 379º nº 1 al. b) do CPP por condenar o recorrente por factos diferentes daqueles que constam da Acusação/Pronúnica fora dos casos previstos nos artºs 358º e 359º do CPP;
- a prova é nula nos termos do artº 126º do CPP uma vez que o arguido foi condenado exclusivamente com base em declarações de co-arguido;
- a prova também é nula nos termos do artº 126º nº 2 do CPP por resultar de agente encoberto que actuou como agente provocador;
- houve erro de julgamento pelo que impugna a matéria de facto;
- o artº 4º da Lei nº 101/2001 de 25-08 é inconstitucional porque deve ser permitido ao arguido acesso ao processo do agente encoberto;
- não se mostra preenchido o tipo legal de corrupção activa uma vez que não foram violados pelo arguido deveres do cargo;
-  a medida concreta da pena foi mal determinada havendo violação do disposto nos artºs 70º e 71º do Código Penal, mostrando-se desproporcional.
- a aplicação da sanção acessória mostra-se desprovida de utilidade face à reforma do arguido.
O arguido KK entende que:
- o acórdão padece dos vícios previstos no artº 410º nº 2 als. a), b) e c) do CPP;
- consequentemente impugna a matéria de facto;
- foi violado o princípio da igualdade do artº 13º da CRP uma vez que o recorrente foi condenado com base nas declarações de co-arguido quando essas mesmas declarações não serviram para pronunciar outros co-arguidos;
- foi igualmente violado o princípio da igualdade quando o Tribunal distinguiu entre arguidos que falaram e os que se remeteram ao silêncio para fixar a medida da pena;
- a conduta do arguido não integra a previsão do artº 26º do CP pois não estava ao seu alcance tomar parte na execução dos actos ilícitos;
- houve violação do princípio in dúbio pro reo.
O arguido EE entende que:
- houve violação do dever de fundamentação quando o Tribunal a quo equipara todos os arguidos arrependidos, violando, assim, o artº 374º º 2 CPP o que fere o acórdão de nulidade;
- o Tribunal a quo violou o princípio da igualdade ao equiparar todos os arguidos que confessaram pois a sua intervenção não é igual;
- o acórdão também está ferido das nulidades previstas no artº 379º nº 1 als. b) e c) do PP uma vez que o Tribunal, ao aplicar a pena acessória, substitui-se ao MºPº;
- houve violação do princípio in dúbio pro reo no que tange aos certificados de aforro do arguido que foram apreendidos e consequentemente declarados perdidos a favor do Estado;
- a medida da pena, considerando o elevado contributo que a confissão do arguido teve mostra-se desproporcional, devendo ser reduzida.
Os arguidos II, LL e NN entendem que:
- o acórdão padece de falta de pronúncia no tocante à análise de prognose favorável aquando da determinação da pena o que implica a nulidade do artº 379º nº 1 al. c) do CPP;
- houve violação do dever de fundamentação previsto no artº 374º º 2 CPP quer no que tange à fixação dos factos, quer no que tange à aplicação da pena acessória o que fere o acórdão de nulidade nos termos do artº 379º nº 1 al. a) do CPP;
- houve erro de julgamento pelo que impugnam a matéria de facto;
- houve contradição entre alguns factos dados por provados e a respectiva fundamentação (vício previsto no artº 410º nº 2 al. b) do CPP);
- houve violação do princípio in dúbio pro reo;
- foram valoradas as declarações de co-arguido de forma incorrecta e não admissível.
Os arguidos HHH e C..., Lda. entendem que:
- o acórdão padece de insuficiência para a decisão de facto bem como de erro notório nos termos do artº 410º nº 2 als. a) e c) do CPP;
- houve erro de julgamento pelo que impugna a matéria de facto;
- houve violação do princípio in dúbio pro reo;
- foi violado o disposto no artº 126º do CPP;
- não se mostram preenchidos os elementos do respectivo tipo legal.
- foram valoradas as declarações de co-arguido de forma incorrecta e não admissível.
O arguido TT entende que:
- o acórdão padece da nulidade do artº 379º nº 1 al. b) do CPP por condenar o recorrente por factos diferentes daqueles que constam da Acusação/Pronúnica fora dos casos previstos nos artºs 358º e 359º do CPP;
- o acórdão é igualmente nulo por incumprimento parcial do dever de fundamentação na modalidade de falta de exame crítico nos termos do artº 379º nº 1 al. a) do CPP;
- há contradição insanável na fundamentação (artº 410º nº 2 al. b) do CPP);
- houve erro de julgamento pelo que impugna a matéria de facto;
- houve violação do princípio in dúbio pro reo;
- foram valoradas as declarações de co-arguido de forma incorrecta e não admissível.
- não se verifica o crime de corrupção mas, quando muito, o de participação económico em negócio previsto no artº 377º nº 1 do CP;
- não há concurso efectivo entre os crimes de falsificação e corrupção mas apenas um concurso aparente;
- a medida concreta da pena, foi mal determinada havendo violação do disposto nos artºs 70º e 71º do Código Penal, devendo ter beneficiado de uma diminuição da ilicitude constante do artº 72º do CP atenta a estrutura hierárquica em que agiu.
- há fundamento para se considerar a existência de prognose favorável o que levaria à suspensão da execução da pena.
Os arguidos Pac & Bom – Comércio e Serviços Lda., Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda. e EEE entendem que:
a) em relação ao acórdão:
- houve erro de julgamento pelo que impugnam a matéria de facto;
- houve violação do princípio in dúbio pro reo;
- há nulidade da prova nos termos do artº 126º do CPP uma vez que o agente encoberto agiu como agente provocador levando a prova a ter sido obtida por meios enganosos;
- o Tribunal a quo ao não permitir a consulta do processo do agente encoberto violou os artºs 18º nºs 2 e e 32º nº 1 da CRP pois tal restringiu de forma desproporcional os direitos de defesa dos arguidos;
- a forma como o Tribunal a quo interpretou o regime jurídico da Acção Encoberta ameaçou o princípio nullum crimen sine lege certa;
- as apreensões realizadas no dia 03-11-2016 são nulas;
- o acórdão violou o processo equitativo previsto no artº 6º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem;
- o agente encoberto não podia ser um militar da Força Aérea por tal acção estar incumbida à Polícia Judiciária;
- há uma nulidade insanável nos termos do artº 119º al. e) do CPP uma vez que a acção encoberta teria de ser validada pelo Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal mas a intervenção veio do JIC ..., numa clara violação do Juiz Natural;
- a medida da pena mostra-se desproporcional, devendo ter sido reduzida e pelo menos suspensa na sua execução.
b) em relação ao despacho de 11-02-2019: (recurso intercalar)
- a decisão do tribunal a quo no sentido de entender não ser este o momento pertinente para interpretar as declarações dos arguidos e com esse fundamento indeferir o pedido de junção aos autos do procedimento integral de acção encoberta nº16/2015, é inconstitucional, pois viola o disposto no artº 20º/1 e 4 (Direito de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses protegidos e ainda o direito a um processo equitativo), viola ainda o artº 32º/1 e 5 (Direito às garantias de defesa no processo penal e à estrutura acusatória do processo) ambos da Constituição da República Portuguesa;
- a fundamentação do despacho ora recorrido tem contradições em si mesmo, o que constitui uma nulidade processual;
- o despacho contém uma violação do princípio da igualdade de armas e do princípio do contraditório, previstos no artº 32º/5 da CRP;
A arguida NNN entende que:
- houve erro de julgamento pelo que impugna a matéria de facto, devendo ser absolvida.
O arguido JJ entende que:
- o acórdão padece de nulidade por falta de fundamentação da aplicação da pena acessória nos termos dos artºs 374º nº 2 e 379º nº 1 do CPP;
- a pena acessória não é de aplicação automática;
- é debatível a qualidade de funcionário do arguido atenta a sua condição de militar;
- a pena acessória concretamente aplicada ao arguido é desproporcional, devendo o mesmo ter beneficiado de uma atenuação especial nos termos dos artºs 72º CPP e 374º-B nº 2 al. a) do CP.
O arguido GG entende que:
- o acórdão padece de nulidade por falta de fundamentação da aplicação da pena acessória nos termos dos artºs 374º nº 2 e 379º nº 1 do CPP;
- a pena acessória não é de aplicação automática;
- é debatível a qualidade de funcionário do arguido atenta a sua condição de militar;
- a pena acessória concretamente aplicada ao arguido é desproporcional, devendo o mesmo ter beneficiado de uma atenuação especial nos termos dos artºs 72º CPP e 374º-B nº 2 al. a) do CP.
O arguido BB entende que:
- o acórdão padece de nulidade insanável por estar assente numa prova proibida uma vez que o agente encoberto é na realidade um agente provocador (artº 126º nº 2 al. a) do CP e artº 32º nº 2 da CRP);
- é igualmente nula por o Tribunal a quo se ter pronunciado sobre matéria de que não podia – processo disciplinar nº 56/09 (artº 379º nº 1 al. c) CPP);
- houve erro de julgamento pelo que impugna a matéria de facto;
- a única prova apresentada resulta das declarações de co-arguido e nessa medida, não havendo corroboração por fonte externa, não podem valer;
- houve erro na apreciação da prova nos termos do artº 410º nº 2 al. c) CPP;
- existe errada qualificação jurídica do crime de corrupção passiva agravada pois não se mostram preenchidos os seus elementos;
- a medida da pena mostra-se desproporcional, devendo ter sido reduzida e suspensa na sua execução;
- não se mostram preenchidos os pressupostos para aplicação da pena acessória nos termos do artº 66º do CP, devendo a mesma ser revogada.
O arguido MM entende que:
- a acusação apresentada pelo MºPº padece de nulidade por ser genérica, imprecisa e vaga;
- consequentemente o acórdão é nulo por violar o artº 284 do CPP bem como os princípios constitucionais de igualdade e separação de poderes contidos nos artºs 13º e 111º da CRP;
- o acórdão é igualmente nulo nos termos dos artºs 374º, 375º nº1 e 379º nº 1 al. c) do CPP porque não se pronunciou sobre a suspensão da execução da pena que aplicou ao recorrente;
- houve erro de julgamento pelo que impugna a matéria de facto;
- houve violação do princípio da presunção de inocência;
- a única prova apresentada resulta das declarações de co-arguido e nessa medida, não havendo corroboração por fonte externa, não podem valer;
-  a medida concreta da pena foi mal determinada havendo violação do disposto nos artºs 70º e 71º do Código Penal, mostrando-se desproporcional.
O arguido XX entende que:
- houve erro de julgamento pelo que impugna a matéria de facto;
- a decisão do Tribunal a quo padece de falta de exame crítico (artº 374º nº 2 CPP);
- o agente encoberto agiu como agente provocador e por isso a prova documental obtida através da acção encoberta é nula;
- não se verificam os elementos integradores dos crimes imputados ao recorrente;
- a medida concreta da pena foi mal determinada havendo violação do disposto nos artºs 70º e 71º do Código Penal, mostrando-se desproporcional.
Os arguidos FFF e Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda. entendem que:
- a interpretação que o Tribunal a quo faz do conceito de funcionário em relação aos arguidos militares é inconstitucional por violação do disposto no artº 29º nºs 1 e 3 d CRP bem como do artº 7º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
- o acórdão recorrido padece de falta de fundamentação sendo por isso nulo nos termos dos artsº 374º nº 2 e 379º nº 1 al. a) do CPP;
- o acórdão padece de insuficiência da matéria de facto para a decisão nos termos do artº 410º nº 2 al. a) do CPP;
- o agente encoberto agiu como agente provocador pelo que a prova obtida por sse agente é nula nos termos do artº 126º do CPP;
- houve erro de julgamento pelo que impugna a matéria de facto;
- houve violação do princípio da presunção de inocência;
- a medida concreta da pena foi mal determinada havendo violação do disposto nos artºs 70º e 71º do Código Penal, mostrando-se desproporcional.
Os arguidos III e A... Lda. entendem que:
- a interpretação que o Tribunal a quo faz do conceito de funcionário em relação aos arguidos militares é ilegal porque assenta numa interpretação analógica/extensiva e consequentemente é inconstitucional por violação do disposto no artº 29º nºs 1 e 3 d CRP bem como do artº 7º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
- o acórdão recorrido padece de falta de fundamentação sendo por isso nulo nos termos dos artsº 374º nº 2 e 379º nº 1 al. a) do CPP;
- o acórdão padece de insuficiência da matéria de facto para a decisão nos termos do artº 410º nº 2 al. a) do CPP;
- houve erro de julgamento pelo que impugna a matéria de facto;
- o Tribunal a quo assentou a sua convicção essencialmente em prova documental que não foi exibida em sede de julgamento violando assim o artº 355º do CPP;
- houve violação do pricnípio da presunção de inocência;
- existe um concuso meramente aparente entre os crimes de falsificação e corrupção e não um concurso real como o Tribunal a quo julgou;
- a medida concreta da pena foi mal determinada havendo violação do disposto nos artºs 70º e 71º do Código Penal, mostrando-se desproporcional.
O arguido OO entende que:
- o acórdão padece da nulidade prevista no artº 379º nº 1 al. b) do CP porquanto o recorrente foi condenado por factos que divergem dos constantes da acusação;
- houve erro notório na apreciação da prova e existem contradições insanáveis na matéria de facto (artº 410º nº 2 als. a) e c) CPP);
- pelo que impugna a matéria de facto.
O arguido LLL entende que:
- houve erro de julgamento pelo que impugna a matéria de facto e pede absolvição.
O arguido SS entende que:
- o acórdão padece da nulidade proveniente da falta de exame crítico da prova (artº 374º nº 2 CPP);
- existe erro de apreciação na prova pelo que impugna a matéria de facto;
- houve violação do princípio in dúbio pro reo e da presunção de inocência;
-  a medida concreta da pena foi mal determinada havendo violação do disposto nos artºs 70º e 71º do Código Penal, mostrando-se desproporcional.
O arguido RR entende que:
- o procedimento criminal mostrava-se prescrito quando o recorrente foi constituído arguido;
- suscita a inconstitucionalidade dos artºs 119º nº 1 e 374º nº 1 do CP, na versão posterior à entrada em vigor do DL nº 48/95 de 15-03 (versão vigente em 2006) e do artº 373º nº 1 (na versão actualmente em vigor) na interpretação normativa seguida pelo Tribunal a quo;
- suscita ainda a inconstitucionalidade do artº 118º do CP na interpretação normativa que permitisse a condenação em pena criminal por um crime relativamente ao qual o procedimento criminal, face à Acusação ou à Pronúncia se mostrasse prescrito;
- o acórdão padece de uma contradição insanável na fundamentação (artº 410º nº 2 al. b) do CPP);
- verifica-se a nulidade insanável da falta de inquérito ou da respectiva insuficiência do mesmo – artºs 119º als. c) e d) e 120º nº 2 al. d) uma vez que o recorrente nunca foi ouvido em sede de inquérito;
-  a interpretação normativa dos artºs 119º e 120º na qual assentou o Tribunal a quo por julgar não verificadas as suscitadas nulidades de falta ou insuficiência de inquérito é inconstitucional por violação dos artºs 20º nº 4 e 32º nº 1 da CRP;
- o acórdão ainda enferma da nulidade de omissão de pronúncia (artº 379º nº1 al. c) do CPP) porquanto não se pronunciou sobre as efectivas razões pelas quais a nulidade de inquérito se mostrava arguida;
- suscita a nulidade da Acusação/Pronúncia prevista no artº 283º nº 3 al. b) do CPP por não conter a narração ou descrição de quaisquer factos imputáveis ao recorrente, limitando-se a uma descrição de factos genéricos e conclusivos;
- suscita a inconstitucionalidade da norma do artº 283º nº 3 al. c) do CPP na interpretação normativa feita no acórdão recorrido por violação do artº 32º nº 5 da CRP;
- não se mostram preenchidos os elementos do tipo legal de corrupção, quando muito estará em causa um crime de participação económica em negócio;
- verifica-se ainda a nulidade do artº 379º nº 1 al. b) do CPP por o Tribunal a quo ter alterado/corrigido a Acusação/Pronúncia;
- o Tribunal a quo seguiu uma interpretação normativa dos artºs 283º n º 3 al. b), 358º, 359º e 379º nº 1 al. b) que as fere de inconstitucionalidade por violação do direito a julgamento equitativo garantido pelo artº 20º nº 4 CRP e por violação do artº 32º nºs 1, 2 e 5 CRP;
- suscita a “nulidade do julgamento” e do acórdão nos termos do artº 379º nº 1 al. a) por “insuficiência de factos”;
- houve erro de julgamento pelo que impugna a matéria de facto;
- em relação a certos factos provados não foi cumprido, relativamente aos meios de prova indicados no Acórdão recorrido, o disposto no artº 356º nº 9 CPP o que leva a nulidade;
- o Tribunal a quo partiu para o julgamento já com a convicção de culpa por isso pediu os relatórios sociais mesmo antes do julgamento violando o disposto no artº 370º efazendo dele uma interpretação contrária aos artºs 20º nº4 e 32º nº 1 do CRP;
- essa violação legal e inconstitucional faz enfermar todo o Julgamento da nulidade prevista no artº 43º nº 5 do Código que deve ser aplicada por interpretação extensiva;
- o acórdão também padece de falta ou insuficiência de fundamentação enfermando da nulidade prevista nos artºs 379º nº 1 al. a) e 374º nº 2 do Código;
- suscita a inconstitucionalidade dos artºs 379º nº 1 al. a) e 374º nº 2 na interpretação normativa que permita fundamentar uma decisão sobre a matéria de facto por remissão para análises ou pareceres acerca dos documentos em que o Tribunal vem a basear tal decisão elaboradas por pessoas estranhas ao Tribunal e que não revistam a qualidade de “prova pericial” por violação da Independência dos Tribunais e do Dever de Fundamentação das suas decisões;
- o Tribunal a quo comete erro notório na apreciação da prova nos termos do artº 410º nº 2 al. c) CPP por valorar as declarações de co-arguido e por violar o artº 361º CPP;
- suscita a inconstitucionalidade dos artºs 125º, 126º, 127º, 340º, 341º e 344º do CPP na interpretação normativa seguida no acórdão que lhe permitem valorar as declarações de co-arguido;
- suscita igualmente a inconstitucionalidade dos artºs 127º e 361º do CPP na interpretação normativa de que as declarações do arguido prestadas após as alegações finais podem ser valoradas para julgar provados factos desfavoráveis ao arguido;
- suscita a inconstitucionalidade do artº 50º do CP na interpretação que o Tribunal a quo faz de não suspender a execução da pena com base no silêncio do arguido.
O arguido CC entende que:
- o acórdão padece de nulidade por excesso de pronúncia nos termos do artº 379º nº 1 al. c) do CPP por ter dado pro provado um facto que foi impugnado;
- o acórdão enferma de contradição insanável e erro notório na apreciação da prova (artº 410º nº2 als. b) e c) CPP);
- houve erro de julgamento pelo que impugna a matéria de facto;
- foram valoradas as declarações de co-arguido de forma incorrecta e não admissível.
- o recorrente nunca poderia ter cometido o crime pelo qual veio condenado pois sendo militar não é funcionário para efeitos do artº 386º do Código Penal;
- pelo que os artºs 373 e 386º do CP devem ser julgados inconstitucionais no sentido seguido pelo Tribunal a quo que permitiu considerar um militar um funcionário;
- a pena aplicada mostra-se desproporcional tento todo o contexto em que a actividade se desenrolou.
E, por fim, entende o Ministério Público que:
- o acórdão recorrido não deveria ter suspendido a execução das penas de prisão que aplicou aos arguidos SS, UU, VV, WW, XX, ZZ e CCC, por ter efecuado uma errada interpretação do instituto da suspensão ademais baseando-se numa situação – prisão preventiva sofrida por todos em apreço – que tão pouco dependeu da sua vontade.
Está, assim, em causa decidir nos autos, e de acordo com a ordem legal supra estabelecida:
A) Das Nulidades e Vícios:
I) Se há uma nulidade insanável por falta ou insuficiência de inquérito nos termos do artº 119º als. c) e d) do Código de Processo Penal;
II) Se a acusação é nula por violação do disposto no artº 283º nº 3 als. b) e c) do Código de Processo Penal;
III) Averiguar da validade do procedimento de agente encoberto nas vertentes de:
III-i) Saber se há uma nulidade insanável do procedimento de agente encoberto por violação do princípio do Juiz Natural nos termos do artº 119º al. e) do Código de Processo Penal;
III-ii) Saber se a falta de oportunidade de consulta do respectivo procedimento bule com os direitos dos arguidos (aqui se analisando também o recurso intercalar e a questão da inconstitucionalidade da respectiva Lei);
IV) Se o procedimento criminal se mostra prescrito em relação ao arguido RR;
V) Se o Julgamento é nulo por falta de imparcialidade do Tribunal nos termos do artº 43º CPP aqui se incluindo a análise da oportunidade do relatório social pedido em momento anterior.
VI) Se o acórdão recorrido padece das nulidades prevsitas no artº 379º nº 1 do Código de Processo Penal, no sentido de:
VI-i) faltar a respectiva fundamentação e/ou haver falta de exame crítico da prova (al. a));
VI-ii) haver uma alteração, quer substancial, quer não substancial dos factos sem cumprimento das formalidades legais (al. b));
VI-iii) haver omissão de pronúncia bem como pronúncia em matéria não submetida ao Tribunal (al. c));
VII) Se o acórdão recorrido padece dos vícios previstos no artº 410º nº 2 do Código Penal, no sentido de:
VII-i) haver insuficiência, para a decisão, da matéria de facto (al. a));
VII-ii) haver uma contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão (al. b));
VII-iii) haver um erro notório na apreciação da prova (al.c));
VIII) Se há prova nula desdobrada nas vertentes:
Quanto à sua obtenção (artº 126º do CPP):
VIII-ia) saber se o agente encoberto actuou como agente provocador (prova obtida por meio insidioso);
VIII-ib) saber se o agente encoberto pode ser um terceiro e qual o valor das provas por si recolhidas;
VIII-ic) saber se as apreensões efectuadas em 03-11-2016 são válidas;
Quanto à sua valoração:
VIII-ii) declarações de co-arguido (artº 345º CPP);
VIII-iii) prova documental não examinada em julgamento (artº 355º CPP);
VIII-iv) leitura de declarações prestadas em sede de inquérito (artº 356º CPP);
B) Do Mérito:
IX)  Saber se há erro de julgamento com a consequente impugnação da matéria de facto, desdobrada na vertente:
IX-i) violação do princípio in dúbio pro reo (presunção de inocência) aqui incluindo a análise dos aforros declarados perdidos a favor do Estado em relação ao arguido EE;
X) Saber se o enquadramento jurídico dos factos se revela adequado, abrangendo, para além da análise dos crimes imputados,
X-i) Saber se o crime de corrupção pode ser imputado a militares atento o conceito de funcionário (aqui se analisando a inconstitucionalidade suscitada na sequência da publicação da Lei nº 94/2021 de 21-12);
X-ii) Saber se existe um concurso real, ou meramente aparente, entre os crimes de falsificação de documento e corrupção;
X-iii) Saber os contornos da co-autoria e da caracterização do crime de falsificação com base na qualidade do agente;
XI) Saber se as penas concretamente aplicadas respeitaram o respectivo quadro legal e se mostram proporcionais e adequadas, aqui se incluindo a análise do regime da suspensão da execução da pena de prisão;
XII) Saber se as penas acessórias aplicadas aos arguidos militares têm cabimento.
As várias inconstitucionalidades suscitadas serão analisadas dentro de cada tema a que disserem respeito.
Uma vez que há pontos comuns que atravessam os trinta recursos, ou pelo menos muitos deles, decidiu-se, por uma questão de aproveitamento do tratamento jurídico das questões, analisar os recursos por temas, em vez de os analisar separadamente um a um, de acordo com a delimitação que supra acabamos de fazer.
Vejamos, então, as questões submetidas a recurso pela ordem acima indicada.
I) Da nulidade (in)sanável por falta ou insuficiência de inquérito:
- recurso do arguido RR
Entende o arguido RR que o inquérito está ferido de uma nulidade insanável nos termos do artº 119º als. c) e d) do CPP, ou, pelo menos de uma nulidade nos termos do artº 120º nº 2 al. d) do CPP porquanto não só não foi “efectivamente ouvido no Inquérito”[8] como “os crimes imputados ao Arguido durante o Inquérito não foram os factos e crimes por que veio a ser acusado e pronunciado.”[9]
Vejamos.
O regime das nulidades vem consagrado nos artºs 119º e 120º do Código de Processo Penal.
O artº 119º do Código de Processo Penal, subordinado à epígrafe nulidades insanáveis diz o seguinte:
“Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:
a) A falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição;
b) A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência;
c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência;
d) A falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade;
e) A violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º;
f) O emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei.” – sublinhado nosso
O artº 120º do Código de Processo Penal, subordinado à epígrafe nulidades dependentes de arguição diz o seguinte:
“1 - Qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte.
2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais:
a) O emprego de uma forma de processo quando a lei determinar a utilização de outra, sem prejuízo do disposto na alínea f) do artigo anterior;
b) A ausência, por falta de notificação, do assistente e das partes civis, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência;
c) A falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considerar obrigatória;
d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
3 - As nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas:
a) Tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado;
b) Tratando-se da nulidade referida na alínea b) do número anterior, até cinco dias após a notificação do despacho que designar dia para a audiência;
c) Tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito;
d) Logo no início da audiência nas formas de processo especiais.” – sublinhado nosso
Estando ambos os tipos de nulidade – insanável e sanável – sujeitos à taxatividade estabelecida nas respectivas normas acabadas de citar, bem como ao regime de excepcionalidade que os delimita sendo, por isso, insusceptíveis de qualquer forma de aplicação analógica, nomeadamente recurso às normas do processo civil[10] o que separa, na essência, a nulidade do artº 119º CPP, ou nulidade insanável, da nulidade do artº 120º, ou nulidade sanável, é que no caso das primeiras as mesmas são susceptíveis de reconhecimento judicial mesmo sem serem arguidas pelos respectivos intervenientes processuais (MºPº, arguido, partes civis) e podem ser declaradas até ao trânsito da respectiva sentença ou acórdão, enquanto que as segundas estão dependentes da arguição por parte de quem as aproveite e só podem ser reconhecidas dentro de um prazo limite de desenvolvimento processual.
No caso em apreço, o arguido RR entende que o inquérito padece de uma nulidade insanável nos termos das als. c) e d) do artº 119º do CPP porquanto, segundo refere nas suas motivações “nunca foi, efectivamente, ouvido no Inquérito” … “uma vez que pura e simplesmente nem o Titular do Inquérito nem o OPC procederam ao interrogatório do Arguido durante as investigações que ordenaram e executaram na fase de Inquérito.”
No entanto, mais adiante nas suas motivações o arguido admite que foi ouvido em sede de primeiro interrogatório.
E da cuidada análise dos autos se constata que o arguido RR foi ouvido na qualidade de arguido pela PJ em 10-10-2017 – documentada no auto de fls. 7220 e ss – onde não quis prestar declarações por, no seu entendimento, não lhe ter sido permitido consultar os elementos de prova indicados na imputação dos factso que lhe era feita.
Por despacho de 13-10-2017, com a refª ..., junto a fls. 7248 e ss, o MºPº agendou interrogatório complementar do arguido para 20-10-2017 permitindo a consulta dos autos na secção dois dias antes da diligência.
Tanto o arguido, como o seu ilustre mandatário foram notificados logo no próprio dia 13-10-2017, via correio electrónico (pelas 13:55) e fax (pelas 13:44), respectivamente, conforme fls. 7256 e fls. 7257, com a refª ....
Veio, então, o arguido atravessar requerimento em 18-10-2017, junto a fls. 7326 e ss com a refª ..., onde, insistindo pela verificação de nulidades várias quer do primeiro interrogatório, quer do próprio inquérito, pede o adiamento do interrogatório.
Acabou por ser re-agendado o interrogatório do arguido para 30-10-2017 cfr. despacho de 24-10-2017, com a refª ..., junto a fls. 7624, notificado no mesmo dia quer ao arguido (via e-mail – fls. 7625) quer ao seu ilustre mandatário (via fax – fls. 7626).
No dia 30-10-2017 foi realizado interrogatório complementar ao arguido, desta vez pelo MºPº, tendo o arguido dito não prestar declarações, invocando as mesmas nulidades – cfr. auto de fls. 7758 e ss com a refª ....
Ora, não só o arguido foi convocado para interrogatório em três ocasiões diferentes, sendo que esteve presente, numa primeira ocasião perante OPC, e depois, numa segunda ocasião, perante Magistrado do MºPº, e que em ambas as situações recusou prestar declarações, o que é um direito que lhe assiste, não se vislumbra como é que o arguido pode arguir a nulidade insanável prevista no artº 119º al. c) – a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência – ou a nulidade sanável prevista no artº 120º nº 2 al. d) – a insuficiência do inquérito ou da instrução por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
Ademais, o arguido não pode, perante a mesma realidade jurídico-processual, arguir em simultâneo uma nulidade insanável e uma nulidade sanável.
Ou estamos perante a nulidade nos termos do artº 119º al. c) do CPP, ou perante a nulidade delineada no artº 120º nº 2 al. d) do CPP.
Ora, nos termos do artº 272º do Codigo de Processo Penal, cuja epígrafe é primeiro interrogatório e comunicações ao arguido”:
“1 - Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la.
2 - O Ministério Público, quando proceder a interrogatório de um arguido ou a acareação ou reconhecimento em que aquele deva participar, comunica-lhe, pelo menos com vinte e quatro horas de antecedência, o dia, a hora e o local da diligência.
3 - O período de antecedência referido no número anterior:
a) É facultativo sempre que o arguido se encontrar preso;
b) Não tem lugar relativamente ao interrogatório previsto no artigo 143.º, ou, nos casos de extrema urgência, sempre que haja fundado motivo para recear que a demora possa prejudicar o asseguramento de meios de prova, ou ainda quando o arguido dele prescindir.
4 - Quando haja defensor, este é notificado para a diligência com pelo menos vinte e quatro horas de antecedência, salvo nos casos previstos na alínea b) do número anterior.” – sublinhado nosso
Sendo que nos termos do Acórdão da Uniformização da Jurisprudência do STJ nº 1/2006[11] “a falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal.”
Pelo que, não há dúvida que a situação focada pelo arguido se reconduz a uma nulidade sanável, mais concretamente a prevista no artº 120º nº 2 al. d) do CPP, e nunca à nulidade insanável prevista no artº 119º al. c) do CPP.
Mas, no caso em apreço foram agendados três interrogatórios sendo que o arguido compareceu em dois deles, e em ambos optou por não prestar declarações.
Pelo que não se pode afirmar que, sendo obrigatório o interrogatório de arguido nos termos do artº 272º nº 1 do CPP, esta diligência tivesse sido omitida levando à nulidade sanável nos termos do artº 120º nº 2 al. d) do CPP ou que houvesse ausência de arguido ou seu defensor a diligêcia a cuja comparência estavam obrigados levando à nulidade insanável do artº 119º al. c) do CPP.
E não se venha com a defesa de que o arguido só não prestou declarações, e por isso não se pode considerar que houvesse um autêntico interrogatório, porque não teve tempo ou não pôde consultar os autos, uma vez que, não só nos termos do nº 2 do artº 272º do CPP o arguido pode ser convocado com um mínimo de 24 horas de antecedência como, da consulta dos autos se constata que ao arguido foi concedido tempo suficiente para consultar os mesmos.
Avança o arguido com o argumento de que arguiu a nulidade dos interrogatórios a que assistiu, não porque lhe tivesse sido negado a consulta dos autos, mas porque não lhe foram apresentados “os elementos do processo que indiciam os factos imputados”, tendo sido violado o disposto no artº 141º nº 4 al. c) do CPP, aplicável por força do artº 144º nº 1 do mesmo CPP.
Ora, diz o artigo 141º do Código de Processo Penal, subordinado à epígrafe primeiro interrogatório judicial de arguido detido, aplicável aos interrogatórios de arguidos em liberdade e aos interrogatórios subsequentes ao primeiro, por força do nº 1 do artº 144º do CPP que:
“1 - O arguido detido que não deva ser de imediato julgado é interrogado pelo juiz de instrução, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, logo que lhe for presente com a indicação circunstanciada dos motivos da detenção e das provas que a fundamentam.
2 - O interrogatório é feito exclusivamente pelo juiz, com assistência do Ministério Público e do defensor e estando presente o funcionário de justiça. Não é admitida a presença de qualquer outra pessoa, a não ser que, por motivo de segurança, o detido deva ser guardado à vista.
3 - O arguido é perguntado pelo seu nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência, local de trabalho, sendo-lhe exigida, se necessário, a exibição de documento oficial bastante de identificação. Deve ser advertido de que a falta de resposta a estas perguntas ou a falsidade das respostas o pode fazer incorrer em responsabilidade penal.
4 - Seguidamente, o juiz informa o arguido:
a) Dos direitos referidos no n.º 1 do artigo 61.º, explicando-lhos se isso for necessário;
b) De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova;
c) Dos motivos da detenção;
d) Dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo; e
e) Dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da verdade nem criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;
ficando todas as informações, à excepção das previstas na alínea a), a constar do auto de interrogatório.
5 - Prestando declarações, o arguido pode confessar ou negar os factos ou a sua participação neles e indicar as causas que possam excluir a ilicitude ou a culpa, bem como quaisquer circunstâncias que possam relevar para a determinação da sua responsabilidade ou da medida da sanção.
6 - Durante o interrogatório, o Ministério Público e o defensor, sem prejuízo do direito de arguir nulidades, abstêm-se de qualquer interferência, podendo o juiz permitir que suscitem pedidos de esclarecimento das respostas dadas pelo arguido. Findo o interrogatório, podem requerer ao juiz que formule àquele as perguntas que entenderem relevantes para a descoberta da verdade. O juiz decide, por despacho irrecorrível, se o requerimento há-de ser feito na presença do arguido e sobre a relevância das perguntas.
7 - O interrogatório do arguido é efetuado, em regra, através de registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios, designadamente estenográficos ou estenotípicos, ou qualquer outro meio técnico idóneo a assegurar a reprodução integral daquelas, ou a documentação através de auto, quando aqueles meios não estiverem disponíveis, o que deverá ficar a constar do auto.
8 - Quando houver lugar a registo áudio ou audiovisual devem ser consignados no auto o início e o termo da gravação de cada declaração.
9 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 101.º” – sublinhado nosso
Conforme se retira da análise deste preceito legal, deve haver lapso de escrita quando o arguido RR remete para a al. c) do nº 4 do artº 141º porquanto não está em causa uma detenção de arguido.
Partindo do pressuposto lógico que o arguido quereria fazer referência à al. e) do nº 4 do citado artigo 144º do CPP (e não à al. c)) constata-se, por força do nº 2 do artº 141º do CPP, que essa alínea e) não é aplicável aos interrogatórios de arguido em liberdade no âmbito do inquérito.[12] 
Em todo o caso, o que resulta da letra do artº 141º nº 4 al. e) do CPP é a obrigatoriedade do Juiz, neste caso, do MºPº, “informar” o arguido dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, o que se constata foi efectuado no interrogatório complementar realizado em 30-10-2017, conforme análise do respectivo auto onde se mostram identificados, de forma cabal até, todos os elementos probatórios.
Sendo que, se o arguido quisesse mesmo consultar esses elementos nos autos tinha tempo suficiente para o fazer considerando a data em que foi ouvido pela primeira vez e a data em que foi ouvido em 30-10-2017.
Não se vislumbra, assim, as referidas insuficiências do inquérito por preterição de actos obrigatórios, não existindo, por conseguinte, nem a nulidade insanável do artº 119º al. c) nem a nulidade sanável do artº 120º nº 2 al. b) CPP.
Quanto à nulidade insanável traduzida pela falta de inquérito prevista no artº 119º al. d) do CPP a mesma também não se verifica.
É óbvio que existiu inquérito, o qual, aliás, tendo tido o seu início com uma denúncia anónima em 2014 viu todo uma actuação de investigação no qual se incluíram escutas telefónicas, processo de agente encoberto, interrogatórios de dezenas de arguidos além de outros actos investigatórios, terminando com um despacho de acusação de 322 páginas proferido em 02-11-2017 – cfr. fls. 8034 e ss do volume 27º.
O facto do arguido entender que acabou por ser acusado em moldes diversos daqueles em relação aos quais estaria a ser investigado não leva à conclusão de que não existe inquérito.
A definição de inquérito e a sua finalidade encontram-se no artº 262º do Código de Processo Penal que determina o seguinte:
“1 - O inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação.
2 - Ressalvadas as excepções previstas neste Código, a notícia de um crime dá sempre lugar à abertura de inquérito.”
A inexistência de inquérito é precisamente isso: uma total ausência dos actos necessários à descoberta da prática de crime, dos seus agentes e da procura de provas para sustentar, ou não, uma acusação.
No caso em apreço, não só o arguido RR, na qualidade de arguido foi ouvido em sede de interrogatório em duas ocasiões, portanto ao abrigo de um acto que é obrigatório realizar-se no âmbito de um inquérito, como todos os outros arguidos o foram, além de se ter praticado actos tendentes a descobrir quer a existência dos crimes denunciados, quer do eventual envolvimento por parte dos agentes indiciados.
Argumenta ainda o arguido RR que a interpretação normativa dos artºs 119º e 120º na qual assentou o Tribunal a quo por julgar não verificadas as suscitadas nulidades de falta ou insuficiência de inquérito é inconstitucional por violação dos artºs 20º nº 4 e 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Vejamos, primeiro, como é que o Tribunal a quo decidiu estas invocadas nulidades (transcrição)[13]:      
“No que respeita às duas primeiras nulidades acima referenciadas, maxime as resultantes da falta de inquérito e da violação das regras relativas ao modo de composição do tribunal, cumpre referir, desde logo, que as mesmas haviam sido já arguidas, na fase de instrução, pelo mesmo arguido RR, e julgadas improcedentes, na íntegra, nos termos que constam de fls. 60 a 63, 74 e 75 da decisão instrutória.
 Sustentou a defesa esta nova arguição no facto de tal decisão ser irrecorrível (nos termos do art. 310º, n.º 1 do Código de Processo Penal). 
Cumpre apreciar e decidir, adiantando, desde já, que se concorda na íntegra com os fundamentos constantes da douta decisão instrutória.
Com efeito, segundo o art. 119º, n.º 1 al. d) do Código de Processo Penal, constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, a falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade. 
Também, de acordo com o art. 120º, n.º 2 al. d), constitui nulidade, dependente de arguição, a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
O arguido engloba, na invocação desta nulidade, aqueles dois normativos, que são distintos, e que têm consequências também distintas.
Dispõe o art. 219º da Constituição da República Portuguesa, que ao Ministério Público compete exercer a ação penal, orientada pelo princípio da legalidade.
Por seu turno, o Código de Processo Penal, no seu art. 262º, estabelece que o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação – n.º 1 -, praticando o Ministério Público os atos e assegurando os meios de prova necessários à realização dessas finalidades (art. 267º, in fine).
O inquérito é, pois, a fase obrigatória do processo comum, da competência do Ministério Público, compreendendo o conjunto de diligências tendentes a investigar a existência de infrações criminais, a determinar os seus agentes e respetivas responsabilidades e a descobrir e recolher as provas com vista à decisão do Ministério Público sobre o exercício ou não da ação penal.
Enquanto titular da ação penal, o Ministério Público procede apenas às diligências que considera úteis para a descoberta da verdade, não impondo a lei, de um modo geral, a prática de atos típicos de investigação, sem prejuízo da obrigatoriedade de alguns atos, como o interrogatório do arguido - cf. art. 272º, n.º 1 do Código de Processo Penal -, exceto quando não for possível notificá-lo.
Deste modo, a “falta de inquérito”, refere-se à falta do conjunto de diligências ou atos compreendidos no art. 262º, n.º 1 do referido diploma legal, ocorrendo tal vício quando se verifique uma ausência absoluta ou total de inquérito ou falta absoluta de atos de inquérito – vide, neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de 15 de junho de 2011, Processo n.º 1645/08.6PIPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt (e também, Souto de Moura, in Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 118, e Maia Gonçalves in Código de Processo Penal Anotado, 1996, pág. 250).
Ora, conforme é fácil de ver, no caso presente não existiu, de todo, falta de inquérito, na medida em que o Ministério Público, perante a notícia do crime consubstanciada na carta anónima que deu origem aos presentes autos, instaurou inquérito criminal, praticou todos os atos e assegurou todos os meios de prova necessários em ordem a, no final dessa fase, proferir despacho de arquivamento ou de acusação, consoante a inexistência ou a existência de indícios suficientes de se terem verificado os crimes e de quem foram os seus autores (art. 277º, n.º 1 e 283º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
Mas também não existiu insuficiência de inquérito, uma vez que este vício apenas se verifica quando, no decurso do inquérito, tiver sido omitida a prática de atos que a lei prescreve como sendo obrigatórios, desde que para tal omissão a lei não disponha de forma diversa (neste sentido, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de junho de 2002, Processo n.º 2845/02, disponível em www.dgsi.pt).  
Nesta medida, a insuficiência de inquérito consubstancia não uma omissão absoluta e total de atos de inquérito, mas uma omissão da prática de alguns atos legalmente obrigatórios ou a omissão de algumas diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
Entre esses atos obrigatórios conta-se, como já se referiu, o interrogatório do arguido (art. 272º, n.º 1), corolário do princípio ínsito no art. 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, em homenagem ao direito de defesa que é reconhecido aos visados pelo processo penal.
E, por constituir um ato de realização obrigatória, “a falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, constitui a nulidade prevista no art. 120º, n.º 2 al. d) do Código de Processo Penal – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2006, Diário da República I Série A, de 2 de janeiro de 2006.
Também segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2007, Processo n.º 07P1610 (acessível em www.dgsi.pt):
“(…)
II - A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2, al. d) do C.P.P., qual seja a de insuficiência de inquérito, nulidade esta dependente de arguição, a qual deverá ser deduzida até ao encerramento do debate instrutório – al. c) do n.º 3 daquele artigo. O mesmo sucede relativamente à falta de constituição de arguido, nos casos em que é obrigatória.
III - Deste modo, tendo aquelas omissões sido arguidas após o encerramento do debate instrutório, é evidente que a eventual nulidade cometida se encontra sanada”.
Conforme resulta dos autos, o arguido RR foi interrogado, nessa qualidade, no dia 10 de outubro de 2017, tendo invocado, em tal ato, a respetiva nulidade, por não lhe ter sido facultada a consulta dos autos (fls. 7220). Nessa sequência, foi igualmente notificado para interrogatório complementar, a realizar no dia 20 de outubro de 2017, tendo-lhe sido facultado o acesso aos autos (fls. 7439), vindo, no entanto, informar que não pretendia prestar declarações. E, por fim, resulta de fls. 7264 que o arguido foi convocado para novo interrogatório, a realizar no dia 30 de outubro de 2017 (fls. 7624), no qual voltou a não prestar declarações.
Deste modo, fácil é concluir que não houve omissão da realização do interrogatório do arguido, nos termos estatuídos no art. 272º, n.º 1 do Código de Processo Penal, improcedendo, pois, a nulidade invocada.”
Diz o artº 20º da Constituição da República Portuguesa, subordinado à epígrafe acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva o seguinte:
“1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.” – sublinhado nosso
E diz o artº 32º da Constituição da República Portuguesa, cuja epígrafe é garantias de processo criminal que:
“1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
3. O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória.
4. Toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos fundamentais.
5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.
6. A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento.
7. O ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei.
8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
9. Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior.
10. Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.” – sublinhado nosso
Do confronto entre o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo, na decisão tomada em relação às nulidades suscitadas pelo arguido em relação ao inquérito, que coincide com o nosso, e o disposto nos artºs 20º nº 4 e 32º nº1 da CRP não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade.
Antes, pelo contrário.
O Tribunal a quo teve o cuidado de aplicar o AUJ do STJ e considerar o interrogatório de arguido um acto essencial ao inquérito e consequentemente, a sua falta, uma nulidade sanável nos termos do artº 120º nº 2 do CPP.
Acontece que não se pode afirmar que o arguido RR não foi sujeito a interrogatório – e portanto que houve omissão dessa diligência obrigatória – pois foi convocado por três vezes tendo estado em sede de primeiro interrogatório em 10-10-2017 perante OPC e em sede de interrogatório complementar em 30-10-2017 já perante Magistrado do MºPº.
O que o arguido pretende é ficcionar uma falta de interrogatório baseado numa construção jurídica assente em alicerces inconsistentes através dos quais alega que, por não ter consultado os autos – não o fez porque não quis e não porque não tivesse sido dado acesso aos mesmos – não foi informado dos elementos do processo que indiciam os factos imputados.
Quando, na realidade, ao arguido foram transmitidos todos os elementos necessários à cabal compreensão do que estava em causa e o porquê da sua intervenção no processo.
Aliás, o Tribunal Constitucional já se pronunciou acerca desta questão através do seu Acórdão nº 72/2012[14] no qual afirma:
“Não julga(r) inconstitucionais as normas constantes dos artigos 272.º, n.º 1, 120.º, n.º 2, alínea d), 141.º, n.º 4, alínea c), e 144.º, todos do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que não constitui nulidade, por insuficiência de inquérito, o não confronto do arguido, em interrogatório, com todos os factos concretos que venham a ser inseridos na acusação contra ele deduzida.”
Improcedem, assim, as nulidades invocadas e, consequentemente, esta parte do recurso do arguido RR.
II) Da Nulidade da Acusação:
- recursos dos arguidos UU, MM e RR
Entende o arguido UU que a acusação, no que tange à pena acessória, padece de nulidade por violação do disposto no artº 283º nº 3 al. c) do Código de Processo Penal.
O arguido MM entende que a acusação apresentada pelo MºPº é nula por ser genérica, imprecisa e vaga.
E o arguido RR entende que a acusação padece de nulidade nos termos do artº 283º nº 3 al. b) do CPP por não conter a narração ou descrição de quaisquer factos imputáveis a si, limitando-se a uma descrição de factos genéricos e conclusivos.
Vejamos, olhando, primeiro o quadro legal aplicável.
Diz o artº 283º do Código de Processo Penal, subordinado à epígrafe acusação pelo Ministério Público o seguinte:
“1 - Se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de 10 dias, deduz acusação contra aquele.
2 - Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
3 - A acusação contém, sob pena de nulidade:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
c) A indicação das disposições legais aplicáveis;
d) O rol com o máximo de 20 testemunhas, com a respectiva identificação, discriminando-se as que só devam depor sobre os aspectos referidos no n.º 2 do artigo 128.º, as quais não podem exceder o número de cinco;
e) A indicação dos peritos e consultores técnicos a serem ouvidos em julgamento, com a respectiva identificação;
f) A indicação de outras provas a produzir ou a requerer;
g) A indicação do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, quando o arguido seja menor, salvo quando não se mostre ainda junto e seja prescindível em função do superior interesse do menor;
h) A data e assinatura.
4 - Em caso de conexão de processos, é deduzida uma só acusação.
5 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 277.º, prosseguindo o processo quando os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes.
6 - As comunicações a que se refere o número anterior efectuam-se mediante contacto pessoal ou por via postal registada, excepto se o arguido e o assistente tiverem indicado a sua residência ou domicílio profissional à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução, caso em que são notificados mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º
7 - O limite do número de testemunhas previsto na alínea d) do n.º 3 apenas pode ser ultrapassado desde que tal se afigure necessário para a descoberta da verdade material, designadamente quando tiver sido praticado algum dos crimes referidos no n.º 2 do artigo 215.º ou se o processo se revelar de excecional complexidade, devido ao número de arguidos ou ofendidos ou ao caráter altamente organizado do crime, enunciando-se no respetivo requerimento os factos sobre os quais as testemunhas irão depor e o motivo pelo qual têm conhecimento direto dos mesmos.
8 - O requerimento referido no número anterior é indeferido caso se verifiquem as circunstâncias previstas nas alíneas b), c) e d) do n.º 4 do artigo 340.º” – sublinhado nosso
O arguido UU defende a nulidade da acusação no tocante à pena acessória por entender que o MºPº não indicou concretamente a disposição legal que motiva o pedido de ser aplicada ao arguido uma pena acessória.
Ora, analisando a acusação – que compõe o volume 27º – verifica-se que, na parte final, após o elenco dos factos imputados, o MºPº separa os arguidos em duas categorias, os miliatres por um lado e as empresas por outro e em relação aos arguidos militares, além de identificar os crimes e as respectivas normas legais onde subsume os factos inclui o seguinte:
“IV) Penas acessórias (artº 66º, do Código Penal):
A gravidade dos factos imputados aos militares, o modo como foram cometidos e a perspectiva do exercício de funções públicas, mormente de autoridade, evidencia que os arguidos militares não têm condições para voltar a exercer funções de interesse público.”
É verdade que o artº 66º do Código Penal, no seu nº 1, prevê três situações em que a pena acessória de “proibição de exercício de função” pode ser aplicada sendo elas:
“a) For praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b) Revelar indignidade no exercício do cargo; ou
c) Implicar a perda da confiança necessária ao exercício da função.”
Mas o simples facto do MºPº, na acusação, não ter delimitado qual das alíneas seria aplicável não implica, a nosso ver, violação do disposto no artº 283º nº 3 al. c) do CPP uma vez que, não tendo sido demarcada nenhuma alínea em específico, há que concluir que todas poderiam, à partida, ser aplicadas, não sendo nenhuma ontologicamente exclusiva da outra, daí a remissão em bloco para o artº 66º do Código Penal.
O facto do Tribunal a quo ter, a final e na sequência do julgamento, decidido enquadrar os factos que deu como provados numa das alíneas do nº 1 do artº 66º do CP, em preterição das outras duas, não significa que o MºPº não cumpriu com o disposto na al. c) do nº 3 do artº 283º do CPP porquanto o Tribunal a quo é livre de fazer as subsunções jurídicas que entende mais adequadas não sendo vinculativa a qualificação jurídica oferecida pelo MºPº como se retira, com facilidade, do Despacho de Pronúncia que rejeitou o enquadramento penal dos arguidos no crime de associação criminosa, por exemplo.
O que se nos afigura essencial é que o MºPº faça constar da acusação todas as normas em que os factos podem ser subsumidos e no caso em apreço, entendeu que aos arguidos militares, devido a essa mesma qualidade, deveria ser aplicada a pena acessória prevista no artº 66º do Código Penal, tendo efectuado uma breve conclusão assente no menancial de factos que elencara nos 895 artigos que compõem a acusação.
Estando pedida a aplicação da pena acessória prevista no artº 66º do Código Penal na acusação todos os arguidos militares ficaram cientes de que essa pena também estaria “em cima da mesa” por assim dizer, podendo nela incorrer, a par de uma eventual condenação criminal em pena de prisão pelos factos constantes da acusação.
Ficando, assim, assegurado o direito de defesa e de contraditório dos vários arguidos militares que acabariam por exercer esses direitos quer nas suas respectivas contestações, quer em sede de recurso onde a aplicação da pena acessória é amplamente debatida por vários arguidos.
Ora, o que se nos afigura que não poderia acontecer era o Tribunal a quo acabar por aplicar uma pena acessória sem que a mesma tivesse sequer sido pedida pelo MºPº ou que este pretendesse essa aplicação sem a ter expressamente pedido na acusação.
Como se afirma no Acórdão da Relação de Évora de 19-12-2013 (in www.dgsi.pt):
“Por argumento de maioria de razão, são aplicáveis á pena acessória de proibição de profissão as razões e fundamentos que se prescrevem no acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2008[15] relativo á aplicação da pena acessória de proibição de conduzir, para a qual se exige que as disposições legais aplicáveis constem da acusação ou da pronúncia.
Como se fundamenta naquele acórdão - e como é jurisprudência constitucional pacífica - o arguido não tem que se defender apenas dos factos que lhe são imputados na acusação. «A vertente jurídica da defesa em processo penal é, em muitos casos, mais importante. E esta para ser eficaz pressupõe que o arguido tenha conhecimento do exacto significado jurídico--criminal da acusação, o que implica, evidentemente, lhe seja dado conhecimento preciso das disposições legais que irão ser aplicadas. Por isso, qualquer alteração que se verifique da qualificação jurídica dos factos feita na acusação ou na pronúncia (...) nomeadamente qualquer alteração que importe um agravamento, terá necessariamente de ser dada a conhecer ao arguido para que este dela se possa defender, sob pena de se trair o favor defensionis».”
Ora, a verdade é que a imputação de uma sanção acessória nos termos do artº 66º do Código Penal consta da acusação pelo que não se verifica, de todo, em nosso entendimento, a omissão do disposto na al. c) do nº 3 do artº 283º do Código Processo Penal[16], pois está indicada a respectiva norma penal aplicável em toda a sua plenitude – e não apenas numa modalidade correspondente a uma das alíneas.
Em todo o caso, a violação do disposto na al. c) do nº 3 do artº 283º do CPP – bem como de qualquer uma das restantes alíneas do nº 3 do mesmo preceito legal – implica a verificação de uma nulidade sanável nos termos do artº 120º do CPP, uma vez que o elenco fechado e taxativo das nulidades insanáveis, delimitado no artº 119º do CPP, não contempla, de forma alguma, a violação das alíneas do nº 3 do artº 283º do CPP.[17]
E assim, o arguido UU ao não ter requerido a abertura de instrução deveria ter suscitado a respectiva nulidade (sanável) no prazo de 5 dias a contar da notificação da acusação nos termos da al. c) do nº 3 do artº 120º do CPP.
É certo que foi requerida a abertura de instrução por outros co-arguidos e que o respectivo prazo para a abertura de instrução é de 20 dias o que bule com o prazo de 5 dias referido no artº 120º nº 3 al. c) do CPP, uma vez que, se existe um prazo de 20 dias para requerer abertura de instrução só com o fim desse prazo é que se poderia considerar a possibilidade do arguido, verificando-se não ter havido instrução, arguir uma nulidade sanável no prazo de 5 dias subsequentes[18].
Havendo instrução, como ocorreu nos autos, o arguido UU deveria ter suscitado a referida nulidade até ao encerramento do debate instrutório.
Ora, o arguido só suscita a nulidade em causa na sua contestação oferecida após o despacho que designa data para julgamento.
Pelo que a nulidade da acusção que abriga, agora em sede de recurso, na al. c) do nº 3 do artº 283º do CPP sempre estaria sanada.
Mas mesmo que assim não se entendesse, o que só por mera hipótese académica se contempla, a verdade é que o que o arguido UU verdadeiramente pretende impugnar, e é isso que resulta da argumentação despendida na sua contestação junta a fls. 12397 (com a refª ...)[19], é a falta de suporte fáctico que pudesse fundamentar a aplicação de uma sanção acessória nos termos do artº 66º do CP, seja ela subsumível em que alínea for.
Assim, o que estaria em causa seria uma nulidade da acusação com base na preterição dos elementos exigidos pelo artº 283º nº 3 al. b) do CPP que os outros dois arguidos, MM e RR também suscitam.
Ou seja, o que os três arguidos em referência invocam é a falta de descrição de factos concretos quanto ao tempo, lugar e modo de atuação, que pudesse permitir a imputação quer dos crimes pelos quais vinham acusados, quer da sanção acessória uma vez que no seu entendimento a acusção é vaga e genérica.
Como referimos em relação à alínea c) do nº 3 do artº 283º do CPP, também a nulidade que é gerada por falta ou incumprimento da al. b) do nº 3 do mesmo preceito legal é uma nulidade sanável, nos termos do artº 120º do CPP, uma vez que não se enquadra, de todo, no elenco taxativo das nulidades insanáveis prevsitas no artº 119º do CPP.
O que significa que o prazo para a arguir é, no caso destes três arguidos que não requereram a abertura de instrução, mas constatando-se que houve instrução, até ao encerramento do debate instrutório.
O facto da decisão instrutória que pronuncia os arguidos não ser susceptível de recurso não impede, a nosso ver, a arguição da nulidade em referência no prazo previsto no artº 120º nº 3 al. c) do CPP.
Em qualquer das situações[20] afigura-se-nos que a nulidade da acusação assente na violação do artº 283º nº 3 al. b) do CPP, arguida pelo recorrente MM bem como pelo recorrente UU é manifestamente intempestiva, sendo que apenas o arguido RR terá arguido a respectiva nulidade da acusação antes do início do debate instrutório – cfr. requerimento de fls. 11176 e ss datado de 07-02-2018.
Conforme bem sumariado no Acórdão da Relação de Guimarães de 11-09-2017[21]
“I) A falta na acusação de qualquer dos elementos mencionados nas alíneas a) a g), do n.º 3, do artigo 283.º do CPP constitui uma nulidade sanável.
II) Não tendo essa nulidade sido arguida em momento e local próprio, pode ainda fundamentar a rejeição da acusação por manifestamente infundada, nos termos do artigo 311.º, n.ºs 2, al. a), e 3, al. c) do CPP, que é o único momento processual em que a lei prevê essa possibilidade.
IIII) A partir daí, os vícios que a acusação eventualmente apresente passarão unicamente a poder influir na apreciação do mérito da causa, se não forem – ou não possam ser – supridos através de mecanismos legais próprios, designadamente os previstos nos artigos 358.º e 359.º do CPP, que dentro de certos limites, e excecionalmente, permitem a alteração dos factos narrados na acusação e da qualificação jurídica nela efetuada.” – sublinhado nosso
Em sentido igual veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 06-04-2016[22]:
“1. A dedução da acusação sem observância dos requisitos legais do nº 3 do artº 283º do CPP constitui nulidade dependente de arguição (sanável) que como tal segue os termos dos artigos 120º e 121º do CPP, devendo assim a sua arguição fazer-se perante o próprio magistrado que deduziu a acusação, cabendo reclamação hierárquica da decisão.
2. Estes mesmos requisitos, cuja inobservância caracteriza a nulidade da acusação, no caso de não ter sido requerida a instrução, podem ser apreciados oficiosamente pelo juiz de julgamento nos termos previstos no nº 3 do artº 311º do CPP, exercendo deste modo o juiz de julgamento o controlo jurisdicional dos vícios estruturais da acusação.
3.No caso de a nulidade da acusação ter sido arguida em Instrução, deve o Juiz de Instrução proferir despacho nos termos do artº 308º do CPP (de pronúncia ou não pronúncia). A declaração formal de nulidade da acusação nesta fase não atingiria os fins da Instrução, nem o Juiz de Instrução, declarando nula a acusação, pode devolver o processo ao Ministério Público para sanar o vício ou reformular a acusação declarada nula, o que seria um atropelo à estrutura acusatória do processo penal, além de gorar as expectativas do arguido.”
E o Acórdão da Relação de Évora de 10-12-2009[23] que estabelece que:
“1. Não se encontrando prevista no art. 119.º do CPP, a nulidade de acusação é sanável, pelo que se não for deduzida por algum dos interessados no prazo legalmente estabelecido, perante a autoridade judiciária competente, não pode ser conhecida enquanto tal em momento posterior, nomeadamente ao abrigo do disposto no art. 311.º, nº1 ou no art. 338.º, n.º1, ambos do CPP.
2. Por seu lado, a rejeição da acusação com algum dos fundamentos enunciados no nº3 daquele mesmo art. 311.º, é decidida oficiosamente pelo juiz a quem o processo é distribuído, apenas no caso de o processo ser remetido para julgamento sem ter havido Instrução, constituindo aquela rejeição consequência específica, sui generis, dos vícios das als a), b) e c) do n.º 3 do art. 283.º do CPP quando conhecidos no despacho de saneamento e recebimento dos autos.
3. Ultrapassado o momento legalmente definido para a rejeição da acusação (art. 311.º do CPP), fica precludida tal possibilidade, o que, aliás, é conforme com o estabelecimento legal de fases e momentos próprios para o saneamento do processado, a partir dos quais fica precludida a possibilidade de invocar a infracção cometida e os efeitos produzidos pelo acto processual imperfeito sofrem uma modificação, passando de precários a definitivos.
4. No caso vertente, a acusação tornou-se definitivamente apta para suportar a acção penal em julgamento e os vícios previstos no nº 3 do art. 311.º (incluindo a al. d)), apenas relevarão na apreciação do mérito da causa (e já não enquanto vício formal lesivo da validade da acusação), de acordo com o regime processual aplicável em audiência e o direito substantivo igualmente aplicável.”
Ora, há que compreender a ratio subjacente à nulidade em causa e o motivo pelo qual a mesma está dependente de arguição dentro de certa janela temporal processual.
É que, se a acusação está efectivamente inquinada ao ponto de não conter os necessários factos e qualificações jurídicas dos comportamentos criminais que pretende imputar aos requeridos, essa situação tem de ser acautelada enquanto ainda não existe julgamento porquanto, a partir desse momento, estabilizou o objecto processual e portanto, ou há suficiência de factos e respectiva prova para se condenar o arguido ou não há e, aí, há que proceder-se a uma absolvição.
Ou seja, a acusação tem de ser posta em causa enquanto ainda não se passou para um momento processual em que ela serve de fundamento ao julgamento porque a partir deste segundo momento já o “mal está feito” no sentido de se ter submetido pessoa a escrutínio judicial e aí a questão passa para outro plano conforme referido no Acórdão da Relação de Évora supra citado.
Ora, no caso em apreço, apesar de nenhum dos arguidos recorrentes que suscitaram em sede de recurso a nulidade da acusação ter requerido a abertura de instrução a verdade é que foi proferida decisão instrutória que os abrangeu na qual foram pronunciados pelos factos constantes da acusação.
O que significa que o Tribunal de Instrução Criminal, numa primeira abordagem e análise, entendeu que os factos constantes da acusação seriam suficientes para levar a julgamento todos os arguidos pronunciados, aqui se incluindo os arguidos UU, MM e RR.
Contudo e apesar da arguição da nulidade da acusação ser intempestiva em relação aos arguidos UU e MM, e da decisão instrutória se ter pronunciado (ou seja emitido um juízo de valor) acerca da nulidade suscitada pelo arguido RR, uma vez que o Tribunal a quo decidiu pronunciar-se acerca da invocada nulidade, à cautela, porque integra a decisão final da qual os arguidos ora recorrem, iremos analisá-la.
Vejamos, com atenção, o que diz o artº 283º nº 3 al. b) do CPP:
“3 - A acusação contém, sob pena de nulidade:
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.” – sublinhado nosso
Ora, da cuidada análise da acusação, que foi alvo de escrutínio quer pelo Mmº JIC, que nela não encontrou qualquer nulidade, como pelos Mmºs Juízes do Julgamento, que também nela não vislumbraram a invocada nulidade, se constata que a mesma se divide essencialmente em duas partes: uma primeira, mais genérica, onde é efectuada uma descrição de todo o esquema empregue, com explicação das várias funções e posicionamentos em termos de hierarquia militar dos vários arguidos militares e, uma segunda, onde já é concretizada a actuação dos vários arguidos nas respectivas messes.
A acusação pode não ser perfeita mas é suficiente para permitir a cada arguido – e repare-se que há arguidos que não manifestaram qualquer dificuldade em compreender o que lhes foi imputado – compreender o respectivo alcance do que lhes era assacado, permitindo, assim, assegurar um direito de defesa completo.
Não se pode descurar o facto de que a acusação retrata um “pedaço de vida” de várias messes de várias bases aéreas dentro da Força Aérea Portuguesa, durante um período de tempo que durou vários anos e com o envolvimento de mais de 68 arguidos, tanto militares como civis.
Conforme explica de forma clara o Acórdão da Relação de Évora de 03-06-2014[24], embora referente a outro tipo de crime, as suas considerações são perfeitamente aplicáveis ao caso em apreço:
I. Como resulta até das mais elementares regras da experiência comum, há comportamentos humanos, sancionados penalmente, em relação aos quais não é possível (ou humanamente exigível) a concretização, quanto ao dia e á hora, de todos os atos que os integram.
II. É o que sucede no caso destes autos, em que ocorre uma imputação de um comportamento reiterado (durante um certo período de tempo, num local determinado, e por um motivo concretizado, o arguido desferiu «bofetadas» no ofendido - então menor de idade).
III. Foi, precisamente, para prevenir situações como as descritas que a norma do artigo 283º, nº 3, al. b), do C. P. Penal, impõe que as concretizações nela previstas sejam feitas «se possível» (as circunstâncias de tempo relativas á prática dos factos devem ser narradas se possível, na medida do possível, e, obviamente, dentro daquilo que for razoável á luz dos princípios que norteiam o nosso processo penal).
IV. Não padece de nulidade a acusação que balizou, suficientemente, o comportamento do arguido no tempo e no espaço, e que até indica, de forma clara, a motivação para o mesmo (o arguido atuou por o ofendido brincar sem cumprir as tarefas que lhe estavam destinadas).”
No caso em apreço temos um comportamento imputado em co-autoria a vários arguidos, os quais se inserem num conjunto maior de actuação, que, durante vários anos, actuando no seio reservado da Força Aérea, teriam praticado actos susceptíveis de censura penal.
Estão balizados o comportamento, o período temporal, as funções de cada um, os bens/serviços facultados pelos arguidos civis (comerciantes), estando descrita a concreta forma de actuar, a finalidade dessa actuação e a consciência de que todos agiam contra a lei.
Não se vislumbra, assim, a apontada nulidade prevista por violação do artº 283º nº3 al. b) do CPP, a qual, como já tínhamos vista, sempre estaria, em todo o caso, sanada.
Invoca ainda o arguido RR a inconstitucionalidade da norma contida no artº 283º nº 3 al. c) do CPP na interpretação normativa feita no acórdão recorrido por violação do artº 32º nº 5 da CRP.
Vejamos.
Recapitulando o disposto no nº 5 do artº 32º da CRP sabemos que “o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.”
Não se vislumbra em que medida o acórdão recorrido violou este preceito constitucional uma vez que, como vimos já, a acusação contém os elementos necessários para a imputação ao recorrente dos crimes pelos quais veio a ser condenado, tanto mais que o arguido, para efeitos de sustentar uma prescrição do procedimento criminal, que infra veremos, até aceita que a acusação coloca a consumação do crime de corrupção em 2006, quando todos os actos concretos que integram a prática do crime estão situados entre 2011 e 2016.
Curioso notar que o arguido RR quando é para defender um argumento – a prescrição do procedimento criminal – vê factos até onde os mesmos não existem na acusação, mas para defender argumento diverso já a acusação se revela inuficiente.
Por outro lado, o arguido pôde, como todos os outros arguidos, requerer abertura de instrução – que optou por não fazer, não deixando, contudo, de suscitar uma série de nulidades no âmbito da instrução – podendo apresentar contestação aos autos, e estar presente em sede de julgamento onde pôde sindicar toda a prova aí produzida, bem como prestar as declarações que entendesse necessárias à sua defesa, estando representado em juízo, desde o início, por ilustre advogado da sua escolha.
E tanto que pôde exercer o contraditório relativamente aos factos pelos quais vinha acusado que até conseguiu ver na acusação factos que colcoam a sua intervenção no longíquo ano de 2006.
Não se verifica, assim, a invocada inconstitucionalidade.
Improcedendo, consequentemente, e nesta parte os recursos dos arguidos UU, MM e RR.
III) Da (in)validade do procedimento de agente encoberto:
- recursos dos arguidos Pac & Bom - Comércio e Serviços, Lda., Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda. e EEE e AA
i) Da nulidade prevista no artº 119º al. e) do Código de Processo Penal:
Entendem os arguidos Pac & Bom - Comércio e Serviços, Lda., Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda. e EEE que o procedimento de agente encoberto padece da nulidade insanável prevista no artº 119º al. e) do CPP – violação das regras de competência do Tribunal – por ter sido validada pelo JIC ... quando o devia ter sido pelo JIC do Tribunal Central de Instrução Criminal.
Vejamos.
No âmbito dos presentes autos, durante o inquérito, foi feito recurso a um procedimento que implicou o envolvimento de um agente encoberto.
O regime jurídico que rege a acção de agente encoberto consta da Lei nº 101/2001 de 25 de Agosto[25].
Nos termos do artº 1 da Lei nº 101/2001 de 25 de Agosto as acções encobertas têm por finalidade:
- a prevenção dos crimes elencados no artº 2º;
- a investigação dos crimes elencados no artº 2º, sendo que esses crimes são:
“a) Homicídio voluntário, desde que o agente não seja conhecido;
b) Contra a liberdade e contra a autodeterminação sexual a que corresponda, em abstracto, pena superior a 5 anos de prisão, desde que o agente não seja conhecido, ou sempre que sejam expressamente referidos ofendidos menores de 16 anos ou outros incapazes;
c) Relativos ao tráfico e viciação de veículos furtados ou roubados;
d) Escravidão, sequestro e rapto ou tomada de reféns;
e) Tráfico de pessoas;
f) Organizações terroristas, terrorismo, terrorismo internacional e financiamento do terrorismo;
g) Captura ou atentado à segurança de transporte por ar, água, caminho-de-ferro ou rodovia a que corresponda, em abstracto, pena igual ou superior a 8 anos de prisão;
h) Executados com bombas, granadas, matérias ou engenhos explosivos, armas de fogo e objectos armadilhados, armas nucleares, químicas ou radioactivas;
i) Roubo em instituições de crédito, repartições da Fazenda Pública e correios;
j) Associações criminosas;
l) Relativos ao tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas;
m) Branqueamento de capitais, outros bens ou produtos;
n) Corrupção, peculato e participação económica em negócio e tráfico de influências;
o) Fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção;
p) Infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada ou com recurso à tecnologia informática;
q) Infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional;
r) Contrafacção de moeda, títulos de créditos, valores selados, selos e outros valores equiparados ou a respectiva passagem;
s) Relativos ao mercado de valores mobiliários.” – sublinhado nosso
E ainda os crimes previstos no artº 19º da Lei nº 109/2009 ou Lei do Cibercrime.
As acções encobertas devem obedecer aos seguintes requisitos plasmados no artº 3º da Lei nº 101/2001:
“1 - As acções encobertas devem ser adequadas aos fins de prevenção e repressão criminais identificados em concreto, nomeadamente a descoberta de material probatório, e proporcionais quer àquelas finalidades quer à gravidade do crime em investigação.
2 - Ninguém pode ser obrigado a participar em acção encoberta.
3 - A realização de uma acção encoberta no âmbito do inquérito depende de prévia autorização do competente magistrado do Ministério Público, sendo obrigatoriamente comunicada ao juiz de instrução e considerando-se a mesma validada se não for proferido despacho de recusa nas setenta e duas horas seguintes.
4 - Se a acção referida no número anterior decorrer no âmbito da prevenção criminal, é competente para autorização o juiz de instrução criminal, mediante proposta do Ministério Público.
5 - Nos casos referidos no número anterior, a competência para a iniciativa e a decisão é, respectivamente, do magistrado do Ministério Público junto do Departamento Central de Investigação e Acção Penal e do juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal.
6 - A Polícia Judiciária fará o relato da intervenção do agente encoberto à autoridade judiciária competente no prazo máximo de quarenta e oito horas após o termo daquela.”
Ora, os arguidos Pac & Bom - Comércio e Serviços, Lda., Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda. e EEE entendem que o JIC competente para intervir na acção encoberta seria o Tribunal Central de Instrução Criminal e não o JIC ....
Não podemos sufragar tal entendimento pelos seguintes motivos:
Em primeiro lugar, a acção de agente encoberto teve o seu início em 26-11-2015 sendo que o inquérito, no âmbito do qual se inseriu, teve início em 2014 com uma denúncia anónima de uma situação de corrupção alegadamente já em curso há muitos anos.
Assim, a acção de agente encoberto teve por finalidade a repressão e investigação criminal e não a sua prevenção (modalidade prevista no nº 4), pelo que nos termos do nº 3 do citado artº 3º da Lei aplicável a competência seria do Juiz de Instrução Criminal e não do Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal.
Aliás, outro entendimento não seria viável em termos sistemáticos.
Repare-se que o nº 3 do citado artº 3º diz claramente que “a realização de uma acção encoberta no âmbito do inquérito depende de prévia autorização do competente magistrado do Ministério Público …”
Ora o magistrado do MºPº “competente” para dirigir um inquérito define-se nos termos do artº 264º do Código de Processo Penal que estabelece as seguintes regras:
“1 - É competente para a realização do inquérito o Ministério Público que exercer funções no local em que o crime tiver sido cometido.
2 - Enquanto não for conhecido o local em que o crime foi cometido, a competência pertence ao Ministério Público que exercer funções no local em que primeiro tiver havido notícia do crime.
3 - Se o crime for cometido no estrangeiro, é competente o Ministério Público que exercer funções junto do tribunal competente para o julgamento.
4 - Independentemente do disposto nos números anteriores, qualquer magistrado ou agente do Ministério Público procede, em caso de urgência ou de perigo na demora, a actos de inquérito, nomeadamente de detenção, de interrogatório e, em geral, de aquisição e conservação de meios de prova.
5 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 24.º a 30.º”
Pelo que, no caso em apreço, considerando onde surgiu a notícia do crime, e onde a maioria das messes, onde os crimes se verificam, se situam, o Magistrado do MºPº com competência para dirigir o inquérito que levou à decisão que suscitou os recursos em análise é do DIAP de ..., competência jamais questionada nos autos[26].
Pelo que, o acompanhamento que deveria ser efectuado pelo Juiz de Instrução Criminal, incumbia aos Juízos de Instrução Criminal ..., afectos ao DIAP de ..., e não o Juizo do Tribunal Central da Instrução Criminal.
Em segundo lugar, o que está em causa no caso sub judice é um procedimento que, nascendo em sede de um inquérito, é da responsabilidade dos órgãos de polícia criminal sob controle do MºPº sendo que o JIC, neste caso, deve validar a autorização concedida pelo MºPº mas considerando-se a mesma validada se não for proferido despacho de recusa nas setenta e duas horas seguintes.
Ou seja, nem sequer se exige um despacho concreto do JIC para se considerar validada a autorização concedida pelo MºPº para a acção encoberta, bastando o silêncio do JIC que, assim, nem sequer tem de fundamentar a sua posição, nem tomar uma posição expressa de consentimento.
Havendo um automatismo processual, no tocante à sua validação, a partir do momento em que o MºPº autoriza a respectiva acção[27].
Em terceiro lugar, há que compreender que a competência dos Tribunais de Instrução Criminal afere-se em dois momentos distintos consoante a natureza da sua intervenção, ou seja, se estamos perante uma intervenção durante o inquérito, em que o JIC intervém nos termos dos artºs 268º e 269º do CPP, ou se estamos já em fase de instrução.
É que, estando em causa a fase de inquérito, cuja direcção compete ao MºPº, a intervenção pontual do JIC, será determinada em função da competência territorial que abrange o MºPº daquele inquérito.
Sendo que a abertura de instrução determina uma nova fase processual e obriga a aplicação de regras de competência próprias para o Juiz de Instrução Criminal que poderão não coincidir com o JIC que praticou actos delimitados na fase do inquérito.
Conforme muito bem explicado no Acórdão desta mesma Relação de Lisboa de 10-04-2014[28] que aqui se transcreve:
“O entendimento do despacho recorrido é o de que a competência do TCIC se fixa no momento da instauração do inquérito, a partir da notícia do crime, e que as modificações de facto posteriores não podem modificar essa competência, donde conclui que se mantém a sua competência para a realização da instrução aqui em causa.
 Não concordamos com este entendimento.
 Em primeiro lugar, sendo verdade que o CPP quando se refere a processo engloba o inquérito, a instrução (quando haja) e o julgamento, no processo penal, diferentemente do que acontece no processo civil, há uma competência para cada uma destas fases.
 Na verdade, existe a competência do MP, no inquérito, a competência do TIC, na instrução, e a competência do tribunal do julgamento.
 Durante o inquérito só está definida a competência territorial do MP (art.º 264º do CPP). A competência do JIC para intervir no inquérito só está definida em termos de reserva de jurisdição (art.ºs 17º, 268º e 269º do CPP), não havendo qualquer norma que defina a competência do JIC no inquérito, já que a norma do art.º 288º/2 do CPP, pela sua inserção sistemática se refere à competência para a instrução.
 Por outro lado, a competência territorial do MP pode-se ir modificando em face dos resultados da investigação (art.º 264º/2 do CPP), sendo, nesse caso, os autos transmitidos ao MP competente (art.º 266º do CPP). Isto acontece porque a realidade dos factos pode divergir da constante da notícia do crime.
Por isso é que o objecto do processo só se fixa com a acusação ou com o RAI (no caso de arquivamento pelo MP). Até lá podemos dizer que o objecto do processo está em aberto.
Consequência dessa fixação do objecto do processo é que, posteriormente, só se podem fazer alterações nos casos dos art.ºs 358º e 359º do CPP.
Podemos assim dizer que os elementos constantes da notícia do crime são irrelevantes para a determinação do objecto do processo.
O mesmo terá que se dizer dos indícios existentes aquando da primeira intervenção do JIC no inquérito.
Por isso, não podemos aceitar a jurisprudência abundante que faz equivaler a instauração do inquérito à propositura da acção. Esta equivalência à propositura da acção, a haver, será com a acusação ou o RAI.”
Invocam, contudo, os recorrentes o disposto no artº 120º nº 1 al. f) da Lei nº 62/2015 de 26-08 – Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) – que delimita a competência dos Tribunais de Instrução Criminal para fundamentar a competência do TCIC no caso dos autos e, consequentemente, arguir a nulidade prevista no artº 119º al. e) do CPP.
No entanto, se olharmos o teor do artº 120º da LOSJ constatamos que ele visa estabelecer uma competência territorial para os tribunais de instrução criminal “quando a atividade criminosa ocorrer em comarcas pertencentes a diferentes tribunais da Relação,…” – sublinhado nosso
Ora, no caso em apreço, à excepção das messes de ... e ..., todos as outras messes encontram-se em comarcas pertencentes ao Tribunal da Relação ....
Por outro lado, o que resulta do artº 120º da LOSJ é uma atribuição de competência ao TCIC com base num factor territorial “atividade criminosa ocorrer em comarcas pertencentes a diferentes tribunais da Relação…”
Sendo de notar, no entanto, que a acção penal, na fase do inquérito dos presentes autos, correu sempre perante o DIAP de ... e não perante o DCIAP, pelo que, nos termos do nº 2 do artº 120º da LOSJ “a competência dos juízos de instrução criminal da sede dos tribunais da Relação abrange a respetiva área de competência relativamente aos crimes a que se refere o número anterior, quando a atividade criminosa ocorrer em comarcas diferentes dentro da área de competência do mesmo tribunal da Relação.”
O que significa que, em última análise, a considerar que pudesse ter havido preterição do TCIC (o que não se aceita e só por mera hipótese académica se contempla), tal configuraria uma mera incompetência relativa, assente na violação das regras do território, uma vez que o TCIC não tem uma competência diferente da dos Tribunais de Instrução Criminal em termos materiais[29] nem está hierarquicamente acima destes, como se retira do artº 120º da LOSJ.
Ora, o artº 119º al. e) do CPP que diz ser uma nulidade insanável “a violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º” acaba por subtrair do seu âmbito o artº 32º nº 2 do Código de Processo Penal que diz o seguinte:
“2 - Tratando-se de incompetência territorial, ela somente pode ser deduzida e declarada:
a) Até ao início do debate instrutório, tratando-se de juiz de instrução; ou
b) Até ao início da audiência de julgamento, tratando-se de tribunal de julgamento.” – sublinhado nosso
No caso em apreço, estando em causa uma eventual incompetência relativa do juiz de instrução criminal, deveriam os recorrentes em referência ter arguido a respectiva nulidade até ao início do debate instrutório.
Não o tendo feito, constata-se que, também por este argumento, deixa de se verificar a suscitada nulidade do procedimento de agente encoberto, improcedendo o recurso dos recorrentes Pac & Bom - Comércio e Serviços, Lda., Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda. e EEE nesta parte.
ii) Da (im)possibilidade de consulta do procedimento de agente encoberto:
Entendem ainda os recorrentes Pac & Bom - Comércio e Serviços, Lda., Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda. e EEE que ao lhes ter sido negada a possibilidade de consultar o procedimento de agente encoberto que isso bule com os seus direitos de defesa e com o direito a um julgamento justo (fair trial).
Vejamos.
Nos termos do disposto no artº 4º da Lei nº 101/2001 de 25-08:
“1 - A autoridade judiciária só ordenará a junção ao processo do relato a que se refere o n.º 5 do artigo 3.º se a reputar absolutamente indispensável em termos probatórios.
2 - A apreciação da indispensabilidade pode ser remetida para o termo do inquérito ou da instrução, ficando entretanto o expediente, mediante prévio registo, na posse da Polícia Judiciária.
3 - Oficiosamente ou a requerimento da Polícia Judiciária, a autoridade judiciária competente pode, mediante decisão fundamentada, autorizar que o agente encoberto que tenha actuado com identidade fictícia ao abrigo do artigo 5.º da presente lei preste depoimento sob esta identidade em processo relativo aos factos objecto da sua actuação.
4 - No caso de o juiz determinar, por indispensabilidade da prova, a comparência em audiência de julgamento do agente encoberto, observará sempre o disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 87.º do Código de Processo Penal, sendo igualmente aplicável o disposto na Lei n.º 93/99, de 14 de Julho.”
Ora, como se retira da norma acabada de citar a junção do processo de acção encoberta e, consequentemente, a sua consulta integral não só não é obrigatória, como traduz uma situação excepcional.
No caso em apreço, até foram sendo juntos vários elementos do procedimento em apreço e que revelam o controle jurisdicional do respectivo processo, além do agente encoberto ter sido ouvido em sede de julgamento.
Não há, assim, nada que nos leve a concluir que os direitos de defesa bem como o direito a um julgamento justo destes recorrentes ou dos outros arguidos tenham sido beliscados com o facto de não terem sido permitidos consultar o procedimento de acção encoberta.
Toda a prova recolhida em sede do procedimento de agente encoberto, incluindo a audição do respectivo agente em sede de julgamento, onde pôde ser amplamente escrutinado pelas respectivas defesas, sempre esteve disponível sendo que é a prova oferecida no âmbito dos autos que os arguidos devem conhecer.
Se essa prova é válida ou se o Tribunal a quo a podia valorizar da forma como fez é questão diferente que deve ser tratada a nível de erro de julgamento e da proibição da prova amaplamente suscitada nos recursos e que será alvo de tratamento jurídico no item própria supra anunciado e que veremos infra.
Mas, mesmo que se viesse a considerar que a prova recolhida no âmbito da acção encoberta era proibida, por eventualmente, o agente encoberto poder ser considerado um agente provocador ou por se entender que excedeu o âmbito dentro do qual fora autorizado actuar, tal não torna o procedimento em si nulo, nem a falta de consulta desse procedimento afecta os direitos de defesa dos arguidos porquanto os mesmos foram confrontados com a prova que daí resultou podendo, como o fizeram em muitos dos recursos submetidos a esta Relação, invocar precisamente a nulidade dessa prova.
Ou seja, para se garantir um “fair trial” a um arguido e respeitar os seus direitos de defesa o que é fundamental é confrontá-lo com os meios de prova existentes, não sendo o procedimento de acção encoberta um meio de prova em si, sendo certo que todos os arguidos sabem qual a prova que resultou da acção encoberta – tanto que invocam a sua nulidade – e qual a que foi fruto de outras intervenções em sede de inquérito.
Além do mais, o agente encoberto foi ouvido em sede de julgamento pelo que pôde ser escrutinado e interrogado por todos os ilustres defensores dos arguidos[30].
Não há, assim, qualquer nulidade – que, aliás, os arguidos em apreço nem sequer identificam – proveniente do simples facto dos arguidos Pac & Bom - Comércio e Serviços, Lda., Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda. e EEE não terem sido autorizados a consultar o procedimento da acção encoberta.
Entende, ainda, o arguido AA que o artº 4º da Lei nº 101/2001, que supra citamos, é inconstitucional porquanto viola o disposto no artº 32º nºs 1 e 5 da CRP bem como o artº 6º da Convenção dos Direitos do Homem.
Vejamos.
Recapitulando o disposto no artºs 32º nºs 1 e 5 da CRP sabemos que estas normas determinam o seguinte:
“1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.”
Ora, o artº 4º da Lei nº 101/2001 não viola, em nosso entendimento, os nºs 1 e 5 do citado artº 32º da CRP porquanto, como o dissemos supra, o simples facto do arguido não poder consultar na íntegra o procedimento de acção encoberta não significa que não tenha sido confrontado com todos os meios de prova daí resultante e utilizados pelo Tribunal a quo.
Aliás, o Tribunal a quo teve o mesmo acesso aos mesmos elementos do procedimento de acção encoberta que os arguidos, tanto mais que jamais poderia fundamentar a sua convicção em elementos com os quais os arguidos não tivessem sido confrontados.
Por outro lado, a acção encoberta não bule com a estrutura acusatória da acção penal, e o facto do procedimento em si não ser consultável não significa que tenha sido violado o direito ao contraditório por parte do arguido recorrente, ou dos outros arguidos, porquanto todos os meios de prova que resultaram da respectiva acção foram revelados e alvo de escrutínio, tanto assim é que vários arguidos vieram arguir a nulidade das respectivas provas.
Como esclarece o Acórdão do STJ de 10-03-2016[31]:
“Contra o que pretendem os recorrentes não está prevista legalmente a junção aos autos de todo o expediente da acção encoberta nem tal faria sentido desde logo perante as exigências de segurança dos intervenientes na acção encoberta que se não restringe à mera identificação propriamente dita, não se levantando obstáculo intransponível aos direitos de defesa do arguido mormente ao nível do respeito pelo contraditório, prevista como está a possibilidade de junção ao processo de um relato da acção encoberta (art. 3.º, n.º 6 e 4.º, n.º 1) e, o que é decisivo sobretudo para esse exercício do contraditório, a prestação de depoimento do agente encoberto certamente quem, mercê da sua intervenção directa, em melhor situação estará para esclarecer os contornos da acção encoberta designadamente ao nível da avaliação dessa intervenção quanto a poder ser configurada como a de um agente infiltrado ou de um agente provocador permitindo depois a conclusão sobre se a prova resultante dessa intervenção é ou não prova proibida. Pelo que não se verifica qualquer limitação desproporcionada do direito de defesa dos arguidos e dos limites mínimos do princípio do contraditório, ao contrário do invocado pelos recorrentes.”
Não, há, assim, qualquer inconstitucionalidade do artº 4º da Lei nº 101/2001.
Nem se vislumbra qualquer violação do disposto no artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos que dispõe o seguinte:
“1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.
3. O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:
a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada;
b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa;
c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem;
d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação;
e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo.”
Como já referido, o facto da consulta do procedimento de acção encoberta não só não vir contemplada como direito de defesa do arguido, como a sua proibição não impede o exercício do contraditório uma vez que a defesa de qualquer acusado é efectuada com o confronto dos meios de prova e esse confronto foi garantido a todos os arguidos.
Em especial, no caso em apreço, apesar de ser excepcional, o agente encoberto foi ouvido em sede de julgamento pelo que pôde ser escrutinado sobre a sua acção, a forma como agiu em relação aos arguidos, a prova que recolheu etc.
Estando, assim, assegurado um julgamento equitativo, bem como o controle jurisdicional do próprio procedimento, aferível da certidão mandada juntar aos autos, e do relatório que faz o apenso III, nenhuma ilegalidade há a determinar quer no que tange à impossibilidade de se consultar o procedimento de acção encoberta, quer no que diz respeito ao valor jurídico a atribuir ao artº 4º da Lei nº 101/2001, pelo que improcede, nesta parte, o recurso do arguido AA.
Do Recurso Intercalar:
Vejamos, agora, o recurso intercalar interposto pelos recorrentes Pac & Bom - Comércio e Serviços, Lda., Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda. e EEE em relação ao despacho proferido em 11-09-2019.
Entendem estes arguidos que o despacho em referência é contraditório, e por isso, nulo, bem como repetem os mesmos argumentos já expendidos no âmbito deste recurso quanto à falta de consulta e falta de junção do procedimento de acção encoberta.
Quanto a este segundo argumento, já nos pronunciámos supra sendo de recapitular que o procedimento de acção encoberta não tem de ser junto aos autos, nem consultado, não havendo qualquer inconstitucionalidade do disposto no artº 4º da Lei nº 101/2001 na leitura efectuada pelo Tribunal a quo, sendo essa leitura a que é assumida pela jurisprudência maioritária, nomeadamente o STJ conforme acórdão supra identificado.
Quanto ao facto dos recorrentes entenderem ser essencial à sua defesa a consulta do procedimento de acção encoberta para poder confrontar as testemunhas ao tempo ouvidas, entendemos que esse argumento não tem validade uma vez que, como bem referido pelo Tribunal a quo no despacho recorrido, o procedimento de acção encoberta não é, em si, um meio de prova, que se pudesse sindicar.
Por outro lado, o Tribunal a quo ao abrigo do artº 127º da CPP é livre de apreciar as declarações das testemunhas cujos depoimentos teriam sempre de ser conjugados com toda a prova produzida nos autos, e não só com os meios de prova provenientes do procedimento de acção encoberta.
Quanto à contradição apontada pelos recorrentes não a vislumbramos, mostrando-se o despacho recorrido perfeitamente coerente e lógico na sua sequência de fundamentação.
O facto do Tribunal a quo ter entendido, numa primeira linha de argumentação, que a junção do procedimento de acção encoberta era prematura e depois, numa segunda linha de argumentação, ter concluído pela impossibilidade legal dessa junção se verificar não significa que haja qualquer contradição.
Simplesmente o Tribunal a quo, teve o necessário cuidado de blindar qualquer possível argumentação, sendo de notar que na fase processual em que os recorrentes pugnavam pelo direito de consultar na íntegra um procedimento, que não tem de ser junto aos autos como meio de prova (que não é), essa junção, a ser admissível (que não é), sempre se mostraria prematura.
Repare-se que o que os recorrentes pretendiam, na realidade, era condicionar a livre apreciação do Tribunal a quo da prova a ser produzida ao tempo e a que ainda se iria produzir, pretendendo antecipar argumentos tendentes a invalidar, logo em sede de julgamento e sem que toda a prova tivesse sido produzida, os meios de prova resultantes quer das declarações do agente encoberto, quer da demais prova que resultou do procedimento de acção encoberta.
Pretendiam os recorrentes que o Tribunal a quo se antecipasse, sem que o julgamento tivesse terminado, e antes das alegações orais de cada um, a um juízo de valor sobre a natureza (i)lícita da prova que resultara da acção encoberta e que teria sempre de ser conjugada com a demais prova, nomeadamente, testemunhal e documental constante dos autos e que não provinha da acção encoberta.
E não se venha com o argumento de que o respectivo indeferimento dessa consulta também com base numa situação de intempestividade, por prematuro, é inconstitucional com violação dos artºs 20º nºs 1 e 4 e 32º nºs 1 e 5 da Constituição, porquanto não só o procedimento em causa não é, em si, um meio de prova, como todos os meios de prova que sustentam a acusção constam desta peça, e, portanto, todos os aguidos tiveram acesso aos meios em causa.
Repare-se que o procedimento de acção encoberta também não foi consultado pelo Tribunal a quo, o qual teve o mesmo acesso aos mesmos meios de prova que os restantes intervenientes, incluindo o apenso III.
Não é a consulta desse procedimento que garante os direitos de defesa dos arguidos, nem a igualdade de armas, antes a possibilidade de sindicar os meios de prova que constam dos autos, consultável pelos arguidos e trazidos à luz em sede de audiência de discussão e julgamento.
Quanto à alegada falta de imparcialidade que os recorrentes imputam ao Tribunal a quo no despacho recorrido de duas uma:
Ou entendiam que essa falta de imparcialidade era verdadeira e premente e nesse caso deveriam, então, ter lançado mão do mecanismo previsto no artº 43º do Código de Processo Penal, suscitando o competente incidente de escusa, que efectivamente não fizeram, pelo que, somos a concluir, que não entendem, afinal, que houvesse uma verdadeira falta de imparcialidade.
Ou o argumento da falta de imparcialidade do Tribunal a quo serve apenas para colocar em crise um despacho judicial, assente em argumento não jurídico.
Repare-se que já em sede de instrução se havia suscitada a ilegalidade da prova obtida pelo agente encoberto tendo sido proferida decisão instrutória que entendeu o contrário e pronunciou os arguidos, à excepção de um (no que tange ao agente encoberto), para julgamento.
 Por outro lado, o que o Tribunal a quo afirma no despacho recorrido, sempre ao encontro dos argumentos concretamente utilizados pelos recorrentes, é que, mesmo baseando-se, apenas, nas declarações dos arguidos, sem conjugá-las com toda a prova ainda por produzir ao tempo de prolação do despacho sob escrutínio, resultava já dessas declarações que a actuação criminosa estava em curso muito antes do agente encoberto actuar.
Repare-se que o Tribunal a quo, entre muitas coisas, e sempre num encadeamento lógico, referiu o seguinte:
“Nesta medida, ainda que nos circunscrevêssemos às declarações prestadas, até ao momento presente, pelos arguidos (o que, conforme já referimos, consubstancia apenas um de entre os vários meios de prova a produzir em audiência de julgamento), segundo as quais a atividade delituosa em casa nos presentes autos já se vinha desenvolvendo desde, pelo menos, o ano de 2012, sempre teríamos de concluir pela autuação do “Colaborador ZZZ” dentro dos limites da figura do agente encoberto, e nunca como agente provocador, porquanto tal pressuporia que a sua conduta tivesse sido determinante dessa mesma prática, antecedendo o momento em que a intenção criminosa surgiu no autor ou autores dos factos e determinando-a, o que, de acordo com essas mesmas declarações, não sucedeu.”
Esta leitura efectuada pelo Tribunal a quo não revela qualquer falta de imparcialidade da sua parte mas antes, um, de entre vários argumentos, para fundamentar o motivo pelo qual a consulta do procedimento de acção encoberta pelos recorrentes não podia ser atendida, tanto mais que os recorrentes partiam do pressusposto, que no seu entendimento era absolutamente inabalável, de que o agente encoberto agiu forçosamente como agente provocador e que a prova daí resultante era nula.
De qualquer modo a verdade é que o despacho recorrido, à cautela, entendeu por bem, e sem que estivesse obrigado a fazê-lo, determinar a junção de certidão de algumas peças do respectivo procedimento que permitiu sindicar a legalidade do mesmo.
Pelo que, na prática, aquilo que interessava para garantir a defesa dos arguidos foi concedido.
De notar ainda que os recorrentes não identificam que nulidade seria essa que pudesse resultar de uma eventual contradição, sendo que, como vimos já, a invocada falta de imparcialidade do Tribunal a quo não foi suscitada no tempo e através de incidente adequado.
Em todo o caso, estando em causa um mero despacho e não uma sentença/acórdão, seria aplicável ao eventual vício referido pelos recorrentes o disposto no artº 97º do Código de Processo Penal, pelo que, a existir uma eventual falta de fundamentação por a oferecida pelo Tribunal a quo se revelar contraditória, tal vício traduzir-se-ia numa mera irregularidade cuja disciplina se encontra regulada no artº 123º do Código de Processo Penal que, no seu nº 1, determina o seguinte:
“Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.”
Ora, do que podemos apreender da consulta dos autos, os recorrentes não arguiram qualquer irregularidade (ou mesmo nulidade) no acto em que o despacho sob escrutínio foi proferido, nem nos três dias subsequentes.
Pelo que, qualquer eventual irregularidade existente em tal despacho, que repetimos não vislumbramos sequer, sempre estaria sanada.
Assim, e em conclusão no que tange ao despacho recorrido, não vislumbramos qualquer contradição nos argumentos apresentados nem entre a fundamentação e a respectiva decisão, e ainda que tal vício existsisse, o mesmo traduziria uma mera irregularidade que não foi arguida no momento processual próprio pelo que se encontra sanado.
Quanto à falta de imparcialidade do Tribunal a quo a mesma deveria ter sido oportunamente suscitada nos termos do artº 43º do CPP, no prazo e pelo correspondente incidente processual, o que não foi, não podendo os recorrentes valer-se de uma argumentação de falta de imparcialidade do Tribunal a quo sem daí retirar as necessárias consequências processuais.
Por fim, a falta de consulta do procedimento de acção encoberta não gera qualquer inconstitucionalidade, mormente as violações à Constituição apontadas pelos recorrentes uma vez que o seu direito de defesa e direito de exercer o contraditório asseguram-se com o confronto em sede de julgamento dos meios de prova existentes e nos quais se baseiam a acusação.
Nada havendo a apontar ao despacho recorrido, o qual aqui se confirma, deve o recurso intercalar proposto pelos arguidos Pac & Bom - Comércio e Serviços, Lda., Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda. e EEE improceder.
IV) Da Prescrição do Procedimento Criminal:
- recurso do arguido RR
Entende o arguido RR que em relação a si o procedimento criminal mostra-se prescrito uma vez que a actividade criminosa teve o seu início em 2006 e apenas foi constituído arguido em 2016.
Vejamos.
O arguido RR entende que, pese embora o Tribunal a quo tenha delimitado o início da actuação criminosa entre 2011 e 2015 (artº 4º da acusação), que tal período temporal se aplica a outros arguidos uma vez que, no seu caso, o Tribunal a quo deu como provado que assumiu funções na messe desde Maio de 2006.
Consequentemente, “tratando-se de uma única resolução criminosa, o crime ter-se-ia consumado logo naquela data (Maio de 2006) por força do disposto no artº 374º nº 1, na versão aplicável, posterior à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 48/95 de 15 de março, nos termos do qual o momento da consumação do crime de corrupção activa nela previsto é aquele em que ocorra a promessa da vantagem ao funcionário e o acordo à respectiva aceitação por parte deste.”[32]
Antes de mais, não podemos sufragar este entendimento.
Em primeiro lugar, porque o arguido, que no seu recurso entende que não cometeu qualquer crime, por isso pugna pela sua absolvição, já entende, para efeitos de uma putativa prescrição, que afinal o seu comportamento “criminoso” teria de ser avaliado desde 2006.
Não é isso que resulta da acusação, nem do acórdão recorrido.
Na verdade, o facto vertido em nº 4 da acusação não pode ser divorciado dos restantes factos que surgem a seguir nomeadamente os factos vertidos em 6 a 17 e 19 a 36.
É certo que no facto vertido em 37 da acusação se afirma que:
“No total, e no perído de 2006 a 2016, a conduta de todos os arguidos representou uma sobrefacturação em montante não apurado, mas significativamente superior a 2.552.436,55€ (dois milhões quinhentos e cinquenta e dois mil quatrocentos e trinta e seis euros e cinquenta e cinco cêntimos).”
Mas deste único artigo não se retira o que o arguido RR pudesse ter retirado em concreto, a quem, como e quando, sendo que os comportamentos típicos delineados na acusação encontram-se balizados entre 2011 e 2016.
Ora, a primeira parte dos factos dados por provados no acórdão recorrido, e que resultam dos factos elencados na primeira parte da acusação, traduzem o esquema geral e situam o seu início, para efeitos de punibilidade dos arguidos implicados, no ano de 2011.
O facto de constar da acusação que o arguido RR foi gerente da messe da Base Aérea nº … desde 04-01-2005 até 09-11-2015 e da actividade delituosa se mostrar já enraizada, não descreve qualquer comportamento delituoso específico, e portanto, nunca o mesmo poderia ser julgado por factos que eventualmente poderão ter ocorrido entre 2005 e o ano de 2011.
Na verdade, não consta dos autos que o arguido, em particular, tivesse cometido qualquer infracção penal entre 2005 e 2011.
O período que é balizado é de 2011 a 2016.
Sabendo-se que a prática vinha de muito detrás, nenhum dos arguidos foi punido por factos que pudessem ter ocorrido antes de 2011 porquanto nem o MºPº na sua acusação, nem o Tribunal, no julgamento, apurou em concreto actvidade criminosa especificamente levada a cabo pelos arguidos deste processo no tempo que decorreu entre 2006 e 2011.
Além do mais os factos que são concretamente imputados ao arguido RR, constantes dos nºs 495 a 507 da acusação, balizam os actos de execução dos crimes imputados aos anos de 2013, 2014 e 2015.
O facto alegado no nº 495 da acusação diz o seguinte:
“Na messe da base aérea dos ... prestou serviço o Capitão RR desde 01/04/2005 até 09/11/2015.”
Ora, daqui não se retira que fosse imputado a este arguido, pelo MºPº, qualquer comportamento delituoso, em especial, o retratado nos autos a partir de 2005 ou 2006.
Mesmo que se afirmasse que a actividade delituosa já se vinha desenvolvendo há mais tempo, antes de 2011, só essa afirmação não permite a imputação aos arguidos de crimes ocorridos antes de 2011.
Não há, nem pode haver, a menor dúvida que os factos aptos a levar a uma condenação que são imputados aos arguidos, e, em particular, ao arguido RR na acusação estão claramente delimitados entre 2011 e 2016.
Aliás, se assim não fosse, e o facto vertido em 4 da acusação se aplicasse apenas aos arguidos aí referidos pergunta-se a quem é que o agruido RR teria entregue o dinheiro dos valores sobrefacturados antes de 2011?
E quais as empresas que actuaram em conluio com o respectivo esquema antes de 2011?
Aceita-se que a prática em causa fosse enraizada há muito mais tempo mas tudo quanto ocorreu antes de 2011 não foi, como não podia ser, considerado para efeitos de procedimento penal.
A prova oferecida aos autos pelo MºPº só permite uma imputação penal a partir de 2011.
Pelo que dúvidas não podem restar de que os factos com relevância penal mostram-se delimitados a partir de 2011 e não 2006 como pretende o arguido recorrente, e que adiante veremos, é uma data artificialmente invocada para se enquadrar numa tese (isolada) seguida num acórdão do Tribunal Constitucional.
Por outro lado, ainda que assim não se entendesse, o que não se concede e só por mera hipótese académica se contempla, a verdade é que estando em causa uma prática criminosa que se prolongou no tempo, de forma contínua em sem interrupções que fossem considerados quer na acusação, quer na matéria de facto dada por provada, não há dúvida que o crime que foi imputado ao arguido recorrente, despido de considerações sobre a culpa, o foi a título de crime de tracto sucessivo, traduzindo-se num crime permanente, concluindo o Tribunal a quo pela prática de um único crime de corrupção.
Tanto mais que, considerando que foram várias as vezes em que os actos típicos de execução do crime de corrupção ocorreram, em 2013, em 2014 e em 2015, o arguido, bem como todos os outros, teria de ser condenado em concurso real e efectivo pelo número de crimes de corrupção que efectivamente foram sendo praticados em cada momento temporal.
No entanto, não é isso que sucede no acórdão recorrido, que considerou estar em causa, em relação a cada um dos arguidos que condenou pela prática de crime de corrupção, quer activa, quer passiva, um único crime de corrupção.
Aliás, essa visão já vinha na acusação em que aos arguidos foram imputados um único crime de corrupção, ainda que em concurso com outros crimes.
E a decisão instrutória manteve essa imputação unitária.
Não se diga, como parece ser o entendimento do arguido RR que o que estaria em causa seria um crime continuado e que, como o MºPº não alegou que a execução era contínua ou que o crime fora executado de forma contínua, há que atender, então, ao primeiro momento da sua consumação.
O crime de corrupção delineado nos autos foi sempre encarado, quer pela acusação, quer pela pronúncia, quer pelo Tribunal a quo como um crime de execução continuada mas sem assumir a característica específica do crime continuado, previsto no artº 30º nº 2 do Código Penal, que exige a verificação de factores externos ao agente que permitam concluir-se por uma diminuição da sua culpa.
Assim, o que estará e sempre esteve em causa – até porque nunca se alegaram factos tendentes a demonstrar a existência de um crime continuado – é um crime de tracto sucessivo ou crime permanente e não um crime continuado ou um crime de execução única.
Assim sendo, e porque não discordamos desse entendimento[33], ainda que o arguido RR, que sempre negou ter participado em qualquer esquema criminoso, invoque que, em relação a si, o crime consumou-se logo em 2006, a verdade é que, estando em causa um único crime de corrupção é a partir do momento em que o mesmo deixa de ser praticado que se há-de aferir a útlima vez que se consumou (em termos parcelares).
Sob pena de se considerar que o crime se consumou logo em 2006, ou em 2011, e a partir daí não mais voltou a consumar-se o que não é aceitável, nem é isso que resulta dos factos plasmados na acusação.
O que sucede é que, ainda que o crime de corrupção se consumasse logo em 2006, ou em 2011, ele continuou a ser praticado, pelo menos pelo arguido recorrente conforme entendimento na acusação, até 2015.
Só quando o crime, que se repete no tempo, com unicidade para ser considerado um único crime, deixa de ser praticado é que se pode considerar que cessou a sua última consumação.
Ora, o que o arguido está a propor é que o sistema penal nem sequer contemple punir um agente pela prática de crimes graves e alvos de elevada censura pela comunidade (como é o caso da corrupção que destrói as sociedades e mina o Estado de Direito), mesmo que a actividade criminosa perdure no tempo e se revele actual, ainda no decurso do inquérito, se sobre a primeira vez que o crime se consumou já tiver decorrido os prazos prescricionais legalmente previstos.
O que levaria ao absurdo de não se julgar, e muito menos punir, um criminoso que pudesse manter a sua actividade até à actualidade só porque a primeira vez que praticou o facto punível se consumou logo nessa altura, não mais podendo ser contabilizadas todas as vezes que, entretanto, continuou a praticar o crime.
Aliás, a seguir a tese do arguido teríamos de concluir que o mesmo praticou, então, tantos crimes de corrupção quantas as vezes que encetou os actos de execução próprios desse crime, pelo que, ainda que o crime se tivesse consumado uma primeira vez em 2006, ele continuou a consumar-se todas as vezes que foi sendo praticado, pelo que, em vez de beneficiar de uma punição por um único crime, teria de ser punido conforme o número de crimes efectivamente cometidos, ainda que os primeiros pudessem ter, entretanto, sido extintos por prescrição, os praticados no prazo prescricional sempre seriam puníveis.
Assim, ainda que hipoteticamente se considerasse que o agruido RR tivesse iniciado a sua actividade criminosa em 2006, a repetição com que foi praticando o crime, que durou até 2015, leva a concluir que o último facto típico praticado, ou melhor dizendo, a última vez que o crime se consumou foi em 2015.
Diz o artº 118º do Código Penal subordinado à epígrafe “prazos de prescrição” o seguinte:
“1 - O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos:
a) 15 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for superior a 10 anos ou dos crimes previstos nos artigos 335.º, 372.º, 373.º, 374.º, 374.º-A, 375.º, n.º 1, 377.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, 382.º, 383.º e 384.º do Código Penal, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, alterada pelas Leis n.os 108/2001, de 28 de novembro, 30/2008, de 10 de julho, 41/2010, de 3 de setembro, 4/2011, de 16 de fevereiro, e 4/2013, de 14 de janeiro, 7.º, 8.º e 9.º da Lei n.º 20/2008, de 21 de abril, e 8.º, 9.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, e ainda do crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção;
b) Dez anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos, mas que não exceda dez anos;
c) Cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos;
d) Dois anos, nos casos restantes.
2 - Para efeito do disposto no número anterior, na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes.
3 - Se o procedimento criminal respeitar a pessoa colectiva ou entidade equiparada, os prazos previstos no n.º 1 são determinados tendo em conta a pena de prisão, antes de se proceder à conversão prevista nos n.os 1 e 2 do artigo 90-B.º
4 - Quando a lei estabelecer para qualquer crime, em alternativa, pena de prisão ou de multa, só a primeira é considerada para efeito do disposto neste artigo.
5 - Nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, bem como no crime de mutilação genital feminina sendo a vítima menor, o procedimento criminal não se extingue, por efeito da prescrição, antes de o ofendido perfazer 23 anos.”
E dispõe o artº 119º do Código Penal cuja epígrafe é “início do prazo” que:
“1 - O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.
2 - O prazo de prescrição só corre:
a) Nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação;
b) Nos crimes continuados e nos crimes habituais, desde o dia da prática do último acto;
c) Nos crimes não consumados, desde o dia do último acto de execução.
3 - No caso de cumplicidade atende-se sempre, para efeitos deste artigo, ao facto do autor.
4 - Quando for relevante a verificação de resultado não compreendido no tipo de crime, o prazo de prescrição só corre a partir do dia em que aquele resultado se verificar.”
O inquérito teve o seu início em 2014, tendo o crime de corrupção continuado a ser cometido pelo arguido até, pelo menos, 2015, segundo a acusação, sendo que o recorrente foi constituído arguido em 2016.
Claro se torna ver que o procedimento prescricional estava longe de se encontrar prescrito.
Mesmo com a sucessão de leis penais no tempo, em que foram alterados os prazos prescricionais, há sempre actos de execução do crime de corrupção que o MºPº imputa ao arguido após essa sucessão, sendo que o fim da respectiva consumação apenas ocorreu em 2015 já estava em vigor a actual redacção do artº 118º do Código Penal.
Não há, assim, qualquer dúvida que o procedimento criminal não se mostra prescrito.
Invoca, contudo e ainda, o arguido RR a inconstitucionalidade do artº 119º nº 1 e artº 374º nº 1 ambos do Código Penal na leitura de que o crime de corrupção se consome com a entrega da vantagem em vez de se consumir com a mera promessa dessa vantagem.
E invoca em abono da sua tese um recente Acórdão do Tribunal Constitucional com o nº 90/2019 que diz o seguinte:
“Julga “inconstitucional, por violação do princípio da legalidade criminal, os artigos 119.º, n.º 1 e 374.º, n.º 1, ambos do Código Penal, (…) quando interpretados no sentido de que o prazo de prescrição do crime de corrupção ativa é contado a partir da data em que ocorra a entrega de uma dada vantagem ao funcionário, e não a partir da data em que ocorra a promessa dessa vantagem.”
Ora, esta decisão do Tribunal Constitucional, com a qual respeitosamente não podemos concordar, assenta num acórdão proferido pelo STJ que considerou o seguinte:
“o prazo prescricional dos crimes de corrupção, em causa nestes autos, só corre a partir da data do pagamento dos subornos ou do acto ou omissão contrário aos deveres do cargo do agente passivo do crime (…)», e que «o crime de corrupção activa tem-se por formalmente consumado com a mera promessa de vantagem (…) mas o início do prazo prescricional  (…) não se verifica desde o dia da sua consumação formal. A lei no n.º 1 do art. 119.º do CP não pode deixar de ser interpretado e aplicado, tendo em vista a consumação material do crime ou terminação.”
Não se pode sufragar o entendimento proferido no referido acórdão do Tribunal Constitucional, o qual, aliás, obteve um voto de vencido, porquanto o mesmo viola o disposto no próprio artº 374º nº 1 do Código Penal cuja epígrafe é corrupção activa que diz o seguinte:
“1 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no n.º 1 do artigo 373.º, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2 - Se o fim for o indicado no n.º 2 do artigo 373.º, o agente é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.
3 - A tentativa é punível.” – sublinhado nosso
Ora, é a própria lei penal, através da citada norma, que prevê duas possibilidades de se cometer o crime de corrupção activa[34]: através da promessa e através da entrega.
Essa norma consta de lei penal pré-existente e escrita, pelo que não se compreende como é o Tribunal Constitucional entende que a inconstitucionalidade em causa resulta da violação do artº 29º da Constituição que diz o seguinte:
“1. Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior.
2. O disposto no número anterior não impede a punição, nos limites da lei interna, por acção ou omissão que no momento da sua prática seja considerada criminosa segundo os princípios gerais de direito internacional comummente reconhecidos.
3. Não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas em lei anterior.
4. Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.
5. Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.
6. Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”
Ora, nos termos do artº 9º nº 2 do Código Civil “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.”
É o próprio artº 374º nº1 do Código Penal que prevê expressamente que o crime de corrupção activa se consome quer pela promessa, quer pela entrega, sendo um corolário lógico, que se houver as duas situações, a consumação considera-se realizada no último dos actos praticados.
Se assim não fosse, como o afirmámos supra, o sistema jurídico estaria a permitir que crimes pudessem continuar a ser praticados no tempo sem qualquer censura penal pois para efeitos de prescrição o que revelaria seria apenas e tão só o primeiro acto de consumação do crime e não o último.
De notar ainda que o acórdão do Tribunal Constitucional em referência ignora o disposto no nº 2 do artº 119º que diz claramente que em caso de crimes permanentes e continuados o prazo prescricional só começa quando cessa a consumação e com a prática do último acto de execução, respectivamente.
E ignora porque, o caso concreto subjacente ao Acórdão nº 90/2019, não traduzia uma situação de crime permanente ou de execução contínua.
Se olharmos com cuidado a respectiva fundamentação oferecida no Ac. nº 90/2019 vislumbramos o seguinte entendimento base:
“Por força da referida interpretação normativa, quando o crime de corrupção activa se traduza na promessa de vantagem não é possível nunca afirmar-se que o crime se encontra prescrito definitivamente, ficando apenas condicionalmente prescrito desde o termo do prazo de prescrição contado da data da promessa de vantagem até à ocorrência do evento futuro e incerto, que determinará o novo início do prazo de prescrição, que é a entrega do suborno. Criando-se, assim, na realidade, a figura da prescrição sob condição resolutiva, o que se traduz, na prática, na existência, contra legem, de crimes de corrupção activa imprescritíveis.” – sublinhado nosso
Ou seja, o Tribunal Constitucional partiu de uma situação em que existe uma promessa de suborno que não é logo seguida da concretização dessa promessa, através da entrega efectiva da vantagem prometida, ficando na dúvida se e quando essa entrega iria, se é que iria, alguma vez ocorrer.
Mas mesmo esta interpretação é atentatória da ratio subjacente ao artº 374º do CP porquanto, o que o legislador quis acautelar eram situações em que só pudesse ter havido promessa, sem alguma vez haver efectiva entrega, e não estabelecer dois prazos de prescrição para situações em que tenha havido ambas as realidades: promessa seguida de entrega.
Afigura-se-nos óbvio que se há uma promessa que depois acaba mesmo por ser concretizada com a efectiva entrega da vantagem prometida o crime de corrupção consome-se no momento da entrega e não da promessa.
O crime de corrupção só se poderia consumar no momento da promessa se só houvesse promessa, nunca seguida de entrega (ou então em que a entrega não fosse passível de prova em tribunal), pois, aí sim, estaria a razão de ser de considerar, a par da entrega, a simples promessa da vantagem que nunca viesse a ser concretizada para efeitos de punibilidade penal.
Ora, não é esta a situação dos presentes autos porquanto nunca fora estabelecido pelo MºPº, na sua acusação, o momento exacto da promessa.
O que ocorre nos presentes autos é o relato de uma trama já instituída em que se desconhece o momento exacto da primeira promessa de vantagem e em que já existe apenas actos concretos de entrega dessas vantagens.
Mesmo que se ficcionasse uma intervenção do arguido recorrente RR ao longínquo ano de 2006 nunca estaria em causa neste ano a simples promessa mas já a realização de actos concretos de entrega das respectivas vantagens.
O que só por si torna o Ac nº 90/2019 do Tribunal Constitucional inaplicável ao caso dos autos.
No caso em apreço, estado em causa um crime que se foi praticando ao longo do tempo sem interrupção, não há dúvida alguma que, independemente do momento em que se iniciou a consumação do crime de corrupção pelo aguido RR o mesmo só deixou de praticar o crime em 2015 com o último acto.
Por outro lado, no caso em análise, ao arguido recorrente foi imputado o crime de corrupção passiva prevista no artº 373º do mesmo Código Penal que estabelece o seguinte:
“1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2 - Se o acto ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.”
Este artigo parece ter-se mantido incólume na esteira do entendimento do Tribunal Constitucional pelo que não se compreende porque motivo para o Tribunal Constitucional o artº 374º nº 1 do Código Penal é inconstitucional mas o artº 373º do mesmo Código já não o é, na interpretação que avoca.
Como não se compreende de todo em que medida o acórdão recorrido viola o disposto no artº 203º da Constituição que determina que “os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei” conforme invocado pelo recorrente, pois o Tribunal a quo seguiu a lei, fazendo a sua interpretação dentro das várias soluções de direito possíveis.
Além de todos os argumentos já por nós despendidos em relação ao Acórdão nº 90/2019 do Tribunal Constitucional para o considerar inaplicável, há que atender ainda ao voto de vencido emitido pela Exmª Srª Juíza Conselheira Fátima Mata-Mouros com o qual concordamos na íntegra e que infra transcrevemos, que revela que o acórdão nº 90/2019 do Tribunal Constitucional abre a porta ao “recurso à jurisdição constitucional a pretexto de falsas questões de constitucionalidade que, apesar de inexistentes, permitem o protelamento das decisões judiciais relativas a verdadeiros atentados à Constituição, com custos irreparáveis para o prestígio da Justiça e do Estado de Direito.”
Eis a transcrição do voto vencido:
“1. O presente Acórdão julga «inconstitucional, por violação do princípio da legalidade criminal, os artigos 119.º, n.º 1 e 374.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na versão posterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, quando interpretados no sentido de que o prazo de prescrição do crime de corrupção ativa é contado a partir da data em que ocorra a entrega de uma dada vantagem ao funcionário, e não a partir da data em que ocorra a promessa dessa vantagem».
Discordo desta decisão, desde logo, por ela representar uma inflexão do entendimento de há muito pacífico na nossa jurisprudência, segundo o qual não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar a correção de eventuais interpretações, tidas por erróneas, efetuadas pelos tribunais comuns, com fundamento em violação do princípio da legalidade.
Discordo ainda da decisão porque através dela o Tribunal Constitucional exorbitou a sua jurisdição, constitucionalmente definida.
2. Vejamos o caminho percorrido na fundamentação do acórdão:
Depois de «contextualizar a regulação normativa do crime de corrupção ativa no Código Penal português», sinalizando a opção legislativa «assente na alternatividade da conduta penalmente censurável, por se ter criminalizado (…) quer a efetiva transferência da vantagem, quer a promessa dessa vantagem» (ponto 41 do Acórdão), e de sublinhar que «o elemento literal do tipo previsto no artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal, assenta na previsão de duas proposições ligadas por uma conjunção disjuntiva, exprimindo, nesta exata medida, uma dupla hipótese de preenchimento (der ou prometer)» (ponto 42), o acórdão enfatiza a clareza e precisão do enunciado normativo para concluir que «[b]asta a promessa para que crime seja dado por consumado, independentemente de a ela se seguir a entrega efetiva da coisa prometida (…)» (ponto 43). Finalmente, socorrendo-se de variadas e expressivas citações doutrinárias em prol daquela tese, o acórdão chega «à conclusão de que a interpretação normativa em escrutínio (…) não beneficia de respaldo na letra da lei do artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal» (ponto 46),  «o mesmo se pode[ndo] dizer quanto à invocação do enunciado normativo constante do n.º 1 do artigo 119.º do mesmo Código» (ponto 48), pelo que uma vez que «o bem jurídico protegido pelo crime de corrupção ativa é violado com a promessa de entrega da vantagem indevida e não necessariamente com a entrega dessa vantagem, o princípio da legalidade criminal, previsto no artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição, encontra-se irremediavelmente comprometido pela adoção de interpretação normativa, desfavorável ao arguido, segundo a qual o início do prazo de prescrição do crime de corrupção ativa deve ser retardado para o momento da entrega da coisa indevida, em detrimento do inicio da sua contagem com a promessa de entrega» (ponto 53).
Assim, para chegar à decisão de inconstitucionalidade, a maioria concluiu que estava perante um conteúdo inovatório da lei, isto é, «lei nova» jurisprudencialmente criada e nessa medida violadora do princípio da legalidade. Todavia, só foi possível concluir que estava perante um conteúdo normativo inovatório depois de ter fixado qual o sentido «correto» dos conceitos usados nos preceitos legais do Código Penal convocados para dirimir a questão de direito que era colocada ao tribunal recorrido.
3. Esta decisão representa um desvio ao entendimento que vem sendo adotado pelo Tribunal Constitucional no controlo de constitucionalidade com referência ao princípio da legalidade, na dimensão de tipicidade penal.
Não se ignora a relevância constitucional que o princípio da legalidade tem num Estado de Direito democrático, designadamente no Direito Penal. É, portanto, manifesto que, diante da dimensão constitucional que este princípio assume, o Tribunal Constitucional não está, nem pode estar impedido de o usar como parâmetro de fiscalização da constitucionalidade das normas de Direito Penal. Todavia, as questões de constitucionalidade material – no caso não se coloca nenhuma questão de constitucionalidade orgânica ou formal – não se ocupam de saber se as normas foram criadas em conformidade com o texto constitucional, antes visam apurar se as normas podem subsistir à luz da Constituição. E essa análise não deve ser confundida com a «melhor» interpretação dos preceitos legais.
Atente-se, desde logo, que a questão colocada não assenta na invocação de qualquer deficiência estrutural dos enunciados normativos dos preceitos em causa para cumprir as exigências acrescidas da determinabilidade da lei em matéria penal decorrentes do princípio da legalidade. Tão-pouco tem por objeto norma que defina critérios de interpretação da lei penal, designadamente, a possibilidade de usar certos modos de interpretação ou a analogia. Do que se trata é tão simplesmente de definir se o sistema de direito ordinário prevê o início do prazo de prescrição em determinado facto (promessa da vantagem) e não noutro (entrega da vantagem).
Na metódica de há muito adotada pelo Tribunal Constitucional (desde o Acórdão n.º 110/2007), o princípio da legalidade, na dimensão da tipicidade penal, operando como limite constitucional à admissibilidade do resultado interpretativo a que se chegou no processo de interpretação, obriga o intérprete a excluir aqueles resultados que não tenham na letra da lei um mínimo de correspondência verbal. Ou seja, é vedado ao intérprete recorrer a conteúdos inovatórios na aplicação da lei em matéria penal, sob pena de violação do princípio da legalidade penal (artigo 29.º, n.º 1, da Constituição).
Ora, não é de aceitar a conclusão de que a interpretação dos artigos 374.º, n.º 1, e 119.º, n.º 1, do CP, adotada no tribunal a quo, não encontra na letra dos referidos preceitos nenhuma correspondência. Pelo contrário, ao identificar a conduta típica por referência a quem «der ou prometer (…) vantagem» o artigo 374.º, n.º 1, do CP indica que qualquer destes atos integra o tipo penal do crime de corrupção ativa. Por conseguinte, saber se a consumação – prevista no artigo 119.º, n.º 1, como momento inicial do prazo de prescrição, se dá com a simples promessa ou apenas com a entrega da vantagem, exige a identificação dos factos que preenchem a conduta penal típica, operação a empreender pelo julgador no respeito pelo princípio da independência interpretativo-decisória do tribunal da causa.
De acordo com o que vem relatado no próprio acórdão, na situação de facto que ocupou o tribunal recorrido, à promessa da vantagem seguiu-se a materialização da entrega da vantagem. Foi tendo em consideração esta situação de facto que o tribunal a quo, socorrendo-se da distinção feita por Jescheck entre o conceito de «consumação material ou terminação» e o conceito de «consumação formal», concluiu, que «o n.º 1 do artigo 119.º do Código Penal ao estatuir que o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado não pode deixar de ser interpretado e aplicado como tendo em vista, em situações como a ocorrente nos autos, a consumação material do crime ou terminação».
Em sentido divergente sustenta a maioria que, prescindindo o tipo incriminador da entrega da vantagem para a consumação do crime, é do momento da promessa da vantagem que a prescrição deve começar a correr, mesmo no caso de à promessa da vantagem se seguir a efetiva entrega. Trata-se de um entendimento amplamente suportado pela doutrina, como também se dá nota na fundamentação do acórdão. Tem, portanto, apoio doutrinário a interpretação dos preceitos em causa num sentido contrário ao adotado no tribunal recorrido. Tal não permite, porém, afirmar que a interpretação aplicada não encontra expressão na letra da lei. Na verdade, ao sustentar uma tal conclusão, a decisão confunde o plano do controlo de constitucionalidade com o da errónea aplicação do direito infraconstitucional, infletindo entendimento de há muito pacífico na jurisprudência do Tribunal, segundo o qual «o que sempre se terá por excluído é que o Tribunal Constitucional possa sindicar eventuais interpretações tidas por erróneas, efetuadas pelos tribunais comuns, com fundamento em violação do princípio da legalidade» (v. entre outros,  Acórdãos n.º, 674/1999,  524/2007 e 183/2008).
4. De acordo com o artigo 221.º da Constituição, o Tribunal Constitucional é «o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional».
A vocação funcional de um tribunal com competência específica para administrar a justiça em matérias jurídico-constitucionais é a apreciação da constitucionalidade de normas (ou interpretações normativas). Saber se determinada interpretação normativa é conforme à Constituição não se confunde, porém, com a determinação e interpretação do direito ordinário aplicável ao caso. O Tribunal não pode incorrer nessa confusão, sob pena de se apropriar do controlo da interpretação de todas as normas inseridas em áreas do Direito limitadas pelo princípio da tipicidade, já que é sempre possível divergir da interpretação dada a uma norma legislativa. Foi o que se passou na presente decisão.
Ora, o percurso argumentativo percorrido pelo acórdão evidencia que, para concluir que a interpretação normativa dos artigos 119.º, n.º 1 e 374.º do CP adotada pelo tribunal a quo violava o princípio da legalidade penal consagrado no artigo 29.º da Constituição, a maioria teve – em momento prévio – de acordar na determinação de qual o sentido que considera ser o «correto» dos conceitos usados pelo legislador infraconstitucional naqueles preceitos legais. Ao decidir esta questão do modo como decidiu, a maioria sobrepôs o seu entendimento dos factos e do Direito ao adotado no tribunal recorrido. Agiu como se o Tribunal Constitucional tivesse competência qualificada em matéria de interpretação da lei ordinária, esvaziando totalmente a competência dos tribunais judiciais de interpretação do direito infraconstitucional.
Desta forma desfigurou a sua função no quadro da repartição de competências entre tribunais, designadamente entre o Tribunal Constitucional e as demais ordens jurisdicionais, transformando-se numa «quarta instância», que não se enquadra nas competências próprias que a Constituição lhe reserva. Não cabe ao Tribunal Constitucional definir qual a interpretação do direito ordinário que deve ser seguida pelas ordens jurisdicionais competentes.
A competência específica do Tribunal Constitucional é a interpretação da Constituição. Pertence aos tribunais comuns a interpretação do direito ordinário.
5. O desvirtuamento das funções do Tribunal Constitucional, para além de violar o princípio da conformidade funcional das competências do Tribunal Constitucional, tem um efeito expansivo que não pode ser encorajado. A confusão entre o controlo da conformidade constitucional das normas aplicadas e o contencioso de decisões judiciais pretensamente violadoras da Lei Fundamental, alimenta o recurso à jurisdição constitucional a pretexto de falsas questões de constitucionalidade que, apesar de inexistentes, permitem o protelamento das decisões judiciais relativas a verdadeiros atentados à Constituição, com custos irreparáveis para o prestígio da Justiça e do Estado de Direito.”
Conclui-se, assim, que não só o prazo prescricional não havia começado em 2006, porquanto os factos mais longínquos imputados ao aguido recorrente reportam-se a 2011, como estando o arguido acusado de crime de corrupção passiva – e não activa – o mesmo não é abrangido pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 90/2019, o qual, em todo o caso não pode ser aqui sufragado uma vez que ignora o disposto no nº 2 do artº 119º do Código Penal.
Improcede, assim, e nesta parte o recurso do arguido RR.
V) Da Nulidade do Julgamento por Falta de Imparcialidade do Tribunal a quo:
- recurso do arguido RR
Entende este arguido que o Tribunal a quo partiu para o julgamento já com a convicção da culpa dos arguidos motivo pelo qual pediu antecipadamente os relatórios sociais em violação do disposto no artº 370º do CPP, razão também que o leva, numa interpretação extensiva do artº 43º do CPP, a conisderar o julgamento nulo por falta de imparcialidade do Tribunal a quo.
Comecemos pela invocada aplicação extensiva do artº 43º do Código de Processo Penal que, sob a epígrafe recusas e escusas diz o seguinte:
“1 - A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
2 - Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40.º
3 - A recusa pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis.
4 - O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos n.os 1 e 2.
5 - Os actos processuais praticados por juiz recusado ou escusado até ao momento em que a recusa ou a escusa forem solicitadas só são anulados quando se verificar que deles resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo; os praticados posteriormente só são válidos se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo.”
O incidente de recusa, bem como o de escusa, segue o regime previsto no artº 44º do mesmo Código de Processo Penal que determina o seguinte:
“O requerimento de recusa e o pedido de escusa são admissíveis até ao início da audiência, até ao início da conferência nos recursos ou até ao início do debate instrutório. Só o são posteriormente, até à sentença, ou até à decisão instrutória, quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após o início da audiência ou do debate.”
Ora, no caso em apreço, e considerando que os relatórios sociais foram juntos antes do julgamento – facto que, na óptica do arguido recorrente, denuncia a falta de imparcialidade do Tribunal a quo – deveria o arguido ter suscitado o correspondente incidente de recusa até ao início do julgamento, o que não fez.
Pelo que é completamente intempestiva a invocação do incidente de recusa que o arguido ora acaba por fazer, na prática, no seu recurso.
Por outro lado, não se compreende que nulidade do julgamento é essa que o arguido invoca, pois que não a identifica nem a subsume em nenhuma disposição do Código de Processo Penal, sendo certo que as nulidades previstas, quer no artº 119º do CPP, quer no artº 120º do CPP, são, como já supra tivemos ocasião de referir, taxativas e por isso não permitem qualquer aplicação analógica ou extensiva.
Pelo que, não estando a invocada nulidade do julgamento por falta de imparcialidade do Tribunal a quo, que jamais foi oportunamente suscitada, elencado em nenhuma das nulidades previstas no Código de Processo Penal, não se compreende como é que o arguido pretende ver aplicado o regime da recusa a título extensivo.
Por outro lado, nem sequer podemos considerar que há qualquer falta de imparcialidade demonstrada pelo Tribunal a quo pelos simples e único facto deste ter pedido com antecedência os relatórios sociais.
É que o arguido parece não ter lido com a devida atenção o disposto no artº 370º do Código de Processo Penal que diz o seguinte:
“1 - O tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correcta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respectiva actualização quando aqueles já constarem do processo.
2 - No caso de arguido menor, se o relatório social ou a informação dos serviços de reinserção social não se mostrar ainda junta ao processo, deve a respetiva junção ocorrer no prazo de 30 dias, salvo se, fundamentadamente, se justificar a respetiva dispensa face às circunstâncias do caso e desde que seja compatível com o superior interesse do menor.
3 - Independentemente de solicitação, os serviços de reinserção social podem enviar ao tribunal, quando o acompanhamento do arguido o aconselhar, o relatório social ou a respectiva actualização.
4 - A leitura em audiência do relatório social ou da informação dos serviços de reinserção social só é permitida a requerimento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo seguinte.
5 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 355.º”
Claramente se retira do preceito legal acabado de citar que o relatório social pode já constar dos autos antes do início do julgamento e por norma até deve constar não só para evitar que se perca tempo durante o julgamento, com eventual suspensão do mesmo, à espera da sua elaboração pelos competentes serviços que estão sempre assoberbados de trabalho para vários tribunais, ademais num processo desta envergadura que conta com mais de 60 arguidos, como para permitir que os arguidos tenham tempo de o analisar e exercer o respectivo contraditório e direitos de defesa.
Aliás, é boa prática nos tribunais pedir o relatório social antes do início do julgamento, não porque se parte do pressuposto de que o arguido é culpado e se visa aplicar-lhe uma pena, mas porque esse relatório leva tempo a elaborar, é motivo de atraso no andamento dos trabalhos de julgamento e porque a sua existência prévia permite, inclusive, o Tribunal indagar sobre situações socio-económico-familiares que até poderão ajudar a enquadrar os factos do crime.
O relatório social não serve exclusivamente para se determinar uma pena.
Ele tem uma função mais ampla permitindo que o Tribunal compreenda um pouco sobre a personalidade e vivência do arguido.
Além de que o arguido só tem a beneficiar com uma junção mais precoce do relatório social pois permite-lhe analisá-lo com mais cuidado e desenvolver uma defesa mais segura.
Não há, assim, nada que nos permita concluir pela falta de imparcialidade do Tribunal a quo não havendo censura alguma a fazer ao mesmo, por ter, e bem, mandado elaborar as dezenas de relatórios sociais das dezenas de arguidos, antes do início do julgamento.
Improcede, assim, também esta questão suscitada pelo arguido RR.
VI. Da nulidade do acórdão nos termos do artº 379º nº 1 do Código de Processo Penal):
- recursos dos arguidos VV, UU, ZZ, JJJ, Doce Cabaz, Lda., AA, EE, II, LL, NN, TT, JJ, GG, BB, MM, XX, FFF, Portal – Comércio e Indústria de Carnes, Lda., III, A... Lda., OO, SS, RR e CC.
Os vícios de nulidade invocados pelos recorrentes em apreço têm o seu assento legal no artº 379º do Código de Processo Penal, subordinado à epígrafe nulidade da sentençao qual determina o seguinte: 
“1. É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstas nos artigos 358º e 359º;
c) Quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2. As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no nº 4 do artº 414º.
3. Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, excepto em caso de impossibilidade.” – sublinhado nosso
Sendo que o vício previsto no artº 379º nº 1 al. a) do CPP remete para o disposto no artº 374º do Código de Processo Penal, subordinado à epígrafe “requisitos da sentença” que dispõe o seguinte:
“1 - A sentença começa por um relatório, que contém:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;
c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido;
d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.
2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.[35]
3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém:
a) As disposições legais aplicáveis;
b) A decisão condenatória ou absolutória;
c) A indicação do destino a dar a animais, coisas ou objetos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições legais aplicadas;
d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal;
e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal.
4 - A sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas.” – sublinhado nosso
Vejamos, então, cada uma das nulidades invocadas constante das três alíneas do nº 1 do citado artº 379º do Código de Processo Penal.
i) Da nulidade proveniente da falta de fundamentação e falta de exame crítico da prova – al. a) do nº 1 do artº 379º do CPP:
- recursos dos arguidos VV, ZZ, EE, II, LL, NN, TT, JJ, GG, XX, FFF, Portal – Comércio e Indústria de Carnes, Lda., III, A... Lda., SS e RR.
Entendem estes recorrentes que o acórdão ora sob escrutínio padece de falta de fundamentação, quer porque o Tribunal não explicou como formou a sua convicção, quer porque não realizou um exame crítico e balizado de toda a prova.
No entanto, da cuidada análise do acórdão proferido pelo Tribunal a quo, no qual foram despendidas 207 páginas só na fundamentação da convicção a que chegou, não se vislumbra a apontada nulidade sendo de considerar que o Tribunal a quo foi exaustivo na fundamentação que ofereceu, tendo conseguido realizar uma exposição clara sobre o seu iter racional na formulação da sua convicção.
O essencial na fundamentação dos factos considerados provados e não provados é que o destinatário da decisão judicial compreenda – ainda que possa não concordar – qual o caminho lógico seguido pelo julgador, na formação da sua convicção, quais as provas consideradas e como, da conjugação de todos os elementos em análise, alcançou o resultado final.
O Tribunal a quo não tem de esmiuçar cada depoimento, cada documento, cada elemento na sua fundamentação tendo, antes que, demonstrando a análise que efectuou de todos os elementos tidos por pertinentes, após anunciar quais os elementos que foram relevados, explicar a formação do raciocínio subjacente ao processo lógico e racional que esteve na base da formação da sua convicção.
Dito de forma mais simples, o destinatário da decisão tem de compreender porque motivo o Tribunal decidiu de uma forma e não de outra ainda que podendo tê-lo feito, optou por uma das possíveis versões na determinação da matéria de facto.
Conforme cabal e exemplarmente explanado no Acórdão do STJ de 08-01-2014 (in www.dgsi.pt, procº nº 7/10.0TELSB.L1.S1):
“Saliente nas conclusões do recurso a omnipresente arguição da falta de fundamentação e de exame crítico das provas, importando nulidade da sentença, por infracção ao disposto no art.º 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 a), do CPP, mas sempre desacompanhada de razões de que os recorrentes também não estão isentos de alegação, em espírito de colaboração com o Tribunal.
Nessa medida, servindo-nos de um estudo sob a epígrafe «Narrativas Processuais», de Michele Taruffo, in R E V «Julgar» n.º 13 -2011, pág.131, diremos que o juiz que decide a matéria de facto é o último e mais importante narrador no âmbito do processo. A sua função principal é a de estabelecer qual dentre as narrativas diversas dos factos é relativamente melhor, quer optando por uma versão das partes, escolhendo a melhor, quer construindo a sua própria.
Essa narrativa há-de ser constituída de uma forma assertiva, neutral, não emergente de uma das partes e independente, pois que o juiz não tem qualquer objectivo pessoal a prosseguir, a sua narrativa há-de ser distanciada da competição das partes sobre o objecto do processo, por último, porém não menos relevante, a narrativa há-de ser verdadeira, porque resulta do contacto e apreciação das provas, verdadeira porque os factos que a preenchem resultam, sendo consequência, das provas, apontando para aquela veracidade.
A sentença, mas agora socorrendo-nos do estudo denominado de «Sobre a formação racional da convicção judicial», de Perfecto Ibañez, naquela Revista, a págs .167, motivar uma decisão é justificar a decisão por que se optou para que possa ser controlada tanto pelos seus destinatários directos como pelos demais cidadãos, apresentar de forma inteligível, lógica, coerente e racional, o «iter» seguido no tratamento valorativo da prova.
O dever de justificação submete o juiz a um «imperativo de autoconsciência», que é mais do que um «estado psicológico», com qualquer coisa de inexprimível, próprio das impressões, do que se sente, mas se não sabe», nas palavras daquele autor, in R E V. citadas, a págs. 167.
A fundamentação não se trata de reproduzir em acta mimeticamente o que foi repercutido no papel pelo meio próprio, o que seria transformar um processo oral em escrito, mas assumir uma síntese intelectualmente honesta e suficientemente expressiva do resultado do exame contraditório sobre as distintas fontes de prova. Pela fundamentação decisória o juiz presta conta aos destinatários da sentença do veredicto que emana, denotando o seu verdadeiro perfil.
Expressivamente Perfecto Ibañez, estudo citado, pág. 172, escreve que a fundamentação exige a abertura de um espaço no qual se explique e justifique porquê a partir do material apresentado se chegou á conclusão que se expressa nos factos provados, o que requer um tratamento individualizado dos distintos elementos de prova que ilustre de maneira suficiente porque razão se lhe atribuiu um dado sentido e valor, positivo ou negativo ao qual se segue a síntese decisória.
O juiz examina a prova e depois manifesta uma opção de sentido e valor, e essa tarefa não dispensa que ao fixar os seus elementos de convicção o faça de forma clara, em vez de, materialmente, descrever, mas, antes, convencer, não «ad pompam», em puras e absurdas exibições de banal «erudição de disco duro», por isso a fundamentação decisória se reconduz a uma exposição tanto quanto possível completa, porém concisa das razões de facto e de direito -art.º 374.º n.º 2, do CPP - contrariada, vezes sem conta, espelhando uma alongada reprodução da matéria de facto, que exige e só um trabalho de síntese, de selecção, conexo e explicativo do processo decisório, dispensando a enumeração pontual, á exaustão das fontes em que o julgador se ancorou.
Segue-se, ainda nos termos do art.º 374.º n.º 2, do CPP, a exigência de um exame crítico, não definido por lei, das provas que serviram para formar a convicção probatória, de valoração livre, porém racional, á margem do capricho do julgador, mas objectivada e apoiada num processo lógico que inteligencia o material recolhido, atentando nas regras da lógica, da experiência comum, ou seja daquilo que comummente sucede, e que, como ser socialmente integrado, aquele deve ter presente, sopesando a valia das provas e opondo-lhe o seu desvalor, face ao que fará a opção final, tal como no direito italiano, para não se quedar a um estádio puramente subjectivo, pessoal, emocional, imotivável, tutelado pelo arbítrio, mas antes evidencie o processo lógico-racional proporcionando fácil compreensão aos destinatários directos e á comunidade de cidadãos, que espera dos tribunais decisões credíveis, desde que justas, concorrendo ainda para a celeridade processual na decisão, desse modo fornecida aos tribunais de recurso. E nesse sentido se pronunciam, além do mais, Rosa Vieira Neves, in Livre Apreciação da Prova e Obrigação de Fundamentação, Coimbra Ed., 2011, 151 e segs, elucidativos, entre tantos, os Acs deste STJ, 23.2.2011 e de 7.4.2010, P.º n.º 3621.7.6TBLRA.”
Ora, da análise dos vários recursos em que a nulidade da al. a) do nº 1 do artº 379º do CPP foi suscitada o que se retira é que os recorrentes em causa perceberam a convicção do Tribunal a quo, apenas não concordam com a leitura que foi realizada da prova, quer porque entendem que há prova inquinada de nulidade, como o caso da prova obtida através do agente encoberto, ou das declarações confissórias de co-arguidos, quer porque entendem que o Tribunal a quo avaliou mal a prova existente nos autos.
Mas a impugnação da prova ou a mal valoração da mesma não significa que estamos perante o vício de falta de fundamentação ou sequer de falta de exame crítico por parte do Tribunal a quo que explicou de forma exemplar, até, as razões pelas quais entendia que as várias provas, de per si, já impugnadas pelos arguidos nas suas contestações e alegções finais, teriam, na sua óptica, valor probatório válido não caindo na esfera da prova proibida.
O facto de não se concordar com a visão do Tribunal a quo ou da narrativa que construiu com as provas que lhe foram apresentadas só revela que o caminho seguido pelo Tribunal, na explicação que ofereceu para justificar porque deu certo facto por provado e outro por não provado, foi apreensível pelo destinatário que, concluindo que outro deveria ter sido o caminho debate com o Tribunal a quo a formação da sua convicção.
Se estivéssemos perante a nulidade prevista na al. a) do nº1 do artº 379º do CPP os recorrentes não seriam capazes de rebater os argumentos utilizados pelo Tribunal a quo aquando da determinação da matéria de facto, impugnando a sua convicção.
No fundo, os recorrentes não concordam com a análise que o Tribunal a quo efectuou da prova, o que só significa que perceberam o caminho lógico percorrido.
Os arguidos II, LL, NN, TT, XX, FFF, Portal – Comércio e Indústria de Carnes, Lda., III, A..., Lda., e SS, invocam ainda a falta de exame crítico por parte do Tribunal a quo para lhe imputar erro de julgamento ou erro notório na apreciação da prova, quando estes dois vícios seguem regimes autónomos, assentes na impugnação da convicção do Tribunal a quo o que só poderia acontecer com o conhecimento da formação dessa convicção[36].
Ou seja, para que os arguidos pudessem criticar o percurso que o Tribunal a quo seguiu na formação a sua convicção, valorando uma prova sobre outra, ainda que eventualmente mal ou erradamente, teriam forçosamente de compreender essa convicção.
Não há que confundir a falta de exame crítico da prova com a errónea ou deturpada visão que se possa ter dessa prova.
O exame crítico da prova significa que o Tribunal a quo deve revelar, da melhor forma possível, ainda que sucintamente, a análise que efectuou de toda a prova, como a conjugou e concatenou entre si.
Se esse exercício se revelar defeituoso então não estamos perante uma falta de análise crítica da prova mas, antes, perante um erro de julgamento ou, eventualmente, perante um erro notório na apreciação da prova.
Mas um erro na apreciação da prova tem por pressuposto que a prova foi apreciada e essa apreciação deve constar da fundamentação até para se perceber se, de facto, o tribunal a quo avaliou correctamente, através de uma conjugação de todos os elementos probatórios ao seu dispor, a prova apresentada.
A falta de exame crítico seria, por exemplo, fazer um simples elenco da prova produzida em Trbunal sem clarificar ou sequer fazer um esforço para explicar porque motivo acreditou nas declarações confissórias do arguido EE, por exemplo, ou porque motivo julgou válida a prova que resultou da acção encoberta.
O que se constata, na realidade, é que o Tribunal a quo teve particular cuidado em explicar e balizar o seu entendimento, simplesmente, os recorrentes, na sua esmagadora maioria, não concordam com as conclusões a que o Tribunal a quo chegou o que só revela que perceberam o caminho lógico seguido e, portanto, que efectivamente não se verifica a nulidade prevista na al. a) do nº 1 do artº 379º do CPP.
É certo que o arguido EE se insurge contra o facto do Tribunal a quo ter colocado, no seu entendimento, todos os arguidos que confessaram no mesmo patamar sem que tenha explicado porquê, mas da análise do longo acórdão se retira que o Tribunal a quo explicou, ainda que de forma sucinta[37], a ratio subjacente à graduação que efectuou das respectivas penas.
E, na realidade, o que resulta da motivação deste arguido é que o mesmo entende que o Tribunal a quo foi, no seu caso, injusto.
Mas isso é um assunto a ser analisado a nível do mérito da decisão o que pressupõe a integridade do acórdão no sentido de não haver nulidades que o pudessem inquinar.
Já os arguidos JJ e GG entendem que o Tribunal a quo falhou na fundamentação para aplicar a pena acessória nos termos do artº 66º do Código Penal.
Não se vislumbra a apontada nulidade no que tange à aplicação da pena acessória a qual se mostra fundamentada.
O que se constata é que, na óptica destes dois arguidos, a aplicação da pena acessória não pode ser automática e teria havido uma falta de fundamentação na determinação da pena acessória em concreto.
Olhando, contudo, o teor do acórdão plasmado nas páginas 837 a 840 do mesmo se constata que não só o Tribunal a quo não partiu da presunção de que a pena acessória era de aplicação automática, como se socorreu dos elementos já previamente delineados a propósito da determinação da pena principal, para aferir a concreta medida da pena acessória.
Por fim, entende o recorrente RR que “a não indicação no elenco da decisão da materia de facto de factos provados suficientes para fundamentar a aplicação de pena criminal ao Arguido se enquadra na nulidade prevista no artº 379º nº 1 alínea a) do Código.”[38]
Sendo que, na óptica deste arguido “verifica-se, ainda, a nulidade do Julgamento e do Acórdão recorrido prevista no artº 379º, 1 – a) – por insuficiência de factos – uma vez que os factos julgados provados no Acórdão recorrido se mostram insuficientes para o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo objectivo dos ilícitos em causa e dos respectivos tipos de culpa.”[39]
Este vício que o arguido em apreço aponta ao acórdão recorrido jamais traduziria a nulidade que invoca porquanto, a existir, ela pertence aos vícios contemplados no artº 410º nº 2 do Código de Processo Penal, mais concretamente, o vício previsto na al. a) e que infra analisaremos.
Como se disse a nulidade que resulta da falta de fundamentação e/ou da falta de exame crítico assenta numa ausência de análise crítica da prova bem como de uma ausência por parte do Tribunal em explicar a sua convicção.
A insuficiência de factos para fundamentar a decisão é um vício autónomo que não se confunde com as nulidades prevsitas no artº 379º nº 1 do CPP e é alvo de tratamento jurídico próprio.
Por fim, o arguido RR invoca a inconstitucionalidade dos artºs 379º nº 1 al. a) e 374º nº 2 do CPP na interpretação normativa que permita fundamentar uma decisão sobre a matéria de facto por remissão para análises ou pareceres acerca de documentos em que o Tribunal vem a basear tal decisão elaboradas por pessoas estranhas ao Tribunal e que não revistam a qualidade de “prova pericial” por violação da Independência dos Tribunais e do Dever de Fundamentação das suas decisões.
O dever de fundamentação imposta aos tribunais visa garantir que o destinatário das respectivas decisões, bem como a própria sociedade em si, possam compreender a razão de ser daquela decisão.
Tal não significa que tem de concordar com a decisão judicial, motivo pelo qual há todo um sistema de recursos, apenas que tem de compreender o que esteve na base da decisão, assim, evitando-se a arbitrariedade que durante séculos no passado caracterizou muitas decisões.
O que se visa com o sistema penal em vigor é que, por um lado, uma pessoa seja julgada por um tribunal isento e independente, capaz de analisar o caso e com objectividade decidir sobre a culpa ou não do arguido, e por outro, que a decisão dada seja compreensível e justificada.
O nosso sistema penal não impede um Tribunal de se socorrer de elementos vários no momento de alcançar uma convicção, apenas tem de permitir que todos os elementos sejam escrutináveis, em sede de julgamento, que o contraditório possa ser devidamente exercido e que, a final, se vier a adoptar esses elementos que explique porquê.
A independência do tribunal é um atributo jurídico-constitucional que pré-existe à produção de qualquer prova e que visa garantir que os tribunais, enquanto decisores, possam tomar as suas decisões, livre de influências ou chantagens.
O simples facto de um Tribunal aderir a um parecer ou análise não lhe retira de forma alguma a sua independência.
O que o Tribunal tem de fazer é, aderindo ao parecer ou análise, que teve de ser previamente contraditado pelo arguido, explicar porque motivo faz essa adesão.
Aqui reside o exercício da fundamentação imposta aos tribunais: explicar o porquê de seguir uma ou outra via de raciocínio na construção da sua convicção.
Ora, o arguido RR esqueceu-se do teor do artº 127º do CPP que diz claramente que:
“Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”
Ou seja, excepto quando a lei determinar que certa prova tem certo valor, como por exemplo, no caso dos documentos autênticos ou autenticados, o Tribunal tem a liberdade, dentro do seu estatuto de órgão independente, de avaliar os elementos de prova como bem entender desde que explique – dever de fundamentação – o seu raciocínio de modo a ser compreensível para todos e, consequentemente, sindicável também.
No caso em apreço, o arguido em causa pura e simplesmente insurge-se contra a convicção do Tribunal a quo e confunde a sua discordância com falta de independência do Tribunal simplesmente porque este terá aderido a elementos probatórios com os quais o arguido não concorda.
Os arguidos são livres de discordar das decisões dos Tribunais sem que isso implique que o Tribunal tenha violado o seu estatuto de independência ou o seu dever de fundamentação.
Aliás, se o arguido não tivesse compreendido o sentido da fundamentação seguida pelo Tribunal a quo nunca poderia ter desenvolvido tão prolixo recurso, rebatendo à exaustão toda a decisão recorrida.
O que só demonstra que o Tribunal a quo cumpriu com o dever imposto no artº 374º nº 2 do CPP e, consequentemente, não se mostra verificada a suscitada nulidade, nem a invocada inconstitucionalidade.
Improcedem, assim, os recursos acima referidos no que tange à nulidade prevista na al. a) do nº 1 do artº 379º do CPP.
Vejamos agora o segundo tipo de nulidade invocada.
ii) Da nulidade proveniente da condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º – al. b) do nº 1 do artº 379º do CPP:
- recursos dos arguidos UU, JJJ, Doce Cabaz, Lda., AA, EE, TT, OO e RR.
De entre estes arguidos recorrentes, há que distinguir os que entendem que a condenação efectuada pelo Tribunal a quo foi fruto de uma alterção de factos em relação à pena acessória e os que entendem que está em causa uma alteração dos factos constantes da acusação/pronúnica relativamente aos crimes em si.
Isto, porquanto, a nosso ver, os recursos onde se invoca esta nulidade mas delimitada à pena acessória não traduz a nulidade em causa, mas, quando muito, a verificar-se o alegado pelos recorrentes, o vício contemplado na al. a) do nº 1 do artº 410º do Código de Processo Penal – insuficiência, para a decisão, da matéria de facto.
Vejamos.
Os arguidos que suscitam a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artº 379º do CPP em relação à pena acessória são os recorrentes UU e EE, os quais entendem que o Tribunal a quo se substituiu ao MºPº na procura de factos para condenar numa pena acessória.
Esta linha de argumentação surge na sequência directa dos argumentos utilizados para defender a nulidade da acusação em que se invoca a falta de factos por parte do MºPº para fundamentar a aplicação de uma sanção acessória.
Mantém-se aqui válida a argumentação por nós despendida aquando da análise desse vício, a qual se dá aqui por reproduzida.
Da cuidada análise do acórdão recorrido, não se vislumbra em que medida o Tribunal a quo alterou os factos elencados na acusação ou na pronúncia com o fito de aplicar uma sanção acessória que o próprio MºPº havia já pedido fosse aplicada.
Nem estes dois recorrentes identificam quais os factos que concretamente foram dados por provados ou considerados pelo Tribunal a quo para fundamentar a aplicação da sanção acessória e que não constavam já da acusação ou da pronúncia.
Aliás, o recorrente EE nem sequer revela saber ao certo que nulidade do artº 379º nº 1 do CPP poderá estar em causa uma vez que reconduz, no seu recurso, de forma indiscriminada, o vício que ora invoca tanto para na al. b) – alteração dos factos – como na a alínea c) – excesso de pronúncia.
Assim, estes dois recursos improcedem nesta parte.
Vejamos, agora, os recursos dos arguidos JJJ, Doce Cabaz, Lda., AA, TT, OO e RR.
Os arguidos JJJ e Doce Cabaz, Lda., sem qualquer suporte nas suas motivações de recurso, introduzem na conclusão Rii) a invocação da nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artº 379º do CPP por entender que apesar da arguida Doce Cabaz, Lda. não vir contemplada no elenco de empresas que forneciam a Base Aérea nº … de ..., conforme facto vertido em 99, que o Tribunal a quo erradamente concluiu que assim teria retirado consequências ao nível da imputação penal e aplicação da pena.
O arguido AA entende que a alteração dos factos que o Tribunal a quo comunicou, no dia da leitura do acórdão, aos arguidos QQQ, RRR e Ca..., Unipessoal, Lda. também deveria ter sido comunicado a si por força do envolvimento que o arguido recorrente teria também em tais factos, alteração essa que levou à agravação do crime.
Invoca ainda, a alteração pelo Tribunal a quo dos factos vertidos em 4, 5, 6, 9, 10, 12 e 13 da pronúncia, bem como o aditamento de dois novos factos, vertidos em 21 e 22, sem qualquer comunicação prévia.
O arguido TT entende que o Tribunal a quo intercalou na factualidade provada o facto vertido em 508, até esse momento ausente da imputação efectuada ao recorrente, além de ter procedido a uma verdadeira alteração da qualificação jurídica do crime de falsificação sob as vestes de uma correcção de lapso material que teria existido na pronúncia, levando a que acrescentasse a al. d) do nº 1 do artº 256º do Código Penal.
O arguido OO entende que a descrição dos factos de pronúncia diverge da indicação dos factos que foram julgados provados no acórdão recorrido no que tange aos factos vertidos em 4, 5, 6, 7, 13, 55, 58, 59, 61, 62, 64, 65, 66, 92 e 95 do acórdão quando confrontados com os factos da pronúncia correspondentes, levando a uma verdadeira alteração dos factos e consequente nulidade do acórdão.
Por fim, o arguido RR também entende que lhe foram imputados factos que não constavam da acusação nem da pronúncia, a saber: os factos vertidos em 6, 12, 16, 454, 455, 456, 457, 458, 460, 463 e 466 do acórdão recorrido que não encontram correspondência nos factos elencados na pronúncia.
Antes de entrarmos na concreta análise dos pontos suscitados nestes recursos vejamos, primeiro, o quadro legal aplicável.
A temática da alteração substancial e não substancial dos factos, que está subjacente à nulidade contida na al. b) do nº 1 do artº 379º do CPP, vem regulada nos artºs 358º e 359º do Código de Processo Penal nos seguintes termos:
Artigo 358.º: Alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia
“1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.”
Artigo 359.º: Alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia
“1 - Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância.
2 - A comunicação da alteração substancial dos factos ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem autonomizáveis em relação ao objecto do processo.
3 - Ressalvam-se do disposto nos números anteriores os casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal.
4 - Nos casos referidos no número anterior, o presidente concede ao arguido, a requerimento deste, prazo para preparação da defesa não superior a 10 dias, com o consequente adiamento da audiência, se necessário.”
A questão que se coloca antes de mais é a de saber o que se deve entender por uma alteração substancial dos factos.
A lei dá-nos uma definição na al. f) do artº 1º do Código de Processo Penal:
«Alteração substancial dos factos» aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.”
Segundo Paulo Pinto de Albuquerque:[40]
“A alteração substancial dos factos é uma noção complexa e deve ser delimitada em função da alteração não substancial dos factos e da alteração da qualificação jurídica dos factos. A noção legal de alteração substancial dos factos é composta pelos seguintes requisitos:
a) a alteração substancial dos factos é uma alteração dos «factos». Portanto, uma alteração da qualificação jurídica sem que haja qualquer modificação dos factos da acusação ou da pronúncia não está submetida ao regime dos artigos 359º e 303º nºs 3 e 4, mas antes ao regime do artigo 358º nº 3 e 303º nº 5.
b) a alteração substancial dos factos é uma alteração dos factos relevantes para a «imputação» de um crime ou a «agravação dos limites máximos» das sanções aplicáveis. Isto é, só constitui alteração substancial dos factos a modificação que se reporte a factos constitutivos do crime e a factos que tenham o efeito de imputação de um crime punível com uma pena abstracta mais grave.”
Ou como se explica no Acórdão do STJ de 20-12-2006[41]:
“XI - «Alteração substancial dos factos» significa uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo a que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, constituindo uma surpresa com a qual o arguido não poderia contar, e relativamente às quais não pode preparar a sua defesa. É este o sentido da definição constante do art. 1.°, n.º 1, al. f), do CPP para «alteração substancial dos factos», que se apresenta, assim, como um conceito normativamente formatado: «aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis».
XII. A alteração substancial dos factos pressupõe, pois, uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
XIII. «Alteração não substancial» constitui, diversamente, uma divergência ou diferença de identidade que não transformem o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo, não têm relevância para alterar a qualificação penal ou para a determinação da moldura penal. A alteração, para ser processualmente considerada, tem de assumir relevo para a decisão da causa.”
No caso em apreço os arguidos AA, TT, OO e RR[42] foram pronunciados pelo JIC pelos seguintes crimes em concurso real, em co-autoria, na forma consumada:
Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. nos artºs 373º nº1, 374º-A nº2, 386º nº 1 al. d) do Código Penal e na pena acessória prevista no artº 66º do mesmo diploma;
Um crime de falsificação de documento p. e p. no artº 256º nº 1 als.[43] e) e nº 4 do Código Penal e na pena acessória prevista no artº 66º do mesmo diploma.
Os arguidos JJJ e Doce Cabaz, Lda. foram pronunciados pelo JIC pelos seguintes crimes em concurso real, em co-autoria, na forma consumada:
Um crime de corrupção activa agravada, p. e p. nos artºs 374º nº1, 374º-A nº 2 do Código Penal
Um crime de falsificação de documento p. e p. no artº 256º nº 1 als. d) e e) e nº 4 e artº 28º do Código Penal.
E nas penas acessórias – artº 90º-A nº 1 e 2 als. b), c) d) e f) do Código Penal.
Sendo que os arguidos AA, TT, OO e RR[44] haviam sido acusados pelo MºPº pelos seguintes crimes em concurso real, em co-autoria, na forma consumada:
Um crime de corrupção passiva agravada, p. e p. nos artºs 373º nº1, 374º-A nº 2, 386º nº 1 als. b) e d) do Código Penal e na pena acessória prevista no artº 66º do mesmo diploma;
Um crime de falsificação de documento p. e p. no artº 256º nº 1 als. d) e e) e nº 4 do Código Penal e na pena acessória prevista no artº 66º do mesmo diploma.
Um crime de falsidade informática, p. e p. pelo artº 3º nº 1 e 5, da Lei do Cibercrime e na pena acessória prevista no artº 66º do Código Penal;
Um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artº 299º nº 1 e 2 do Código Penal e na pena acessória prevista no artº 66º do Código Penal.
E os arguidos JJJ e Doce Cabaz, Lda. haviam sido acusados pelo MºPº pelos seguintes crimes em concurso real, em co-autoria, na forma consumada:
Um crime de corrupção activa agravada, p. e p. nos artºs 374º nº1, 374º-A nº 2 do Código Penal
Um crime de falsificação de documento p. e p. no artº 256º nº 1 als. d) e e) e nº 4 e artº 28º do Código Penal.
Um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artº 299º nº 1 e 2 do Código Penal;
E no caso das pessoas colectivas, ainda, nos termos do artº 11º nºs 2 e 3, 90º-A nº 1 e 2, als. b), c) e e) do Código Penal.
Olhando agora e concretamente o alegado pelos arguidos JJJ e Doce Cabaz, Lda. não se vislumbra a apontada nulidade uma vez que o que parece resultar da sua argumentação – despendida apenas em sede de conclusões – é que, no seu entendimento, o Tribunal a quo, apesar de consignar no facto vertido em 99 que estes arguidos não abasteciam a Base Aérea nº … em ..., terá considerado, aquando da determinação da pena, que efectivamente serviram essa base aérea.
Ou seja, o Tribunal a quo acaba por concluir por uma maior culpa e gravidade de actuação dos arguidos JJJ e Doce Cabaz, Lda. reflectida nas penas concretamente fixadas porque, erroneamente, aquando da fixação dessas penas tomou por certo que a sua actuação também abrangia a Base Aérea nº ... em ....
Ora, esta situação, que infra será analisada, não consubstancia uma alteração quer substancial, quer não substancial dos factos mas, antes, a existir, um eventual erro na determinação da pena que já tem a ver com o mérito da acção.
Repare-se que não houve qualquer alteração da qualificação jurídica dos crimes imputados a estes arguidos, os quais vieram a ser condenados pelos crimes pelos quais haviam sido pronunciados.
Também não houve alteração de factos nos termos previstos nos citados artºs 358º e 359º do Código de Processo Penal.
O que é imputado ao Tribunal a quo por estes arguidos é uma errónea aplicação dos factos provados aquando da determinação da pena o que será alvo de análise quando se entrar na fixação da medida da pena.
Assim e no que tange a esta parte do recurso dos arguidos JJJ e Doce Cabaz, Lda. não se concluiu pela suscitada nulidade do acórdão recorrido.
O arguido AA insurge-se contra o acórdão recorrido em relação a dois pontos concretos, sendo que o primeiro prende-se com a alteração dos factos que o Tribunal a quo viria a operar e comunicar a alguns arguidos e, o segundo, a um aditamento de factos que teria ocorrido.
Vejamos, olhando o despacho que o Tribunal a quo proferiu no dia da leitura do acórdão acerca da alteração dos factos:
 “Acordam os Juízes que constituem o Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal ..., em proceder à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, na parte respeitante aos arguidos QQQ, RRR e Ca..., L.da, porquanto a soma dos valores que ali constam, como correspondendo às vantagens entregues, respetivamente, aos militares da Base Aérea n.° … (...), perfaz o total de € 7.485 (sete mil quatrocentos e oitenta e cinco euros), no que diz respeito ao primeiro, e de € 25.560 (vinte cinco mil quinhentos e sessenta euros), no que respeita ao segundo e terceira.
Assim, a referida factualidade é suscetível de integrar a prática, pelo arguido QQQ, de um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 374°, n.° 1 e 374°-A, n.°s 1 e 3, com referência ao art. 202°, al. a), todos do Código Penal, e a prática, pelos arguidos RRR e Ca..., L.da, de um crime de corrupção ativa agravada, p. e p. pelos arts. 374°, n.° 1 e 374°-A, n.°s 2 e 3, com referência ao art. 202°, al. b), do referido diploma legal.
Comunique-se aos arguidos identificados, nos termos do disposto no art. 358°, n.°s 1 e 3 do Código de Processo Penal.”[45]
Ora, e por um lado, o arguido AA já vinha pronunciado de um crime de corrupção na forma agravada não tendo os factos alterados pelo Tribunal a quo qualquer efeito sobre essa imputação no que a este arguido tange.
Em segundo lugar, os factos em apreço dizem directamente respeito aos três arguidos anunciados e não ao arguido AA que recebia a sua quota parte no esquema independentemente do valor facturado em cada messe uma vez que as quantias entregues na DAT eram fixas.
Assim, não havia qualquer obrigação do Tribunal a quo comunicar também ao arguido AA a alteração em referência que em nada afectou os direitos de defesa do mesmo.
Vejamos agora a alegada alteração pelo Tribunal a quo dos factos vertidos em 4, 5, 6, 9, 10, 11, 12 e 13 da pronúncia, bem como o aditamento de dois novos factos, vertidos em 21 e 22, sem qualquer comunicação prévia.
Os pontos da pronúncia em referência correspondem aos respectivos factos plasmados na acusação com o seguinte teor:
“4. Desde data não apurada, mas, pelo menos, desde o ano de 2011, cientes que já existia em algumas messes obtenção indevida de ganhos à custa de eventos realizados e de facturação superior à dos bens entregues, os oficiais superiores e general da DAT (AA e Coronel BB, auxiliados por OO e mais tarde CC e EE) decidiram que também os próprios deveriam obter ganhos com tais situações e, desta forma, perpetuar e fomentar uma prática já enraizada para daí retirarem cada vez mais proveitos.
5. Pondo em prática estratégia, de forma concertada e aproveitando-se da própria estrutura hierárquica militar, decalcaram em tal estrutura um esquema e organização destinados a obter proveitos indevidos.
6. Assim, os elementos da Direcção de Abastecimento e Transportes (DAT), departamento do Estado Maior da Força Aérea a quem incumbe a gestão da alimentação humana, passaram a impor a todas as unidades militares a entrega de quantias em dinheiro a favor dos elementos da DAT, mesmo a unidades ou militares que, até aquele momento, não apresentavam sobrefacturação.
9. Para além da sobrefacturação, os elementos das messes obtinham quantias também através de eventos especiais (oficiais ou particulares) que eram organizados nas messes, dos quais retiravam quantis em numerário, que deveriam reverter para o Estado, em violação das regras a que estavam sujeitos, quantias essas indevidas e não declaradas fiscalmente.
10. Tais quantias advinham fa facturação de tais eventos ao orçamento da Força Aérea, pese embora se tratassem de eventos custeados pelos participantes, dividindo-se o dinheiro recebido entre os militares que trabalhavam no evento e respectivos oficiais superiores.
11. Em troca a DAT não efectuava controlos e verificações nas messes, impondo que estas, por sua vez, obtivessem quantias em dinheiro para entrega à DAT, mas simultaneamente permitindo que os militares que se encontravam nas unidades obtivessem também para si elevados proveitos em dinheiro.
12. Na execução de tal estratégia, váriasmessesda Força Aérea dispersas pelo País foram sendo abastecidas com géneros alimentícios que eram sobrefacturados posteriormente ao Estado Maior da Força Aérea ou, no caso dos eventos, eram facturados géneros à Força Aérea que eram usados em eventos custeados pelos participantes, sem o total retorno (pelos géneros e uso das instalações) para o Estado.
13. Tal sucedeu por acordo entre os elementos do departamento do Estado Maior da Força Aérea a quem incumbe a verificação das messes (DAT) e os militares que trabalham nas messes, como atrás referido, e, ainda, os fornecedores dos géneros alimentícios, escolhidos sobretudo por ajuste directo para mais fácil controlo.”
Os factos vertidos em 4, 5, 6, 9, 10, 12, 13, 14 e 15 do acórdão recorrido, a que o arguido faz referência, têm o seguinte teor:
“4. Pelo menos desde data não concretamente apurada do ano de 2011, anterior ao mês de dezembro, o arguido OO e outros elementos da Direção de Abastecimento e Transportes (D.A.T.) não identificados, cientes de que já existia em algumas messes a obtenção indevida de ganhos à custa de faturação superior à dos bens entregues, decidiram passar a obter ganhos com tais situações e, desta forma, perpetuar e fomentar a referida prática, para daí retirarem proveitos económicos.
5. Posteriormente, também os arguidos AA, BB e CC, pelo menos desde o ano de 2012, e o arguido EE, desde o início ano de 2013, aderiram a tal propósito, passando a obter os correspondentes ganhos económicos.   
6. Assim, tais elementos da Direção de Abastecimento e Transportes (D.A.T.), departamento do Estado-Maior da Força Aérea a quem incumbe a gestão da alimentação humana, passaram a receber, das unidades militares que abaixo serão identificadas, quantias em dinheiro a seu favor.
9. Na execução desta prática, várias messes da Força Aérea dispersas pelo país foram sendo abastecidas com géneros alimentícios que eram posteriormente sobrefaturados ao Estado Maior da Força Aérea, ou, no caso de alguns dos eventos particulares (aqueles que alegadamente eram custeados pelos participantes), suportados, pelo menos em parte, pelo orçamento atribuído pela Força Aérea, sem o total retorno (dos géneros) para o Estado. 
10. Tal sucedeu por acordo entre os elementos da D.A.T., a quem incumbia a verificação da atividade das messes na área da alimentação, e os militares que nestas trabalhavam, nos termos antes expostos, e entre estes e os fornecedores dos géneros alimentícios, escolhidos maioritariamente por ajuste direto. 
12. Desta forma, cada elemento desempenhava uma função, sem que todos tivessem conhecimento completo do “esquema”, acordando sucessivamente e aderindo com um interesse comum: o de obter ganhos indevidos à custa do orçamento da Força Aérea. 
13. O arguido OO foi, desde pelo menos data não concretamente apurada do ano de 2011, anterior ao mês de dezembro, e até ao final do ano de 2012, o interlocutor da D.A.T. com as secções de subsistência das várias unidades, embora em termos não concretamente determinados, tendo sido substituído, nessas mesmas funções, pelo arguido EE, desde o início do ano de 2013, sendo eles que contactavam com os oficiais gerentes de messe (ou com os sargentos, quando não existia oficial), e estes, por sua vez, que transmitiam as ordens aos demais sargentos que ali trabalhavam.
14. Por vezes, e nos precisos termos que abaixo serão dados como provados, para manter o “esquema”, os oficiais das messes contavam com a colaboração de oficiais superiores que trabalhavam na base aérea, a quem retribuíam com quantias em dinheiro, para que estes não exercessem as suas funções de fiscalização hierárquica, como sucedeu no C.F.M.T.F.A. (...), com o arguido KK.
15. Com os fornecedores dos géneros alimentícios apenas contactavam alguns dos elementos das messes.”
Afigura-se-nos que o Tribunal a quo se limitou a requalificar os factos já indicados na acusação, sendo que os factos que acrescenta traduzem uma mera elaboração ou desenvolvimento do contexto em que o facto histórico retratado na acusação terá ocorrido.
Não há, aqui, verdadeiros factos “novos” não tendo sido alterada a estrutura fáctica em questão.
Ou, dito por outras palavras, continuamos a estar perante a mesma narrativa, perante o mesmo “pedaço de vida”, apenas com um maior desenvolvimento de pormenor.
Aliás, o Tribunal a quo revelou extremo cuidado em balizar a actuação do arguido recorrente uma vez que, da acusação consta que o mesmo teria intervindo logo em 2011 e o Tribunal a quo apurou que o seu desenvolvimento foi a partir de 2012 e o do arguido EE a partir de 2013.
Tendo, assim, o Tribunal a quo afinado os pormenores da actuação de cada arguido, sem com isso, os ter prejudicado ou alterado os factos que, na essência, lhes eram imputados na acusação/pronúncia.
Ou seja, o Tribunal a quo não substituiu um contar da história por outra narrativa diferente, tendo, apenas, afinado e especificado melhor os factos, deixando intacto o respectivo núcleo.
Nem o afinamento operado pelo Tribunal a quo teve qualquer repercussão sobre os respectivos direitos de defesa do recorrente.
Quanto aos factos vertidos em 21 e 22 do acórdão recorrido vejamos o seu teor:
“21. Nas unidades eram ainda realizados eventos especiais de natureza oficial, custeados pelo orçamento geral do Estado, em que existia uma ementa especial sujeita à aprovação prévia da D.A.T., para a qual estava igualmente fixado um custo máximo para cada refeição, e eventos particulares, com e sem receita, que não tinham cabimento orçamental. 
22. Pelo menos na messe do C.F.M.T.F.A. (...), no caso dos eventos particulares com receita, sendo as quantias pagas pelos participantes (militares e civis), muitas das vezes, insuficientes para cobrir as despesas inerentes à sua realização, os géneros utilizados eram custeados através da verba atribuída pelo orçamento geral do Estado, sem que houvesse, depois, o total retorno desse custo, o que igualmente sucedia, pelo menos em parte, nos demais eventos particulares.”
Ora estes dois factos que o arguido AA entende serem “factos novos” nada mais são do que o desenvolvimento dos factos plasmados nos nºs 9 e 10 da acusação.
O que o Tribunal a quo fez foi reestruturar os factos já existentes numa lógica temporal mais linear, melhorando a gramática e sintaxe nos momentos em que tal se revelava mais adequado para tornar a narrativa mais fluída.
Sendo certo que o Tribunal a quo não tem de seguir ipsis verbis os factos tal se encontram na acusação/pronúncia, nem tem de os colocar em exactamente a mesma ordem.
Não se verifica, consequentemente, a nulidade suscitada pelo arguido AA pelo que improcede o seu recurso nesta parte.
Vejamos, agora, o recurso do arguido TT.
Relembremos que este arguido se insurge contra o acórdão recorrido por entender que o Tribunal a quo intercalou, na factualidade provada, o facto vertido em 508, até esse momento ausente da imputação efectuada ao recorrente.
Mais entende que o Tribunal a quo procedeu a uma verdadeira alteração da qualificação jurídica do crime de falsificação sob as vestes de uma correcção de lapso material que teria existido na pronúncia, levando a que acrescentasse a al. d) do nº 1 do artº 256º do Código Penal.
Começando por este último argumento temos a referir que efectivamente o que resulta da pronúncia é um verdadeiro lapso de escrita que o Tribunal a quo, e bem, corrigiu sem que com isso adviesse qualquer alteração substancial ou não substancial dos factos.
Repare-se que na pronúncia se diz que o arguido (assim como todos os outros arguidos militares) é pronunciado, para além de um crime de corrupção passiva agravada, também por um crime de falsificação de documento p. e p. no artº 256º nº 1 als. e) e nº 4 do Código Penal – sublinhado nosso.
Consta, assim, da pronúncia a referência a “alíneas” no plural faltando apenas a indicação da al. d), sendo certo que na acusação já constava a imputação ao arguido recorrente de um crime de falsificação de documento p. e p. no artº 256º nº 1 als. d) e e) e nº 4 do Código Penal.
Por outro lado, tal como afirma o Tribunal a quo para justificar tratar-se de mero lapso e não uma verdadeira alteração está o facto da al. e), por si só, se mostrar completamente vazio de qualquer conteúdo jurídico-penal uma vez que está dependente das alíneas anteriores, nomeadamente a al. d), como se pode facilmente retirar da sua letra.
Ora, diz o artº 256º nº 1 do Código Penal o seguinte:
“1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito;
é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.” – sublinhado nosso
A alínea e) desacompanhada da al. d) não faz qualquer sentido sendo óbvio, até pelo facto de já constar da acusação, que a pronúncia, que até utiliza a palavra alínea, embora de forma abreviada, no plural, quis reportar-se também à alínea e).
Claramente se vê que há lapso de escrita no despacho de pronúncia, não tendo o Tribunal a quo operado qualquer alteração da qualificação jurídica em relação a este arguido, nem o mesmo pode considerar-se tomado de surpresa por a qualificação jurídica seguida já constar da acusação.
Quanto ao facto vertido em 508 do acórdão recorrido tem o mesmo o seguinte teor:
“508. Nesse período, da parte que coube aos militares, pelo menos a quantia de € 4.500 foi recebida em dinheiro.”
Como se referiu a propósito da análise do recurso do arguido AA, o Tribunal a quo foi afinando a narrativa de modo a torná-la mais clara e coerente.
Ora, o facto em apreço acaba por ser um desenvolvimento, ou melhor dizendo, uma especificação, dos factos que lhe estão subjacentes quer nos factos anteriores quer nos posteriores e que não fogem do constante na acusação.
Aliás, o facto nº 537 da acusação diz que “a facturação em montantes substancialmente superiores aos bens entregues permitiu a militares e empresários a obtenção de elevadas quantias em dinheiro, não globalmente determinadas” facto transposto para o nº 503 do acórdão recorrido.
Assim, o que o facto vertido em 508 do acórdão recorrido faz é concretizar, pelo menos em parte, a quantia de dinheiro globalmente não apurada.
Ou seja, o Tribunal a quo, na sequência de julgamento, conseguiu concretizar um facto que surgia na acusação/pronúncia como não definido.
Conforme se refere no Acórdão da Relação de Guimarães de 05-06-2006[46]:
“Casos existem ainda em que não se está quer perante uma «alteração substancial de factos», quer perante uma «alteração não substancial de factos», que são os casos em que o tribunal se limita a pormenorizar ou a concretizar os factos que já constam da acusação.”
Não, há, assim, qualquer alteração na narrativa fáctica que pudesse levar a uma diminuição da defesa do arguido, antes, pelo contrário, surge um facto que se revelou concreto e em que nada alterou a qualificação jurídica imputada ao arguido.
Pelo que o recurso do arguido TT tem de improceder nesta parte.
No recurso do arguido OO este entende que a descrição dos factos de pronúncia diverge da indicação dos factos que foram julgados provados no acórdão recorrido no que tange aos factos vertidos em 4, 5, 6, 7, 13, 55, 58, 59, 61, 62, 64, 65, 66, 92 e 95 do acórdão quando confrontados com os factos da pronúncia correspondentes.
Vejamos.
Em relação ao facto nº 4 da pronúncia (e acusação) o arguido recorrente entende que a sua intervenção é uma de mero auxílio, enquanto que a versão traduzida para o facto vertido em 4 do acórdão recorrido é uma de figura central e anterior no tempo.
Não se concorda com esta visão redutora da redacção dada pelo Tribunal a quo ao facto vertido em 4.
Na realidade o que constava do nº 4 da pronúncia é que, desde pelo menos 2011, “os oficiais superiores e general da DAT (AA e Coronel BB, auxiliados por OO e mais tarde CC e EE) decidiram que também os próprios deveriam obter ganhos…”
A identificação do arguido recorrente OO ocorre entre parêntesis mas faz parte do grupo de oficiais superiores da DAT que decidiram tomar proveito de um esquema que já seria pre-existente.
O que o Tribunal a quo faz é afinar o facto, concretizando melhor a intervenção em que cada arguido oficial teria intervindo.
Isto não traduz qualquer alteração substancial ou não substancial dos factos uma vez que não houve alteração da qualificação jurídica imputada ao arguido recorrente sendo que o mesmo foi acusado e pronunciado sempre como co-autor e nunca como cúmplice.
Repare-se que no nº 4 da acusação o que se diz é que a intervenção teria ocorrido, desde o ano de 2011.
Ora, o Tribunal a quo apurou (facto vertido em 54 do acórdão recorrido correspondente ao facto nº 63 da acusação/pronúncia) que o arguido AA foi Director da DAT entre 26-12-2011 e 24-09-2016, logo nunca tal arguido poderia ter intervindo desde o ano de 2011 e, principalmente, desde antes de Dezembro de 2011 como vem plasmado no facto vertido em 4 do acórdão recorrido.
Aliás, nos factos constantes dos nºs 63 e 64 da acusação/pronúncia já não se distingue a actuação entre oficiais.
De notar que a acusação, apesar de considerar que o arguido OO agisse dentro da estrutura militar sujeita à respectiva hierarquia não deixou de o considerar co-autor, em pé de igualdade com os arguidos AA, BB e CC, bem como todos os restantes arguidos militares, de um crime de associação criminosa e de um crime de falsidade informática para além dos crimes de corrupção passiva agravada e falsificação de documento, estes últimos dois pelos quais viria a ser pronunciado.
Assim, a participação do arguido OO na narrativa oferecida pelo MºPº acaba por ser ainda mais gravosa do que aquela que o Tribunal a quo encontrou pois que na acusação o arguido estava indiciado, para além da corrupção e falsificação de documento, em co-autoria, por outro crime grave que é o da associação criminosa, isto apesar da estrutura militar hierarquizada e da aparente subordinação do arguido à chefia.
Por outro lado, os factos na redacção dada pelo Tribunal a quo não podem ser vistos isoladamente e muito menos divorciados dos factos dados por não provados.
É que o Tribunal a quo deu como não provados vários factos elencados na acusação tendentes a demonstrar que o esquema de obtenção de ganhos era assente na estrutura militar com interdependência entre os arguidos (als. b), c), f), h), l, m), n), o), p), q), r) e s) dos factos não provados) revelando que essa parte da narrativa do MºPº se mostrava inexistente.
Essa não prova de certos factos implica, forçosamente, o oferecimento dos outros factos que se revelaram mais consentâneos com a realidade apreendida sem que isso implique para o arguido qualquer perda de direitos processuais ou diminuição da sua capacidade de defesa.
O mesmo se diga em relação ao facto nº 5 da pronúncia, cuja redacção se mostra alterada no facto vertido em 5 do acórdão recorrido, na sequência da prova que resultou para o Tribunal a quo que a actuação dos arguidos não se desenvolveu por causa de uma estrutura militar hierarquizada mas fruto de uma prática que já vinha de trás, sem imputação ao arguido OO de qualquer papel de liderança como este agora vem invocar.
Repare-se que a própria acusação afirma no facto nº 63 que o arguido AA assumiu funções de chefia na DAT apenas em 26-12-2011 enquanto que o arguido CC assumiu funções de chefe de Rapartição e Intendência apenas em 22-12-2011.
Ora, se estes arguidos eram superiores hierárquicos do arguido OO e se lhe impuseram as práticas dos quais vinha acusado, pergunta-se como é que o respectivo “esquema” se implementou no ano de 2011 se estes dois arguidos não estavam presentes no DAT ao tempo?
E como é que podiam impor ao arguido OO quaisquer ordens se este saiu da DAT em 18-12-2011, ou seja, antes da entrada daqueles militares para a DAT, conforme o próprio MºPº refere?
É de elementar bom senso e lógica que, estando o arguido OO colocado na DAT desde 04-01-2005 até 18-12-2011 que a prática em causa já existia e que o arguido OO, juntamente com outros cuja identidade não foi possível identificar, já beneficiavam dos valores sobrefacturados, sem que, com isto, se concluísse que o arguido OO eram o actor principal de um esquema a que os arguidos AA e CC teriam aderido.
Verifica-se, assim, que o Tribunal a quo se limitou a corrigir algumas incongruências lógicas resultantes da própria acusação/pronúncia o que não significa que alterou factos.
O mesmo se diga em relação aos factos nºs 6, 7 e 8 da pronúncia que, em face do que foi apurado em sede de julgamento, e constante dos factos vertidos em 6 e 7 do acórdão recorrido, em conjugação com os factos dados por não provados na al. c)[47] não implica qualquer alteração, substancial, ou não substancial dos factos.
O mesmo se diga em relação ao facto nº 17 da pronúncia que tem como correspondente facto o plasmado em 13 do acórdão recorrido, sendo que este facto se limita, mais uma vez, a especificar de forma mais clara e cabal a intervenção dos arguidos OO e EE sem que tenha havido, tal como o recorrente entende, uma alteração significativa do objecto da discussão em causa.
O mesmo vale para o facto nº 64 da pronúncia cuja correspondente se encontra no facto vertido em 55 do acórdão recorrido, o qual é o desenvolvimento do facto vertido em 4, e que, como vimos, teve de considerar as datas em concreto em que cada arguido da DAT interveio, sendo que o arguido OO já estava na DAT desde 2005 enquanto que os arguidos AA e CC só vieram em finais de Dezembro de 2011 já o arguido OO tinha sido transferido para a messe de ....
O mesmo se diga em relação aos factos nºs 67, 69 a 77 da pronúncia, contemplados nos factos vertidos em 58, 59, 61 a 64, 65 e 66 respectivamente do acórdão recorrido que vão todos no sentido de afinar a narrativa da acusação do MºPº, atendendo aos concretos momentos em que cada um dos respectivos arguidos da DAT, incluindo os arguidos OO e EE lá prestaram funções, sem que, com isso se tivesse alterado ou inovado o objecto da discussão da causa.
Aliás, e no que tange aos factos vertidos em 65 (“Assim, de forma progressiva, e por partes, em setembro ou outubro de 2012, os arguidos OO e CC foram informando o arguido EE do modo de funcionamento desta prática, indicando quais as unidades que dela faziam parte, as quantias envolvidas e a quota-parte que cabia a cada um dos elementos da D.A.T., alertando-o, o segundo, que não poderia falar com outras pessoas acerca do dinheiro recebido”) e 66 (“Aderindo a tal propósito, a partir do início do ano de 2013 o arguido EE passou a substituir o arguido OO, executando as funções que este anteriormente exercia no “esquema” da sobrefaturaçãodo”) do acórdão recorrido, que o arguido entende ser inovador em relação aos factos nºs 76 e 77 da pronúncia, esqueceu o mesmo de analisar o facto nº 75 da pronúncia que expressamente prevê a sua actuação em conjunto com o arguido CC junto do arguido EE, nada havendo, assim, de inovador nos factos vertidos em 65 e 66 do acórdão recorrido.
Por fim insurge-se o arguido OO contra os factos vertidos em 92 (“Com as condutas descritas, o arguido OO agiu igualmente em conjugação de esforços e vontades com outros elementos da D.A.T. que não foi possível identificar, em obediência a um plano e a critérios previamente determinados, a que aderiram, e em respeito pela função que cada um tinha nesse mesmo plano”) e 95 (“Com estas condutas, e nos precisos termos que ficaram descritos, os arguidos AA, BB, CC e EE, e também o arguido OO, pretenderam utilizar as funções que exerciam na D.A.T. para obter proveitos económicos que não lhes eram devidos, violando os respetivos deveres legais e funcionais”) do acórdão recorrido, por confronto com os factos nºs 4, 5, 6 e 7 da pronúncia quando os factos nºs 864 e 867 da acusação/pronúncia contém já a mesma referência que os factos vertidos em 92 e 95, não fazendo sentido confrontar os factos vertidos em 92 e 95 do acórdão recorrido com os factos constantes nos nºs 4 a 7 da pronúncia quando estes factos foram alterados atentos os tempos de passagem dos vários arguidos pela DAT já constante do facto nº 63 da própria acusação.
Ou seja, e em resumo, não resulta da alteração, quer da ordem dos factos vertidos no acórdão recorrido, quer da respectiva redacção dada a cada facto, em função da lógica interna que teria de existir já na narrativa apresentada pelo MºPº qualquer alteração inovadora, ou não, do objecto em discussão.
Na realidade, o arguido OO vinha acusado já, em co-autoria e, portanto, em pé de igualdade com os restantes arguidos da DAT, dos crimes de corrupção passiva agravada, falsificação de documento, para além do crime de associação criminosa, esta também em co-autoria.
Não se alterou a participação do arguido nos crimes pelos quais veio a ser pronunciado, sendo que este sempre fora acusado e posteriormente pronunciado na qualidade de co-autor e não de cúmplice, nem se alterou a qualificação jurídica fixada na pronúncia.
Não se verifica, assim, a invocada nulidade devendo o recurso do arguido OO que improceder nesta parte.
Por fim, vejamos o recurso do arguido RR que também entende que lhe foram imputados factos que não constavam da acusação nem da pronúncia, a saber: os factos vertidos em 6, 12, 16, 454, 455, 456, 457, 458, 460, 463 e 466 do acórdão recorrido.
Ora, este arguido incorre no mesmo erro de raciocínio que o agruido OO, esquecendo-se de considerar os factos que o Tribunal a quo deu como não provados e do ajuste necessário fazer-se à narrativa sem que, com isso, se possa concluir por qualquer alteração substancial, ou sequer não substancial, dos factos.
O arguido RR foi acusado, a par dos outros arguidos militares, em co-autoria de um crime de corrupção passiva agravada, um crime de flasificação de documento, um crime de associação criminosa e um crime de falsidade informática, tendo acabado por ser pronunciado apenas pelos crimes de corrupção e falsificação de documento.
Não houve qualquer alteração da qualificação jurídica dos crimes que acabariam por ser imputados ao arguido RR em sede de acórdão recorrido.
A redacção divergente que ocorre nos factos vertidos em 6 e 12 do acórdão recorrido resultam da situação do Tribunal a quo não ter dado como provado que tivesse havido aliciamento e imposição pelos miliares oficiais da DAT aos restantes intervenientes, porque não considerou provado, por sua vez, que a actividade ilícita se tivesse desenvolvido em torno da estrutura militar hierarquizada, mas que apenas tivesse havido uma adesão a uma prática já instituída.
Insurge-se o arguido contra o facto vertido em 16 do acórão recorrido porquanto o mesmo difere do correspondente nº 21 da pronúncia no sentido do Tribunal a quo ter considerado, no facto vertido em 16, que a facturação se fazia “por norma” no final do mês quando no facto nº 21 da pronúncia se afirma que a facturação era no final do mês.
Ora esta diferença é perfeitamente inócua para o que se discute nos autos e só revela o cuidado que o Tribunal a quo teve em afinar os factos, sem os alterar na sua essência.
Nem uma alteração destas alguma vez poderia implicar uma alteração, ainda que não substancial dos factos.
Os factos vertidos em 454 e 455 do acórdão recorrido, correspondem, na sua essência, aos factos nºs 496 a 503 da acusação/pronúncia, sendo que o Tribunal a quo agrupou de forma mais clara os vários factos espalhados por aqueles números da acusação.
Não havendo, assim, no que diz respeito a estes factos qualquer inovação factual, mas apenas de estilo.
Qunto ao facto vertido em 456 do acórdão recorrido o arguido entende que não há correspondência na pronúncia no que a si diz respeito, no entanto, uma análise mais cuidada da acusação teria revelado que nos nºs 495 a 507 da acusação vêm plasmados os factos que directamente dizem respeito ao arguido RR estando o facto em apreço contemplado de forma repartida nos nºs 497 e 499, ambos inseridos no capítulo de factos dedicado à base aérea dos ..., onde o arguido RR era o responsável.
O mesmo se diga em relação aos factos vertidos em 458, 460, 463 e 466 do acórdão recorrido que espelham, embora com estilo de escrita e cadência diferentes dos da acusação, o mesmo núcleo essencial de factos, não havendo, por isso, qualquer inovação fáctica que pudesse alguma vez ser encarada como uma alteração, quer substancial, quer não substancial dos factos.
Como se referiu já o Tribunal a quo não está vinculado ao estilo de escrita utilizado na acusação, nem tem de copiar palavra por palavra o que aí consta, tendo a liberdade de compor, mesmo em termos gramaticais que se lhe afigurem mais correctos e consentâneos com a prova produzida, a narrativa apreendida.
O que não pode fazer é introduzir factos que de todo não têm a ver com a história de base que é contada na acusação, nem alterar as responsabilidades penais dos vários actores da respectiva trama fora dos termos previstos nos artºs 358º e 359º do CPP.
Nem existe, conforme alega o arguido RR qualquer inconstitucionalidade, mormente por violação do disposto no artº 20º nº 4 da Constituição (“todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”), uma vez que as garantias de defesa foram adequadamente asseguradas, conhecendo tal arguido os factos que lhe foram imputados e que não fogem à narrativa seguida pelo Tribunal a quo.
Entende ainda o arguido RR, à semelhança do arguido TT que o Tribunal a quo alterou a qualificação jurídica do crime de falsificação de documento que lhe vinha imputado na pronúncia, repristinando a acusação e corrigindo ad hoc a pronúncia sem informar os arguidos.
Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os argumentos expendidos na análise desta mesma questão aquando da análise do recurso do arguido TT não havendo, assim, qualquer alteração, neste caso, não substancial dos factos conforme pretendido pelo arguido RR.
Clara se torna ver, do confronto de todos os factos referidos pelos arguidos recorrentes em referência, e os correspondentes pontos na acusação que não há qualquer alteração não substancial dos factos e, muito menos, uma alteração substancial dos factos imputados aos arguidos.
Pelo que, não padecendo o acórdão recorrido da nulidade prevista no artº 379º nº 1 al. b) do Código de Processo terá de improceder os recursos dos arguidos UU, JJJ, Doce Cabaz, Lda., AA, EE, TT, OO e RR também nesta parte.
iii) Da nulidade proveniente da omissão de pronúncia e do excesso de pronúncia – al. c) do nº 1 do artº 379º do CPP[48]:
- recursos dos arguidos UU, LL, NN, BB, MM, RR e CC
O arguido UU entende que houve omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo que não analisou a questão por si suscitada na sua contestação acerca da pena acessória e mais concretamente da por si invocada nulidade resultante da violação do artº 283º nº 3 al. c) do CPP.
Os arguidos LL e NN entendem que houve omissão de pronúncia da parte do Tribunal a quo no tocante à prognose favorável aquando da determinação da pena e da possibilidade de suspender a respectiva execução.
O arguido BB entende que houve excesso de pronúncia quando o Tribunal se pronunciou sobre matéria de facto de que não podia conhecer, mormente, o processo disciplinar nº 56/09.
O arguido MM entende que houve omissão de pronúncia porque não se pronunciou no tocante à suspensão da execução da pena.
O arguido RR entende que houve omissão de pronúncia porquanto o Tribunal a quo não se pronunciou sobre as efectivas razões pelas quais a nulidade do inquérito se mostrava arguida.
O arguido CC entende que o tribunal conheceu de questão de que não podia pois deu como provado um facto impugnado como se fosse incontroverso.
Vejamos.
A nulidade prevista no artº 379º nº 1 al. c) do CPP ocorre quando o Tribunal deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse pronunciar, e aqui o que interessa são as questões essenciais ao thema decidendum e não todo e qualquer elemento que possa surgir nos autos, ou quando o Tribunal conhece de questões de que não podia tomar conhecimento, aqui novamente relacionadas com o thema decidendum.
Conforme se explana no Ac. do STJ de 03-10-2017 in www.stj.pt:
“III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.
IV - É em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver.”
Entrando, agora, na concreta análise dos recursos que suscitaram esta nulidade do acórdão temos:
A nulidade ora invocada pelo arguido UU assenta no entendimento de que o Tribunal a quo teria de se pronunciar acerca da argumentação por si despendida na sua contestação no tocante à aplicação da pena acessória, mormente de que a acusação era omissa na indicação da norma legal aplicável, incorrendo, assim, numa nulidade por violação do disposto no artº 283º nº 3 al. c) do CPP.
Tendo presente tudo quanto já referimos acerca da nulidade invocada em relação à acusação, podemos afirmar que não há qualquer omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo.
Em primeiro lugar, porque, como já referido supra, a nulidade da acusação teria de ter sido suscitada pelo arguido UU dentro do prazo de que dispunha para requerer a abertura de instrução e não a tendo requerido, deveria ter suscitado a nulidade dentro de tal prazo, à mesma, tal como fez o arguido RR que também não requereu a abertura de instrução.
Pelo que estando sanada qualquer nulidade da acusação com o início do julgamento não tinha o Tribunal a quo que se pronunciar sobre a invocada nulidade[49].
Em segundo lugar, e mais importante ainda, é o facto de não constar da contestação oferecida pelo arguido qualquer indicação de que o mesmo entendia que a acusação era nula, em relação à pena acessória, nos termos do artº 283º nº 3 al. c) do CPP.
Esta norma só é invocada em sede de recurso sendo que, na sua contestação, o arguido não subsume o vício que imputa à acusação no âmbito do seu recurso, nem à nulidade da acusação, nem em especial à al. c) do nº 3 do artº 283º do CPP, pugnando apenas pela falta de conteúdo fáctico que pudesse sustentar a aplicação de uma pena acessória, motivo pelo qual conclui pela não aplicação dessa sanção.
Pelo que o Tribunal a quo não tinha de se pronunciar sobre o concreto vício, que só em sede de recurso foi identificado pelo arguido, isto é, a violação do disposto no artº 283º nº 3 al. c) do CPP porquanto este vício jamais foi assim configurado na contestação.
Por fim, afigura-se-nos que o que está verdadeiramente em causa na argumentação expendida pelo aguido na sua contestação é um vício subsumível à violação do artº 283º nº 3 al. b) do CPP, cfr. se retira do alegado sob os artºs 78º, 79º, 80º e 85º da contestação por si apresentada e constante de fls. 12397 e ss (40º volume) com a refª ....
Ora esta questão – nulidade da acusação por incumprimento do artº 283º nº 3 al. b) do CPP –  e ao contrário do referido pelo arguido UU, foi abarcada pelo Tribunal a quo logo na página 61 do acórdão onde delineou, como questões prévias a decidir:
“1.ª A nulidade insanável por falta de inquérito, em conformidade com o disposto nos arts. 119º, als. c) e d) e 120º, n.º 2 al. d) do Código de Processo Penal, e a nulidade insanável a que alude a al. a) do art. 119º do Código de Processo Penal, por violação das regras legais relativas ao modo de composição do tribunal, previstas nos arts. 17º e 53º (a contrario) do mesmo diploma legal e do art. 206º do Código de Processo Civil, maxime por violação do juiz legal ou natural (art. 32º, n.º 9 da Constituição da República Portuguesa), invocadas pelo arguido RR; 
2.ª A nulidade da acusação (e, consequentemente, da pronúncia), expressamente suscitadas, em sede de contestação, pelos arguidos OO, PP, RR, KKK, JJJ e Doce Cabaz, L.da, bem como, por outros arguidos, em sede de alegações orais finais.” – sublinhado nosso
Sendo que, o Tribunl a quo depois procedeu a uma análise detalhada da invocada nulidade da acusação nas páginas 66 a 71 do acórdão recorrido, concluindo pela sua inexistência.
Constata-se, assim, que em relação ao arguido UU nenhuma omissão fora cometida, tendo o Tribunal a quo se debruçado sobre as questões concretamente suscitadas pelo mesmo, pelo que improcede o seu recurso nesta parte.
Vejamos agora o recurso dos arguidos LL, NN e MM que entendem ter havido omissão de pronúncia da parte do Tribunal a quo no tocante à prognose favorável aquando da determinação da pena.
Da cuidada análise do acórdão recorrido, se verifica que o mesmo dedicou 10 páginas[50] à análise do instituto da suspensão da execução da pena plasmado no artº 50º do Código Penal, tendo efcetuado, uma sucinta, mas clara exposição sobre os requisitos subjacentes à suspensão da execução da pena.
É verdade que não referenciou especificamente os arguidos LL, NN e MM, embora na página 807 o Tribunal a quo deixa antever que o silêncio a que os arguidos LL e NN se remeteram durante todo o julgamento levou a um juízo negativo sendo tais condutas, na esteira do Tribunal a quo “reveladoras de uma maior premência das necessidades preventivas especiais” posteriormente avaliadas como inviabilizadoras do juízo de prognose favorável por, no entender do Tribunal a quo, revelar falta de arrependimento e consciencialização do ilícito praticado.
Quanto ao arguido MM o Tribunal a quo também deixa antever na página 807 do acórdão recorrido que, pese embora tivesse prestado declarações em sede de julgamento e até tivesse vindo a assumir o recebimento de quantias não declaradas fiscalmente, mas por trabalho prestado licitamente, por tal facto não se ter provado, o mesmo revelou, na óptica do Tribunal a quo, uma forma de“se eximir a qualquer responsabilidade pelas condutas mais graves relatadas pelo arguido JJ.”
Percebe-se, assim, porque motivo estes arguidos não beneficiaram de um juízo de prognose favorável.
Contudo não deixa de ser visível que em relação a estes três arguidos em especifíco o Tribunal a quo (seguramente por lapso devido ao elevado número de arguidos) não emitiu um juízo concreto em relação à existência ou não de prognose favorável, embora pela conjugação de tudo quanto o Tribunal a quo referiu aquando da determinação das penas e dos motivos que foram para si determinantes para a suspensão a execução da pena em relação a outros arguidos, percebe-se que o Tribunal a quo não considerou existir um juízo de prognose favorável para estes três arguidos, a verdade é que o acórdão recorrido é omisso quanto a esta questão assistindo razão aos recorrentes no apreço.
Esta nulidade parcial é susceptível de ser sanada por esta Relação, nos termos do nº 2 do artº 379º do CPP, uma vez que os autos contêm todos os elementos necessários para se avaliar se é ou não possível fazer-se uma prognose favorável em relação aos arguidos LL, NN e MM.
Essa avaliação será efectuada aquando da análise infra da medida da pena (ponto XI).
Em relação ao recurso interposto pelo arguido BB já o mesmo entende que houve excesso de pronúncia quando o Tribunal a quo se pronunciou sobre o processo de inquérito à Secção de Subsistências da Base Aérea nº ... e processo disciplinar nº 56/09.
Para tanto invoca os factos vertidos em 535 e 537 do acórdão recorrido que têm o seguinte teor:
“535. A existência de práticas ilícitas nesta messe já remonta, pelo menos, ao ano de 2009, sendo do conhecimento da D.A.T. desde o momento em que as mesmas foram detetadas, e averiguadas internamente, dando origem ao processo disciplinar n.º 56/09, que a própria D.A.T., através do arguido BB, minimizou.
537. Este processo disciplinar deu origem ao processo de inquérito à secção de subsistências da Base Aérea n.º …, tendo sido nomeado instrutor (oficial inquiridor) o arguido BB, subdiretor da D.A.T., o qual concluiu que se tratava de “irregularidades administrativas”, tendo sido determinado o arquivamento do processo disciplinar pelo então Chefe do Estado-Maior da Força Aérea.”
Afigura-se-nos que o arguido BB não leu com cuidado a acusação porquanto os factos apontados resultam dos nºs 556 e 558 da acusação, que passaram para a pronúncia.
Trata-se de matéria alegada pelo MºPº em relação ao qual o Tribunal a quo deveria pronunciar-se, dando por provado, ou não provado, tais factos.
O mesmo se diga em relação ao facto dado por não provado na al. yyyy) que o arguido também invoca.
Ora, o facto do Tribunal a quo ter dado como provado factos plasmados na acusação/pronúncia não significa que tivesse se pronunciado acerca de questões de que não podia, tanto mais que, não só “factos” não traduzem “questões”, como os factos em causa foram alegados na acusação/pronúncia e, portanto, foram introduzidos na discussão da causa pelo MºPº e não pelo Tribunal.
Pelo que improcede o recurso do arguido BB nesta parte não se vislumbrando a apontada nulidade do acórdão recorrido.
Olhando agora o recurso do arguido RR constata-se que este entende que houve omissão de pronúncia porquanto o Tribunal a quo não se pronunciou sobre as efectivas razões pelas quais a nulidade do inquérito se mostrava arguida.
Vejamos.
O arguido RR que já havia suscitada a nulidade do inquérito perante o JIC viria suscitar novamente essa nulidade perante o Tribunal a quo alegando que a decisão instrutória não permite recurso.
A essa nulidade o Tribunal a quo pronunciou-se expressamente nos termos que constam das páginas 61 a 65 do acórdão recorrido.
Não pode haver qualquer dúvida de que o Tribunal a quo se pronunciou relativamente à questão da nulidade do inquérito que lhe foi submetida pelo arguido RR.
O que resulta da argumentação expendida por este arguido é que o mesmo confunde a análise da questão que integra o thema decidendum com a necessidade que sente de ver rebatidos ou juridicamente analisados todos os argumentos por si expendidos.
Como já referimos supra o Tribunal não tem de analisar cada argumento, nem cada nuance da questão.
A omissão de pronúncia prevista na al. c) do nº 1 do artº 379º do CPP é uma verdadeira omissão por parte do Tribunal na análise e tratamento jurídico da questão que tem relevância para objecto em julgamento.
E tanto o JIC como o Tribunal a quo analisaram a invocada nulidade/insuficiência do inquérito suscitado pelo arguido.
Simplesmente por não terem acolhido os argumentos oferecidos pelo mesmo não significa que deixaram de se pronunciar sobre questão que devessem analisar.
Assim, e porque se nos afigura óbvio que a apontada nulidade não se verifica terá o recurso do arguido RR de ser julgado improcedente também quanto a esta questão.
Por fim, o recurso do arguido CC constata-se que o mesmo entende que o tribunal a quo também conheceu de questão de que não podia mas em relação a uma situação, a saber: ter dado como provado no facto vertido em 380 do acórdão recorrido uma situação fáctica que foi impugnada, tratando-a como se fosse incontroversa.
O arguido CC confunde a valoração da prova e a livre convicção de que beneficia o Tribunal a quo com a pronúncia de questão de que não podia conhecer.
Se o arguido entende que o tribunal valorou mal a prova que esteve na base do facto vertido em 380 do acórdão recorrido isso é um assunto a analisar em sede do erro de julgamento e tem a ver com a convicção formulada pelo Tribunal a quo.
Jamais estaria em causa na nulidade prevista na al. c) do nº 1 do artº 379º do CPP, na modalidade de excesso de pronúncia, valorações de prova controversa.
O que se visa sancionar, no caso de excesso de pronúncia, é uma decisão por parte do Tribunal sobre uma matéria que não foi debatida e levada ao seu conhecimento para valoração.
Tal vício prende-se com o direito de defesa dos arguidos, bem como das partes civis, e visa salvaguardar o direito ao contraditório.
No caso focado pelo arguido CC a questão foi alvo de debate e reflecção uma vez que, como o próprio admite no seu recurso, o mesmo formulou requerimento a impugnar a junção do documento que estaria na base do facto que o tribunal acabaria por dar por provado sob o nº 380 do acórdão recorrido.
Claro se torna ver que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre matéria de facto que não tivesse sido alvo de análise por parte do arguido, que simplesmente não concorda com a convicção formulada pelo Tribunal a quo, mas que está subtraída à nulidade em análise.
Constata-se, assim, que o recurso do arguido CC tem de improceder nesta parte não se vislumbrando a apontada nulidade do acórdão recorrido.
VII) Dos vícios do artº 410º nº 2 do Código de Processo Penal:
- recursos de Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares, Lda., CCC, UU, JJJ, Doce Cabaz, Lda., GGG, M..., S.A., KK, II, LL, NN, HHH, C..., Lda., TT, BB, FFF, Portal – Comércio e Indústria de Carnes, Lda., III, A... Lda., OO, RR e CC
Todos estes arguidos entendem que o acórdão recorrido padece dos vícios identificados no nº 2 do artº 410º do Código de Processo Penal sendo que:
- os arguidos Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares, Lda., CCC, UU, GGG, M..., S.A., KK, HHH, C..., Lda., FFF, Portal – Comércio e Indústria de Carnes, Lda., III, A... Lda. e OO entendem que o acórdão padece do vício previsto na al. a) do nº 2 do artº 410º do CPP por insuficiência da matéria de facto para a decisão;
- os arguidos Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares, Lda., GGG, M..., S.A., KK, II, LL, NN, TT, RR e CC entendem que o acórdão padece do vício previsto na al. b) do nº 2 do artº 410º do CPP por contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e
- os arguidos Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares, Lda., CCC, JJJ, Doce Cabaz, Lda., GGG, M..., S.A., KK, HHH, C..., Lda., BB, OO e CC entendem que o acórdão padece do vício previsto na al. c) do nº 2 do artº 410º do CPP por erro notório na apreciação da prova.
Vejamos, primeiro, o quadro legal aplicável e o que dizem a doutrina e a jurisprudência mais avisadas.
A sede legal dos vícios invocados encontra-se no artº 410º do Código de Processo Penal, subordinado à epígrafe “fundamentos de recurso” que dispõe o seguinte:
“1. Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2. Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;   
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3. O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.”  
Conforme esclarecem Simas Santos e Leal Henriques[51] “Deve notar-se que a al. a) do nº 2 se refere à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127º), que é insindicável em reexame da matéria de direito.
Por sua vez a contradição a que se reporta a al. b) é só aquela que, como expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo e com recurso às regras da experiência.
Finalmente o erro notório na apreciação da prova a que alude a al. c) é aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente. Esse erro existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, v.g., quando se dá por assente que o arguido está num determinado local a determinada hora e ao mesmo tempo se tem como provado que ele estava em local longínquo minutos depois; ou quando se dá por assente que o arguido disparou três tiros de pistola a 4 metros de uma mesa onde estavam sentadas várias pessoas, no interior de um café apinhado e se dá por provado que ele não previu a possibilidade de atingir mortalmente alguém.(…)
Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ao das legis artis.
Não pode esquecer-se que, como se prescreve na 2ª parte do corpo do nº 2, os vícios apontados nas suas alíneas têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida por si só ou com recurso às regras da experiência comum, não sendo permitida a consulta de outros elementos constantes do processo.”
Como muito bem explicitado no Acórdão do STJ de 15-09-2009 (porcº nº 103/09 da 3ª Secção, in Boletim do STJ):
“I -As anomalias, os vícios da decisão elencados no n.° 2 do art. 410.° do CPP têm de emergir, resultar do próprio texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão, como peça autónoma; esses vícios têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória, que lhe sejam externos, constando do processo em outros locais, como documentos juntos ou depoimentos colhidos ao longo do processo.
II - Trata-se de vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei -vícios da decisão, não do julgamento.
III - Os vícios previstos no artigo 410.°, n.° 2, do CPP, nomeadamente, o erro notório na apreciação da prova, não podem ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no art. 127.° do CPP.
IV - Não podendo, neste tipo de análise, prevalecer-se de prova documentada nem se encontrando perante prova legal ou tarifada, não pode o tribunal superior sindicar a boa ou má valoração daquela, e querer discutir, nessas condições, a valoração da prova produzida; é, afinal, querer impugnar a convicção do tribunal, olvidando a citada regra.
V - Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410.°, n.° 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.
VI - O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do erro se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto, só este sendo susceptível de apreciação.”
Assim, os vícios previstos no artº 410º do CPP, embora de conhecimento oficioso, são vícios que têm de resultar da análise da sentença em si, sem recurso a outros elementos processuais, e têm de ser vícios patentes que sobressaem da sentença pela simples leitura desta.
Ou conforme se refere no recente Acórdão do STJ de 06-02-2019 (in stj.pt) tratam-se de vícios que “decorrem do texto da própria decisão”.
Em relação a cada vício em concreto sabemos que:
O vício da insuficiência, para a decisão, da matéria de facto, plasmado na al. a) do nº 2 do artº 410º CPP não se confunde com a falta de prova para a matéria de facto, antes, traduzindo a falta de factos para a decisão dada, isto é, constata-se, da simples leitura da sentença/acórdão de que não existem factos suficientes para integrar o crime imputado e pelo qual se veio a condenar determinado arguido, ou então, não há factos suficientes para a determinação da pena em concreto, como, por exemplo, para se concluir pela taxa diária da multa aplicada desconhecendo-se por completo a situação económica do arguido.
“O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (constante da al. b) do nº 2 do artº 410º do CPP) consiste tanto na contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, como também entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou até mesmo entre a fundamentação e a decisão. Ou seja, uma situação em que, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados ou como não provados colidem inconciliavelmente entre si ou uns com os outros ou, ainda, com a fundamentação da decisão.”[52]
“Há contradição insanável da fundamentação quando, sendo feito um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva a uma decisão contrária àquela que foi tomada. Há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os factos provados e não provados se contradigam entre si ou se excluam mutuamente.”[53]
Ou ainda, conforme explicitado no Ac. do STJ de 24-02-2016[54]:
“Há contradição insanável da fundamentação quando, através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os factos provados, entre estes e os não provados, ou entre a fundamentação probatória da matéria de facto. A contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, por sua vez, ocorre quando, também através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os meios de prova indicados na fundamentação como base dos factos provados ou entre a fundamentação e o dispositivo da decisão.”
“O vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP - erro notório na apreciação da prova -, só se pode verificar quando, partindo do texto da decisão recorrida, a matéria de facto considerada provada e não provada pelo tribunal a quo atenta, de forma notória, evidente ou manifesta, contra as regras da experiência comum, avaliadas de acordo com o padrão do homem médio.”[55]
Nos termos do Acórdão do STJ de 15-09-2009 (já supra citado):
“O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do erro se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto, só este sendo susceptível de apreciação.”
Feitos estes esclarecimentos, constata-se, da cuidada leitura do acórdão ora sob escrutínio, que nenhum destes vícios se mostra visível no texto de tal acórdão.
Vejamos, olhando cada vício isoladamente:
i) Da insuficiência para a decisão da matéria de facto – al. a) do nº 2 do artº 410º CPP:
- recursos dos arguidos Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares, Lda., CCC, UU, GGG, M..., S.A., KK, HHH, C..., Lda., FFF, Portal – Comércio e Indústria de Carnes, Lda., III, A... Lda. e OO (e RR que embora enquadrando o vício em outra norma legal, acaba por caracterizar o vício em apreço)
A arguida Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares, Lda. entende que existe este vício porquanto, não tendo o Tribunal a quo dado por provada, em relação a si, a falsificação de documento faltam factos para lhe poder imputar a prática do crime de corrupção activa uma vez que esta se terá praticado através da sobrefacturação e, consequentemente, por via de uma falsificação de facturas.
Embora o Tribunal a quo tenha considerado que “é verdade que a falsificação destas facturas/guias é transversal à realidade que ora se aprecia, sendo pressuposto lógico e necessário so «esquema» da corrupção (…)”[56] tal não significa, de per si, que não se pode concluir pela prática do crime de corrupção, neste caso, activa, da recorrente pois os elementos integradores do tipo legal de corrupção mostram-se preenchidos perante os factos efectivamente dados por provados.
No caso em apreço há uma associação entre o crime de falsificação de documento e o crime de corrupção activa, mas tal associação não faz parte do tipo legal em causa.
Sendo que o Tribunal a quo explicou de forma muito clara que “a verdade é que em alguns casos não foi possível descortinar – nem tal vinha alegado, certamente face a essa impossibilidade – quais as facturas que não corresponderam a bens efectivamente fornecidos, mas que foram pagos, com a divisão do lucro daí resultante entre militares e empresários”[57] sendo notório que o simples facto de não se conseguir descortinar de entre os incontáveis documentos oferecidos aos autos como prova quais são verdadeiros e quais são falsos relativamente a esta recorrente não retira ao facto de ter havido um “esquema” através do qual foram sendo dadas vantagens quer aos militares quer aos fornecedores na sequência dos alimentos facturados.
Não se vislumbra, assim, o invocado vício, tendo o recurso da arguida Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares, Lda. que improceder nesta parte.
No recurso do arguido CCC não se consegue descortinar porque motivo o mesmo entende estar verificado este vício excepto que o mesmo diz que não há prova para os factos que foram julgados provados.
Como já vimos supra a falta de factos para a decisão não se confunde com a falta de prova para os factos, afigurando-se-nos ser esta a realidade que este arguido invoca, verifica-se, sem necessidade de mais considerandos, que em relação a si o acórdão recorrido não padece do vício plasmado na al. a) do nº 2 do artº 410º CPP pelo que o seu recurso tem de improceder nesta parte.
O recorrente UU entende que existe insuficiência da matéria de facto para a sua condenação na prática de um crime de corrpção passiva agravada (em função do valor) porquanto entende que, dos factos vertidos em 539 a 543, não é possível retirar a conclusão de que os valores envolvidos diziam respeito a si, sendo que, na sua óptica os valores em causa diziam respeito a toda a messe de ... onde estão outros militares.
Da cuidada análise dos factos referidos pelo arguido UU se constata que, ao contrário do entendimento por si propugnado, os valores referidos estão-lhe direcatmente imputados.
O que este arguido parece querer demonstrar, à semelhança do arguido CCC, é que não haveria prova suficiente para o Tribunal a quo poder concluir que os valores facturados seriam entregues somente a si e não a toda a messe mas isso é uma questão de prova e convicção do Tribunal a quo não subsumível, como já o referimos, no vício previsto na al. a) do nº 2 do artº 410º do CPP, motivo pelo qual o recurso do arguido UU tem de improceder nesta parte.
Os arguidos GGG e M..., S.A. entendem que “o Acórdão encontra-se inquinado pelo vício do Artº 410º, nº 2, al. a) – uma clara insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porque se (lhes) afigura que resulta do texto do acórdão que tal condenação nunca poderia ter sido decidida (com remissão para a prova ali referida e os fundamentos ali vertidos)”.
Ora, à semelhança dos arguidos CCC e UU, os recorrentes GGG e M..., S.A. confundem a falta de prova para os factos dados por provados e que sustentam a condenação penal com a falta dos próprios factos necessários a essa condenação.
Por outro lado, à semelhança da arguida Pinguins, Lda., os ora recorrentes entendem que, por não terem sido condenados no crime de falsificação de documento, que nunca se poderia ter chegado à conclusão de ter havido sobrefacturação que, por sua vez, estaria na base do crime de corrupção.
Quanto a este aspecto já o referiu o Tribunal a quo em relação à arguida Pinguins, Lda. que, embora a falsificação das facturas seria transversal a todo o esquema de sobrefacturação, a incapacidade de se dar como provada certa falsificação em concreto não impede a imputação do crime de corrupção activa, não sendo a falsificação um elemento integrador do respectivo tipo legal.
Pelo que, não existindo o invocado vício, improcede o recurso dos arguidos GGG e M..., S.A. nesta parte.
O arguido KK entende que “o tribunal não poderia assentar a sua convicção nas declarações do Cap JJ, única fonte probatória para a fundamentação da decisão condenatória, porque são contraditórias, contrariadas por outras declarações ou testemunhos, frágeis e inverosímeis, pelo que são manifestamente insuficientes para a decisão da matéria de facto provada, a que se refere a alínea a) do nº 2 do artº 410º do CPP.”[58]
De tudo quanto temos vindo a referir fácil é de constatar que este arguido, à semelhança de outros, confunde a falta de prova para os factos dados por provados com a falta de factos para sustentar a condenação, sendo que aquela situação, a existir, integra-se num erro de julgamento e não no vício plasmado na al. a) do nº 2 do artº 410º do CPP, motivo pelo qual o recurso do arguido KK tem de improceder nesta parte.
Os arguidos HHH e C..., Lda. embora invocando o vício que está sob análise não oferecem em concreto quais os factos que faltam para sustentar a sua condenação nem da sua argumentação resulta essa falta, antes, que não haveria prova suficiente para os mesmos serem condenados.
Ou seja, estes arguidos, tal como os outros já supra mencionados, confundem a falta de prova para os factos dados por provados com a falta de factos para sustentar a condenação, motivo pelo qual, sem necessidade de mais considerandos, se constata não existir o invocado vício devendo o recurso dos arguidos HHH e C..., Lda. improceder nesta parte.
Os arguidos FFF e Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda. bem como os arguidos III e A... Lda. entendem que “não se encontra um único facto dado como provado onde conste que as (alegadas) facturas que (pretensamente) não tinham correspondência com os bens entregues, ligadas à «sobrefacturação», foram pagas aos fornecedores, nomeadamente, aos ora recorrentes.”
Nos termos do disposto no artº 374º do Código Penal o crime de corrupção activa não carece da entrega efectiva da vantagem para se consumar, bastando-se com a promessa dessa entrega.
Ora, nos factos vertidos em 156 e 355 resulta claro que o arguido FFF, representante legal da arguida Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda. propôs ao gerente da messe da Base Aérea nº ... a emissão superior a bens efectivamente entregues e a repartição do lucro daí resultante.
E no facto vertido em 382 consta que o arguido FFF contactou o arguido JJ a perguntar-lhe se conhecia o gerente da messe da Base Aérea nº ... para entrar no esquema da sobrefacturação.
Por outro lado, no facto vertido em 364 consta que a arguida Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda. através do seu gerente, o arguido FFF e a arguida A... Lda., através do seu gerente, o arguido III, entre outros comerciantes “apresentaram facturas de valor superior aos bens efectivamente entregues, permitindo que a Força Aérea procedesse ao respectivo pagamento.”
Sendo que, no facto vertido em 390 vem identificado o montante exacto que a arguida A... Lda. sobrefacturou e os montantes que lhe couberam a si e aos militares.
Constata-se, assim, não haver insuficiência de factos para sustentar a respectiva decisão condenatória, pelo que não se verifica o vício plasmado na al. a) do nº 2 do artº 410º do CPP devendo o recurso dos arguidos FFF e Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda., bem como dos arguidos III e A... Lda. improceder nesta parte.
Por fim, o arguido OO entende que este vício se verifica porquanto “no caso vertente não consta da descrição dos factos provados a indicação de um qualquer concreto documento que possa ser qualificado como viciado por qualquer falsificação (…) consequentemente não está verificado que o arguido recorrente cometeu o crime de falsificação de documento de que foi pronunciado…”[59]
No entanto, se olharmos os factos vertidos em 427, 433 a 440 e 448 a 451 bem como os elementos que o tipo legal previsto no artº 256º do Código Penal exige, verificamos que aqueles factos são suficientes para integrar o comportamento do arguido OO na prática de um crime de falsificação.
O facto de não constar a identificação de um documento concreto e específico não significa que o crime em apreço não se mostra preenchido com base nos factos que efectivamente resultam do acórdão recorrido.
Assim, não se verifica a insuficiência da matéria de facto para a decisão motivo pelo qual o vício plasmado na al. a) do nº 2 do artº 410º do CPP não existe, pelo que improcede o recurso do arguido OO nesta parte.
Por fim, o arguido RR embora abrigando a sua argumentação na nulidade do artº 379º nº 1 al. a) do CPP suscita uma verdadeira falta de factos para fundamentar a sua condenação o que se subsume ao vício previsto na al. a) do nº 2 do artº 410º do CPP em análise.
Entende este arguido que há uma insuficiência de factos “uma vez que os factos julgados provados no Acórdão recorrido se mostram insuficientes para o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo objectivo e subjectivo dos ilícitos em causa e dos respectivos tipos de culpa.”
Em primeiro lugar os crimes de falsificação de documento e corrupção, este último quer activa, quer passiva são crimes por natureza dolosos e não está contemplada a sua punição a título de negligência pelo que é absolutamente irrelevante o que o arguido invoca na alínea mm) da conclusão III.
Por outro lado, não se compreende porque motivo o arguido invoca o AUJ nº 1/2015[60] porquanto este acórdão diz respeito à falta de factos na acusação dos elementos subjectivos do crime imputado e que essa falta não pode ser colmatada pelo Tribunal a quo, nem mesmo por recurso ao mecanismo do artº 358º do CPP, porquanto, não só não faltam esses factos na acusação, como, no vício em apreço, não está em causa a falta de factos na acusação mas, antes, no acórdão recorrido, sendo de notar que também já nos pronunciámos à cerca da nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artº 379º do CPP concluindo pela sua não verificação.
Em todo o caso, da cuidada análise dos factos dados por provados verifica-se que existem factos mais do que suficientes para imputar a este arguido os crimes pelos quais foi condenado.
 A actuação do arguido RR vem contemplada nos factos vertidos em 452 a 478, sendo que os elementos subjectivos dos crimes de corrupção passiva e falsificação de documento encontram-se expressamente referidos nos factos vertidos em 469 a 474, 477 e 478.
Não há, assim, qualquer insuficiência de factos para sustentar a condenação do arguido em apreço, motivo pelo qual tem de improceder o seu recurso nesta parte.
ii) Da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão – al. b) do nº 2 do artº 410º do CPP:
- recursos dos arguidos Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares, Lda., GGG, M..., S.A., KK, II, LL, NN, TT, RR e CC
A arguida Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares, Lda. entende que, uma vez que “não se mostra preenchido o tipo objectivo do crime de que foi condenada, porquanto da prova carreda para os autos e produzida em sede de audiência de audiência de julgamento, não resultou provada a corrupção activa, ou seja, existe contradição entre a falta de falsificação de facturas e a corrupção activa, não se pode apurar com certeza qual a sua actuação.”
Daquilo que temos vindo a considerar à exaustão, claro se torna ver que esta arguida continua a confundir a falta de prova para o quadro fáctico dado como provado com os vícios plasmados no nº 2 do artº 410º CPP que, como vimos já, são vícios inerentes à própria estrutura da decisão judicial, constantes no seu suporte lógico-linguístico.
Ora, o facto de, em relação a esta arguida, o Tribunal a quo, precisamente ao abrigo do princípio in dúbio pro reo, não ter conseguido concluir pela prática, em concreto, do crime de falsificação de documento não significa, como também já vimos, que o crime de corrupção não possa ter sido praticado.
Não há nisto qualquer contradição insanável entre a matéria de facto e a decisão nem mesmo entre a própria fundamentação oferecida, os factos e a decisão, pelo que não se verifica o vício plasmado na al. b) do nº 2 do artº 410º do CPP nos termos propugnados pela recorrente.
Pelo que o recurso da arguida Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares, Lda. tem de improceder nesta parte.
No que tange aos arguidos GGG e M..., S.A., embora entendam que o acórdão recorrido padece do vício em apreço, sinceramente não conseguimos vislumbrar, nem da sua motivação, nem nas suas conclusões em que medida entendem que o acórdão ora sob escrutínio padece de uma contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
O que se retira do recurso em apreço é a defesa, por parte destes recorrentes, de que não há prova para sustentar a condenação e que, sem a prova do crime de falsificação, não pode haver condenação pelo crime de corrupção, uma vez que este crime assenta naquele.
No entanto, nenhuma destas observações leva à verificação do vício em análise, sendo que certo que o Tribunal a quo desenvolveu uma lógica coerente quer na narrativa que considerou provada, quer nas respectivas consequências legais.
Pelo que terá de improceder o recurso destes arguidos nesta parte.
Entende o arguido KK que “aderir à «doutrina da corroboração» e condenar o arguido só com base nas declarações incriminatórias de outro co-arguido, sem corroboração, constitui uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão claramente plasmada no acórdão recorrido.”
Ou seja, este arguido entende que o Tribunal a quo se contradisse aquando da análise do valor das declarações de co-arguido, socorrendo-se, por um lado, da teoria da corroboração, mas, por outro, lançando mão de declarações que não teriam sido corroboradas.
Não conseguimos sufragar este entendimento uma vez que o Tribunal a quo não defendeu, sem mais, a aplicação da teoria da corroboração.
Vejamos, o que o Tribunal a quo a propósito da valoração das declarações de co-arguido concretamente disse[61]:
“Por se revelar pertinente no caso sub judice, na medida em que tal questão foi suscitada por parte das respetivas defesas, cumpre, pois, efetuar uma breve exposição acerca da natureza e admissibilidade da prova por declarações dos arguidos, maxime dos coarguidos. 
Apesar de se tratar de questão amplamente debatida na doutrina, com posições opostas (cf., designadamente, Germano Marques da Silva, in Curso de Direito Processual Penal, II, pág. 171, e Teresa Beleza, in R.M.P., n.º 74, abril/junho 1998), e na jurisprudência, entende-se, no seguimento da tese, hoje maioritária, sufragada pelos tribunais superiores, que as declarações dos arguidos constituem um meio de prova admissível, entre outros, como decorre, sem quaisquer dúvidas, das disposições conjugadas dos arts. 125º e 126º do Código de Processo Penal, sujeito às regras processuais que determinam a sua apreciação, designadamente ao princípio da livre apreciação ínsito no art. 127º do mesmo diploma legal.  Aliás, o art. 344º do Código de Processo Penal prevê expressamente a valoração do depoimento do arguido como meio de prova, sendo certo que se trata do meio que figura em primeiro lugar na ordem da respetiva produção, como resulta dos arts. 340º e 341º do mesmo diploma legal. 
Questão mais complexa e melindrosa afigura-se, no entanto, a do valor probatório das declarações do coarguido, não quanto a factos que apenas a si digam diretamente respeito, mas relativamente a factos que também (ou tão-só) respeitem a outros coarguidos.
Mas, também nesta sede, uma parte significativa da doutrina e da jurisprudência, com a qual se concorda integralmente, se vêm pronunciando favoravelmente ao valor probatório das declarações de um dos arguidos relativas à comparticipação nos factos de algum ou de todos os restantes arguidos, ou seja, das declarações de um coarguido sobre factos desfavoráveis a outro ou outros (vide, neste sentido, Medina de Seiça, in “O Conhecimento Probatório do Coarguido”, Studio Jurídica 42, Coimbra Editora, pág. 143; contra o referido entendimento, Rodrigo Santiago, in R.P.C.C., 1994, 27-62, que considera a utilização do conhecimento probatório do coarguido uma nulidade de julgamento, por violação dos arts. 323º, al. f) e 327º, n.º 2 do Código de Processo Penal). 
Sem prejuízo de tal entendimento, é por demais consabido que os arguidos podem usar de vingança ou desresponsabilizar-se, recíproca ou multilateralmente, podendo existir, em certos casos, um verdadeiro conflito de interesses ou posições antagónicas entre os vários coarguidos, do que decorre uma especial fragilidade das declarações prestadas nesse contexto (neste sentido, Teresa Beleza, ob. cit., págs. 39 e seguintes). Como refere, elucidativamente, Carlos Clemente Duaran, in “La Prueba Penal” (citado no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18 de agosto de 2004, Processo n.º 1937/04, disponível em www.dgsi.pt), “a credibilidade do depoimento incriminatório do coarguido está na razão direta da ausência de motivo de incredibilidade subjetiva, o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à inexistência de uma autoinculpação. Igualmente assume uma real importância a concorrência de corroborações periféricas objetivas que demonstrem a verosimilhança da incriminação”.  
E daí que em tais situações – que não impedem a livre apreciação por parte do Tribunal - se imponham cuidados redobrados, devendo usarse de uma especial cautela na valoração da prova. 
É, pois, neste contexto particular, que avulta a denominada “doutrina da corroboração”, segundo a qual deverão existir “elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem diretamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta. A regra da corroboração traduz de modo particular uma exigência acrescida de fundamentação, devendo a sua falta merecer a censura de uma fundamentação insuficiente” (cf., neste sentido, Medina de Seiça, na obra supracitada, pág. 226). E acrescenta este autor: a regra da corroboração “não constitui uma regra legal no sentido de impor um juízo, de dar por assente um determinado resultado probatório apenas pelo facto dele ser oriundo desta ou daquela fonte de valor tarifado. Traduz-se, antes, numa exigência acrescida de verificação de um material probatório, que não pode sustentar, por si só, enquanto narração de um dado adicional para que tal enunciado, já considerado atendível de um ponto de vista intrínseco, possa ser apresentado como razão de convencimento”.
Tal equivale a considerar que as declarações de um coarguido apenas poderão fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existir alguma prova adicional a “tornar provável que a versão do coarguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações” (Parecer do Professor Figueiredo Dias, citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de maio de 2009, Processo n.º 08P1213, em www.dgsi.pt). Noutras palavras, a exigência da corroboração implica que as declarações dos coarguidos nunca podem, só por si, e por mais claras e credíveis que sejam, suportar a prova de um facto criminalmente relevante, sempre sendo exigível que as declarações sejam confirmadas por outro autónomo contributo (cf., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de maio de 2009, Processo n.º 08P1213, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8 de abril de 2008, Processo n.º 2523/07-1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Por todo o exposto, entendemos que nada na lei proíbe que o Tribunal forme a sua convicção, apenas ou essencialmente, com base nas declarações de coarguidos. E, deste modo, havendo as declarações de um coarguido de ser tidas como meio de prova igual a todos os demais, cabe ao Tribunal valorá-las à luz do princípio da livre apreciação da prova, ínsito no art. 127º do Código de Processo Penal, “tendo-se um particular e acrescido cuidado quando, das mesmas declarações, resultar o comprometimento de outro coarguido, usando-se, neste caso, de um maior rigor na valoração daquelas e tentando-se, se possível, corroborá-las com o recurso a outros meios de prova mais insuspeitos, como é, aliás, o normal dever do julgador” – cf., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de maio de 2014, proferido no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 513/12.1GDSNT, deste Juízo Central Criminal de Sintra, 1ª Secção Criminal, Juiz 6. 
Sem prejuízo de tal entendimento, estamos em crer que a doutrina e jurisprudência em que o mesmo se baseia teve apenas em mente as declarações dos arguidos, ou dos coarguidos, prestadas em sede de audiência de julgamento, na sua presença e dos respetivos defensores, sujeitas, consequentemente, aos princípios da imediação e do contraditório. (…)” – sublinhado e negrito nossos
O que o Tribunal a quo faz é anunciar a polémica em torno da valoração das declarações de co-arguido, indicar o entendimento doutrinário e jurisprudencial e depois oferecer o seu entendimento o qual vai no sentido de que se possível deve-se acompanhar as declarações de co-arguido com outros elementos, contudo sem que isso seja uma obrigação, devendo as declarações de co-arguidos ser valorods à luz da livre convicção do Tribunal.
Se este entendimento propugnado pelo Tribunal a quo é válido ou não é assunto a analisar infra em sede de nulidade da prova e erro de julgamento mas não consubstancia o apontado vício previsto na al. b) do nº 2 do artº 410º CPP porquanto nenhuma contradição daí resulta.
Improcede, assim, o recurso do arguido KK nesta parte.
Os arguidos II, LL e NN entendem que o Tribunal “deu por provados factos, que ainda que, não totalmente incompatíveis, entre si, se apresentam manifestamente inconciliáveis, com a prova de facto, produzida em julgamento, com a que se encontra junta aos autos, à total revelia da falta de prova.”[62]
Não só estes arguidos não demonstram que factos é que são manifestamente inconciliáveis, apesar de não incompatíveis, como o que resulta da sua motivação é que os arguidos invocam como vício do art 410º nº 2 CPP algo que nada tem a ver com tais vícios, mormente a falta de prova suficiente para fundamentar os factos dados por provados.
Mas como já temos vindo a referir, a falta de prova para sustentar factos e consequentemente uma condenação não se confunde com nenhum dos vícios plasmados no nº 2 do artº 410º do CPP.
Aliás, sendo os vícios do nº 2 do artº 410º do CPP vícios que surgem exclusivamente do texto da decisão os mesmos nunca poderiam ser aferidos em função da prova que foi produzida em sede de julgamento ou com recurso a prova documental que exista nos autos.
Os vícios em causa têm de ser apreendidos através da simples leitura da decisão recorrida sem recurso a qualquer outro elemento externo, como seja a gravação de declarações ou a consulta de documentos.
E da cuidada análise do texto do acórdão recorrida não resulta, tal como os próprios admitem, qualquer incompatibilidade, ademais, insustentável, nos factos provados, motivo pelo qual o respectivo recurso tem de improceder nesta parte.
O arguido TT entende que a factualidade resultante dos factos vertidos em 540 a 543 e o vertido em 489 são inconciliáveis na medida em que entende que, se a sua actuação ilícita apenas ocorreu, nos termos dos factos vertidos em 540 a 543, nos anos de 2014 e 2015 como é que se justifica o facto vertido em 489[63] que atribui ao arguido a prática de ter entregue à DAT € 500,00 mensais logo em 2013.
Os factos em apreço não podem ser desligados da restante narrativa plasmada na matéria de facto provada.
Se olharmos o facto vertido em 480 verificamos que o arguido TT esteve na messe da Base Aérea nº ... do ..., como oficial, entre 27-09-2006 e 02-02-2015.
Ora, os factos vertidos em 540 a 543 dizem respeito apenas à actuação de três arguidas empresas, a Pac & Bom, Fruta da Aldeia e Doce Cabaz e estão limitadas aos anos de 2014, 2015 e 2016.
O facto de ter ficado provado no facto vertido em 489 que o arguido TT já em 2013 entregava € 500,00 mensais ao co-arguido EE destinada à DAT não é incompatível com os referidos factos porquanto, dos mesmos não se retira que a actuação ilícita imputada ao agruido surgiu apenas e unicamente em relação às três empresas arguidas naquele período temporal.
Se olharmos o facto vertido em 68 sabemos que a DAT, em execução do seu plano para beneficiar os arguidos aí integrantes (AA, BB, CC e EE) desde “pelo menos janeiro de 2013” recebia valores mensais das várias bases aéreas, inclusive da do ....
E se tivermos atentos ao facto vertido em 84 verificamos que em 2013 a base aérea do ..., cujo oficial de messe era o arguido TT entregou à DAT o valor mensal de € 500,00.
O facto de apenas se ter conseguido provar em concreto as sobrefacturações nos anos de 2014, 2015 e 2016 em relação às três arguidas em referência, não significa que a respectiva actividade ilícita do arguido recorrente tivesse apenas começado nesse preciso momento.
O que foi possível apurar é que a DAT recebia das várias messes, identificadas nos factos vertidos em 83, 84 e ss, nas quais se encontra a Base Aérea nº ... do ..., na qual o arguido TT era o respectivo oficial da messe desde 2006 até 2015, valores mensais, desde pelo menos 2013, que integravam o esquema de obtenção indevida de ganhos à custa de facturação superior à dos bens entregues como referido nos factos vertidos em 4 e 5.
Se existe prova para se afirmar que o arguido TT entregava € 500,00 mensais ao co-arguido EE, em que termos e com que finalidade é assunto a tratar em sede de erro de julgamento que não se confunde com os vícios do artº 410º nº 2 do CPP.
Constata-se, assim, que não existe a invocada contradição factual apontada pelo arguido TT pelo que o seu recurso improcede nesta parte.
O arguido RR entende que há “uma contradição desta decisão, desta vez relativamente ao facto nº 741 do elenco dos factos provados, e entre a própria fundamentação e essa decisão, contradição que se mostra insanável porque não existem nos autos os documentos em causa, as facturas que permitiriam porventura sindicar e esclarecer o que efectivamente se verificou.”
Quanto a este aspecto há a referir duas coisas.
A primeira é a de que efectivamente, olhando o quadro constante de páginas 314 e início de páginas 315 do acórdão recorrido, embora se anuncie tratarem-se de facturas de Agosto a Dezembro de 2015, apresentadas pela arguida Pac & Bom, todas as datas apostas no elenco de facturas que segue são referentes ao ano de 2014.
Ora, estamos em crer, até porque acontece com todas as facturas indicadas no respectivo elenco, que o Tribunal a quo onde escreveu 2014 quis escrever 2015, tanto que em relação a todos os outros quadros de todas as outras messes contempladas no facto vertido em 741, em relação à arguida Pac & Bom, está em causa apenas o ano de 2015 sendo que o facto vertido em 741 começa por dizer “no ano de 2015, foram apresentadas as seguintes facturas, que não tinham integral correspondência com os bens entregues: (…)”
E, se olharmos o facto vertido em 740 igualmente referente à facturação apresentada pela arguida Pac & Bom, mas em relação ao ano de 2014, nele não consta qualquer facturação à messe do arguido, ou seja, a Base Aérea nº … dos ....
Pelo que estamos perante um simples lapso de escrita que não torna tais factos internamente incongruentes.
Em segundo lugar, o que o arguido verdadeiramente pretende com a arguição de contradição na fundamentação é colocar em crise a prova da qual o Tribunal a quo se terá socorrido concluindo que “não existem nos autos os documentos em causa”.
Ora esta argumentação, como já vimos, nada tem a ver com o vício invocado especialmente porquanto implica que o leitor do acórdão teria de aceder aos documentos que serviram de suporte aos factos em apreço, para constar se existem ou não, exercício que não é consentido pelo artº 410º nº 2 do CPP que exige a verificação dos respectivos vícios do simples texto da decisão.
Entende ainda o arguido RR que, em relação ao facto vertido em 458 que o acórdão padece ainda do vício plasmado na al. b) do nº 2 do artº 410º do CPP porquanto “não foi julgado provado nem decidido que ele tivesse sido corrompido ou falsificado documentos em 2013, mas («apenas») em 2014 e 2015.
Ora, o facto vertido em 458 é de todo semelhante ao facto vertido em 489 em relação ao arguido TT sendo as respectivas argumentações equivalentes.
Pelo que, remetendo para o que tecemos acerca do recurso do referido recorrente TT há apenas a acrescentar que o facto de não se ter provado em que moldes a arguida Pac & Bom entregara dinheiro ao arguido RR em 2013 – cfr. facto vertido em 458 – não significa que este arguido não pudesse ter efectuado entregas à DAT em tal ano, só porque apenas se provou em termos concretos a facturação nos anos de 2014 em diante.
Pelo que tem de improceder o recurso do arguido RR nesta parte.
Por fim, o arguido CC entende que há contradição na matéria de facto visível no confronto do facto vertido em 8 com os factos vertidos em 872, 873 e 875.
Vejamos, olhando o teor dos referidos factos.
“8. Em troca, a D.A.T. não efetuava controlos e verificações da atuação das messes, permitindo que estas, por sua vez, obtivessem quantias em dinheiro para lhe serem entregues e, em simultâneo, que os militares que se encontravam nas unidades obtivessem, também para si, proveitos em dinheiro e, em alguns casos, também em géneros, nos precisos termos que abaixo serão dados como provados.
872. A DAT efetuava os controlos e verificações das messes, no âmbito das inspeções, sendo elaborados relatórios de inspeção, que eram verificados a nível superior.
873. As inspeções foram realizadas sob a égide da DAT/RMI e foram também realizadas inspeções às Uo’s, em apoio à IGFA.
874. O controlo também era realizado pela DFFA e IGFA 875. De 2012 a 2015 foram efetuadas várias inspeções sectoriais pela DAT, bem como em apoio às inspeções globais da IGFA.”
Num primeiro momento, parece que o facto vertido em 8 está em oposição ao facto vertido em 872 pois naquele se diz que a DAT não efectuava os controlos e verificações das messes, enquanto que no facto vertido em 872 se diz que a DAT efectuava os controlos e verificações das messes.
Todavia, os factos em referência não podem ser lidos de forma isolada bem como há que compreender o contexto em que cada um é determinado.
Assim, e no que tange ao facto vertido em 8 o que está em causa é um não controlo e verificação por parte da DAT como contrapartida pela recepção de dinheiro angariado no esquema referido em 4 a 7 dos factos provados, ou seja, a DAT não vigiaria de forma regular a actuação das messes no que tange à aquisição e facturação dos alimentos que, se tivesse sido feito, a DAT ter-se-ia apercebido do esquema instalado desde há anos.
Enquanto que no facto vertido em 872 o que está em causa é a verificação e controlo das messes no âmbito de inspecções que, conforme explica o Tribunal a quo nas páginas 607 a 609 do acórdão recorrido ocorriam, num primeiro momento de 2 em 2 anos, passando a ser de 3 em 3 anos, sendo que essas inspecções tinham por âmbito essencialmente avaliar questões de higiene e segurança alimentar.
Tratam-se de intervenções diferentes, com âmbitos diferentes e periodicidades diferentes.
No facto vertido em 8 está em causa estabelecer uma falta de controlo por parte da DAT no que tange a um esquema já enraizado enquanto que, no facto vertido em 872 e ss, está em causa uma actuação genérica da DAT no âmbito de inspecções que eram realizadas de 2 em 2 anos e depois de 3 em 3 anos e que se prendiam essencialmente com segurança alimentar, e depois com o lançamento dos consumos das refeições e com a verificação de stocks físicos em armazém, quando possível, não com facturações mensais.
Conforme esclareceu o Tribunal a quo na sua fundamentação da matéria de facto[64]:
“No domínio das inspeções às unidades, o arguido esclareceu que a par daquelas que eram realizadas pela I.G.D.N. (Inspeção-Geral da Defesa Nacional), existiam também as realizadas pela I.G.F.A. (Inspeção-Geral da Força Aérea), de âmbito geral, ou seja, em que supostamente eram inspecionadas todas as áreas da unidade, e que eram comandadas por um General, solicitando à D.A.T., para integrá-las, a nomeação de uma pessoa da Secção de Combustíveis, uma pessoa da Secção do Fardamento e uma outra da Secção de Subsistências (ou no caso das unidades das ilhas, por questões de logística, ia apenas uma pessoa para todas as áreas).  
A nomeação, feita pela D.A.T., competia ao arguido CC, e normalmente incidia sobre o chefe de cada uma das referidas secções.
Estas inspeções da I.G.F.A., porque de âmbito geral, normalmente duravam uma semana, embora o pessoal nomeado pela D.A.T. fosse apenas num dos dias, e obedeciam a uma planificação anual, aprovada em março ou abril pelo Chefe do Estado-Maior da Força Aérea (General C.E.M.F.A.), e que ficava disponível no portal da intranet da Força Aérea, com as datas previstas para o efeito, o que sucedia igualmente com as inspeções da D.A.T..
As inspeções da D.A.T.  – setoriais - eram compostas geralmente pelo arguido CC, enquanto chefe da R.M.I., e depois pelo chefe de cada uma das áreas, sendo que por vezes poderia ir mais do que uma pessoa de cada secção. Aquando sua realização, o diretor informava o comandante da unidade, na manhã do próprio dia, apenas para terem conhecimento, por questões logísticas, de que ali se deslocariam. E embora desconheça se do plano constava a secção que iria proceder à inspeção, logo a área que iria ser inspecionada, esse objeto era conhecido através da informação sobre quem a iria integrar.
Esclareceu que a periodicidade das inspeções setoriais da D.A.T., no tempo do Tenente Coronel AAAA, era de dois em dois anos, e que posteriormente, para haver alternância com as inspeções da I.G.F.A., passaram a ser feitas de três em três anos (num ano existia a inspeção da I.G.F.A., que no ano seguinte a fazia o acompanhamento, e no ano seguinte era realizada a inspeção setorial da D.A.T.), razão pela qual dependiam sempre do planeamento que aquela entidade realizava.
No que concretamente respeita às inspeções da área das subsistências, estas visavam essencialmente questões de higiene e segurança alimentar, incidindo, depois, sobre o resto da área, como o lançamento dos consumos das refeições. Do seu objeto fazia ainda parte a verificação dos stocks físicos, em armazém, quando tal era possível, comparativamente com as listas de existências constantes do S.I.G. (porque, para o efeito, o sistema tinha de ter os consumos em dia, o que nem sempre acontecia), não sendo verdade, no entanto, que avisassem previamente que iriam fazê-lo.”
Ou seja, os controlos referidos nos factos vertidos em 872 e ss dizem respeito a uma intervenção da DAT solicitada por outras entidades superiores, mormente a I.G.F.A. (Inspeção-Geral da Força Aérea).
Invoca ainda o arguido o referido pelo Tribunal a quo na página 685 do acórdão recorrido para provar que, afinal, os oficiais da DAT não podiam ter conhecimento da sobrefacturação havendo, assim, contradição entre o facto vertido em 8) e a respectiva fundamentação.
Vejamos o que diz o Tribunal a quo na página 685 do acórdão recorrido:
“De acrescentar, em último lugar, que pelos arguidos AA e CC foi junta, ou requerida a junção, de um vasto acervo documental, respeitante à legislação que regulamenta toda a área da alimentação da Força Aérea e a todas as ações inspetivas realizadas, pela D.A.T. e pela I.G.F.A. às várias unidades, para, no fundo, e em conjugação com a prova testemunhal produzida, contraditar a factualidade que lhes vem imputada pela acusação. 
Sem prejuízo de tudo o que já se teve oportunidade de explicitar, e com exceção das regularizações de stocks da ... e do Depósito Geral de Material da Força Aérea – a atuação daqueles arguidos parece ser – mas apenas formalmente – conforme à regulamentação legal das respetivas competências, até porque desse mesmo ponto de vista era impossível, para quem estava na D.A.T., e apenas mediante análise dos dados inseridos no S.I.G., ter conhecimento da realidade da sobrefaturação praticada nas messes. Contudo, de toda a prova produzida resultou, numa perspetiva material e realista, que tal assim não sucedeu, nos exatos termos que foram plasmados na matéria de facto dada como provada.” – sublinhado nosso
Ora, esta explicação oferecida pelo Tribunal a quo não é contraditória com o facto vertido em 8 e com o envolvimento do arguido CC no esquema delineado nos factos vertidos em 4 e ss uma vez que, o que se retira dos supra citados parágrafos é que o arguido CC, juntamente com o co-arguido AA, ofereceram acervo documental com vista a demonstrar que actuaram sempre de acordo com os respectivos regulamentos, contudo, desse acervo o que se retira é uma actuação formalmente conforme com as normas mas em que, em termos de realidade material, apurou-se o envolvimento dos referidos arguidos no respectivo esquema.
Ou seja, na superfície, e olhando os regulamentos aplicáveis, nem sequer seria possível aos arguidos apreender a sobrefacturação apenas com análise dos dados inseridos no SIG mas, a prática, revelou outra realidade.
Repare-se que os factos vertidos em 4 e ss revelam a existência de um esquema já instituído há bastante tempo relativamente ao qual o arguido CC toma conhecimento e ao qual adere em vez de travar e denunciar.
Não há, assim, qualquer contradição entre a matéria de facto nem entre esta e a respectiva fundamentação, sendo que a análise do acórdão recorrido tem de ter em consideração que o texto escrito forma um todo na sua lógica não podendo ser analisado de forma segmentada.
Pelo que não se verifica o vício invocado pelo arguido CC motivo pelo qual tem de improceder o seu recurso nesta parte.
iii) Do erro notório na apreciação da prova – al. c) do nº 2 do artº 410º CPP:
- recursos dos arguidos Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares, Lda., CCC, JJJ, Doce Cabaz, Lda., GGG, M..., S.A., KK, HHH, C..., Lda., BB, OO, RR e CC
A arguida Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares, Lda. entende que o Tribunal a quo “errou notoriamente na apreciação da prova documental e ausência de testemunhos que confirmem produzidos em audiência de julgamento, devendo os pontos 364 a 373, 807 a 810 dos factos provados no acórdão recorrido, ser julgados não provados.
O arguido CCC entende que o Tribunl a quo o condenou “sem existirem provas concludentes da sua participação no esquema de sobrefacturação”, existindo assim erro notório na apreciação da prova.
Os arguidos JJJ e Doce Cabaz, Lda. entendem que há erro notório na apreciação da prova porquanto o Tribunal, numa lógica interna, considera que a Doce Cabaz, por um lado, fornecia aos militares uma percentagem em géneros com a sobrefacturação mas ao mesmo tempo dá como provado nos factos vertidos em 466, 508 e 572 que a mesma entregou dinheiro aos militares.
Os arguidos GGG e M..., S.A. entendem que o Tribunal a quo errou notoriamente por não “existirem provas concludentes da sua participação no esquema de sobrefacturação.”
O arguido KK entende que “perante a ausência de elementos que permitam concluir que os envelopes se destinavam ao Maj KK (para além das declarações do co-arguido JJ), o tribunal a quo comete um erro notório, até grosseiro, na apreciação da prova.”
Os arguidos HHH e C..., Lda. entendem que “o tribunal ad quo condenou os ora recorrentes sem existirem provas concludentes da sua participação no esquema da sobrefacturação” motivo pelo qual entendem “ter existido erro notório na apreciação da prova.”
O arguido BB entende o Tribunal a quo cometeu erro notório na apreciação da prova porque valorou incorrectamente as provas produzidas.
O arguido OO entende que houve erro notório na apreciação da prova porquanto o Tribunal a quo assentou a sua convicção quase exclusivamente nas declarações do co-arguido EE, o qual depôs de forma errática e confusa, ignorando prova documental válida.
O arguido RR entende que o tribunal a quo cometeu um erro notório na apreciação da prova ao ter valorado as declarações de co-arguido.
Por fim, o arguido CC entende que o tribunal a quo cometeu erro notório na apreciação da prova por ter dado crédito às declarações do co-arguido EE, descurando a falta de corroboração dessas declarações.
Ora, à execpção dos arguidos JJJ e Doce Cabaz, Lda. que tentam demonstrar uma falta de lógica interna por parte do Tribunal a quo na exposição da sua fundamentação, e do arguido RR, que invoca a valoração de uma prova que entende não ser admissível, todos os restantes arguidos que invocaram o vício previsto na al. c) do nº 2 do artº 410º do CPP revelam uma clara confusão com o erro de julgamento.
Na realidade o que os arguidos em referência pretendem fazer é impugnar a convicção a que o Tribunal a quo chegou perante a prova que foi produzida, ou falta dela.
Mas essa situação não resulta apenas do texto do acórdão recorrido, porquanto implica que o leitor lance mão das gravações dos respectivos depoimentos, veja os anexos contendo as facturs e analise a prova produzida.
O que escapa ao âmbito dos vícios do artº 410º nº 2 do CPP porquanto, conforme já amplamente refrido supra, estes vícios reflectem uma incongruência na própria estrutura do acórdão e não um erro na análise da prova.
A incorrecta análise que o Tribunal possa ter feito da prova produzida, não se enquadra no erro previsto na al. c) do nº 2 porquanto, como já referido, esse erro na apreciação da prova tem de resultar da simples análise do texto da decisão, tendo que ser “notória” e apreensível da simples leitura da mesma.
Ora, o que os arguidos em questão invocam como erro notório na apreciação da prova implica a análise da gravação de certos depoimentos, bem como de prova documental junta aos autos, o que não é compatível com o vício plasmado na al. c) do nº 2 do artº 410º do CPP.
Quanto aos arguidos JJJ e Doce Cabaz, Lda. estes tentam demonstrar que o tribunal a quo desenvolveu um raciocínio que acaba por contrariar.
Em termos abstractos a situação apontada pelos recorrentes poderia consubstanciar um erro notório na apreciação da prova pois, se o Tribunal apresenta um argumento lógico para justificar uma parte do acórdão e depois, esquecendo-se desse argumento, fundamenta o seu oposto tal é apreensível da letra da decisão conjugado com as regras da experiência comum.
Acontece que, da cuidada análise do acórdão recorrido, e, em especial, dos factos indicados, bem como da fundamentaão oferecida, não se retira a existência de qualquer erro notório na pareciação da prova.
Os arguidos JJJ e Doce Cabaz, Lda. argumentam que o Tribunal a quo, por um lado, considerou que a sua “entrega” aos militares dentro do esquema de sobrefacturação se fazia através de géneros, mas, por outro lado, dá como provado, nos factos vertidos em 466, 508 e 572, que houve entregas de dinheiro e que essas entregas seriam da excusiva responsabilidade da Doce e Cabaz, quando outras empresas actuaram, essas, sim, mediante entrega de dinheiro.
Em primeiro lugar, os factos em referência não podem ser vistos isoladamente e fora de contexto.
Por exemplo, em relação ao facto vertido em 466 que diz “Do montante que coube aos militares, pelo menos a quantia de € 1.800 foi entregue ao arguido RR em dinheiro” não só não se retira que tal entrega fosse efectuada exclusivamente pela Doce Cabaz, como esse facto vem na sequência dos facos vertidos em 463 a 465 que dizem:
“463. A faturação em montantes superiores aos bens entregues permitiu ao arguido RR e aos arguidos AA, BB, CC e EE, nos termos anteriormente descritos, por um lado, e às arguidas Pac & Bom e Doce Cabaz, por outro, a obtenção de quantias em dinheiro e, no que ao primeiro respeita, ainda, de quantias em dinheiro e/ou outros géneros, em montante não totalmente determinado.
464. Designadamente, no ano de 2014, a arguida Pac & Bom - Comércio e Serviços, L.da, sobrefaturou, a esta messe, a quantia de € 1.342,53, da seguinte forma: (quadro)
465. No ano de 2014 a arguida Doce Cabaz, L.da sobrefaturou à messe da Base Aérea n.º ...: (quadro)
O mesmo se diga em relação ao facto vertido em 508 que tem de ser conjugado com os factos vertidos em 503 a 507, bem como em relação ao facto vertido em 572 que tem de ser conjugado com os factos vertidos em 568 a 571.
Em segundo lugar, os factos vertidos em 466, 508 e 572 dizem respeito a três messes em particular, a saber: a Base Aérea n.º ... – Comando da Zona Aérea dos ... (facto vertido em 466), Base Aérea n.º … – ... (facto vertido em 508) e Aeródromo de Trânsito n.º 1 – ..., ... (facto vertido em 572).
Ora, a explicação dada pelo Tribunal a quo para considerar que a arguida Doce Cabaz funcionava principalmente por compensação em géneros só tem aplicação no caso da messe do Centro de Formação Militar e Técnica da Força Aérea (...) onde aí, sim, é especificamente referido, no facto vertido em 370, em relação à Doce Cabaz que:
“370. A parte que cabia aos militares da messe era entregue em dinheiro ou, no caso das arguidas Doce Cabaz e Pinguins de Gelo, era utilizada numa “conta-corrente”, para troca de géneros alimentares, sendo faturados os bens concursados, mas entregues bens de outra qualidade, que depois eram utilizados, pelo menos em parte, nos eventos especiais determinados pelo comandante da unidade e/ou para eventos de lazer dos militares.” – sublinhado nosso
Nas outras messes onde a Doce Cabaz teve intervenção não é referido a entrega em géneros, pelo que não há qualquer incongruência interna no raciocínio revelado pelo Tribunal a quo.
No que tange ao recurso do arguido RR o que se constata é que este arguido confunde o valor probatório dado às declarações de co-arguido com o vício do erro notório na apreciação da prova que, como vimos, tem a ver com um erro na elaboração do raciocínio seguido pelo Tribunal a quo apreensível do texto do acórdão.
Ora, o valor probatório das declarações de co-arguido, que será analisado infra, mesmo que seja de rejeitar, não produz o vício em aprço, porquanto, dentro da estrutura e explicação seguida pelo Tribunal a quo há coerência lógica.
A partir do momento em que o Tribunal a quo se socorre das declarações dos co-arguidos, e explica porque motivo o fez, e porque motivo entende que é-lhe lícito fazê-lo, e depois desenvolve o seu raciocínio em torno dessa e doutras provas de forma lógica não se pode falar em erro notório na apreciação da prova.
Conclui-se, assim, que o acórdão ora sob escrutínio não padece de nenhum dos vícios previstos no nº 2 do artº 410º do CPP tendo os respectivos recursos que improceder nesta parte.
VIII. Da nulidade da Prova:
Quanto à sua obtenção:
i) Do Agente Encoberto:
i-a) Saber se o agente encoberto actuou como agente provocador:
- recursos dos arguidos ZZ, AA, HHH, C..., Lda., Pac & Bom – Comércio e Serviços, Lda., Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda., EEE, BB, XX, FFF e Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda.
Todos os arguidos em referência entendem que a prova obtida através da acção encoberta, nomeadamente através do agente que actuou ao abrigo de tal acção, é nula nos termos do artº 126º do CPP por, na sua óptica, tal agente ter sido um verdadeiro agente provocador, recaindo a sua actuação no âmbito da prova obtida por meio enganoso, expressamente proibido por lei.
Mais invocam um acórdão proferido por esta mesma secção no âmbito do apenso U destes autos, a confirmar a decisão instrutória recorrida, apenso esse referente ao recurso interposto pelo MºPº relativamente à decisão instrutória proferida em relação ao arguido YYY que foi alvo de uma não pronúncia por parte do JIC que entendeu que, em relação a si, o agente encoberto tinha actuado como verdadeiro agente provocador.
Vejamos.
A sede legal das provas proibidas consta do artº 126 do Código de Processo Penal, que subordinado à epígrafe métodos proibidos de prova determina o seguinte:
“1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:
a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;
b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;
c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;
d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;
e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.
3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
4 - Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo.”
Em sede de instrução o Mmº JIC entendeu que, em relação ao arguido YYY – e apenas em relação a este arguido – se verificava uma nulidade de prova por o agente encoberto ter agido como agente provocador, recaindo, assim, a prova contra si no âmbito do artº 126º nº 2 al. a) in fine do CPP.
Dessa decisão recorreu o MºPº tendo a 3ª secção desta Relação, proferido acórdão[65], em 07-11-2018 confirmando a decisão do JIC.
Contudo, em nosso entendimento, tal acórdão não serve de precedente para os recursos ora em análise por vários motivos.
Em primeiro lugar, a decisão judicial que o referido acórdão veio confirmar tinha um âmbito muito específico e delimitado, versando apenas um único arguido – note-se que a decisão instrutória impugnada não deixou de pronunciar os restantes arguidos também com base na prova produzida pelo agente encoberto – o qual, dada a total subordinação hierárquica ao próprio agente encoberto[66] e data a partir da qual interveio no esquema, já depois do agente encoberto se encontrar no terreno, foi considerado como não tendo vontade própria para agir, tendo sido entendido pelo JIC que tal arguido fora levado a cometer um crime que não teria acontecido se não fosse a intervenção do agente encoberto.
Esta situação muito específica relativa ao arguido YYY não se verifica em relação aos restantes arguidos, e mormente, em relação aos arguidos recorrentes que especificamente invocaram esta nulidade de prova.
É que o arguido YYY era Sargento enquanto que o agente encoberto, BBBB, era Tenente.
O arguido YYY foi colocado na messe – Base Aérea de ... – onde actuava o agente encoberto apenas em 26-04-2016[67], sendo certo que o agente encoberto apenas actuou numa messe e não em todas.
Ora, os arguidos HHH, C..., Lda., Pac & Bom – Comércio e Serviços, Lda., Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda., EEE, FFF e Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda. são todos agentes comerciais completamente subtraídos à hierarquia militar que actuavam em várias messes, não só naquela onde intervinha o agente encoberto.
Pelo que os argumentos utilizados no referido acórdão do apenso U não têm qualquer aplicação a esses arguidos.
Por sua vez, os arguidos ZZ, AA, BB e XX são todos oficiais superiores com patentes mais elevadas que a do agente encoberto, Tenente AAAA.
Concretizando, o arguido AA era major-general na DAT e o arguido BB era coronel na DAT, ambos com patentes militares bem acima da patente do agente encoberto e com um raio de acção que ultrapassa a da gestão de uma simples messe, além destes arguidos já se encontrarem nas suas respectivas funções antes do agente encoberto ter iniciado a sua actuação.
O arguido XX era major na Unidade de Apoio de ..., messe que chefiava, e o arguido ZZ era gerente/responsável pela messe da Unidade de Apoio de ... sita em ....
Ou seja, os pressupostos do acórdão proferida por esta mesma 3ª secção da Relação de Lisboa em 07-11-2018, que por sua vez ecoam os pressupostos da decisão instrutória referentes a um único arguido, não se verificam no caso destes arguidos.
Antes, pelo contrário, todos os arguidos militares em referência que suscitaram a nulidade da prova obtida pelo agente encoberto ou são superiores hierárquicos de tal agente, e portanto, seriam determinantes na actuação do mesmo e não o contrário, ou encontravam-se em outras messes longe da actuação do Tenente AAAA sendo que, todos eles já se encontravam nas respectivas funções muito antes do agente encoberto ter começado a intervir.
Em segundo lugar, não podemos sufragar o entendimento plasmado no acórdão desta Relação em referência pelo seguinte motivo:
Diz-se no acórdão de 07-11-2018, entre outras coisas, o seguinte:
“…pensamos que só quem nunca foi militar pode ignorar que nessa hierarquia, o militar com categoria inferior, nem sempre precisa de receber uma ordem directa e expressa do seu superior hierárquico com todos os detalhes claramente explicados, para lhe ser «obediente» ou ser por ele «determinado a fazer algo».
Basta-lhe perceber que determinada actuação é conhecida e querida pelo seu superior hierárquico, para o subalterno lhe obedecer e assim proceder também, determinando-se no mesmo sentido que o seu superior preconiza, o que sucedeu no caso dos autos, e como se sabe, em matéria de princípios militares a obediência ao superior hierárquico é uma regra de ouro que não pode nunca ser quebrada.”
Ora, a obediência hierárquica cessa – tem de cessar – quando está em causa a prática de um crime como é o caso dos autos.
O nº 2 do artº 36º do Código Penal, subordinado à epígrafe conflito de deveres diz clara e expressamente que:
“O dever de obediência hierárquica cessa quando conduzir à prática de um crime.”
Bem como o artº 4º da Lei nº 11/89 de 01-06, que aprova as Bases Gerais do Estatuto Militar, dispõe claramente que:
“O dever de obediência consiste em cumprir, completa e prontamente, as leis e regulamentos militares e as determinações que de umas e outros derivam, bem como as ordens e instruções dimanadas de superior hierárquico, dadas em assuntos de serviço, desde que o seu cumprimento não implique a prática de crime.”
Por este motivo e pelo facto do acórdão proferido no apenso U assentar numa situação muito específica e concreta que não se verifica em relação a nenhum dos arguidos recorrentes nesta matéria, é que tal acórdão não pode servir como precedente para julgar procedente os recursos dos supra referidos arguidos em relação à nulidade da prova obtida por meio de agente encoberto.
Até porque tal decisão da 3ª secção desta Relação não permite concluir, sem mais, que o agente encoberto, Tenente AAAA, tivesse agido como agente provocador em relação a todos os outros arguidos, situação, aliás, rejeitada pelo próprio JIC na sua decisão instrutória pois que o mesmo não deixou de pronunciar os restantes arguidos mesmo com base na actuação do agente encoberto.
Vejamos, agora, se independentemente dos considerandos já tecidos acerca da hierarquia militar e do seu peso em relação à actuação dos vários arguidos, se a prova obtida por agente encoberto é, de per si, uma prova proibida.
A questão em análise tem sido alvo de enorme discussão quer na jurisprudência, quer na doutrina.
O que é essencial reter é a diferença entre um agente encoberto – ou em termos anglo-saxónicos “undercover agent” – que apenas auxilia a investigação em casos em que a prova é de difícl obtenção por o meio onde se processa ser fechado e até secreto, e um agente provocador que determina os outros à prática do crime para os incriminar.
No caso do agente encoberto próprio sensu não há qualquer proibição de prova nos termos do artº 126º do CPP enquanto que, no caso do agente provocador, já estaríamos perante uma prova nula por ter sido obtida por meio enganoso.
No caso em apreço, os arguidos recorrentes entendem que a actuação do Tenente AAAA, enquanto agente infiltrado, se traduz na actução de um verdadeiro agente provocador e assim todo o processo da acção encoberta e a prova que daí adveio é nula.
Vejamos.
A actuação do agente encoberto vem delineada no artº 6º nº 1 da Lei nº 101/2001 de 25-08 quediz o seguinte:
“1 - Não é punível a conduta do agente encoberto que, no âmbito de uma acção encoberta, consubstancie a prática de actos preparatórios ou de execução de uma infracção em qualquer forma de comparticipação diversa da instigação e da autoria mediata, sempre que guarde a devida proporcionalidade com a finalidade da mesma.”
Daqui se retira que agente encoberto apenas pode praticar actos preparatórios e/ou de execução de uma infracção em qualquer forma de comparticipação – entenda-se como autor imediato e como cúmplice – mas não pode ser nem instigador, nem autor moral (autor mediato).
Ou seja, o agente encoberto não pode determinar ninguém à prática de crime apenas pode participar nesse crime como forma de obter informações necessárias à prevenção e repressão de certo tipo de criminalidade – cfr. artº 2º da Lei nº 101/2001.
Ora, não resulta dos autos que o agente encoberto, Tenente AAAA – fora do caso especifico focado no recurso do apenso U – tivesse determinado os restantes arguidos à prática dos crimes pelos quais foram pronunciados e pelos quais vieram a ser condenados.
A acção encoberta teve o seu início em 26-11-2015 e foi encerrada em 14-11-2016 tendo a actuação do agente encoberto cessado em 03-11-2016.
Todos os arguidos recorrentes, à excepção do arguido abrangido pelo apenso U, que viria a ser alvo de despacho de não pronúncia, já se encontravam a actuar nas respectivas funções, e “envolvidos” no esquema muito antes do agente infiltrado ter iniciado a sua actuação, sendo que os arguidos comerciantes (não militares, portanto) já tinham relações comerciais com a Força Aérea alguns anos antes da acção encoberta ter iniciado.
Na verdade, o agente encoberto, militar da Força Aérea, intervém e participa numa situação já pre-existente com regras de actuação já bem definidas, sendo, inclusive subordinado de vários arguidos como AA, BB e CC.
E é por o agente encoberto, Tenente AAAA, enquanto militar da Força Aérea, ter sido colocado na messe da Base Aérea nº ... em ... em 15-10-2015 (data em que sucedeu na respectiva gerência ao arguido FF que lhe passou o “testemunho”) que, ao deparar com o tal esquema de sobrefacturação, o reporta ao seu superior hierárquico e depois à PJ que despoleta a consequente acção encoberta.
Argumentam, contudo, os arguidos XX e ZZ que o simples facto do agente encoberto ter sido julgdo como agente provocador em relação a outro arguido que, consequentemente, não é possível aproveitar a prova em causa quando ela se mostra inquinada pois que ela contamina a restante prova obtida (teoria da árvore envenenada) pelo que se o agente encoberto é considerado agente provocador em relação a uma situação terá de o ser em relação ao resto.
Não se aceita este argumento não só por que, como se disse já, o acórdão de 07-11-2018[68] tem um âmbito muito específico e limitado, assentando em requisitos muito particulares, como, por exemplo, a data a partir do qual o respectivo arguido foi trabalhar para a messe em causa[69] e a sua subordinação hierárquica ao agente encoberto – o que não se verifica em relação aos restantes arguidos militares recorrentes nem em relação aos arguidos comerciantes – como a actuação do agente encoberto não pode ser vista como uniforme perante todos os arguidos implicados.
Repare-se que o arguido em causa, ZZ, era gerente/responsável pela messe da Unidade de Apoio de ... sita em ... que nada tinha a ver com a messe onde se encontrava o agente encoberto.
Além de que, ao tempo tinha o posto de major, portanto, acima do posto do agente encoberto tendo actualmente o posto de tenente-coronel.[70]
O mesmo se diga em relação ao arguido XX que era major na Unidade de Apoio de ..., messe que chefiava e que, também por isso, nada tinha a ver com a messe onde se encontrava o agente encoberto.
As messes dos arguidos XX e ZZ não respondiam perante o agente encoberto, nem lhe prestavam quaisquer contas ou satisfações.
Como se explica, por exemplo, que em relação aos arguidos AA, major-general na DAT, BB, coronel na DAT, XX, major na Unidade de Apoio de ..., e ZZ, ao tempo major (hoje tenente-coronel), todos com patentes elevadas e bem acima da patente de tenente do agente encoberto, cuja actuação estava limitada a uma única messe, fossem por este determinados a praticar crimes?
Então um subalterno militar pode dar ordens, ou determinar um general, um coronel e um major a praticar crimes?
E pode levar à prática de crimes outros militares e comerciantes que já actuavam nas várias valências muito antes do agente encoberto ter sido colocado numa, de entre muitas, das messes onde a actividade delituosa já existia há anos?
Não podemos esquecer que os presentes autos tiveram a sua origem numa denúncia anónima, mas do que se depreende, por parte de um antigo fornecedor da Força Aérea, nos tempos idos de 2014 tendo tal denúncia feito referência a uma actividade delituosa há muito instalada.
O agente encoberto só começa a sua actividade em 26 de Novembro de 2015 já estava na DAT os arguidos AA e BB, pelo menos desde 2012, sendo que o arguido ZZ estava na messe da Unidade de Apoio de ... - ... desde 07 de Outubro de 2002[71] e o arguido XX estava na messe da Unidade de Apoio de ... – Complexo de ... desde 26 de Julho de 2006[72].
A prova obtida pelo agente encoberto, sendo de ordem vária, ao longo de meses e perante intervenientes diferentes com quem contactava na messe que geria, não pode ser toda ela anulada só porque em relação a um único arguido o JIC considerou – contra o que diz o artº 36º nº 2 do Código Penal – que em circunstâncias muito particulares, o agente encoberto tivesse actuado como agente provocador.
É o mesmo princípio por detrás da prova testemunhal em relação à qual um depoimento inteiro não deve ser inutilizado só porque em relação a parte do mesmo não é possível um aproveitamente adequado.
E, se é verdade que nos termos do artº 122º nº 1 do CPP “as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar” não podemos esquecer que, nos termos do nº 3 do mesmo artº 122º do CPP “ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela.”
Ora, os pressupostos subjacentes à caracterização do agente encoberto como agente provocador, efectuado pelo JIC, em relação a um único arguido não se verificam em relação aos restantes arguidos não podendo efectuar-se a sua caracterização como agente provocador em relação a todos os intervenientes.
Para não falar na situação em que não se nos afigura sequer líquida a caracterização do agente encoberto como agente provocador mesmo em relação ao arguido ilibado, YYY, atentos os indícios constantes do inquérito e referidos pelo MºPº no âmbito do apenso U (declarações do referido arguido em sede de inquérito) que revelam que esse arguido nunca falou com o agente encoberto acerca do que se passava com a facturação, tendo sido instruído pelo seu superior e conhecido de longa data, o arguido GG, que o colocou na messe em causa por ser um homem da sua confiança e conhecedor do respectivo modus operandi do esquema aí implementado.
Todavia, estando já julgada essa questão a nós só resta respeitá-la ainda que se discorde da mesma e que apenas aqui se refere para justificar a razão pela qual se entende que o agente encoberto não pode ser caracterizado como agente provocador.
Mas, ainda que assim não fosse, e que se aceitasse a qualificação da actuação do agente encoberto como agente provocador em relação ao arguido YYY – e apenas em relação a este arguido – isto não significa que toda a prova recolhida através do agente encoberto fica inquinada só porque se entendeu (a nosso ver mal) que esse agente em relação a um único arguido se consubstanciava na figura de agente provocador.
É que o próprio JIC, que entendeu qualificar a actuação do agente encoberto como agente provocador em relação ao arguido YYY, não hesitou em pronunciar os restantes arguidos, aqui recorrentes, não tendo descartado a prova que resultou indiciada da operação encoberta.
Aliás, sendo a instigação uma forma de autoria que implica o domínio do agente, em vez do domínio da execução, ela só pode ser aferida em relação a pessoas concretas relativamente às quais seria possível determinar a prática de certos actos delituosos.
Ou seja, só existe instigação se se concluir que o agente, que materialmente executa o crime, foi directamente determinado pelo instigador à prática do mesmo e que, sem essa instigação, o crime não se teria praticado.
Ou como refere Andrea Amorim Gomes:[73]
“Instigar é, numa frase, motivar decisivamente outrem a cometer um crime, nisso consistindo o concreto modo de ataque ao bem jurídico que se pretende proibir com a norma que prevê a instigação. Relativamente aos meios utilizados pelo instigador para motivar o autor, julgamos ser inteiramente correta a afirmação generalizada no sentido de que qualquer meio, desde que suscetível de exercer uma influência psíquica, é idóneo a preencher o conceito de instigação.”
Significa isto que, para se poder considerar o agente encoberto como instigador e, assim, qualificar a sua intervenção como agente provocador, levando à consequente nulidade da respectiva prova, é mister provar que o mesmo tivesse actuado em relação aos arguidos abrangidos pela respectiva acusação/pronúncia como instigador, ou seja, que os tivesse determinado à prática do crime e que, sem a sua intervenção, essa prática não teria ocorrido.
Ora, no caso dos autos[74] não está demonstrado que os arguidos recorrentes tivessem sido determinados, convencidos ou de qualquer forma levados a praticar factos criminosos pelo agente encoberto e que, sem a intervenção do Tenente AAAA, nunca teriam praticado os crimes pelos quais vieram a ser condenados.
É que, para se concluir que um determinado agente encoberto age como agente provocador é preciso primeiro constatar a existência de todos os requisitos da instigação, o que se afere em relação a cada um dos arguidos individualmente.
Por isso é que, mesmo que hipoteticamente se considerasse que em relação a um determinado arguido o agente encoberto tivesse actuado como instigador, isso não significa, nem daí se pode retirar ou concluir, que tivesse actuado como instigador em relação aos restantes arguidos, motivo pelo qual a respectiva prova, em relação a esses arguidos, não se mostra sequer beliscada, muito menos inquinada.
Argumentam, ainda, em particular, os arguidos FFF e Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda. que foi o agente encobert, Tenente AAAA que levou à sua participação no crime de corrupção, tendo a sua “insistência” sido determinante nessa prática.
Vejamos.
O agente encoberto era gerente da messe (chefe de secção de subsistências), e apenas, da messe pertencente à Base Aérea nº ... em ... (concelho ...).
Constata-se, contudo, que os arguidos FFF e Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda. serviram outras messes, a saber a da ..., a Base Aérea nº ... no ..., o Aeródromo de Trânsito nº … em ... e a Unidade de Apoio de ....
Sendo que, em relação à ... ficou assente, nos factos vertidos em 364 e 368, que os arguidos FFF e Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda. lucraram 30 % com sobrefacturação, até ao final do ano de 2015.
Ou seja, a intervenção destes arguidos não só não se limita à messe em que o agente encoberto actuara, pelo que falta explicar porque motivo, então, tendo sido determinados por este à prática de crime, os mesmos já agem livremente no mesmo sentido em outra messe, como a sua actuação na messe da ... ocorreu antes do agente encoberto ter iniciado a sua actividade oculta.
Por outro lado, os excertos dos vários testemunhos que apresentam na sua motivação de recurso, a saber as testemunhas CCCC, DDDD e EEEE, não permitem concluir, antes pelo contrário, que a actuação do Tenente AAAA tivesse sido determinante da actividade criminosa dos arguidos FFF e Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda..
É que o que resulta da conjugação dos excertos dos referidos depoimentos é que as encomendas por parte da messe da Base Aérea nº ... eram, até, pequenas e inferiores ao que os arguidos FFF e Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda. estariam à espera e que, por causa disso, o gerente FFF sentiu necessidade de reclamar perante a messe.
Não é possível retirar dos depoimentos em causa que o gerente da messe, Tenente AAAA, queria falar com o gerente da empresa Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda. para o aliciar ou convencer a praticar qualquer crime, não só porque as testemunhas não sabiam, como não podiam saber, os motivos subjacentes a essa vontade de falar com o gerente da empresa, como seria até normal que o gerente da messe quisesse falar com o gerente da Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda. na sequência da reclamação em causa.
Ou seja, o que resulta destes depoimentos é que o agente encoberto até estaria a fazer poucas encomendas, nada consentâneo com uma vontade em corromper a sociedade arguida, que revela interesse em vender muito mais do que estaria a vender, como é o próprio gerente da sociedade Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda. que sentia necessidade de reclamar perante o gerente da messe as “baixas” encomendas.
E o depoimento prestado pela testemunha FFFF, pai do arguido FFF, também nada revela de significante não só porque o mesmo não testemunhou o que se terá passado entre o seu filho e o Tenente AAAA, nas conversas que terão tido, limitando-se a relatar aquilo que o filho lhe terá dito, como o mesmo acaba por confirmar que a messe em causa encomendava pouca coisa e que o filho sentiu necessidade de reclamar.
Por fim, e conforme referido no acórdão recorrido[75], no Apenso III – G, a fls. 93 e ss consta a transcrição de uma gravação (também ouvida sem sede de julgamento) que claramente demonstra que foi o arguido FFF a abordar expressamente o tema das facturas.
O mesmo se diga em relação ao argumento oferecido pelo arguido AA, no seu recurso, que imputa ao agente encoberto Tenente AAAA o domínio da actuação do arguido EE na prática do crime socorrendo-se de uns pequenos excertos do longo depoimento de tal arguido.
Em primeiro lugar, os excertos em referência não permitem, de per si, e completamente desligados de todo o depoimento do co-arguido EE, concluir que a actuação do agente encoberto fosse determinante da prática do crime pelo co-arguido EE.
Antes, pelo contrário, o que resulta de tais excertos é que o agente encoberto se limitou a entregar dinheiro ao arguido EE para ser entregue, por sua vez, ao arguido AA que estava fora do alcance volitivo de tal agente encoberto.
Em segundo lugar o arguido EE era ao tempo Capitão, e portanto hierarquicamente acima do agente encoberto (que era tenente) e encontrava-se no DAT desde 2010[76], ou seja, muitos anos antes do agente encoberto ter iniciado o seu trabalho de infiltrado.
Em terceiro lugar, o arguido EE confessou a prática do crime, tendo efectuado uma descrição extensa do todo o esquema implementado cuja génese não começa com a actuação do agente infiltrado, mas muito antes.
O facto do agente encoberto ter efectuado actos de execução não invalida a sua actuação pois, como já vimos pelo disposto no artº 6º da Lei nº 101/2001 de 25-08, o agente encoberto pode agir como autor imediato, praticando actos preparatórios ou mesmo de execução, motivo pelo qual o artº 6º do respectivo diploma legal, cuja epigrafe é precisamente “isenção de responsabilidade”, prevê a não punibilidade do agente encoberto o que só poderia fazer sentido numa situação em que o agente encoberto praticasse o crime ou praticasse actos preparatórios do mesmo.
O que o agente encoberto não pode fazer é instigar ou levar à prática do crime outra pessoa que, não fora essa instigação, não teria cometido o crime.
É isso que distingue o agente encoberto do agente provocador e que o arguido AA[77], parece não ter compreendido, até porque da argumentação que oferece, quando muito, estaria em causa a actuação do arguido EE poder ter sido determinada pelo Tenente AAAA – que se vê não foi – e nunca a actuação do próprio arguido AA que se mostra afastado da esfera de qualquer influência da parte do agente encoberto.
O que revela que em relação ao arguido AA o agente encoberto não agiu como agente provocador.
Não há, assim, dúvida alguma que o agente encoberto tivesse agido correctamente, não resultando dos autos qualquer indício de que tivesse agido como agente provocador, nem o acórdão proferido no apenso U permite extrapolar para além do seu âmbito específico de aplicação, quer porque os pressupostos do mesmo não se verificam no caso dos restantes arguidos recorrentes, pois estes são, no caso dos arguidos militares, hierarquicamente superiores ao agente encoberto e, no caso dos arguidos comerciantes, completamente subtraídos à hierarquia militar, quer porque a avaliação da natureza do agente encoberto, enquanto possível agente provocador, tem de ser analisado arguido a arguido não ficando a prova inquinada só porque, em relação a um arguido, se pudesse ter concluído pela natureza instigadora do agente encoberto.
Ora “relativamente à alegada violação das normas do art. 32º, nº 8 CRP, é de salientar que o legislador constitucional estabeleceu, entre as várias garantias do processo penal, «proibições de prova» que constituem concretizações processuais de direitos fundamentais, como o direito à integridade pessoal, o direito à reserva da vida privada e familiar e o direito à liberdade consagrados no art. 25º, 26º, 27º da CRP. Esta norma é, ainda, expressão da dignidade da pessoa humana (art. 1º CRP) e funciona como garantia da inviolabilidade dos direitos fundamentais em face da investigação e perseguição penal. Assim, «a protecção dos direitos fundamentais manifestada no regime das proibições de prova, não tutela apenas o seu titular mas a própria credibilidade, reputação e imagem do Estado de Direito.»
Contudo, a consideração destas normas constitucionais não deve excluir o recurso ao «agente encoberto», desde que ele seja sempre concebido como meio necessário, adequado e proporcionado de impedir o cometimento de futuros crimes e atestar a salvaguarda de bens jurídicos (ao abrigo do art. 18º, nº 2 CRP).”[78]
Sendo que “a actuação do agente infiltrado não será portanto ilícita e consequentemente nula, se o agente infiltrado cumprir todos os requisitos para uma válida actuação: a garantia da legalidade, isto é, a possibilidade da sua actuação tem de estar prevista na lei (exigência da 1ª parte do art. 18º, nº2 CRP); a exigência da necessidade e adequação, já que utilização da infiltração deverá ser necessária e limitar-se ao necessário para a salvaguarda do outro interesse constitucionalmente consagrado (a realização da justiça); tem de existir proporcionalidade entre o grau da lesão do bem jurídico, ou dos bens jurídicos, provocada pelo crime e o grau da restrição aos direitos fundamentais provocado pela infiltração; tem ainda, de respeitar a exigência decorrente do art. 18º, nº 3 da CRP, segundo a qual qualquer restrição a um direito fundamental não pode, em caso algum, pôr em causa o núcleo essencial do direito atingido.
Respeitando tais condições, o recurso à infiltração constituirá uma intromissão não abusiva dos direitos fundamentais, representará uma actividade lícita de recolha de provas e as provas assim obtidas serão consideradas válidas.”[79]
A prova obtida pelo agente encoberto é, assim, tal como afirmado no acórdão recorrido, perfeitamente válida não existindo a apontada nulidade da mesma, pelo que os respectivos recursos têm de ser julgados improcedentes neste aspecto.
i-b) Saber se o agente encoberto pode ser um terceiro e qual o valor das provas por si recolhidas:
- recurso dos arguidos Pac & Bom – Comércio e Serviços, Lda., Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda. e EEE
Entendem os arguidos Pac & Bom – Comércio e Serviços, Lda., Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda. e EEE que “o acórdão recorrido ficou aquém do exigido uma vez que, na sua decisão, omitiu juízo sobre a legitimidade do Sr. Tenente AAAA para exercer as funções de agente encoberto.”
Suscitam, consequentemente, estes arguidos a ilegitimidade de um miltar no activo poder funcionar como agente encoberto uma vez que entendem que um militar da força aérea, dada a sua patente e especificidade de funções, não pode ser considerado terceiro subordinado à supervisão da Polícia Judiciária.
Vejamos.
Nos termos do nº 2 do artº 1º da Lei nº 101/2001 de 25-08:
“Consideram-se acções encobertas aquelas que sejam desenvolvidas por funcionários de investigação criminal ou por terceiro actuando sob o controlo da Polícia Judiciária para prevenção ou repressão dos crimes indicados nesta lei, com ocultação da sua qualidade e identidade.”
Não podendo o Tenente AAAA ser considerado funcionário de investigação criminal resta a sua subsunção na segunda categoria permitida, ou seja, a de terceiro actuando sob o controlo da PJ.
Ora, entendem os arguidos em referência que um tenente da força aérea, por força dos seus próprios estatutos de militar, não pode estar sob o controlo da PJ.
Contudo os arguidos laboram em erro.
É que só um militar é que poderia ser colocado numa messe de uma base da Força Aérea[80] para desempenhar as funções que incumbiam ao Tenente AAAA.
Nenhum civil, nem mesmo um agente policial infiltrado teria legitimidade para dirigir uma messe ou qualquer outra função exclusivamente integrante da força aérea, porque só os respectivos militares é que podem gerir uma messe ou, melhor dizendo, ser chefe de secção de subsistências.
Por isso, levando a tese dos recorrentes às suas últimas consequências, nunca seria possível, dentro da estrutura militar, ou melhor dizendo, dentro das forças armadas, colocar-se um agente encoberto.
Ora a Lei nº 101/2001 de 25-08 não exclui do seu âmbito os crimes praticados dentro das forças armadas, atento o leque de crimes previsto.
Por outro lado, o facto de um oficial da força aérea ter de reportar a sua actividade à PJ não significa que compromete a sua independência enquanto militar.
É certo que o artº 14º nº 4 do DL nº 90/2015 de 29-05, que aprova o Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFA) diz que:
“O militar não pode exercer atividades incompatíveis com o seu grau hierárquico ou o decoro militar ou que o coloquem em dependência suscetível de afetar a sua respeitabilidade e dignidade perante as Forças Armadas ou a sociedade.”
Mas nem as actividades exercidas pelo agente encoberto no âmbito da respectiva acção foram “incompatíveis com o seu grau hierárquico” nem o mesmo foi colocado numa dependência que afectasse a sua respeitiabilidade e dignidade.
Antes, pelo contrário, o Tenente AAAA, enquanto agente encoberto, não só exerceu as funções para as quais foi nomeado enquanto dirigente da messe da Base Aérea de ..., como ajudou a revelar um esquema criminoso que só suja o bom nome da Força Aérea, ajudando a pôr cobro a ilícitos criminais praticados por altas patentes em desrespeito das suas obrigações.
Ora, nos termos do nº 2 do artº 11º do EMFA um dos deveres inerentes aos militares traduz-se na obrigação de o militar:
“em todas as circunstâncias, pautar o seu procedimento pelos princípios da ética e da honra, conformando os seus actos pela obrigação de guardar e fazer guardar a Constituição e a lei, pela sujeição à condição militar e pela obrigação de assegurar a dignidade e o prestígio das Forças Armadas.”
Não é seguramente o Tenente AAAA, enquanto agente encoberto, que colabora activamente com uma investigação criminal de elevadas proporções, quem viola o dever previsto na citada norma, antes, todos os militares que participaram num esquema de corrupção para ganho pessoal à custa do erário público.
A subordinação às orientações e supervisão da PJ por parte de um militar no âmbito específico e controlado de uma acção encoberta não implica a sujeição desse militar a uma situação que afecte a sua dignidade, quer perante as próprias Forças Armadas, quer perante a sociedade que espera dos seus militares, que juraram bandeira, o cumprimento escrupuloso das suas funções em prol do bem comum e não para ganho próprio.
Constata-se, assim, que nada impedia um militar da Força Aérea de integrar uma acção encoberta nos termos do artº 1º nº 2 da Lei nº 101/2001 de 25-08.
Pelo que improcede o respectivo recurso nesta parte.
Entendem ainda os mesmos arguidos que a prova documental, fotográfica e sonora colhida pelo agente encoberto é também ela nula porquanto a mesma não foi validada nas 72 horas após a sua recolha e porque só a PJ tem legitimidade para proceder a essa recolha.
Vejamos.
Nos termos do artº 7º da Proposta de Lei nº 79/VIII, que está na origem da Lei nº 101/2001 de 25-08 estava previsto o seguinte no tocante à recolha de prova pelo agente encoberto:
“1 — É permitida aos agentes encobertos a produção de registos fotográficos, cinematográficos, fonográficos, por meio de processo electrónico, ou quaisquer outros registos mecânicos, sem consentimento do visado, no âmbito da prevenção e repressão dos crimes previstos no artigo 2.º.
2 — A produção destes registos depende de prévia autorização da autoridade judiciária titular da direcção do processo.
3 — A concessão de autorização obedece aos seguintes critérios:
a) Interesse da diligência para a descoberta da verdade ou para a prova;
b) Adequação e proporcionalidade em relação à gravidade do crime em investigação.
4 — São aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias adaptações, as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo Penal.
5 — As reproduções mecânicas obtidas nos termos dos números anteriores são consideradas lícitas para os efeitos previstos no artigo 31.º, n.º 1 do Código Penal e no artigo 167.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.”
Esta versão não transitou para a Lei final, pelo que, e concordando-se com o entendimento perfilhado no acórdão recorrido, à prova recolhida pelo agente encoberto são aplicáveis as normas contidas nos artºs 171º e ss do Código Penal, inseridos no Título III do Livro III subordinado ao título “Dos meios de obtenção de prova”, bem como o regime estabelecido pela Lei nº 5/2002 de 11-01 (que determina as Medidas de Combate à Criminalidade Organizada), mormente no que toca ao registo de som e voz, estabelecido no artº 6º que determina o seguinte:
“1 - É admissível, quando necessário para a investigação de crimes referidos no artigo 1.º, o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado.
2 - A produção destes registos depende de prévia autorização ou ordem do juiz, consoante os casos.
3 - São aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias adaptações, as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo Penal.”
Ora, no caso em apreço, é essencial reter que toda a actuação do agente encoberto foi devidamente autorizada e acompanhada pelo respectivo órgão judiciário.
Conforme cuidadosamente delineado no acórdão recorrido, e não impugnado em nenhum dos recursos apresentados, a cronologia da acção encoberta segue a seguinte ordem, analisadas as certidões constantes de fls. 14163 e seguintes, 15269 e 15270, 15405 e seguintes, e 16640 e seguintes:
“a) A ação encoberta iniciou-se no dia 26 de novembro de 2015 e foi encerrada no dia 14 de novembro de 2016, tendo a atuação do agente encoberto cessado no dia 3 de novembro de 2016 (fls. 14163 e 14182);
b) A referida ação foi autorizada por despacho proferido pelo Digno Magistrado do Ministério Público titular do inquérito, datado de 26 de novembro de 2015, mediante proposta da Polícia Judiciária, “com vista à descoberta de material probatório para a investigação da autoria e procedimento criminal e punição por factos suscetíveis de integrar os crimes de corrupção passiva e ativa, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º, n.º 1 do Código Penal” (fls. 14165 a 14169);
c) Ainda nos termos do aludido despacho, foi autorizada, em concreto, a atividade a desenvolver pelo agente encoberto, então com o nome de código “ZZZ”, o qual foi já, no entanto, identificado nos autos como sendo BBBB, militar da Força Aérea, com o posto de Tenente, à data a exercer funções na secção de subsistências (messe) da Base Aérea n.º … – ..., permitindo-se-lhe, além do mais: i) a manutenção de uma postura de colaboração e conveniência com o esquema ilícito desenvolvido pelos suspeitos; ii) a receção de quantias em numerário ou outro tipo de vantagens, a título de pagamento, pela sua não denúncia dos factos ilícitos praticados pelos suspeitos, de que venha a tomar conhecimento; iii) a possibilidade de usar dispositivos de gravação de som e imagem, nos termos da lei processual penal, caso tal viesse a ser autorizado pelo juiz de instrução criminal, no respetivo inquérito; iv) a recolha e registo de imagens nos encontros que viessem a ser realizados, quando possível, caso tal viesse a ser autorizado pelo juiz de instrução criminal, no respetivo inquérito (fls. 14166);
d) Tal autorização foi concedida até 15 de janeiro de 2016, sendo este prazo prorrogável, sob proposta fundamentada, apenas se considerando eficaz, no entanto, decorrido o prazo de 72 horas, previsto no art. 3º, n.º 3 da Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto, sem que seja comunicada recusa pelo juiz de instrução criminal (fls. 14167);
e) Mediante despacho do Senhor Juiz de Instrução Criminal do Juízo Central de Instrução Criminal ..., proferido no próprio dia 26 de novembro de 2015, foi tomado conhecimento da ação encoberta e foram validados os atos até então praticados (art. 3º, n.º 3 da Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto) – fls. 14170;
f) Por despachos proferidos pelo Digno Magistrado do Ministério Público titular do inquérito, datados de 14 de janeiro de 2016, 8 de fevereiro de 2016, 24 de março de 2016, 27 de maio de 2016, 6 de julho de 2016, 13 de setembro de 2016, 26 de setembro de 2016 e 26 de outubro de 2016, foi sendo sucessivamente prorrogado o prazo da autorização da ação encoberta até, respetivamente, aos dias 29 de fevereiro de 2016 (fls. 15409), 31 de março de 2016 (fls. 15410), 31 de maio de 2016 (fls. 15411), 15 de julho de 2016 (fls. 15412), 15 de setembro de 2016 (fls. 15413), 30 de setembro de 2016 (fls. 15414), 31 de outubro de 2016 (fls. 15415), e 3 de novembro de 2016 (fls. 15416);
g) No dia 28 de dezembro de 2015, o Digno Magistrado do Ministério Público tomou conhecimento do conteúdo dos autos de ação encoberta, bem como dos documentos e fotografias juntos aos mesmos (fls. 16641 verso e 16642); 
h) Mediante promoção do Ministério Público, datada de 28 de dezembro de 2015, por despacho datado de 29 de dezembro de 2015, proferido pelo Senhor Juiz do Juízo Central de Instrução Criminal ..., foi autorizada a recolha e registo de som e imagem por parte do agente encoberto, no âmbito da ação encoberta, bem como a recolha e registo de imagens dos encontros ocorridos entre os suspeitos, pelo período de 45 (quarenta e cinco) dias, nos termos dos arts. 1º, n.º 1 al. e) e n.º 3, e 6º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, e dos arts. 187º, n.º 1 al. a) e 189º do Código de Processo Penal (fls. 16642 verso e 16643);
i) Por despachos datados de 29 de dezembro de 2015, 30 de dezembro de 2015 e 6 de janeiro de 2016, foram validadas, pelo Ministério Público, as apreensões de géneros alimentícios, duas garrafas de vinho e uma garrafa de champanhe, pelo agente encoberto, entregues por empresas fornecedoras suspeitas (fls. 16643 verso, 16644 e 16644 verso);
j) No dia 13 de janeiro de 2016 foi entregue ao Ministério Público um Cd, contendo as gravações (escutas em meio ambiental) realizadas nos dias 11 e 12 de janeiro de 2016, as quais foram presentes, conhecidas e validadas pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal no dia 13 de janeiro de 2016, tendo, nessa sequência, sido determinada a respetiva transcrição (fls. 16645 e verso);
k) Por despacho datado de 5 de fevereiro de 2016, foi tomado conhecimento, pelo Ministério Público, da atuação do agente encoberto, a qual foi validada, tendo sido promovida a prorrogação da gravação e registo de som e imagem por parte do agente encoberto, bem como a recolha e registo de imagens dos encontros ocorridos entre os suspeitos, pelo período de 30 (trinta) dias, o que foi deferido por despacho judicial datado de 8 de fevereiro de 2016 (fls. 16646 verso e 16647);
l) No dia 18 de fevereiro de 2016 foi entregue ao Ministério Público um Cd, contendo a gravação realizadas no dia 17 de fevereiro de 2016, a qual foi presente, conhecida e validada pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal nessa mesma data (fls. 16647 verso e 16648), tendo, nessa sequência, sido determinada a respetiva transcrição;
m) Por despachos datados de 19 de fevereiro de 2016 e 10 de março de 2016, foi tomado conhecimento, pelo Ministério Público, da atuação do agente encoberto, a qual foi validada, tendo igualmente sido validada, nos termos deste último despacho, a apreensão da quantia monetária de € 5.540 (fls. 16648 verso e 16649).
n) Nesse mesmo dia 10 de março de 2016 foi entregue ao Ministério Público um Cd, contendo a gravação realizada no dia 8 de março de 2016, a qual foi presente, conhecida e validada pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal nessa mesma data (fls. 16650), tendo, nessa sequência, sido determinada a respetiva transcrição;
o) Mediante promoção do Ministério Público, foi ainda deferida, pelo despacho judicial datado de 10 de março de 2016, a prorrogação da gravação e registo de som e imagem por parte do agente encoberto, bem como a recolha e registo de imagens dos encontros ocorridos entre os suspeitos, pelo período de 30 (trinta) dias (fls. 16650);
p) No dia 7 de abril de 2016 o Ministério Público tomou conhecimento da atuação do agente encoberto, que validou, e promoveu a prorrogação da gravação e registo de som e imagem por parte do agente encoberto, bem como a recolha e registo de imagens dos encontros ocorridos entre os suspeitos, pelo período de 30 (trinta) dias, o que foi deferido por despacho judicial datado de 8 de abril de 2016 (fls. 16650 verso e 16651);
q) No dia 18 de abril de 2016 foi entregue ao Ministério Público um Cd, contendo a gravação realizada no dia 15 de abril de 2016, a qual foi presente, conhecida e validada pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal nessa mesma data (fls. 16651 verso e 16652), tendo, nessa sequência, sido determinada a respetiva transcrição;
r) No dia 21 de abril de 2016 foi entregue ao Ministério Público um Cd, contendo a gravação realizada no dia 19 de abril de 2016, a qual foi presente, conhecida e validada pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal nessa mesma data (fls. 16653 verso), tendo, nessa sequência, sido determinada a respetiva transcrição (fls. 16553 e verso);
s) No dia 5 de maio de 2016 o Ministério Público tomou conhecimento da atuação do agente encoberto, que validou, e dos documentos que constam dos apensos, e promoveu a prorrogação da gravação e registo de som e imagem por parte do agente encoberto, bem como a recolha e registo de imagens dos encontros ocorridos entre os suspeitos, pelo período de 30 (trinta) dias, o que foi deferido por despacho judicial proferido nessa mesma data (fls. 16654 verso e 16655);
t) No dia 25 de maio de 2016 o Ministério Público tomou conhecimento da atuação do agente encoberto, que validou, tendo-lhe sido ainda entregue um Cd, contendo a gravação realizada no dia 24 de maio de 2016, a qual foi presente, conhecida e validada pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal nessa mesma data (fls. 16655 verso e 16656);
u) No dia 2 de junho de 2016 o Ministério Público tomou conhecimento da atuação do agente encoberto, que validou, e promoveu a prorrogação da gravação e registo de som e imagem por parte do agente encoberto, bem como a recolha e registo de imagens dos encontros ocorridos entre os suspeitos, pelo período de 30 (trinta) dias, o que foi deferido por despacho judicial proferido no dia imediatamente seguinte (fls. 16656 verso e 16657);
v) No dia 6 de julho de 2016 o Ministério Público tomou conhecimento da atuação do agente encoberto, que validou, tendo-lhe sido ainda entregue um Cd, contendo a gravação realizada no dia 4 de julho de 2016, a qual foi presente, conhecida e validada pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal nessa mesma data, após o que foi determinada a respetiva transcrição (a partir do minuto 14, porquanto o demais não relevava para os autos) – fls. 16657 verso a 16659;
w) Mediante promoção do Ministério Público, foi ainda deferida, pelo despacho judicial datado de 6 de julho de 2016, a prorrogação da gravação e registo de som e imagem por parte do agente encoberto, bem como a recolha e registo de imagens dos encontros ocorridos entre os suspeitos, até ao dia 15 de setembro de 2016 (fls. 16658 verso);
x) Por despacho proferido pelo Digno Magistrado do Ministério Público no dia 3 de novembro de 2016, foi validada a atuação do agente encoberto, por se mostrar enquadrada no plano inicialmente determinado, foram validadas as apreensões efetuadas e foi determinada a sua junção aos respetivos volumes do Apenso III (fls. 14180, 15406, 16659 verso e 16660); 
y) Por despacho proferido pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal, datado de 10 de novembro de 2016, foi tomado conhecimento do estado dos autos e confirmado que a ação encoberta foi levada a cabo de acordo com o respetivo regime legal e com a finalidade com que foi autorizada (fls. 15407);
z) Para além do relato da ação encoberta que constitui o Apenso III, e cuja junção foi determinada por despacho de fls. 1158 dos autos principais, datado de 13 de outubro de 2016, foi igualmente junto um relato complementar, datado de 3 de novembro de 2016, respeitante às atividades desenvolvidas pelo agente encoberto posteriormente àquela data (fls. 14171 e seguintes e fls. 15269 e 15270).”[81]
Como se retira facilmente, toda a prova recolhida pelo agente encoberto foi devidamente autorizada quer pelo Ministério Público, no âmbito da sua competência, quer pelo JIC.
Invoca, no entanto, os arguidos em referência que nos termos do artº 7º da Lei nº 49/2008 de 27-08, que estabelece o regime legal da Organização da Investigação Criminal, é da exclusiva competência da Polícia Judiciária a realização de actos referentes a buscas e revistas, bem como reportagens fotográficas e de áudio no âmbito da investigação de crimes de corrupção.
Ora, novamente os arguidos laboram em erro uma vez que não é esse o sentido que se retira do artº 7º da Lei nº 49/2008.
Vejamos.
O artº 7º da Lei nº 49/2008 de 27-08 subordinado à epígrafe competência da polícia judiciária em matéria de investigação criminal diz:
“1 - É da competência da Polícia Judiciária a investigação dos crimes previstos nos números seguintes e dos crimes cuja investigação lhe seja cometida pela autoridade judiciária competente para a direcção do processo, nos termos do artigo 8.º
2 - É da competência reservada da Polícia Judiciária, não podendo ser deferida a outros órgãos de polícia criminal, a investigação dos seguintes crimes:
a) Crimes dolosos ou agravados pelo resultado, quando for elemento do tipo a morte de uma pessoa;
b) Escravidão, sequestro, rapto e tomada de reféns;
c) Contra a identidade cultural e integridade pessoal e os previstos na Lei Penal Relativa Às Violações do Direito Internacional Humanitário;
d) Contrafacção de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e outros valores equiparados ou a respectiva passagem;
e) Captura ou atentado à segurança de transporte por ar, água, caminho de ferro ou de transporte rodoviário a que corresponda, em abstracto, pena igual ou superior a 8 anos de prisão;
f) Participação em motim armado;
g) Associação criminosa;
h) Contra a segurança do Estado, com excepção dos que respeitem ao processo eleitoral;
i) Branqueamento;
j) Tráfico de influência, corrupção, peculato e participação económica em negócio;
l) Organizações terroristas, terrorismo, terrorismo internacional e financiamento do terrorismo;
m) Praticados contra o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, os presidentes dos tribunais superiores e o Procurador-Geral da República, no exercício das suas funções ou por causa delas;
n) Prevaricação e abuso de poderes praticados por titulares de cargos políticos;
o) Fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção e fraude na obtenção de crédito bonificado;
p) Roubo em instituições de crédito, repartições da Fazenda Pública e correios;
q) Conexos com os crimes referidos nas alíneas d), j) e o).
3 - É ainda da competência reservada da Polícia Judiciária a investigação dos seguintes crimes, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte:
a) Contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores ou incapazes ou a que corresponda, em abstracto, pena superior a 5 anos de prisão;
b) Furto, dano, roubo ou receptação de coisa móvel que:
i) Possua importante valor científico, artístico ou histórico e se encontre em colecções públicas ou privadas ou em local acessível ao público;
ii) Possua significado importante para o desenvolvimento tecnológico ou económico;
iii) Pertença ao património cultural, estando legalmente classificada ou em vias de classificação; ou
iv) Pela sua natureza, seja substância altamente perigosa;
c) Burla punível com pena de prisão superior a 5 anos;
d) Insolvência dolosa e administração danosa;
e) Falsificação ou contrafacção de cartas de condução, livretes e títulos de registo de propriedade de veículos automóveis e certificados de matrícula, de certificados de habilitações literárias e de documento de identificação ou de viagem;
f) Incêndio, explosão, libertação de gases tóxicos ou asfixiantes ou substâncias radioactivas, desde que, em qualquer caso, o facto seja imputável a título de dolo;
g) Poluição com perigo comum;
h) Executados com bombas, granadas, matérias ou engenhos explosivos, armas de fogo e objectos armadilhados, armas nucleares, químicas ou radioactivas;
i) Relativos ao tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, tipificados nos artigos 21.º, 22.º, 23.º, 27.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e dos demais previstos neste diploma que lhe sejam participados ou de que colha notícia;
j) Económico-financeiros;
l) Informáticos e praticados com recurso a tecnologia informática;
m) Tráfico e viciação de veículos e tráfico de armas;
n) Relativos ao exercício ilícito da atividade de segurança privada;
o) Conexos com os crimes referidos nas alíneas d), j) e l).
4 - Compete também à Polícia Judiciária, sem prejuízo das competências da Unidade de Acção Fiscal da Guarda Nacional Republicana, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, a investigação dos seguintes crimes:
a) Tributários de valor superior a (euro) 500 000;
b) Auxílio à imigração ilegal e associação de auxílio à imigração ilegal;
c) Tráfico de pessoas;
d) Falsificação ou contrafacção de documento de identificação ou de viagem, falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução, conexos com os crimes referidos nas alíneas b) e c);
e) Relativos ao mercado de valores mobiliários.
5 - Nos casos previstos no número anterior, a investigação criminal é desenvolvida pelo órgão de polícia criminal que a tiver iniciado, por ter adquirido a notícia do crime ou por determinação da autoridade judiciária competente.
6 - Ressalva-se do disposto no presente artigo a competência reservada da Polícia Judiciária Militar em matéria de investigação criminal, nos termos do respectivo Estatuto, sendo aplicável o mecanismo previsto no n.º 3 do artigo 8.º” – negrito nosso
Ora, o que se retira da citada norma em apreço é que, no que tange à investigação de crimes de corrupção, compete à PJ efectuar a respectiva investigação, não a podendo delegar em outros órgãos de polícia criminal como a GNR ou PSP, mas daqui não se retira que a PJ não possa socorrer-se de agentes encobertos para realizar essa investigação.
Até porque, nos termos da Lei nº 101/2001 que rege a acção encoberta, quando o agente encoberto é um terceiro – como é o caso dos autos – só a Polícia Judiciária é que detém competência para efectuar o respectivo controlo (artº 1º nº 2).
Ou seja, no âmbito de uma acção encoberta, só pode actuar um terceiro quando o mesmo age sob o controlo da Polícia Judiciária e apenas desta polícia.
O que é consentâneo com a reserva da PJ de investigar crimes de corrupção que fazem parte do leque de crimes que são abrangidos pela Lei da Acção Encoberta.
O facto da PJ ter a reserva de investigação em determinado núcleo de crimes não significa que a PJ não possa socorrer-se dos mecanismos legais que se mostram ao seu dispor para efectuar essa investigação, sendo certo que a acção encoberta é um mecanismo legal colocado ao dispor da PJ e que lhe permite colocar um terceiro, sob seu controlo, no terreno para recolher a prova que, de outra forma, nunca seria possível recolher ou então seria de difícil obtenção.
Pelo que não há qualquer ilegalidade e muito menos nulidade das provas recolhidas pelo agente encoberto.
Quanto à nulidade da prova recolhida resultar da não validação da mesma no prazo de 72 horas há a referir o seguinte:
Embora não a indentifique, a norma que prevê um prazo de 72 horas para validar prova é a que consta do artº 178º do Código de Processo Penal, cuja epígrafe é objecto e pressupostos da apreensão que diz o seguinte:
“1 - São apreendidos os instrumentos, produtos ou vantagens relacionados com a prática de um facto ilícito típico, e bem assim todos os animais, as coisas e os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova.
2 - Os instrumentos, produtos ou vantagens e demais objetos apreendidos nos termos do número anterior são juntos ao processo, quando possível, e, quando não, confiados à guarda do funcionário de justiça adstrito ao processo ou de um depositário, de tudo se fazendo menção no auto, devendo os animais apreendidos ser confiados à guarda de depositários idóneos para a função com a possibilidade de serem ordenadas as diligências de prestação de cuidados, como a alimentação e demais deveres previstos no Código Civil.
3 - As apreensões são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária.
4 - Os órgãos de polícia criminal podem efectuar apreensões no decurso de revistas ou de buscas ou quando haja urgência ou perigo na demora, nos termos previstos na alínea c) do n.º 2 do artigo 249.º
5 - Os órgãos de polícia criminal podem ainda efetuar apreensões quando haja fundado receio de desaparecimento, destruição, danificação, inutilização, ocultação ou transferência de animais, instrumentos, produtos ou vantagens ou outros objetos ou coisas provenientes da prática de um facto ilícito típico suscetíveis de serem declarados perdidos a favor do Estado.
6 - As apreensões efectuadas por órgão de polícia criminal são sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de setenta e duas horas.
7 - Os titulares de instrumentos, produtos ou vantagens ou outros objetos ou coisas ou animais apreendidos podem requerer ao juiz a modificação ou a revogação da medida.
8 - O requerimento a que se refere o número anterior é autuado por apenso, notificando-se o Ministério Público para, em 10 dias, deduzir oposição.
9 - Se os instrumentos, produtos ou vantagens ou outros objetos ou coisas ou animais apreendidos forem suscetíveis de ser declarados perdidos a favor do Estado e não pertencerem ao arguido, a autoridade judiciária ordena a presença do interessado e ouve-o.
10 - A autoridade judiciária prescinde da presença do interessado quando esta não for possível.
11 - Realizada a apreensão, é promovido o respetivo registo nos casos e nos termos previstos na legislação registal aplicável.
12 - Nos casos a que se refere o número anterior, havendo sobre o bem registo de aquisição ou de reconhecimento do direito de propriedade ou da mera posse a favor de pessoa diversa da que no processo for considerada titular do mesmo, antes de promover o registo da apreensão a autoridade judiciária notifica o titular inscrito para que, querendo, se pronuncie no prazo de 10 dias.” – sublinhado nosso
Como se vê da própria epígrafe da norma em causa o que está sujeito a validação no prazo de 72 horas são apenas as apreensões efecuadas pela autoridade policial.
Ora, a recolha que o agente encoberto efectuou não podem ser consideradas “apreensões” porquanto não implicam um confisco, por parte do mesmo, contra a vontade ou sem o conhecimento do respectivo titular.
O que o agente encoberto fez foi proceder a gravações e recolha de imagens, tudo dentro da legalidade estabelecida nos artºs 187º e ss do CPP.
Mesmo que se considere haver apreensão de alguns objectos e documentos, a verdade é que o prazo das 72 horas previsto no citado artº 178º do CPP não é um prazo peremptório que leve à invalidade do acto.
Conforme muito bem esclarecido no Acórdão da Relação do Porto de 06-02-2013[82]:
“I. O prazo de 72 horas referido no art. 178º n.º 5 do CPP é um prazo de mera ordenação processual e a sua ultrapassagem não tem qualquer reflexo sobre a validade das apreensões levadas a cabo.
II. A omissão não constitui sequer irregularidade para os efeitos do disposto no art. 123º do CPP, na medida em que não afeta o valor do ato de apreensão.
III. Ainda que se entendesse estarmos perante uma irregularidade, o certo é que até ao momento da respetiva arguição pelo interessado, o Ministério Público (por estarmos na fase de inquérito) conservava o poder de a reparar [art. 123º n.º 2 do CPP]. E tendo sido validada pelo M° Público antes de ser arguida a sua irregularidade, desapareceu o pressuposto em que o recorrente assentou o fundamento da arguição na medida em que, na ocasião em que a veio suscitar, já a mesma, a existir, se mostrava reparada, porque validada não obstante a sua apresentação tardia.
IV. Mesmo que o M° Público não tenha validado expressamente uma apreensão, podemos afirmar que fiscalizou a sua legalidade e considerou de forma tácita, mas inequívoca, que essa apreensão havia sido válida se, ao deduzir acusação, a incluiu nos meios de prova que indicou.
V. A exigência de «validação pela autoridade judiciária» não passa necessariamente pela prolação de uma decisão expressa e autónoma acerca da validade da apreensão, admitindo-se a sua validação tácita sempre que houver no processo elementos que demonstrem, de forma inequívoca, que o Ministério Público fiscalizou a legalidade das apreensões efetuadas pelos órgãos de polícia criminal e as considerou válidas, caso em que se deve considerar cumprido o disposto no n.º 5 do art. 178º do CPP.”
Ainda a propósito da recolha de prova por parte do agente encoberto, cuja ilegalidade fora suscitada pelos recorrentes em apreço, vale a pena recordar o que o Tribunal a quo disse no seu acórdão recorrido por a respectiva análise ser absolutamente válida e consentânea com os elementos dos autos.
Assim a páginas 593 a 595 pode ler-se:
“A propósito, ainda, dos meios probatórios recolhidos no âmbito da ação encoberta, pugnou a defesa das arguidas Pac & Bom – Comércio e Serviços, L.da e Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, L.da, de forma mais veemente, pela nulidade da prova documental, mormente da que consta do Apenso III – D, quer pela inexistência de qualquer despacho a ordenar a junção, junção que foi efetuada em prazo que ultrapassa, em muito, o limite das 72 horas, quer pelo facto de a respetiva apreensão não ter sido validada pelo Ministério Público, em violação do disposto no art. 178º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal. 
Com o devido respeito pelo entendimento perfilhado e pela salvaguarda das garantias de defesa dos arguidos, em termos que adiante melhor serão aflorados, não nos parece que à aquisição processual dos documentos que se mostram juntos aos Apensos III – A, III – B, III – C, III – D, III – E e III – F, sejam aplicáveis, sem mais, as normas ínsitas no art. 178º do Código de Processo Penal, inserido no Título III, Capítulo III, do Código de Processo Penal, intitulados de “Dos meios de obtenção de prova” e “Apreensões”, respetivamente.     
Na verdade, e como dissemos anteriormente, o agente encoberto é, também ele, um meio autónomo de obtenção de prova, regulado em lei avulsa e, como todos os outros, sujeito a controlo pela autoridade judiciária competente, sendo que nos casos em que a sua atuação seja suscetível de contender com direitos, liberdades e garantias fundamentais, a mesma terá de ser expressamente autorizada por um juiz (conforme sucedeu, in casu, com a recolha e registo de som e imagem, cuja validade foi anteriormente apreciada).
Nesta medida, não nos parece, com o devido respeito, que a coleção de todos esses documentos – que ao agente encoberto foram entregues, voluntariamente, por outros arguidos, ou a mando destes -, e a sua junção aos autos consubstancie, no sentido próprio, uma verdadeira apreensão – entendida como ato coercivo ou exercício coercivo de um poder de autoridade que implica o desapossamento, independente da vontade do detentor ou contra essa mesma vontade -, equiparável às apreensões levadas a cabo pelos órgãos de polícia criminal e sujeitas ao prazo de 72 horas a que alude o art. 178º do Código de Processo Penal. 
Aliás, se analisarmos o relatório da ação encoberta que constitui o Apenso III, e o relatório complementar agora junto aos autos principais, neles não encontramos referências a apreensões documentais, sendo clarividente, ademais, que sempre que ao agente encoberto foram solicitados, pelos arguidos GG e/ou HH, documentos que o mesmo tinha em seu poder, procedeu à respetiva devolução, procedendo, antes, à pertinente reportagem fotográfica. 
Afigura-se-nos ainda, sopesando os elementos do Procedimento de Ação Encoberta n.º 16/2015, ora fornecidos, que esta recolha ou coleção de material probatório documental, por parte do agente encoberto, se encontra abrangida pela autorização inicialmente concedida pelo Ministério Público, nos termos do art. 3º, n.º 3 da Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto, e foi sendo pelo mesmo acompanhada, fiscalizada e mesmo validada, conforme o demonstram os vários despachos proferidos, sendo que em alguns deles se referiu, expressamente, à validação das apreensões (sem prejuízo do entendimento por nós perfilhado). 
Por outro lado, mesmo que se considerasse estarmos perante verdadeiras apreensões, nos termos definidos e regulados pelo disposto no art. 178º do Código de Processo Penal, então as mesmas teriam de se considerar autorizadas pela autoridade judiciária competente (n.º 3 do art. 178º, in fine). 
Por fim, e no pressuposto de concordarmos com o entendimento perfilhado – aplicação do prazo estabelecido pelo n.º 5 do art. 178º do Código de Processo Penal para validação das apreensões de documentos e sua preterição no caso presente -, o que não se verifica, pelas razões atrás descritas, o incumprimento do aludido prazo não acarretaria qualquer invalidade, muito menos a pretendida nulidade insanável da prova.”
Constata-se, assim, que não há qualquer nulidade, ou sequer, irregularidade com a prova recolhida pelo agente encoberto durante a sua intervenção como tal.
Improcede, assim, o recurso dos arguidos Pac & Bom – Comércio e Serviços, Lda., Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda. e EEE também nesta parte.
i-c) Saber se as apreensões efectuadas em 03-11-2016 são válidas:
- recursos dos arguidos Pac & Bom – Comércio e Serviços, Lda., Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda., EEE
Entendem ainda estes arguidos que as buscas que foram realizadas em 03-11-2016 pelas competentes autoridades policiais, na sequência da intervenção do agente encoberto, são nulas porquanto “a plantação de provas por parte do agente encoberto e a sua provocação junto de militares e fornecedores, tem como legal consequência a nulidade de todas as provas apreendidas nos autos no dia 03 de Novembro de 2016.”
Como já tivemos ocasião de analisar o agente encoberto, Tenente AAAA, não agiu como agente provocador pelo que as provas por si angariadas, na medida em que também foram sendo sempre controladas e autorizadas pelos respectivos magistrados do MºPº e do JIC, não são nulas.
Contudo, focam estes arguidos as provas concretamente apreendidas no dia 03-11-2016 por na véspera ter havido, por parte do agente encoberto, a entrega de dinheiro a arguidos cuja apreensão o mesmo já saberia ir ocorrer posteriormente, podendo levar a considerar-se que essa prova concreta fora “provocada”.
Afigure-se-nos pertinente a fundamentação oferecida pelo Tribunal a quo quanto a este aspecto que aqui transcrevemos[83]:
“Foi ainda apontada, em concreto, a circunstância de o agente encoberto ter procedido à divisão e entrega das quantias monetárias - recebidas dos fornecedores - no dia 2 de novembro de 2016, dia que antecedeu a realização das buscas, das quais teria conhecimento, de modo a que as mesmas fossem apreendidas na posse dos arguidos. 
É óbvio que o agente encoberto tinha conhecimento das diligências de obtenção de prova que iriam ser realizadas no dia seguinte, 3 de novembro de 2016, até porque, por questões de segurança, não compareceu na Base Aérea n.º …. 
Mas também se nos afigura evidente, segundo o relatório junto a fls. 14171 e seguintes, que parte das referidas quantias lhe haviam sido entregues durante o mês de outubro, estando justificado, assim, o timing da entrega da vantagem do crime. E porque se trata, efetivamente, do produto ou vantagem proveniente do facto ilícito, a atuação do agente encoberto é absolutamente irrelevante em termos de preenchimento da tipicidade objetiva e da respetiva consumação, que muito tempo antes se haviam verificado, não o transformando em instigador ou autor mediato daquele, maxime em agente provocador.”
O facto do agente encoberto ter praticado actos de execução na véspera de uma apreensão não invalida essa apreensão porquanto a mesma não determinou a pratica do crime em si pelos arguidos em relação a quem a apreensão fora efectuada.
Repare-se que a apreensão em causa foi efectuada em 03-11-2016 já no fim da acção encoberta em que já se tinha estabelecido a participação dos arguidos no referido esquema.
Por outro lado, as apreensões dizem respeito a dinheiro que foi repartido entre os arguidos de acordo com o esquema em vigor, sendo que o dinheiro foi entregue aos referidos arguidos o que é muito diferente de ter sido “implantado” à sua revelia e sem o seu conhecimento.
É que os arguidos em apreço confundem a inserção de provas em determinado local à revelia do visado, com a aceitação voluntária pelo visado de elementos que viriam a servir de prova na investigação, embora sem que esse visado soubesse que no dia seguinte iria ser alvo de uma busca.
Na realidade o que aconteceu foi que os arguidos em referência tinham na sua posse “prova” que voluntariamente aceitaram, não tendo as buscas revelado prova que tivesse sido secretamente implantado na área de actuação dos arguidos.
Tratam-se de duas realidades distintas e que não podem ser confundidas.
Assim, o exercício pedagógico que os ilustres mandatários destes arguidos efectuaram durante a audiência não tem qualquer aplicação ao caso dos autos porquanto o agente encoberto não colocou, às escondidas dos arguidos, prova que viria a incriminá-los, antes, tendo distribuído o produto da actuação delituosa cuja entrega os referidos arguidos aceitaram voluntariamente.
Não há, assim, qualquer nulidade das apreensões realizadas no tal dia 03-11-2016 nem os objectos apreendidos traduzem prova nula, improcedendo o recurso também nesta parte.
Quanto à valoração da prova:
ii) Das Declarações de Co-arguido (artº 345º do CPP):
- recursos dos arguidos AA, BB, KK, II, LL, NN, HHH, C..., Lda., MM, TT, RR e CC
Entendem estes arguidos que as declarações prestadas por co-arguidos, em especial pelo arguido EE, por incriminadoras da actuação dos restantes arguidos, não podem ser valoradas porquanto foram o único elemento probatório no qual o Tribunal a quo assentou para formar a sua convicção em violação da teoria da corroboração que diz que as declarações de co-arguido só devem ser valoradas se corroboradas por elementos objectivos externos.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artº 125º do Código de Processo Penal “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.”
Sendo certo que, não estando as declarações de co-arguidos contidas no elenco das provas proibidas, constante do artº 126º do CPP, e até podendo ser alvo de acareação nos termos do artº 146º nº 1 CPP, nos termos do disposto no artº 127º do Código de Processo Penal “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”
Sobre as declarações de co-arguido estabelece em concreto o artº 345º do Código Processo Penal o seguinte (chamando-se particular atenção para o nº 4):
“1 - Se o arguido se dispuser a prestar declarações, cada um dos juízes e dos jurados pode fazer-lhe perguntas sobre os factos que lhe sejam imputados e solicitar-lhe esclarecimentos sobre as declarações prestadas. O arguido pode, espontaneamente ou a recomendação do defensor, recusar a resposta a algumas ou a todas as perguntas, sem que isso o possa desfavorecer.
2 - O Ministério Público, o advogado do assistente e o defensor podem solicitar ao presidente que formule ao arguido perguntas, nos termos do número anterior.
3 - Podem ser mostrados ao arguido quaisquer pessoas, documentos ou objectos relacionados com o tema da prova, bem como peças anteriores do processo, sem prejuízo do disposto nos artigos 356.º e 357.º
4 - Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2.
Ora, apesar dos arguidos em apreço terem feito sistematicamente referência ao princípio da corroboração, em que as declarações de co-arguido só poderiam ser valoradas positivamente em relação a outro co-arguido se houvessem elementos concretos exteriores a essas declarações que corroborassem as mesmas, a verdade é que esse princípio não encontra eco no nosso sistema penal.
Na realidade “esta é uma matéria que é muitas vezes objeto de recurso para os Tribunais da Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo que, na falta de uniformização acerca do assunto, ainda subsiste uma querela doutrinária e jurisprudencial
acerca da valoração ou não das declarações do coarguido, acompanhadas ou não de meios de prova corroborantes. (…)
Já o STJ também chamado várias vezes a se pronunciar acerca desta questão em concreto tem vindo a confirmar a admissibilidade da valoração das declarações do coarguido no âmbito do processo penal, como meio de prova.
Contudo, tal como nos tribunais da Relação existe uma dualidade de opiniões: por um lado há acórdãos que condicionam a valoração das declarações do coarguido a outros meios de prova corroborantes e há aqueles que defendem que por si as declarações prestadas são válidas, mesmo que desacompanhadas de qualquer outro meio de prova.”[84]
Afigura-se-nos que a melhor posição é a intermédia na qual não se rejeita a priori as declarações de um arguido, contra co-arguido, mas embora exigindo um controlo de veracidade dessas declarações, não se impõe a existência de elementos externos para as corroborar.
Isto porquanto, se nos afigura ser a única posição que respeita tanto a lei processual penal, que não proíbe a valoração das declarações de arguido[85], como o direito ao contraditório e ao controlo judicial da formação da convicção do Tribunal.
Assim “as declarações de coarguido são valoráveis ao abrigo do artº.127.º do CPP. Ou seja, não se deve negar à partida a valoração das declarações dos coarguidos, mas sim valorá-las conforme a interpretação e as dilações que delas se possam retirar, tendo em conta as regras da experiencia e a livre convicção.
Na verdade, não existe nenhuma restrição legal, prevista expressamente na lei penal, no sentido de proibir a prova obtida através das declarações de coarguido, pelo que é admissível ao abrigo do artº. 125.º do CPP, para além de não ser proibida, por não se enquadrar em nenhuma das situações previstas no artº. 126.º do CPP.”[86]
Pelo que, qualquer valoração da prova que o Tribunal efectue das declarações de co-arguido terá de encontrar suporte nas regras da lógica, da verosimilhança com a vida e senso comum, integrando um caminho trilhado de forma coerente na reconstrução daquilo que teria acontecido, contudo sem obrigar, como conditio sine qua non, um Tribunal a procurar um elemento externo que justifique as declarações de co-arguido se estas lhe parecerem perfeitamente verosímeis e credíveis.
Como bem explicitado no Acórdão da Relação de Guimarães de 09-02-2009 (procº nº 1834/08.2 in www.dgsi.pt):
“I - As declarações de co-arguido, sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125.º do CPP, podem e devem ser valoradas no processo.
II - Questão diversa é a da credibilidade desses depoimentos, mas essa análise só em concreto, e face às circunstâncias em que os mesmos são produzidos, pode ser realizada.
III - Dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova, sem qualquer apoio na letra ou espírito da lei.
IV - O direito ao silêncio não pode ser valorado contra o arguido. Porém, a proibição de valoração incide apenas sobre o silêncio que o arguido adoptou como estratégia processual, não podendo repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal, designadamente a que venha a precisar e demonstrar a responsabilidade criminal do arguido, revelando a falência daquela estratégia.
V - A credibilidade do depoimento incriminatório do co-arguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva, o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto-inculpação.” – sublinhado nosso
Veja-se, ainda, o Acórdão do STJ de 12-03-2008[87] que esclarece o seguinte:
“II) As declarações de co-arguido, sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no artº 125.º do CPP, podem e vem ser valoradas no processo.
III) Questão diversa é a da credibilidade desses depoimentos, mas essa análise só em concreto, e face às circunstâncias em que os mesmos são produzidos, pode ser realizada.
IV) Por isso, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova, sem qualquer apoio na letra ou espírito da lei.
V) A admissibilidade como meio de prova do depoimento de co-arguido, em relação aos demais co-arguidos, não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação, mostrando-se adequada à prossecução de legítimos e relevantes objectivos de política criminal, nomeadamente no que toca à luta contra a criminalidade organizada.
VI) O direito ao silêncio não pode ser valorado contra o arguido. Porém, a proibição de valoração incide apenas sobre o silêncio que o arguido adoptou como estratégia processual, não podendo repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal, designadamente a que venha a precisar e demonstrar a responsabilidade criminal do arguido, revelando a falência daquela estratégia.
VII) Inexiste no nosso ordenamento jurídico um direito a mentir; a lei admite, simplesmente, ser inexigível dos arguidos o cumprimento do dever de verdade. Contudo, uma coisa é a inexigibilidade do cumprimento do dever de verdade e outra é a inscrição de um direito do arguido a mentir, inadmissível num Estado de Direito.
VIII) É evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseada somente nas declarações do co-arguido, porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas, tal como o anseio de obter um trato policial ou judicial favorável, o ânimo de vingança, o ódio ou ressentimento, ou o interesse em auto-exculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados.
IX) Por isso, para dissipar qualquer dessas suspeitas objectivas, é razoável que o co-arguido transmita algum dado externo que corrobore objectivamente a sua manifestação incriminatória, com o que deixará de ser uma imputação meramente verbal para se converter numa declaração objectivada e superadora de um eventual défice de credibilidade inicial. Não se trata de criar, à partida e em termos abstractos, uma exigência adicional ao depoimento do co-arguido quando este incrimine os restantes, antes de uma questão de fiabilidade.
X) A credibilidade do depoimento incriminatório do co-arguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva, o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto-inculpação.
XI) O TC e o STJ já se pronunciaram no sentido de estar vedado ao tribunal valorar as declarações de um co-arguido, proferidas em prejuízo de outro, quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio (cf. Acs. do TC n.º 524/97, de 14-07-1997, DR II, de 27-11-1997, e do STJ de 25-02-1999, CJSTJ, VII, tomo 1, pág. 229).
XII) E é exactamente esse o sentido da alteração introduzida pelo n.º 4 do art. 345.º do CPP quando proíbe a utilização, como meio de prova, das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro nos casos em que aquele se recusar a responder às perguntas que lhe forem feitas pelo juiz ou jurados ou pelo presidente do tribunal a instâncias do Ministério Público, do advogado do assistente ou do defensor oficioso.
XIII) Tal como quando é exercido o direito ao silêncio, as declarações incriminadoras de co-arguido continuam a valer como prova quando o incriminado está ausente.
XIV) Na verdade, tal ausência não afecta o direito ao contraditório - que, na fase de julgamento, onde pontifica a oralidade e imediação, pressupõe a possibilidade de o arguido, por intermédio do seu defensor, sugerir as perguntas necessárias para aquilatar da credibilidade do depoimento que se presta e infirmá-lo caso se mostre adequado -, pois estando presente o defensor do arguido o mesmo pode e deve exercer o contraditório sobre os meios de prova produzidos (arts. 63.º e 345.º do CPP).
XV - Questão distinta seria a da recusa do mesmo co-arguido a depor sobre perguntas formuladas pelo tribunal e sugeridas pelo defensor ou pelo MP.”
Sendo que “os acórdãos do STJ de 12/03/2008 e de 09/02/2009 decidiram pela valoração das declarações do coarguido e que essa valoração devia ficar a cargo do julgador no caso concreto, face “às circunstâncias em que os mesmos são produzidos”. O que aqui deve relevar não é a admissibilidade ou não, pois parece que essa questão, pelo menos para esta parte da jurisprudência encontra-se ultrapassada, mas sim a valoração das mesmas tendo em conta vários aspetos, nomeadamente o modo como foram prestadas, as circunstâncias em que ocorreram, as relações entre os arguidos, os possíveis interesses subjacentes às declarações prestadas por qualquer dos arguidos ou mesmo o tipo de bem jurídico que alegadamente foi posto em causa.”[88]
Terá assim de ser, aquando da análise da impugnação da matéria de facto, que a relevância dada às declarações dos co-arguidos deve ser aquilatada, não havendo, a priori e de per si qualquer invalidade intrínseca ou determinante dessas declarações, nem nenhuma proibição ou nulidade automática da valoração dessas declarações como pretendem os arguidos em referência.
Por outro lado, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 133/2010 (in DR, II Série de 18-05-2010) decidiu:
“Não julga(r) inconstitucional a norma do artigo 345.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, conjugada com os artigos 133.º, 126.º e 344.º, quando interpretados no sentido de permitir a valoração das declarações de um arguido em desfavor do co-arguido que entenda não prestar declarações sobre o objecto do processo.”
Pelo que a objecção manifestada pelo arguido RR no sentido de se considerar inconstitucional a interpretação que o Tribunal a quo faz dos artºs 125º, 126º, 127º, 340º, 341º e 344º do CPP cai por terra, como não podia deixar de o ser, tanto mais que o arguido RR até prestou declarações.
O facto do arguido RR ter negado os factos enquanto que o arguido EE os confessou e, ao fazê-lo, implicou o arguido RR na prática de crime, não significa que o Tribunal tenha de considerar não provados os factos ao abrigo do princípio in dúbio pro reo como parece ser o entendimento do arguido recorrente.
O princípio em causa, que infra será melhor aflorado, não significa que não se possa valorar as declarações incriminatórias de co-arguido.
Presume-se a inocência dos arguidos[89], o que significa que compete ao MP o ónus de provar os factos incriminadores, mas o Tribunal é livre de valorar a respectiva prova dentro de um sistema de coerência lógica, com respeito pela experiência comum da vida, das leis da natureza e da física e da vivência em sociedade.
A seguir o raciocínio do arguido RR nunca ninguém seria condenado, a não ser que confessasse livre e integralmente os factos, pois, caso contrário, perante qualquer depoimento, ainda que de co-arguido, a presunção da sua inocência sobrepor-se-ia.
E aí teríamos um sistema penal completamente inoperante em que todos os arguidos que não confessassem os factos teriam de ser absolvidos porque nunca nenhuma outra prova poderia levar à ruptura da presunção em causa.
Note-se que estamos perante uma presunção e não perante um facto inabalável, o que significa que a presunção pode ser ilidida e, quanto a essa ilisão, a lei não tabulou prova em concreto, deixando ao critério do Tribunal, e desde que fundamentado dentro de um sistema lógico e sustentável nas regras da experiência comum, a possibilidade de considerar ilidida a presunção da inocência.
A presunção em causa visa apenas garantir que o arguido não seja onerado com a prova da sua inocência, antes, que seja o Estado quem acusa a ter o ónus de provar a respectiva culpa.
Mas provando essa culpa a presunção terá de cair, como não podia deixar de ser.
Ora, no caso em apreço o co-arguido EE implicou o arguido RR no esquema corruptivo sendo que este negou essa sua participação.
O simples facto de ter negado os factos não poderia, nunca, implicar que se não poderia valorar prova desfavorável ao arguido que nega a sua participação.
É óbvio que o arguido não pode ser obrigado a auto-incriminar-se, por isso, é-lhe garantido o direito ao silêncio, mas como muito bem afirma o Acordão do STJ supra citado, ao arguido não pode ser dada a possibilidade de mentir ou faltar à verdade.
Tendo o arguido RR negado a prática dos factos, em vez de se remeter ao silêncio, como poderia ter feito, mas tendo essa prática sido confirmada pela prova produzida em sede de julgamento, na óptica do Tribunal a quo, de acordo também com as declarações do co-arguido EE, nada impedia o Tribunal a quo de considerar ilidida a presunção de inocência do arguido RR.
E esse entendimento não é inconstitucional como, mais uma vez, pretende o arguido RR porquanto a prova produzida o foi no âmbito de um julgamento justo e público, onde o arguido teve direito ao contraditório e de ver a sua defesa assegurada por advogado, tendo beneficiado, como todos os arguidos, da presunção da inocência, até que a prova produzida ditasse o contrário, mostrando-se, assim, integralmente respeitado o disposto no artº 32º da CRP.
Assim, e à partida, nada impedia o Tribunal a quo de valorar as declarações de certos arguidos no tocante a comportamentos imputados a outros.
Pelo que, objectivamente, a valoração das declarações dos co-arguidos, máxime, do co-arguido EE não só não estava vedada ao Tribunal a quo como traduz uma prova válida a considerar juntamente com a restante produzida.
Se as declarações dos co-arguidos deveria ou não ter sido valorada da forma como o Tribunal a quo fez é outra questão que parece estar a ser confundida por estes arguidos uma vez que a valoração das respectivas declarações é uma situação que se situa já no âmbito da formação da convicção do Tribunal podendo, quando muito, integrar um erro de julgamento mas nunca uma nulidade de prova.
Nem a valoração das declarações de co-arguido alguma vez pudesse integrar, como pretende o co-arguido RR, um erro notório na apreciação da prova que, como vimos já, é um erro da própria estrutura da decisão.
Há, contudo, ainda a considerar o argumento oferecido pelo arguido RR que entende que o Tribunal a quo não podia valorar as declarações de arguido prestadas após as alegações finais, ao abrigo do artº 361º do CPP quando as considera desfavoráveis ao referido arguido.
O artº 361º do Código de Processo Penal cuja epígrafe é últimas declarações de arguido e encerramento de discussão diz o seguinte:
“1 - Findas as alegações, o presidente pergunta ao arguido se tem mais alguma coisa a alegar em sua defesa, ouvindo-o em tudo o que declarar a bem dela.
2 - Em seguida o presidente declara encerrada a discussão, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º, e o tribunal retira-se para deliberar.”
Entende o arguido RR que o Tribunal a quo valorou as suas declarações, que terá prestado após as alegações finais, “também para julgar provados os factos que lhe permitiram condená-lo” em vez de ser apenas a bem da sua defesa.
Afigura-se-nos que o recorrente labora em erro uma vez que, tendo o mesmo negado a prática dos factos, não se vislumbra como é que as suas declarações serviram para o condenar.
Na verdade, o Tribunal conjugou todos os elementos de prova ao seu dispor e, apesar do arguido RR ter negado a prática dos factos, concluiu, perante a restante prova apresentada legalmente, que as declarações de tal arguido não teriam valor probatório suficiente para o absolver.
Não se compreende, assim, o argumento do arguido quando diz que o disposto no artº 361º nº 1 do CPP fora violado.
O que essa norma permite é dar uma derradeira oportunidade ao agurido de, querendo, e após ouvir as alegações do MºPº que resumem a prova e motivo pelo qual o arguido deve ser condenado, falar sobre o objecto pelo qual vem acusado, sendo que, o facto dessas últimas declarações poderem ocorrer após as alegações finais não significa que o arguido esteja impedido até de confessar nesse momento[90].
Aliás, é o arguido quem decide o que é a “bem da sua defesa”[91] sendo que o arguido só fala se quiser.
A norma em apreço visa garantir que o arguido tenha a última palavra em sua defesa, mas não impede que o Tribunal a pondere.
No caso em apeço o arguido RR negou a prática dos factos pelo que se pergunta em que medida é que o Tribunal a quo utilizou as suas declarações para o condenar?
Sendo que, em todo o caso, essa valoração nunca implicaria um erro notório na apreciação da prova conforme entende o arguido RR.
Improcede, assim, o recurso deste arguido nesta parte.
Por fim, e no que tange ao tema da valoração das declarações de co-arguido há ainda que ter presente o alegado pelo arguido OO, que, pese embora não tenha feito constar das suas conclusões – como deveria – a referência à proibição de valoração das declarações de co-arguido quando efectuadas em violação do disposto no artº 345º nº 4 do CPP, faz tal referência na sua motivação que apelida de nulidade de conhecimento oficioso embora o reconduza depois à nulidade da a. c) do nº 3 do artº 379º do CPP (cfr. nota de rodapé 74).
Sinceramente não conseguimos vislumbrar como é que uma eventual violação do disposto no artº 345º nº 4 do CPP pelo Tribunal a quo possa traduzir a nulidade prevista na al. c) do nº 1 do artº 379º do CPP, não sendo, nem um excesso, nem uma omissão de pronúncia.
 Contudo, uma vez que o arguido OO entende que houve violação do disposto no artº 345º nº 4 do CPP pelo Tribunal a quo e que considera que essa violação traduz uma nulidade de conhecimento oficioso, convém abordar a questão.
Sabemos que a valoração das declarações de co-arguido sofrem uma limitação, a prevista no nº 4 do artº 345º do CPP supra citado.
Conforme Acórdão do STJ de 15-04-2015 (in www.dgsi.pt), e a título meramente exemplificativo:
“Não há qualquer impedimento do co-arguido a, nessa qualidade, prestar declarações contra os co-arguidos no mesmo processo e, consequentemente, de valoração da prova feita por um co-arguido contra os seus co-arguidos. Porém, com uma limitação, constante do n.º 4 do art. 345.º do CPP, de acordo com o qual não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias deste outro co-arguido, o primeiro se recusar a responder no exercício do direito ao silêncio. Do que se trata, aqui, é de retirar valor probatório a declarações totalmente subtraídas ao contraditório.”
Ora, o arguido OO entende que o Tribunal a quo violou o disposto no artº 345º nº 4 do CPP porquanto valorou as declarações do co-arguido II, prestadas em sede de inquérito e lidas em audiência, quando esse arguido, durante o julgamento se remeteu ao silêncio, impedindo, assim, o acionamento do nºs 1 e 2 do artº 345º do CPP conditio sine qua non para que não se verifique a limitação prevista no correspondente nº 4.
Contudo, concluindo-se por uma eventual violação do disposto no nº 4 do artº 345º do CPP pelo Tribunal a quo a consequência é a anulação (ou desconsideração) dessa prova e a reconstituição dos factos de acordo com a prova permitida.
Tal situa-se, como já referimos, no plano da análise da impugnação da matéria de facto que se situa no plano da formação da convicção do Tribunal a quo mormente se essa convicção se alicerçou, de forma lógica e coerente, em provas admissíveis.
Por isso, a análise desta eventual violação (do nº 4 do artº 345º CPP) terá de ficar relegada para a parte deste acórdão que infra irá analisar o erro de julgamento.
iii) Da valoração de prova não examinada em julgamento (artº 355º do CPP):
- recursos dos arguidos JJJ, Doce Cabaz, Lda., III e A... Lda.
Entendem estes arguidos que o Tribunal a quo valorou prova documental que não foi objecto de análise ou exame em sede de julgamento violando, assim, o disposto no artº 355º do Código de Processo Penal.
Diz o artº 355º do Código de Processo Penal, subordinado à epígrafe proibição de valoração de provas o seguinte:
“1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.
2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes.”
Ora, é jurisprudência pacífica que as provas documentais, periciais e outras com suporte físico que tenham sido juntas até ao início da audiência de julgamento, desde que notificadas, não têm de ser examindadas em sede de tal audiência de julgamento.
Aliás, as provas documentais, nas quais se incluem perícias, documentos, fotografias, etc. que sustentam a acusação têm de constar identificadas na acusação e são suscpetíveis de serem consultadas pelos arguidos antes mesmo do julgamento.
Conforme refere o Acórdão da Relação de Guimaraes de 25-09-2017[92]:
“I) A circunstância de relatórios de perícias médico-legais não terem sido analisados em sede de audiência de julgamento não invalida que sejam valorados no processo de formação da convicção do tribunal.
II) Com efeito, está sedimentado na nossa jurisprudência o entendimento de que o disposto no artº 355º, nº 1, do CPP, é inaplicável aos elementos probatórios de natureza documental e aos meios de obtenção de prova.”
Ou o Acórdão da Relação de Coimbra de 12-09-2018[93]:
“I – Existem provas que têm que ser produzidas em audiência e outras, chamadas pré-constituídas, de natureza material, documental, pericial, prova produzida por carta rogatória ou precatória que, uma vez obtidas, são incorporadas nos autos, em regra antes da acusação onde são arroladas como meio de prova da matéria da acusação, ali sendo examinadas e discutidas, de acordo com a sua natureza.
II - Constitui jurisprudência sedimentada que as provas pré-constituídas não têm que ser lidas ou reproduzidas, enquanto tal, na audiência, naturalmente desde que submetidos á discussão e exercício do contraditório.”
Mais importante ainda é o Acórdão do Tribunal Constitucional nº87/99[94] que determina o seguinte:
“Julgada não inconstitucionais por não violarem o disposto no artº 32º, nº5 da CRP, os preceitos ínsitos no artº 355º, nºs 1 e 2 do CPP, quando interpretados no sentido de que os documentos juntos aos autos até à fase de julgamento não têm de ser lidos em audiência de julgamento, considerando-se os mesmos examinados desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida.”
Assim, toda a prova documental constante dos vários anexos que acompanham os autos, nos quais o Tribunal a quo se terá alicerçado e que estiveram disponíveis a todos os arguidos e mostram-se devidamente identificados na acusação é prova validamente apresentada e, por tanto, susceptível de valoração pelo Tribunal a quo, não havendo, assim, qualquer violação do preceito contido no artº 355º do CPP, devendo os respectivos recursos improceder nesta parte.
iv) Da leitura das declarações prestadas em sede de inquérito (artº 356º do CPP).
- recurso do arguido RR
Entende este arguido que o acórdão recorrido padece da nulidade prevista no artº 356º nº 9 do CPP porquanto o Tribunal a quo declarou assentar a sua convicção “nas declarações prestadas pelos arguidos EEE e FFF, prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial, pelos arguidos BB e II, em sede de interrgatório realizado pelo Ministério Público, em fase de inquérito, e pelo arguido KK, na fase da instrução, declarações essas a cuja reprodução afirma ter procedido durante a Audiência de Julgamento” sem fazer consignar na respectiva acta a permissão legal da justificação da leitura.
Vejamos.
Diz o Artº 356º do Código de Processo Penal, subordinado à epígrafe reprodução ou leitura permitidas de autos e declaraçõeso seguinte:
“1 - Só é permitida a leitura em audiência de autos:
a) Relativos a actos processuais levados a cabo nos termos dos artigos 318.º, 319.º e 320.º; ou
b) De instrução ou de inquérito que não contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas.
2 - A leitura de declarações do assistente, das partes civis e de testemunhas só é permitida tendo sido prestadas perante o juiz nos casos seguintes:
a) Se as declarações tiverem sido tomadas nos termos dos artigos 271.º e 294.º;
b) Se o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo na sua leitura;
c) Tratando-se de declarações obtidas mediante rogatórias ou precatórias legalmente permitidas.
3 - É também permitida a reprodução ou leitura de declarações anteriormente prestadas perante autoridade judiciária:
a) Na parte necessária ao avivamento da memória de quem declarar na audiência que já não recorda certos factos; ou
b) Quando houver, entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias.
4 - É permitida a reprodução ou leitura de declarações prestadas perante a autoridade judiciária se os declarantes não tiverem podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoira, designadamente se, esgotadas as diligências para apurar o seu paradeiro, não tiver sido possível a sua notificação para comparecimento.
5 - Verificando-se o disposto na alínea b) do n.º 2, a leitura pode ter lugar mesmo que se trate de declarações prestadas perante o Ministério Público ou perante órgãos de polícia criminal.
6 - É proibida, em qualquer caso, a leitura do depoimento prestado em inquérito ou instrução por testemunha que, em audiência, se tenha validamente recusado a depor.
7 - Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.
8 - A visualização ou a audição de gravações de actos processuais só é permitida quando o for a leitura do respectivo auto nos termos dos números anteriores.
9 - A permissão de uma leitura, visualização ou audição e a sua justificação legal ficam a constar da acta, sob pena de nulidade.– sublinhado nosso
Sendo que a leitura das declarações prestadas por arguidos vem prevista no artº 357º do CPP que manda aplicar o disposto nos nºs 7 a 9 do artº 356º CPP.
Em primeiro lugar, não é verdade que da respectiva acta não conste a indicação e respectiva justificação para a leitura das declarações em referência, pelo que só podemos concluir que o arguido RR litiga por litigar.
Se olharmos a acta da 44ª sessão[95], junta a fls. 15523 e ss, onde a leitura foi iniciada, dela consta, embora por súmula, o teor do respectivo despacho judicial que ordenou a leitura das referidas declarações bem como a justificação da mesma, ínsita no artº 357º nº 1 al. b) do CPP.
Por outro lado, ouvindo a gravação dessa sessão claro se torna ver que a Mmª Juiz Presidente do Tribunal a quo proferiu um despacho muito mais extenso onde explicou a razão de ser de se proceder à respectiva leitura, estando o início e fim da gravação integral desse despacho devidamente assinalados na acta.
O que consta da respectiva acta é uma mera súmula daquilo que, efectivamente, foi determinado e que, em todo o caso, cumpre o requisito previsto no nº 9 do citado artº 356º do CPP.
Mas ainda que assim não se entendesse, a verdade é que a nulidade prevista na norma legal em análise não é uma nulidade insanável pois não se enquadra em nenhuma das situações previstas no artº 119º do CPP.
Pelo que, há que concluir tratar-se de uma nulidade sanável e, por isso, sujeita aos prazos de arguição previstos no artº 120º nº 3 do CPP.
Conforme jurisprudência pacífica, aqui exemplificada através do Acórdão da Relação de Coimbra de 14-10-2015[96]:
“I. Sendo da competência do juiz presidente ordenar oficiosamente, deferir ou indeferir a leitura, audição ou visualização de provas contidas em actos processuais anteriores á audiência de julgamento, esta decisão deve ser fundamentada e deve ser ditada para acta com a respectiva «justificação legal», sob pena de nulidade (artigos 323.º, c), 97.º, n.º 5 e 356.º, n.º 9 do CPP).
II. Não o tendo feito, o tribunal a quo incorreu na nulidade prevista no n.º 9 do artigo 356.º, aplicável por força do disposto no n.º 3 do artigo 357.º, ambos do CPP, a qual, todavia, porque não integra o elenco das nulidades insanáveis previsto no artigo 119.º e, como tal, também não é cominada no citado artigo, depende de arguição, nos termos do artigo 120.º do mesmo diploma.
III. Não sendo arguida a nulidade, a consequência é a normalização dos efeitos originariamente precários da invocada nulidade, a qual ficou sanada.”
Ora, tanto o arguido RR, como a sua ilustre mandatária (com substabelecimento) estiveram presentes em ambas as sessões onde as declarações foram lidas e onde a Mmª Juiz Presidente do Tribunal a quo proferiu despacho a ordenar a leitura das declarações bem como a justificação para essa leitura.
A 44ª sessão de julgamento realizou-se da parte da manhã do dia 22-05-2019 e a 45ª ocorreu da parte da tarde do mesmo dia.
No, entanto, só em sede de recurso interposto mais de um ano após a realização de tais sessões e da sua respectiva documentação é que o arguido RR vem arguir uma nulidade do julgamento e respectivo acórdão com base no nº 9 do artº 356º do CPP.
Conforme explanado não existe qualquer nulidade e ainda que assim não se entendesse – o que só por mera hipótese académica se contempla – essa nulidade seria sempre sanável, pelo que não tendo sido arguida em prazo legal, a mesma, caso existisse, sempre estaria sanada.
E consequenetemente também não existe a invocada inconstitucionalidade dos artºs 355º, 356º nº 9 e 357º nºs 1 e 3, bem como dos artºs 141º nº 4 al. b) e 144º nº 1 todos do CPP, por violação dos artºs 20º nº 4, 29º, 32º nºs 1 e 5 e 203º da CRP, porquanto não só a leitura das respectivas declarações dos arguidos é legalmente permitida, como a sua leitura foi anunciada e justificada em sede de audiência de julgamento e documentada na respectiva acta e, ainda que não se mostrasse documentada, tratar-se-ia de nulidade sanável cuja existência não foi invocada atempadamente.
Pelo que improcede também o recurso do arguido RR também nesta parte.
B) Do Mérito:
IX. Do erro de julgamento (impugnação da matéria de facto):
- recursos de Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares, Lda., VV, CCC, UU, MMM, ZZ, JJJ, Doce Cabaz, Lda., GGG, M..., S.A., AA, KK, II, LL, NN, HHH, C..., Lda., TT, Pac & Bom – Comércio e Serviços, Lda., Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda., EEE, NNN, BB, MM, XX, FFF, Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda., III, A..., Lda., OO, LLL, SS, RR e CC
A impugnação da matéria de facto segue o disposto no artº 412º nº3 do Código de Processo Penal que dispõe o seguinte:
“3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”
d) Tendo a prova sido gravada diz o nº 5 do citado artº 412º do CPP que “as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
Sendo que, nos termos do nº 6 do artº 412º do CPP “no caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”
No que se refere às declarações dos arguidos, aos depoimentos das testemunhas e à sua articulação com os documentos, vigora o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do artº 127º do CPP, que assenta na inexistência de regras legais que atribuam valor específico, pré-determinado às provas, ou que estabeleçam alguma hierarquia entre elas e na admissibilidade de todos os meios de prova, em geral, desde que não incluídos nas proibições contidas no artº 126º do CPP, em sintonia com o princípio consagrado no art. 32º nº 8 da Constituição.
Assim, “O tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta todos os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Daí que também a renovação da prova só seja admitida em situações excepcionais e, sobretudo, o recorrente tenha que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida” (Prof. Germano Marques da Silva, Registo da Prova em Processo Penal, Tribunal Colectivo e Recurso, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra, 2001. No mesmo sentido, Ana Maria Brito, Revista do C.E.J., Jornadas Sobre a Revisão do C.P.P., pág. 390; Cunha Rodrigues, «Recursos», in O Novo Código de Processo Penal, p. 393).
“Por outro lado diremos também que, dependendo o juízo de credibilidade da prova por declarações do carácter e probidade moral de quem as presta e não sendo tais atributos apreensíveis, em princípio, mediante exame e análise da gravação áudio onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto com as pessoas, é evidente que o tribunal superior, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal a quo.
Ou seja, a convicção do julgador só pode ser modificada, pelo tribunal de recurso, quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.”[97]
Conforme se esclarece ainda no Acórdão desta mesma Relação de Lisboa (9ª secção) de 08-10-2015, proferida no procº nº 220/15.3PBAMD.L1-9, in dgsi.pt:
“III- O recurso em matéria de facto, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo, relativamente à decisão sobre os concretos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgado, fazendo referência expressa às concretas passagens/excertos das declarações, que, no seu entendimento, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer;
IV- Não basta ao recorrente enunciar a sua pretensão quanto a um determinado resultado final em termos de facto ou de direito (v.g. da prova produzida não resultam provados os factos do tipo legal ou não se provou o crime, pelo que deve ser absolvido), de tal modo que fosse o tribunal superior, oficiosamente a retirar conclusões sobre quais os factos e provas concretas que se ajustariam à sua pretensão final e dentro destas, quais as passagens relevantes, depois de ouvir a prova gravada na íntegra, uma vez que o recurso da matéria de facto fundado em erro de julgamento não visa a realização, pelo tribunal “ad quem”, de um segundo julgamento, mas apenas a correção de erros relevantes (evidentes e óbvios) na apreciação e ou aquisição da prova produzida em sede de primeira instância.”
Como também explicado de forma muito clara e compreensiva no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ nº 3/2012 de 08-03-2012 (in DR 1ª Série, nº 77 de 18-04-2012):
“Pede -se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância, tratando -se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.
Esta limitação da capacidade cognitiva da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação sempre esteve presente, como desde logo esclareceu o primeiro diploma legal onde se estabeleceu a documentação das declarações orais.
Com efeito, como foi afirmado no preâmbulo do Decreto -Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, «o objecto do 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova (que, aliás, embora em menor grau, sempre ocorreria, mesmo com a gravação em vídeo da audiência)».
O Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado que o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando -se antes de um remédio jurídico, destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros e não indiscriminadamente, de forma genérica, quaisquer eventuais erros. (…)
Como se refere no acórdão de 27 de Janeiro de 2009, processo n.º 3978/08 -3.ª «O julgamento efectuado pela Relação é de via reduzida, de remédio para deficiências factuais circunscritas, confinadamente a pontos específicos, concretamente indicados, não valendo uma impugnação genérica, repousando em considerações mais ou menos alargadas ou simplesmente abrangentes da leitura pessoal, unilateralista e interessada que os sujeitos processuais fazem das provas e do resultado a que devam chegar».
Os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão em matéria de facto, a exemplo do que ocorria com o artigo 690.º -A, e actualmente do artigo 685.º -A do CPC e artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, decorrem dos princípios estruturantes da cooperação, lealdade e boa fé processuais, com vista a assegurar a seriedade do recurso e obviar que os poderes da Relação sejam utilizados para fins dilatórios.”
Por isso é que é absolutamente fundamental que no recurso interposto da matéria de facto, nos termos do artº 412º nº 3 do CPP, o recorrente identifique os concretos factos cuja alteração pretende e as concretas provas que impunham a requerida alteração, não cabendo a este Tribunal de recurso refazer o julgamento, ouvir toda a prova e voltar a decidir.
É que a alteração da matéria de facto em sede de recurso só deve ocorrer se, após cumprimento do disposto no artº 412º do CPP, o Tribunal de recurso constatar que o Tribunal a quo nunca poderia ter decidido como decidiu face à concreta prova produzida e tendo em atenção as regras da experiência comum, da lógica, etc.
Se apenas se constatar que o Tribunal a quo seguiu uma possível solução de entre várias possíveis interpretações válidas resultantes da prova produzida, então, deve ser dada prevalência à convicção do Tribunal a quo por ser o tribunal mais bem colocado para avaliar toda a prova atendendo ao princípio da imediação da prova.
Conforme se esclarece de forma clara no Acórdão da Relação de Guimarães de 23-03-2015:[98]
“I. O recurso visa apenas uma reapreciação autónoma da decisão tomada pelo tribunal a quo, circunscrita aos factos individualizados que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, na avaliação das provas que impunham uma decisão diferente.
II. Tem-se entendido que impor decisão diferente quanto á matéria de facto provada e não provada (artigo 412º nº 3 alínea b) do CPP) não pode deixar de ter um significado mais exigente do que admitir ou permitir uma decisão diversa da recorrida.
III. Deste modo, se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a «tornam necessária» ou racionalmente «obrigatória», então deve manter a decisão da primeira instância tal como está.
IV. A circunstância de alguém, seja por erro de percepção ou por outro motivo, acabar por efectuar declarações inverosímeis ou contraditórias não significa necessariamente que seja falsa toda a sua narrativa, pelo que o tribunal não se encontra adstrito á inutilização de todo um depoimento ou declaração por uma incompletude ou por uma contradição com outros elementos probatórios.”
 Por fim, como afirma Paulo Pinto de Albuquerque na sua anotação ao artº 412º do Código de Processo Penal[99]:
“A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. Por exemplo, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa. Mais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de «voltas» do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento. (…)
Acresce que o recorrente deve explicitar por que razão essa prova «impõe» decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação.” – sublinhado nosso
Ora, os arguidos Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares, Lda.[100], VV[101], CCC[102], ZZ[103], SS[104], não deram cumprimento cabal ao tríplice ónus imposto pelo nº 3 do artº 412º do CPP, ou porque não cumprirem na totalidade com esse ónus ou porque apenas cumpriram com parte, motivo pelo qual os seus recursos, no que à impugnação da matéria de facto diz respeito, não serão atendidos.
A análise da impugnação da matéria de facto recairá sobre os recursos dos arguidos UU, MMM, JJJ, Doce Cabaz, Lda., GGG, M..., S.A., AA, KK, II, LL, NN, HHH, C..., Lda., TT, Pac & Bom – Comércio e Serviços, Lda., Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda., EEE, NNN, BB, MM, XX, FFF, Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda., III, A... Lda., OO[105], LLL, RR e CC, os quais, embora ainda que em alguns casos de uma forma um pouco deficitária mas ainda em respeito pelo nº 3 do artº 412º CPP, cumpriram o respectivo ónus que habilita esta Relação a analisar as respectivas impugnações.
Assim e como nota prévia compete deixar bem claro que não cabe a esta Relação ouvir todos os depoimentos na sua íntegra – não se trata de fazer um novo julgamento –  mas antes verificar se, efectivamente, consta dos respectivos depoimentos identificados pelos respectivos arguidos recorrentes, declarações que deveriam ter imposto uma convicção diversa, ou documentos, concretamente identificados, que deveriam ter levado a outra conclusão.
Sendo ainda de chamar atenção para o facto de que também não cabe a esta Relação sobrepor a sua convicção da prova à convicção alcançada pelo Tribunal a quo que assistiu, em primeira mão, à produção dessa prova.
O erro de julgamento tem de resultar de uma efectiva má ou incorrecta valoração da prova produzida, através da violação das regras da experiência comum, da lógica, de eventuais leis da física ou até do bom senso, e não de uma possível valoração alternativa.
Não estando em causa substituir uma convicção por outra, quando a convicção seguida pelo Tribunal a quo é viável ou plausível, ou seja, podendo ser uma das possíveis narrativas, é essa convicção que tem de vingar.
Conforme refere o artº 412º nº 3 al. b) do CPP a prova indicada pelo arguido/recorrente tem de impor decisão diversa da recorrida, e isso não ocorre apenas se pretende, na realidade, fazer vingar as respectivas teses, e respectivas convicções de cada arguido recorrente que, embora sendo diferentes da convicção do Tribunal a quo, possam não resultar como únicas e exclusivas da prova que, efectivamente, foi produzida.
Conforme se esclarece no Acórdão da Relação de Guimarães de 23-03-2015:[106]
“I. O recurso visa apenas uma reapreciação autónoma da decisão tomada pelo tribunal a quo, circunscrita aos factos individualizados que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, na avaliação das provas que impunham uma decisão diferente.
II. Tem-se entendido que impor decisão diferente quanto á matéria de facto provada e não provada (artigo 412º nº 3 alínea b) do CPP) não pode deixar de ter um significado mais exigente do que admitir ou permitir uma decisão diversa da recorrida.
III. Deste modo, se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a «tornam necessária» ou racionalmente «obrigatória», então deve manter a decisão da primeira instância tal como está.
IV. A circunstância de alguém, seja por erro de percepção ou por outro motivo, acabar por efectuar declarações inverosímeis ou contraditórias não significa necessariamente que seja falsa toda a sua narrativa, pelo que o tribunal não se encontra adstrito á inutilização de todo um depoimento ou declaração por uma incompletude ou por uma contradição com outros elementos probatórios.”
Ora, a esmagadora maioria dos recorrentes supra identificados fazem apelo à inadmissibilidade legal de certa prova para fundamentar a decisão do Tribunal a quo, socorrendo-se dessa proibição de prova ou inadmissibilidade legal para colocar em crise a convicção do Tribunal a quo e consequentemente certos factos dados por provados pelo mesmo.
Fazendo apelo ao que já amplamente foi aqui escrito nos parágrafos anteriores, podemos afirmar neste momento que a prova que resultou da acção encoberta é absolutamente válida e deve ser considerada na análise efectuada pelo Tribunal a quo.
Pelo que desde já caem os argumentos expendidos pelos arguidos no sentido de que a prova obtida, quer através do agente encoberto, Tenente AAAA, quer através da acção encoberta no seu todo, não pode fundamentar a decisão de facto do Tribunal a quo, sendo importante realçar que, como nenhum dos referidos arguidos ousou impugnar as respectivas provas de per si, qua tale, isto é, atacar a veracidade quer das declarações do agente encoberto (demonstrando incongruências no respectivo discurso, por exemplo), quer dos elementos recolhidos (arguindo a falsidade dos mesmos, por exemplo) temos por certo que essa prova se mantém incólume e intacta para efeitos de aferição de eventual erro de julgamento.
Isto por um lado.
Por outro lado, como já vimos também, à parte qualquer eventual mal interpretação da prova documental constante dos autos, a mesma também é válida para efeitos de fundamentar a convicção do Tribunal a quo ainda que não tenha sido exibida directamente em sede de audiência de julgamento por se tratar de prova já constante dos autos ao tempo do julgamento e consultável por todos.
O mesmo se diga das declarações de co-arguidos lidas na 44ª e 45ª sessão de julgamento[107], sem prejuízo de se avaliar se foi ou não respeitado o disposto no nº 4 do artº 345º CPP.
Por fim, e salvaguardando sempre o disposto no nº 4 do artº 345º do CPP, que tem uma aplicação muito limitada ou mesmo residual no caso dos autos[108], as declarações de co-arguido podem e devem ser valoradas, ainda que desacompanhadas de outra prova, desde que a sua veracidade seja apreensível, sendo certo que os co-arguidos que confessaram implicaram-se a si mesmos na trama, onde também acabaram por envolver outros co-arguidos, e não há nada nos autos, nem os recorrentes o invocam, que pudesse levar à constatação da existência de maleficiência dos arguidos que confessaram, mau relacionamento entre esses arguidos e os que acabaram por implicar nos factos, ou motivo espúrio para que os arguidos que confessaram, mormente, o arguido EE, pudessem querer prejudicar gratuitamente os outros arguidos implicando-os num esquema criminoso.
Sendo importante ainda notar que não se pode retirar uma peça de um puzzle para dizer que isso basta para inquinar todo o puzzle pois isso é fazer tábua rasa de todos os princípios ínsitos na apreciação da prova, que tem de ocorrer de forma conjugada com as restantes provas (ou restantes peças do puzzle), sendo que o Tribunal a quo tem o domínio da imediação dessa prova que a complementa.
Ora, tendo por base estes princípios – validade dos elementos de prova obtidos através da acção encoberta, validade dos documentos juntos aos autos ainda que não exibidos em sede de julgamento, validade das decalarações de co-arguidos e validade das declarações lidas em sede de julgamento – e considerando ainda que a convicção do Tribunal se alcança com a conjugação de todos os elementos disponíveis, não podendo os mesmos ser cirurgicamente retirados fora de contexto, como a maior parte, se não mesmo todos, os arguidos recorrentes fizeram nas suas motivações, isolando trechos de depoimentos e reduzindo a prova a um ou outo elemento num meio de um manancial de documentação e escutas telefónicas, vejamos então se assiste razão os arguidos supra identificados.
Comecemos pela análise das declarações de co-arguidos.
No caso em apreço, os arguidos EE, FF, GG, HH e JJ confessaram os factos de que vinham acusados.
Ao fazê-lo acabaram por implicar outros co-arguidos na “trama” subjacente à narrativa constante da acusação e aceite pelo Tribunal a quo.
Apesar de alguns arguidos recorrentes terem referido que as confissões em apreço teriam uma finalidade dúbia, pois, em sede de inquérito levaram à alteração da medida de coacção de prisão preventiva aplicada aos arguidos confessores, e em sede de julgamento teriam a virtualidade de levar a uma pena não privativa da liberdade alcançada através de uma estratégia pre-meditada, a verdade é que, objectivamente, não resulta das respectivas declarações, nem nenhum dos arguidos recorrentes o invocou, que os referidos arguidos confessores tivessem alguma vontade de deliberadamente prejudicar os outros co-arguidos, que tivessem confessado como forma de diminuir a sua própria culpa imputando factos a outros co-arguidos, ou que agiram no âmbito de uma vingança pessoal ou por pura maldade.
Aliás, é curioso observar que, para justificar a invalidade da prova obtida pelo agente encoberto se tenha invocado o peso da hierarquia militar que condiciona os seus membros a quase cegamente obedecerem aos respectivos superiores hierárquicos e, no entanto, se tenha esquecido desse mesmo argumento no momento de avaliar os motivos dos arguidos que confessaram.
Isto é, os arguidos que confessaram e que, com essa confissão, implicaram outros co-arguidos militares acabaram por afrontar essa mesma hierarquia militar pondo em crise a cadeia de comando, revelando, assim, um esforço que não é consentâneo com uma simples actuação de vingança por parte dos referidos arguidos.
Os arguidos que confessaram, em especial o arguido EE, afrontaram directamente os seus superiores hierárquicos, como o general AA e o coronel CC, sendo que o arguido JJ implicou o major KK, comandante de esquadra da ... além de implicarem os seus camaradas.
Não se nos afigura haver dúvida – até porque ouvimos as declarações dos arguidos que confessaram – que a confissão dos arguidos EE, FF, GG, HH e JJ se revelou de extrema importância para a descoberta da verdade material e o facto dos arguidos terem admitido o seu envolvimento, assumindo em pleno as suas culpas, ao mesmo tempo que perpassa um cuidado na forma como implicaram outros arguidos, seus superiores, permite concluir com a segurança necessária que a confissão daqueles arguidos não traduz um acto torpe, vingativo ou de maleficência.
Afigura-se-nos que os 5 arguidos em apreço revelaram uma atitude de coragem pois não é fácil para um militar denunciar o seu general, e parte da sua hierarquia como também não é lisonjeiro implicar os camaradas, especialmente se se considerar que estes 5 arguidos continuam na Força Aérea onde têm de diariamente enfrentar os colegas e subordinar-se à respectiva hierarquia.
Se, como afirmam alguns arguidos para justificar a sua obediência cega as ordens ilícitas e assim desculparem-se das suas responsabilidades, a estrutura militar é um ser quase omnipresente que condiciona a vontade dos militares, por maioria de razão, então, esse peso sentir-se-ia em plena audiência de julgamento, onde se encontravam todos os arguidos presentes, levando-nos a ter de concluir que os arguidos que confessaram afrontaram directamente esse ser omnipresente, o que não seria consentâneo com uma confissão que tivesse por base motivações alimentadas por vingança, maleficência ou mesmo egocentrismo no sentido de se salvarem à custa dos outros.
Vejamos agora a impugnação da matéria de facto dos vários arguidos supra identificados focando os aspectos mais importantes ou que possam criar mais dúvida.
Comecemos com o arguido UU que se insurge quanto ao facto do Tribunal a quo ter considerado que todo o valor sobrefacturado e posteriormente dividido entre arguidos empresários e os militares da messe correspondente à Base Aérea nº ... de ..., fosse benefício do arguido recorrente para efeitos de agravar o crime de corrupção.
O arguido UU, embora não impugne os documentos que invoca no seu recurso e nos quais o Tribunal a quo se alicerçou para concluir pelos valores que teriam sido entregues aos militares na messe da Base Aérea nº ..., em ..., socorre-se dos mesmos para provar que deles não é possível concluir-se que a actuação em apreço fosse apenas da sua responsabilidade.
Ou seja, o que o arguido UU defende é que o Tribunal a quo, para efeitos de agravar o crime de corrupção em função do valor, imputou a totalidade do valor sobrefacturado apurado em sede de inquérito ao arguido, esquecendo-se de que havia outros militares que o próprio Tribunal a quo dá como provado.
Ora, ainda que se considere que o arguido UU não era o único militar da referida base a beneficiar das vantagens auferidas pela sobrefacturação e que os 70% que cabiam aos militares era repartido entre todos – estranhamente os restantes arguidos da base em apreço, apesar de terem sido constituído arguidos, depois não foram alvo de julgamento em pé de igualdade com o arguido UU – a verdade é que o crime de corrupção foi cometido em co-autoria e, por isso, a vantagem, ainda que repartida, determina a agravação em referência.
Entende este arguido que os documentos utilizados pelo Tribunal a quo não permitem imputar exclusivamente a si a participação no esquema de sobrefacturação mas a verdade é que os documentos em causa são documentos que se reportam à messe como não podia deixar de ser e é transversal aos restantes documentos analisados em relação às outras messes.
Nem seria credível que uma factura, ou um print da contabilidade das empresas tivesse indicação do gerente da messe ou viesse no seu nome.
Ora, o arguido em causa era o responsável pela messe da Força Aérea de ... pelo que não seria credível desconhecer todo o esquema,  nem a sua observação dos documentos utilizados pelo Tribunal a quo, cujo teor e autenticidade não impugna, permite alterar os factos que aquele Tribunal deu por provado.
No fundo o arguido pretende discutir a subsunção jurídica dos factos dados por provados no crime na sua forma agravada sem, contudo, impugnar verdadeiramente os factos em si, nem a prova onde os mesmos se alicerçam, motivo pelo qual improcede o seu recurso nesta parte.
Vejamos agora os arguidos MMM e NNN, ambos pertencentes à arguida Padaria ..., Lda.
Ambos os arguidos fazem apelo aos depoimentos das mesmas testemunhas ouvidas no dia 15-01-2020, a saber GGGG, HHHH e IIII.
O arguido MMM ainda invocou uma leitura errada da certidão comercial para, em conjunto com a prova testemunhal referida, demonstrar que quem comandava toda a vida comercial da Padaria ... era o seu falecido sogro JJJJ.
Afirmando, ainda, que o Tribunal a quo se enganou quando referiu que o arguido HH o implicou ao dizer que tinha recebido envelopes com dinheiro deste arguido, pois, segundo afirma MMM no seu recurso “(HH) nunca proferiu tal afirmação em audiência de julgamento.”
Ora, e começando com este último aspecto, ouvindo as declarações do arguido HH proferidas no dia 21-01-2019, registo nº 20190121112112_4058106_2871286, entre os minutos 41:01 e 41:14 pode ouvir-se o seguinte:
Juiz (41.01): “Por parte da Padaria eram entregues pelo funcionário que ia lá ou pelo Sr. MMM?”
Arguido (41:07): “O Sr. MMM, sim, sim, eu penso que o funcionário nunca, nunca…não me recordo de ter…”
Como se pode constatar, e nós que ouvimos a respectiva gravação, resulta claro que, ao contrário daquilo que o arguido MMM vem afirmar no seu recurso, o arguido HH, de facto, identificou-o como sendo a pessoa que ia la entregar os envelopes com o dinheiro que se destinava aos militares de acordo com as percentagens definidas.
Por outro lado, e após audição dos depoimentos das três testemunhas em referência, se se pode constatar que as mesmas, em uníssono, afirmaram que quem mandava era JJJJ e que o arguido MMM agiu sempre como colega de trabalho, a verdade é que o arguido MMM consta da certidão comercial[109] como gerente desde 2010.
É certo que também lá estão como gerentes, o próprio JJJJ, entretanto falecido, KKKK que renunciou ao cargo em 2010, LLLL, também falecido e MMMM, filha de JJJJ e esposa do arguido MMM.
É também certo que, apesar das três testemunhas terem referido que JJJJ só deixou os comandos da empresa por volta de 2017 devido à sua idade e alguns problemas de saúde, não é menos verdade que a filha MMMM, bem como a sua irmã, NNNN, ambas professoras (segundo as testemunhas e o relatório social) já eram sócias da empresa.
Ora, não podemos deixar de estranhar porque motivo, pelo menos, JJJJ não foi também constituído arguido não só porque parece que dirigia a empresa familiar aparentemente por si fundada, como aparece como gerente, tendo sido identificado pelo arguido FF como sendo a pessoa que primeiro se apresentou na messe, como vencedor do concurso, e com quem o arguido FF falava.
No entanto, e embora se nos afigure que o senhor terá falecido (cfr. assim referido na página 688 do acórdão recorrido) a verdade é que a participação de JJJJ não afasta automaticamente a envolvência do arguido MMM.
Assim e no que tange ao depoimento das testemunhas, as primeiras duas pasteleiros e a terceira empregada de balcão, as mesmas revelaram desconhecer que MMM figurava como gerente desde 2010 e, dadas as respectivas posições dentro da empresa, como pasteleiros laboravam na fábrica onde os bens são confecionados, de noite, sendo que a terceira testemunha trabalhava no balcão começando o seu dia às 6:00 da manhã, não podiam essas três testemunhas saber certos pormenores relacionados com o dia-a-dia quer do arguido MMM, quer da arguida NNN, que era empregada de escritório da referida arguida Padaria ... e trabalhava num lugar à parte das testemunhas, mais concretamente no escritório.
Não se põe em causa que as testemunhas, até pelo número de anos que se encontram ao serviço da arguida Padaria ... fossem bem tratados e que em relação a si o “patrão” fosse uma pessoa honesta que sempre pagou a tempo e a horas.
Contudo nada souberam esclarecer acerca das situações ocorridas entre as entregas efectuadas pelo arguido MMM e a messe nº 5 em ..., excepto em termos genéricos que, por vezes, vinham reclamações da messe que o pão teria sido pesado incorrectamente.
Mas até neste ponto referiram as testemunhas que era o arguido MMM quem pesava e organizava o pão para os vários distribuidores o entregar nos vários lugares onde a sociedade tinha negócio, o que lhe permitia controlar, como convinha ao esquema referido, a quantidade de produto que efectivamente era entregue em relação ao que era facturado.
Por outro lado, MMM está casado há vários anos com uma das filhas do dono da Padaria ..., sendo genro deste, e ao que tudo indica, até pelo facto de ter sido nomeado gerente quando todos os outros gerentes eram família (JJJJ e os filhos), da sua confiança.  
Ora, como referimos, o facto da Padaria ter sido pertença e sempre gerida por JJJJ, não permite afastar da trama em apreço a participação do arguido MMM que foi concretamente identificado pelo arguido FF que, nas suas declarações, referiu expressamente que, embora os primeiros contactos com a messe tivessem sido efectuados por JJJJ, este nunca falou em percentagens tendo sido o seu genro, MMM, em momento posterior, a concretizar a percentagem que caberia à Padaria ..., concretamente 50%.
As declarações destes dois arguidos (FF e HH, ambos a identificar a presença e envolvimento do arguido MMM no esquema) por tudo quanto temos vindo a referir revelam-se fidedignas e assim foram consideradas pelo Tribunal a quo que teve ainda o benefício de visualizar estes arguidos durante as suas respectivas declarações, podendo observar a postura e linguagem corporal além das suas expressões, todas reveladoras da sinceridade com que terão prestado declarações.
Ainda que se admita que o “cérebro” da Padaria ... fosse JJJJ a verdade é que o arguido MMM compactuou com as actuações do seu sogro, acertando com o gerente da messe de ..., o arguido FF, a percentagem que caberia à sua empresa no esquema de sobrefacturação e efectuando as entregas, se não sempre, pelo menos em algumas ocasiões ao arguido HH.
De notar que o arguido MMM arrolou como testemunha a sua mulher MMMM, que não foi ouvida por motivo que desconhecemos, e que poderia ter esclarecido não só a participação do seu pai na gestão da empresa, bem como as funções que o marido concretamente desempenharia, como poderia explicar porque motivo, sendo ela também gerente, aparentemente não exercia funções de facto.
Ora, na contestação do arguido MMM nada é referido para refutar a sua posição e desempenho de gerente, apenas tendo sido feita referência aos € 4.175,00 que lhe foram apreendidos pela PJ no dia em que esta realizou uma busca ao seu domicílio, alegando que tal dinheiro era das filhas.
É certo que as testemunhas ouvidas declararam que o arguido MMM se tinha queixado que lhe apreenderam o dinheiro das filhas e cerca de € 800,00 do seu subsídio bem como um computador que seria da filha.
E é também certo que nada impede uma pessoa de ter dinheiro em casa.
Mas, face ao facto do arguido em apreço, em princípio, ser pago por transferência bancária – pelo menos essa era a forma habitual de todos os trabalhadores da Padaria receberem o seu vencimento conforme a terceira testemunha referiu – não se compreende porque motivo teria € 800 do seu subsídio em dinheiro em casa.
Por outro lado, a diferença que sobra, cerca de € 3.375,00, afigura-se já uma quantia substancial para ter em casa a título de dinheiro que teria sido dado às filhas.         
Quanto à arguida NNN as testemunhas ouvidas, embora confirmando que a mesma era empregada de escritório, não tinham maneira nenhuma de saber se a arguida saía ou não do seu local para tratar de assuntos em nome da empresa, nem se as facturas eram processadas por outra pessoa, uma tal OOOO, que só foi para junto da arguida ao que tudo indica após os factos dos autos.
O facto desta arguida ser uma mera funcionária da Padaria ... e de não ter poder para contratar com a Força Aérea, não significa que não pudesse participar do esquema em apreço, pois que, para que uma empresa, pessoa colectiva, possa encetar actuações de índole criminal é preciso pessoas físicas para executar os respectivos actos.
Ora, a arguida NNN, sendo empregada de escritório, era quem processava as facturas – peça fundamental para o esquema da sobrefacturação – facto que também se retira da escuta telefónica efectuada no dia 25-01-2016 ao telefone do arguido GG (apenso IV Alvo 80657040, páginas 10 e ss) através do qual se constata que a arguida NNN estava a ter dificuldade em dar destino a suas facturas do mês de Novembro.
Mas mais importante ainda, e ao contrário do que entende a arguida no seu recurso, a referida escuta telefónica é elucidativa no que tange ao envolvimento desta arguida no esquema, pois, no meio da conversa das facturas surge um tópico que, dado o contexto, só pode dizer respeito à entrega de dinheiro.        
Vejamos.        
Da respectiva transcrição e com importância para o que aqui se discute podemos ler o seguinte:
Arguida NNN (NNN): “Escute uma coisa, é que eu fiz duas facturas em novembro…
Uma que tinha do dia, (imperceptível), ao dia vinte seis do onze e depois tinha mais o, os mil e oitocentos, que eu entretanto se calhar ia mandar o, (imperceptível), pá trás p’árrumar isto.”
Arguido GG (GG): “Tá bem, tá bem.”
NNN: Posso mandar quando, amanhã?”
GG: “Pode, pode.”
NNN: “Ah, pere aí, amanhã se calhar não vou conseguir, não tenho aqui, já fui ao banco, (imperceptível), mandar só na quarta[110].”
GG: “Tá bem.”
NNN: “Depois tenho aqui a segunda factura de novembro, que por aquilo que percebi, ia ser referente ao consumo desde aquela data, vinte e sete do onze a trinta e um de dezembro, é isso?” – sublinhado nosso
E a escuta telefónica do dia 25-02-2016 (apenso IV- Alvo 80657040, páginas 32 e ss) é ainda mais esclarecedora:
NNN: “Olhe é da Padaria ..., é NNN, como está?”
NNN: “Eu tava a ligar porque eu tenho aqui o envelope com as coisinhas do mês passado.” (…)
GG: “Sim, sim.”
NNN: “Tá aqui em cima da minha secretária desde segunda-feira ou terça, só que entretanto ninguém o levou porque, eu nem sei quem é que tem isso aí, mas se calhar nem foi o senhor MMM e eles não gostam de deixar isto aí de qualquer maneira.”
Ou ainda a escuta do dia 21-04-2016 (páginas 70 e ss) onde se pode ler:
NNN: “É da Padaria ..., tenho aqui o envelope das contas, isto, mando isto amanhã ou não é bom dia?”
GG: “Tou a falar com a dona NNN?”
NNN: “Exactamente, ai desculpe eu não me identifiquei, o telemóvel é particular, o senhor não conhece o número.”
(…)
NNN: “Tá bem, mas a quantia que eu tenho aqui, com o envelope com os papéis, posso lhe mandar amanhã, a factura é que, se fizer muita questão, venho cá fazer quando vier, quando me despachar.”     
O facto da arguida NNN nunca ter sido vista nas instalações da Base Aérea e, eventualmente, de nunca se ter aí deslocado, por isso os respectivos militares, FF e Tenente AAAA afirmarem que não a viram antes do julgamento, não significa que não tenha participado nos crimes em apreço, tanto mais que era esta arguida que fazia as facturas.
Se aliarmos tudo quanto acabamos de analisar ao facto, não refutado por nenhum destes dois arguidos, de existir prova nos autos quanto aos valores sobrefacturados é forçoso concluir, como concluiu o Tribunal a quo, o qual, assim, não cometeu qualquer erro de julgamento no que aos arguidos MMM e NNN diz respeito.
Motivo pelo qual terá de improceder o seu recurso nesta parte.
Os arguidos JJJ e Doce Cabaz, Lda. entendem que há erro de julgamento em todos os factos que, dizendo-lhes respeito, contêm menção de que a compensação devida aos militares pela empresa Doce Cabaz, Lda. era em géneros e/ou dinheiro, sendo que estes arguidos pretendem que se exclua dos factos em causa a referência a entrega de dinheiro.
Analisando os trechos indicados pelos arguidos não se consegue retirar a conclusão de que a Doce Cabaz. Lda. apenas entregou géneros e que nunca entregou dinheiro, e o simples facto de produtos concursados poderem ser substituídos por outros não concursados não significa, de per se, que não pudesse haver entrega de dinheiro e que a compensação aos militares se fizesse exclusivamente com entrega de géneros, tanto que um processo de substituição de produtos não podia ser a regra, nem tão abrangente pois que se acabaria por desvirtuar o âmbito dos bens concursados.
Aliás, se a Doce Cabaz, Lda. apenas entregou géneros e sempre entregou géneros em vez de dinheiro, pergunta-se qual a vantagem para si?
A razão subjacente à sobrefacturação era para conseguir uma margem de dinheiro, entre o valor real entregue e o facturado, que, sendo suportado pelo orçamento entregue à Força Aérea, permitiria a fornecedores e militares lucrar com a repartição dessa diferença, ainda que através de percentagens diferentes.
Ora, se a Doce Cabaz, Lda. se limitava a substituir uns produtos por outros qual o valor que receberia para si?
Se até, como refere no seu recurso, “a substituição de produtos ocasionava para a Arguida Recorrente custos financeiros resultantes da antecipação do pagamento da diferença do IVA dos produtos com taxas superiores e da diferença de preços”.
Dentro do esquema em apreço, e que a Doce Cabaz, Lda. reconhece no seu recurso como sendo transversal a todas as messes, qual a vantagem de entregar apenas géneros de modo exclusivo aos militares?
Por outro lado, a forma como o esquema estava montado visava na sua essência gerar vantagens monetárias, sendo que os membros da DAT não estariam interessados em ter uma compensação em géneros quando o que era exigido era uma compensação em dinheiro de todas as messes.           
Como admitem os arguidos em apreço havia, na documentação junta aos autos (embora não a concretizassem), diferenças nos valores de facturação.           
Sendo que entendem que “para que o Tribunal a quo pudesse fundamentadamente inferir que aquelas diferenças eram entregues pela Arguida Doce Cabaz, Lda. em dinheiro aos gerentes das messes, necessário se tornaria que dos demais elementos probatórios pudesse ser retirada tal informação”, no entanto não se compreende a que outros elementos probatórios se referem.
Assim, não há qualquer vício no raciocínio seguido pelo Tribunal a quo quando conclui que a diferença facturada, e que os arguidos não negam existir, fosse repartido nos moldes que resultaram provados.
 Por outro lado, não se retira dos factos elencados pelos recorrentes de que o Tribunal a quo afirmou que os valores entregues à DAT através das messes fornecidas pelos arguidos fossem suportados exclusivamente pela Doce Cabaz, Lda.
Quanto à substituição em si há a referir o seguinte:
Dos trechos de vários depoimentos que os ora recorrentes apresentam no seu recurso surge claro, em especial das declarações do co-arguido JJ, que a Doce Cabaz, Lda. ganhou um concurso e que os produtos que deveria fornecer eram mercearia e sumos.
No entanto, dos bens que se verifica terem sido alvo de substituição, em especial nas duas messes de ..., sendo uma geral que servia sargentos e praças e outra, a chamada sala VIP que servia os generias e seus convidados[111], o que era substituído era a carne[112] e o peixe e ainda os vinhos.
Ora, a mercearia não comporta nem carne, nem peixe nem vinhos[113].
Pelo que não se compreende que produtos desta natureza poderiam ser substituídos pela Doce Cabaz, Lda.?
Quando muito, o item de mercearia comportaria arroz e massas que o co-arguido JJ referiu serem substituídos por produtos de marcas de maior qualidade, em vez de marca branca, mas isto, então, leva-nos a questionar porque motivo eram concursados produtos de marca branca ou, melhor dizendo, porque motivo a Doce Cabaz, Lda. teria concorrido com preços que seguramente visariam a utilização de produtos mais baratos de forma a ganhar o concurso com a melhor oferta?
Se o co-arguido JJ referiu, e disso até se orgulhava, que para melhorar a qualidade das refeições que eram servidas na messe sob a sua gerência pedia para ser fornecido arroz da marca ..., ou massa da marca ..., em vez dos respectivos produtos brancos, é porque a Doce Cabaz, Lda. concorreu com tais produtos brancos, logicamente mais baratos, o que lhe garantiria vencimento no respectivo concurso, para depois ter de fornecer produtos de melhor qualidade que não tinham sido concursados.
É referido ainda nos vários trechos citados no recurso em análise que a Doce Cabaz, Lda. fornecia muitas vezes bebidas brancas no lugar de outras bebidas mais baratas, mas não podemos deixar de questionar porque motivo o faria se a mesma ganhou o respectivo concurso para fornecer mercearia e sumos, sendo as bebidas alcoólicas integrativas de outra categoria.
 A não ser que o respectivo concurso considerou as bebidas alcoólicas como sendo mercearia e aí, então, temos de perguntar que valores e produtos é que a Doce Cabaz, Lda. apresentou no concurso para o ter ganho se, afinal, nada no concurso correspondia ao que acabaria por fornecer?
Em todo o caso, das declarações do co-arguido JJ, citadas no recurso em análise, resulta não só que as trocas de géneros eram efectuadas para os eventos especiais, que não estariam previstos, mas também porque ele, JJ, queria garantir a melhor qualidade alimentar aos seus homens e por isso pedia para substituírem produtos brancos por produtos de marca, o que já não tem nada a ver com os eventos especiais.
De notar que muito se estranha o que referiu a testemunha PPPP em relação à diferença dos vinhos que eram servidos nas messes dos oficiais em ... em oposição ao que era servido na messe normal uma vez que referiu: “Sabia que o Sr. Major dizia hoje será este vinho. Nós participávamos se não gostavam do vinho, não gostavam daquele vinho ao Sr. Major. Nós só passávamos portas e servíamos o que nos davam”, isto em relação a uma situação em que um general pudesse não querer o vinho indicado.
Ora, se só no dia se sabia que o general, ou qualquer outro oficial, não queria aquele vinho engarrafado – aos praças era servido vinho de pacote – como é que teriam à mão o vinho desejado para aquele dia?
As garrafas já teriam de estar compradas e acondicionadas na messe para, à última hora, serem trocadas se necessário e de acordo com a vontade do militar oficial manifestado no momento.
Quanto aos trechos citados da testemunha QQQQ, Inspectora da PJ, o que dos mesmos resulta claro é que esta testemunha não lidou directamente com a facturação e o esquema implementado[114], limitando-se a concordar com os juízos de valor e conclusões formuladas pela ilustre mandataria das recorrentes.
E se resulta das decalarações do co-arguido JJ que, em relação a si, nunca o gerente da Doce Cabaz, Lda. lhe entregou dinheiro, tal não significa que em relação às restantes messes fosse essa a prática.
Daí o Tribunal a quo ter formulado os factos no sentido que o fez, permitindo prever situações em que o benefício fosse em géneros e/ou em dinheiro, dado que a sobrefacturação existiu.
Aliás, ainda que apenas estivessem a entrega de géneros em vez de dinheiro, a verdade é que a Doce Cabaz, Lda. participou num esquema em que eram concursados produtos (aparentemente mais baratos) que não eram, afinal, os fornecidos os quais eram, na prática, substituídos por produtos diferentes, em princípio melhores ou por produtos do mesmo género mas de qualidade superior.
Mas esta prática não deixa de integrar os crimes pelos quais a Doce Cabaz, Lda. e o seu gerente foram condenados.
Porquanto a Doce Cabaz, Lda., no seu recurso, não nega a existência de sobrefacturação – que justifica para conseguir a tal conta corrente – e, portanto, não nega que foram emitidas facturas que não correspondiam ao que efectivamente era entregue às messes.
Pelo que o crime de falsificação de documento não é alterado pelo simples facto da Doce Cabaz, Lda. poder, na sua óptica, ter entregue apenas e tão só géneros aos militares.
Por outro lado, se, por sistema, os bens entregues não eram os concursados e se através do erário público, manifestado no orçamento de que dispunha cada messe, era gasto mais do que estaria previsto – o que parece ter sido a regra – ainda que a Doce Cabaz, Lda. hipoteticamente não tirasse um benefício directo – pois que ela sempre seria beneficiada através da manutenção dos contratos celebrados com a Força Aérea em virtude dos concursos públicos que teria ganho num primeiro momento os quais abrangiam todas as messes excepto a de ... e de ... – ela estaria sempre a contribuir para o desfalque das finanças públicas.
Quer seja através da entrega de géneros, quer seja através da entrega de dinheiro, a Doce Cabaz, Lda. ao compactuar com um esquema em que ela vence um concurso oferecendo o melhor preço para depois passar a fornecer bens que nunca seriam ao preço pelo qual concorreu, acabando por apresentar facturas que não correspondem à realidade para ficar com uma conta corrente de onde vai tirando verba para fornecer bens que não foram concursados, não estão contemplados nas ementas aprovadas, nem dentro do respectivo orçamento, e que são utilizados em grande parte, mas não só, em eventos especiais que, de que tudo indica, serviam ementas caras não orçamentadas, em especial se fossem para militares oficiais[115], e em que qualquer “evento” podia justificar essas ementas especiais como camarão, bife do lombo, vinhos caros etc..
Quando as messes – suportadas pelo dinheiro dos contribuintes – existem para alimentar os militares enquanto tais e durante o exercício das suas nobres funções e não para servir de restaurantes particulares com ementas de luxo para celebrar, muitas das vezes, assuntos pessoais que nada têm a ver com o exercício do cargo[116], ou que apenas visam celebrar banalidades como a inauguração de uma piscina.
De notar que, ao contrário do que entende a Doce Cabaz, Lda., o Tribunal a quo não poderia extrapolar, para as outras messes, a entrega aos militares, por aquela, de apenas géneros (em vez de dinheiro) porquanto essa situação foi referida apenas e tão só em relação à messe da ..., em que o respectivo gerente, JJ, por ter confessado, referiu expressamente que trocava os bens por outros de melhor qualidade[117] e porque a ... também tem uma finalidade mais abrangente recebendo muitos militares em diferentes capacidades[118], e em relação às messes (a dos praças e a dos oficiais) de ... que, por terem uma sala VIP que serve apenas os senhores generais que, ao que tudo indica, preferem ementas mais caras, e por terem inúmeros eventos especiais, necessitam de efectuar muitas trocas de produtos para satisfazer os pedidos que surgem em cada momento[119].
Esta não será a realidade das outras messes ou pelo menos não com a mesma frequência, pelo que, tendo ficado provado documentalmente a sobrefacturação por parte da Doce Cabaz, Lda. em relação às messes onde fornecia, à parte das duas em relação às quais ficou claro que a entrega era em géneros ...) ou também em géneros (...), o que traduz situação muito específica devido às características particulares dessas duas messes (... e ...), nada na prova produzida, e muito menos os trechos citados pelos recorrentes, permitem fazer o salto lógico de que também nas restantes messes a entrega era apenas ou exclusivamente em géneros, motivo pelo qual o Tribunal a quo admitindo essa possibilidade mas sem certeza teve de contemplar a entrega também de dinheiro pois, caso contrario, a sobrefacturação provada não faria qualquer sentido e não se verificaria sequer.
Insurgem-se ainda os arguidos quanto a facto do Tribunal a quo nos nºs 571, 658 e 818 ter dado como provado que o gerente da Doce Cabaz, Lda. JJJ utilizou facturas de uma outra empresa, Paraíso Moderno, Lda., da qual também é sócio-gerente, sendo que esta segunda empresa tem um objecto social semelhante à da Doce Cabaz, Lda., mas não oferecem concreta prova que pudesse impor uma solução diversa, nomeadamente não oferecem prova que permitisse afastar a convicção a que chegou o Tribunal a quo no sentido do arguido JJJ se ter socorrido, indiscriminadamente de facturas quer de uma, quer de outra sociedade.
Por fim, o que se conclui é que estes arguidos apenas apresentam uma convicção diversa daquela seguida pelo Tribunal a quo, sendo que não se vislumbra qualquer erro de julgamento, revelando-se a convicção do Tribunal a quo quanto a estes arguidos uma solução possível e consentânea com as regras da experiência comum, tendo em consideração também, que são os próprios arguidos que admitem que as actuações ilícitas eram comuns a todas as messes.
Motivo pelo qual improcede o seu recurso nesta parte.
Já os arguidos GGG e M..., S.A. para impugnarem os factos que elencam, citam pequenos trechos, retirados fora de contexto, das declarações do arguido JJ sem com os mesmos esclarecer em que medida a convicção do Tribunal a quo se mostra beliscada.
Concluindo que “impõem decisão diversa da ora recorrida as declarações do coarguido Capitão JJ corroboradas com a análise crítica da documentação carreada para os autos e da qual concluiu o Tribunal a quo inexistir prova para condenação dos Arguidos pelo crime de falsificação de documento.”
Como infra veremos aquando do tratamento jurídico da questão da subsunção dos factos aos tipos legais, o facto de se ter concluído, no caso destes arguidos, pela falta de prova de facturas falsificadas não significa de per se que o crime de corrupção não se possa considerar provado.
Por outro lado, na analise que somos chamadas a realizar a propósito do erro de julgamento cabia aos arguidos GGG e M..., S.A. identificar concretamente a prova documental e as declarações que no seu entender “impunham” decisão diversa e não apenas genericamente referir que a convicção do Tribunal a quo está eivada de erro.           
O erro de julgamento pressupõe uma verdadeira impossibilidade lógica ou uma construção que extravasa a realidade, não se coadunando com as regras da experiência comum e, por isso, não consente certa e determinada conclusão ou silogismo a que o Tribunal a quo chegou.
No entanto, não é isso que se verifica com o recurso destes arguidos que não lograram demonstrar porque motivo a convicção do Tribunal a quo não pode ser colhida, motivo pelo qual tem de improceder o seu recurso neste aspeto.
Quanto ao arguido AA o mesmo assenta a sua discordância nas declarações prestadas pelo co-arguido EE.      
Ora, para além de tudo quanto referimos já acerca da validade das declarações de co-arguidos, desde que respeitado o disposto no artº 345º nº 4 do CPP, a verdade é que os excertos das declarações do co-arguido EE apresentados pelo recorrente AA não impõem uma decisão diversa daquela oferecida pelo Tribunal a quo, não só porque são pequenos excertos retirados de declarações que duraram várias horas, como os excertos das testemunhas que indica também não permitem concluir os factos da forma como entende.
Por exemplo, o arguido AA socorre-se de uns trechos das declarações da testemunha RRRR, para demonstrar que todas as messes eram inspeccionadas e que, portanto, quaisquer discrepâncias seriam detectadas.  
Mas, se confrontarmos as declarações da referida testemunha, que admitia que as inspecções, cuja regularidade não referiu, duravam no terreno apenas 3 dias úteis, sendo o resto briefings, com as declarações do co-arguido JJ, gerente da messe da ..., verificamos que, de acordo com este arguido, que estava diariamente no terreno e tinha que gerir a respectiva messe, quando tomou posse e lá chegou decidiu fazer um inventário – parece que afinal não existia nenhum inventário carregado no sistema conforme referiu a tal testemunha RRRR – e constatou que cerca de € 62.000,00 deveria estar em stock mas, na prática, em armazém havia apenas cerca de € 18.000,00 de produtos.
Mais disse este arguido que a sua primeira preocupação era regularizar aquele desfalque de stocks, motivo pelo qual durante os primeiros meses da sua gestão não houve qualquer verba entregue à DAT.
E que a situação foi reportada ao seu superior hierárquico, o arguido KK que, por sua vez, o terá comunicado à DAT (facto confirmado pelo arguido CC) que, aparentemente, nada fez.
Também foi referido pelo arguido JJ que sabiam quando as inspecções iam ocorrer pelo que teriam tempo de ajustar qualquer anomalia que pudesse ser detectada in loco.
Por fim é invocado uns excertos das declarações prestadas pela testemunha Capitão SSSS através dos quais o arguido recorrente visa demonstrar que sempre havia controlo por parte da DAT no que toca às regularizações.           
Mas da cuidada análise dessas declarações não se consegue concluir que, apesar do tal controlo, que se traduzia apenas em impor aos gerentes das messes que explicassem o porquê da regularização concretamente pedida, no caso da mesma não estar contemplada em regulamento, a verdade é que isso não exclui a possibilidade de se tratar de uma mera formalidade, quando se percebe, segundo declarações da mesma testemunha, que quem primeiro fazia a avaliação era o co-arguido EE que, obviamente, segundo o próprio admitiu, estava envolvido no esquema corruptivo pelo que não iria levantar problemas quanto à possibilidade de pedir uma regularização.
Por outro lado, das declarações da testemunha em apreço não resulta provado que as regularizações alguma vez fossem rejeitadas pela DAT, apenas que teriam de ser justificadas, o que também se nos afigura ser óbvio que assim fosse para não levantar suspeitas sobre a actuação de cada membro do esquema, quer em relação à DAT que, formalmente faz um “controle”, quer em relação às messes que justificam os pedidos.
Como resultou da conjugação de toda a prova havia um esquema implementado há muitos anos e obviamente que para esse esquema se manter a funcionar sem que outros sectores da Força Aérea se apercebessem seria necessário dar um ar de legalidade às respectivas actuações.
Não se vislumbra, assim, em que medida a prova ora indicada pelo arguido AA obriga a que se altere a matéria de facto em causa, não havendo qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal a quo.
Motivo pelo qual o seu recurso tem de ser julgado improcedente nesta parte.
O arguido KK, à semelhança do arguido AA, invoca a inadmissibilidade das declarações do co-arguido, concretamente, do arguido JJ, para afastar a convicção a que o Tribunal a quo chegou.
E à semelhança do arguido referido anteriormente, fez apelo à teoria da corroboração para demonstrar que os envelopes contendo numerações romanas apreendidas no dia 03-11-2016, não podiam servir de prova porquanto apenas o arguido JJ é que identificou o destino dos referidos envelopes não valendo os mesmos, enquanto prova isolada, como corroboração daquelas declarações.
Antes de mais, convém reiterar o que já supra referimos aquando da análise do valor probatório das declarações de arguidos.
De facto, o Tribunal a quo, embora fazendo referência à doutrinária da teoria da corroboração não declara que a segue, apenas que é desejável que, sempre que tal for possível, devem as declarações de co-arguidos ser sustentados com outra prova.
E como vimos já, a validade das declarações de co-arguidos resulta da credibilidade que as mesmas merecem, tal como ocorre com as declarações de uma vítima que muitas vezes é a única prova contra um arguido.
Ora, no caso em apreço o Tribunal a quo explicou porque motivo deu crédito aos co-arguidos que confessaram, entre os quais JJ que fez concreta referência ao envolvimento do arguido KK.
Por outro lado, o arguido KK invoca como exemplo a contrapor às declarações de JJ, as declarações prestadas pelo co-arguido II – curioso que nesta situação para o recorrente KK já valem as declarações de co-arguido –  no entanto, há que clarificar que embora o arguido II tivesse confessado parcialmente os factos de forma reservada em sede de inquérito – cfr. auto de fls. 7495 e ss – o mesmo arguido decidiu não prestar declarações em sede de julgamento.
Assim, as declarações que prestou em sede de inquérito não puderam ser confrontadas em sede de julgamento e só valem, consequentemente, para incriminar o respectivo, II.
E se analisarmos as referidas declarações constata-se que o mesmo diz que tinha de entregar dinheiro à DAT, que não sabia como ia angariar o dinheiro mas conseguia com os eventos e que não sabia explicar como havia sobrefacturação e depois que não acreditava que ela existia.
Ou seja, tal arguido toca ao de leve no esquema sem o aprofundar e sem querer implicar muitas pessoas.
Já as declarações do arguido JJ, prestadas em sede de julgamento à frente de todos, foram extensas, sujeitas a contra-inquirições, revelando tal arguido segurança no que disse, não fazendo sentido que tivesse confirmado o esquema, as pessoas envolvidas e a forma concreta de operar – revelando conhecer muito melhor a situação do que o arguido II quis revelar nas suas declarações – para depois inventar o envolvimento do arguido KK, sendo este o seu superior hierárquico e com o peso que isso implica.
Os envelopes encontrados, ao contrario do propugnado pelo arguido KK até confirmam o que o arguido JJ veio declarar porquanto a numeração constante de cada envelope, que o arguido explicou, faz sentido, tem lógica, sendo certo que ao tempo o único major implicado era o arguido KK.
Por outro lado, entende o arguido KK que, de acordo com os regulamentos aplicáveis não existe fiscalização hierárquica, e, portanto, o Tribunal a quo nunca poderia ter dado como fundamentação na página 700 do acórdão recorrido que “para que o arguido conhecedor da sobrefacturação, não exercesse os poderes de fiscalização hierárquica que possuía, enquanto superior directo do arguido.”
É curioso como o conceito de hierarquia militar vai assumindo contornos diferentes consoante a tese que se pretende defender.
Para anular a prova obtida por agente encoberto já se invoca a estrutura hierárquica militar como justificação para concluir que tal agente agiu como instigador.
Citando alguns arguidos, o acórdão proferido no apenso J, para invocar a hierarquia militar como fundamento de uma obediência quase cega, a qual até justificaria a prática de crimes, mas quando já não interessa socorrer-se dessa mesma hierarquia, já a mesma parece se diluir em funções meramente administrativas.
O que nos leva então a perguntar para que serve um comandante de esquadra se não vai efectivamente tomar controle da mesma?
Reparemos nas declarações do arguido FF que era gente da messe da Base Aérea nº ... (...) de onde se retira que, em relação ao seu comandante de esquadra, a Major TTTT, embora esta senhora não estivesse implicada no esquema, não deixou, contudo, de exercer controle sobre o que se passava na base.
Sob pena de não ser preciso militares com graduação mais elevada a comandar esquadras.
Por outro lado, o que o Tribunal a quo escreveu não significa que se esteja a falar de uma fiscalização proprio sensu, antes, o exercício de um controle que compete a um oficial graduado colocado no lugar do arguido KK.
Se um oficial superior se apercebe que na messe abrangida pela sua intendência ocorrem situações irregulares é sua obrigação denunciá-las.
Isso parece claro como a água.
Por outro lado, o facto do arguido KK não contactar com fornecedores, não receber produtos ou encomendas, não fazer ementas nem intervir de forma directa na gestão da messe não significa que não pudesse integrar um esquema de corrupção como aquele delineado nos autos[120].
Repare-se que os elementos da DAT também nada disso faziam e não deixaram de receber verbas provenientes de um esquema dependente do funcionamento das messes.
Aliás, o arguido KK contradiz-se no seu recurso quando por um lado diz que não tem quaisquer poderes de “fiscalização” sobre o arguido JJ mas depois admite que este teve de recorrer a si para resolver um problema que não podia ser resolvido pelo superior hierárquico da DAT, o arguido EE.
Diz o arguido KK nos artsº 83º e 84º das suas motivações que:
“83. Como a regularização de stocks é tratada directamente entre a messe e a DAT (ponto 52), o Maj KK contactou com o superior hierárquico do chefe de secção de subsistências da DAT, TCor CC, na tentativa de encontrar a melhor solução.
84. Ou seja, o Cap JJ entendeu, e bem como já se disse, que não podia, ou devia, resolver o problema com o seu correspondente hierárquico na DAT, o Cap EE, chefe da secção de subsistências, e passou o assunto para o nível hierárquico acima – o Maj KK, na ..., e o TCor CC, na DAT.”
Mas, se assim é, então é o próprio arguido KK que admite que para resolver um problema com a messe foi preciso o arguido JJ comunicar consigo, enquanto comandante da esquadra para, por sua vez, o arguido KK contactar com o arguido CC na DAT.
Isto só reforça a conclusão a que chegou o Tribunal a quo quando refere uma relação de hierarquia e, consequente, dependência entre os diversos graus, cabendo, em última instância, porque é isso que também significa uma hierarquia, um controle sobre as actuações dos elos mais abaixo.
O facto de um comandante de esquadra não ter autoridade para interferir no desempenho ou funcionamento da messe não significa que não pudesse beneficiar de um esquema corruptivo aí implementado.
E não significa que, se tivesse conhecimento de tal esquema, não estaria obrigado, até por uma questão de ética e preservação da integridade da Força Aérea e seus agentes, a denunciar a situação ao órgão interno que eventualmente pudesse ter poderes de supervisão e, em última instância, às respectivas autoridades judiciárias, ou a PJ militar.
As hierarquias não servem apenas para impor uma cadeia de comando, servem também para responsabilizar essa cadeia enquanto actuação conjunta de esforços com vista a alcançar um fim comum.
Sob pena de não fazer qualquer sentido as patentes e graduações dos militares e da subordinação interna que cada posto deve ao posto imediatamente acima[121].
Não se chega ao posto de major do nada, e muito menos se chega ao posto de general se não tiverem sido realizadas provas específicas e formações próprias para alcançar essas graduações.
Mas ao nível que se sobe dentro da hierarquia militar, mais pesada se torna a responsabilidade de adequar um comportamento não só conforme com a lei e os regulamentos internos mas a uma ética ímpar revelada através do exemplo.
No caso em apreço, o que se verifica é que os argumentos adiantados pelo arguido KK para convencer esta Relação de que nada teve a ver com o esquema corruptivo não chegam para inquinar a convicção a que chegou o Tribunal a quo que analisou a prova como um todo.
Por fim, o arguido KK invoca ainda a violação do princípio da igualdade, consagrado no artº 13º da CRP, por, no seu entender “nos presentes autos, embora em fases processuais diferentes, foram utilizados critérios igualmente diferentes: exclusivamente com base nas declarações do coarguido JJ, o coarguido EE não foi pronunciado pelos crimes de que vinha acusado, e o coarguido KK foi condenado em audiência de julgamento, colidindo assim com o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei…”[122]
Ora, o arguido KK labora em erro uma vez que duas situações por si invocadas não são iguais.
Vejamos.
Na página 201 da decisão instrutória o que resulta claro é que as declarações do co-arguido JJ não seriam suficientes para incriminar o arguido EE porquanto tudo quanto aquele arguido disse foi o que lhe tinha sido contado por terceiros, que não confirmaram o respectivo conteúdo, ou seja, trata-se de um depoimento de “ouviu dizer”.[123]
No caso do arguido KK já o arguido JJ contou aquilo que viu, ouviu e testemunhou directamente, tendo referido que falou com o arguido KK que lhe disse que a entrega que lhe tinha de fazer era, num primeiro momento € 500,00, mas depois passou a € 750,00.
As declarações do arguido JJ no caso do arguido KK representam um testemunho directo e não um “ouviu dizer”.
A diferença é clara e, consequentemente, as situações não são iguais, motivo pelo qual não podiam ser tratadas com iguais, não havendo, consequentemente, qualquer violação do disposto no artº 13º da CRP.
Por isso, não pode ser dado provimento ao seu recurso no que tange ao erro de julgamento.
Os arguidos II, LL e NN à semelhança dos arguidos anteriores AA e KK fazem apelo à teoria da corroboração que insistem em imputar ao Tribunal a quo quando este deixou claro que não foi esse o caminho que seguiu.
Por isso, tudo quanto temos vindo a explanar sobre este assunto tem aplicação ao caso dos recursos destes arguidos, em especial, se tivermos em consideração que o arguido II fez uma confissão, ainda que tímida, no âmbito do inquérito.
Ora, não se compreende como é que foi violado o princípio do contraditório conforme invoca o arguido II se foi este arguido que, ao se remeter ao silêncio em sede de julgamento, impossibilitou os outros arguidos de exercerem o contraditório em relação às declarações que prestou em sede de inquérito.
Por outro lado, não se compreende porque motivo entende que as suas declarações valem mais que as declarações do arguido JJ que teve a coragem de falar em julgamento à frente de todos e de se sujeitar a contra-inquirições de todos os arguidos.
As declarações do arguido II não puderem ser confrontadas, nem o mesmo esteve perante um colectivo de juízes e sujeito a interpelações por parte dos senhores advogados dos restantes arguidos.
As declarações do arguido JJ, bem como dos outros 4 arguidos que confessaram em sede de julgamento, puderam ser escrutinadas, analisadas, e viradas do avesso, podendo cada arguido tirar as dúvidas que tivesse e pedir os esclarecimentos que entendesse necessários.
Não há, assim, qualquer comparação entre as frugais e limitadas declarações que o arguido II prestou perante um magistrado do MºPº em sede de inquérito e as declarações que o arguido JJ prestou perante um colectivo de três juízes e na presença dos outros arguidos e respectivos advogados.
E, da análise dos trechos que este arguido focou no discurso do arguido JJ, não se retira nada que, conforme determina a lei, impusesse convicção diversa.
Há coerência entre o que os 5 arguidos que confessaram disseram, tendo-se tornado bem claro que havia um esquema que actuava em várias messes de forma praticamente igual no seu modus operandi com um comado centralizado que era a DAT.
Aliás estranha-se que o arguido II afirme no seu recurso que “nenhum elemento probatório existe que demonstre a prática de qualquer facto ilícito ao tempo da gestão da messe do Capitão II” quando foi o próprio, em sede de inquérito, que admitiu que:
“As regularizações de stock que fazia no SIG tinham de ter um valor de cerca de 1.500,00€ por imposição da DAT.
Da DAT primeiro entregava dinheiro ao capitão OO e depois ao capitão EE, não sabe desde quando.
No início não deu dinheiro porque não sabia como arranjá-lo.
Não sabe quando começou a entregar dinheiro à DAT mas ainda foi em 2011.
Entregava cerca de 300 a 500 euros por mês, mas não era um valor fixo e também não entregava todos os meses.
Conseguiu o dinheiro através dos eventos que eram realizados na messe.”
Pergunta-se ao arguido II se entende que ficar com dinheiro que não é seu para ser entregue à DAT que a ele também não tinha direito não consubstancia uma prática ilícita?
E pergunta-se como é que o arguido II pretende convencer esta Relação de que não há prova quanto ao apuramento de eventos particulares na ... no tempo em que lá exerceu funções na respeciva messe se é o próprio que admitiu em sede de inquérito a existência desses eventos a partir dos quais retirou dinheiro para entregar à DAT?
A questão dos eventos, em particular na ..., assume uma relevância ímpar conforme referiu o arguido JJ e que será também um facto com algum conhecimento público uma vez que é na ..., onde se encontra o Centro de Formação Militar e Técnica da Força Aérea, que se acaba por receber vários militares estrangeiros e mesmo chefes de Estado.
O que faz com que a ..., em particular, seja um local onde a apetência para fazer eventos seja mais vincada.
Pelo que se estranha que o arguido II, que teria estado na ... desde 2011 e, até lá ser colocado o arguido JJ, nunca tenha participado nem organizado um evento, logo na messe onde esses eventos são comuns.
Foquemos agora, no que tange a este arguido, no assunto dos concursos públicos e sua viciação.
Entende o arguido II que, em virtude das declarações prestadas pela testemunha UUUU que, por o arguido JJ não poder influenciar os concursos públicos porquanto não tem poderes para determinar como os mesmos se processam, que daí se deve retirar como corolário logico que os concursos públicos não eram viciados.
Esquece o referido arguido que a viciação dos concursos nunca se colocou ao nível da elaboração dos mesmos no seio da Força Aérea, mas perante os concorrentes a quem podia ser revelado dados importantes para ajudar alguns a ganhar, como, por exemplo, os valores procurados pela Força Aérea.
Ou, mais concretamente ainda, informarem os concorrentes quais os produtos que não seriam consumidos em grandes quantidades para que, em relação a esses, fosse indicado um preço mais baixo pelo concorrente e, assim, ganhar o concurso com a certeza que os outros produtos de maior consumo já poderiam ter um preço mais elevado.
Por fim, entende ainda este arguido que não há qualquer suporte documental, nomeadamente uma factura, que seja alusiva ao seu período de gestão, no entanto este arguido, como alguns outros não foi condenado no crime de falsificação de documento.
É certo que as facturas falsas eram transversais ao esquema e às várias messes mas, o facto de não se ter conseguido provar a existência de todas as facturas envolvidas, não significa que o crime de corrupção passiva não tivesse sido praticada.
Em relação aos arguidos LL e NN que também insistem na necessidade de haver uma corroboração externa para validar declarações de co-arguidos damos por reproduzido tudo quanto temos vindo a referir a propósito desse assunto.
Entendem estes arguidos que, como foram condenados como co-autores de um crime de corrupção passiva, que foram colocados no mesmo patamar que o arguido JJ que tinha claras funções de comando e orientação sobre estes arguidos, ambos sargentos e, por isso, subordinados hierárquicos daquele.
O facto impugnado em apreço – nº 93 dos factos provados – diz respeito ao dolo ou elemento subjectivo do tipo legal em causa o qual não depende da relação hierárquica.
Os arguidos em referência podiam estar subordinados ao arguido JJ mas, como este referiu, nem sempre estava fisicamente presente, dependendo destes arguidos para efectuar as tarefas diárias, sendo certo que ambos os sargentos já se encontravam na messe quando o arguido JJ foi lá colocado, conhecendo, assim, de forma mais pormenorizado os “cantos à casa” e o esquema que já lá se encontrava implementado.
De resto toda a defesa aqui apresentada por estes arguidos assenta exclusivamente no facto de entenderem que a convicção do Tribunal se baseou unicamente nas declarações do arguido JJ que rejeitam, contudo sem demonstraram porque motivo essas declarações, de per se, não são fidedignas ou porque motivo não podem ser valoradas.
Sendo de notar que um depoimento não pode ser avaliado com recurso a pequenos trechos ou mesmo com base em algumas eventuais incongruências, fruto do esforço de memória e da pressão sentida em tribunal.
Pelo que improcede o recurso destes arguidos nesta parte.
Os arguidos HHH e C..., Lda. à semelhança de outros arguidos, insurgem-se contra a valoração que o Tribunal a quo fez das declarações do co-arguido JJ.
Pelo que, e antes de mais, damos aqui por integralmente reproduzidos os considerandos tecidos acerca da valorização das declarações desse arguido.
De notar que, à parte, a argumentação que estes arguidos apresentam para contrapor a convicção alcançada pelo Tribunal a quo, apenas citam pequenos trechos das declarações do arguido JJ.
É certo que apresentam como “contra-prova” as declarações do co-arguido MM, bem como das testemunhas de defesa VVVV e WWWW, contudo não identificam o dia de julgamento em que os mesmos foram ouvidos, nem as rotações da respectiva gravação, e muito menos as frases concretamente ditas por aquele arguido e por estas testemunhas que pudessem infirmar as declarações do arguido JJ.
Ora, o Tribunal a quo, no tocante às messes de ... e do ..., que também eram fornecidas por estes arguidos, concluiu não haver prova suficiente do seu envolvimento no tal esquema revelando, assim, ter respeitado o princípio in dúbio pro reo uma vez que, nenhum dos arguidos afectos a essas messes confessou ou sequer prestou declarações, e não foram encontradas facturas concretas que pudessem denunciar uma falsificação necessária a uma sobrefactração.
Todavia, em relação à messe da ... entendeu o Tribunal a quo dar crédito às declarações do arguido JJ, e explicou porque motivo o fez, ou seja, porque motivo se convenceu da seriedade e credibilidade de tais declarações, sendo de notar que os arguidos em apreço também não conseguem oferecer um único motivo sério que pudesse levar à conclusão que o arguido JJ os quisesse prejudicar.
E o argumento oferecido de que era no interesse do arguido JJ indicar uma espécie de bode expiatório para justificar porque motivo ele, militar de carreira, se sentiu “coagido” a alinhar com um esquema já instituído, não faz sentido no caso destes arguidos pois o arguido JJ já tinha indicado outras empresas, em relação às quais até havia prova documental, pelo que, se queria alguém para culpar, já haviam várias empresas candidatas a esse papel.
No fundo, o que estes arguidos pretendem, tal como os outros já aqui analisados, é sobrepor a sua convicção à convicção do Tribunal a quo o que, como vimos já, não é fundamento para se concluir pela existência de erro de julgamento.
As explicações dadas pelo Tribunal a quo ao longo de mais de duzentas páginas de acórdão, permitem compreender o caminho lógico que seguiu na formulação das suas conclusões sendo as mesmas uma perspectiva válida que não carece de substituição por outra.
Pelo que terá de improceder o recurso destes arguidos nesta parte.
O arguido TT começa a sua impugnação da matéria de facto, em especial no que tange ao facto vertido em 480, com recurso a preciosismos linguísticos que, a nosso ver, em termos materiais não permitem concluir pela existência por parte do Tribunal a quo de um “crasso erro analítico”.
Olhemos, primeiro, o que diz o facto vertido em 480:
“480. Antecedeu o arguido SS, como oficial da messe, o arguido TT (oficial, com o posto de Major), que ali exerceu funções no período compreendido entre 27 de setembro de 2006 e 2 de fevereiro de 2015 (até 31 de março de 2007 como Chefe da Secção de Subsistências e, desde essa data, enquanto adstrito à Esquadra de Administração e Intendência, pese embora no período compreendido entre 30 de maio de 2011 e 8 de setembro de 2014 tenha cumulado tais funções com as de comandante da Esquadra de Pessoal).”
O arguido em causa começa por se insurgir contra a nomenclatura “oficial da messe” para depois concluir que não existe a categoria de “gerente da messe”.
Ora, o facto impugnado não revela qualquer inconformismo com a realidade, ainda que tal facto posso não se ter socorrido de expressões especificamente militares.
O que se entende por um oficial na messe é precisamente isso, e que se viu à semelhança de todas as outras messes, a existência de um posto graduado, um oficial, que ora era Capitão ora era Major, que seria coadjuvado por sargentos.
Não se retira do facto em apreço que o Tribunal a quo tivesse atribuído ao arguido em apreço uma categoria militar de “oficial de messe”.
É uma questão de simples português que visa descrever uma realidade e não imitar contextos regulamentares.
O que releva é o facto do arguido TT ter sido um oficial graduado que, de acordo com a tão invocada hierarquia militar, era importante para perceber o eventual papel que poderia ter tido na messe em questão.
De notar que a referência a “oficial na messe” surge precisamente para demonstrar que o arguido SS tinha como antecessor – e é isso que verdadeiramente aqui releva neste facto – o arguido TT.
Por outro lado, a expressão “gerente da messe” foi utilizada inúmeras vezes pelos próprios arguidos militares[124] que assumiram ter ocupado esse “lugar” ou essas funções.
Se existe ou não em termos de nomenclatura militar o cargo de “gerente de messe” – e note-se no facto vertido em 480 essa expressão não se encontra utilizada pelo Tribunal a quo – acaba por ser irrelevante a partir do momento em que parece ser uma expressão que entrou na “gíria” militar e é comumente utlizada pelos próprios militares para designar o chefe de secção de susbsistências.
Por outro lado, o arguido em apreço invoca a “nota de assentos” sem identificar onde a mesma se encontra e qual o seu teor cabal, o que impediria esta Relação de o analisar convenientemente[125], não fora a concreta identificação contida na página 733 do acórdão recorrido.
Mas aquilo que cita “exerceu funções em acumulação na EAI e funções em não acumulação na Esquadra de Pessoal”, não reflecte minimamente o que consta das 15 (!) páginas que integram a nota de assentos deste arguido, sendo que é esta pequena frase, despida dos períodos em questão, que leva a equívocos e não a redacção dada pelo Tribunal a quo ao facto vertido em 480.
E da cuidada e cabal análise da nota de assentos se verifica que o teor do facto vertido em 480 é fidedigno.
Da nota de assentos resulta de forma muito clara, entre muitas outras coisas no longo percurso deste arguido na Força Aérea, que o mesmo foi Chefe de Secção de Subsistências entre 27-09-2006 e 31-03-2007 e que, a partir de 01-04-2007 e até 02-02-2015, passou a desempenhar funções na Esquadra de Administração e Intendência (EAI), sendo certo que entre 30-05-2011 e 08-09-2014 também desempenhou funções na Esquadra de Pessoal.
Constata-se, assim, que o facto vertido em 480 está correcto.
Aliás, é o próprio arguido que afirma que o facto 480 é (apenas) equívoco na sua redacção, no entanto não impugna os sub-grupos fácticos de per se contido em tal facto 480, pois não nega ser oficial, não nega ser major, não nega ter sido Chefe de Secção de Subsistências, não nega ter estado afecto à Administração e Intendência, nem nega ter exercido funções na Administração de Pessoal.
O que releva no facto vertido em 480 e é esse o seu verdadeiro sentido e alcance é que o arguido TT exerceu funções antes do arguido SS na mesma messe e com as mesmas funções.
Impugna ainda este arguido o documento constante de fls. 90 do apenso V, equipa 7, 1º volume, no qual o Tribunal a quo, entre outros meios de prova – incluindo as declarações do arguido EE – se terá baseado por entender que o mesmo, que se traduz numa singela folha de papel, apenas contém uma listagem dos utilizadores do SIG e que nada mais poderia daí ser inferido.
Afigura-se-nos, contudo, após cuidada análise do referido documento, que o arguido não o terá lido adequadamente se não ter-se-ia apercebido que o mesmo identifica os utilizadores do SIG com referência à sua utilização nas respectivas messes.
Vejamos a transcrição de tal documento:
“Bom dia,
No seguimento das alterações decorrentes da implementação de novos interfaces entre o IGCP, ECE e SIGO, nomeadamente no respeitante ao envio de informação de execução orçamental, ocorreram alterações em termos de gestão de períodos em SIGDN.
Desta forma, proceder-se-á ao encerramento automático de períodos em SIG após as 12:00 do último dia útil de cada mês.
Dada a especificidade inerente às Messes, e por forma a que se possam efectuar, unicamente, consumos e recepção de material (circular 24/2012, ponto 6) encontrar-se-á aberto o mês n-1 durante o 1º dia útil do mês n, exclusivamente para os utilizadores abaixo.
Unidade        User SIG        Utilizador                  Centro
BA1/AFA            ...               CAP OO                      ...
BA1/AFA            ...               XXXX                          ...
CFMTFA            ...                CAP II                       ...
CFMTFA            ...                1SAR LL                  ...
BA4                    ...                CAP RR                     ...
BA5                    ...                CAP YYYY                  ...
BA6                   ...                MAJ TT                      ...
CT                    ...                SCH CCC                    ...
DGMFA              ...                SAJ WW                 ...
BALUM               ...               1SAR ZZZZ                 ...
BALUM           ...              1SAR AAAAA              ...
BA11               ...                CAP UU                      ...
BA11               ...                SAJ BBBBB               ...
AM1                ...                CAP CCCCC               ...
AM1               ...                1SAR DDDDD            ...
AT1                ...                SAJ VV                        ...
AT1                ...               1 SAR EEEEE             ...
GAEMFA           ...                MAJ XX                       ...
GAEMFA_CA     ...               MAJ ZZ                        ...
GAEMFA_CA     ...               1SAR BBB                   ...
Excepcionalmente, o mês de fevereiro de 2013 encontrar-se-á aberto até às 12:00 do dia 5 de março.
Cumprimentos.” – os negritos e sublinhados são originários do documento.
Assim, e ao contrário do que o arguido TT pretende demonstrar, retira-se com facilidade que o mesmo estava, de facto, afecto à messe da BA6, sendo que a lista constante do documento em referência contém apenas pessoas ligadas às messes, curiosamente alguns dos arguidos militares consabidamente afectos às mesmas.
De resto, não faria qualquer sentido incluir o arguido TT na referida listagem se o mesmo não tivesse de utilizar o SIG no âmbito de funções na messe conforme se retira das palavras Dada a especificidade inerente às Messes, e por forma a que se possam efectuar, unicamente, consumos e recepção de material (circular 24/2012, ponto 6) encontrar-se-á aberto o mês n-1 durante o 1º dia útil do mês n, exclusivamente para os utilizadores abaixo.”
Não há, assim, qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal a quo no que tange ao documento em referência, nem quanto às conclusões a que o mesmo permite chegar dentro da lógica seguida pelo Tribunal a quo que não se revela inquinada.
Entende ainda o arguido TT que não se podiam valorar as declarações de co-arguidos, sendo de notar que a sua participação no crime de corrupção, no período onde não existe contabilidade documentada, resulta das declarações do arguido EE que, como já vimos e já foi aqui amplamente analisado, assume uma credibilidade que esta Relação entende estar correctamente fundamentada.
E não são os pequenos trechos citados no recurso deste arguido das declarações do arguido EE, que duraram vários dias e muitas horas que têm a capacidade de inquinar o sentido total daquela confissão.
Nem os documentos contabilísticos identificados pelo arguido têm a virtualidade de inquinar quer a fundamentação oferecida pelo Tribunal a quo, quer os factos dados por provados.
No fundo este arguido, como os restantes já aqui analisados, pretende substituir a convicção do Tribunal a quo pela sua própria visão das coisas o que não traduz erro de julgamento, mas apenas discordância quanto ao caminho lógico seguido.
Improcede, assim, o recurso deste arguido nesta parte.
Os arguidos Pac & Bom – Comércio e Serviços, Lda., Chavibom – Comercio e Distribuição Alimentar, Lda. e EEE, à semelhança de outros arguidos centram a sua impugnação da matéria de facto no que, no seu entender, traduz provas proibidas, mormente a prova obtida através da acção encoberta e as declarações de co-arguidos.
Como já amplamente aqui analisado tanto uma como outra traduz prova perfeitamente válida tendo o Tribunal a quo explicado de forma exaustiva e clara como avaliou essa prova, porque a relevou da forma que fez e como é que a mesma leva à fixação da matéria de facto nos moldes que se encontram no acórdão recorrido.
De resto, estes arguidos no seu recurso não explicam que meios de prova é que efectivamente impunham decisão diversa, limitando-se a impugnar de forma genérica a validade formal da acção encoberta e as declarações dos co-arguidos, isto é, invocam a sua ilegalidade, mas uma vez aceite a legalidade de tais provas, não indicam argumentos para invalidar as mesmas de per se, em termos do que materialmente significam para a formação da convicção do Tribunal a quo, sendo que não esclarecem quais o pontos específicos nessas provas que pudessem levar à conclusão que o Tribunal errou na sua percepção do envolvimento destes arguidos no esquema de sobrefacturação e consequente corrupção.
De notar que estes arguidos são talvez os arguidos em relação aos quais existe um manancial de prova de vária ordem, desde escutas telefónicas a contabilidade, nenhuma delas impugnadas em sede de recurso.
Improcede, assim, o recurso destes arguidos nesta parte.
O arguido BB na senda dos outros arguidos que recorrem da matéria de facto invoca a falta de corroboração das declarações do arguido EE por outros meios de prova para inquinar a prova que resulta dessas mesmas declarações.
Conforme já aqui referido o Tribunal a quo fez uma explanação dos vários elementos doutrinários e jurisprudenciais acerca da validade das declarações de co-arguidos, à semelhança do que aqui também se fez para enquadrar a questão.
Não resulta da fundamentação oferecida pelo Tribunal a quo que este entende que a única forma de atribuir validade às declarações de co-arguido é se existir elementos externos que corroborem essas declarações.
Não existe na nossa ordem jurídica a consagração da teoria da corroboração.
É óbvio que, se houver elementos externos que possam ajudar a dar credibilidade às declarações de um arguido, o Tribunal não os deve ignorar mas, o que releva nesta questão, é a credibilidade que as declarações de um arguido merecem e essa credibilidade é aferida da mesma maneira que se afere da credibilidade da vítima que aparece como testemunha única dos factos do crime (como sucede muitas vezes nos crimes de violência doméstica) ou de qualquer outra testemunha.
Contudo, no caso do arguido BB há uma particularidade que não se verifica em relação aos restantes arguidos que foram denunciados pelo arguido EE.
É que, em relação ao arguido BB tudo quanto sabem os arguidos FF, JJ, GG e HH, e ainda o agente encoberto Tenente AAAA, foi-lhes transmitido pelo arguido EE, ou seja, nenhum daqueles arguidos, nem o agente encoberto, alguma vez entregou dinheiro ao arguido BB ou com ele falou sobre o esquema, tendo sido o arguido EE a transmitir que o dinheiro que ia para a DAT era dividido entre si, e os arguidos CC, AA e BB.
Só que, enquanto o arguido EE chegou a entregar dinheiro quer ao arguido CC, quer ao arguido AA, nunca entregou dinheiro ao arguido BB, nem nunca com este teve alguma conversa sobre o esquema e entregas de dinheiro ou sequer esteve na presença do mesmo enquanto os outros arguidos da DAT discutiam pormenores.
Também nunca viu o dinheiro ser entregue pelos outros arguidos, mormente AA e CC, ao arguido BB.
Tudo o que o arguido EE sabe acerca do envolvimento do arguido BB lhe adveio dos arguidos CC e AA.
Vejamos o que disse o Tribunal a quo acerca deste aspecto:
Em relação aos arguidos FF, JJ, GG e HH:
FF (página 642 do acórdão recorrido):
“Acrescentou ainda que mais tarde recebeu um telefonema do arguido EE, perguntando-lhe se podia passar na unidade, e nessa deslocação acabou por questioná-lo sobre os destinatários do dinheiro que ele recolhia, tendo, então, tomado conhecimento de que o mesmo era repartido pelos arguidos AA, CC, BB e pelo próprio arguido EE, nas proporções de 1/3 para cada um dos dois primeiros e de 1/6 para cada um dos dois últimos, respetivamente. E embora o conhecimento desta divisão tenha advindo unicamente do que lhe foi relatado pelo arguido EE, não tem quaisquer dúvidas de que assim o seria na realidade (…)” – sublinhado nosso
GG (página 643 do acórdão recorrido):
“Por sua vez, também o arguido GG corroborou ter conhecimento de que “tinham de dar dinheiro à D.A.T.”, pelo menos desde o ano de 2012, o que lhe foi contado pelo Capitão YYYY (gerente de messe que antecedeu o arguido FF, e que depôs, como testemunha, nos termos que já se referiram). E embora tenha referido que nunca viu serem feitas tais entregas, acabou por confirmar, outrossim, que viu o arguido EE encontrar-se com o arguido FF na messe da Base Aérea n.º ..., e bem assim que durante a gerência do Tenente AAAA acabou por intermediar a entrega, àquele, de um envelope com dinheiro, através do Tenente Coronel FFFFF, o que sucedeu no Hospital ..., no ... (…)” – sublinhado nosso
HH (página 644 do acórdão recorrido):
“Também o arguido HH, nas declarações prestadas, e na parte que ora releva, confirmou que depois de numa primeira fase, entre setembro e outubro de 2013, ter tomado conhecimento – através dos arguidos FF e GG – de que seriam compensados de alguma forma pela sobrecarga do trabalho que a messe implicava -, referiu que após uma deslocação do arguido EE à unidade, o arguido FF desabafou consigo que “afinal aquilo era pior do que imaginavam”, porque havia “pessoal mais graduado metido” (sic), e que envolveria os chefes do arguido EE, falando, concretamente, dos arguidos CC, BB e AA.– sublinhado nosso
JJ (página 645 do acórdão recorrido):
“Posteriormente, na segunda ou terceira semana de outubro de 2014, falou com o arguido EE, que reiterou que os € 500 a entregar correspondiam a aproximadamente 1/3 do montante mensal das regularizações, explicando que o dinheiro não era só para ele, mas que era também para o diretor, subdiretor e chefe da Repartição de Material de Intendência. Neste aspeto em particular, o arguido JJ esclareceu que o seu interlocutor não falou em nomes, mas apenas em cargos, embora soubesse quem eram as pessoas que, à data, os desempenhavam.” – sublinhado nosso
Em relação às declarações do arguido EE o Tribunal a quo referiu o seguinte (páginas 619 a  623 do acórdão recorrido):
Após fazer a recolha do dinheiro nos termos descritos, quando regressava à D.A.T. guardava-o no seu cacifo e depois entregava-o ao arguido CC, podendo entregar-lho logo ou juntando, para tanto, o produto de várias entregas, dado que não existia uma regra certa, e fazia-o no gabinete do mesmo. Por sua vez, o arguido CC ou guardava os envelopes na gaveta, ou colocava-os na pasta de despacho (pasta A3), que costumava estar sobre a secretária. Depois, quando ia a despacho com o diretor - o arguido AA -, entregava-lhe o dinheiro, procedendo este à respetiva divisão, após o que era feito o percurso inverso até a sua quota-parte lhe ser entregue (o que poderia suceder ainda no mesmo dia ou nos dias imediatamente seguintes).
Para justificar tal afirmação, o arguido EE referiu que por vezes viu o arguido CC colocar os envelopes na pasta que levava a despacho, não vendo, porém, o respetivo conteúdo. Os envelopes não tinham qualquer inscrição da respetiva proveniência, com exceção daqueles que eram entregues pela ..., em que o arguido JJ colocava a inscrição dos meses e do destino, sendo que por vezes ele próprio colocava um post-it a indicar quais eram as unidades e os meses.
Mais referiu o arguido que não conferia os montantes, do mesmo modo que o arguido CC também não o fazia, pelo menos à sua frente. De igual forma, nunca o acompanhou ao gabinete do arguido AA e também nunca o viu, diretamente, entregar os envelopes ao segundo, assim como nunca presenciou qualquer entrega ao arguido BB, nem nunca abordou tal assunto com ele, sabendo apenas, a esse respeito, o que lhe foi transmitido pelo arguido CC quanto à divisão do dinheiro proveniente das unidades.
No que a esta divisão respeita, referiu que ainda em meados de 2013 soube, pelo arguido CC, que a repartição desse dinheiro era feita nas proporções de 1/3 para o mesmo, 1/3 para arguido AA, 1/6 para si e 1/6 para o arguido BB.
Depois da saída do arguido CC da R.M.I., em abril de 2016, e porque quem ficou a chefiar aquela repartição, até à promoção do arguido DD, foi o Major GGGGG, que “não estava por dentro”, não só os pedidos de regularização passaram a ser levados diretamente ao arguido AA, que os assinava, por indicação expressa do Major GGGGG (pelo que, apesar de este não lhe ter dito nada em concreto, concluiu que o mesmo não queria assinar as regularizações), como, segundo indicação do próprio arguido CC, as entregas do dinheiro passaram a ser efetuadas diretamente ao arguido AA.
Assim, em execução do que lhe foi transmitido, fez duas entregas ao arguido AA, a primeira em junho ou julho de 2016 (esclarecendo, depois, ter sido em julho, antes das férias), e a segunda em setembro de 2016, respeitando a vários meses, porquanto evitava ligar ou ir às unidades, e reportar-se às entregas entretanto efetuadas pelo ..., ... e .... (…)
Aquando das referidas entregas ao arguido AA, este ficou com os envelopes, sem os abrir, e depois de ter efetuado a divisão voltou a chamá-lo, no mesmo dia ou no dia seguinte, tendo-lhe entregado cerca de € 500 (em julho de 2016), e € 700 ou € 800 (em setembro de 2016), embora também não tivesse por hábito contar o dinheiro.
Esta divisão, mesmo depois da saída do arguido CC, continuou a ser feita pelas mesmas pessoas e nas mesmas proporções, na medida em que crê que aquele continuou a receber até à promoção do arguido DD.
Em setembro de 2016, na segunda quinzena, a propósito da saída do arguido AA, houve uma reunião, na qual esteve presente, assim como o arguido DD (que, entretanto, já tinha assumido as funções de chefe da R.M.I., acumulando-as com as funções de chefe da Secção de Combustíveis), e cujo assunto ou objetivo principal foi aferir a necessidade de reforço do orçamento das unidades.
Mais explicou, de forma convincente, que nessa reunião, e após tratarem do assunto acima referido, o arguido AA falou da distribuição do dinheiro proveniente das messes da U.A.L., referindo que eram € 1.500 de cada unidade, e que era (até então) a dividir pelos três, os arguidos AA, BB e CC, continuando o primeiro a receber até ao final do ano. Nessa medida, tal dinheiro ser-lhe-ia entregue diretamente a ele, por alguém dessas messes, ou através de si próprio, desconhecendo como é que sucedia anteriormente (sendo que para além do que lhe foi contado diretamente pelo arguido AA, nunca viu nada e também nunca chegou a receber qualquer dinheiro proveniente de ... e ...).
(…)
No que diz respeito ao arguido BB, o arguido EE disse que nunca lhe levou qualquer documento relativo aos pedidos de regularização, do mesmo modo que não houve qualquer intervenção direta do mesmo na questão das ementas ou das regularizações, desconhecendo, em concreto, se o subdiretor tinha, inclusivamente, acesso ao S.I.G.. Nessa medida, e embora anteriormente já tivesse surgido o nome do arguido BB relativamente à distribuição do dinheiro proveniente das outras messes (conversa com o arguido CC), quando em setembro de 2016 o arguido AA falou na divisão do dinheiro das messes da U.A.L., de certa forma também foi uma surpresa, porque nunca teve conversas com ele sobre estes assuntos, nem lhe pareceu que o arguido BB andasse preocupado com os mesmos.
O arguido EE acrescentou não saber quantas vezes entregou envelopes com dinheiro ao arguido CC, e também desconhecer as quantias que se encontravam no respetivo interior, uma vez que normalmente não as contava, com exceção de uma ou duas vezes, e afirmou não saber se aquele abria ou não os envelopes, o que nunca viu, pensando que quem procedia a essa abertura era o arguido AA, porque era quem fazia as divisões, mas também não o presenciou, mesmo nas duas ocasiões em que lhos levou diretamente.– sublinhado nosso
Da conjugação destas declarações se retira que, tudo quanto os arguidos das messes de ... e da ... souberam acerca do envolvimento do arguido BB lhes adveio do arguido EE, sendo que nenhum daqueles 4 arguidos falaram com o arguido BB ou lhe entregaram qualquer valor, aliás, as messes entregavam o dinheiro sempre ao arguido EE e nunca directamente na DAT.
E tudo quanto o arguido EE sabe acerca do possível envolvimento do arguido BB lhe adveio dos arguidos CC e AA, sendo que também nunca teve qualquer conversa com o arguido BB acerca do esquema corruptivo ou entrega de valores, nunca entregou dinheiro ao arguido BB nem nunca viu dinheiro a ser-lhe entregue.
E quem podia ter confirmado o que disse ao arguido EE e, mais importante, confirmar se houve ou não entrega de dinheiro ao arguido BB e se este efectivamente recebia 1/3 dos valores entregues pela UAL ... e ... e 1/6 dos valores entregues pelas outras messes seriam os arguidos CC e AA os quais, embora não se remetendo ao silêncio, tendo prestado declarações em sede de julgamento, negaram qualquer envolvimento no tal esquema.
Assim, e pese embora se aceite, por tudo quanto temos vindo a referir, que as declarações do arguido EE são merecedores de credibilidade, essa credibilidade só pode fundamentar situações que o mesmo presenciou ou nas quais participou directamente, não podendo o “ouvi dizer” ou “disseram-me” servir para se condenar penalmente uma pessoa.
É certo que o Tribunal a quo socorreu-se de prova documental para de certo modo concluir que aquilo que o arguido EE disse acerca do que ouviu dizer acerca do arguido BB era verosímil, mais concretamente socorreu-se de dois documentos juntos a fls. 11 e 12 do apenso V – equipa 2, que foram encontrados no posto de trabalho do arguido BB na DAT no dia 03-11-2016 quando aí se fez uma busca.
Vejamos.
O primeiro dos dois documentos traduz uma simples folha com uma tabela (não sendo possível saber se é em excel ou em word), com três colunas, sendo que a primeira, a contar da esquerda, contém valores numéricos, sendo o mais elevado 1.000,00 e o mais baixo 100,00 sem indicação de tratar-se de euros ou outro tipo de valor monetário.
Em frente a cada valor numérico, ou seja, na coluna do meio, está uma data, sendo a primeira 04-01-2016 e a última 22-09-2016, embora no final da lista encontra-se manuscrito em marcador preto o valor 1.000,00 e a data 18-10.
Na terceira coluna sob a epígrafe “observações” estão outras datas, nem sempre à frente de cada linha com valor, mas nas linhas onde aparece verifica-se que a data é anterior à data da coluna do meio.
Por exemplo: na primeira linha está 1.000,00 na primeira coluna, com a data 4-jan-2016 na coluna do meio e na última coluna está Novembro 2015.
Ou seja:
1.000,00               4-jan-2016          Novembro 2015
No topo do documento aparece centrado o ano 2016 e no fundo do documento, já fora da tabela, na parte inferior esquerda está, numa linha, o valor 18.000,00 e noutra linha imediatamente abaixo o valor 106.076,50.
Ou seja:
2016
1.000,00               4-jan-2016        Novembro 2015
……
……
18.000,00
106.076,50
O segundo documento, traduz um gráfico de barras com um título ESTIMATIVAS do lado esquerdo no topo da folha e logo abaixo com a palavra DESIGNAÇÃO à frente do qual se encontra uma numeração de 1 a 12 em colunas.
Abaixo estão o que aparentam ser siglas: Gap, Dep, At, S1, M6, O2, B11 e M5 e à frente de cada “sigla” está uma barra verde que se estende ao longo dos números de forma diferente consoante a “sigla” sendo ainda de notar que, em relação às “siglas” Dep, At, S1, M6, O2 e B11 a barra foi extendida à mão num verde mais claro.
A extensão das barras não é uniforme.
Ora, e no que tange a estes dois documentos o Tribunal a quo diz o seguinte nas páginas 652 a 654:
“Aliás, se analisarmos os documentos de fls. 11 e 12 do Apenso V, Equipa 2 (intitulado de documento n.º 5), apreendidos no gabinete n.º 33 da D.A.T., pertencente ao arguido BB (cf. auto de busca e apreensão de fls. 1475 a 1478), dos quais, em nosso entender, se conclui que o arguido BB também recebeu dinheiro proveniente das messes, não tendo o arguido EE mantido quaisquer contactos ou conversas com o mesmo acerca deste assunto, é óbvio que o circuito interno do dinheiro correspondeu, necessariamente, ao que por ele foi descrito, consentâneo, inclusivamente, com a estrutura hierárquica da própria D.A.T., em que o chefe da R.M.I. depende diretamente do diretor e não do subdiretor.
E, aqui chegados, compete esclarecer ter sido, de facto, o teor dos aludidos documentos de fls. 11 e 12 do Apenso V, Equipa 2, que corroborando, em certa medida, as declarações do arguido EE quanto à repartição do dinheiro entre os elementos da D.A.T., permitiram ao Tribunal a formulação de um juízo probatório positivo acerca da pertinente factualidade. Curiosamente, e não fora a divisão das quantias provenientes das messes de ... e ... ser em proporção distinta (recebendo o arguido BB 1/3 e não 1/6, conforme sucedia relativamente às outras unidades), sempre se diria que o documento de fls. 11, relativo ao ano de 2016, onde sob a tabela se referem as quantias de “€ 18.000” e de “€ 106.076,50”, reflete, efetivamente, a proporção que cabia ao arguido BB (já que 1/6 de € 106.076,50 são exatamente € 17.679,42).
E independentemente das várias interpretações que possam ser sugeridas, ficou para nós clarividente que as siglas “M5”, “B11”, “O2”, “M6”, “S1”, “At” e “Gap” correspondem, sem dúvida, às Bases Aéreas de ... (n.º …), ... (n.º …), ... (anteriormente denominada de Base Aérea n.º …), ... (n.º …) e ... (n.º …), bem como ao Aeródromo de Trânsito (A.T.1), e às messes da U.A.L, ... e ... (sendo a U.A.L. anteriormente denominada de Grupo de Apoio (ao Estado-Maior), assim como estamos em crer que “Dep” também se refere ao Depósito Geral de Material da Força Aérea (pese embora tal factualidade não tenha ficado provada, pelas razões anteriormente apontadas), sendo absolutamente inverosímil a versão apresentada por este arguido, quando foi submetido a interrogatório perante o Ministério Público, de que os aludidos documentos estariam relacionados com a sua atividade paralela de contabilista, referindo-se, designadamente, a um putativo cliente, sobre o qual não quis prestar quaisquer esclarecimentos, e a um cronograma da atividade dos seus clientes, feito há uns anos atrás por um estagiário, cujo nome também não recorda, correspondendo tais siglas a códigos de aceso a um programa de contabilidade.
Dir-se-á ter ficado demonstrado que o arguido BB, enquanto subdiretor, não tinha qualquer intervenção na aprovação/autorização das regularizações de stocks, bem como no controlo ou fiscalização dos consumos, centrando-se a sua atividade na D.A.T. na área dos transportes, na representação da Força Aérea junto de entidades externas e na substituição do diretor apenas nas ausências deste, ou seja, nos respetivos períodos de férias.
Não temos dúvidas, pois, de que tal assim sucedeu, questão que não invalida, no entanto, que as quantias auferidas fossem igualmente repartidas por ele, e cuja explicação reside no facto de o mesmo, para além de estar há mais tempo na D.A.T. do que os restantes, necessariamente ter de conhecer esta prática, pelo simples facto de ser o substituto do diretor na respetiva ausência, ainda que se conceba que tal apenas sucedeu durante os respetivos períodos de férias.”
Em relação aos dois documentos em apreço o arguido BB que, embora não tendo prestado declarações em sede de julgamento, foi ouvido em sede de inquérito, perante o MºPº, em 04-07-2017 (auto de interrogatório junto a fls. 4986 e ss dos autos – volume 17º), referiu o seguinte:
“Confrontado com a primeira fls. do Documento 5 do mesmo Apenso[126]refere que o mesmo tem a ver com a sua actividade profissional de contabilista e concretamente com um putativo cliente relativamente ao qual não pretende prestar mais esclarecimentos.
Confrontado com a segunda fls. do Documento 5[127] com o título “estimativas” responde tratar-se de um cronograma de actividades dos seus clientes de contabilidade feito há uns anos atrás por um seu estagiário de contabilidade, cujo nome não recorda. Perguntado sobre o significado das siglas da coluna da esquerda responde que são códigos de acesso a um programa de contabilidade. Perguntado concretamente se a sigla M5 pode significar ... – BA5, a sigla B11 pode significar ... – BA11, a sigla O2 pode significar ... – antiga BA2, a sigla M6 pode significar ... - BA6, a sigla S1 pode significar ... – BA1, a sigla At pode significar Aérodromo de Trânsito ..., a sigla Gap pode significar Gabinete de Apoio do Comando Operacional da Força Aérea de ... responde que não, mantendo a afirmação de que as siglas são códigos de acesso a um programa de contabilidade.”
Ora, se não temos dúvida que estas explicações adiantadas pelo arguido BB não se afiguram minimamente credíveis, também se nos afigura que o raciocínio seguido pelo Tribunal a quo para validar os dois documentos como prova de que o referido arguido estivesse implicado no esquema, se mostra inquinado.
Vejamos, começando, primeiro, pelas explicações do arguido BB.
Em primeiro lugar, arguido BB referiu ao MºPº que “é sócio de uma empresa de contabilidade designada «Ac... Lda.» desde 2001 exercendo a actividade de contabilista … fora do seu horário de trabalho enquanto militar (…)” e que “a empresa tem um volume de negócios ronda os 50000€ anuais, que vem diminuindo nos últimos anos (…) e que o rendimento anual do seu agregado familiar ronda os 104.000€ - 108.000€.”.
Se o arguido BB exerce a sua actividade de contabilista fora do seu horário de trabalho porque motivo estariam no seu posto de trabalho dois papéis pertinentes à sua actividade extra-laboral?
E se o volume de negócios ronda os € 50.000,00 anuais e estava já a diminuir como é que se explica o valor de 106.076,50 que embora não tenho qualquer cifrão, leva a crer ser um valor monetário, ou mesmos os 18.000,00 aparentemente proveniente de um único cliente que também não identificou?
E porque motivo tinha guardado no seu posto de trabalho na DAT um papel, ademais elaborado por um estagiário cujo nome não se lembra, com códigos de acesso a um programa de contabilidade?
E porque é que um documento pretensamente referente a contabilidade tem o título estimativas? Não é suposto haver organização na contabilidade dos clientes? A contabilidade não assenta em documentos fiscais concretos?
Por fim, a explicação de que as tais siglas seriam códigos de acesso não encontra qualquer razoabilidade nem eco com as regras da experiência comum, afigurando-se nos que, até pelo local onde o gráfico foi encontra – no posto de trabalho do arguido na DAT – que se referem efectivamente às várias bases aéreas.
Mas, apesar de todas estas discrepâncias e inverosimilhanças nas explicações dadas pelo arguido BB a verdade é que também não conseguimos fazer o salto lógico que o Tribunal a quo faz para sustentar que tais documentos provam, com a segurança necessária, que o arguido BB recebia dinheiro das messes e estava implicado no esquema.
Vejamos porquê.
O Tribunal a quo entende que o número 18.000 que se encontram na parte esquerda, em baixo, da tabela se refere a 1/6 do valor 106.076,50 que igualmente se encontra indicado em tal documento.
Ora, em primeiro lugar, o número 106.076,50 não faz qualquer sentido, nem tem qualquer correspondência com os valores apurados pelos Tribunal a quo nos factos vertidos em 83 (Assim, o valor total recebido pela D.A.T. e pelos seus elementos, os arguidos AA, BB, CC e EE, entre janeiro de 2013 e agosto de 2016, inclusive, foi, pelo menos, no montante de € 246.300 (duzentos e quarenta e seis mil e trezentos euros), sem prejuízo dos factos dados como provados em 88) e 89)), 88 (A totalidade das quantias mensalmente recebidas das messes das unidades acima referidas, com exceção das messes da U.A.L. – ... e ..., no montante total de € 114.300 (cento e catorze mil e trezentos euros), foi dividida da seguinte forma:  - Um terço (1/3) era para o arguido AA;  - Um terço (1/3) para o arguido CC;  - Um sexto (1/6) para o arguido BB; e   - Um sexto (1/6) para o arguido EE) e 89 (A messe de ..., através do arguido XX, com o posto de Major, e a messe de ..., através do arguido ZZ, então com o posto de Major (atualmente Tenente-Coronel), entregaram à D.A.T. a quantia de € 1.500 por mês, fazendo-o diretamente ao arguido AA, num total de € 132.000 (cento e trinta e dois mil euros), quantias que eram divididas em três partes iguais: uma para o próprio arguido AA, outra para o arguido BB e outra para o arguido CC.), como bem observa o arguido no seu recurso.
Sendo que o apuramento dos valores entregues por cada messe à DAT, constante das tabelas ínsitas nos factos vertidos em 84 a 87, e em especial nas tabelas constantes dos factos plasmados em 86 e 87, referentes, respectivamente, aos anos de 2015 e 2016 não encontram qualquer correspondência, quer com o valor 106.076,50, quer com os valores parcelares constantes da tabela apreendida no posto de trabalho do arguido.
Por outro lado, como refere o arguido BB a operar-se a divisão dos valores apurados pela correspondente parte que lhe caberia no esquema, 1/3 dos valores provenientes da UAL ... e ... e 1/6 das restantes messes o valor que lhe caberia desde 2013 a 2016 fica muito aquém dos 106.076,50 e muito acima dos 18.000,00.
Em segundo lugar, o número 106.076,50 é estranho na medida em que todos os pagamentos afectuados foram sempre em número redondos, como € 500,00, €1.500,00 ou mesmo € 150,00.
Não há qualquer referência nos autos, quer documental, quer testemunhal ou por declarações de arguidos que fossem entregues valores como € 76,00 ou cinquenta cêntimos, nem isso faria qualquer sentido.
No entanto, o valor em causa – 106.076,50 – traduz um número exacto ao cêntimo e, como se disse, não tem qualquer correspondência aos valores apurados pelo Tribunal a quo e discriminados nos factos vertidos em 83 a 89.
Em terceiro lugar, e é aqui que o Tribunal a quo faz um salto que não tem qualquer suporte nos elementos objectivos que tinha ao seu dispor e, portanto, não tinha base suficiente para extrapolar o seu raciocínio, o Tribunal a quo conclui que os 18.000,00 anotados em baixo traduzem 1/6 dos 106.076,50 correspondente à parte que caberia ao arguido BB.
Ora, 18.000,00 não é 1/6 de 106.076,50 como o próprio Tribunal a quo aferiu porque fez as contas, sendo que 1/6 deste valor é 17.679,42.
Se não faz sentido haver um arredondamento para 18.000 quando o valor 106.076,50 não foi arredondado, e foi mantido ao cêntimo, menos sentido faz quando se apercebe que os 18.000 são, nada mais, nada menos, do que a soma de todos os valores inscritos na primeira coluna.
E, na verdade, os 18.000 não terá tomado em consideração o último valor inscrito, à mão, de 1.000,00 que eleva a soma para 19.000.
A conclusão de que os 18.000 é 1/6 de 106.076,50 não tem, assim, qualquer suporte objectivo no documento em referência.
Além do mais, o arguido BB receberia 1/6 de todas as messes à excepção da UAL ... e ... em que a divisão se faria na proporção de 1/3.
Ora pergunta-se como é que encaixa este 1/3, ainda que em referência apenas à UAL nos valores que constam da tal tabela?
São demasiados saltos na lógica sem sustentação fáctica suficiente.
E mesmo que se possa considerar que no gráfico de barras o que está contemplado são as bases aéreas, do mesmo não se consegue retirar nada de substancial uma vez que não se encontram anotados valores, nem datas, sendo até natural que o arguido BB pudesse ter no seu posto de trabalho elementos referentes às bases[128].
Aliás, nenhum dos dois documentos contém nomes, desconhecendo quem seria o seu autor, ou mesmo o momento da sua elaboração, embora se possa concluir com alguma segurança que, no que tange à tabela, dado que foi acrescentado à mão um valor com a data de 18-10 que o mesmo teria sido elaborado algures em finais de setembro de 2016, por ser a última data contemplada em termos informáticos.
Ora, se é verdade que as explicações oferecidas pelo arguido BB deixam muito a desejar, a verdade é que o mesmo beneficia de uma presunção de inocência, cabendo ao MºPº, na qualidade de acusador público, de fazer prova que possa levar à ilisão dessa presunção.
Só se a prova tivesse sido realizada com a segurança que se exige no processo penal é que, então, caberia ao arguido tentar refutar essa prova.
Ora, a prova de que dispomos em relação ao arguido BB são as declarações do arguido EE que nada viu e nada presenciou em relação ao arguido em apreço, sendo que todo o conhecimento que tem foi veiculado através dos arguidos CC e AA, que, por sua vez, nada confirmaram, e até negaram.
E dois documentos que, como vimos, não têm a capacidade de sustentar aquelas declarações, tendo o tribunal a quo extrapolado para além do que é razoável retirar-se dos documentos chegando a conclusões que, a nosso ver, não têm suporte fáctico bastante.
Pode-se suspeitar, e pode-se até duvidar das intenções do arguido mas isso não basta para uma condenação.
A nosso ver, existe uma dúvida razoável que deveria ter sido julgada a favor do arguido através da figura do in dúbio pro reo.
Não porque se entenda que o arguido BB seja, de facto inocente, mas porque a prova produzida não chega para o condenar.
Neste aspecto afigura-se-nos que as observações efectuadas pelo arguido BB na sua motivação de recurso são pertinentes e válidas e suficientes para pôr em causa, no que a si diz respeito, a convicção a que o Tribunal a quo chegou devendo o ser dado provimento aoseu recurso nesta parte e assim, o mesmo ser absolvido.
Consequentemente, todos os factos que implicam o seu envolvimento no esquema, em especial, através do recebimento de valores têm de ser corrigidos, expurgando-se o nome deste arguido dos mesmos.
Procede, assim, o recurso deste arguido.
Quanto ao arguido MM o mesmo impugna a matéria de facto que identifica com base na invalidação das declarações do arguido JJ.
Dá-se aqui, por reproduzidos, todos os considerandos já efectuados acerca da validade das declarações de co-arguido, sendo que, e ao contrário do que sucedeu com o arguido BB e as declarações do arguido EE que a si diziam respeito, o arguido JJ já revela conhecimento directo dos factos, tendo sido o próprio a dividir o dinheiro, que depois entregava aos seus sargentos, por igual, ou seja, pelo arguido LL, pelo arguido MM e pelo arguido NN.
E pese embora o arguido MM tenha prestado declarações e tenha negado qualquer envolvimento no esquema, o mesmo admite ter recebido dinheiro do seu superior hierárquico, JJ, embora alegue que esse dinheiro era para pagar as horas extraordinárias que fazia nos eventos especiais.
Da cuidada análise da fundamentação oferecida pelo Tribunal a quo não se vislumbra qualquer incongruência ou impossibilidade lógica no que tange ao crédito que deu às declarações do arguido JJ em detrimento do que afirmou o arguido MM.
É que não se entende porque motivo o arguido, sargento e integrado em funções específicas na messe, havia de receber horas extraordinárias, ademais fora do seu vencimento normal e pagas em dinheiro.
Invoca o arguido MM as declarações do arguido II (prestadas em sede de inquérito) que terá justificado o pagamento de horas extraordinárias em dinheiro ao pessoal que participa nos eventos especiais – jantares e almoços realizados fora do expediente normal e para fins que poderiam ser particulares – porque as pessoas não queriam passar recibos verdes; no entanto, este argumento, se pode até fazer sentido para pessoal civil recrutado para servir as mesas, já não faz qualquer sentido para o pessoal militar que está num regime fiscal diferente por ser servidor do Estado e não passar recibos verdes.
Por outro lado, o arguido MM era militar afecto especificamente à messe da ... e não era empregado de mesa, nem da cozinha, ainda que estes pudessem também ser militares.
Se, de facto, os militares que estão nas messes trabalham muito mais horas do que os outros militares, a situação das horas extraordinárias teria de estar contemplado no seu vencimento e se não estava só se pode concluir que a compensação dessas horas extraordinárias não podia ser obtida através do apossamento de verba utilizada para compras de bens alimentares para a messe.
É certo que o arguido JJ disse que pagava as horas extras aos militares e civis que faziam especificamente os eventos especiais, mas a verdade é que o esquema de que este arguido falou e que implicou entregas regulares, mensais, de dinheiro quer à DAT, quer aos fornecedores, quer aos militares envolvidos na messe, era muito mais abrangente do que os eventos especiais.
Assim, há que perguntar o seguinte: se, de facto, o dinheiro que o arguido MM recebeu era apenas pelas horas extraordinárias que fazia nos eventos especiais porque motivo o dinheiro recebido da sobrefacturação era distribuído mensalmente por si, pelo arguido JJ, e pelos arguidos LL e NN, bem como o arguido KK?
Aliás, para se poder falar em horas extraordinárias teria o arguido MM primeiro que esclarecer qual era o seu horário normal na messe.
Até porque do que alega parece que só estaria em causa as horas que faria nos eventos especiais.
Pergunta-se, então, o que fazia nos eventos, qual a sua função, se durante o dia na messe recebia mercadoria que conferia?
Parecendo resultar das declarações do arguido JJ que o que pagava extra nos eventos especiais era para os empregados e cozinheiros que ficavam a servir os jantares.
Por fim, argumenta o arguido MM que nas buscas realizadas na messe foram encontrados apenas € 320,00 na sua mesinha de cabeceira e envelopes na posse do arguido JJ que o mesmo identificou como sendo os valores que eram para ser entregues na DAT, sendo que chama a atenção para o facto de não haver, de entre esses envelopes, nenhum destinado a si ou seus colegas de messe.
Quanto a este último aspecto há a referir que resultou claro das declarações do arguido JJ que o primeiro dinheiro que era retirado das verbas que recebia dos fornecedores eram os valores devidos à DAT e ao major KK, sendo que o que sobrava era então dividido por si e os arguidos LL, NN e o arguido MM.
Por isso, faz todo o sentido que só houvessem envelopes destinados à DAT porque as entregas na DAT faziam-se através do arguido EE e este não se deslocava todos os meses à messe em questão, enquanto que o dinheiro que era para ser distribuído pelos militares na messe era logo no acto distribuído, não havendo necessidade de envelopes.
Quanto aos € 320,00 encontrados na sua mesinha de cabeceira, embora não se trate de uma fortuna a verdade é que, sendo o arguido pago por transferência bancária – como o diz o arguido II para justificar porque motivo teria de pagar em dinheiro e à parte as horas extraordinárias dos eventos especiais – não se compreende porque motivo teria esse valor consigo, ademais dormindo nas instalações militares como parece ter sido o caso.
Quanto aos trechos citados no seu recurso, os mesmos não têm a virtualidade de inquinar a convicção a que chegou o Tribunal a quo quanto à participação deste arguido, motivo pelo qual deve improceder o seu recurso nesta parte.
O arguido XX começa por se insurgir contra a valoração que o Tribunal a quo deu ao documento fls. 90 do apenso V, equipa 7, 1º volume, sendo de notar que a análise desse documento já foi por nós realizada supra aquanda da análise do recurso do arguido TT.
Entendendo o arguido XX que do mesmo não se pode concluir que fosse o único a utilizar o SIG.
No entanto, olhando novamente o documento cujo teor supra citamos verificamos que este arguido, que chefiava a messe da UAL ..., é o único utilizador do SIG dessa messe, sendo que o seu colega, o co-arguido YY não consta do documento, pelo que, podemos concluir com segurança que era, de facto, o arguido XX quem trabalhava no SIG, a ele acedia e nele efectuava as respectivas operações.
Argumenta ainda este arguido que, por exemplo, no que se refere ao documento de fls. 111 do apenso V – equipa 102, volume 1, a indicação de 25% não permite a conclusão de que se tratava da tal percentagem que cabia ao respectivo fornecedor uma vez que o mesmo teria de pagar IVA a 23% e portanto ficaria a perder.
Olhando o documento em apreço a primeira coisa que se retira é que o mesmo traduz uma tabela com três colunas, sendo a primeira destinada a identificar o nº da factura, a segunda a data e a terceira o respectivo valor.
Na parte final da tabela está o total das facturas, o total das guias que não consta da tabela individualizadas, um subtotal desses dois valores, seguida de uma percentagem de 25% e um valor total final.
Em primeiro lugar, não se consegue retirar da tabela se os valores têm ou não IVA mas, dizendo respeito a facturas identificadas, o lógico seriam os valores conterem já o IVA, se não teria de haver uma coluna à parte onde o IVA estivesse identificado.
Em segundo lugar, o arguido XX parte do pressuposto que o IVA seria sempre de 23% quando, o documento em causa se refere à arguida Doce Cabaz, Lda. que fornecia muitos produtos com IVA a 6% e 13%.
Por fim, ainda que os valores em apreço não tivessem o IVA incluído, o que se estranha, a percentagem prevista é de 25% e não de 23% pelo que a referida percentagem não só não pode ser atribuída ao IVA, como a mesma ainda permitira ao fornecedor obter uma pequena margem de lucro de 2%.
Ora o arguido descura que no mesmo apenso V – equipa 102, duas folhas atrás, ou seja, a fls. 109 consta o mesmo tipo de tabela destinada à BA1 em que a percentagem indicada já não é de 25% mas de 10%.
Já a tabela de fls, 46 do mesmo apenso V – equipa 102 referente à messe do ... tem uma percentagem de 25% enquanto que a messe da DGMFA, a fls. 30, tem prevista uma percentagem de 10%.
Ou seja, no apenso V – equipa 102 o que temos são documentos informáticos que tabeliam valores de facturas, os seus totais e, consoante a base aérea em questão, prevê percentagens ou de 25% ou de 10%.
Afigura-se-nos que estas percentagens são efectivamente os valores acordados entre a Doce Cabaz, Lda. e as várias messes que servia, dentre as quais a de ... conforme já vinha sendo referido pelos vários arguidos que confessaram.
De resto, o arguido XX impugna a validade das declarações do arguido EE bem como a validade da acção encoberta para inquinar a convicção do Tribunal a quo sobre o qual já aqui nos pronunciamos, sendo que os excertos e as observações que este arguido faz acerca daquelas declarações, e demais prova documental produzida, não tem a capacidade de permitir substituir a convicção do Tribunal a quo pela sua.
Ao contrário do que sucedeu com o arguido BB, em que o Tribunal a quo se excedeu na análise que efectuou de dois documentos, únicos aptos a ligar tal arguido ao esquema em apreço, no caso do arguido XX não há a menor dúvida que o mesmo, enquanto gerente de messe de ..., que utilizava o SIG e tinha na sua posse um manancial de facturas, guias de remessa e outros tantos documentos, associado aos documentos apreendidos à Doce Cabaz, Lda. revela ter estado dentro do esquema de sobrefacturação, sendo de notar que o facto da messe de ... ter de efectuar regularizações mensais na ordem dos € 4.500,00 para poder entregar a DAT os € 1.500,00 e de que, por vezes, essas regularizações teriam um valor inferior àqueles € 4.500,00 não significa que não existisse um plafond pre-definido de € 4.500,00 do qual se retiravam os € 1.500,00 sob pena de não ser possível entregar esta verba se as regularizações fossem, de facto, todas consumidas.
De resto, o que se constata é que este arguido pretende apenas sobrepor a sua convicção sobre a do Tribunal a quo sem indicar argumentos que efectivamente levem a questionar a razoabilidade da versão do Tribunal a quo que se mostra consentânea com a prova efectivamente produzida.
Improcede, assim, o recurso deste arguido nesta parte.
Os arguidos FFF e Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda.        para impugnar os factos que identificam no seu recurso invocam a invalidade da prova obtida pelo agente encoberto, e impugnam as declarações do arguido JJ.
Dando por reproduzido o que já vem sendo dito acerca destes dois tipos de prova constata-se que os excertos dos depoimentos das testemunhas que indica não têm a capacidade de inquinar a convicção a que o Tribunal a quo chegou com a análise aturada e conjugada de toda a prova.
Aliás, supra tivemos já a oportunidade de nos pronunciarmos acerca dos depoimentos das testemunhas indicadas por estes arguidos no seu recurso[129] demonstrando que os mesmos não chegam para que esta Relação proceda à alteração da matéria de facto nos termos requeridos.
Ademais, estes arguidos não serviam apenas a messe da ..., mas também uma série de outras incluindo a da ... em relação à qual falou o arguido FF.
Por outro lado, não podem ser descuradas as inúmeras escutas telefónicas efectuadas ao arguido FFF em especial no dia em que a PJ foi até ao seu escritório sendo que se pode ler no apenso IV – alvo 83415040 o seu verdadeiro pânico que a PJ levasse os computadores, o que é pouco consentâneo para uma pessoa que não tivesse nada a esconder.
O arguido FFF foi ainda condenado como autor do crime de detenção ilegal de arma sendo que também impugna a convicção do Tribunal no tocante a esta situação oferecendo as declarações das testemunhas por si arroladas que falaram sobre o assunto.
Acerca desta situação o Tribunal a quo referiu nas páginas 762 e 763 do acórdão recorrido o seguinte:
“Já no que respeita à guarda e detenção, pelo arguido FFF, no dia 3 de novembro de 2016, de uma arma elétrica e de um bastão extensível, o Tribunal atendeu ao teor do auto de busca e apreensão de fls. 2142 e ao auto de exame direto de fls. 7337, comprovativos de que tais armas se encontravam no gabinete do arguido na Portral, L.da, e bem assim das respetivas características. 
Em sede de julgamento, a testemunha HHHHH e as testemunhas de defesa CCCC, DDDD e EEEE vieram referir que tais armas haviam sido encontradas cerca de duas a três semanas antes da realização das buscas, nos jardins da Portral, pelo arguido FFF e pela primeira testemunha acima identificada, estando em crer que haviam sido ali deixadas durante o assalto ocorrido às instalações, e destinavam-se a ser entregues às autoridades. Ora, conforme resulta da prova documental junta pelo próprio arguido a fls. 12512 e seguintes, o assalto às instalações daquela empresa, no qual levaram um cofre, ocorreu no dia 27 de julho de 2014, conforme auto de notícia de fls. 12512 e 12513. Ainda que se admitisse como possível que a arma elétrica e o bastão tivessem sido ali deixados, efetivamente, por ocasião do furto (muito embora, diga-se, de acordo com as regras de experiência comum, o taser não seja um tipo de arma comummente utlizada para o efeito), afigura-se inverosímil que os mesmos apenas tivessem sido encontrados mais de dois anos depois. E não se diga que estavam escondidos no jardim, porquanto, para além de ser necessário tratar deste, certamente, na altura, terão percorrido as instalações, na tentativa de encontra o cofre que dali foi retirado. 
Mas mesmo concedendo nesta versão, na qual, porém, não acreditamos, então deveria o arguido FFF, em vez de ter guardado as armas no seu gabinete, entregado às autoridades policiais, o que não fez. 
Destarte, ficou o Tribunal convencido de que as armas apreendidas pertenciam ao arguido, que no dia da busca tinha a sua posse e guarda efetiva.” 
Do confronto dos excertos das declarações apresentados pelo arguido com a fundamentação do Tribunal a quo ora citado não se consegue retirar que essa convicção se mostre de alguma forma inquinada, ou sequer que mereça qualquer reparo, tendo seguido um caminho perfeitamente lógico e consentâneo com as regras da experiência comum que a prova efectivamente consente.
Improcede, assim, o recurso destes arguidos nesta parte.
Os arguidos III e A... Lda. também impugnam a convicção do Tribunal a quo quanto á fixação dos factos que enumeram e que lhes dizem respeito, contudo, em nosso entendimento, sem razão.
Aliás, são os próprios recorrentes que no artº 122 das suas motivações denunciam aquilo que efectivamente está em causa no seu recurso, a sobreposição da sua convicção, ou sua leitura da prova, sobre a do tribunal.
Vejamos.
No artº 122º das motivações dizem os arguidos:
“Sendo estes também os documentos indicados na douta Decisão recorrida que alicerçaram o convencimento do Tribunal, então, diz-nos a experiência comum que, abre-se toda uma série de possibilidades interpretativas que apontam em mais do que uma direcção, que não a acolhida pelo Acórdão recorrido.”
Ora, é precisamente este o problema com praticamente todos os recursos que temos vindo a analisar a nível de erro de julgamento.
O que tem de ser sindicado é se a convicção alcançada pelo Tribunal a quo assenta numa análise lógica e consentânea com as regras da experiência comum no que tange à prova e não se essa convicção traduz uma de várias possibilidades.
A lei é clara quando fala em “impor” decisão diversa e não escolher entre várias possibilidades de interpretação.
No caso do recurso do arguido BB constatamos, de facto, que a convicção a que o Tribunal a quo chegou não era de todo possível com os elementos de que dispunha.
Essa situação é, contudo, diferente das restantes situações aqui focadas em que apenas estão em causa convicções alternativas sem que aquela seguida pelo Tribunal possa ser de todo inviabilizada.
Ora, o facto de haver documentos manuscritos, eventualmente à pressa para satisfazer um pedido de última hora ou de urgência – como terá referido o arguido MM quanto a necessitarem, por exemplo, de pêras e do arguido III se encontrar perto das instalações e capaz de fornecer naquele momento – não significa que os restantes documentos sejam invalidados, nem que tenham sido estes documentos escritos à mão que levou à condenação destes arguidos.
Não é isso que resulta da fundamentação oferecida pelo Tribunal a quo.
Sendo que não é verdade que o arguido JJ não tivesse feito referência às percentagens devidas aos comerciantes e, em especial, relativamente a estes argidos em particular.
De resto, as observações efectuadas acerca da validade das declarações de co-arguido e do agente encoberto já foram amplamente aqui analisadas não merecendo mais considerações, sendo que os arguidos em apreço não oferecem algo que permita inquinar a convicção do Tribunal a quo apenas oferecem uma narrativa alternativa.
Improcede, assim, o recurso destes arguidos nesta parte.
O arguido OO entende que o Tribunal a quo alicerçou a sua convicção nas declarações do arguido II, prestadas em sede de inquérito, e lidas em tribunal, as quais não podem valer contra qualquer outro arguido uma vez que II não prestou declarações em sede de julgamento.
Quanto à problemática da validação das declarações de arguido que confesse e com tal implica outros já vimos que há a limitação imposta pelo nº 4 do artº 345º do CPP.
Ora, vejamos, antes de mais o que o Tribunal a quo concretamente disse[130]:
“Decorrente dos meios probatórios referenciados, cumpre ainda explicitar o raciocínio lógico e crítico realizado pelo Tribunal Coletivo, que conduziu à respetiva conclusão acerca do período temporal em que esta prática decorreu, nomeadamente quanto ao seu termo inicial. 
Ora, a este propósito, cumpre relembrar, em primeiro lugar, a circunstância de o arguido II, da messe da ..., ter admitido que começou a entregar dinheiro à D.A.T. ainda no ano de 2011; em segundo lugar, o facto de o arguido GG ter balizado o início dessa mesma entrega por parte do gerente da messe da B.A. n.º …, à data o Capitão YYYY, no ano de 2012; e, por fim, o circunstancialismo que rodeou a tomada de conhecimento, pelo arguido EE, em setembro ou outubro de 2012, desta prática de recebimento de quantias monetárias provenientes das unidades e respetiva divisão pelos elementos da D.A.T., preponderando, neste aspeto, o facto de ter sido o arguido OO a dar-lhe o conhecimento inicial dessa prática, numa altura em que já não se encontrava a chefiar a Secção de Subsistências da D.A.T. há quase um ano (ou seja, desde 19 de dezembro de 2011), pese embora, mesmo depois de ter assumido a gerência da messe da Base Aérea n.º …, aí continuasse a deslocar-se.
E, deste modo, tal como o arguido EE ficou convencido de que esta prática existia há mais tempo e de que as funções que na mesma passou a desempenhar correspondiam exatamente àquelas que anteriormente eram desempenhadas pelo arguido OO, outra não poderá ser a conclusão a retirar, pelo Tribunal, da prova produzida.
Com efeito, tendo o arguido OO desempenhado funções na D.A.T., nomeadamente como chefe da Secção de Subsistências, no período compreendido entre janeiro de 2005 (então na antiga Direção de Abastecimento) e 18 de dezembro de 2011 (conforme documento de fls. 224 do Apenso VII, 1º volume) – altura em que, aliás, pelo menos a ... já fazia entregas de dinheiro à D.A.T. -, inexistiria qualquer razão para ser ele, então gerente de messe da B.A. n.º …, quase no final do ano de 2012, a dar conhecimento do “esquema”, se este não fosse preexistente à respetiva saída (e se ele não continuasse a executá-lo até ao início do ano de 2013, data a partir da qual, aderindo-lhe, passou a intervir o arguido EE). 
Destarte, e porque a tal propósito foi possível realizar o juízo de certeza que é pressuposto na presente fase processual, foi dado como provado que o respetivo termo inicial se situa no ano de 2011, ainda que em data não concretamente apurada, mas necessariamente anterior ao mês de dezembro.
Tal implica, outrossim, e considerando as datas em que os arguidos AA e CC iniciaram funções, respetivamente, como diretor e chefe da Repartição de Material de Intendência da D.A.T., 26 de dezembro de 2011 e 22 de dezembro de 2011 (não olvidando outras funções que o primeiro possa aí ter exercido anteriormente), e não existindo coincidência temporal com o período em que o arguido OO foi chefe da Secção de Subsistências, que estes arguidos não participaram do plano inicialmente concebido e executado, muito embora, com o mesmo grau de certeza, se imponha a conclusão de que a ele aderiram, praticando os atos de execução necessários à sua manutenção, assim como igualmente tem de considerar-se que o arguido BB (ainda que na D.A.T., como subdiretor, desde 2008), a ele aderiu posteriormente, porquanto em relação ao período anterior nada resultou demonstrado.
Face ao exposto, e também na ausência da produção de qualquer meio probatório relativo à conceção e início de execução do plano criminoso ora em apreciação - porquanto, conforme se salientou por diversas vezes, a adesão do arguido EE ocorreu já no decurso da respetiva execução -, não se afigurou possível determinar os exatos termos, em concreto, em que tal conceção e início de execução tiveram lugar.”
Ora desta fundamentação, ao contrario do que entende o arguido OO, não se retira que o Tribunal utilizou as declarações do arguido II “em seu prejuízo”.
O que o Tribunal faz é montar um puzzle, conjugando várias peças que lhe permitiram trilhar, de forma segura e conforme com as regras da experiência comum e da lógica, um caminho para fixar uma data inicial a partir da qual se poderia considerar existir o tal esquema.
Aliás, o Tribunal a quo não se alicerça nas declarações do arguido II para incriminar o arguido OO pese embora aquele tenho dito que foi o arguido OO que lhe disse que tinha de entregar dinheiro na DAT no valor de € 500,00.
O que o Tribunal a quo retira de tais declarações é apenas que o esquema, pelo menos em relação ao arguido II, começou em 2011.
Verifica-se, assim, que o Tribunal a quo não valorou as declarações do arguido II em detrimento do arguido OO não tendo violado o disposto no artº 345º nº 4 do CPP.
Aliás, não se compreende como é que o arguido OO insiste pela alteração de certos factos por entender que o Tribunal valorou o depoimento de um co-arguido, II, em violação do artº 345º nº 4 do CPP quando, no ponto V das suas motivações, o mesmo arguido diz expressamente:
“A fundamentação da matéria de facto dada como provada, no que ao arguido aqui recorrente OO diz respeito, assenta quase exclusivamente nas declarações do co-arguido EE (…)”
Afinal o Tribunal a quo valorou as declarações do arguido II ou do arguido EE?
Já vimos que as declarações do arguido II apenas serviram para determinar o início possível do esquema e não serviu para implicar o arguido OO apesar de resultar das declarações daquele arguido que o esquema foi-lhe explicado pelo arguido OO.
Na verdade, e como o próprio arguido OO acaba por admitir, a convicção do Tribunal a quo assentou essencialmente nas declarações do arguido EE em relação ao qual já despendemos inúmeros considerandos que damos aqui por reproduzidos.
Por outro lado, invoca este arguido o depoimento da testemunha IIIII que teria sido o responsável por implementar na Força Aérea o sistema SIG para demonstrar a invioabilidade do sistema e a impossibilidade de se falsificar fosse o que fosse.
Quanto a esta testemunha há que notar que os procedimentos a que se referiu ocorreram em 2005 e que os seus conhecimentos dizem respeito ao sistema implementado e não se, na prática, ocorreu alguma alteração no SIG, sendo certo que nenhum sistema é perfeito, mesmo que seja de origem alemã, em especial os sistemas informáticos.
Só quem vive num mundo à parte é que poderá afirmar com tanta segurança que um sistema informático é inviolável, especialmente se o mesmo implica trabalhar em rede ou online.
Aliás, esta testemunha contradiz-se ao dizer, num primeiro momento, que era “absolutamente impossível” ir para além daquilo que estaria orçamentado – só porque era um sistema alemão[131] – para depois admitir que, afinal sempre seria possível mediante umas alterações…
Aliás, o que está em causa nos autos não é a apresentação de facturas com valor acima do que está orçamentado ou autorizado pelo sistema mas, antes, a apresentação de valores que tendo cabimento orçamental, na prática, não teriam correspondência com os stocks efectivamente entregues sendo a diferença de valores – o orçamento suportava o valor oficialmente facturado e, portanto, aceite pelo sistema “perfeito” do SIG – entre o que era facturado (de acordo com o orçamento) e o que era entregue, dividido entre militares da messe e fornecedores.
Por isso é que se adiantou no julgamento que dificilmente a DAT poderia, só através da consulta do SIG, detectar alguma irregularidade.[132]
Aliás, se não fosse possível sobrefacturar não se compreenderia como é que na messe da ..., quando o arguido JJ lá chegou, encontrou uma diferença de vários milhares de euros entre o stock físico dos produtos e o que constava do sistema.
Situação que teria sido dado a conhecer à DAT posteriormente pelo arguido KK.
De resto ninguém põe em causa a boa maneira ou disposição do arguido OO ou o facto de ser respeitado, aliás, todos os arguidos militares têm perfis iguais, não sendo o facto de não terem antecedentes criminais e até de serem bons militares, que os impedia de participar numa prática já enraizada que lhes permitia tirar proveitos económicos do erário público e à custa da alimentação dos restantes militares.
Não havendo nada nos excertos citados por este arguido que possa levar à invalidação da convicção a que chegou o Tribunal a quo na condenação que efectuou deste arguido, motivo pelo qual o seu recurso tem de improceder nesta parte.
O arguido LLL começa por impugnar a soma constante nos quadros contidos no facto vertido em 511 pois diz que os valores parcelares com referência à factura com IVA mostram-se mal somados.
De facto, se somarmos os valores contidos na última coluna da tabela do facto vertido em 511 obtemos um valor final de € 12.044,92, em vez dos € 13.525,36 que se deveu a manifesto lapso seguramente.
No entanto, da correcção deste lapso não se compreende o raciocínio seguido pelo arguido LLL para dizer que se tivermos em conta o valor corrigido pela pronúncia (€ 5.746,72)[133] – e o valor constante do quadro (que integra o facto vertido em 510 e que o arguido não identifica como tal), ou seja, € 5.615,81 como sendo o valor sobrefacturado chega-se à conclusão que era impossível a sobrefacturação por este valor ser inferior àquele.
Como de seguida veremos, aquando da concreta análise do documento em referência, o valor de € 5.615,81 é o valor sobrefacturado, e é fruto da diferença entre o valor real das mercadorias entregues, cifrado em € 5.746,72, e o valor efectivamente facturado à Força Aérea, cifrado em € 11.362,53 (€ 11.362,53 - € 5.746,72 = € 5.615,81), não havendo assim qualquer impossibilidade revelando o arguido ter feito confusão entre os valores € 5.615,81 (o sobrefacturado) e € 5.746,72 (o valor real das entregas) esquecendo-se de considerar o valor (falso) facturado à Força Aerea (€ 11.362,53).
Por outro lado, o arguido não demonstra porque motivo o valor da sobrefacturação constante do quadro que integra o facto vertido em 510, que é um quadro diferente do quadro contido no facto vertido em 511, onde houve o lapso na soma dos valores com IVA, esteja errado.
Argumenta ainda este arguido que os valores constantes no quadro contido no facto vertido em 510 não corresponde às percentagens que o Tribunal a quo deu como provadas, ou seja, 70% para os militares e 30% para este arguido, no entanto, se fizermos as contas verificamos que a parte que coube aos militares da sobrefacturação foi € 3.931,07 que é, efectivamente, 70% do valor sobrefacturado ou seja, é 70% de € 5.615,81 e o valor atribuído ao arguido de € 1.684,71 é, de facto, 30% de € 5.615,81.
Ora na sua fundamentação o Tribunal a quo escreveu na página 730 do acórdão recorrido o seguinte:
 “Contrariamente, porém, no que respeita aos arguidos EEE e LLL, em representação das arguidas Pac & Bom e Fruta da Aldeia, L.da, a prova documental carreada para os autos é claramente demonstrativa dessa realidade.
Assim, e no que à Fruta da Aldeia, L.da respeita, a documentação apreendida no Apenso V, Equipa 54, 1º volume, nomeadamente o documento n.º 1 A (fls. 3), que consiste num conjunto de folhas manuscritas, das quais constam os géneros entregues no mês de outubro de 2016, com o respetivo valor, sendo calculado, no verso da última folha do conjunto, a diferença entre os bens faturados e os entregues, sobre o qual, e feitas as contas, incidiu a percentagem de 30% (ainda que não explicitamente, mas que corresponde às operações aritméticas constantes daquele documento). 
E, na verdade, os valores faturados constantes do verso coincidem com as faturas emitidas e pagas pela Força Aérea (nos moldes que resultam do Apenso X, fls. 260), coincidindo a soma dos bens entregues com as anotações neles apostas.
Assim, cruzando a prova documental explanada com o teor das conversações anteriormente identificadas, não ficaram quaisquer dúvidas de que existiu um acordo entre o arguido SS e o arguido LLL, tendo em vista a apresentação, pela Fruta da Aldeia, L.da, de faturas de valor superior ao dos bens efetivamente entregues, com a repartição da diferença que daí resultou, nas percentagens de 30% para o empresário e 70% para o militar, ainda que restrito, neste caso, ao mês de outubro de 2016.” – negrito e sublinhado nossos
No seu recurso o arguido LLL para impugnar o tal documento constante do apenso V – equipa 54 (doc. 1-A) a que o Tribunal a quo alude na sua fundamentação fornece uma digitalização do mesmo para demonstrar que do documento em apreço nada se pode concluir.
A nosso ver este arguido age aquém da boa fé processual uma vez que a digitalização que oferece não é o “verso” da última folha mas, sim, o rosto.
Ora, analisando o documento ao vivo constata-se, em primeiro lugar, que o mesmo é composto de um molho de folhas de papel “químico” ou seja são cópias.
A última folha em questão é a oitava sendo que todas as 8 folhas têm na sua face listas diversas de produtos hortículas e na margem esquerda, ao lada de cada produto, um valor numérico. Estes dizeres são o que ficou impresso na cópia química.
No topo da primeira folha das 8 folhas está a palavra “...”.
No “verso” da última folha – e já escrita a esferográfica[134] – está a soma dos totais parciais das primeiras 7 folhas totalizando um valor de 5.746,72[135].
Na margem direita do “verso” do documento estão os valores parcelares de 4.597,97 mais 4.066,25 mais 2.698,91 e a soma dos mesmos no valor de 11.362,53.
A este valor foi subtraído no documento o valor de 5.746,72 (ou seja o valor real dos bens entregues) e obteve-se a diferença de 5.615,81 a que se subtraiu o valor 1.684,71 (ou seja 30% do valor 5.615,81) ficando um resultado final de 3.931,07 que corresponde a 70%.
Não há a menor dúvida quanto a estas contas e à conclusão a que chegou o Tribunal a quo.
E este documento não é único pois no mesmo apenso V – equipa 54 1º volume está um molho semelhante em aspecto e modus operandi de anotação mas referente a “...” – doc. 1-B – outro referente a “...” – doc. 1-C – outro a “At1” – doc. 1-D – outros 2 ainda referente a “At1” – doc.s 1-E e 1-F –  outro com o dizer “...”- doc. 1-G – e um último com indicação de “...” – doc. 1-H.
Em todos eles encontra-se o mesmo tipo de papel químico com listagens de produtos e indicção de valores e depois somas finais em que é sempre destacado um valor acima da soma dos produtos – a tal sobrefacturação – e dois números correspondentes a percentagens do valor sobrefacturado.
Por isso as considerações que o arguido LLL tece em relação às outras messes onde interveio não têm qualquer validade e não permitem inquinar a cuidada análise que o Tribunal a quo efectuou dos documentos que constam dos autos.
Não há a menor dúvida que existe um padrão claro e repetido na forma de facturar deste arguido, um modus operandi específico que assenta numa primeira operação de anotar o que efectivamente é pedido e o respectivo valor real, para depois colocar os valores que vão ser formalmente facturados – os documento analisados revelam tratarem-se de meros exemplares particulares e não facturas oficiais – aos quais se deduz o valor real da encomenda sendo a diferença, correspondente ao que foi sobrefacturado, dividido em percentagens claras.
 Terá, assim de improceder o recurso deste arguido nesta parte.
O arguido RR para impugnar a matéria de facto que o incrimina, além de invocar uma série de nulidades e inconstitucionalidades que já analisamos supra, incluindo a nulidade prevista no artº 356º nº 9 do CPP, que também já foi alvo de aturada análise jurídica, oferece como “prova” da bondade da sua convicção sobre a matéria de facto extensas transcrições de declarações de testemunhas e arguidos sem contudo elaborar um caminho lógico de raciocínio através do qual demonstra porque motivo o Tribunal a quo errou na sua convicção de fixar a matéria de facto como a fez, ou sequer explicar como é que essas transcrições deveriam ter imposto convicção diversa.
O arguido cita largos trechos da fundamentação oferecida pelo Tribunal para depois dizer o seguinte:
“Assenta – por inversão lógica, violação da norma do artigo 127º do Código[136], violação da presunção de inocência dos arguidos e dos princípios inerentes, inclusive do princípio do contraditório – no pressuposto que o Arguido ora Recorrente, bem como os demais Arguidos, é culpado dos factos que lhe são imputados na Acusação/Pronúncia com os aditamentos e correcções que o Tribunal a quo – nos termos antes expostos a respeito de nulidades – considerou necessário, conveniente e adequado fazer para permitir formalmente condená-los em penas criminais.”
Para depois tecer comentários sobre as declarações do arguido EE invocando a sinceridade das suas próprias declarações, que não são confessórias, e que entende deveriam ter sido valoradas sobre as do arguido EE sem oferecer argumentos lógicos para esse efeito.
O Tribunal a quo ouviu de forma directa os arguidos, tendo assim a possibilidade de in loco e ao vivo ver as suas respectivas posturas, os olhares, a linguagem corporal e todo o demais que ajuda a aferir da sinceridade ou não das declarações, conseguindo fundamentar de forma coerente e lógica a razão pela qual deu credito a este ou àquele arguido em detrimento de outro.
A “prova” oferecida por este arguido não tem a capacidade de inquinar a convicção a que chegou o Tribunal a quo nem esta se mostra irrazoável em relação a este arguido.
O mesmo apenas pretende substituir a convicção do Tribunal a quo pela sua leitura pessoal dos factos, motivo pelo qual improcede o seu recurso nesta parte.
Por fim, o arguido CC para impugnar a matéria de facto que identifica socorre-se de normas e regulamentos para explicar, ao longo de várias páginas, as atribuições e respectivas funções da DAT para concluir que os seus membros nunca poderiam ter agido em termos funcionais no processo de sobrefacturação e consequentemente nunca poderiam ter agido em concertação de esforços em obediência a um plano previamente determinado e que todos aderiram em respeito pela função que cada detinha.
Ignora, contudo, este arguido que o que resulta provado, em especial no facto vertido em 93, é que os arguidos aí identificados (os gerentes e adjudantes das várias messes bem como os elementos da DAT) agiram em conjugação de esforços em obediência a um plano a que todos aderiram e em respeito pela função que cada um deles detinha nesse mesmo plano.
Ou seja, a divisão das tarefas não assenta apenas no exercício funcional de cada um mas de acordo com o papel que cada um assumiu no respectivo circuito.
Assim, aos gerentes de messe, ou chefe de secção de subsistências, e seus sargentos adjudantes competia realizar a parte prática, lidando directamente com os fornecedores, acordando ou ajustando as percentagens para cada um – militar e fornecedor – fazer as encomendas, receber a mercadoria e ficar com a verba que depois seria entregue à DAT através do arguido EE que a vinha recolher de x em x tempo a cada messe, à execpção das messes da UAL ... e ... que entregavam directamente o dinheiro à DAT.
Ora a explicação que o arguido faz com recurso às normas e hierarquia e organigramas em nada afecta a convicção a que chegou o Tribunal a quo no que diz respeito ao envolvimento do mesmo no esquema corruptivo.
É óbvio que o arguido CC não só por estar fisicamente à parte das messes e pelas suas atribuições funcionais ou estatutárias não lidava com os fornecedores, não acertava com os mesmos as percentagens, não lhes telefonava nem combinava a forma concreta de, em cada momento, se fazer a sobrefacturação.
Mas isso não é impeditivo de o implicar na parte em que recebia directamente do arguido EE o dinheiro que era entregue, por sua vez ao mesmo, pelos gerentes das várias messes por onde ia passando.
Em última análise, o arguido CC até podia não ter quaisquer funções especificamente ligadas à alimentação das messes e mesmo assim ter entrado no plano para receber dinheiro até mesmo a troco de não denunciar a situação.
Por outro lado, as conjecturas que o arguido CC faz para explicar porque motivo os gerentes das messes entregariam dinheiro ao arguido EE (segundo refere por ser a forma de o compensarem pela ajuda que este lhes dava a partir da DAT) é que se nos afiguram de todo inverosímeis[137] e, mesmo que hipoteticamente pudessem ter alguma validade, a verdade é que não têm a virtualidade de inquinar a convicção seguida pelo Tribunal a quo.
No fundo, e à semelhança dos restantes arguidos, CC oferece a sua leitura pessoal, e interessada, da trama retratada nos autos, e com isso quer colocar em crise uma leitura objectiva assente na conjugação de toda a prova produzida por parte do Tribunal que é alheio a tudo quanto se passou e está em melhores condições de olhar a prova na sua globalidade com isenção e independência.
É certo que o arguido CC transcreve pequenos trechos das declarações dos arguidos JJ e EE e ainda da testemunha SSSS que trabalhava na DAT mas, como já aqui referido vezes sem fim, os pequenos excertos retirados fora de um contexto muito maior e desligados da restante prova não têm a capacidade de levar à conclusão de que o Tribunal a quo formulou mal, por assentar em erro de julgamento, a sua convicção.
E não deixa de ser curioso que, embora impugnando a validade das declarações de co-arguido, CC se socorra e se apoia nas declarações do co-arguido II, prestadas em sede de inquérito perante o MºPº, sem que ninguém o pudesse contra-inquirir, pois remeteu-se ao silêncio em sede de julgamento, mas já considera não credíveis as declarações dos co-arguidos como EE (e JJ) que se submeteram a um autêntico interrogatório perante um colectivo de juízes, à frente de todos os ilustres defensores dos restantes arguidos durante horas, revelando-se dispostos a responder a todas as perguntas colocadas no exercício do contraditório que, em relação aos 5 arguidos que confessaram em sede de julgamento, foi garantido e exercido em pleno, ao contrário do que aconteceu com as declarações do arguido II.
Constata-se, assim, que não são apresentados argumentos com a solidez necessária para colocar em crise o raciocínio seguido pelo Tribunal a quo motivo pelo qual o recurso deste arguido tem de improceder nesta parte.
IX-i) Da violação do Princípio In Dubio Pro Reo:
- recursos de Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares Lda., VV, ZZ, JJJ, Doce Cabaz, Lda., GGG, M..., S.A., KK, EE, II, LL, NN, HHH, C..., Lda., TT, Pac & Bom – Comércio e Serviços, Lda. Chavibom – Comércio e Distribuição Aliemntar, Lda., EEE, FFF, Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda., III, A... Lda. e SS
O princípio do in dúbio pro reo foi transposto para o processo penal a partir do consagrado no artº 32º da Constituição da República Portuguesa que, subordinada à epígrafe “garantias do processo criminal”, diz o seguinte:
“1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
3. O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória.
4. Toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos fundamentais.
5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.
6. A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento.
7. O ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei.
8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
9. Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior.
10. Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.”
“Haverá violação do princípio in dubio pro reo, sempre que o tribunal do julgamento tenha julgado provado facto desfavorável ao arguido, não obstante a prova disponível não permitir, de forma racional e objectiva, à luz das máximas de experiência comum, das regras da lógica, dos conhecimentos científicos aplicáveis, ou das normas e princípios legais vigentes em matéria de direito probatório, com o grau de certeza ou convencimento «para além de toda a dúvida razoável», dar por verificada a realidade desse facto.”
O que significa que, existindo uma séria dúvida sobre determinado facto, essa dúvida deve ser resolvida a favor do Arguido, atento o princípio da presunção da sua inocência.
Ou, conforme muito bem explicitado no Acórdão do STJ de 12-03-2009, cujo relator é Soreto de Barros :
“III- O princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa; como tal, é um princípio que tem a ver com a questão de facto, não tendo aplicação no caso de alguma dúvida assaltar o espírito do juiz acerca da matéria de direito.
IV- Este princípio tem implicações exclusivamente quanto à apreciação da matéria de facto, quer seja nos pressupostos do preenchimento do tipo de crime, quer seja nos factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
V- Não existindo um ónus de prova que recaia sobre os intervenientes processuais e devendo o tribunal investigar autonomamente a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do facto; isto porque o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP) contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo.
VI- Daqui se retira que a sua preterição exige que o julgador tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido. Já o saber se, perante a prova produzida, o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida é uma questão de facto que não cabe num recurso restrito à matéria de direito, mesmo que de revista alargada.
VII - A apreciação pelo STJ da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto: há-de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, ou seja, quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.” – sublinhado nosso
Na esteira de Castanheira Neves[138]:
“É um princípio probatório, refere-se apenas à decisão sobre a prova dos factos, e não à interpretação e aplicação do Direito, quando a solução seja juridico-interpretativamente duvidosa, não há que aceitar a solução mais favorável ao réu, antes se deverá impor sempre a solução exacta (ou tida por exacta). O princípio não traduz qualquer favor rei, mas uma exigência probatória.”
Sendo que na senda de Frederico de Lacerda da Costa Pinto[139]:
“O in dubio pro reo funciona como limite de qualquer decisão condenatória, tornando efectivo no processo o princípio da presunção de inocência. Esta só é judicialmente afastada com a prova da responsabilidade do arguido para além de qualquer dúvida razoável. O princípio do in dubio pro reo constitui assim uma garantia processual de efectividade da presunção de inocência do arguido e do princípio da culpa, num Estado de Direito em sentido material”.
Ora, no caso em apreço, o Tribunal a quo não manifestou qualquer dúvida, quando fixou os factos que implicam a participação dos arguidos recorrentes nos crimes pelos quais vieram a ser condenados.
A questão que se levanta, contudo, é a de saber se o Tribunal a quo não deveria ter tido dúvida na atribuição de uma co-autoria aos arguidos desses mesmos factos, atenta a prova que efectivamente foi produzida.
À excepção do arguido BB, a resposta afigura-se-nos claramente negativa atenta toda a análise que já efectuámos supra aquando do erro de julgamento.
Não surge nenhum momento em que o Tribunal, devendo ter sentido uma dúvdia razoável, tivesse decidido contra os arguidos, e quando sentiu essa dúvida decidiu de acordo com o in dúbio pro reo, excepto no que tange ao arguido BB e que já foi alvo de tratamento jurídico por nós.
No entanto, argumentam alguns dos arguidos que se teria operado uma inversão do ónus da prova, contrária aos princípios de presunção de inocência, na medida em que o Tribunal rejeitou as explicações oferecidas por alguns arguidos nas suas respectivas contestações para inquinar a acusação.
Afigura-se-nos que estes arguidos laboram em erro.
Beneficiando os arguidos da presunção de inocência, compete ao Estado, na figura de acusador, o Ministério Público, efectuar a prova que essa inocência, na realidade não existe, ou seja, quem tem o ónus de provar que o arguido cometeu o crime pelo qual vem acusado é o Ministério Público em vez de ser ao contrário, isto é, ser o arguido a provar a sua inocência.
Mas, efectuada essa prova, ou melhor dizendo, convencendo-se o Tribunal que a prova existe, a presunção de inocência que é, precisamente, isso, uma presunção, fica ilidida, cabendo, então, ao arguido oferecer contra-prova apta a refutar aquela primeira prova que fez cair a presunção.
E é em relação a essa contra-prova que o Tribunal a quo faz referência quando diz no acórdão recorrido de que não se convenceu com as explicações ou fundamentações oferecidas por alguns arguidos para justificar, por exemplo e nomedamente, o dinheiro que lhes foi apreendido nas buscas domiciliárias efectuadas na sequência da acção encoberta.
Ou seja, há uma presunção de inocência desses arguidos mas, como foi produzida prova pelo MºPº, quer no que tange ao seu envolvimento no tal esquema, por força da acção encoberta e por força da confissão já em sede de inquérito de alguns co-arguidos, quer no que tange à posse efectiva de dinheiros, que surgiu na sequência directa de uma busca judicial, aquela presunção ficou ilidida, incumbindo aos respectivos arguidos fazer contra-prova, assim oferecendo motivos válidos para que a sua incoência se deva manter intacta.
Ora, se é verdade que qualquer pessoa pode ter dinheiro guardado em casa, não é menos verdade que, recaindo sobre essa pessoa – na qualidade de arguido a ser investigado em sede de inquérito crime – uma suspeita fundada de que está a receber verba ilicitamente, qualquer dinheiro consequentemente encontrado em casa – numa era em que a maior parte das pessoas tem o dinheiro nos bancos[140] e socorrem-se do homebanking para fazer os seus pagamentos, ou das idas regulares às ATM’s (é esse contexto actual que também tem de ser realçado[141]) – permite, segundo as regras da lógica e da experiência comum, concluir que aquele dinheiro é produto de um acto criminoso.
É o suficiente para ilidar a presunção da inocência, cabendo ao arguido oferecer uma explicação plausível para afastar a evidência que é deter em casa dinheiro já xom alguma expressão numérica numa época em que isso não é comum ou sequer expectável.
Se essa explicação já não for aceite pelo Tribunal a quo, que fundamenta a sua não credulidade na contra-prova oferecida, tal não implica qualquer violação do princípio in dúbio pro reo.
É que a posse de dinheiro em casa não surge, como alguns arguidos pretendem fazer crer, de uma situação normal mas, antes, surge na sequência de pagamentos efectuados no âmbito de uma acção encoberta.
É esse contexto que não pode ser esquecido.
Pelo que o Tribunal a quo não operou qualquer inversão do ónus da prova.
Como se definiu já no Acórdão do STJ de 13-05-1998[142]:
“I. Os poderes do tribunal na procura da verdade material encontram-se limitados pelo objecto do processo definido na acusação ou na pronúncia, temperado pelo princípio das garantias da defesa, consignado no art.º 32, da CRP. Assim, sobre o tribunal recai o dever de ordenar a produção da prova necessária à descoberta da verdade material, tanto relativamente aos factos narrados na acusação ou na pronúncia, como aos alegados pela defesa na contestação e aos que surgirem no decurso da audiência de julgamento, em benefício do arguido.
II. Em processo penal não existe um verdadeiro ónus probatório em sentido formal, vigorando o princípio da aquisição da prova articulado com o princípio da investigação: são boas as provas validamente trazidas ao processo, sem interessar a sua origem, recaindo sobre o juiz, em última hipótese, o encargo de investigar e esclarecer oficiosamente os factos em busca da verdade material.
V. Quanto ao ónus da prova em sentido material, o princípio de presunção da inocência do arguido impõe que, em caso de dúvida irremovível, a questão seja sempre decidida a favor do arguido. Da falta de prova não podem resultar consequências desfavoráveis para ele, qualquer que seja o thema probandum.” – sublinhado nosso
Não, há, assim, qualquer violação do princípio in dúbio pro reo tendo o Tribunal a quo fundamentado de forma lógica, coesa e segundo as regras aplicáveis, a sua convicção, não resultando do acórdão qualquer arbitrariedade da sua parte.
Entende ainda, em especial, o arguido EE – que até confessou os factos e cujas declarações permitiu condenar alguns dos outros arguidos – que o Tribunal a quo violou o princípio in dúbio pro reo no que tange à concreta questão da apreensão dos certificados de aforro declarados perdidos a favor do Estado.
Vejamos.
Na sequência da sua condenação o Tribunal a quo determinou ainda a perda a favor do Estado das quantias apreendidas ao arguido EE incluindo os certificados de aforro até ao montante total de € 19.050,00.
O arguido em apreço entende que não se fez prova irrefutável de que as referidas aplicações foram constituídas em resultado dos factos praticados.
A sede legal da questão em análise encontra-se no artº 111º do Código Penal, subordinado à epígrafe “perda de vantagens” (na redacção dada pela Lei nº 32/2010 de 02-09)[143] que dispõe o seguinte:
“1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.
2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.
3 - O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transacção ou troca com as coisas ou direitos directamente conseguidos por meio do facto ilícito típico.
4 - Se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor.”
Como se firma no Acórdão da Relação do Porto de 12-07-2017:[144]
“A perda de vantagens do crime (artigo 111º do Código Penal) constitui um instrumento de política criminal, com finalidades preventivas, através do qual o Estado exerce o seu ius imperium anunciando ao agente do crime, ao potencial delinquente e à comunidade em geral que nenhum benefício resultará da prática de um ilícito.”
Sendo de notar que:
“O instituto da perda de vantagem patrimonial é uma providência sancionatória de natureza jurídica análoga à das medidas de segurança, não tendo a natureza de pena acessória nem de efeito da condenação, estando ligada à prevenção da prática de futuros crimes. Os pressupostos legais da perda de vantagens são apenas o facto antijurídico e a existência de proveitos. As medidas de caracter sancionatório como a perda de vantagem, ainda que devam constar da acusação, têm caracter irrenunciável, sem prejuízo do disposto no artº 112º CP.”[145]
Ora, no caso em apreço não surgiu qualquer dúvida de que o arguido EE tivesse tido um “ganho” com a sua actividade ilícita na ordem dos € 19.050,00.
O que o arguido entende é que não se fez prova cabal da “ligação” entre os certificados de aforro e o benefício que obteve com a sua actuação delituosa.
Afigura-se-nos que o arguido labora em erro uma vez que o que está em causa com o regime previsto pelo artº 111º do Código Penal, na redacção vigente ao tempo da prática dos factos, é o confisco do valor ou da vantagem com que o arguido ficou com a sua actividade ilícita.
Se o arguido não tiver na sua posse todo o valor ilicitamente adquirido em dinheiro terá de o devolver em espécie, neste caso, através dos certificados de aforro.
Por isso é que o Tribunal a quo determinou a perda a favor do Estado apenas do valor equivalente ao que o arguido recebeu com a sua actuação delituosa.
Aliás, nos termos do nº 3 do citado artº 111º do Código Penal a perda a favor do Estado da vantagem obtida “aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transacção ou troca com as coisas ou direitos directamente conseguidos por meio do facto ilícito típico” ou seja, mesmo que o arguido tivesse alienado os valores para adquirir outros bens no seu lugar, esses bens responderiam.
O eventual facto do arguido poder já ter na sua posse alguns certificados de aforro que possam não ser fruto da actividade ilícita não significa que o arguido não tenha de devolver os € 19.050,00 com que lucrou com a sua actividade, pelo que, não tendo esse dinheiro na sua totalidade terá sempre de entregar o correspondente valor – cfr. nº 4 do citado artº 111º do CP.
Não se verifica, assim, qualquer violação do princípio in dúbio pro reo no que tange à declaração de perda a favor do Estado do valor com que o arguido EE lucrou com a sua actução criminosa, pelo que terá de improceder o seu recurso nesta parte.
X) Do Enquadramento Jurídico dos Factos:
- recursos dos arguidos Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares Lda., UU, JJJ, Doce Cabaz, Lda., AA, KK, HHH, C..., Lda., TT, JJ, GG, BB, XX, III, A... Lda., RR e CC
Os arguidos recorrentes em referência impugnam o enquadramento jurídico efectuado pelo Tribunal a quo dos factos dados como provados quer porque, entendem uns[146], que o crime de corrupção não lhes pode ser imputado porquanto os arguidos militares não são funcionários para efeitos do tipo legal em referência, quer porque outros ainda entendem que, quando muito, estará em causa, não um crime de corrupção, mas um crime de participação económico em negócio (artº 377º CP)[147], quer ainda porque uns entendem que não se verificam os elementos objectivos e ou subjectivos dos tipos legais imputados[148], ou porque, não se tendo provado em relação a uns a prática de um crime de falsificação de documento e, tendo-se considerado que a falsificação integrava a forma de executar a corrupção, não podiam os arguidos ser condenados só pelo crime de corrupção[149], e, por fim, porque ainda entendem alguns[150] que não há um concurso efectivo entre os crimes de falsificação de documento e corrupção mas apenas um crime de corrupção que absorve o crime de falsificação por este tido sido o apenas o meio de praticar aquele.
Vejamos, olhando, primeiro, de um modo mais geral os crimes pelos quais os arguidos foram condenados.
Os arguidos militares foram condenados como co-autores de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artº 373º nº 1 com referência ao artº 386º nº 1 al. d), ambos do Código Penal, alguns na forma agravada nos termos do artº 374º-A nºs 2 e 3 com referência ao artº 202º al. b) ambos do Código Penal, enquanto que os arguidos civis (comerciantes fornecedores) foram condenados como co-autores de um crime de corrupção activa, p. e p. pelo artº 374º nº 1 com referência ao artº 386º nº 1 al. d), ambos do Código Penal, alguns na forma agravada nos termos do artº 374º-A nºs 2 e 3 com referência ao artº 202º al. b) ambos do Código Penal, e ainda alguns militares e alguns comerciantes foram ainda condenados, em concurso efectivo, como co-autores de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º nº 1 als. d) e e) e nº 4 do Código Penal.
O arguido FFF foi ainda condenado como autor de um crime de detenção ilegal de arma p. e p. pelo artº 86º nº 1 al. d), com referência aos artºs 2º nº 1 al. o) e an), 3º, nº 2 al. i) 4º, nº 1 e 9º nºs 1 e 2 todos da Lei nº 5/2006 de 23-02.
O crime de corrupção passiva contemplado no artº 373º do Código Penal é definido da seguinte forma:
“1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2 - Se o acto ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.”
Já o crime de corrupção activa vem previsto no artº 374º do Código Penal que determina o seguinte:
“1 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no n.º 1 do artigo 373.º, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2 - Se o fim for o indicado no n.º 2 do artigo 373.º, o agente é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.
3 - A tentativa é punível.”
Os crimes de corrupção activa e passiva podem ser agravados nos termos do artº 374º-A do Código Penal nos seguintes termos:
“1 - Se a vantagem referida nos artigos 372.º a 374.º for de valor elevado, o agente é punido com a pena aplicável ao crime respectivo agravada em um quarto nos seus limites mínimo e máximo.
2 - Se a vantagem referida nos artigos 372.º a 374.º for de valor consideravelmente elevado, o agente é punido com a pena aplicável ao crime respectivo agravada em um terço nos seus limites mínimo e máximo.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, é correspondentemente aplicável o disposto nas alíneas a) e b) do artigo 202.º
4 - Sem prejuízo do disposto no artigo 11.º, quando o agente actue nos termos do artigo 12.º é punido com a pena aplicável ao crime respectivo agravada em um terço nos seus limites mínimo e máximo.”
Sendo que para se determinar se o valor é elevado ou consideravelmente elevado há que recorrer ao artº 202º als. a) e b) do Código Penal que diz:
“a) Valor elevado: aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto;
b) Valor consideravelmente elevado: aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto.”
Considerando que a unidade de conta ao momento da prática dos factos se situava em € 102,00, o valor elevado será de € 5.100,00 ou mais e o valor consideravelmente elevado começa nos € 20.400,00.
O crime de falsificação (ou contrafacção) de documento vem contemplado no artº 256º do Código Penal que determina o seguinte:
“1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito;
é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
2 - A tentativa é punível.
3 - Se os factos referidos no n.º 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.
4 - Se os factos referidos nos n.ºs 1 e 3 forem praticados por funcionário, no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.”
Os crimes de corrupção, activa e passiva, inserem-se no capítulo IV do Código Penal dedicado aos “crimes cometidos no exercício de funções públicas” e, em particular na secção I dedicada à “corrupção” strictu sensu.
O primeiro artigo da secção I do capítulo IV do Código de Penal é o artº 372º cuja epígrafe é “recebimento indevido de vantagem” o qual determina o seguinte:
“1 - O funcionário que, no exercício das suas funções ou por causa delas, por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, no exercício das suas funções ou por causa delas, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.
3 - Excluem-se dos números anteriores as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes.”
A seguir encontram-se os artigos 373º e 374º dedicados à corrupção, passiva e activa, sendo que o artº 374º-A prevê a agravação dos crimes previstos nos artºs 372º a 374º e o artº 374º-B prevê a dispensa ou atenuação da pena também daqueles crimes.
Já o crime de participação económico em negócio vem previsto no artº 377º do Código Penal e integra a Secção II (do mesmo Capítulo IV) dedicada ao “peculato”.
O artº 377º do Código Penal determina o seguinte:
“1 - O funcionário que, com intenção de obter, para si ou para terceiro, participação económica ilícita, lesar em negócio jurídico os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpre, em razão da sua função, administrar, fiscalizar, defender ou realizar, é punido com pena de prisão até 5 anos.
2 - O funcionário que, por qualquer forma, receber, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial por efeito de acto jurídico-civil relativo a interesses de que tinha, por força das suas funções, no momento do acto, total ou parcialmente, a disposição, administração ou fiscalização, ainda que sem os lesar, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias.
3 - A pena prevista no número anterior é também aplicável ao funcionário que receber, para si ou para terceiro, por qualquer forma, vantagem patrimonial por efeito de cobrança, arrecadação, liquidação ou pagamento que, por força das suas funções, total ou parcialmente, esteja encarregado de ordenar ou fazer, posto que não se verifique prejuízo para a Fazenda Pública ou para os interesses que lhe estão confiados.”
Como todos estes crimes – recebimento indevido de vantagem, corrupção e participação económica em negócio – aparentam semelhanças na estrutura dos respectivos tipos legais e são classificados pelo legislador de crimes cometidos no exercício de funções públicas, há que compreender o que verdadeiramente os distingue.
Deixando, por ora, de lado a questão de saber se os arguidos militares podem ser considerados funcionários para efeitos de integração em qualquer um destes crimes (que iremos ver infra de seguida), vejamos primeiro, como questão prévia, qual destes crimes é que, pelo menos abstractamente, estaria em causa uma vez que há dois arguidos que suscitam discordância quanto à qualificação criminal dos factos a nível do tipo de ilícito.
Recuemos, um pouco, na história legislativa            destes crimes.
Nos Códigos Penais de 1852 e 1886, sob as epígrafes de “peita, suborno e corrupção” o crime de corrupção assumia uma unidade jurídica que exigia a participação de dois agentes, um que corrompe e outro que é corrompido, sendo que, ao tempo, “o crime de corrupção associava-se a um “abuso de confiança” e estabelecia-se uma evidente diferenciação entre funcionário-corrupto e agente-corruptor ao qualificar-se “o empregado público corrupto de “autor principal” e o corruptor de “autor secundário”.[151]
Ou seja, o crime de corrupção exigia, para a sua verificação, a presença de dois agentes, sendo, por isso, um crime de participação necessária.
“Isto é, previa-se somente um único tipo legal, com dois intervenientes obrigatórios (corrupto-corruptor), não se estabelecendo qualquer distinção entre o crime de corrupção «ativa» e o crime de corrupção «passiva».”[152]
Sendo que, o legislador de 1886 ainda se mostrou sensível a quaisquer práticas que pudessem gerar uma relação de simpatia com vista à obtenção de futuros ganhos, uma vez que previu sob a epígrafe “suborno indirecto” a criminalização de “quaisquer ofertas/promessas de vantagens passíveis de, recorrendo às regras de experiência comum
(como o valor da vantagem auferida, as funções dos alegados corruptor e corrupto, entre
outros factores) potenciar a prática de futuras diligências favoráveis.”[153]
Com o Código Penal de 1982 o legislador rompe com a tradição vigente até então de olhar o crime de corrupção como um tipo legal unitário com duas vertentes, separando-as em dois crimes distintos e autónomos, o da corrupção passiva e o da corrupção activa, sendo que a passiva ainda foi distinguida consoante se trate da prática de um acto lícito (corrupção imprópria) ou ilícito (corrupção própria).
Esta autonomização das duas vertentes do crime de corrupção em passiva e activa manteve-se na reform empreendida em 1995, pelo DL 48/95 de 15-03, e depois dela, embora se desse novo enquadramento aos artºs 372º e ss, uma vez que à corrupção passiva própria, prevista no então artº 372º do Código Penal de 1995, o legislador previu como parte integrante do tipo legl a existência de contradpartida e no então artº 374º aditou a corrupção activa imprópria.
Muitas foram as alterações legislativas operadas mas, em especial, em 2010, com a entrada em vigor das Leis nºs 32/2010 de 02-09 e 41/2010 de 03-09 foram introduzidas alterações significativas, tendo sido consagrado, agora como artº 372º o Crime de Recebimento Indevido de Vantagem, cujo objectivo era o de “potenciar a perseguição penal da corrupção, em sentido amplo, através de novos tipos de crimes cujo preenchimento abdica da necessidade de relacionamento da peita ou suborno com particular ato ou omissão do funcionário”[154]
Manteve-se, contudo, a autonomização dos crimes de corrupção os quais foram apenas “arrumados” numa nova sistematização, a que hoje temos, como o artº 373º a contemplar tanto a corrupção passiva para acto lícito e ilícito, mantendo-se o artº 374º que continua a prever a corrupção activa.
Ora, “aquilo que transversalmente se incrimina no artº 372º do CP é a suscetibilidade de, ultrapassada toda a dúvida razoável, aquela vantagem (patrimonial ou não patrimonial) aceite/solicitada ou prometida/oferecida potenciar a criação de uma relação de simpatia/permeabilidade entre os intervenientes – e que não seria gerada se, naquelas mesmas condições, o agente não ocupasse aquelas respetivas funções (públicas)”[155].
Assim, e dados os factos provados nos autos não podem restar dúvidas de que nunca poderíamos estar perante o crime previsto no artº 372º CP, ou seja, não estamos perante um simples recebimento indevido de vantagem.
E o crime previsto no artº 377º, ou seja, será que a actuação dos arguidos não poderia ser subsumida no crime de participação económica em negócio?
Vejamos.
O crime previsto no artº 377º do Código Penal[156], ao contrário do artº 372º do mesmo diploma, não se enquadra, em termos sistemáticos, na secção I, onde se encontram os crimes de corrupção passiva e activa, mas na secção II dedicada ao peculato.
Quando se comparam as respectivas redacções, de facto, se fica na dúvida acerca da possível aplicação de ambos os tipos legais de crime ao caso dos autos uma vez que os factos parecem poder subsumir-se am ambas as previsões normativas.
Conforme José António Barreiros[157] “na corrupção o agente actua na lógica do «do ut des»[158], mercadeja o cargo, agindo porque recebe ou lhe prometem que receba, enquanto na participação económica em negócio age, lesionando ou não chegando a causar dano, visando um avantajamento que pode não materializar, mas que efectivamente até pode ocorrer de facto. E neste caso a diferença esbate-se por completo.”
Afigure-se-nos, assim, que, no caso em apreço, do manancial fático de que dispomos resulta claro que o substracto é de um verdadeiro “mercadejar” do cargo que os arguidos militares ocupavam, junto dos arguidos comerciantes.
Repare-se que a actuação dos militares da alta patente, que integravam a DAT, não é, a nosso ver, sequer subsumível no artº 377º do Código Penal, pois não eram responsáveis por nenhum negócio, não contactavam com os arguidos comerciantes, limitando-se a obter uma percentagem de certos valores alocados às messes, em troca de não interferir com a actuação delituosa dessas mesmas messes.
Mas, ainda que assim não se entendesse, o que fazer, então, quando o comportamento de um arguido aparentemente parece preencher mais do que um tipo legal?
“Concluímos assim que, nestes casos, estamos perante o chamado concurso aparente de normas[159], aplicando-se, numa fase inicial, aparentemente, mais do que uma norma, no caso, as do artigo 377º nº2 ou nº2 e as dos artigos 373º ou 374º, chegando-se, no final, à «aplicação exclusiva de uma das normas, com o afastamento das demais». Daí que, por se tratar a corrupção de crime manifestamente mais grave, não só atendendo à sua moldura penal, mas à própria conduta do agente, ela própria mais abrangente, aquando do concurso referido, sejam, no nosso entender, os agentes punidos pela prática do crime de “Corrupção” (artigo 373º ou 374º)”[160].
Resulta para nós claro que, mesmo que o comportamento de alguns dos arguidos pudesse eventualmente ser também subsumível no artº 377º do CP a essência da sua actuação continua a ser a de um “mercadejar” fazendo com que o tipo legal previsto no artº 377º CP seja consumido pelos tipos legais previstos nos artºs 373º e 374º CP, respectivamente.
Pelo que o crime que estará em causa nos autos será sempre um crime de corrupção, passiva para os militares, e activa para os comerciantes e não o crime de participação económica em negócio.
Outro aspecto que carece ainda de análise é a situação focada pela arguida Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares Lda. no que diz respeito ao facto do Tribunal a quo ter considerado que a facturação era transversal a todo o esquema de corrupção e do silogismo aparentemente lógico de que, não tendo conseguido provar em relação a alguns arguidos a prática da falsificação de documentos, não poderia, consequentemente, dar-se como assente a prática do crime de corrupção.
Vejamos.
O facto de se considerar que o “esquema” implementado nas várias messes da Força Aérea, com a conivência e beneplácito de certos elementos da DAT, tinha por base uma sobrefacturação que, por sua vez, implica um falsear de documentos, nomeadamente, facturas, não signficia que o crime de corrupção, de per si, não se verifique.
O que resulta da matéria de facto provada é que efectivamente, mesmo nos casos em que o crime de falsificação não podia ser provado, porque não resultou demonstrado o concreto documento onde o teor falso foi colocado, houve prova da vantangem, da entrega e recebimento de valores que resultaram dessa facturação.
Uma coisa é a prova concreta efectiva de que um documento foi alterado ou falseado, outra é a prova de que determinadas pessoas lucraram de forma ilícita com o fornecimento alimentar das messes.
O crime de corrupção não tem de ser executado através da falsificação de facturas, tanto que os arguidos da DAT, que nada tinham a ver directamente com a entrega de facturas e encomendas nas várias messes limitavam-se a receber valores pre-determinados sobre outros valores que eram alocados às messes.
Nem a falsificação de um factura é elemento integrador do respectivo tipo legal em apreço.
Por isso, terá de cair este argumento tendo o Tribunal a quo decidido de forma correcta quando condenou apenas quem podia condenar pela prática do crime de falsificação a par do crime de corrupção.
Entendem ainda os arguidos AA, KK e BB que não se verificam o preenchimento dos elementos objectivos do crime de corrupção passiva porquanto não violaram os deveres dos seus respectivos cargos, o arguido KK porque era Comandante de Esquadra que não tinha ingerência no funcionamento das messes e o arguido BB porque era sub-director da DAT sem influência nas messes e o arguido AA, porque não tinha contacto directo com a respectiva gestão das messes.
Todo o dinheiro que terá ido, quer para estes arguidos em particular[161], quer para os outros que lidavam mais de perto com os fornecedores das messes, quer ainda para os arguidos que agiam como “correios” no esquema em causa, era dinheiro atribuído através do Orçamento do Estado para a gestão das várias valências da Força Aérea, nomeadamente, a alimentação devida a todos os respectivos soldados, sub-oficiais e oficiais.
Ou seja, o dinheiro que serviu de vantagem para os arguidos militares e comerciantes era dinheiro proveniente do erário público e confiado à Força Aérea para ser correctamente gerida na aquisição de bens alimentares para todo o pessoal.
Nessa medida, qualquer desvio desse dinheiro para ganho pessoal dos vários arguidos intervenientes traduz, como não podia deixar de o ser, uma violação dos respectivos cargos que cada arguido pudesse em cada momento deter.
Assim, embora certos arguidos pudessem não ter directamente a ver com a parte prática da angariação do dinheiro, como ocorria com os arguidos directamente encarregues das respectivas messes, ao beneficiarem com uma parte do dinheiro que fora desviado do seu verdadeiro destino, violaram os mais básicos deveres do seu cargo, seja esse cargo exercido na DAT, nas messes ou como Comandantes de Esquadra.
Aliás, o simples facto de conhecerem a existência de um esquema ilegal e, em vez de o denunciarem, tomarem proveito dos respectivos ganhos ilícitos, implica uma violação dos deveres de cumprirem as suas funções com honestidade, ética e respeito pelos valores subjacentes ao cargo, mesmo que as concretas funções exercidas em relação ao cargo não interferissem directamente com a actuação ilícita.
O exercício de um cargo não implica só as concretas funções que esse cargo exige, mas também implica a abstenção de praticar actos lesivos do Estado.
Como se afirma no nº1 do artº 269º da Constituição da República Portuguesa:
“No exercício das suas funções, os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público, tal como é definido, nos termos da lei, pelos órgãos competentes da Administração.” – sublinhado nosso
Ora, este aspecto leva-nos à necessária identificação do bem jurídico tutelado pela criminalização da corrupção.
A doutrina apresenta várias soluções.
Para Almeida Costa o bem jurídico tutelado é a “autonomia intencional do Estado”[162] na medida em que o funcionário “infringe as exigências de legalidade, objetividade e independência que, num Estado de Direito, sempre têm de presidir ao desempenho de funções públicas.”[163]
Já para Cláudia Cruz Santos a tutela incide sobre a “objetividade de decisão do Estado”[164] uma vez que “para a autora, o funcionário público ao tomar decisões em nome da administração pública é, para todos os efeitos, o “rosto” que a representa, pelo que qualquer conduta ilícita por ele praticada incriminará, necessariamente, o próprio Estado e a abalará a crença dos particulares na sua capacidade decisória.”[165]
Por fim, para Paulo Pinto de Albuquerque o bem jurídico tutelado no crime de corrupção é a “integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário”[166] uma vez que, para este autor estará em causa a “função pública e não a atividade privada do funcionário”.[167]
Apesar das divergências doutrinárias há um claro fio condutor uma vez que “recordemos que aquilo que efetivamente se visou aquando da positivação dos presentes tipos legais foi sancionar o simples “mercadejar com as funções do cargo” – afirmação que todos os citados autores parecem comungar. Portanto, pese embora a evidente divergência quanto à concretização, in casu, do bem jurídico tutelado para efeitos do crime de corrupção e do crime de recebimento indevido de vantagem, é unânimamente aceite que a conduta do funcionário público deve pautar-se pelos princípios elementares de imparcialidade, transparência e objetividade, na medida em que (nunca esqueçamos!) qualquer conduta ferida de legalidade que eventualmente pratique contenderá necessariamente com a própria imparcialidade, transparência e objetividade que se exige à Administração pública.”[168]
Questão diversa que cabe agora analisar e que é o necessário pilar para que se possa sequer falar em corrupção é a natureza jurídica de funcionário público atribuído aos arguidos militares para efeitos de subsunção nos crimes previstos nos artº 373º e 374º do Código Penal, qualidade sem cuja existência o tipo legal em apreço não pode ser activado.
Vejamos.
i) Da qualidade de funcionário público:     
- recursos dos arguidos JJJ, Doce Cabaz, Lda., AA, JJ, GG, III, A... Lda. e CC.
Alguns arguidos suscitam a inaplicabilidade da incriminação prevista no artº 373º do Código Penal uma vez que entendem que os militares não são funcionários públicos.
A definição de funcionário para efeitos de enquadramento nos crimes previstos nos artºs 372º e ss do Código Penal encontra-se no artº 386º do Código Penal que diz o seguinte:
“1 - Para efeito da lei penal a expressão funcionário abrange:
a) O funcionário civil;
b) O agente administrativo; e
c) Os árbitros, jurados e peritos; e
d) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar.
2 - Ao funcionário são equiparados os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos.
3 - São ainda equiparados ao funcionário, para efeitos do disposto nos artigos 335.º e 372.º a 374.º:
a) Os magistrados, funcionários, agentes e equiparados de organizações de direito internacional público, independentemente da nacionalidade e residência;
b) Os funcionários nacionais de outros Estados, quando a infração tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português;
c) Todos os que exerçam funções idênticas às descritas no n.º 1 no âmbito de qualquer organização internacional de direito público de que Portugal seja membro, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português;
d) Os magistrados e funcionários de tribunais internacionais, desde que Portugal tenha declarado aceitar a competência desses tribunais;
e) Todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, independentemente da nacionalidade e residência, quando a infração tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português;
f) Os jurados e árbitros nacionais de outros Estados, quando a infração tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português.
4 - A equiparação a funcionário, para efeito da lei penal, de quem desempenhe funções políticas é regulada por lei especial.”
No entanto, já após a prolação de acórdão pelo Tribunal a quo surgiu uma alteração ao Código Penal, operada pela Lei nº 94/2021 de 21-12 que, entre outras alterações, veio dar nova redacção ao artº 386º nos seguintes termos:
“1 - Para efeito da lei penal, a expressão funcionário abrange:
a) O empregado público civil e o militar;
b) Quem desempenhe cargo público em virtude de vínculo especial;
c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma atividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional;
d) Os juízes do Tribunal Constitucional, os juízes do Tribunal de Contas, os magistrados judiciais, os magistrados do Ministério Público, o Procurador-Geral da República, o Provedor de Justiça, os membros do Conselho Superior da Magistratura, os membros do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e os membros do Conselho Superior do Ministério Público;
e) O árbitro, o jurado, o perito, o técnico que auxilie o tribunal em inspeção judicial, o tradutor, o intérprete e o mediador;
f) O notário;
g) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, desempenhar ou participar no desempenho de função pública administrativa ou exercer funções de autoridade em pessoa coletiva de utilidade pública, incluindo as instituições particulares de solidariedade social; e
h) Quem desempenhe ou participe no desempenho de funções públicas em associação pública.
2 - Ao funcionário são equiparados os membros de órgão de gestão ou administração ou órgão fiscal e os trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos, sendo que no caso das empresas com participação igual ou minoritária de capitais públicos, são equiparados a funcionários os titulares de órgão de gestão ou administração designados pelo Estado ou por outro ente público.
3 - [...]:
a) [...];
b) Os funcionários nacionais de outros Estados;
c) Todos os que exerçam funções idênticas às descritas no n.º 1 no âmbito de qualquer organização internacional de direito público de que Portugal seja membro;
d) [...];
e) Todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, independentemente da nacionalidade e residência;
f) Os jurados e árbitros nacionais de outros Estados.
4 - [...].”
Argumenta o arguido UU, através de requerimento apresentado em 23-02-2022 (com a refª ...), ao qual aderiram os arguidos OO, Pac & Bom, Chavibom, KK, ZZ, XX, CCC, WW, MMM, NNN, EE, II, LL, NN, AA, GGG, M..., BB, MM, RR, LLL, Doce Cabaz, Lda., JJJ, FFF, Portral – Comércio de Carnes, Lda., III, A... Lda., HHH e C..., Lda., que:
 “com a alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, ao art. 386.º, n.º 1, al. a), CP, a condenação do Recorrente no crime de corrupção passiva agravada, previsto e punido nos artigos 373.º, n.º 1, 374.º-A, n.os 2 e 3, CP, bem como na pena acessória de proibição do exercício de funções, prevista no art. 66.º, n.º 1, CP, é manifestamente ilegal, contrariando a lei penal substantiva, nomeadamente o princípio da legalidade, previsto no art. 1.º, n.º 1, CP.
Na verdade, o ordenamento jurídico-penal assegura que não pode haver crime, nem pena, que não resulte de lei prévia, escrita, estrita e certa (nullum crimen, nulla poene sine lege).
Nesta medida, confirmar a condenação do Recorrente nos termos já referidos e constantes do Acórdão a quo constitui, sem margem para dúvida, uma interpretação inconstitucional por violação do artigo 29.º, n.º 1, CP, que consagra, precisamente, o princípio da legalidade criminal.”
Acabando tal arguido por suscitar a inconstitucionalidade “da interpretação segundo a qual o militar pode ser condenado no crime de corrupção passiva agravada, com fundamento nos artigos 373.º, n.º 1, 374.º-A, n.os 2 e 3, CP CP, e na pena acessória de proibição do exercício de funções, por referência ao art. 386.º, n.º 1, al. a), CP, na redação que esta norma tinha anteriormente à Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, já que só com a alteração introduzida por este diploma legal passou o militar a estar abrangido no conceito de funcionário, tal como resulta expressamente afirmado pelo legislador na Exposição de Motivos.”
Também o arguido CC, por requerimento junto aos autos em 01-03-2022 (refª ...) defende que:
“pode concluir-se que o legislador nunca quis incluir os funcionários militares na tarifa de funcionários para efeitos penais, e teve inúmeras oportunidades para isso ao longo de 25 anos (para não recuar ao tempo da redacção matricial) e das várias alterações legais introduzidas.
Até agora.
A nova redacção do art. 386.º, n.º 1, a) dada pelo art. 7.º da Lei n.º 94/2021, é claríssima e, inegavelmente, propõe-se preencher o vazio legal existente. E apesar de apenas entrar em vigor a 21 de março de 2022, não é possível legalmente qualquer derrogação até esse momento.”
Vejamos.
Nos Motivos constantes da Proposta de Lei n.º 90/XIV que deu lugar à Lei nº 94/2021 pode ler-se, no que releva para o que se discute nos autos, o seguinte:
“A Estratégia recomenda igualmente a revisão do conceito de funcionário constante do artigo 386.º do Código Penal, considerando a evolução verificada ao nível do setor público empresarial, da justiça militar e do conceito de titular de alto cargo público, e para melhor cumprimento das exigências decorrentes do princípio da legalidade criminal.
Neste contexto, propõe-se alterar o artigo 386.º do Código Penal, consagrando como conceito base de funcionário o de empregado público civil, isto é, aquele que tenha um vínculo de emprego público, por tempo indeterminado ou a termo. Em essência, atualiza-se as noções do Código Penal de funcionário civil e de agente administrativo.
Inclui-se também no conceito de funcionário o militar. Justifica-se este acrescento pelo facto de, no atual Código de Justiça Militar, se preverem apenas crimes de natureza estritamente militar.”
É com base nesta última parte dos Motivos que os arguidos supra referenciados se agarram para invocar a inconstitucionalidade da interpretação que o acórdão recorrido fez acerca do conceito de funcionário para efeitos penais e da integração dos militares nesse conceito.
Ou seja, entendem os arguidos que, com a Lei nº 94/2021, que não lhes é obviamente aplicável por surgir em momento posteiro à alegada prática dos factos, o legislador tomou posição acerca da aparente falta dos militares no elenco de possibilidades que integram o conceito de funcionário para efeitos penais revelando que, só agora, como a entrada em vigor da Lei nº 94/2021, os militares passariam a integrar o conceito de funcionário e, consequentemente, estar sujeitos à punição prevista no artº 373º do Código Penal.
Pese embora essa possa ser a conclusão a que se chega com uma primeira leitura dos referidos Motivos, a verdade é que a alteração resultante da Lei nº 94/2021, e os fundamentos subjacentes à mesma, não podem ser desinseridos de todo o sistema jurídico-penal e jurídico-militar, nem se pode ignorar os Motivos e elemento histórico, subjacentes quer ao Código de Justiça Militar, quer ao próprio Código Penal.
Pois a alteração resultante da Lei nº 94/2021 de 21-12 é operada em relação ao Código Penal, que tem a sua própria ratio, sendo que, tanto este diploma, como a Lei nº 100/2003 de 15-11, que aprova o Código de Justiça Militar, têm de ser conjugados entre si e devidamente interpretados do ponto de vista histórico e constitucional.
Comecemos, então, pelo princípio.
O Código Penal, aprovado pelo DL n.º 400/82, de 23-09, tal como o próprio o afirma na sua Introdução baseou-se “fundamentalmente nos projectos elaborados em 1963 («Parte geral») e em 1966 («Parte especial»), da autoria de Eduardo Correia.”
Conforme refere José de Sousa Brito no voto vencido que consignou no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 634/94 de 28-11-1994[169]:
“Na perspectiva do autor do anteprojecto (Eduardo Correia), as incriminações específicas de funcionários públicos não se deveriam, pois, estender a militares. Embora os trabalhos preparatórios sejam omissos quanto a este ponto, pode presumir-se que se acolheu esta solução por os militares estarem sujeitos a lei penal especial (o Código de Justiça Milita).”
E aqui surge o primeiro confronto legislativo a ter em consideração.
É que, aquando da elaboração do anteprojecto por Eduardo Correia, o Código de Justiça Militar que vigorava na ordem jurídica portuguesa era de 1875[170], e era um diploma que abrangia toda a actuação dos militares, fossem os ilícitos de natureza militar ou não, estando a tónica colocada num factor iminentemente pessoal, ou seja, o que relevava era a qualidade do infractor, neste caso, militar, e não a natureza do ilícito.
Conforme esclarece Souto de Moura[171]:
“Com o Código de justiça Militar (CJM) de 1875, até à Revolução de 25 de Abril de 1974, o paradigma passou a ser o do foro pessoal (que já se ensaiara nos primórdios do Conselho de Guerra), nos termos do qual todos os militares estavam sujeitos à jurisdição militar, só pelo facto de o serem, e não por terem cometido um determinado tipo de crimes. No período do Estado Novo, entre 1933 e 1945 os tribunais militares chegaram a ser usados para julgar crimes políticos, com nefastas consequências quanto à imagem que criaram em certos setores da população.”
Ou como se explicita no preâmbulo do DL Nº 141/77 de 09-04, que viria aprovar um novo Código de Justiça Militar:
“Num rápido bosquejo verifica-se que de 1763 a 1875 vigorou entre nós o critério então generalizado na Europa e que viria a ser consagrado pelo direito napoleónico, segundo o qual a jurisdição castrense só imperava em relação aos delitos específicos da disciplina militar. O Código de 1875 veio, todavia, substituir este critério pelo inverso: à jurisdição castrense ficavam subordinados todos os militares só pelo facto de o serem e fosse qual fosse a natureza do delito cometido. O foro militar passara a foro pessoal.”
Todavia, a entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa, aprovada pelo Decreto de 10 de Abril de 1976, determinou no seu artº 293º nº 2 que “são expressamente ressalvados o Código de Justiça Militar e legislação complementar, os quais devem ser harmonizados com a Constituição, sob pena de caducidade, no prazo de um ano, a contar da publicação desta.”
Com esta imposição constitucional o legislador ordinário viria a revogar o anterior Código de Justiça Militar, generalista no seu escopo, colocando no seu lugar o DL nº 141/77 de 09-04.
Ora, o preâmbulo deste DL nº 141/77 é elucidativo quanto à ratio do novo Código de Justiça Militar:
“A Constituição vigente veio, pois, colocar de novo a jurisdição militar no plano do foro material. O cidadão, militar ou civil, só estará a ele sujeito enquanto violador de interesses especificamente militares. Caso negativo, sobrepõe-se-lhe o foro comum, por força da supremacia natural deste. Daqui que os militares já não respondam por delitos comuns perante o seu antigo foro especial, mas perante os tribunais ordinários, como qualquer outro cidadão. Daqui também que o cidadão não militar, ao violar os interesses superiores das forças armadas consagrados na Constituição, fique sujeito à jurisdição destas.
Ao foro militar é indiferente a qualidade do agente do crime; é a natureza deste que passa a contar, conforme expressamente refere a Constituição no seu artigo 218.º
Por ele limita-se o foro militar ao conhecimento de crimes essencialmente militares, independentemente da qualidade do agente e sem prejuízo de, pela lei ordinária, virem a ser a estes equiparados outros crimes.” – sublinhado nosso
Passou-se, assim, de um direito castrense assente num foro pessoal geral resultante da simples qualidade de militar para um código que passou a regular os crimes essencialmente militares, independentemente do agente ser militar ou não.
 É, assim, com esta primeira restrição ou compressão do âmbito de aplicação do Código de Justiça Militar que surge o Código Penal de 1982, aprovado pelo DL nº 400/82 de 23-09.
Mas a entrada em vigor do Código Penal de 1982 coincide com a primeira revisão à Constituição da República Portuguesa, operada através da Lei nº 1/82 de 30-09.
“É no início do período do constitucionalismo democrático e logo no decurso da primeira revisão constitucional, em 1982, promovida pela Lei n.º 1/82, de 30 de outubro, com a ideia de desmilitarizar o regime político e do subsequente princípio da subordinação das Forças Armadas ao poder politico civil, que se consagra a disposição legitimadora das restrições constitucionais designadamente aplicáveis aos militares das Forças Armadas.”[172]
Com a revisão constitucional operada pela Lei Constitucional n.º 1/1997, de 20 de setembro[173], que “determinou a extinção dos tribunais militares em tempo de paz, atribuindo a jurisdição dos crimes estritamente militares aos tribunais comuns, mantendo no entanto a possibilidade da existência de tribunais militares quando a Pátria se encontre em estado de guerra”[174] o direito militar sofre uma segunda compressão do seu âmbito de aplicação pois a Lei Constitucional, no seu artº 213º, deixou a referência a crimes “essencialmente militares” e passou a prever crimes “estritamente militares”.
Ora, a definição de crimes essencialmente militares consta do artº 1º do DL nº 141/77 de 09-04, que aprovou o Código de Justiça Militar de 1977, na sequência da elaboração da nova constituição de 1976, o qual diz o seguinte:
“1. O presente Código aplica-se aos crimes essencialmente militares.
2. Consideram-se crimes essencialmente militares os factos que violem algum dever militar ou ofendam a segurança e a disciplina das forças armadas, bem como os interesses militares da defesa nacional, e que como tal sejam qualificados pela lei militar.”
“Assim, o conceito de «crime essencialmente militar» haveria de se socorrer dos bens jurídicos, cumprimento de deveres militares, segurança das próprias forças armadas, disciplina que lhe é inerente e interesses militares da defesa nacional.  
No entanto, perante as diversas previsões típicas do CJM de 1977, cedo surgiram discrepâncias quanto à respetiva fidelidade à matriz constitucional. E por isso, o Tribunal Constitucional foi chamado inúmeras vezes a tomar posição sobre o assunto. 
Esta instância procurou determinar o núcleo ou radical impreterível do conceito (limite inultrapassável para o legislador ordinário) núcleo que situou no «âmbito estritamente castrense», devendo as infrações ser aquelas que «afetem inequivocamente interesses de carácter militar». E que «por isso mesmo, hão de ter com a instituição castrense uma qualquer conexão relevante, quer porque existe um nexo entre a conduta punível e algum dever militar, quer porque esse nexo se estabelece com os interesses militares da defesa nacional». «Excluído está – afirmou-se também – que o foro militar seja não mais do que um foro pessoal, no sentido de se tornar relevante para a determinação da competência dos tribunais militares apenas a qualidade pessoal do agente da infração. Mas, do requisito constitucional da essencialidade do crime do ponto de vista militar, resulta para o legislador também uma vinculação positiva no preenchimento do conceito, que não é de forma nenhuma indefinidamente aberto. Decisiva se torna a natureza dos valores que se pretendem proteger, no que ainda poderá continuar a relevar a qualidade do agente, desde que, não seja ela o único critério de qualificação da infração. Neste campo interessará saber se estão em causa valores ligados à defesa nacional ou à organização militar no que tenham de próprio ou pelo menos de específico e que, consequentemente, venham a justificar a autonomização uma ordem jurisdicional».[175]
Com a alteração constitucional operada pela Lei nº 1/97 que ditou uma metamorfose compressora dos crimes essencialmente militares em crimes estritamente militares houve necessidade de proceder a nova revisão do Código de Justiça Militar tendo sido elaborada a Lei nº 100/2003 de 15-11 que viria a aprovar o novo Código de Justiça Militar que no seu artº 1º determina o seguinte:
“1 - O presente Código aplica-se aos crimes de natureza estritamente militar.
2 - Constitui crime estritamente militar o facto lesivo dos interesses militares da defesa nacional e dos demais que a Constituição comete às Forças Armadas e como tal qualificado pela lei.”
Com este novo Código de Justiça Militar comprimiu-se ainda mais o núcleo de crimes que revestem natureza militar e que, portanto, estarão sujeitos a uma jurisdição própria.
Ora, o que se nos afigura importante em todo este historial legislativo, que parece ter sido esquecido pelo legislador nas motivações que oferece no projecto que deu lugar à Lei nº 94/2021, ora sob análise, é que o direito militar começa por ser um direito abrangente de todos os militares nele cabendo todo o tipo de comportamento ilícito desde que praticado por militar, que paulatinamente vai sofrendo restrições na sua aplicação, até atingir um pequeno núcleo de comportamentos que têm de estar intimamente ligados à função militar, qua tale, e que directamente atinjam os interesses de defesa nacional e os outros interesses que a Constituição comete às Forças Armadas.
Mas, com este “encolher” de tutela jurídico-penal militar, expande em igual medida a tutela jurídico-penal comum que acaba por absorver no seu seio os comportamentos outrora considerados militares.
Assim, e ao contrário do entendimento propugnado pelo arguido CC, não se nos afigura haver uma lacuna deixada pelo espaço outrora ocupada pela tutela jurídico-penal militar, não havendo casos omissos cuja integração através de uma interpretação analógica seja proibida pela lei penal.
O que surge é uma expansão do direito penal comum que ocupa o espaço deixado pelo direito penal militar que foi encolhendo na sua esfera de actuação.
Também não se nos afigura que as motivações, tal como se encontram reflectidas no projecto que viria a resultar na Lei nº 94/2021, devam ser tidas em termos estritamente literais uma vez que o Código de Justiça Militar vigente (de 2003) só podia abranger, de acordo com os ditâmes constitucionais plasmados na Lei nº 1/97 e, em particular no artº 213º da CRP na redacção dada por aquela lei de revisão, os crimes estritamente militares.
Ora, o esquema corruptivo retratado nos autos, não reveste natureza estritamente militar, uma vez que se prende exclusivamente com o funcionamento das messes que visa alimentar o respectivo pessoal e garantir a sua alimentação, nada tendo a ver com a segurança nacional nem com outras funções especificamente cometidas às Forças Armadas.
Podia, eventualmente, revestir natureza essencialmente militar na óptica que tem vindo a ser defendida pelo Tribunal Constitucional, na medida em que as messes, ao servirem as necessidades alimentares dos praças, sargentos e oficiais, e, portanto, ao integrar a logística necessária ao bom funcionamento das respectivas Forças Armadas, neste caso em concreto, da Força Aérea, ainda estaria, de algum modo, relacionado com o funcionamento da Força Aérea e, nessa medida, ainda associada a um âmbito militar.
Mas, tendo os crimes em apreço sido cometidos a partir de 2011, estaria já em vigor o Código de Justiça Militar de 2003 o que significa que os crimes, para caírem sob a alçada deste código, mais especificamente sob o artº 36º, teriam de ter cunho estritamente militar o que não têm.
Significa isto, então, que os crimes de corrupção, cometidos por um militar no exercício de funções que também lhe foram cometidos, embora sem índole estritamente militar, ficam de fora da tutela penal?
A resposta tem de ser negativa pelos seguintes motivos.
Apesar das Forças Armadas prosseguirem funções muitos específicas, sendo que o estatuto dos militares implica uma compressão de alguns direitos constitucionais reconhecidos a outras pessoas, não deixam, contudo, de integrar a Administração do Estado.
E como tal, não deixam de ser responsáveis como os outros servidores do Estado pelo simples facto de que, estando os militares onerados com o cumprimento de deveres que mais nenhum outro funcionário público tem, nomeadamente, o dever de dar a vida pela Pátria, a esfera de actuação dos militares em termos jurídicos é muito mais ampla do que a esfera de actuação dos outros servidores estatais.
Mas, sendo assim, quem pode o mais pode o menos, ou no reverso da moeda, quem se sujeita ao mais tem de se sujeitar ao menos, isto é, se os militares podem ser chamados a cumprir missões que possam pôr em perigo a sua vida, e se lhes pode ser exigida a entrega da sua vida em prol da defesa da Pátria, por maioria de razão é-lhes exigível o mesmo rigor, isenção, transparência e honestidade que é exigido a todos os demais servidores do Estado, mormente os funcionários públicos civis, em todo o mais quanto possam desenvolver no âmbito mais alargado das suas funções nomeadamente a de índole meramente administrativa.
Não é concebível, de um ponto de vista ontológico, que se possa pedir a um militar que entregue a sua vida, o seu bem mais precioso e um direito inviolável, pela defesa do seu País, e que não se lhe possa exigir um comportamento leal e ético no tratamento de dinheiros públicos na gestão de uma messe.
O que sucedeu com as sucessivas alterações legislativas é que a tutela jurídico-penal dos militares foi sendo especializada e refinada, ficando para o direito penal comum todo o ilícito que não se revestisse de estrita natureza militar.
Mas o facto de não estar previsto no Código de Justiça Militar actual o crime de corrupção comum, reservado a servidores do Estado, não significa que os militares não pudessem desde logo estar abrangidos pelo Código Penal em tudo quanto não fosse estritamente militar.
Vejamos, olhando, primeiro, as várias alterações ao conceito de funcionário adoptado pelo Código Penal.
O Código Penal de 1982 previa no seu artº 437º o seguinte conceito de funcionário para efeitos penais:
“1 - Para efeitos da lei penal, a expressão funcionário abrange:
a) O funcionário civil;
b) O agente administrativo;
c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tenha sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhe funções em organismos de utilidade pública ou nelas participe.
2 - A equiparação a funcionário, para efeitos da lei penal, de quem desempenhe funções políticas, governativas ou legislativas, será regulada por lei especial.”
Se considerarmos que em 1982 estava em vigor o Código de Justiça Militar (CJM) de 1977 em que eram abrangidos crimes essencialmente militares, seria natural que a maior parte dos crimes cometidos pelos militares, se não praticamente todos, poderia ser enquadrada no respectivo CJM ficando qualquer comportamento residual abrangida pela al. c).
É com o DL nº 48/95 de 15-03 que se faz uma profunda reforma ao Código Penal e o conceito de funcionário é deslocado do artº 437º para o artº 386º que dizia o seguinte:
“1 - Para efeito da lei penal a expressão funcionário abrange:
a) O funcionário civil;
b) O agente administrativo; e
c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar.
2 - Ao funcionário são equiparados os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos.
3 - A equiparação a funcionário, para efeito da lei penal, de quem desempenhe funções políticas é regulada por lei especial.”
Nesta altura ainda se mantém a natureza essencialmente militar dos crimes previstos no CJM sendo a actuação residual dos militares enquadrável na al. c).
Com a alteração operada no Código Penal pela Lei nº 108/2001 de 28-11[176] o conceito de funcionário contido no artº 386º passou a ter a seguinte redacção:
“1 - Para efeito da lei penal a expressão funcionário abrange:
a) O funcionário civil;
b) O agente administrativo; e
c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar.
2 - Ao funcionário são equiparados os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos.
3 - São ainda equiparadas ao funcionário, para efeitos do disposto nos artigos 372.º a 374.º:
a) Os magistrados, funcionários, agentes e equiparados da União Europeia, independentemente da nacionalidade e residência;
b) Os funcionários nacionais de outros Estados-Membros da União Europeia, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português;
c) Todos os que exerçam funções idênticas às descritas no n.º 1 no âmbito de qualquer organização internacional de direito público de que Portugal seja membro, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português.
4 - A equiparação a funcionário, para efeito da lei penal, de quem desempenhe funções políticas é regulada por lei especial.”
Com a alteração operada no Código Penal pela Lei nº 59/2007 de 04-09[177] o conceito de funcionário contido no artº 386º passou a ter a seguinte redacção:
“1 - Para efeito da lei penal a expressão funcionário abrange:
a) O funcionário civil;
b) O agente administrativo; e
c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar.
2 - Ao funcionário são equiparados os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos.
3 - São ainda equiparados ao funcionário, para efeitos do disposto nos artigos 372.º a 374.º:
a) Os magistrados, funcionários, agentes e equiparados da União Europeia, independentemente da nacionalidade e residência;
b) Os funcionários nacionais de outros Estados membros da União Europeia, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português;
c) Todos os que exerçam funções idênticas às descritas no n.º 1 no âmbito de qualquer organização internacional de direito público de que Portugal seja membro, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português;
d) Todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos.
4 - A equiparação a funcionário, para efeito da lei penal, de quem desempenhe funções políticas é regulada por lei especial.”
Com a alteração operada no Código Penal pela Lei nº 32/2010 de 02-09[178] o conceito de funcionário contido no artº 386º passou a ter a seguinte redacção:
“1 - Para efeito da lei penal a expressão funcionário abrange:
a) O funcionário civil;
b) O agente administrativo; e
c) Os árbitros, jurados e peritos; e
D) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar.
2 - Ao funcionário são equiparados os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos.
3 - São ainda equiparados ao funcionário, para efeitos do disposto nos artigos 372.º a 374.º:
a) Os magistrados, funcionários, agentes e equiparados da União Europeia, independentemente da nacionalidade e residência;
b) Os funcionários nacionais de outros Estados membros da União Europeia, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português;
c) Todos os que exerçam funções idênticas às descritas no n.º 1 no âmbito de qualquer organização internacional de direito público de que Portugal seja membro, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português;
d) Todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos.
4 - A equiparação a funcionário, para efeito da lei penal, de quem desempenhe funções políticas é regulada por lei especial.”
E por fim com a alteração operada no Código Penal pela Lei nº 30/2015 de 22-04[179], que é a aplicável ao caso dos autos, o conceito de funcionário contido no artº 386º passou a ter a seguinte redacção:
“1 - Para efeito da lei penal a expressão funcionário abrange:
a) O funcionário civil;
b) O agente administrativo; e
c) Os árbitros, jurados e peritos; e
d) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar.
2 - Ao funcionário são equiparados os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos.
3 - São ainda equiparados ao funcionário, para efeitos do disposto nos artigos 335.º e 372.º a 374.º:
a) Os magistrados, funcionários, agentes e equiparados de organizações de direito internacional público, independentemente da nacionalidade e residência;
b) Os funcionários nacionais de outros Estados, quando a infração tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português;
c) Todos os que exerçam funções idênticas às descritas no n.º 1 no âmbito de qualquer organização internacional de direito público de que Portugal seja membro, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português;
d) Os magistrados e funcionários de tribunais internacionais, desde que Portugal tenha declarado aceitar a competência desses tribunais;
e) Todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, independentemente da nacionalidade e residência, quando a infração tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português;
f) Os jurados e árbitros nacionais de outros Estados, quando a infração tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português.
4 - A equiparação a funcionário, para efeito da lei penal, de quem desempenhe funções políticas é regulada por lei especial.”
Para o que se discute nos presentes autos, em todas estas alterações o legislador manteve essencialmente intacto o nº 1.
Ora, recapitulando o teor do nº 1 do artº 386º do Código Penal na redacção apresentada pela Lei nº 94/2021 de 21-12 constata-se o seguinte:
“1 — Para efeito da lei penal, a expressão funcionário abrange:
a) O empregado público civil e o militar;
b) Quem desempenhe cargo público em virtude de vínculo especial;
c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma atividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional;
d) Os juízes do Tribunal Constitucional, os juízes do Tribunal de Contas, os magistrados judiciais, os magistrados do Ministério Público, o Procurador -Geral da República, o Provedor de Justiça, os membros do Conselho Superior da Magistratura, os membros do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e os membros do Conselho Superior do Ministério Público;
e) O árbitro, o jurado, o perito, o técnico que auxilie o tribunal em inspeção judicial, o tradutor, o intérprete e o mediador;
f) O notário;
g) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, desempenhar ou participar no desempenho de função pública administrativa ou exercer funções de autoridade em pessoa coletiva de utilidade pública, incluindo as instituições particulares de solidariedade social; e
h) Quem desempenhe ou participe no desempenho de funções públicas em associação pública.”
Note-se que a al. a) do nº 1 do artº 386º passa de “funcionário civil” para “empregado público civil e militar”.
No regime anterior ao ora introduzido pela Lei nº 94/2021 os militares eram reconduzidos à al. d) do nº 1 do artº 386º na medida em que a actividade por si desempenhada, que não fosse estritamente militar, caberia nas funções normais administrativas que qualquer entidade administrativa desempenha.
Com a nova alteração o legislador desloca para a al. a) do nº 1 do artº 386º os militares e qualifica-os de “empregados públicos” reconhecendo, o que a jurisprudência, há muito, vinha dizendo quanto à natureza do vínculo administrativo dos militares.
Vinculo esse que, na esteira do Tribunal Constitucional, foi sendo adoptado pelo Tribunal de Contas no seu Acórdão n.º 1/00-FJ/29.JUN/PG[180] que estabeleceu o seguinte:
“Com os doutos fundamentos constantes da argumentação solidamente desenvolvida no n.º II do Acórdão n.º 662/99 (processo n.º 52/99 — 2.a Secção), proferido em 7 de Dezembro de 1999, o Tribunal Constitucional decidiu, por um lado, «julgar inconstitucional, por violação do artigo 13.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 47.º, a norma constante da alínea a) do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 de Dezembro, quando interpretada no sentido de o conceito de funcionário nela utilizado não abranger os militares dos quadros permanentes das Forças Armadas,»
a) Reformar a decisão impugnada (Acórdão n.º 3/98, do plenário geral, de 16 de Dezembro) e fixar jurisprudência nos seguintes termos:
«Os militares dos quadros permanentes das Forças Armadas, no activo ou na reserva, são de considerar como funcionários para os efeitos de admissão como opositores a concursos internos gerais da Administração Pública ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 de Dezembro, desde que para tanto estejam dotados da necessária autorização superior e não venham, no caso de posterior desempenho de funções nesses lugares por parte dos militares na reserva, a auferir de modo diverso do estipulado para os funcionários da Administração Pública Civil do Estado em situação análoga.»
Ou seja, já se vinha enquadrando os militares no âmbito do direito público e na categoria de funcionários públicos para tudo quanto não fosse de índole estritamente militar.
O que sucede, a nosso ver, é que o legislador de 2021 quis colocar os militares sem qualquer sombra de dúvida no âmbito dos funcionários públicos para efeitos penais, e daí a referência ao CJM que prevê crimes especificamente militares.
No fundo, o que se pretende com a Lei nº 94/2021 é estabelecer, de uma vez por todas, que os militares são funcionários públicos para efeitos penais em tudo quanto não seja subsumível ao Código de Justiça Militar.
Ou, dito por outras palavras, o legislador de 2021, olhando o militar como verdadeiro “empregado público” colocou-o a par dos funcionários públicos civis, em vez de o considerar um prestador ocasional de funções públicas, em que se cindia o estatuto do militar em tudo quanto não fosse do foro militar.
Isto e, até à alteração ao artº 386º do Código Penal ora introduzida pela Lei nº 94/2021, o militar teria um tratamento jurídico-penal híbrido, ou seja, se cometesse crimes estritamente militares recebia tratamento penal através do CJM, que incorpora um direito penal especial, mas se cometesse crimes, enquanto desempenhava as suas funções de militar mas que não fossem estritamente militares, era considerado como que “emprestado” à função pública somente no âmbito daquelas funções públicas que não eram especificamente militares.
Com a Lei nº 94/2021 o legislador vem assumir que o militar é um empregado público na sua íntegra (e não só em termos militares) pelo que, quando estão em causa crimes que não são estritamente militares, isto é, que não põem em causa a segurança da Nação, nem derivam de funções especificamente cometidas às Forças Armadas pela Constituição, deve assim ser visto, como funcionário público, para efeitos penais.
Mas isso não significa, como pretendem os arguidos, que antes desta alteração legislativa os militares não pudessem ser abrangidos pelo disposto no artº 386º do Código Penal.
Apenas que a sua actuação, fora do foro estritamente militar, que se foi reduzindo ao longo dos anos e por força das alterações legislativas sucessivas, se enquadrava na parte residual das suas funções administrativas subsumíveis precisamente na al. d) do nº 1 do artº 386º.
Foi esta operação de subsunção residual que o Tribunal a quo realizou e que a nosso ver se mantém válido em face da alteração legislativa operada pela Lei nº 94/2021 cuja função prática foi a de terminar com a velha querela acerca da natureza de servidor público dos militares para efeitos penais e deslocar a sua actuação de uma esfera meramente residual – a contida na al. d) do nº 1 do artº 386º do CP – para primeiro plano (o de um verdadeiro funcionário público) em tudo quanto não seja de natureza estritamente militar.
Vejamos.
Em primeiro lugar e, pese embora, os arguidos militares integrem um dos ramos das Forças Armadas que integram, por sua vez, a Defesa Nacional[181] que, em termos constitucionais não pertence à Administração Pública, a verdade é que a Defesa Nacional incumbe ao Estado, e, portanto, as Forças Armadas fazem parte das funções do Estado e nessa medida, considerando o bem jurídico tutelado conforme supra vimos, em qualquer das acepções oferecidas, os militares não deixam de agir em nome do Estado, para prosseguir funções especificamente acometidas ao Estado e na prossecução do bem comum.
Aliás, nos termos do nº 1 do artº 4º do DL nº 183/2014 de 29 de Dezembro, que aprova a Lei Orgância da Defesa Nacional pode ler-se:
“1 - As Forças Armadas integram-se na administração direta do Estado, através do MDN, com a organização que consta na LOBOFA, e compreendem:
a) O Estado-Maior-General das Forças Armadas;
b) Os ramos das Forças Armadas - Marinha, Exército e Força Aérea.”
Afigura-se-nos que se tem perdido tempo nos autos a discutir a natureza jurídica dos arguidos militares esquecendo-se de que, ninguém os considera “funcionários públicos” na real acepção da palavra, pois têm um estatuto próprio e prosseguem fins específicos, embora estatais, diferentes da Administração Pública strictu sensu.
Sendo esta a verdadeira inovação da Lei nº 94/2021 que acaba com esta discussão ao enquadrar os militares, para efeitos penais, na categoria de “empregados públicos”.
O que se diz (antes da Lei nº 94/2021), e é isso que resulta da aplicação da al. d) do nº 1 do artº 386º do Código Penal, é que, para efeitos da prática de certos tipos de crimes, neste caso, crime de corrupção, os arguidos militares são equiparados[182] a funcionários para efeitos de incriminação.
E compreende-se porquê.
Porque apesar das funções de defesa muito especificas acometidas aos militares, estes não agem em nome pessoal para prosseguir fins particulares.
As armas de fogo e o material bélico que só eles têm direito de usar são para os fins específicos de defesa nacional e não para seu uso pessoal indiscriminado.
As fardas que utilizam e as patentes de que beneficiam fazem parte de uma carreira militar cuja finalidade é a defesa nacional, motivo pelo qual também juram bandeira.
A existência de um militar, enquanto tal, é para prosseguir a defesa nacional e a conservação do País.
Por isso, tudo quanto um militar faça enquanto exerce as suas funções, sejam elas como gerente de uma messe, como comandante de esquadra, a pilotar um avião ou a ensinar jovens cadetes, integram funções de índole pública cuja finalidade última é a defesa nacional.
Repare-se que os magistrados judiciais, que não são seguramente funcionários públicos, uma vez que são titulares de órgãos de soberania[183], para efeitos de incriminação por crimes de corrupção também sofrem – e bem – a mesma equiparação.
Aqui o que releva é a qualidade de servidor público, quer se trate de efectivar a defesa nacional de uma nação ou administrar a justiça em nome do povo.
Uns e outros, até pela relevância das funções que desempenham, acabam por assumir um ónus ainda mais vincado no tocante ao cumprimento, não só dos seus deveres inerentes ao respectivo cargo, mas dos deveres genéricos de cumprimento das leis, transparência e independência sendo a ética uma palavra que tem de existir em cada actuação.
O simples facto de um general da Força Aérea não ter como funções específicas gerir uma messe e efectuar as compras aos fornecedores não signfica que, tendo conhecimento de que uma prática ilícita se passa nessa área, tem o direito de beneficiar dessa prática –  em vez de a denunciar – e tomar proveito pessoal de uma parte do erário público que foi destinado à alimentação dos militares, precisamente para lhes garantir as melhores condições de desempenho.
Quem diz general, diz coronel, major, capitão e todas as patentes que possam estar envolvidas num esquema que, embora ocorrendo a latere das suas específicas funções militares, ocorre dentro do âmbito da sua actuação enquanto militar que tem o dever de se pautar com rigor, isenção e desinteresse pelo seu ganho pessoal.
É isto que, no fundo, está verdadeiramente em causa na incriminação dos crimes de corrupção, ou seja, pretende-se evitar a utilização de um cargo ou funções que integrem o Estado ou prosseguem fins estritamente público-estatais, quer na qualidade de funcionário público, quer na qualidade de “servidor do Estado” e que, no caso em apreço, implica a prossecução dos fins de defesa nacional, para garantir a integridade fronteiriça do País, a segurança dos seus habitantes e o repelimento de ingerências estrangeiras.
Por isso é que a corrupção, quando ocorre numa área tão sensível como as Forças Armadas, em que os militares juraram bandeira e estão dispostos a darem a sua vida em defesa da Nação, o simples lucrar com dinheiros públicos destinados à alimentação desses mesmos militares, é considerado algo de tão mesquinho – o prosseguir fins pessoais de índole económico à custa do dinheiro de todos – que não se enquadra com as mui nobres funções – diríamos mesmo missão – dos militares que juraram defender o seu país, com a sua vida se necessário.
O cargo que aqui está em causa não é só o cargo específico que cada arguido militar detinha dentro da hierarquia da Força Aérea, mas é um cargo eminentemente público na medida em que todo o estatuto especial de que os militares beneficiam visa garantir a segurança do País.
Repare-se que, nos termos do disposto no artº 7º do DL nº 90/2015 de 29-05[184], que aprova o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, o juramento de bandeira[185] traduz-se no seguinte:
«Juro, como português(a) e como militar, guardar e fazer guardar a Constituição e as leis da República, servir as Forças Armadas e cumprir os deveres militares. Juro defender a minha Pátria e estar sempre pronto(a) a lutar pela sua liberdade e independência, mesmo com o sacrifício da própria vida.»
Ora, guardar as leis da República significa não cometer crimes.
Pergunta-se: como é que se pode pedir a uma população que confie a sua vida e defesa do seu País a um militar se esse mesmo militar não revela qualquer dificuldade em utilizar dinheiros públicos para fins pessoais?
Porque é isso mesmo que está em causa em última análise: a utilização indevida de dinheiros públicos para ganho pessoal.
Pergunta-se, numa polémica de há longa data, se “os deveres do cargo” – um dos elementos objectivos do tipo legal em apreço –  deverão corresponder às específicas competências legais ou, pelo contrário, se poderão importar a simples actuação de “meros poderes de facto” decorrentes da posição “funcional” do agente?
Conforme pacificamente aceite na nossa jurisprudência mais abalizada, do qual o Acórdão da Relação de Évora de 16-02-2016[186] é meramente exemplificativo:
«De resto, a favor da tese da “relação funcional imediata” e dos “poderes de facto”, assinale-se que, ao menos na corrupção própria, só com base naquele critério se pode punir o funcionário dito “competente” para a prática pretendida com o suborno. Na verdade a lei nunca confere competência para a realização de actos injustos ou ilícitos, pelo que, também aí a sua efectivação se fica a dever, única e exclusivamente aos “poderes fácticos” decorrentes da “relação funcional imediata” do agente do cargo.
Esta a doutrina aceita pela jurisprudência no âmbito do CP de 1886 (cf. a título de exemplo os Acs. do STJ de 14 de Março de 1953, BMJ 36º., 89 e ss., e de 15 de Julho de 1970, BMJ 199º 139 e Maia Gonçalves, 1982, 515) e que parece de seguir no direito vigente. No plano material, a “autonomia funcional do Estado” resulta ofendida com igual intensidade, quer o acto subornado tenha sido realizado pelo próprio funcionário “competente”, quer provenha de outro que, possuindo uma relação funcional directa com o serviço, apenas o levou a cabo na actuação de “meros poderes de facto”. Na medida em que estes decorrem de uma relação funcional do agente, i. e., do posto que ocupa, o recebimento da peita pelo (ou para o) seu exercício constitui, ainda, uma transacção com o seu cargo e, por isso, uma situação de corrupção passiva”.
Em síntese, os actos dos funcionários, para serem relevantes para o preenchimento dos tipos de corrupção, hão-de caber dentro das suas específicas competências legais ou dos poderes de facto decorrentes do cargo que desempenham.
No mesmo sentido, na vigência do actual Código Penal, vide o Acórdão do STJ de 19 de Setembro de 1990, proferido no processo nº 40.980/3ª do qual consta: “No actual Código Penal basta que o acto praticado pelo funcionário público implique violação dos deveres do seu cargo, bastando que se trate de acto relacionado com o cargo exercido, apenas se afastando aqueles a que o serviço do funcionário, em relação ao acto concreto praticado é completamente alheio”».          
Ou, como se afirma no Acórdão do STJ de 21-03-2018[187]:
“De entre as condutas susceptíveis de integrar o crime de corrupção passiva, tendo em vista a competência própria (do exercício do cargo) do agente do acto, não é necessário que a conduta prometida ou efectuada pelo empregado público pertença à esfera de competência das suas específicas atribuições ou competências, bastando a simples circunstâncias de a actividade em causa se encontrar numa «relação funcional imediata» com o desempenho do respectivo cargo, o que sucederá sempre que a realização do acto subordinado caiba no âmbito «fáctico» das suas possibilidades de intervenção, isto é, dos “poderes de facto” inerentes ao exercício das correspondentes funções, a significar ser criminalmente relevante o acto subornado quando o mesmo é propiciado pelo cumprimento “normal” das atribuições legais, apesar do agente exorbitar aqueles seus poderes.”
Se vingasse a tese de alguns arguidos militares teríamos a situação de não poderem nunca ser responsabilizados criminalmente pois, não podendo ser equiparados a funcionários para efeitos do artº 373º do Código Penal ou sendo-o, não se considerando o acto ou omissão contidos nos deveres do respectivo cargo, também não poderiam ser condenados pelo crime de corrupção previsto no artº 36º do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei nº 100/2003 de 15-11 uma vez que, este artigo exige uma estrita relação com as funções militares, concretamente, ele implica uma actuação que faça perigar a segurança nacional.
Vejamos.
Diz o artº 36º do Código de Justiça Militar inserida na secção III[188], dedicada à Infidelidade no Serviço Militar, e cuja epígrafe é “corrupção passiva para a prática de acto ilícito”, o seguinte:
“1 - Aquele que, integrado ou ao serviço das Forças Armadas ou de outras forças militares, por si ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial ou a sua promessa, como contrapartida de acto ou omissão contrários aos deveres do cargo e de que resulte um perigo para a segurança nacional, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos.
2 - Se o agente, antes da prática do facto, voluntariamente repudiar o oferecimento ou a promessa que acertara ou restituir a vantagem ou, tratando-se de coisa fungível, o seu valor, é dispensado de pena.
3 - Consideram-se ao serviço das Forças Armadas ou de outras forças militares os civis que sejam seus funcionários, no sentido do artigo 386.º do Código Penal, e integradas as pessoas referidas no artigo 4.º”[189] – sublinhado e negrito nossos
Ora, no caso em apreço, a actuação dos arguidos militares não implicou um perigo para a segurança nacional, motivo pelo qual, não se tratando de um crime eminentemente militar são os Tribunais Comuns os competentes para julgar o caso como parece ter sido pacificamente aceite pela esmagadora maioria dos arguidos[190].
Mas, ao não implicar um perigo para a segurança nacional, se subtraíssemos a actuação dos arguidos à previsão do artº 373º do Código Penal por não os considerar abrangidos pelo artº 386º nº 1 al. d), ou seja, apenas porque não se consideram equiparados a funcionários para efeitos dessa norma, então teríamos um vazio legal não consentido e absolutamente inaceitável aos olhos de uma comunidade que de há muito vem reclamando um fim ao esbanjamento de dinheiros públicos, aos compadrios e à prossecução de interesses pessoais através de cargos cuja finalidade é servir o bem comum de todos.
A corrupção, infeliz prática milenar, é o câncro das sociedades democráticas e, infelizmente, Portugal não tem sido excepção.
Em “2001, Portugal integrava o pódio dos países mais corruptos da União Europeia e o número de condenações revela-se absolutamente insignificante[191]. (Sendo que) Portugal aparecia na terceira posição entre os países da União Europeia com maiores níveis de corrupção[192]. Também, de 2000 a 2009, Portugal desceu da 23º para 35º posição no índice mundial da transparência da corrupção.”[193]
Não há, assim, a menor dúvida que a actuação dos arguidos militares é subsumível no artº 373º do Código Penal por os mesmos se enquadrarem na situação prevista na al. d) do nº 1 do artº 386º do Código Penal tendo o Tribunal a quo efectuado uma correcta interpretação legal e aplicação jurídica.
E não se diga que esta interpretação é, conforme propugnam os arguidos FFF, Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda., III, A... Lda. e CC, e agora os arguidos UU e aqueles que, sem terem antes a suscitado, vêm agora fazê-lo, inconstitucional por violação do disposto no artº 29º nºs 1 e 3 da CRP e ainda do disposto no artº 7º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos ou porque o Tribunal a quo fez uma interpretação extensiva[194] do conceito de funcionário não consentida em termos penais.
Vejamos, recordando o que dizem os nºs 1 e 3 do artº 29º da CRP.
“1. Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior.
3. Não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas em lei anterior.”
Estas normas encontram expressão directa no artº 7º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos[195].
Ora os arguidos foram condenados por lei já existente ao tempo da imputada prática.
Como muito bem referido no acórdão ora sob escrutínio[196]:
“Com efeito, a tipificação do conceito de funcionário a que alude o art. 386º, n.º 1 al. d) do Código Penal existia já no domínio do Código Penal de 1982, na sua redação originária, e assim se manteve após a revisão operada pela Lei n.º 48/95, de 15 de março, sem prejuízo de alterações de redação entretanto verificadas – art. 437º, n.º 1 al. c), in fine -, sendo igual o respetivo conteúdo normativo. Trata-se, consequentemente, de uma norma penal preexistente aos factos, razão pela qual a sua aplicação in casu não consubstancia qualquer violação dos preceitos invocados.”
E nada obsta a que se integre no conceito de funcionário a actuação de militares de qualquer ramo das Forças Armadas[197].
Conforme já vimos “o conceito de funcionário, definido pelo artigo 386 do CP, é um conceito amplo, diferente do conceito de funcionário para efeitos administrativos e, cada vez mais amplo como resulta das sucessivas alterações legislativas; (sendo que) o conceito, para o direito penal, consagra qualquer atividade realizada com fins próprios do Estado (…)”[198]
Nos termos do disposto no artº 2º da Lei n.º 11/89 de 1 de Junho, que aprova as Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar:
“A condição militar caracteriza-se:
a) Pela subordinação ao interesse nacional;
b) Pela permanente disponibilidade para lutar em defesa da Pátria, se necessário com o sacrifício da própria vida;
c) Pela sujeição aos riscos inerentes ao cumprimento das missões militares, bem como à formação, instrução e treino que as mesmas exigem, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra;
d) Pela subordinação à hierarquia militar, nos termos da lei;
e) Pela aplicação de um regime disciplinar próprio;
f) Pela permanente disponibilidade para o serviço, ainda que com sacrifício dos interesses pessoais;
g) Pela restrição, constitucionalmente prevista, do exercício de alguns direitos e liberdades;
h) Pela adopção, em todas as situações, de uma conduta conforme com a ética militar, por forma a contribuir para o prestígio e valorização moral das forças armadas;
i) Pela consagração de especiais direitos, compensações e regalias, designadamente nos campos da Segurança Social, assistência, remunerações, cobertura de riscos, carreiras e formação.” – negrito nosso
Sendo que, nos termos do artº 3º do mesmo diploma legal “os militares assumem o compromisso público de respeitar a Constituição e as demais leis da República e obrigam-se a cumprir os regulamentos e as determinações a que devam respeito, nos termos da lei.”
Por outro lado, nos termos do artº 22º da Lei de Defesa Nacional[199]:
“1 - As Forças Armadas são a instituição nacional incumbida de assegurar a defesa militar da República.
2 - As Forças Armadas obedecem aos órgãos de soberania competentes[200], nos termos definidos na Constituição e na lei.
3 - As Forças Armadas estão ao serviço dos Portugueses e são rigorosamente apartidárias.
4 - As Forças Armadas compõem-se exclusivamente de cidadãos portugueses e a sua organização é única para todo o território nacional.
5 - A execução da componente militar da defesa nacional incumbe em exclusivo às Forças Armadas, sendo proibida a constituição de associações ou agrupamentos armados, de tipo militar, militarizado ou paramilitar.”
Não há, assim, a mais pálida dúvida de que os militares que integram as Forças Armadas prosseguem interesses exclusivamente estatais, atento que, nos termos do artº 25º da mesma Lei “os militares das Forças Armadas servem, exclusivamente, a República e a comunidade nacional e assumem voluntariamente os direitos e deveres que integram a condição militar, nos termos da lei.”
 Por isso, qualquer actuação que o militar faça enquanto no exercício das suas funções de militar, permite equipará-lo a outros agentes do Estado, incluindo os Administrativos.
No fundo, o militar é muito mais do que um mero funcionário público, tendo um estatuto próprio ele não deixa de absorver na sua esfera jurídica os deveres gerais dos funcionários públicos e ainda os especiais de militar.
Pelo que, não sendo inconstitucional a interpretação efectuada pelo Tribunal a quo, quer no seu entendimento propugnado antes da elaboração da Lei nº 94/2021, quer já na senda desta Lei, têm de improceder os recursos que suscitaram a impossibilidade de se equiparar os militares a funcionários para efeitos de aplicação do disposto no artº 373º do Código Penal, por força do artº 386º do mesmo diploma.
Vejamos, agora, a questão do concurso de crimes.
ii) Do concurso de crimes:
- recursos dos arguidos UU, TT, III e A... Lda..
Entendem ainda alguns arguidos que não se pode considerar existir entre o crime de falsificação de documento e o crime de corrupção uma relação de concurso efectivo uma vez que, como o próprio Tribunal a quo admitiu, a falsificação era transversal ao esquema de corrupção.
Assim, na óptica destes arguidos, sendo a falsificação um elemento essencial à consumação da corrupção a mesma mais traduz um acto de execução que não pode revestir autonomia jurídica a nível de punição.
Vejamos.
O concurso efectivo ou real de crimes vem previsto no artº 30º nº 1 do Código Penal, subordinado à epígrafe “concurso de crimes e crime continuado” que diz o seguinte:
“1 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.”
No entanto, a doutrina e jurisprudência portuguesas tem, ao longo dos anos, se debatido com a figura do concurso aparente de crimes que Eduardo Correia[201] explica da seguinte maneira:
“Muitas normas do direito criminal – como aliás as de outros ramos de direito – estão umas para com as outras em relação de hierarquia, no sentido precisamente de que a aplicação de algumas delas exclui, sob certas circunstâncias, a possibilidade de eficácia cumulativa de outras. De onde resulta que a pluralidade de tipos que se podem considerar preenchidos quando se toma isoladamente cada uma das respectivas disposições penais, vem do fim de contas em muitos casos, olhadas tais relações de mútua exclusão e subordinação, a revelar-se inexistente. Neste sentido se afirma que se estará então perante um concurso legal ou aparente de infracções.”
Essa relação de hierarquia ou dependência traduz-se em:
- especialidade: que se traduz “na relação que se estabelece entre dois ou mais preceitos, sempre que na «lex specialis» se contêm já todos os elementos duma «lex generalis», isto é, daquilo que chamamos um tipo fundamental de crime, e, ainda certos elementos especializadores.”[202]
- consunção: quando se verificam entre as normas legais uma relação de mais e de menos: “uns contêm-se já nos outros, de tal maneira, que uma norma consome já a protecção que a outra visa. Daí que, ainda com fundamento na regra «ne bis in idem», se tenha de concluir que «lex consumens derogat legi consumtae.»”[203] [204]
- subsidiariedade: “neste grupo se englobariam não só as relações que entre certos preceitos se estabelecem pelo facto de uns condicionarem expressamente a sua eficácia ao facto de outros se não aplicarem (subsidiariedade expressa), mas também aquelas outras cuja eficácia se apoia numa certa relação lógica entre normas criminais (subsidiariedade tácita).”[205]
Em termos jurisprudenciais o tema da distinção entre o concurso real de infracções e o concurso aparente é recorrente, sendo que o Acórdão do STJ de 27-05-2010 (procº nº 474/09.4.L1.S1 in dgsi.pt) por ser particularmente claro sobre assunto merece aqui o seguinte destaque:
“I - A problemática relativa ao concurso de crimes (unidade e pluralidade de infracções), das mais complexas na teoria geral do direito penal, tem no art. 30.º do CP, a indicação de um princípio geral de solução: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
II - O critério determinante do concurso é, assim, no plano da indicação legislativa, o que resulta da consideração dos tipos legais violados. E efectivamente violados, o que aponta decisivamente para a consagração de um critério teleológico referido ao bem jurídico.
III - A indicação da lei acolhe, pois, as construções teoréticas e as categorias dogmáticas que, sucessivamente elaboradas, se acolhem nas noções de concurso real e concurso ideal.
IV - Há concurso real quando o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime (pluralidade de acções), e concurso ideal quando através de uma mesma acção se violam várias normas penais ou a mesma norma repetidas vezes (unidade de acção).
V - O critério teleológico que a lei acolhe no tratamento do concurso de crimes, condensado na referência a crimes «efectivamente cometidos», é adequado a delimitar os casos de concurso efectivo (pluralidade de crimes através de uma mesma acção ou de várias acções) das situações em que, não obstante a pluralidade de tipos de crime eventualmente preenchidos, não existe efectivo concurso de crimes (os casos de concurso aparente e de crime continuado).
VI - Ao lado das espécies de concurso próprio (ideal ou real) há, com efeito, casos em que as leis penais concorrem só na aparência, excluindo uma as outras.
VII - A ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de uma acção pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração – concurso impróprio, aparente ou unidade de lei.
VIII - A determinação dos casos de concurso aparente faz-se, de acordo com as definições maioritárias, segunda regras de especialidade, subsidiariedade ou consumpção.
IX - Há consumpção quando o conteúdo de injusto de uma acção típica abrange, incluindo-o, outro tipo de modo que, de um ponto de vista jurídico, expressa de forma exaustiva o desvalor (cf. H. H. Jescheck e Thomas Weigend, "Tratado de Derecho Penal", 5ª edição, pág. 788 e ss.).
X - A razão teleológica para determinar as normas efectivamente violadas ou os crimes efectivamente cometidos, só pode encontrar-se na referência a bens jurídicos que sejam efectivamente violados. O critério do bem jurídico como referente da natureza efectiva da violação plural é, pois, essencial.” – sublinhado nosso
É, entendimento dominante, que o factor que serve de base para a distinção entre um concurso aparente de normas e um concurso real é o bem jurídico protegido por cada norma, sendo que, haveria uma relação de consunção sempre que o bem jurídico de uma das normas fosse alvo de protecção pela outra.
Ora, no caso em apreço, o crime de corrupção não tem por finalidade proteger o bem jurídico tutelado pelo crime de falsificação de documento.
Na verdade o bem jurídico tutelado no crime de falsificação de documento  vem identificado no STJ no seu Acórdão de Fixação de Jurisprudência de 05-06-2013[206], que por sua vez remete para o AUJ do STJ nº1/2003 que refere:
“(o) crime de falsificação de documento é um crime contra a vida em sociedade, em que é protegida a segurança e confiança do tráfico probatório, a verdade intrínseca do documento enquanto tal, como bem jurídico.”
Sendo que, enquanto o crime de corrupção é considerado, de forma pacífica, como um crime específico de dano, o crime de falsificação de documento é considerado um crime de perigo abstracto uma vez que “é um crime de perigo (pois) o mero acto de falsificação põe em perigo a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório, (e) abstracto (uma vez que) basta que o documento seja falsificado para que o agente possa ser punido)”. [207]
Conforme esclarece Eduardo Correia de uma forma muito clara no que tange ao concurso de crimes:
“número de valorações que, no mundo jurídico-criminal, correspondem a uma certa actividade. ( ... ). Pluralidade de crimes significa, assim, pluralidade de valores jurídicos negados. ( ... ) Pelo que, deste modo, chegamos à primeira determinação essencial de solução do nosso problema: se a actividade do agente preenche diversos tipos legais de crime, necessariamente se negam diversos valores jurídico-criminais e estamos, por conseguinte, perante uma pluralidade de infracções; pelo contrário, se só um tipo legal é realizado, a actividade do agente só nega um valor jurídico-criminal e estamos, portanto, perante uma única infracção”.[208]
E, embora o AUJ do STJ de 05-06-2013 se refira ao concurso entre o crime de falsificação de documento e o crime de burla – crimes muito mais aparentados entre si do que o crime de corrupção – a ratio seguida tem perfeita aplicação ao caso dos autos por as respectivas premissas de aplicação serem as mesmas.
Assim, “importa realçar que, independentemente da proximidade que exista entre os bens jurídicos protegidos pelos tipos em causa, a pluralidade de resoluções prévias significa uma pluralidade de crimes cometidos pois que se violam as determinações de diferentes normas e, consequentemente, são autónomos os fundamentos para o juízo referencial de censura em que a culpa se analisa.”[209]
Ou seja, no caso de concurso efectivo ou real de crimes o que releva é a determinação de juízos de censura jurídicos-criminais autónomos de cada actuação do agente que se insere numa trama plurríma.
Ora, no caso dos autos é perfeitamente possível destrinçar os comportamentos dos arguidos em duas vertentes criminosas, ainda que uma dessas vertentes tenha sido instrumental no preenchimento da outra.
Aliás, para levar avante a prática de um crime de burla, muitas vezes o meio de a concretizar é com recurso a documentos falsificados, sendo este crime o meio através do qual a burla se concretiza.
E, no entanto, existem já três[210] [211]AUJ do STJ que determinam a existência de um concurso real e efectivo de crimes entre a falsificação de documento e a burla.
Por maioria de razão esse raciocínio se pode transpor para o caso dos autos até porque a corrupção é um crime que não tem de implicar a falsificação de documento.
Porque bem sumariado no Acórdão da Relação do Porto de 30-04-2018 (procº nº 14407/13.0TDPRT.P1 in www.dgsi.pt) vale a pena reter a seguinte citação:
“Entre os crimes de corrupção e de falsificação de documentos não se verifica uma relação de consunção, ainda que a falsificação funcione como instrumento (crime-meio) da corrupção (crime-fim). Os bens jurídicos protegidos pela punição de um e outro desses crimes são diferentes. A punição dos crimes de corrupção protege a autonomia intencional do Estado no exercício de funções públicas guiado por critérios de legalidade, objetividade e independência (assim, A.M. Almeida Costa in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, tomo III, Coimbra Editora, 2011, anotação ao artigo 372.º, §6 a §9, pgs 656 a 661). A punição dos crimes de falsificação de documentos protege a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental (assim, Helena Moniz in op. cit., tomo II, anotação ao artigo 256.º, §14 a §21, pgs. 679 a 682). Porque esse bens jurídicos dão diferentes, não pode dizer-se que a punição por um crime de corrupção abrange o conteúdo de ilicitude do crime de falsificação de documentos, como sucederia se entre eles se verificasse uma relação de consunção.
Numa situação com algum paralelismo (porque também nesse caso o crime-meio e o crime-fim violam bens jurídicos distintos), o assento n.º 8/2000, estatui que se verifica um concurso real e efetivo de crimes (não um concurso aparente e uma relação de consunção, pois) quando a conduta do agente preenche as previsões dos crimes de burla e de falsificação.”
Não, há, assim dúvida alguma de que o Tribunal a quo andou bem ao autonomizar os crimes imputados aos arguidos, devendo os respectivos recursos improceder nesta parte.
iii) Da Co-autoria e da caracterização do crime de falsificação com base na qualidade do agente:
- recurso dos arguidos JJJ, Doce Cabaz, Lda. e KK
Entendem ainda estes arguidos que não só não existe qualquer co-autoria entre si e os restantes arguidos com quem nunca contactaram, como, não assumindo os arguidos comerciantes a qualidade de funcionário, nunca poderiam ser condenados ao abrigo do nº 4 do artº 256º do Código Penal.
Vejamos, começando pela análise da co-autoria.
Nos termos do artº 26º do Código Penal a autoria é definida nos seguintes termos:       
“É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.”
Ora, os arguidos JJJ e Doce Cabaz, Lda. entendem que não podem ser condenados em co-autoria com os restantes arguidos porquanto só terão agido em relação a algumas messes e não todas, nada tendo a ver, consequentemente, com todo o esquema implementado.
Contudo este argumento não tem qualquer razão de ser uma vez que, embora tais arguidos pudessem não ter interferência em todas as messes, naquelas em que intervieram agiram, seguramente, como co-autores com os militares com quem directamete se relacionaram.
Sendo absolutamente irrelevante para a sua punição o número de co-autores que integraram o esquema.
Por outro lado, afirma o arguido KK que não pode ser considerado (co-)autor porquanto não estava ao seu alcance tomar parte na execução dos actos ilícitos.
Com esta defesa este arguido faz apelo à chamada teoria do domínio do facto.
«Ora - e muito especialmente nos crimes dolosos de ação - “o domínio do facto pode exercer-se de diferentes formas e fundar, por conseguinte, diferentes modalidades da autoria, concretizadas no artigo 26.º: o domínio da ação está presente na autoria imediata, na medida em que o agente realiza, ele próprio, a ação típica (1.ª alternativa); o domínio da vontade do executante de quem o agente se serve para a realização típica firma a autoria mediata (2.ª alternativa); o domínio funcional do facto constitui o sinal próprio da coautoria, em que o agente decide e executa o facto em conjunto com outros (3.ª alternativa)”; e, por fim, “na sua quarta alternativa, o artigo 26.º pune ainda como autor «quem dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”, isto é, quem seja instigador do crime” (Jorge de Figueiredo Dias e Susana Aires de Sousa, Autoria cit., pág. 255).»[212]
No caso em apreço o arguido em causa, embora não estivesse directamente ligado à actividade da messe da ..., a base aérea onde exercia funções como Comandante da Esquadra de Administração e Intendência, isto é, não lidava com os comerciantes, não fazia compras, não elaborava as ementas, nem determinava o núnero de refeições nem recebia os produtos, ficou provado sob o nºs 376 e 377 dos factos dados por provados que:        
“376. Naquela unidade, foi ainda entregue dinheiro, para além dos referidos militares, à cadeia hierárquica, designadamente, ao comandante da Esquadra de Administração e Intendência, o arguido KK.
377. Foi este arguido, superior hierárquico direto do arguido JJ e conhecedor da sobrefaturação, quem lhe transmitiu que também teria de receber dinheiro resultante da faturação da messe, no valor de € 750 mensais.”
E mais adiante, ficou assente que este arguido:
“422. O arguido KK, comandante da Esquadra de Administração e Intendência e superior hierárquico direto do arguido JJ, conhecedor da prática da sobrefaturação, agiu de forma voluntária, livre e consciente, em comunhão de esforços e vontades com, pelo menos, aquele arguido, recebendo quantias em dinheiro que eram provenientes dos fornecedores, para que não exercesse as suas funções de fiscalização hierárquica.
423. Com esta conduta, o arguido KK pretendeu utilizar as funções que exercia nesta unidade da Força Aérea para obter proveitos que lhe não eram devidos, violando os seus deveres legais e funcionais.
424. Concretamente, este arguido não procedeu de acordo com os princípios da ética e da honra, não conformando os seus atos pela obrigação de cumprir e fazer cumprir a Constituição e a lei, pela obrigação de assegurar a dignidade e o prestígio das Forças Armadas, assim como violou os deveres de lealdade, zelo, responsabilidade e honestidade, o que quis e conseguiu, bem sabendo que esta conduta era proibida e punida por lei.”
Não há qualquer dúvida que este arguido participou no ilícito em apreço, não só aceitando uma parte do valor obtido indevidamente, como foi quem transmitiu ao autor material, o arguido JJ, que também teria de receber um valor mensal, mais concretamente, € 750,00.
Vejamos agora o crime de falsificação de documento agravada nos termos do nº 4 do artº 256º do CP com base na qualidade de funcionário do agente.
Relembremos o que dispõe aquele nº 4 do artº 256º do Código Penal:
“Se os factos referidos nos n.ºs 1 e 3 forem praticados por funcionário, no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.”
Ora, os arguidos JJJ e Doce Cabaz, Lda. entendem que não podem ser condenados pelo nº 4 do citado preceito legal porquanto não são funcionários que tenham actuado no exercício das suas funções.
E, de facto, não são, não lhes sendo aplicável o disposto no artº 386º nº 1 al. d) do Código Penal.
Simplesmente esqueceram estes arguidos aquilo que dispõe o artº 28º do Código Penal e que foi invocado no acórdão ora sob escrutínio na página 796.
Diz o artº 28º do Código Penal subordinado á epígrafe “ilicitude na comparticipação” o seguinte:
“1 - Se a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependerem de certas qualidades ou relações especiais do agente, basta, para tornar aplicável a todos os comparticipantes a pena respectiva, que essas qualidades ou relações se verifiquem em qualquer deles, excepto se outra for a intenção da norma incriminadora.
2 - Sempre que, por efeito da regra prevista no número anterior, resultar para algum dos comparticipantes a aplicação de pena mais grave, pode esta, consideradas as circunstâncias do caso, ser substituída por aquela que teria lugar se tal regra não interviesse.”
Ora, estes arguidos, bem como todos os outros arguidos comerciantes intergairam directamente com a Força Aérea, forncedendo as várias messes das respectivas bases aéreas na sequência de concursos ou mesmo ajustes directos.
Não há, assim, a menor dúvida que estes arguidos, através da respectiva facturação, que era deliberadamente alterada para conseguir ganhos pessoais, quer para os militares envolvidos, quer para as próprias empresas fornecedoras agiram com proveito da condição militar dos seus interlocutores.
E agiram e conseguiram ganhos apenas porque os seus interplouctores eram militares integrados numa estrutura estatal que lhes facultava avultadas quantias para gestão da alimentação dos respectivos efectivos.
Pelo que o recurso destes arguidos tem também de improceder nesta parte.
XI) Da Medida da Pena:
- recursos de Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Aliemntares, Lda., VV, FF, UU, ZZ, JJJ, Doce Cabaz, Lda., GGG, M..., S.A., AA, KK, EE, TT, Pac & Bom – Comércio e Srviços Lda., Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda., EEE, BB, MM, XX, FFF Portral – Comércio e Indústria de Carnes, Lda., III, A... Lda., SS, RR, CC e Ministério Público
Praticamente todos os arguidos recorrentes impugnam as penas que lhes foram aplicadas, alguns pugnando pela suspensão da respectiva execução da pena de prisão, sendo que o Ministério Público, em relação aos arguidos SS, UU, VV, WW, XX, ZZ e CCC pugna pela aplicação de uma pena de prisão efectiva, pedindo, no caso destes arguidos, a revogação da suspensão da execução das respectivas penas determinada pelo Tribunal a quo.
Vejamos olhando, primeiro, o quadro legal, doutrinal e jurisprudencial.
O artº 40º do Código Penal (CP), cuja epígrafe é "finalidades das penas e das medidas de segurança" dispõe o seguinte:
"1. A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente."
O artº 70º do CP, cuja epígrafe é "critério de escolha da pena" dispõe o seguinte:
"Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição."
E o artº 71º CP, subordinado à epígrafe "determinação da medida da pena" diz o seguinte:
"1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de criem, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena."
Em termos doutrinais, ensina-se nos Figueiredo Dias[213] que "as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa. Nestas duas proposições reside a fórmula básica de resolução das antinomias entre os fins das penas; pelo que também ela tem de fornecer a chave para a resolução da medida da pena."
Conforme se refere no Acórdão do STJ de 24-05-1995, procº nº 47386/3[214]:
"Toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, o que significa não só que não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena, como seu limite máximo. A pena concreta deve ser fixada entre um limite mínimo, já adequado à culpa, e um limite máximo, ainda adequado à culpa, intervindo os outros fins das penas dentro desses limites. A medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, sendo a prevenção especial de socialização que a vai determinar, em último termo."
Ora, no caso em apreço, aos arguidos recorrentes com estatuto militar foi imputada, a cada um, a prática de um crime de corrupção passiva punível com uma pena de prisão de 1 a 8 anos de prisão, sendo que, a todos os arguidos militares, à excepção do arguido II e do arguido KK, foi aplicada a agravação prevista no artº 374º-A nºs 2 e 3 com referência ao artº 202º al. b) do Código Penal o que eleva a moldura penal nos seus limites mínimo e máximo de um terço, passando essa moldura penal a consubstanciar uma pena de prisão de 1 ano e 4 meses (ou 16 meses) e 10 anos e 8 meses.
O arguido II não sofreu qualquer agravação no crime de corrupção e o arguido KK viu a moldura penal aplicável agravada nos termos do nº 1 do artº 374º-A do Código Penal, ou seja, por um quarto, passando a respectiva moldura a consubstanciar uma pena de prisão de 1 ano e 3 meses e 10 anos.
Foi ainda aplicada a alguns arguidos militares – GG, HH, JJ, LL, MM, NN, OO, SS, TT, UU, VV, WW, XX, ZZ e CCC –  em concurso efectivo, um crime de falsificação de documento que, no caso concreto, por se tratar de funcionário, admite uma pena de prisão de 1 a 5 anos.
Os arguidos comerciantes (pessoas singulares) foram condenados na prática de um crime de corrupção activa punível com 1 a 5 anos de prisão, sendo que os arguidos comerciantes viram a pena agravada nos termos do artº 374º-A nºs 2 e 3 do Código Penal, o que traduz uma agravação de um terço dos limites mínimo e máximo, passando a moldura penal a ser de 1 ano e 4 meses a 6 anos e 8 meses.
Excepção feita em relação aos arguidos recorrentes GGG e HHH que não sofreram agravação, tendo sido condenados pela forma simples do crime de corrupção activa, e os arguidos recorrentes LLL, MMM e NNN que foram condenados nos ternos da agravação operada pelos nºs 1 e 3 do artº 374º-A Codigo Penal, elevando-se, assim, os limites mínimo e máximo em um quarto, passando a moldura penal a ser de 1 ano e 3 meses a 6 anos e 3 meses.
Tendo ainda sido aplicada aos arguidos comerciantes (pessoas singulares) recorrentes EEE, III, JJJ, LLLMMM e NNN uma pena em concurso efectivo pelo crime de falsificação de documento punível com 1 a 5 anos de prisão.
Da cuidada análise da fundamentação oferecida pelo Tribunal a quo no que tange às penas em si – já iremos analisar a questão da suspensão de algumas delas – não se vislumbra que este tenha violado as citadas normas legais aplicáveis, tendo ponderado os elementos positivos que cada arguido invoca em seu favor.
É que, apesar da inexistência de antecedentes criminais, da aparente inserção familiar e social dos arguidos[215] e até da confissão e arrependimento de alguns dos arguidos, a verdade é que a ilicitude das suas respectivas actuações é muito elevada, sendo as exigências de prevenção geral particularmente vincadas neste tipo de crime[216].
Sendo que os arguidos que confessaram viram as suas penas suspensas – e bem – nas respectivas execuções precisamente porque foi valorada a colaboração e arrependimento demonstrados.
Argumenta, contudo o arguido EE que, mesmo no que tange aos arguidos que confessaram, o Tribunal a quo valorou de igual forma o contributo desses arguidos quando esse contributo não é materialmente igual.
Sendo este arguido o elemento aglutinador no esquema corruptivo, por ser o “correio” entre a DAT e todas as messes é normal que os seus conhecimentos fossem mais abrangentes e dessem uma visão que abarcasse não só todas as messes mas os oficiais da DAT que comungavam do esquema.
Isso não significa que o seu contributo fosse mais do que, por exemplo, o contributo proveniente da confissão efectuada pelo arguido FF ou o arguido JJ, ambos responsáveis pelas messes de ... e ..., respectivamente, porquanto estes arguidos também contaram tudo que sabiam, em especial no tocante ao envolvimento dos fornecedores, assumindo no que a si próprios diz respeito, a sua culpa por inteiro.
Objectivamente, o arguido EE revelou mais dados, porque também os conhecia, mas os outros arguidos que confessaram ofereceram, por sua vez, aquilo que sabiam, sendo a sua colaboração igualmente valiosa.
Aquando da determinação da pena, o que releva é o arrependimento sincero apreensível pelo Tribunal a quo e a colaboração prestada.
Se essa colaboração prestada por um arguido fica aquém da colaboração prestada por outro apenas em função do universo de factos que cada arguido efectivamente conhece é algo que não pode pesar no momento da determinação da pena porquanto se trata de algo que está para além da vontade do arguido que colabora.
Um arguido só pode admitir os factos que efectivamente praticou e colaborar na medida em que tem conhecimento de outros factos eventualmente imputáveis a outros arguidos.
Se um arguido, pela posição que assume dentro do esquema, acaba por saber mais do que outro arguido com desempenho diverso dentro do mesmo esquema, é algo que não pode servir para discrimar os arguidos quando chega o momento de avaliar o contributo que ambos prestaram e, principalmente, no que tange à determinação da necessidade da pena.
Contudo, e sem prejuízo de tudo quanto temos vindo a afirmar, afiguar-se-nos que o Tribunal a quo ao determinar a pena concreta de cada arguido acabou por cometer uma injustiça relativa no que tange aos arguidos que confessaram e revelaram verdadeiro arrependimento.
Pelos seguintes motivos:
Se é verdade que a actuação de todos os arguidos militares revela uma elevada ilicitude, o dolo é directo, a energia criminosa expendida durante vários anos é elevada e as necessidades de prevenção geral são também muito exigentes, sendo certo que nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais e todos, sem excepção, estão inseridos na sociedade com normalidade, a verdade é que o Tribunal a quo fixou a todos os arguidos que confessaram e demonstraram sincero arrependimento, a saber, os arguidos EE, FF, GG, HH e JJ 4 anos de prisão pelo crime de corrupção passiva agravada – que viria a suspender na sua execução – ao mesmo tempo que fixou a mesma pena de 4 anos aos arguidos SS, UU, XX, ZZ, que em nada contribuíram para a descoberta da verdade, que em nada colaboraram com o Tribunal e nenhum arrependimento revelaram.
Sendo certo que o Tribunal a quo fixou 3 anos de prisão pelo mesmo crime de corrupção passiva agravada aos arguidos KK – que era comandante de esquadra e superior do arguido JJ – RR, TT, VV, WW e CCC, nenhum dos quais confessou, mostrou arrependimento ou sequer prestou qualquer tipo de colaboração com o Tribunal.
Ora, é certo que o Tribunal a quo, em relação aos arguidos que confessou acabou por suspender a execução das respectivas penas.
Mas também o fez em relação aos arguidos SS, UU, VV, WW, CCC, XX e ZZ – que infra iremos analisar melhor a propósito do recuso interposto pelo MºPº  – que em nada contribuíram para a descoberta da verdade, nenhum arrependimento revelaram, e só porque os mesmos estiveram presos preventivamente em sede de inquérito.
Ora, se faz sentido que a confissão, e em especial, o arrependimento sejam reveladores de um comportamento que permite uma prognose favorável para efeitos de suspender a execução da pena[217], os mesmos elementos não podem ser descurados aquando da fixação da pena em si.
É que a suspensão da pena, como infra iremos ver melhor, é uma “aposta” que o Tribunal faz no arguido de que a simples ameaça de poder vir a cumprir prisão efectiva seja o suficiente para o dissuadir da prática de futuros crimes.
Mas a pena concretamente determinada é a pena de prisão e não a suspensão da sua execução.
É aquando da determinação concreta da pena que o Tribunal deve ponderar a confissão, o verdadeiro contributo para a descoberta da verdade e a colaboração efectivamente prestada, bem como o arrependimento sincero.
Ora, no caso em apreço o Tribunal a quo, embora destacando na sua fundamentação a vital importância das confissões dos 5 arguidos em apreço para descoberta da verdade material, e, em especial, pela dimensão dos conhecimentos que o arguido EE possuía, enquanto elo que ligava a DAT a todas as messes, chegando a referir a páginas 808 do acórdão recorrido que a confissão do arguido EE foi “essencial” para a descoberta da verdade, acaba por não distinguir aquando da fixação das penas concretas, estes 5 arguidos de outros que, praticando o mesmo tipo de factos com a mesma gravidade, ou se remeteram ao silêncio ou em nada colaboraram e nenhum arrependimento demonstraram.
E acaba mesmo por aplicar a arguidos que se remeteram ao silêncio ou então que negaram os factos já após um manancial de prova produzida, uma pena de 3 anos de prisão.
É esta aparente injustiça relativa entre arguidos que esta Relação não pode sufragar, independentemente das penas de prisão arbitradas aos 5 arguidos, que confessaram, terem sido suspensas na sua execução, a verdade é que as mesmas não só não deixam de ser injustas para quem, sendo militar, confrontou em julgamento público a sua hierarquia e camaradas, para colaborar com o Tribunal na descoberta de uma prática que, como todos sabem, é sempre de difícil prova por a corrupção se realizar em moldes fechados, com a conivência de algumas chefias e com o silêncio de outros, como tem repercussões a nível de aplicação de penas acessórias que, no caso, em apreço, tem gravidade para quem as sofre.
Ora, “a colaboração com a justiça, enquanto comportamento pós-facto (positivo) do agente do crime, assume enorme relevo jurídico, quer se manifeste sob a forma de confissão, quer se manifeste sob a forma de arrependimento. A sua relevância resulta particularmente evidente no processo de escolha e individualização da sanção penal.”[218]
Nos termos do disposto no artº 72º do Código Penal cuja epígrafe é “atenuação especial da pena” pode ler-se:       
“1 - O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.
3 - Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo.” – sublinhado e negrito nossos
De notar que a atenuação especial prevista no artº 72º do Código Penal não se confunde com a atenuação especial prevista no artº 374º-B do mesmo diploma legal, uma vez que a norma contida no artº 72º é de aplicação genérica e versa várias situações diferentes que podem ir desde a confissão e arrependimento a situações em que a vontade do agente é fortemente condicionada.
Já a norma contida no artº 374º-B do Código Penal se insere na parte especial do Código Penal, dentro do capítulo dos crimes de corrupção e sequencialemente à agravação prevista no artº 374º-A, sendo, por isso, uma norma especial.
Vejamos.
Diz o artº 374º-B do Código Penal cuja epígrafe é “dispensa ou atenuação da pena” o seguinte:
“1 - O agente pode ser dispensado de pena sempre que:
a) Tiver denunciado o crime no prazo máximo de 30 dias após a prática do ato e sempre antes da instauração de procedimento criminal, desde que voluntariamente restitua a vantagem ou, tratando-se de coisa ou animal fungíveis, o seu valor; ou
b) Antes da prática do facto, voluntariamente repudiar o oferecimento ou a promessa que aceitara, ou restituir a vantagem, ou, tratando-se de coisa ou animal fungíveis, o seu valor; ou
c) Antes da prática do facto, retirar a promessa ou recusar o oferecimento da vantagem ou solicitar a sua restituição.
2 - A pena é especialmente atenuada se o agente:
a) Até ao encerramento da audiência de julgamento em primeira instância, auxiliar concretamente na obtenção ou produção das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis; ou
b) Tiver praticado o acto a solicitação do funcionário, directamente ou por interposta pessoa.”
Ora, o que se exige na al. a) do nº2 do artº 374º-B CP é que a colaboração prestada pelo arguido permita a identificação ou captura de outros responsáveis.
No caso em apreço, a colaboração prestada pelos 5 arguidos que confessaram permitiu formular-se um juízo de valor acerca de outros arguidos já identificados nos autos e contra os quais o julgamento também corria.
São, assim, situações materialmente diferentes, sendo que a norma contida na al. a) do nº 2 do artº 374º-B está pensada para os casos de corrupção em que não estão todos os agentes identificados ou, estando, ainda não foi possível levá-los a julgamento.
Se o disposto no artº 374º-B tivesse aplicação ao caso em apreço, nos termos do disposto no nº 3 do artº 72º teria a atenução especial que ser operada através daquela norma contida no artº 374º-B e não podia ser novamente valorada.
Pelo que, a nossa análise terá de incidir sobre a aplicabilidade da norma contida no artº 72º do Código Penal.
Ora, “prenchidos os elementos típicos de um crime, matricial, qualificado ou privilegiado, a moldura penal ou abstrata aplicável ao agente é, em princípio, a prevista no próprio tipo legal. 
Porém, tendo em vista a salvaguarda de situações particulares de significativa ou acentuada diminuição das exigências punitivas, o legislador criou como válvula de segurança o instituto da atenuação especial da pena, que permite a substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. Como assinala Germano Marques da Silva[219], independentemente da gravidade do facto e da culpa do agente, pode suceder - e sucede frequentemente - que em razão das circunstâncias não se mostre necessária a pena ou uma determinada pena, em razão da própria finalidade das penas.
Preenchidos os respectivos pressupostos legais, a atenuação especial da pena é de funcionamento obrigatório ou potestativo, recaindo sobre o juiz o poder vinculado, isto é, o poder-dever, de a conceder. Se dúvidas houvesse nesse sentido, ficaram definitivamente dissipadas com a revisão de 1995, que introduziu no n.º 1 do art.º 72.º a expressão o tribunal atenua, substituindo a expressão o tribunal pode atenuar. 
No que diz respeito ao funcionamento do instituto, ficou igualmente claro a partir da revisão de 1995[220] que não depende apenas da diminuição excepcional da ilicitude do facto ou da culpa do agente mas também da acentuada diminuição da necessidade da pena, e consequentemente das exigências de prevenção, como, aliás, já devia ser entendido no domínio da versão originária do Código Penal. (…)
São inúmeras as circunstâncias suscetíveis de levar à atenuação especial da pena.
O n.º 2 do art.º 72.º do Código Penal indica, a título meramente exemplificativa e de forma «embrionária», algumas de caráter comum ou geral, abrindo, desse modo, a porta a um amplo leque de outras possíveis, desde que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
Uma delas é ter havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados, prevista na al. c) do n.º 2, do referido art.º 72.º, do Código Penal.
Trata-se de um caso manifesto de comportamento pós-delito positivo, que não esgota todas as possíveis situações de arrependimento nem sequer de todos os possíveis atos suscetíveis de o demonstrar. 
Assim, também a confissão poderá funcionar não apenas como mero acto de arrependimento mas, inclusivamente, como circunstância atenuante genérica autónoma, desde que, obviamente, assuma um grau ou uma intensidade particularmente acentuados ao nível da necessidade da pena (e, por consequência, das exigências de prevenção)[221].”[222] - negrito nosso
Conforme se retira do Acórdão da Relação do Porto de 05-06-2015 (procº nº 8/13.6PSPRT.P1 in www.dgsi.pt):
“I - A confissão integral e sem reserva do arguido dos factos de que é acusado, tem um valor que varia segundo o contributo que fornece para a descoberta da verdade.
II - Essa confissão fundamenta uma atenuação especial da pena se se traduzir numa verdadeira e imprescindível colaboração para a descoberta da verdade, sem a qual não se sustentaria a condenação e constituir uma inequívoca manifestação de culpabilidade.” – sublinhado nosso
Ora, é o próprio Tribunal a quo a reconhecer de forma expressa a importância que as confissões assumiram na fixação da matéria de facto e da enorme importância que as mesmas revelaram para a descoberta da verdade.
Como também concluiu que os referidos argidos confessores revelaram um genuíno arrependimento.
Vejamos.
Na página 603 do acórdão recorrido o Tribunal a quo diz isto acerca do arguido EE:
“Quer no que respeita à D.A.T., quer no que diz respeito às secções de subsistência das várias unidades militares (tudo nos precisos termos que em sede própria melhor serão dissecados), foram determinantes, na formação da convicção do Tribunal Coletivo, as declarações prestadas pelo arguido EE nas sessões iniciais da audiência de julgamento (realizadas no período compreendido entre 23 de janeiro de 2019 e 4 de fevereiro de 2019), que confessou não só os factos que lhe vinham imputados, como permitiu, de forma preponderante, a formulação de um juízo probatório positivo relativo à factualidade imputada a outros coarguidos. 
Fê-lo de uma forma muito séria, isenta e minuciosa, que foi exaustivamente escalpelizada pelas defesas dos demais arguidos, e que para nós foi merecedora de absoluta credibilidade, em muito contribuindo para a descoberta da verdade. 
Demostrou nervosismo, humildade e comoção, compreendendo-se que assim o tenha sido, pois para além da carga emocional inerente à confissão de factos reputados graves, o arguido tinha plena consciência de que a mesma implicaria, necessariamente, alguns dos seus coarguidos, militares da Força Aérea, como ele, com todas as consequências que tal é suscetível de acarretar. (…)”  - sublinhado nosso
Em relação aos outros 4 arguidos que confessaram diz o acórdão recorrido na página 641:
“Mas se a montante do que se passava da D.A.T., no domínio da respetiva interação com as messes e do recebimento indevido de dinheiro por parte de alguns dos seus elementos, as sobreditas declarações do arguido EE foram determinantes na formação da convicção do Tribunal, a jusante, e a corroborá-las, por parte das unidades, foram igualmente preponderantes, desde logo, as declarações confessórias dos arguidos FF, GG e JJ, prestadas em audiência de julgamento (bem como, de certa forma, as declarações confessórias do arguido HH) …” – sublinhado nosso
Sendo que, na página 687 do acórdão recorrido pode ler-se a propósito do arguido FF:
“No que concretamente respeita aos factos ocorridos na Secção de Subsistências (messe) da Base Aérea n.º ..., em ..., a convicção do Tribunal fundou-se, essencialmente, nas declarações confessórias prestadas pelos arguidos FF, GG e HH, com maior ou menor amplitude, e bem assim, quanto ao período compreendido entre finais de outubro de 2015 (ainda que com maior relevância a partir do mês de dezembro de 2015), e novembro de 2016, no depoimento da testemunha BBBB, que na fase de inquérito atuou como agente encoberto, e no vasto acervo probatório – documental e não só – pelo mesmo recolhido no decurso dessa ação. 
Desde logo, o arguido FF – o primeiro a prestar declarações em audiência de julgamento, quiçá pela experiência de vida, mas também pelo facto de, entre os arguidos que se predispuseram a fazêlo desde o início, ser o militar mais graduado (oficial superior), com o dever acrescido de responsabilidade que lhe é inerente -, confessou integralmente a factualidade ilícita praticada nesta messe, com a qual se viu confrontado quando aí foi colocado (contra vontade, além do mais por não corresponder à sua área de especialização). E fê-lo de uma forma que reputamos muito séria e merecedora de credibilidade, com a humildade própria de quem se encontra seriamente arrependido.” – sublinhado nosso
Nas páginas 696 a 698 e 700 do acórdão recorrido em relação ao arguido JJ pode ler-se:
“De forma semelhante ao que se explanou quanto à Base Aérea n.º ..., e conforme resultou já da fundamentação da matéria de facto respeitante à parte geral e à Direção de Abastecimento e Transportes, foram determinantes na formação da convicção do Tribunal as declarações prestadas em sede de audiência de julgamento pelo arguido JJ
Foram, sem quaisquer dúvidas, umas declarações confessórias relevantes, quer quanto à factualidade que lhe vinha imputada, quer quanto à factualidade que vinha imputada aos arguidos LL, MM, NN e KK, e em certa medida também ao arguido II.
Tais declarações foram preponderantes, num segundo momento, para a compreensão dos eventos especiais, maxime particulares, que eram realizados na ..., nos moldes sobejamente explicitados supra, à custa do orçamento geral do Estado e, em parte, com os géneros que advinham da conta-corrente gerada com algumas das arguidas em virtude da sobrefaturação (como a Doce Cabaz e a Pinguins de Gelo), o que, segundo o arguido, era do conhecimento dos seus superiores hierárquicos, nomeadamente do comandante da unidade, que autorizava e determinava a realização desses mesmos eventos (nos termos da listagem de fls. 7314 e seguintes, com os esclarecimentos prestados, oral e documentalmente, pelo próprio arguido). 
E a corroborar estas declarações, o arguido JJ juntou aos autos a documentação constante de fls. 15807 e seguintes, que associada às regras da experiência comum permite chegar a igual conclusão, tendo em consideração as ementas que aí eram servidas e, nocaso dos eventos particulares pagos pelos participantes, o preço que era pago e o custo respetivo, claramente superior, sendo o primeiro claramente insuficiente para cobrir as despesas. (…)
Com igual preponderância, as declarações prestadas pelo arguido JJ lograram o convencimento do Tribunal acerca das empresas e empresários que, na ..., participavam do “esquema” da sobrefaturação, bem como das respetivas percentagens no lucro…
Independentemente de inexistirem quaisquer outros meios probatórios a corroborá-las, com exceção do que se referiu quanto às arguidas Pac & Bom, A... Lda. e Doce Cabaz, a verdade é que mereceram inteira credibilidade as declarações prestadas por este arguido, que não se limitou a responsabilizar os seus coarguidos, como forma de se auto desculpabilizar, mas, sobretudo, assumindo na íntegra os atos por si praticados.” – sublinhado nosso
Por fim na página 808 o Tribunal a quo reitera o seguinte em relação aos 5 arguidos:
“Contrariamente, há que sopesar, a favor dos arguidos EE, FF, HH, GG e JJ, a confissão dos factos e a sua contribuição para a descoberta da verdade, que foi essencial no que diz respeito ao primeiro, bem como o arrependimento sincero que demonstraram, ainda que extravasado através de formas diferentes, dos quais se pode concluir pela existência do juízo de autocensura necessário para prevenir a respetiva reincidência.”
Foi a confissão do arguido EE que permitiu a condenação dos arguidos da DAT, AA e CC, bem como os restantes gerentes de messe que não confessaram, a saber todos menos os dois gerentes que confessaram JJ e FF.
E foram as confissões dos arguidos JJ e FF que permitiram a condenação quer das empresas fornecedoras quer dos elementos das suas respectivas messes que não confessaram, e ainda, no caso do arguido JJ, foi a sua confissão que levou à condenação do arguido KK.
Não há a menor dúvida que a confissão dos 5 arguidos em referência foi absolutamente fundamental para a descoberta da verdade tão difícil em crimes de corrupção e que essa colaboração foi absolutamente vital para o Tribunal a quo.
Nos termos do artº 73º do Código Penal subordinado à epígrafe termos da atenuação especial, a atenuação faz-se nos seguintes moldes:
“1 - Sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, observa-se o seguinte relativamente aos limites da pena aplicável:
a) O limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço;
b) O limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a 3 anos e ao mínimo legal se for inferior;
c) O limite máximo da pena de multa é reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido ao mínimo legal;
d) Se o limite máximo da pena de prisão não for superior a 3 anos pode a mesma ser substituída por multa, dentro dos limites gerais.
2 - A pena especialmente atenuada que tiver sido em concreto fixada é passível de substituição, nos termos gerais.”
Estando em causa, no que ao crime de corrupção passiva agravada tange, uma moldura penal abstracta de pena de prisão de 1 ano e 4 meses (ou 16 meses) a 10 anos e 8 meses, a moldura penal especialmente atenuada traduz-se em 1 mês a 7 anos de prisão.
Considerando as penas de prisão fixadas a outros arguidos que não confessaram e, portanto, não beneficiaram de qualquer atenução especial da pena, mormente os arguidos KK[223], que era superior hierárquico do arguido JJ, afigura-se-nos que para os 5 arguidos que confessaram, e cujas confissões foi um elemento abosultamente essencial para a descoberta da verdade e até para a incriminação de alguns arguidos em relação a quem a prova poderia não ser tão sólida – daí que esses arguidos tenham tentado afastar a validade das confissões de co-arguidos – e em relação aos quais o arrependimento igualmente foi visível, há que fixar as respectivas penas em 2 anos e 8 meses cada, ou seja, abaixo das penas fixadas a arguidos que, em iguais circunstâncias de prática do ilícito, não confessaram e não se mostraram arrependidos.
Sendo certo que a pena mais elevada, fixada aos arguidos AA e CC, de 6 anos cada, acaba por ser o referencial para se graduar todas as outras penas no processo em apreço atendendo ao facto daqueles dois arguidos, quer pela elevada patente de ambos – um cargo muito elevado na Força Aérea implica uma obrigação acrescida de conformar o comportamento à lei e de zelar afincadamente pelos deveres do cargo – quer pela total falta de arrependimento ou sequer demonstração de preocupação pelos factos trazidos a lume, quer ainda pela falta de colaboração, já após a confissão de vários arguidos, revela um grau de culpa muito elevado.
Nestes termos, há que revogar o acórdão recorrido na parte em que condena os arguidos EE, FF, GG, HH e JJ pela prática do crime de corrupção passiva agravada numa pena de 4 anos e aplicar a estes arguidos uma pena de 2 anos e 8 meses de prisão.
Os arguidos GG, HH e JJ ainda foram condenados pela prática de um crime de falsificação cuja moldura penal abstracta é prisão de 1 a 5 anos.
Operando-se a atenuação especial da pena também em relação a este crime obtemos uma moldura penal abstracta de 1 mês a 3 anos e 4 meses.
Pelo que considerando as penas concretamente aplicadas a outros arguidos que também foram condenados pelo mesmo crime e que não confessaram nem colaboraram com o Tribunal (um ano e seis meses), há que distinguir os arguidos confessores também no que tange a este crime, motivo pelo qual deve ser-lhes fixada uma pena de 1 ano de prisão pelo crime de falsificação de documento.
Significa isto que, em relação aos arguidos GG, HH e JJ, há que operar o respectivo cumulo jurídico, o qual, em face do disposto no artº 77º do Código Penal assume uma moldura concursal abstracta de 2 anos e 8 meses[224] a 3 anos e 8 meses[225], devendo ser consequentemente arbitrado uma pena única de 3 anos e 2 meses a cada um daqueles arguidos.
Assim, aos arguidos EE e FF aplica-se uma pena de 2 anos e 8 meses de prisão.
E aos arguidos GG, HH e JJ aplica-se uma pena única, após cúmulo, de 3 anos e 2 meses.
Mantém-se o acórdão recorrido na parte em que determina a suspensão da execução das penas aplicadas aos 5 arguidos, apenas se determina que essa suspensão tem a duração das respectivas penas concretamente determinadas aqui.
No entanto, em face da alteração da pena, como infra veremos, aquando da análise da sanção acessória aplicada ao abrigo do artº 66º do Código Penal, também essa sanção deixa de ser aplicável a estes 5 arguidos, pelo que também se revoga o acórdão recorrido nessa parte.
 Vejamos, agora, a questão do silêncio de alguns arguidos e disso ter sido valorado pelo Tribuna a quo.
Entendem alguns arguidos que o Tribunal a quo não, podia para efeito de determinação da pena, valorar o facto de se terem remetido ao silêncio num legítimo uso de um direito que lhes assiste constitucionalmente.
Afigura-se-nos que há neste aspecto alguma confusão que convém esclarecer.
É verdade que todo e qualquer arguido tem o direito de não se auto-incriminar e de se remeter ao silêncio sem que isso o possa prejudicar.
Mas se estamos de acordo que o silêncio não pode prejudicar um arguido também há que compreender que o silêncio não o pode beneficiar.
Se um arguido se remete ao silêncio, sujeita-se a que a prova se efective por outros meios e foi isso que aconteceu no caso dos autos.
Essa prova, validamente valorada pelo Tribunal a quo, permitiu a este, perante o silêncio pelo qual vários arguidos optaram, concluir, não só que esses arguidos participaram na trama corruptiva, como ainda pelo facto de não assumirem quaisquer responsabilidades nem se mostrarem minimamente arrependidos ou sequer incomodados com tudo que se passou.
Se um arguido se remete ao silêncio ele assume o facto de não se manifestar perante os factos trazidos a julgamento e, se não se manifesta, não pode depois esperar que o Tribunal a quo advinhe o que pensa da sua participação no crime, embora obviamente que o silêncio pelo arguido jamais equivaleria a uma “admissão tácita” dos factos.
Afigure-se-nos que em vários recursos se tem incorrido em alguma confusão entre o direito ao silêncio e o que é configurado como uma violação desse princípio por o silêncio ter sido valorado para efeitos de determinação da pena.
Conforme se esclarece de forma ímpar no Acórdão da Relação de Coimbra de 13-01-2010 (proº nº 546/06.7GTLRA.C1 in www.dgsi.pt):
“a génese do direito ao silêncio não assenta num intuito de beneficiar o arguido, antes decorrendo do princípio do acusatório, que impõe à acusação o dever de provar os factos que lhe são imputados, facultando ao arguido um comportamento que, em última análise, poderá obstar a que se auto-incrimine.”
Ou seja, garante-se ao arguido o direito de nada dizer pois quem tem o ónus da prova é o acusador, sendo que se essa prova não se efectuar com o necessário grau de certeza há que operar o princípio in dúbio pro reo e absolver o arguido.
Mas quando a prova é efectuada ao ponto de convencer o Tribunal da culpa do arguido, se este se mantiver em silêncio, o mesmo acaba por impedir o Tribunal de se aperceber, quer da sua versão dos factos, quer de outros elementos internos como a sua atitude após a prática do facto, a sua compreensão interior da gravidade dos factos e se está arrepdendido, elementos necessários para a graduação da pena e também para uma eventual suspensão da mesma.
A confissão e arrependimentos sinceros são os primeiros sinais de que o arguido interiorizou a gravidade da sua actuação, que compreendeu que a mesma é anti-jurídica, que violou bens jurídicos com tutela penal e que a sociedade tem o direito de exigir a reparação pelos danos causados.
Um arguido que nada diz não permite ao Tribunal apreender o seu estado psicológico interno para efeitos de saber se se trata de uma pessoa capaz de futuramente se conformar com a ordem jurídica.
Como se referiu já num Acórdão do STJ supra citado uma coisa é o direito ao silêncio, outra, bem diferente, é o direito à mentira.
Na realidade há que compreender a génese do direito ao silêncio e porque esse direito surge como garantia processual.
É que, em tempos idos, a confissão era considerada a rainda das provas e por isso a pressão para se obter uma confissão era elevada.
Porque se olhava a confissão como algo que permitia à sociedade condenar com facilidade o respectivo prevaricador incorria-se no perigo de conseguir uma confissão a qualquer custo sendo que, no passado, essa confissão até podia ser “arrancada” ao arguido através do recurso à tortura e maus tratos.
A partir do momento em que se estabelecem regras que impedem a obtenção de provas através da tortura ou meios insidiosos e em que se garante ao arguido um julgamento isento, com o ónus da prova do lado do acusador, a consequência lógica foi a de garantir ao arguido o direito ao silêncio, isto é, de não se auto-incriminar.
Mas, tendo um direito a não falar e, portanto, a não ser obrigado a confessar, ao optar pelo silêncio o arguido corre o risco de, em face de prova que possa ter sido obtida por outros meios igualmente válidos e reconhecidos pela ordem jurídico-processual, não facultar ao Tribunal a sua versão dos factos, as suas intenções, e tudo quanto possa ser avaliado em seu favor.
Ora, o que seria injusto era se o Tribunal valorasse de igual modo a actuação de um arguido que confessa, e assim, colabora com a justiça e mostra arrependimento, a par de um arguido que nada diz, nenhuma colaboração presta, nenhum arrependimento revela.
Tanto que, é o próprio código penal que permite, no caso do arrependimento e colaboração com a justiça, de uma atenuação especial da pena.
Por isso, muito bem andou o Tribunal a quo ao distinguir, até para efeitos de suspensão da execução da pena, quando esta materialmente seria admissível atenta a fixação de uma pena de prisão até 5 anos, entre arguidos que confessaram e colaboraram e aqueles que se remeteram ao silêncio.
Sendo que, se o Tribunal a quo não tivesse realizado esta distinção, é que estaria a violar o disposto no artº 13º da Constituição da República Portuguesa, levando a um inaceitável atropelo do princípio da igualdade.
Assim, à excepção dos 5 arguidos que confessaram e em relação aos quais manifestamos um entendimento diverso, todas as restantes penas fixadas – à excepção das penas fixadas ao arguido UU que infra veremos melhor a propósito da análise do recurso interposto pelo MºPº – afiguram-se-nos equilibradas e nada desproporcionais considerando, em especial, as elevadíssimas exigências de prevenção geral.
O crime de corrupção, conforme já aqui tivemos ocasião de referir, é um autêntico câncro das sociedades humanas cuja origem perde-se no tempo mas que sabemos ter sido a causa da queda de muitos impérios, incluindo o romano e o portugês do século XVI.
A corrupção mina, não só a estrutura do Estado, apoderando-se dela para a subjugar a fins estritamente pessoais e mesquinhos, como contamina toda a vida em sociedade, inculcando a ideia de que uns têm privilégios sobre outros e que passam impunes.
Cria-se uma espécie de sistema de castas em que, quanto mais alto for o posto do corrupto, mais benefícios ele retira aos outros, socorrendo-se do erário público ou da posição que ocupa para ganhos pessoais, sendo visto como um intocável que tem imunidade penal.
Não há nada mais doentio para o são desenvolvimento de uma sociedade humana, que se pretende siga o seu expoente máximo de humanidade, que a corrupção que mina as instituições, corroi o bem-estar de todos, leva ao desalento das populações, provocando nestas a desconfiança das pessoas incumbidas de exercer cargos com responsabilidades, às vezes, sobre comunidades inteiras.
Os factos dados por provados nos autos são objectivamente muito graves, sendo a ilicitude elevada e as culpas igualmente vincadas.
O facto de nenhum dos arguidos possuir antecedentes criminais foi ponderada de forma equilibrada, se não estaria legitimada a aplicação de penas de prisão mais pesadas considerando o limite máximo da moldura penal aplicável.
O facto do registo criminal estar limpo não significa que se premei um arguido pois o mesmo nada mais faz do que a sua obrigação ao não cometer crimes.
O facto também de estarem todos integrados quer social, quer laboral, quer familiarmente também se mostra devidamente pesado, contudo, tal inserção, que não serviu de dissuasor a nenhum dos arguidos, não pode isentar os arguidos de sentirem reprovação pelos seus actos.
Entendem, contudo, os arguidos UU e TT que os mesmos deveriam ter beneficiado da diminuição da ilicitude nos termos do artº 72º nº 2 al. a) do Código Penal por terem agido no âmito de uma estrutura hierárquica.
Vejamos, tendo por base o teor do artº 72º do Código Penal que supra citamos.
Ora, na verdade, o Tribunal a quo não deu como provado que o esquema implementado há anos, e transversal a praticamente todas as messes da Força Aérea, fosse imposto através de uma hierarquia que exercia um ascendente sobre os membros de patente inferior.
Repare-se que o artº 72º nº 2 al. a) não se refere à simples obrigação de obedecer, nem de estar simplesmente inserido numa estrutura hierárquica porquanto, já vimos, a obediência hierárquica cessa com a prática de um crime.
O que tal preceito legal foca é a existência de um ascendente o que se traduz numa pressão psicológica exercida por quem tem poderes sobre o arguido e consequentemente o possa determinar a fazer algo que não deve ou que não quer.
Ora, no caso em apreço, não ficou provado que os arguidos tivessem sofrido alguma pressão por parte de qualquer superior hierárquico seu para actuar.
E o simples facto de estar inserido numa estrutura hierárquica não implica a obrigação de cumprir ordens ilegais.
Tanto que o agente encoberto, que tamém é militar, quando soube do esquema instalado participou ao seu superior e aí nasceu uma investigação que desembocou no julgamento dos autos.
Por outro lado, o argumento utilizado pelo arguido UU de que a Base Aérea nº ... em ... já havia sido alvo de um inquérito interno o qual viria a concluir por meras irregularidades (em oposição à prática de um crime, entenda-se) não pode levar à conclusão de que o mesmo actuara sob pressão da sua hierarquia porquanto, mesmo as irregularidades são censuráveis e não toleráveis numa estrutura hierárquica militar que tem de seguir a lei, além de não servirem como desculpa para afastar uma incriminação penal que sempre seria da competência de outras instâncias.
Mesmo que o arguido UU se tivesse convencido que a sobrefacturação ocorrida na sua messe traduzia uma mera irregularidade (o que não se afigura credível) tal não significa que tivesse sido submetido a um ascendente por parte da sua hierarquia para actuar nesse sentido.
Não há, assim, qualquer razão ou base fáctica para se aplicar ao arguido em apreço a atenuação prevista no artº 72º nº 2 al. a) do CP.
 No tocante às arguidas sociedades Pac & Bom – Comércio e Serviços, Lda. e Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, Lda., entendem as mesmas que o Tribunal a quo as discriminou em relação às outras arguidas às quais foram aplicadas, em substituição da multa fixada, uma caução por boa conduta.
Argumentam ainda que foram mais severamente condenadas em multa do que as restantes empresas.
Se olharmos a fundamentação oferecida pelo Tribunal a quo acerca da determinação da pena de multa em relação às arguidas sociedades, constante de páginas 840 a 848 do acórdão recorrido, podemos ler com toda a clareza os motivos que levaram o Tribunal a quo não só a fixar uma pena de multa mais elevada a estas duas empresas, e também à empresa Doce Cabaz, Lda. –  porque as mesmas foram as que mais facturaram no esquema em apreço sendo os valores indicados na prova documental revelador da sua capacidade económica – como a não substituir a pena de multa pela de caução por boa conduta.
Na página 847 e 848 do acórdão recorrido podemos ler o seguinte:
“Relativamente às arguidas Pac & Bom – Comércio e Serviços, L.da, Chavibom – Comércio e Distribuição Alimentar, L.da, e Doce Cabaz, L.da, atendendo à gravidade dos factos, ao grau de ilicitude elevado, ao montante dos prejuízos causados ao Estado e às prementes necessidades de prevenção geral e especial, nos termos antes expostos, não se afigura possível a substituição desta pena, designadamente pela prestação de boa conduta. (…)
In casu, trazendo de novo à colação o que anteriormente se escreveu acerca do “quase monopólio” de fornecimento das messes da Força Aéreapelas arguidas Pac & Bom e Chavibom e Doce Cabaz, já que eram residuais aquelas que não abasteciam, bem como o volume de faturação – e de sobrefaturação – que isso implicou, entendemos estar claramente demonstrada a necessidade de aplicação da pena acessória de proibição de celebrar contratos com o Estado, pelo período de 4 (quatro) anos.”
Consata-se, assim, com facilidade e com clareza, os motivos pelos quais o Tribunal a quo aplicou uma pena de multa muito mais elevada a estas sociedades, porque motivo não a substitui por caução de boa conduta e porque motivo aplicou acessoriamente uma pena de proibição de celebrar contratos com o Estado por 4 anos.
Argumentam, ainda, a arguida Doce Cabaz, Lda. e o seu gerente, o arguido JJJ que apesar da arguida Doce Cabaz, Lda. não vir contemplada no elenco de empresas que forneciam a Base Aérea nº ... de ..., conforme facto vertido em 99, que o Tribunal a quo erradamente concluiu que assim teria retirado consequências ao nível da imputação penal e aplicação da pena.
Tendo o Tribunal a quo considerado, erroneamente, que a Doce Cabaz, Lda. só não serviu a Base Aérea nº ... de ....
Mesmo aceitando um lapso da parte do Tribunal a quo, a verdade é que as medidas concretas das penas aplicadas continuam a ter validade dado que, a Doce Cabaz, Lda. serviu todas as outras messes ficando de fora apenas a de ... e de ....
E se olharmos o volume de negócios somente em relação às outras messes em que não há dúvida que a Doce Cabaz, Lda. interveio só esse volume justifica as penas concretamente aplicadas.
De notar que apesar da messe de ... ter importância, muito mais importante era ... e a ... dado o escopo de situações que abarcavam.
No fundo, não servir apenas uma messe ou não servir duas, dentro de um universo de onzes messes onde nove são abrangidas[226] acaba por ser irrelevante dada a elevada intervenção junto da Força Aérea.
Não se vislumbra, assim, que as penas fixadas a estes arguidos deveriam ser alteradas, e nomeadamente, reduzidas só porque os mesmos não tiveram intervenção junto da Base Aérea de ....
Vejamos, agora, em particular a suspensão da execução da pena de prisão.
O instituto da suspensão da execução da pena de prisão está sediada no artº 50º do Código Penal subordinado à epígrafe "pressupostos e duraçãoque diz o seguinte:
"1. O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos." – sublinhado nosso
Ora, a suspensão da execução de uma pena de prisão exige dois pressupostos, conforme bem explicitado no Ac. da Relação de Coimbra de 29-11-2017 (procº nº 202/16.8PBCVL.C1)[227]:
“O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.
O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir).
A prognose exige a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, pois a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da pena é o afastamento da prática pelo arguido, no futuro, de novos crimes.
As finalidades das penas, designadamente das penas de substituição, é «a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.» (art.40.º, n.º1 do Código Penal).
A proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais, implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, positiva ou de integração, servindo para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal.
A reintegração do agente na sociedade, outra das finalidades da punição, está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.
Todavia, no entendimento do Prof. Figueiredo Dias, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo em caso de conclusão do tribunal por um prognóstico favorável (à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuserem as finalidades da punição (art. 50.º, n.º 1 e 40.º , n.º1 do Código Penal), nomeadamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que «só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto…».
A suspensão da execução da pena é, sem dúvidas um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos. Deste modo, o tribunal, quando aplicar pena de prisão não superior a 5 anos deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido.” – sublinhado nosso                     
Ora, no caso em apreço, há arguidos que, tendo sido condenados em pena de prisão inferior a 5 anos, portanto, reunindo o requisito formal da aplicabilidade do instituto da suspensão da execução da pena, viram esse instituto afastado pelo Tribunal a quo.
Percebe-se, dos argumentos despendidos pelo Tribunal a quo quando efectuou a análise da possível aplicação do instituto previsto no artº 50º do Código Penal aos arguidos a quem tinha aplicado pena de prisão até 5 anos, que foi preponderante o silêncio de alguns arguidos em confronto com as confissões e arrependimento de outros.
Ou seja, o Tribunal a quo entendeu valorar – e bem – as confissões e arrependimento dos arguidos EE, FF, HH, GG e JJ, que prestando declarações em sede de julgamento, deram um contributo ímpar para a descoberta da verdade ao mesmo tempo que se mostravam sinceramente arrependidos e envergonhados com a sua actuação.
Tambem valorou as declarações prestadas em sede de inquérito pelo arguido II que, apesar de se ter remetido ao silêncio em sede de julgamento, havia já confessado em sede de inquérito a prática dos factos, tendo o Tribunal a quo, por força da posição privilegiada que possui de poder ver, ouvir e analisar directamente a postura e linguagem corporal de cada arguido, concluído que o silêncio em sede de julgamento se deveu mais a vergonha do que a arrogância.
No verso da medalha e como corolário lógico da valoração da confissão e arrependimento de alguns arguidos, o Tribunal a quo entendeu que os outros arguidos, que pura e simplesmente se remeteram ao silêncio, não revelaram elementos aptos a levar a uma prognose favorável de que, com uma pena suspensa na sua execução, vão comportar-se de acordo com os ditames legais.
Ou seja, o Tribunal a quo entendeu que os arguidos que nada disseram[228], e em relação aos quais não foi possível obter outros elementos objectivas, máxime, nos relatórios sociais, acabaram, com o seu silêncio, por não permitir aferir-se, com a segurança necessária, da existência de elementos que pudessem permitir formar um juízo de prgnose favorável à suspensão da pena.
E compreende-se porque motivo o Tribunal a quo chega a esta conclusão.
É que um arguido que confessa os factos e que assume as suas resposnabilidades, mesmo sabendo que está a ir contra toda uma hierarquia militar com forte peso cultural, e que está, de certa forma, a trair os seus camaradas, revela uma reflecção necessária sobre o seu comportamento, demonstra que é capaz de efectuar uma auto-crítica – o que é o primeiro passo para a reabilitação – ao mesmo tempo que revela uma vontade e capacidade de inverter a tendência criminosa da qual se tinha deixado apoderar para voltar a ser um cidadão que respita a ordem jurídica e os valores da sociedade.
Os arguidos que confessaram, sendo todos eles militares, acabaram por violar as expectativas de uma estrutura hierárquica militar que espera de cada membro obediência de modo a alcançar uma actuação coesa que, dentro de um quadro de normalidade, é necessária e salutar.
Acontece que, quando essa obediência implica a prática de crimes o fundamento subjacente cai completamente por terra, no entanto, continua-se a exigir um comportamento conforme com o status quo exigido em estruturas hierárquicas, especialmente militares.
Assim, não é fácil para um arguido militar quebrar o silêncio, implicar os seus superiores hierárquicos e camaradas numa trama criminosa que desgraça o bom nome de todos quanto nela participaram.
E o facto de tais arguidos terem tido a coragem de o fazer, contra uma estrutura hierárquica militar, e na presença dos seus superiores hierárquicos, só revela que, de facto, objectivamente é de pressupor que terão a mesma coragem de agora se conformarem com o Direito e não voltar a cometer mais crimes.
Ou seja, os arguidos que confessaram, ainda que apenas em sede de inquérito, e que demonstraram arrependimento, vergonha e mal-estar com os seus comportamentos revelaram possuir características de personalidade que permite dar ao julgador uma segurança minimamente sólida no momento em que tem de avaliar da possibilidade de efectuar uma prognose sobre o futuro e possível comportamento desses arguidos.
Ora, se um arguido se remete ao silêncio, mesmo depois de ver os seus camaradas e superiores a confessarem o seu respectivo envolvimento num esquema, que seguramente é muito mais abrangente do que o julgamento dos autos conseguiu delimitar, então esse arguido retira ao Tribunal a possibilidade de considerar que será capaz de coibir-se de cometer novos crimes.
Aliás, não só não permite ao Tribunal chegar a qualquer conclusão minimamente abalizada de modo a poder fazer uma prognose favorável, como acaba por lhe revelar que essa prognose não é sequer viável porquanto não há, da parte do arguido, qualquer manifestação que pudesse permitir revelar que o arguido interiorizou a gravidade da sua actuação, está consciente dos danos causados, ou sequer que reconhece que aquilo que fez é profundamente errado e corrosivo dos valores que a sociedade humana, onde se insere, preza.
Assim, não há nada a apontar à análise efectuada pelo Tribunal a quo em relação à não possibilidade de aplicar o regime de suspensão da execução da pena de prisão até 5 anos aos arguidos que se remeteram ao silêncio, à excepção do arguido UU que infra veremos.
Quanto aos arguidos KK, RR e EEE embora aqueles primeiros dois tenham prestado declarações em sede de julgamento e este último em sede de inquérito, constata-se que essas declarações em nada serviram para a descoberta da verdade, sendo que os referidos arguidos não assumiram quaisquer culpas, nem revelaram qualquer tipo de arrependimento.
É certo que o arguido EEE revelou preocupação com o desenrolar do processo, quer para si, quer para a sua família e trabalhadores das suas empresas.
E, em relação a este arguido, apesar do Tribunal a quo o ter incluído na mesma análise que efectuou dos comportamentos dos arguidos KK e RR afigura-se-nos que há que fazer uma clara distinção que passamos a explicitar.
Em primeiro lugar, apesar do arguido EEE se ter remetido ao silêncio durante o julgamento, impedindo, assim, o Tribunal a quo de aferir de forma directa o seu estado de espírito no sentido de constatar arrependimento, a verdade é que este arguido, de todos os outros arguidos comerciantes esteve presente em quase todas as 107 sessões de julgamento[229].
Por outro lado, do seu relatório social resulta claro que o mesmo está preocupado com o objecto dos autos, não só em termos do que uma condenação possa implicar para si como também os efeitos sobre a sua família e seus trabalhores.
Ora, esta atitude, apreensível em termos menos conspícuos do que um arrependimento declarado não deixa de dever ser valorizado positivamente a favor do arguido em apreço.
Por outro lado, ainda, há que ter em conta que o arguido EEE não era o gerente quem iniciou e comandou durante anos a intervenção das empresas Chavibom e Pac & Bom, as quais estavam entregues à gerência do seu pai, Sr. JJJJJ, que foi quem verdadeiramente encetou as ligações promíscuas com as várias messes da Força Aérea.
Reparemos no que afirmou o arguido JJ, quando identificou as empresas com quem lidava. O mesmo revelou que combinara tudo com o Sr. JJJJJ, ou seja, o pai do arguido e dono das respectivas empresas.
Reparemos ainda no que resulta do relatório social transposto para a matéria de facto provada sob as condições pessoais:
“EEE iniciou atividade profissional nas empresas, Pac & Bom e Chavibom, ambas pertencentes ao pai, tendo, no ano de 2015, com o falecimento do mesmo, se tornado, na condição de sócio, responsável pelas mesmas.”
Ora, uma boa parte da actuação das duas empresas em referência ocorreu ainda na gerência do pai deste arguido, não podendo tais factos ser-lhe verdadeiramente imputados só porque o mesmo se tornou gerente em momento posterior e é quem, agora, actua como legal representante das referidas empresas.
É certo que, quando o arguido EEE se tornou gerente das empresas do pai e assumiu o respetivo comando, manteve as práticas por este instituídas mas, aí, não podemos deixar de considerar importante o relevo que a manutenção de contratos já celebrados com a Força Aérea teria para este arguido que seguramente não iria querer “arruinar” com o trabalho que o pai havia conseguido.
Ou seja, haveria uma licitação exterior já estabelecida que levaria a um certo facilitismo que só revela uma menor energia criminosa por o arguido EEE
nada ter iniciado mas apenas dado continuidade.
O facto do arguido estar a responder em parte por actuações estabelecidas e concretizadas pelo pai revela-se materialmente injusto e afigura-se-nos que essa situação tem de ser aqui corrigida, tanto mais que é possível, apesar do silêncio a que o arguido se remeteu durante o julgamento,[230] retirar da postura do mesmo durante todas as sessões em que esteve presente, bem como do seu relatório social que o arguido tem consciência da gravidade dos factos, e os seus nefastos efeitos não só para si mas para os seus trabalhadores.
Aliás, a situação deste arguido não é muito diferente da do arguido MMM que também acabaria por “herdar” uma situação já previamente estabelecida pelo sogro.
Afigura-se-nos, assim, que é viável concluir-se, em relação a este arguido, por uma prognose favorável quanto à sua futura conformidade com o direito, afigurando-se-nos que a pena de prisão que lhe foi fixada deve ficar suspensa na sua execução por igual período de tempo, revogando-se, assim, o acórdão recorrido nesta parte.
Em relação aos outros dois arguidos, KK e RR entendeu o Tribunal a quo que os mesmos, apesar de terem falado em sede de julgamento, assumiram, perante toda a prova que foi sendo revelada e produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, em especial, perante as confissões dos arguidos militares, uma atitude de negação e de desresponsabilização.
Pelo que, quanto a estes dois arguidos, que até prestaram declarações, entende-se que o Tribunal a quo avaliou de forma correcta e para efeitos do disposto no artº 50º do Código Penal todos os elementos necessários para apurar da possibilidade, ou não, de se alcançar uma prognose favorável à suspensão da execução da pena.
Já os arguidos LL, MM e NN não foram alvo de análise jurídica expressa no sentido de não poderem beneficiar duma suspensão da execução das respectivas penas, motivo pelo qual suscitaram – e esta Relação lhes deu razão, supra – a omissão do acórdão nessa parte.
Convém agora e antes de mais, colmatar essa omissão procedendo à análise jurídica em falta.
Assim e considerando a linha da raciocícnio seguida pelo Tribunal a quo no tocante ao silêncio dos arguidos (em oposição aos arguidos que confessaram e mostraram arrependimento)[231] e da forma como esse silêncio não permite que se afira da existência de uma prognose favorável à suspensão da execução da pena, considerando que também os arguidos LL, MM e NN se remeteram ao silêncio em sede de julgamento e durante todo o inquérito, afigura-se-nos que as respectivas penas aplicadas a estes arguidos, por uma questão de absoluta coerência e justiça relativa, também devem ser efectivas por não ser possível formular-se, com a necessária segurança, uma prognose favorável à suspensão da execução da pena.
Aliás, do relatório social do arguido LL se retira que o mesmo “manifesta preocupação com a presente situação jurídico-processual, sobretudo relacionada com os eventuais danos na sua reputação profissional, adotando uma postura vitimizadora e verbalizando sentimentos de injustiça com a presente situação vivida. Relativamente a factos similares, considerados de forma abstrata, apresenta um adequado juízo de censura social.”[232]
E do relatório do arguido NN se retira que “quanto ao impacto negativo decorrente da presente situação jurídico penal, o arguido exprime a sua revolta e apreensão pelas eventuais consequências que daí possam resultar ao nível profissional, referindo identificar-se com os valores éticos subjacentes à ideologia militar. Embora defenda os valores e praticas institucionais, apresenta noções de limite face ao bem jurídico em questão, mostrando preocupação pelo bem-estar dos outros.”
Do relatório do arguido MM se retira que este igualmente “manifesta preocupação com a presente situação jurídico-processual, sobretudo relacionada com os eventuais danos na sua reputação profissional, adotando uma postura vitimizadora e verbalizando sentimentos de injustiça com a situação vivida por falta de apoio da estrutura militar.”[233]
Estes três arguidos, apesar de se mostrarem incomodados com as repercussões nas suas carreiras, o que se aceita como normal, não revelam, contudo a capacidade de analisarem o seu papel em toda a trama e as repercussões que isso tem nos outros e na sociedade em geral, continuando a estarem centrados em si mesmos.
É digno de registo que estes três arguidos integravam a messe da ... cuja direcção cabia ao co-arguido JJ que confessou integralmente os factos e explicou o esquema de sobrefacturação e corruptivo aí existente.
Ora, mesmo que aqueles três arguidos se quisessem remeter ao silêncio numa primeira fase para ver que prova era efectivamente produzida, o que se aceita como normal, a verdade é que, a partir do momento em que um dos co-arguidos com quem trabalhavam na mesma messe, ademais seu superior em termos de patente e funções, começou a contar tudo quanto se tinha passado e como se tinha passado, ao continuarem em silêncio revelam não terem qualquer reacção perante a gravidade dos factos, como se os mesmos lhes passassem ao lado sem consequência.
Não tinham de também confessar mas ao menos deveriam ter reagido perante aquilo que o seu superior militar, JJ, estava a relatar, até para demonstrar terem apreendido a gravidade da situação e das respectivas consequências.
Se, perante uma situação em que o seu superior hierárquico militar revela um esquema corruptivo em que inclui os arguidos em referência, estes nada revelam fica-se com a séria dúvida se se compenetraram da gravidade da situação o que paralisa qualquer juízo de prognose favorável.
Motivo pelo qual, bem andou o Tribunal a quo ao não ter suspenso a execção das respectivas penas.
Entende ainda o arguido RR que o artº 50º do Código Penal, na interpretação que o Tribunal a quo faz de valorar o silêncio do arguido para efeitos de não suspender a execução da pena é inconstitucional por violação do disposto nos artºs 20º nº 4, 29º e 32º nº1 da CRP.
Olhando os citados artigos constitucionais em apreço não se vislumbra em que medida a actuação do Tribunal a quo, ao considerar o silêncio dos arguidos, que não prestaram declarações, para efeitos de avaliar se existe ou não uma prognose favorável para a suspensão da execução da pena de prisão, possa ser inconstitucional.
O que o Tribunal a quo diz é que, com o silêncio, não fica demonstrado qualquer tipo de arrependimento nem foi realizada qualquer colaboração activa na busca da verdade material.
Não podemos esquecer que o julgamento dos autos desenvolveu-se ao longo de 107 sessões e que uma boa parte da prova produzida resultou de uma acção encoberta com agente infiltrado, que muitos dos arguidos tentaram invalidar, e da confissão de vários co-arguidos que depuseram de forma humilde e aberta.
Ora, ainda que um arguido não quisesse logo falar, até para perceber que prova é que efectivamente estava a ser produzida por parte do MºPº (aqui é que entra o seu direito de não se auto-incriminar), a verdade é que, ao fim de dezenas de sessões, tornou-se claro que muita prova estava a ser trazida a lume através das declarações de vários co-arguidos que decidiram contar o que se tinha passado.
Nessa situação qualquer um dos arguidos que se tinha remetido ao silêncio podia pedir para falar e dar o seu contributo mostrando arrependimento ou então ajudando a contextualizar os factos.
No caso do arguido RR o mesmo até acabaria por prestar declarações pelo que não se compreende porque motivo suscita a inconstitucionalidade que invoca para efeitos de recurso.
Em todo o caso, o que o Tribunal a quo fez foi conjugar toda a prova e concluir que os arguidos que não confessaram, quer os que se remeteram ao silêncio, quer os que ofereceram uma versão diferente, também estariam implicados no tal esquema de corrupção e sobrefacturação.
Ao chegar a essa convicção, que fundamentou em mais de 200 páginas de acórdão, o Tribunal a quo acabou por concluir que, em relação aos arguidos que nada disseram, os mesmos não forneceram dados concretos para permitir ao Tribunal fazer uma avaliação acerca de uma possível prognose em relação à possibilidade de suspender a execução da pena.
Repare-se que a suspensão da execução da pena de prisão implica que o Tribunal faça um juízo de valor assente apenas em indícios que lhe permitam concluir por uma prognose acerca do futuro comportamento do arguido.
Se essa prognose não for possível porque, por exemplo, o arguido em nada ajudou com o seu silêncio, deixando antever que não está arrependido, nem revela qualquer sentimento em relação aos factos que cometeu, não é possível ao Tribunal fazer uma “aposta” nesse arguido no sentido de considerar que a simples ameaça da execução da pena de prisão seja suficiente.
De notar que um dos factores que o artº 50º do CP manda atender é a conduta do arguido em momento posterior ao crime.
Ora a confissão, colaboração com a justiça e o arrependimento integram-se todos na conduta posterior ao crime.
Se o arguido se mantém em silêncio nada se pode retirar em concreto da sua conduta posterior que permita validar uma prognose favorável.
Por outro lado, o Tribunal a quo não se limitou verdadeiramente a valorar a falta de manifestação de arrependimento e de compenetração naquilo que fizeram por parte dos arguidos que se remeteram ao silêncio durante o julgamento, tendo-se socorrido dos relatórios sociais que deram um vislumbre sobre a forma como cada arguido encarou a situação dos autos.
Motivo pelo qual, apesar de alguns arguidos se terem remetido ao silêncio, o Tribunal a quo não deixou de lhes dar o benefício da dúvida aquando da determinação de uma prognose favorável para efeitos de suspender a execução da pena de prisão que lhes tinha aplicado por resultar dos relatórios sociais, e até mesmo daquilo que o Tribunal a quo pôde apreender da postura e comportamento desses arguidos em sede de julgamento, que os mesmos, na realidade, estavam envergonhados e revelavam por outras vias terem interiorizado a gravidade da sua actuação.
Não há, assim, qualquer inconstitucionalidade na forma como o Tribunal a quo aplicou o disposto no artº 50º do Código Penal.
Por fim, há que analisar o recurso do MºPº.
Insurge-se o MºPº contra a decisão do Tribunal a quo de suspender a execução das penas de prisão aplicadas aos arguidos SS, UU, VV, WW, XX, ZZ e CCC.
No entendimento propugnado pelo MºPº o Tribunal a quo apenas suspendeu a execução das penas de prisão que aplicou aos referidos arguidos por um motivo que nem sequer dependia da sua vontade: o facto de terem estado em prisão preventiva durante 7 meses no inquérito.
Vejamos.
Da análise da fundamentação oferecida pelo Tribunal a quo e da análise do julgamento se constata que nenhum dos supra referidos arguidos, confessou, colaborou com a descoberta da verdade material ou demonstrou qualquer arrependimento.
A propósito da suspensão da execução da pena aplicada a cada um destes arguidos refere o Tribunal a quo o seguinte:[234]
“E se relativamente aos arguidos SS, UU, VV, WW, CCC, XX e ZZ não podemos concluir, sem mais, pela existência de arrependimento sincero e de juízo de autocrítica perante as suas apuradas condutas, porquanto, ao longo de todo o processo, nunca prestaram declarações, a única circunstância que milita a seu favor é a de terem estado sujeitos à medida de coação de prisão preventiva ao longo de sete meses, desde 5 de julho de 2017 até à prolação da decisão instrutória, no dia 14 de fevereiro de 2018 (ainda que quanto ao arguido CCC a mesma tenha sido substituída pela medida de obrigação de permanência na habitação, que é também privativa da liberdade).
Ora, consabidas as implicações que essa privação da liberdade teve, necessariamente, nas respetivas vidas pessoais e profissionais, sobretudo se pensarmos na carreira militar por que enveredaram, estamos em crer que estes arguidos não quererão ver-se de novo privados da liberdade, em cumprimento das penas de prisão em que agora vão condenados.
Pelo exposto, e porque neste caso o Tribunal entende ser ainda possível a realização, para tanto, de um juízo de prognose favorável, mais se entende suspender a execução das penas de prisão aplicadas aos arguidos SS, UU, VV, WW, CCC, XX e ZZ, por igual período de tempo, vislumbrando-se, pois, que a censura dos factos e a ameaça de regressar ao meio prisional, por onde já passaram, são suficientemente dissuasoras da prática de futuros crimes.”
Ora, como muito refere o MºPº no seu recurso, a prisão preventiva que fora aplicada a estes arguidos em sede de inquérito foi algo que estava subtraído à sua esfera de actuação.
E se o Tribunal entende que o simples facto destes arguidos terem estado detidos durante vários meses lhes servirá de dissuasor de praticar futuros crimes pergunta-se, porque motivo, então, a prisão preventiva não lhes serviu como estímulo para colaborarem com a justiça e confessarem os crimes pelos quais foram condenados, ou mostrarem alguma forma de arrependimento, como aconteceu com os arguidos que confessaram os factos, colaboraram com a justiça e revelaram arrependimento, sendo que todos esses arguidos também tinham sido presos preventivamente.
Reparemos que em relação aos arguidos que confessaram o Tribunal a quo tece as seguintes considerações[235]:
“No que diz respeito aos arguidos EE, FF, GG, HH e JJ, cumpre sopesar, desde logo, a confissão – relevante – dos factos e a respetiva contribuição para a descoberta da verdade material, o arrependimento sincero manifestado, a capacidade e juízo de autocrítica e autocensura, que igualmente demonstraram, aos quais não terá sido alheio, certamente, o período de privação da liberdade anteriormente sofrido, que os levou a repensar na prática criminosa empreendida e a querer moldar a sua conduta futura pela conformidade às normas jurídicas em vigor.” – sublinhado nosso
Porque motivo para uns arguidos a prisão preventiva serviu para os consciencializar acerca da gravidade dos factos ao ponto de os levar a aceitar a sua respectiva responsabilidade na prática dos mesmos e, em relação a outros arguidos, essa privação temporária da liberdade não os levou a manifestar qualquer tipo de arrependimento?
Se perante uns arguidos a prisão preventiva serviu para os chamar à razão enquanto em relação a outros nenhum efeito parece ter tido, então essa mesma prisão preveniva não pode servir para fundamentar uma prognose favorável em relação a arguidos que não manifestaram qualquer aprendizagem com o tempo durante o qual estiveram privados da sua liberdade.
A prisão preventiva é uma medida de coação que se aplica perante a verificação de certos requisitos processuais e não sendo uma actuação do arguido que possa ser valorado para efeitos de se realizar uma prognose favorável nos termos do artº 50º do CP.
Como muito bem refere o MºPº no seu recurso:
“A intensidade da tutela reclamada para o bem jurídico violado torna-se inconciliável com a benevolência de uma pena cumprida em liberdade e que,  dificilmente, será compreendida pela comunidade, por ser manifestamente  insuficiente para repor a confiança na norma jurídica violada, sabendo-se como se sabe o quanto os crimes de corrupção são insidiosos e frequentes e acarretam  as mais gravosas consequências para o tecido social e para a credibilidade das instituições.”
De facto, na esteira de Figueiredo Dias mesmo que se verifique a possibilidade de se efectuar uma prognose favorável em relação ao arguido, se as exigências de prevenção gerais o exigirem não se deve suspender a execução da pena.
Ora, no caso em apreço, as exigências de prevenção gerais são muito elevadas atendendo ao facto da natureza do crime – corrupção – e do âmbito da prática do mesmo, que ocorreu durante vários anos no seio das Forças Armadas, órgão destinado à defesa da Nação e dos portugueses em que a ética e o respeito pelos valores da sociedade cuja protecção se visa accionar, têm repercussões a nível nacional.
A suspensão da execução de uma pena de prisão, em especial, nestes casos de corrupção disseminada no aparelho do Estado, leva a comunidade a considear que não se fez punição alguma, muito menos qualquer tipo de censura apta a ir ao encontro dos danos provocados e que, como já vimos, não se limitam ao concreto dinheiro que é desviado mas à própria legimitidade do Estado.
Afigura-se-nos, assim, que o simples facto dos arguidos em apreço terem cumprido prisão preventiva sem que isso tenha, à semelhança de outros arguidos, levado a que os mesmos interiorizassem o seu comportamento e assumissem a gravidade dos factos por si praticados, tendo os mesmos mantido uma postura de não colaboração, nem manifestado qualquer tipo de arrependimento, não se nos afigura adequado concluir-se que a prisão preventiva sofrida permite levar à conclusão de que a simples ameaça da pena seja suficiente.
No entanto, pelo menos em relação ao arguido UU há que fazer uma distinção.
É que este arguido teve largos períodos em que esteve de baixa na messe da Base Aérea nº ... a que estava afecto, sendo que também sofreu problemas de foro psiquiátrico e problemas familiares que lhe afectaram a parte psicológica.
Vejamos.
O Tribunal a quo deu como provado os seguintes factos relativamente a este arguido em particular:
“955. O ano de 2016 foi bastante particular para o arguido, quer em termos das mudanças funcionais ocorridas na B.A. n.º …, quer em termos do seu próprio estado de saúde.
956. O arguido requereu, insistentemente, à Esquadra de Administração para mudar de funções na B.A. n.º …, sendo transitado da messe para outro posto.
957. Em 2015 a esposa do arguido teve que sujeitar-se a uma histerectomia, intervenção cirúrgica que lhe trouxe posteriores episódios depressivos, tendo sido seguida em consultas de psiquiatria e medicada por sintomas ansioso-depressivos em contexto reativo.
958. Era neste contexto que o arguido se encontrava quando, em setembro de 2015, foi confrontado com a determinação da sua transferência para a Base Aérea n.º …, no ....
959. Esta transferência cumpria a vontade de sair das funções que desempenhava na messe da B.A. n.º …, mas contrariava a necessidade de ficar nesta mesma B.A. n.º …, para acompanhar de perto a situação clínica da sua mulher, bem como as duas filhas que têm em comum.
960. Nesta sequência, o arguido apresentou, em 17 de setembro de 2015, junto do Gabinete de Ação Social da B.A. n.º …, um requerimento no qual solicitava que a sua transferência se desse apenas no ano letivo seguinte, ou seja, a partir de setembro de 2016, de forma a ter tempo de programar a sua vida familiar toda em .../....
961. Este pedido veio a ser atendido pelo Serviço de Ação Social do Comando de Pessoal, por Parecer de 28 de setembro de 2015, e depois deferido pelo Senhor Diretor da Direção de Pessoal do Comando de Pessoal, em 13 de outubro de 2015.
962. Face a estas vicissitudes familiares, o arguido UU acabou por cair num quadro de pouca saúde anímica, em que também ele se deparou com a necessidade de obter acompanhamento psiquiátrico, recorrendo a medicamentos e outras substâncias que provocavam o alheamento da realidade por que passava.
963. No final de 2015 foram vários os episódios de baixa a que o arguido se teve de sujeitar para tentar recuperar a sua saúde, determinadas pelo acompanhamento que o arguido vinha recebendo junto das consultas de psiquiatria da Unidade Local de Saúde ....
964. Neste contexto, mesmo tendo ficado na B.A. n.º …, para poder acompanhar a sua família, o arguido não cessou de tentar mudar de funções, o que veio a suceder em setembro de 2016, mês em que transitou para a Secção de Aquisições.
965. Estas funções na Secção de Aquisições não se iniciaram logo após as férias, no mês de setembro, por ter o arguido entrado (novamente) de baixa médica.
966. No dia 12 de setembro de 2016 o arguido foi observado numa consulta “(…) por um episódio disruptivo psicótico com alguma agitação psicomotora e foi medicado com Sertalina 50 mg, Serenal 15, Trazadona 150, Olamzapina 2,5, situação clínica que terá sido despoletada pelo uso de estupefacientes (…)”.
967. Apenas no final do período de baixa, no final de outubro de 2016, é que o arguido iniciou funções na referida Secção de Aquisições, o que apenas conseguiu manter por uma semana, tendo entrado novamente em baixa médica até ao final do ano.”
Ora, verifica-se que este arguido não queria continuar na messe da Base Aérea nº ... e que insisitiu para ser transferido para outras funções, o que é revelador do facto do arguido não pretender beneficiar mais do esquema de sobrefacturação, podendo ver-se neste comportamento uma desistência, ainda que tácita, da actividade criminosa retratada nos autos.
Por outro lado, dos factos em referência se retira que o arguido só esteve na messe metade do ano de 2016 (facto vertido em 964) – devemos lembrar que a acção encoberta que culminou com as buscas terminou em 03-11-2016 – e grande parte de 2015 o arguido esteve com problemas de saúde – “Face a estas vicissitudes familiares, o arguido UU acabou por cair num quadro de pouca saúde anímica, em que também ele se deparou com a necessidade de obter acompanhamento psiquiátrico, recorrendo a medicamentos e outras substâncias que provocavam o alheamento da realidade por que passava” – pautada por períodos de baixa – “No final de 2015 foram vários os episódios de baixa a que o arguido se teve de sujeitar para tentar recuperar a sua saúde, determinadas pelo acompanhamento que o arguido vinha recebendo junto das consultas de psiquiatria da Unidade Local de Saúde ...”.
Por fim, apesar do arguido UU ter estado na Base Aérea nº ... em ... desde 07 de Setembro de 2009 (facto vertido em 527) a sua intervenção no respectivo esquema só começa, aparentemente, em 2014 conforme factos vertidos em 535, 536 e 540, sendo que no processo disciplinar, que foi despoletado em 2009, precisamene por causa da sobrefacturação, o respectivo instrutor, o co-arguido BB, conclui tratar-se de meras “irregularidades administrativas” (facto vertido em 537) o que, embora não desculpando a actuação do arguido UU, permitiu dar-lhe alguma confiança de que o esquema em causa não seria sancionada.
Afigura-se-nos, assim, que a culpa do arguido UU acaba por ser mais reduzida, tanto que, tendo o mesmo estado ausente largos períodos em 2015 e 2016 há que perguntar porque motivo os militares também afectos à referida messe e que assegurariam o seu funcionamento na ausência do arguido UU não foram também levados a julgamento.
Assim, deve a pena concretamente aplicada a este arguido pelo crime de corrupção passiva agravada ser alterada e substituída por uma pena de 3 anos de prisão, e a pena aplicada pelo crime de falsificação de documento (atento o tempo real em que o arguido esteve presente na messe e com real capacidade para determinar os respectivos actos) deve ser alterada para 1 ano e 3 meses de prisão.
Em cúmulo, sendo a moldura concursal de 3 anos, no seu limite mínimo, e de 4 anos e 3 meses no seu limite máximo, fixa-se uma pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.
E, uma vez que, já em plena fase activa do esquema corruptivo, o arguido UU não descansou enquanto não conseguiu ser mudado de funções, o que permite concluir com alguma segurança que não queria mais participar no esquema e procurava uma forma de dela sair, afigura-se-nos que é possível fazer-se uma prognose favorável acerca da capacidade deste arguido em se conformar com o direito e pautar a sua vida daqui em diante com respeito pela ordem jurídica e os valores da sociedade.
Pelo que a pena que aqui ora aplicamos deve ficar suspensa na sua execução por igual período de tempo.
Consequentemente, há também que revogar a sanção acessória que lhe foi aplicada.
Uma vez que em relação aos outros arguidos visados pelo recurso do MºPº, a saber SS, VV, WW, CCC, XX e ZZ, não foram dados por provados factos que permitissem concluir que os mesmos tentaram sair do esquema corruptivo, nem que tivessem tido situações pessoais que, de alguma forma, pudessem implicar um estado psicológico mais frágil e assim determinante de uma culpa reduzida, considerando ainda o largo tempo que cada um desses militares esteve nas respectivas messes pelas quais eram responsáveis[236], e a falta de exteriorização da consciencialização da gravidade dos seus actos, que nem a prisão preventiva fez vir ao de cimo, afigura-se-nos que o recurso do MºPº tem de proceder quanto a estes arguidos, devendo os mesmos cumprir pena efectiva de prisão.
XII – Das Penas Acessórias:
- recursos dos arguidos FF, UU, AA, JJ, GG e BB[237]
Por fim, alguns arguidos impugnaram a aplicação da sanção acessória, quer porque entendem que é exagerada e desproporcional, devendo ter beneficiado da uma atenução especial nos termos do artº 374º-B nº 2 al. a) do CP[238], quer porque a medida é desprovida de qualquer utilidade[239] quer ainda porque entendem que a sanção acessória não é de aplicação automática e que não se verificam os respectivos pressupostos[240]
Vejamos.
O artº 66º do Código Penal, subordinado à epígrafe proibição do exercício de função, ao abrigo do qual as sanções acessórias foram aplicadas nos autos diz o seguinte:
“1 - O titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, que, no exercício da actividade para que foi eleito ou nomeado, cometer crime punido com pena de prisão superior a 3 anos, é também proibido do exercício daquelas funções por um período de 2 a 5 anos quando o facto:
a) For praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b) Revelar indignidade no exercício do cargo; ou
c) Implicar a perda da confiança necessária ao exercício da função.
2 - O disposto no número anterior é correspondentemente aplicável às profissões ou actividades cujo exercício depender de título público ou de autorização ou homologação da autoridade pública.
3 - Não conta para o prazo de proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança.
4 - Cessa o disposto nos n.ºs 1 e 2 quando, pelo mesmo facto, tiver lugar a aplicação de medida de segurança de interdição de actividade, nos termos do artigo 100.º
5 - Sempre que o titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, for condenado pela prática de crime, o tribunal comunica a condenação à autoridade de que aquele depender.”
Em face da alteração das penas aplicadas aos arguidos EE, FF, GG, HH e JJ e UU constata-se que a sanção acessória em apreço deixou de lhes ser aplicável uma vez que não são condenados por crime punido com pena de prisão superior a 3 anos.
De facto, para efeitos de aplicação da sanção prevista no artº 66º é necessário a verificação da prática de um crime, portanto o cúmulo de crimes não integra esta norma[241], que, em concreto, tivesse sido punido com pena (concreta) superior a 3 anos de prisão, ou seja, não está em causa a prática de crime cuja moldura penal abstractamente permitisse uma pena superior a 3 anos de prisão[242] [243].
Com a redução das penas de prisão aplicadas aos supra referidos arguidos que confessaram, pela prática de crime de corrupção passiva agravada, de 4 anos para 2 anos e 8 meses, e redução da pena de prisão aplicada ao arguido UU de 4 anos para 3 anos, pelo mesmos crime de corrução passiva agaravada, deixaram os mesmos de estar ao alcance da respectiva norma, motivo pelo qual não lhes pode ser aplicada a sanção prevista no artº 66º do CP devendo ser revogado o acórdão recorrido no que tange à condenação dos arguidos EE, FF, GG, HH, JJ e UU numa pena acessória.
Mas, ainda que assim não fosse, afigura-se-nos que, ao contrário do entendimento propugnado pelo Tribunal a quo, a suspensão da execução da pena principal ao abrigo do artº 50º do Código Penal não permite consentir na aplicação de uma pena acessória efectiva[244] que até poderá ter efeitos muito mais nefastos na vida do arguido do que o cumprimento da pena de prisão.
De facto, se o Tribunal dá um voto de confiança a um arguido ao ponto de entender que o mesmo pode não cumprir a pena de prisão que lhe foi determinada, pergunta-se qual a lógica de lhe impor uma pena acessória que até pode levar ao seu total afastamento do seu cargo com o consequente reflexo no seu salário (cfr. artº 68º nº 1 do CP)?
Se a ratio subjacente ao instituto da suspensão da execução de uma pena de prisão é precisamente a aposta na ressocialização do arguido em liberdade, como é que se garante, ou pelo menos se estimula, essa ressocialização se o arguido, embora livre, esteja impedido de trabalhar nas suas funções habituais?
Especialmente quando estão em causa funções muito específicas como ocorre com os militares da Força Aerea.
Ou bem que se confia que o agente é capaz de se conformar com o Direito, em especial, no local onde cometeu o crime, ou bem que não se confia.
Aliás, a finalidade da pena acessória é para acautelar a perigosidade do agente condenado, na sua área de actuação.
Se há uma prognose favorável no sentido de aceitar que esse arguido pode ser alvo de um voto de confiança de que não irá mais prevaricar, pergunta-se qual a verdadeira perigosidade que tem de ser acautelado com a pena acessória?
Embora referindo-se à pena acessória de demissão, a qual tem paralelo ao caso dos autos, Figueiredo Dias esclarece de forma muito lúcida porque motivo essa pena acessória não pode ser aplicada quando a pena principal ficou suspensa na sua execução:
“…torna-se claro que a aplicação da pena de demissão não é legalmente possível, logo por falta de requisitos formais, se a pena principal for a de prisão superior a 2 anos,[245]mas a execução da prisão tiver sido suspensa: a suspensão de execução da prisão é uma pena autónoma (de substituição) e portanto diferente da pena de prisão. Assim se contraria, é certo, um princípio que a doutrina italiana considera tradicional em matéria de penas acessórias e a que chama «princípio da indefectibilidade da pena»; princípio, de resto, tão importante que não falta quem queira ver ali a verdadeira razão de existência de penas acessórias, através dele se compensando o «benefício» da suspensão de execução da prisão. Mas, de um ponto de vista político-criminal, o efeito assim obtido é de repudiar; para «compensar o benefício» da suspensão estão os deveres e regras de conduta quea podem condicionar, sendo para tal fim absolutamente inadequada a pena acessória de demissão.”[246]
Dito isto, e embora os arguidos FF, JJ e GG deixaram consequentemente de ter interesse na análise dos seus recursos no que tange à aplicação da sanção acessória, por uma questão de análise integral das questões colocadas, até porque acabam por aproveitar aos restantes arguidos recorrentes, iremos proceder com à análise das questões com pertinência para o que somos chamados a decidir.
Assim, a primeira questão que convém analisar é a de saber se esta norma é de aplicação automática ou não.
Essa questão leva-nos a perscrutar a estrutura jurídica das penas acessórias.
«As penas acessórias aproximam-se da natureza das penas principais, não apenas pela sua acessoriedade face a estas, mas também por aquilo que FARIA COSTA denomina de «relação biunívoca entre crime e pena», pois se é certo que a um crime corresponde a aplicação de uma pena, mais certo é que a toda a pena tem, necessariamente, de corresponder um crime, sem o qual aquela não poderá – nunca – ser aplicada[247]. Ora, a condenação do agente numa pena principal consubstancia uma condição necessária para a aplicação da pena acessória, mas já não uma condição suficiente da sua aplicabilidade; a este respeito, veja-se a doutrina perfilhada por FIGUEIREDO DIAS quando refere: “(…) torna-se, porém, sempre necessário ainda que o juiz comprove, no facto, um particular conteúdo do ilícito, que justifique materialmente a aplicação em espécie da pena acessória”[248]».[249] – sublinhado nosso
Figueiredo Dias em 2005 afirmava “(…) este sistema não é verdadeiramente um sistema de penas acessórias (…) se não que um sistema de efeitos penais não automáticos da condenação. (…) A sugestão, também então feita, de que as actuais penas acessórias não são verdadeiras penas aparece agora, depois de estudado o seu regime, a muitos títulos confirmada. E o fundamento de uma tal afirmação reside em que aquelas consequências jurídicas do crime se não encontram institucionalmente referidas pela lei – como sempre importaria que sucedesse – à culpa do agente pelo facto praticado, antes unicamente a exigências de prevenção (…). Tais instrumentos sancionatórios poderão ser então «efeitos das penas», como poderão ser «medidas de segurança», penas é que nunca serão.”[250]
«Porém, é hoje entendimento unânime na doutrina que as penas acessórias não são meros efeitos das penas, distinguindo-se sim de tais efeitos; e se, antigamente, as penas acessórias assumiam um carácter meramente preventivo, cujo conteúdo era totalmente alheio a uma ideia de culpa do agente, hoje as penas acessórias encontram a sua génese na censura do facto praticado da qual decorre a sua clara e necessária conexão à culpa.
Sendo certo que tais efeitos das penas podiam aplicar-se, de forma automática, ao agente, não sendo sequer requisito da sua aceitabilidade que os mesmos constassem da sentença proferida, hoje encontra-se plenamente firmado o entendimento de que as penas acessórias não comportam, na sua essência, uma consequência necessária e automática da condenação.»[251]
Ou conforme esclarece Faria Costa “(…) são, isso sim, verdadeiras penas. Ademais, só são efectivamente aplicadas se a sentença condenatória expressamente as declarar, não resultando, pois, automaticamente, da pena principal e (…) para além disso, devemos entender, actualmente, que a sua finalidade última também não será nunca a da prevenção geral negativa, esta que tanto se associa aos efeitos das penas”.[252]
Se se olhar com atenção o disposto no artº 66º do Código Penal constata-se que ela efectivamente não é de aplicação automática uma vez que depende da verificação de certos requisitos, os seja, os previstos nas als. a), b) e c) do nº 1, para além de exigir a condenação numa pena de prisão superior a 3 anos.
Por outro lado, traduzindo-se em verdadeiras penas, ainda que secundárias, ou acessórias, elas encontram-se sujeitas aos requisitos plasmados no artº 71º do Código Penal o que inclui a avaliação da culpa do respectivo agente.
Assim, estabelecida que está a não automaticidade de aplicação da sanção prevista no artº 66º CP[253] vejamos agora se a mesma pode ter aplicação no caso dos autos, atenta a polémica novamente em torno da qualidade de funcionário.
Ora, vimos já, aquando da análise jurídica do disposto no artº 386º em conjugação com o artº 373º ambos do Código Penal, que os arguidos militares podem ser considerados “funcionários” para efeitos da incriminação prevista nos artºs 373º e 374º do Código Penal.
O que significa, a nosso ver, que também podem ser abrangidos pela sanção acessória em apreço se se verificar o preenchimento de alguma das três alíneas acima identificadas, ou seja, se:
a) For praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b) Revelar indignidade no exercício do cargo; ou
c) Implicar a perda da confiança necessária ao exercício da função.
O Tribunal a quo subsumiu a actuação dos arguidos militares condenados com pena superior a 3 anos de prisão na al. a) do citado preceito legal.
O arguido UU entende que o Tribunal a quo para efeitos de aplicação da sanção acessória utilizou um conceito de funcionário diferente daquele utilizado para subsunção dos factos no tipo legal previsto no artº 373º do Código Penal uma vez que a qualidade de funcionário para a incriminação penal fugiu à específica estrutura militar sendo que só as funções próprias de um militar é que poderiam estar em causa para efeitos de aplicação do artº 66º do Código Penal.
Ou seja, um argumento que se levanta contra a decisão do Tribunal a quo de aplicar a sanção acessória prevista no artº 66º do CP, a par da condenação pela prática do crime previsto e punido pelo artº 373º do mesmo CP, é a de que o Tribunal a quo considerou que o conceito de funcionário se preenchia com o aspecto mais administrativo das funções incumbidas aos arguidos militares mas depois determina que esses mesmos arguidos devem ser proibidos de exercer os respectivos cargos, mais abrangentes e com cunho mais militar, durante os anos que estipulou na decisão.
Por outro lado, pode entender-se que a violação dos deveres do cargo não transborda para as outras funções que um militar desempenha na força aérea, estando a actuação que lhe foi censurada adstrita à área da alimentação e gerência das messes.
Afigura-se-nos que o busílis da questão reside no facto das funções desempenhadas nas messes com controle da DAT são funções administrativas internas que não revestem especificidade militar.
Por isso, a ter de se aplicar o artº 66º do Código Penal há que perguntar qual afinal a função ou cargo que se visa acautelar com a respectiva pena acessória?
A resposta afigura-se-nos que só podem estar em causa as funções especificamente ligadas à gestão das messes e ao manuseamento dos dinheiros públicos entregues à Força Aérea para esse efeito.
É aqui que reside o contexto que deu lugar à corrupção documentada nos autos.
Ora, os arguidos não estão acusados de desempenhar mal as suas funções enquanto pilotos, formadores de jovens cadetes, estratégas ou mesmo a nível organizacional interno dos militares efectivos e das respectivas missões.
O que está em causa nos autos é a utilização de dinheiros do erário público para fins pessoais, mas em que esses dinheiros se destinavam ao fornecimento das messes com o fim único de alimentar os respectivos militares.
Por isso, a concluir-se pela aplicabilidade da al. a) do nº 1 do artº 66º do Código Penal a referida pena acessória só pode abranger as concretas funções em que o crime de corrupção foi verificado, ou seja, em tudo quanto tenha a ver com a gestão das messes, compra de bens alimentícios, e actos directamente relacionados com aquelas actividades.
Assim tem de ser atento o comando constitucional constante do nº 4 do artº 30º da Constituição da República Portuguesa que diz o seguinte:
“Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.”
O que encontra eco no artº 65º nº 1 do Código Penal.
E, dos factos que resultam provados, afigura-se-nos que a actuação dos arguidos condenados em pena de prisão superior a 3 anos encaixa na segunda parte da al. a) do nº 1 do citado artº 66º do Código Penal uma vez que, enquanto militares inseridos numa estrutura cujo funcionamento depende do correcto desempenho que cada militar tem em concreto e em cada situação em que se encontre, sendo que a gestão das messes também integra as suas funções se nelas tiver sido colocado, ainda que temporariamente, todo o desempenho do militar exige seriedade, ética e rigor.
Assim, ainda que a função de gerir uma messe não seja de índole puramente militar, a partir do momento em que essa função foi confiada, durante um lapso de tempo, a um determinado arguido, militar, e enquanto estava incumbido dessas funções (relacionadas com a messe e alimentação dos militares da respectiva unidade) tinha de as exercer com rectidão, lealdade, seriedade, rigor e ética no estrito cumprimento dos seus deveres.
Ao terem violado esses deveres não há dúvida que os respectivos arguidos podem ser sancionados nos termos do artº 66º nº 1 al. a) in fine do CP mas, conforme já explanado, essa sanção só pode recair sobre funções iguais e não sobre toda e qualquer função que o arguido militar venha a desempenhar dentro da Força Aérea.
Por fim, e porque o arguido AA suscitou a desnecessidade de aplicação de tal sanção, pelo menos no seu caso, uma vez que terá passado à reserva, há que analisar este aspecto.
Vejamos.
A reserva tal como vem definida no artº 141º do DL n.º 90/2015, de 29 de Maio, que estabelece o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, implica:
“1 - Reserva é a situação para que transita o militar no ativo quando verificadas as condições previstas no presente Estatuto, mantendo-se, no entanto, disponível para o serviço.
2 - O militar na situação de reserva pode encontrar-se na efetividade de serviço ou fora da efetividade de serviço.
3 - O efetivo de militares na situação de reserva é variável.”
A reforma tal como vem definida no artº 142º do DL n.º 90/2015, de 29 de Maio implica:
“1 - Reforma é a situação para que transita o militar, no ativo ou na reserva, que seja abrangido pelo disposto no artigo 161.º.
2 - O militar na situação de reforma não pode exercer funções militares, salvo nas circunstâncias excecionais previstas no presente Estatuto.”
Como se apreende de ambas as situações o militar, no caso de reserva, pode ainda ser chamado para o serviço e no caso de reforma o militar não pode exercer funções militares, parecendo que pode exercer outras que não sejam militares.
Mas como já vimos, as funções associadas à gestão de uma messe e o tratamento das respectivas verbas não são funções especificamente militares.
Motivo pelo qual, em ambas as situações, embora pouco provável, é abstractamente possível que o militar na reserva ou na reforma possa ser colocado numa situação em que ainda possa ter de exercer funções cujo escopo possa ser abrangido pela sanção acessória decretada nestes autos.
Assim, a aplicação da sanção acessória, mesmo aos arguidos que possam ter passado, entretanto, ou estejam para passar à reserva ou mesmo à reforma não se mostra de todo inútil, motivo pelo qual, verificando-se o preenchimento dos respectivos requisitos para a sua aplicação aos arguidos condenados em pena efectiva de prisão superior a 3 anos, há que manter a condenação desses arguidos na pena acessória nos moldes decretados pelo Tribunal a quo.

Decisão:
Em face do acima exposto decidem os Juízes Desembargadores da 3ª secção:
I. Conceder provimento parcial aos recursos dos arguidos EE, FF, GG, HH e JJ e, em consequência:
a) revogar o acórdão recorrido quanto à pena concretamente fixada a cada um desses arguidos;
b) fixar a cada um dos arguidos EE e FF pela prática do crime de corrupção passiva agravada p. e p. pelos artºs 373º e 374º-A nºs 2 e 3 com referência ao artº 202º al. b) todos do Código Penal a pena especialmente atenuada de 2 anos e 8 meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo;
c) fixar a cada um dos arguidos GG, HH e JJ pela prática do crime de corrupção passiva agravada p. e p. pelos artºs 373º e 374º-A nºs 2 e 3 com referência ao artº 202º al. b) todos do Código Penal, a pena especialmente atenuada de 2 anos e 8 meses de prisão;
d) fixar ainda a cada um dos arguidos GG, HH e JJ pela prática do crime de falsificação de documento p. e p. pelo artº 256º nº 1 als. d) e e) e nº 4 do Código Penal a pena especialmente atenuada de 1 ano de prisão;
e) fixar a cada um dos arguidos GG, HH e JJ em cúmulo jurídico a pena única de 3 anos e 2 meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo;
f) revogar o acórdão recorrido na parte em que aplica aos arguidos EE, FF, GG, HH e JJ a sanção acessória presvista no artº 66º nº 1 al. a) do Código Penal;
II. Conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido BB e, em consequência, absolver o mesmo do crime e sanção acessória pelos quais foi condenado, revogando-se o acórdão recorrido nesta parte.
III. Conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido UU e, em consequência:
a) revogar o acórdão recorrido no que a este arguido diz respeito quanto às penas concretamente fixadas;
b) fixar-lhe uma pena de 3 anos de prisão pela prática do crime de corrupção passiva agravada p. e p. pelos artºs 373º e 374º-A nºs 2 e 3 com referência ao artº 202º al. b) todos do Código Penal;
c) fixar-lhe pela prática do crime de falsificação de documento p. e p. pelo artº 256º nº 1 als. d) e e) e nº 4 do Código Penal uma pena de 1 ano e 3 meses;
d) fixar-lhe em cúmulo jurídico a pena única de 3 anos e 6 meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo;
e) revogar o acórdão recorrido na parte em que aplica ao arguido UU a sanção acessória prevista no artº 66º nº 1 al. a) do Código Penal;
IV. Conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo agruido EEE e, em consequência:
a) revogar o acórdão recorrido no que a este arguido diz respeito quanto à não suspensão da execução da pena concretamente aplicada;
b) suspender-lhe a execução da pena única de prisão concretamente aplicada de 4 anos, em sede de cúmulo, pelo mesmo período de tempo.
V. Conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar o acórdão recorrido na parte em que suspende a execução das penas de prisão aplicadas aos arguidos SS, VV, WW, XX, ZZ e CCC determinando-se que as penas que foram aplicadas a estes arguidos, respectivamente, sejam de prisão efectiva.
VI. Determinar que a sanção acessória aplicada abranja apenas as funções que intergram a gestão das messes e dos dinheiros do respectivo orçamento para compra de bens e serviços com a finalidade de alimentar os militares e só pode ser aplicada a arguidos que foram condenados em pena de prisão efectiva superior a 3 anos.
VII. Negar provimento aos demais recursos dos restantes arguidos, incluindo em relação ao recurso interposto do despacho intercalar, e em todo o mais não julgado procedente nos recursos dos arguidos identificados em I., III. e IV., confirmando-se, em consequência, o acórdão recorrido em tudo quanto não é alterado por esta decisão.
Custas a cargo dos arguidos recorrentes que não obtiveram provimento, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC's a cada um desses arguidos (artºs 513º nº 1 CPP e 8º e 9º do Regulamento das Custas Processuais conjugando este com a Tabela III anexa a tal Regulamento).
Dado o provimento do recurso do arguido BB bem como o provimento parcial dos recursos dos arguidos EE, FF, GG, HH, JJ, UU e EEE não se fixam custas a estes arguidos.

Lisboa, 23 de Março de 2022.
Florbela Sebastião e Silva (Relatora)
Alfredo Costa (Adjunto)
Conceição Gonçalves (Presidente da Secção)   
_______________________________________________________
[1] Volume 56º (até volume 58º), num total de 890 páginas.
[2] Por ordem de entrada em juízo das respectivas motivações e conclusões, e não por ordem numérica que cada arguido ocupa no processo.
[3] Volume 64º.
[4] Artº 411º do CPP viria a sofrer nova alteração através da Lei nº 20/2013 de 21-02 mas essa nova alteração não afectou o disposto no nº 5.
[5] Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário do Código de Processo Penal” Universidde Católica Editora, 4ª edição actualizada, p. 1141.
[6] In ob.cit., p. 1141.
[7] Ver a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”.
[8] Conclusão C-a do seu recurso.
[9] Conclusão C-d do seu recurso.
[10] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª Edição actualizada, pp. 313, 316 e 319 (anotações aos rtºs 118º, 119 e 120º do CPP).
[11] In DR, I Série de 02-01-2006.
[12] Diz o nº 2 do artº 144º do CPP que: “No inquérito, os interrogatórios referidos no número anterior podem ser feitos por órgão de polícia criminal no qual o Ministério Público tenha delegado a sua realização, obedecendo, em tudo o que for aplicável, às disposições deste capítulo, exceto quanto ao disposto nas alíneas b) e e) do n.º 4 do artigo 141.º”
[13] Páginas 61 e ss do acórdão recorrido.
[14] In D.R. n.º 51, Série II de 2012-03-12.
[15] O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 7/2008 de 30-07-2008 (in Diário da República n.º 146/2008, Série I de 2008-07-30, páginas 5138 – 5145) determina o seguinte: «Em processo por crime de condução perigosa de veículo ou por crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, não constando da acusação ou da pronúncia a indicação, entre as disposições legais aplicáveis, do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal, não pode ser aplicada a pena acessória de proibição de conduzir ali prevista, sem que ao arguido seja comunicada, nos termos dos n.os 1 e 3 do artigo 358.º do Código de Processo Penal, a alteração da qualificação jurídica dos factos daí resultante, sob pena de a sentença incorrer na nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º deste último diploma legal.»
[16] Nem a consequente nulidade do acórdão nos termos do artº 379º nº 1 al. b) do CPP.
[17] Ver a este propósito, e a título meramente exemplificativo, Paulo Pinto de Alubuquerque, ob. cit. p. 771.
[18] A razão pela discrepância entre os prazos resulta do DL nº 317/95 de 28-11 que alargou o prazo para requerer abertura de instrução para 20 dias sem alargar, correspondentemente, o prazo para arguir as nulidades na sequência da notificção do despacho que encerra o inquérito.
[19] Nessa contestação o arguido não subsume o vício que imputa à acusação no âmbito do seu recurso, nem à nulidade da acusação, nem em especial à al. c) do nº 3 do artº 283º do CPP, pugnando apenas pela falta de conteúdo fáctico que pudesse sustentar a aplicação de uma pena acessória, motivo pelo qual conclui pela não aplicação dessa sanção.
[20] Arguição da nulidade no prazo de 5 dias a contar do fim do prazo para requerer instrução ou até ao encerramento do debate instrutório.
[21] Procº nº 230/14.8GAAMR.G1 in https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/116285852/details/maximized
[22] Procºnº402/12.0TAPDL-A.L1 https://dre.pt/pesquisa-avancada/-/asearch/99332175/details/maximized?emissor=Tribunal+da+Rela%C3%A7%C3%A3o+de+Lisboa&perPage=50&types=JURISPRUDENCIA&search=Pesquisar
[23] Procº nº 17/07.4GBORQ.E1 in www.dgsi.pt.
[24] In www.dgsi.pt procº 3451/09.1TBSTB-A.E1
[25] Com as alteraçãoes introduzidas pelas Leis nºs 60/2003 de 23-08 e 61/2015 de 24-06.
[26] Excepto em sede de recurso em que os recorrentes se socorrem do artº 47º nº 1 al. f) da Lei 60/98 de 27-08 que define a competência do DCIAP, mas não pondo em causa a competência do MºPº que dirigiu o inquérito e deduziu a respectiva acusação.
[27] Em todo o caso, verifica-se, no caso em concreto, que o JIC até tomou posição expressa e validou de forma expressa o procedimento de acção encoberta.
[28] Procº nº 56/09.0TELSB-A.L1, da 9ª secção, in www.dgsi.pt.
[29] De notar que tanto os Tribunais de Instrução Criminal (TIC), como o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) têm exactamente a mesma competência em termos materiais, atento o elenco de crimes constante do artº 120º nº 1 da LOSJ, sendo que a única situação que os distingue é a pluralidade de actividade criminosa, ou seja, se se tratar da prática de crimes de corrupção, por exemplo, em várias comarcas mas todas elas afectas a um Tribunal da Relação será competente o TIC da sede dessa Relação, ao passo que, se a actividade criminosa de corrupção se desenvolver em várias comarcas de duas ou mais Relações, aí já será competente o TCIC por concentrar em si a competência territorial de todas essas comarcas.
[30] Já que os arguidos em si não foram permitidos estarem presentes.
[31] Procº nº 326/12.0JELSB-L1.S1 in www.dgsi.pt
[32] Conclusão B-b.
[33] Infra veremos melhor os requisitos quer do crime continuado, quer do crime de tracto sucessivo.
[34] Aplicável mutatis mutandis ao crime de corrupção passiva.
[35] Daqui se retira da própria letra da lei que, ao contrário do propugnado pelo recorrente SS, na conclusão 13ª do seu recurso, o Tribunal a quo não tem de “criteriosamente e discriminadamente explicar e fundamentar cada um dos factos, diferenciando os dos demais, explicando a razão da valoração ou desvaloração de uns relativamente a outros.”
[36] Esta ideia de que o Tribunal a quo por ter avaliado “mal”, na óptica dos recorrentes, a prova produzida em sede de julgamento traduz a nulidade de falta de fundamentação é transversal a praticamente todos os recursos onde foram suscitadas esta nulidade em particular.
[37] Cfr. páginas 805 a 809 em que efectua uma separação entre os arguidos que confessaram e revelaram arrependimento, daqueles que não assumiram a prática dos factos.
[38] Ponto 4 da motivação.
[39] Conclusão C.gg)
[40] Em anotação ao artº 1º do CPP, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª edição actualizada, reimpressão Abril de 2018, p. 44.
[41] In www.dgsi.pt.
[42] Bem como os arguidos UU e EE.
[43] No Despacho de Pronúncia vem expressamente indicada a palavra “alíneas” no plural apesar de vir seguida de apenas uma alínea, motivo pelo qual o Acórdão recorrido entendeu ter havido lapso de escrita.
[44] Bem como os arguidos UU e EE.
[45] Acórdão de 25-09-2020 com a refª 126860403, constante de fls. 17054 dos autos (56º volume).
[46] Procº nº 659/06.1 in www.dgsi.pt.
[47] Precisamente referente à situação de aliciar e impor a prática aos restantes militares por parte da chefia da DAT, que foi julgada não provada.
[48] O arguido OO, embora suscite a existência da nulidade prevista no artº 379º nº 1 al. c) do CPP não faz qualquer referência a esta nulidade nas suas conclusões, sendo estas o que delimitam e definem o objecto do respectivo recurso. Por outro lado, na sua motivação o arguido em apreço entende que se verifica a nulidade prevista na al. c) do nº 1 do artº 379º do CPP, sem, contudo, explicar qual das vertentes desta nulidade estaria em causa, se excesso de pronúncia ou omissão de pronúncia, sendo que invoca esta nulidade como consequência da violação, por parte do Tribunal a quo, do disposto no artº 345º nºs 1, 2 e 4 do CPP por ter valorado declarações de co-arguido de que não podia valorar. Motivo pelo qual a sua argumentação não será analisada a propósito da análise da nulidade prevista na al. c) do nº 1 do artº 379º do CPP, mas, antes, no capítulo onde será tratada a validade da valoração pelo Tribunal a quo das declarações de co-arguido.
[49] Ao contrário do que ocorre com o arguido RR que tendo suscitado a nulidade da acusação durante o prazo para requerer a abertura de instrução viu a sua questão ser analisada pelo JIC e, como não pôde recorrer desse despacho, pôde ver a questão reanalisada pelo Tribunal a quo.
[50] Da página 828 à página 837.
[51] In Código de Processo Penal Anotado, Vol. 2, Editora Rei dos Livros, p. 514 e 515.
[52] Ac. Relação do Porto de 24-04-2013, procº nº 1800/10.9TAVLG.P1, in www.dgsi.pt.
[53] Ac. Relação de Évora de 20-06-2006, procº nº 717/06.1, in www.dgsi.pt.
[54] Procº nº 502/08.0GEALR.S1 in “Diário da República Electrónico”.
[55] Acórdão do STJ de 27-04-2017, procº nº 452/15.4JAPDL.L1.S1, in “Diário da República Electrónico”.
[56] Terceiro parágrafo de página 797 do acórdão recorrido.
[57] Idem.
[58] Conclusão S.
[59] Conclusão III.
[60] Que determina que: “A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.”
[61] Páginas 559 a 562.
[62] Conclusão 3. b).
[63] Que diz: “489. Pelo menos no período compreendido entre 2013 e agosto de 2014, o arguido TT entregou, periodicamente, ao arguido EE, a quantia mensal destinada à D.A.T., no valor de € 500.”
[64] Páginas 607 (último parágrafo) até 609 (primeiro parágrafo) do acórdão recorrido.
[65] Sendo Relatora a Exmª Srª Desembargadora Ana Paula Grandvaux.
[66] No entendimento da decisão do JIC e do acórdão desta Relação proferido no apenso U.
[67] Embora já estivesse na mesma base aérea, apenas em outro sector, desde 2007.
[68] Com o qual não concordamos.
[69] Ignorando, contudo, que o arguido YYY já se encontrava na respectiva base aérea desde 2007 e era um homem de confiança da chefia anterior pertença ao arguido GG.
[70] Facto vertido em 89.
[71] Facto vertido em 641.
[72] Facto vertido em 602.
[73] O Conceito De Instigação No Ordenamento Jurídico Português: Análise Problemática. Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Julho, 2019, p. 9.
[74] E a nosso ver mesmo em relação ao arguido ilibado YYY.
[75] Páginas 599 e 600.
[76] Facto vertido em 54.
[77] Tal como o arguido BB que também oferece como argumento o facto do agente encoberto ter participado activamente no crime.
[78] Tiago Santos Lavoura, sob orientação do Prof. Figueiredo Dias, “O Agente Infiltrado e o seu contributo para a investigação criminal” Coimbra, 2011, p. 73, consultável em https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/29101/1/O%20AGENTE%20INFILTRADO%20E%20O%20SEU%20CONTRIBUTUTO%20PARA%20A%20INVESTIGA%C3%87%C3%83O%20CRIMINAL.pdf
[79] Ibidem, p. 55
[80] Ou do Exército ou da Marinha.
[81] Páginas 584 a 590 do acórdão recorrido.
[82] Procº 6/07.9GABCL.P1 in www.dgsi.pt.
[83] Páginas 600 e 601 do acórdão recorrido.
[84] Maria Amélia Soares Fernandes Abreu “Os Meios Atípicos da Prova em Processo Penal”, Dissertação de Mestrado, Julho 2015, pp. 94 e 95.
[85] Excepto fora do caso muito concreto previsto no artº 345º nº 4 CPP.
[86] Idem, p. 96.
[87] In www.dgsi.pt.
[88] Idem, p. 96.
[89] Até prova em contrário.
[90] Ver, nesse sentido, a anotação efectuada ao artº 361º por Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 4ª Edição, p. 941.
[91] Como observa Paulo Pinto de Albuquerque in ob.cit. p. 941.
[92] In www.dgsi.pt.
[93] In www.dgsi.pt.
[94] In DR, II Série de 01-07-1999.
[95] A acta da 45ª sessão é a continuação daquilo que fora já determinado na 44ª sessão sendo que esta sessão ocorreu da parte da manhã do dia 22-05-2019 e 45ª da parte da tarde do mesmo dia.
[96] Procº 197/14.2JACBR.C1 in www.dgsi.pt.
[97] Ac. Rel. Évora de 28-05-2013 no procº nº 166/11.4IDFAR.E1 in dgsi.pt.
[98] In www.dgsi.pt.
[99] In “Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª edição actualizada, reimpressa na Universidade Católica em 2018, página 1144.
[100] Que não cumpriu com nenhuma das alíneas do nº 3 do artº 412º do CPP tendo subsumido a impugnação da matéria de facto nos vícios do artº 410º nº 2 do CPP.
[101] Que embora cumprindo com a al. a) do nº 3 do artº 412º CPP não cumpriu com a al. b) que impõe a identificação concreta dos trechos dos depoimentos a rever, bem como a cabal explicação de como a prova oferecida impõe uma solução diversa. Sendo que, embora tivesse pedido realização de audiência, também nesta se limitou a pedir justiça sem desenvolver a impugnação da matéria de facto.
[102] Que embora cumprindo com a al. a) do nº 3 do artº 412º CPP não cumpriu com a al. b) que impõe a identificação concreta dos trechos dos depoimentos a rever, bem como a cabal explicação de como, em particular, a prova documental indicada pelo Tribunal a quo não podia levar à fixação dos factos em apreço ou seja, como é que a análise oferecida pelo recorrente impõe uma solução diversa e não apenas uma solução alternativa, tendo o recorrente se abrigado apenas nos vícios do artº 410º nº 2 CPP para impugnar a matéria de facto.
[103] Que não cumpriu com nenhuma das alíneas do nº 3 do artº 412º do CPP uma vez que não identifica os concretos factos que impugna (cita vários mas não diz quais, em concreto, coloca em crise), nem os identifica de acordo com a númerção do próprio acórdão, tendo transcrito factos dando-lhes uma indicação diferente, por alíneas, desrespeitando a numeração do acórdão o que não permite identificar os respectivos factos, bem como não discrimina a prova de acordo com a transcrição dos respectivos trechos, ou identificação do início e fim das respectivas gravações, além de não concretizar os documentos que entende provarem algo diverso.
[104] Que não cumpriu com nenhuma das alíneas do nº 3 do artº 412º do CPP uma vez que não identifica os concretos factos que impugna (cita vários mas não diz quais, em concreto, coloca em crise), não identifica nenhuma prova em concreto excepto um ficheiro áudio pertinente ao co-arguido EE, sem, contudo, identificar qual a respectiva sessão de julgamento, nem as páginas das intercepções telefónicas, limitando-se a afirmar que não se fez prova disto ou daquilo com base nas declarações (sem as identificar) de KKKKK, ou seja, não concretiza os meios de prova que impusessem uma convicção diversa.
[105] Embora no seu recurso o que é invocado é um erro notório na apreciação da prova, o recorrente acaba por cumprir minimamente o disposto no artº 412º nº 3 do CPP.
[106] In www.dgsi.pt.
[107] Recurso do arguido RR.
[108] Pois terá aplicação em relação apenas às declarações prestadas em sede de inquérito, lidas em audiência, relativamente a arguido que se remete posteriormente ao silêncio no julgamento que, no caso em apreço, é apenas um: II.
[109] Junta a fls. 18162 e ss.
[110] O dia da semana em que esta conversa telefónica ocorreu foi uma segunda-feira, saí que, não podendo a entrega ser “amanhã”, ou seja, terça-feira, teria a mesma de ocorrer na quarta-feira.
[111] Testemunha PPPP citado no recurso da Doce Cabaz, Lda..
[112] A carne mais barata, por exemplo, era substituída por lombo e o peixe congelado seria substituído por peixe fresco. Nas declarações do co-arguido AA, citadas pela recorrente Doce Cabaz, Lda., o mesmo deu um exemplo muito concreto de substituição: se os praças comiam pescada cozida, os generais eram servidos garopa cozida, mas em ambas as sitações o acompanhamento era batata cozida.
[113] Tanto que a carne e peixe eram fornecidos por outras empresas, aqui co-arguidas.
[114] Cfr. trecho citado pela recorrente: “É assim, segundo foi apurado na investigação, e essa parte é uma parte que já tem mais a ver com a parte em que eu já não tinha o processo, após as declarações dos, dos arguidos (…)”
[115] Conforme referiu a testemunha PPPP, nos trechos citados pelos recorrentes, “As bebidas brancas eram dos Sr. Generais.” E à pergunta: “já agora, uma vez que era o Sr. que ajudava na composição das ementas, a nível dos Generais era para todos iguais ou também havia diferenças?” Respondeu a referida testemunha: “Sim… conforme as estrelas (…) 2, 3 estrelas, pronto, havia sempre.” Ou seja, mesmo dentro da patente de general havia distinções consoante se tratava de um general de 2 ou de 3 estrelas.
[116] Conforme referiu a testemunha PPPP, nos trechos citados pelos recorrentes, “…no Estado Maior era festas de promoções e de aniversários, alguns.” E no mês de Natal “Ah, isso aí já havia bastantes festas.” Revelou ainda esta testemunha que, em relação às apreensões realizadas no dia 03-11-2016: “Mas o engraçado é que, o engraçado sem graça nenhuma, quando soube isso tinha havido uma grande festa ali, tinha havido uma grande festa ou iria haver uma grande festa do Sr. General CEMFA, do aniversário do Sr. General CEMFA. E houve. Essa houve um grande almoço. E no dia em que o Sr. General foi detido estava previsto um grande almoço do Sr. General Bi CEMFA, o qual não chegou a ser depois realizado mas já estava tudo em andamento que aquilo era já no outro dia. (…) o camarão tigre era bom.”
[117] Porque, apesar de esquema em que estava envolvido, sempre se orgulhou de dar aos seus homens uma boa alimentação.
[118] Porque a ... também é o Centro de Formação Militar e Técnica da Força Aérea.
[119] Situação confirmada pelo co-arguido AA que admitiu que um general poderia preferir garopa a pescada e pela testemunha PPPP que confirmou que as bebdias brancas eram só para os senhores generais que também podiam beber Porto.
[120] Aliás, e ao contrário do que afirma no sentido de ter sido o único Comandante de Esquadra a estar implicado em tal esquema, consta-se que o arguido TT, também major, na Base Aérea nº … do … acumulou entre 30-05-2011 e 08-09-2014 funções de Chefe da Secção de Subsistências com as de Comandante de AEI e da Esquadra de Pessoal – cfr. facto vertido em 480 dos factos provados.
[121] Cfr. a expressão inglesa “one salutes the rank, not the man.”
[122] Conclusão G.
[123] Como infra iremos ver a propósito da análise do recurso do arguido BB já surge, quanto a este arguido, a mesma situação que terá ocorrido com o arguido EE.
[124] Os arguidos que decidiram falar, ao contrário do arguido TT que se remeteu ao silêncio e assim privou o Tribunal a quo de um precioso contributo para o esclarecimento das várias funções, categorias e nomenclaturas militares que pudessem ter auxiliado no esclarecimento de questões que agora decidiu trazer a lume em sede de recurso.
[125] É absolutamente fundamental compreender-se que os presentes autos desenrolam-se em 67 volumes, com milhares de folhas, acompanhados de inúmeros anexos contidos em 4 caixas grandes com centenas de folhas e dezenas de dossiers.
[126] Correspondente a fls. 11 do apenso v – equipa 2, ou seja a tabela.
[127] Correspondente a fls. 12 do apenso v – equipa 2, ou seja o gráfico a verde.
[128] O que já não faria sentido, e daí o descrédito das suas explicações, é que teria no seu local de trabalho papéis referentes a clientes da sua actividade paralela de contabilidade.
[129] A propósito da análise do agente encoberto.
[130] Página 657 do acórdão recorrido.
[131] Desde quando é que a origem de um sistema é garantia absoluta da sua total eficácia e segurança? É como dizer que um carro alemão nunca se avaria.
[132] O que não significa que os arguidos AA e CC não estivessem a par do esquema e que não tirassem proveito do mesmo sendo até em seu benefício que as irregularidades não fossem facilmente detectadas do ponto de vista informático.
[133] Ver nota 149 infra.
[134] Portanto não é a cópia química do documento mas algo que foi escrito posteriormente a caneta.
[135] Este valor parece ser aquele que o arguido LLL referiu como sendo o valor corrigido na pronúncia. Afinal, trata-se da soma de todos os valores parcelares constantes das 8 folhas do documento em apreço, levando a crer ser o verdadeiro valor dos bens entregues em oposição ao valor que foi facturado à Força Aérea, ou seja, os € 11.362,53.
[136] O arguido nunca ou raramente identifica a que Código se está a referir.
[137] Se o arguido EE a partir da DAT ajudava os gerentes das messes com dúvidas que pudessem ter tal nunca poderia implicar um “suborno” ou entrega de dinheiro mas, antes, uma obrigação que resultaria do facto do arguio EE ter conhecimentos específicos por estar na DAT e de ser interlocutor entre esta e as messes. As regras da experiência comum invalidam a conclusão do arguido CC neste ponto pois a entre-ajuda entre colegas de trabalho é normal, ademais numa estrutura hierárquica militar, que imporia essa ajuda. Além do mais não faria sentido que todas as messes tivessem necessidade de se socorrerem da ajuda do arguido EE nem faz sentido que lhe entregariam valores fixos, iguais para todas as messes, como se houvesse uma “tabulação” por essa ajuda. Por fim, há que perguntar porque motivo, então, o arguido EE não recebia dinheiro das messes da UAL de ... e …. Não teriam estas messes necessidades de ajuda por parte da DAT à semelhança de todas as outras?
[138] Sumários de Processo Criminal (1967-1968). Coimbra: Ed. em offset, 1968, p. 56.
[139] A Categoria da Punibilidade na Teoria do Crime. Coimbra: Almedina, 2013, vol. II, p. 1245.
[140] Os salários são pagos por transferência bancária e os pagamentos por norma são efectuados por débito bancário.
[141] Ou seja, já não estamos nos tempos idos em que todas as famílias guardavam debaixo do colchão uma reserva ou fundo de maneio.
[142] In http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=4749&codarea=2
[143] Por ser a versão legal vigente ao tempo do cometimento dos crimes, sendo que os artºs 109º, 110º e 111º do Código Penal vieram sofrer grandes alterações pela Lei nº 30/2017 de 30-05 que dá a actual redacção desses artigos.
[144] Procº nº 149/16.8IDPRT.P1 in www.dgsi.pt.
[145] Acórdão da Relação do Porto de 31-05-2017, procº nº 259/15.9IDPRT.P1, in www.dgsi.pt.
[146] Os arguidos JJJ, Doce Cabaz, Lda., AA, JJ, GG, III, A..., Lda. e CC.
[147] Os arguidos TT e RR.
[148] Os arguidos KK, HHH, C… Lda., BB, XX,
[149] A arguida Pinguins de Gelo – Comércio de Produtos Alimentares Lda.
[150] Os arguidos UU, TT, III e A..., Lda..
[151] Inês Correia de Almeida, Dissertação Final “A Diferença entre o Crimes de Corrupção e o Crimes de Recebimento Indevido de Vantagem”, Universidade Católica, Faculdade de Direito do Porto, 2019, p. 13.
[152] Idem, p. 14.
[153] Idem, p. 14
[154] Paulo de Sousa Mendes, “Os Novos crimes de Recebimento Indevido de Vantagem e de Oferta Indevidos de Vantagem”, As alterações de 2010 ao Código Penal e ao Código de Processo Penal, Coimbra Editora/ CEJ, p.31.
[155] Inês Correia de Almeida, ob. cit., p. 28.
[156] Fruto da revisão operada pelo Decreto-Lei nº48/95, de 15 de Março.
[157] In “Participação Económica em Negócio, um crime de fronteira”, p. 36:
[158] Significa “dou, para que me dês”.
[159] Que infra analisaremos a propósito da análise do concurso de crimes entre a falsificação de documento e o crime de corrupção.
[160] Catarina Teixeira Machado “A Comparticipação no Crime de Participação Económica de Negócio”, Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Direito de Lisboa, 2016, p. 46.
[161] Em face do que concluímos a propósito do erro de julgamento não se pode considerar que o arguido BB tenha recebido dinheiro algum, sendo que apenas se analisa o seu recurso neste aspecto porquanto o mesmo segue a linha de raciocínio dos arguidos AA e KK.
[162] Almeida Costa, a (1999), Comentário Conimbricense do Código Penal dirigido por Jorge Figueiredo Dias, Tomo III, Coimbra Editora, p. 132.
[163] Idem.
[164] Cláudia Cruz Santos A Corrupção de Agentes Públicos e a Corrupção no Desporto, Almedina, p.31.
[165] Inês Correia de Almeida, ob. cit., p. 21 e 22.
[166] Paulo Pinto de Albuquerque Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, p.1184.
[167] Idem.
[168] Inês Correia de Almeida, ob. cit., p. 22.
[169] In https://blook.pt/caselaw/PT/TC/465600/
[170] Embora “no dia 26 de novembro de 1925, o Decreto n.º 11.292 do Ministério da Guerra da República Portuguesa operou uma revisão com peso significativo no Código de Justiça Militar, nomeadamente: agrupou e adaptou à época as disposições processuais dispersas, conferiu garantias de defesa mais alargadas, criou tribunais extraordinários para tempos de paz, atenuou os limites das penas, fundiu o Código de Justiça Militar e o Código de Justiça da Armada, entre outras.” – Ana Marcela Silva Félix in “O Sistema de Justiça Militar Penal”, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2016, p. 6, localizável em Downloads/Tese%20de%20Mestrado%20Cod%20Justica%20Militar%20e%20crimes%20estritamente%20militares.pdf
[171] In “Do crime essencialmente militar ao crime estritamente militar” Instituto Universitário Militar Auditório Ivens Ferraz 3 de março de 2017 p. 6; localizável em Downloads/Cons_Souto_Moura%20Crime%20militar.pdf
[172] Carlos Francisco Santos Gaspar, “As Restrições Constitucionais Aplicáveis Aos Militares Das Forças Armadas e os Regimes Especiais do Direito Penal e Disciplinar Militar” Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2021, consultável em Downloads/direito%20penal%20militar%20tese%20mestrado%20Carlos%20Gaspar.pdf
[173] Correspondente à 4ª alteração efectuada à Constituição da República Portuguesa.
[174] Ana Marcela Félix, ob.cit., p. 12.
[175] Souto de Moura, ob.cit., pp. 15 e 16.
[176] Correspondente à 11ª alteração.
[177] Correspondente à 22ª alteração.
[178] Correspondente à 26ª alteração.
[179] Correspondente à 36ª alteração.
[180] In Diário da República nº 213 Série I Parte A de 14/09/2000 localizável em http://bdjur.almedina.net/item.php?field=node_id&value=68882
[181] Portanto, um sector diferente da da Administração Pública como se retira da sistematização diversa dada na Constituição da República Portuguesa.
[182] Com a Lei nº 94/2021 deixam de equiparados para serem considerados verdadeiros “empregados públicos do Estado”.
[183] E por aqui também se vê que a Lei nº 94/2021 que obviamente nunca poderia considerar um magistrado judicial um funcionário público para efeitos penais, porquanto o mesmo é, nos termos da Constituição, um titular de Órgão de Soberania, o continua apenas a “equiparar” ao conceito de funcionário para efeitos de imputação criminal, mas em relação aos militares já tomou posição clara dizendo que estes são efectivamente funcionários públicos para efeitos penais.
[184] Antes esteve em vigor o Estatuto aprovado pelo DL nº 34-A/90 de 24-01 o qual foi actualizado pelo DL nº 236/99 de 25-06.
[185] Que se tem mantido incólume ao longo das décadas.
[186] Procº nº 2/11.1GALSB.E1 in www.dgsi.pt.
[187] Procº nº 736/03.4TOPRT.P2.S1, in https://jurisprudencia.pt/acordao/183291/
[188] Do Capítulo I do Título II.
[189] De notar que para efeitos de aplicação de um crime de índole militar o Código de Justiça Militar também não hesita em equiparar os civis que estejam ao serviço das Forças Armadas e cuja actuação, embora não sendo militar, possa levar à colocação em perigo da segurança nacional.
[190] Veja-se, a título meramente exemplificativo, o Ac. da Relação de Évora de 01-07-2003 que esclarece:
“I. Para que uma conduta possa ser qualificada como crime essencialmente militar, e não apenas acidentalmente militar, exige-se que haja uma ligação estruturalmente indissolúvel entre a razão de ser da punição do acto ilícito e interesses fundamentais da instituição militar ou da defesa nacional e não meramente indirecta ou remota.
II. A qualidade de militar do agente do crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artº 191º, n.º 1 do Cód. de Justiça Militar, também p. e p. no artº 372º, n.º 1 do Cód. Penal, constitui ligação meramente indirecta ou remota à instituição militar, surgindo, pois, como simples elemento acidental do crime.
III. Assim, não se tratando de crime essencialmente militar, é competente para conhecer do referido crime de corrupção, nos termos do artº 309º do Código de Justiça Militar, o foro comum.” In file:///C:/Users/MJ01793/Downloads/TRE%20Funcionario%20Militar%20Corrupcao-%20517_03-1.pdf. Por maioria de razão, tendo o CJM passado, desde 2003, a considerar apenas crimes estritamente militares este arresto da Relação de Évora assume ainda mais relevância na sua argumentação.
[191] Inês Correia de Almeida, ob. cit., p. 16.
[192] Cfr. relatório anual de 2002 da Transparency Agency.
[193] cfr. Euclides Dâmaso Simões (2011), “Contra a Corrupção – as Leis de 2010”, As alterações de 2010 ao Código Penal e ao Código de Processo Penal, Coimbra Editora/CEJ, p.47.
[194] A interpretação que a Lei Penal não permite é a integração de lacunas e não a interpretação extensiva.
[195] Que diz o seguinte no seu nº 1: “Ninguém pode ser condenado por uma acção ou uma omissão que, no momento em que foi cometida, não constituía infracção, segundo o direito nacional ou internacional. Igualmente não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infracção foi cometida.”
[196] Último parágrafo de página 776 e primeiros parágrafos da página 777.
[197] Como a Lei nº 94/2021 acabaria por fazer.
[198] Ac. TRC de 20-06-2012, procº nº 591/02.1JACBR.C1, in www.dgsi.pt.
[199] Aprovada pela Lei nº 138/2009 de 20-07.
[200] Se os titulares dos Órgãos de Soberania podem, e devem, responder em termos penais pelos crimes cometidos nesse âmbito, mormente pelo crime de corrupção, porque motivo estaria legitimada a exclusão dos militares, que estão subordinados a esses Órgãos de Soberania, dessa mesma responsabilidade?
[201] In “Direito Criminal” Vol. II, Livraria Almedina, Coimbra 1993, p. 204.
[202] Eduardo Correia, ob. cit. p. 205
[203] Eduardo Correia, ob. cit. p. 205
[204] É o que sucede com o crime de participação económica em negócio que é consumido pelo crime de corrupção, como tivemos oportunidade de ver supra.
[205] Eduardo Correia, ob. cit. p. 205. Quanto a esta categoria, Eduardo Correia vai buscar o entendimento propugnado por Honig, sendo que o rejeita por entender que não tem qualquer utilidade.
[206] Procº nº 29/04.0JDLSB-Q.S1, in www.dgsi.pt e também in DR, I SÉRIE, 131, de 10.07.2013.
[207] Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência de 05-06-2013.
[208] “Unidade e Pluralidade de Infrações – Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz” pag. 91 e seg, cfr. retirado do AUJ do STJ de 05-06-2013.
[209] AUJ STJ de 05-06-2013.
[210] AUJ de 19 de Fevereiro de 1992 e AUJ nº 8/2000 de 4 de Maio de 2000, para além do AUJ STJ de 05-06-2013 que veio confirmar aqueles dois AUJ.
[211] Cfr. se refere, e bem, no Acórdão da Relação de Guimaraés de 18-02-2013: “I. A nova redacção da norma do art. 256 nº 1 do Cod. Penal (falsificação ou contrafacção de documento), introduzida pela Lei 59/2007 de 4/9, não acarreta a caducidade da jurisprudência fixada, quanto ao concurso real ou efectivo entre os crimes de falsificação e burla, pelos acórdãos do STJ 3/92 de 19-2-92 e 8/2000 de 4-5-2000.
II. Com a nova redacção, o legislador limitou-se a alargar o tipo do crime de falsificação, cometendo agora este crime, também, quem quiser apenas preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime. Nenhuma alteração ocorreu quanto à natureza distinta dos bens jurídicos tutelados pelas normas que incriminam a falsificação e a burla.”
[212] Ac. Relação de Coimbra de 08-05-2018, procº nº 106/13.6GDCNT.C2, in www.dgsi.pt.
[213] In Direito Penal Português: As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editorial Notícias, p. 227 e ss.
[214] In anotação ao artº 71º do Código Penal anotado por Maia Gonçalves, p. 277.
[215] A qual, em todo o caso, não impediu nem dissuadiu os arguidos de agirem em conformidade com os seus interesses em flagrante violação da ordem jurídica e contra os deveres do cargo, no caso dos arguidos militares.
[216] A sociedade tem tolerância zero para a corrupção que tem vindo a minar todas as estruturas humanas desde a antiguidade.
[217] “Com efeito, revelando o agente sinceramente arrependido uma personalidade menos endurecida que a do criminoso insensível aos remorsos, e, consequentemente, menor necessidade de prevenção especial em virtude de menor perigosidade, são necessariamente positivas as expetativas sobre o seu comportamento futuro, isto é sobre o seu modo de ser e sobre a sua adequação ao ordenamento jurídico, e, consequentemente, sobre o seu regresso à sociedade.” – José António Rodrigues da Cunha, “A Colaboração do Arguido com a Justiça, A sua Relevância no Âmbito da Escolha e Determinação da Medida da Pena”, Universidade Portucalense, Porto, 2017, p. 75
[218] José António Rodrigues da Cunha, “A Colaboração do Arguido com a Justiça – A Confissão e o Arrependimento no Sistema Penal Português”, Revista Julgar, nº 32, 2017 p. 48.
[219] “Direito Penal Português”, p. 137.
[220] Dec-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
[221] Cfr. Figueiredo Dias, “As Consequências Jurídicas do Crime”, pp. 304 e 305. Quando assim não for, poderá funcionar como mero factor de determinação concreta ou de medida da pena do art.º 71.º, n.º 2. Terá, pois, apenas valor como atenuante geral, segundo Leal-Henriques e Simas Santos, “Código Penal Anotado”, anotação ao art.º 72º, p. 856.
[222] José António Rodrigues da Cunha, “A Colaboração do Arguido com a Justiça, A sua Relevância no Âmbito da Escolha e Determinação da Medida da Pena”, páginas 47 e 48.
[223] A quem foi aplicada uma pena de 3 anos de prisão.
[224] A pena parcelar mais elevada.
[225] A soma das penas parcelares aplicadas em concreto.
[226] A saber ..., BA nº …, BA nº …, BA nº …, Aérodromo de Trânsito nº …, Depósito Geral Militar, Campo de Tiro, UAL ... e ….
[227] In dgsi.pt.
[228] À excepção dos arguidos FFF, GGG, HHH, III, LLL, MMM, NNN, PPP, QQQ, RRR, SSS e TTT que não obstante não terem prestado declarações o Tribunal a quo valorou de forma positiva os respectivos relatórios sociais que revelam que estes arguidos têm consciência do que fizeram sentindo vergonhe e revelando preocupação com o decorrer da situação.
[229] Sendo que as sessões 32ª a 43ª foram dedicadas à audição do agente encoberto e, por força do despacho de 05-04-2019 com a refª …, a presença dos arguidos não foi autorizada; a 14ª sessão foi adiada por doença de um dos membros do colectivo de juízes; a 52ª sessão foi adiada por falta de MºPº que aderiu à greve da altura; o arguido EEE faltou à 21ª sessão, às 50ª e 51ª sessões, que se desenvolveram no mesmo dia (19-06-2019), às 53ª e 54ª sessões que também se desenvolveram no mesmo dia (03-07-2019), à 56ª sessão, sendo que esteve presente na sessão ocorrida da parte da manhã do mesmo dia (05-07-2019), à 60ª sessão sendo que esteve presente na sessão ocorrida da parte da manhã do mesmo dia (20-09-2019), à 68ª sessão sendo que esteve presente na sessão ocorrida da parte da manhã do mesmo dia (25-10-2019) e às 82ª e 85ª sessões.
[230] E, do que teriam referido os seus ilustres mandatários na audiência realizada nesta Relação, foi por indicação dos mesmos que esse silêncio foi assumido.
[231] Com o qul se concorda.
[232] P. 443 do acórdão recorrido.
[233] Página 446 do acórdão recorrido.
[234] Páginas 832 e 833 do acórdão recorrido.
[235] Página 831.
[236] À excepção do arguido SS que esteve na messe do … de 03-02-2015 até 11-2016, mas em que desenvolveu uma elevada energia criminosa como se retira dos factos vertidos em 491 a 502, todos os outros arguidos em referência estiveram nas messes longos anos, a saber: VV desde 1999, WW desde 2009, CCC desde 2010, XX desde 2006 e ZZ desde 2002.
[237] Em relação a este arguido, em face da sua absolvição, a parte do seu recurso referente à sanção acessória acaba por perder utilidade, no entanto, por uma questão de método não quisemos deixar de mencionar que o mesmo impugna também a sanção acessória.
[238] Arguidos FF, JJ e GG.
[239] Arguido AA.
[240] Arguidos FF, JJ, GG, UU e BB.
[241] Figueirdo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 167.
[242] Figueiredo Dias, ob.cit., p. 166.
[243] Vide Acórdão da Relação de Évora de 19-12-2013 in www.dgsi.pt.
[244] A título meramente exemplificativo, cfr. Acórdão da Relação de Évora de 19-12-2013 in www.dgsi.pt: “Se a pena aplicada foi suspensa na sua execução ganhando autonomia como pena de substituição, fica vedada a aplicação do disposto no artigo 66.º do C.P.. Se houve suspensão da execução da pena de prisão, o juízo que tal permitiu não é adequado a co-existir com uma pena acessória de tal gravidade (a prevista no artº 66º nº 2 do CP).”
[245] Estava a referir-se à redacção originária do artº 66º do Código Penal que previa como requisito formal a condenação em pena superior a 2 anos em vez dos 3 anos que vigora desde a reforma de 1995.
[246] “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 167
[247] Faria Costa, “Penas acessórias – Cúmulo jurídico ou cúmulo material? [a resposta que a lei (não) dá]”, Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3945, Ano 136, Julho-Agosto de 2007, Coimbra: Coimbra Editora, pp. 322-328, p. 323, nota de rodapé n.º 4.
[248] “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime”, Parte Geral, Tomo II, 2.ª ed. reimpressão, 2005, Coimbra: Coimbra Editora., p. 158.
[249] Ana Amorim, “Regime Das Penas Acesssórias e Sua Aplicação Nas Diferentes Formas Do Processo Penal” CEJ, Outubro 2020, p. 13
[250] “Direito Penal Português…”, ob. cit., pp. 177-178.
[251] Ana Amorim, ob.cit., p. 14.
[252] “Penas acessórias – cúmulo (…)”, ob. cit., p. 324.
[253] Figueiredo Dias, ob.cit., p. 167 e 168.