SIMULAÇÃO
DECLARAÇÃO DE NULIDADE
RETROACTIVIDADE
TERCEIRO
BOA-FÉ
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário

I - O recorrente que pretenda impugnar validamente a decisão sobre a matéria de facto, ao enunciar os concretos meios de prova que, na sua perspectiva, conduzem a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise crítica de todos os meios de prova produzidos sobre a materialidade objeto dessa impugnação, não bastando, quando esteja em causa prova pessoal, reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos sem correspondência com o sentido global dos mesmos.
II - A afirmação pelo tribunal de que um facto se considera provado não depende da “íntima convicção” do julgador mas fundamentalmente de critérios racionais que, em processo civil, se regem pelo standard de probabilidade prevalecente, isto é, num juízo de preponderância em que esse facto provado se apresente, fundadamente, como mais provável ter acontecido no que não ter acontecido.
III - É admissível o recurso a prova pessoal (por testemunhas ou declaração das partes) para demonstrar o acordo simulatório entre os simuladores desde que, a montante, surja um princípio (ou começo) de prova escrita que crie uma convicção que as testemunhas (e a prova por presunção judicial) podem sedimentar ou complementar.
IV - A retroatividade da declaração de nulidade do contrato simulado opera, em regra, tanto em relação às partes como em confronto destas com terceiros; é o que se designa por invalidade derivada ou invalidade em cadeia.
V - A regra plasmada no artigo 243º do Código Civil é uma norma especial relativamente à norma acolhida no artigo 291º do mesmo Corpo de Leis: aquela rege apenas para as relações entre simuladores e terceiros de boa-fé a quem a declaração de nulidade afeta; já se a simulação for invocada por terceiros de boa-fé contra terceiros de boa-fé, deve recorrer-se ao regime geral da nulidade, o que implica remissão para este último preceito.
VI - O conceito de boa-fé consagrado no nº 2 do citado artigo 243º não se circunscreve a uma dimensão puramente psicológica, assumindo antes uma dimensão subjetiva ética, ou seja, para efeito desse normativo, está de boa-fé aquele que, agindo com o cuidado requerido ao bonus pater famílias, desconheça, sem culpa, a ocorrência da simulação.

Texto Integral

Processo nº 4416/15.0T8AVR.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Aveiro – Juízo Central Cível, Juiz 1
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2º Adjunto Des. Pedro Damião e Cunha

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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO

AA instaurou a presente ação declarativa com processo comum contra O..., L.da (1ª ré), BB (2ª ré), “R..., L.da” (3ª ré), CC e marido DD (4ºs réus) e EE (5º réu), na qual conclui pedindo:
a) se declare que é simulado o contrato de compra e venda celebrado, por escritura de 02/07/2002 junta a fls. 19/22, no 2º Cartório Notarial de Aveiro, pelo qual o ora A. declarou vender, pelo preço global já recebido de €213.500,00, a O..., L.da, que declarou comprar, as frações autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “F” e “I” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ..., do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ... e do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ...;
b) que o negócio simulado seja declarado nulo, tudo com as legais consequências;
c) que os RR. sejam condenados a reconhecer o A. como proprietário dos bens imóveis identificados em a);
d) que seja ordenado o cancelamento do registo de propriedade de tais bens por terem por base negócio jurídico nulo;
e) que sejam declarados nulos os negócios jurídicos realizados a título oneroso pela 1ª Ré tendo por objeto os referidos bens;
f) no caso de o R. EE ser considerado terceiro de boa fé deverá a 1ª Ré ser condenada a entregar o preço recebido pela venda da fração “I”, sendo igualmente condenada a pagar a quantia de €250,00 por cada dia de atraso no cumprimento a título de sanção pecuniária compulsória.
Para substanciar tais pretensões alega ter mantido com a Ré BB, durante mais de 30 anos, uma relação de índole afetiva, com partilha de mesa e casa, embora só tenham contraído casamento a 24/02/2001, sendo que a 22/05/2003 separaram-se de pessoas e bens, mas com o único fito de separar os patrimónios em virtude do avolumar de dívidas contraídas pelo A..
Acrescenta que decidiram então constituir uma sociedade comercial - a ora Ré O..., L.da - com a finalidade única de os ora A. e Ré BB transferirem todo o património do ora A. para a referida sociedade a fim de o proteger dos credores, tendo para o efeito celebrado contrato de compra e venda (formalizado em escritura datada de 02/07/2002 e junta a fls. 19/22) o qual foi simulado pois o A. nunca recebeu da compradora o preço referido na escritura, nem nunca pretendeu transmitir a propriedade dos prédios identificados na mesma, nem a compradora pretendeu adquirir os mesmos.
Refere ainda que os RR. CC e marido DD, sócios-gerentes da ora Ré “A R ...”, então arrendatária das frações “A”, “B” e “C”, intervieram na escritura, e em nome desta sociedade disseram renunciar ao direito de preferência na compra aqui operada das mesmas frações. Estes RR. também tinham conhecimento de que o negócio era simulado pois após a celebração do mesmo continuaram a pagar as rendas das frações arrendadas diretamente ao A. e não à Ré O..., L.da.
A Ré O..., L.da. apresentou contestação na qual alega que ela e o ora autor quiseram, efetivamente, vender e comprar os imóveis identificados na escritura pública outorgada a 02/07/2002, tendo este recebido, a título de preço pela venda, a quantia de €213.500,00.
Mais refere que a partir da venda os arrendatários passaram a liquidar as rendas diretamente à ora 1ª Ré, sendo que tem vindo a regularizar os créditos que se mostram garantidos pelas penhoras e hipotecas que oneram os prédios que foram objeto do mencionado contrato de compra e venda.
Na contestação que apresentou, a Ré BB defende que as partes outorgantes da escritura celebrada a 02/07/2002 quiseram outorgar a compra e venda dos imóveis nos exatos termos que constam da mesma, pretendendo o A. alienar tais bens para, segundo ele, solver as suas dívidas; tanto assim foi que a 1ª Ré entregou ao A. o cheque nº ..., do Banco ..., no valor de €240.000,00, sacado de uma conta corrente pertencente à 1ª Ré, para pagamento do preço da escritura objeto dos presentes autos e de umas faturas que aquele havia emitido, valor este que ingressou no património do A..
Os RR. “A R ...”, CC e marido DD excecionaram a ilegitimidade da Ré Sociedade por não existir qualquer intervenção sua quer no negócio celebrado e titulado pela escritura pública de 02/07/2002, quer em qualquer outro negócio.
Acrescentam que após essa escritura a Ré “A R ...”, enquanto arrendatária, continuou no local arrendado, pagando as rendas à efetiva proprietária, a ora 1ª Ré.
Referem ainda que quando, em 13 de março de 2012, compraram os imóveis à ré Ré O..., L.da. estavam plenamente convencidos de que esta era titular do direito de propriedade sobre as frações autónomas objeto desse negócio, não lhes sendo, por isso, oponível qualquer eventual simulação existente na compra e venda que essa sociedade celebrou com o ora autor.
Por seu turno, o R. EE, na contestação que apresentou, excecionou a sua ilegitimidade passiva por ser casado, no regime de comunhão geral de bens, com FF. Alegou ainda que quando, em 22/06/2015, comprou a fração “I” à 1ª Ré entregou-lhe a quantia de €40.000,00 que corresponde ao justo valor de mercado da fração, desconhecendo em absoluto as relações entre o A. e as RR. O..., Ldª e BB que não são pessoas do seu conhecimento pessoal.
O A., na resposta, mantém a versão apresentada na petição inicial, vindo a deduzir incidente de intervenção principal provocada de FF (cônjuge do R. EE), o qual foi admitido. A chamada apresentou contestação, fazendo seus os articulados apresentados pelo marido.
Após ter constatado, com o registo da ação, que a fração “F” estava registada em nome do Banco 1 ..., por ter sido adquirido pelo Banco 2 ... em ação de divisão de coisa comum, que correu termos sob o nº 1746/07.8TBAVR - na qual era Requerente GG e Requerido HH -, veio o A., a fls. 345/347, requerer a ampliação do pedido e da causa de pedir, defendendo que HH e GG, filho e nora do A. e da Ré BB, quando adquiriram o imóvel, e a 1ª Ré, quando o vendeu, tinham pleno conhecimento do negócio simulado. A fls. 375/377 deduziu ainda incidente de intervenção principal provocada de Banco 1 ..., GG e HH.
Por despacho proferido a fls. 404/407: a) foi julgada inadmissível a requerida ampliação do pedido e da causa de pedir; b) foi admitido o chamamento de HH, GG e Banco 1 .....
Apenas contestou o Banco 1 ..., defendendo a validade dos financiamentos sob a forma de mútuo com hipoteca e fiança que concedeu aos Chamados HH e GG, acrescentando que quando celebrou este financiamento e quando arrematou a fração “F” desconhecia qualquer eventual simulação na venda feita pelo ora A. à sociedade O..., L.da
Foi proferido despacho saneador que: a) julgou sanada a ilegitimidade do R. EE com a intervenção principal provocada de FF; b) julgou improcedente a exceção de ilegitimidade da Ré “A R ...”; c) relegou para a sentença o conhecimento das inoponibilidades da nulidade dos arts. 243.º, nº 1, e 291.º, nº 1, do Cód. Civil; fixou-se ainda o objeto do litígio e definiram-se os temas da prova.
Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, vindo a ser proferida sentença na qual se decidiu «julgar a ação parcialmente procedente e, em resultado disso:
A) declarar nulos, por simulação absoluta, os negócios jurídicos feitos pela escritura de 02/07/2002 (de fls. 19/23) e em consequência:
1º - condenar a Ré O..., L.da, a entregar ao A. os imóveis número seis e número sete identificados na mesma escritura;
2º - por estar ferida de nulidade sequencial, declarar nula a venda outorgada pela escritura de 13/03/2012 (fls. 134/137) das frações “A”, “B” e “C” e, por via disso, condenar os RR. DD e CC a restituir essas frações ao A.;
3º - Por os compradores das frações “I” e “F” e a arrematante da fração “F” gozarem da inoponibilidade do nº 1 do art. 291.º do C. Civil, condenar a Ré O..., L.da, a pagar ao A. as quantias de €40.000,00 e de €75.000,00 que recebeu das vendas das frações (respetivamente) “I” e “F”, mas com dedução dos valores que pagou para libertar as frações de penhoras e hipotecas que sobre elas impendiam, a encontrar em incidente de liquidação.
B) Absolver os RR. do mais que contra eles vem pedido».
Não se conformando com o assim decidido, vieram os réus “O..., Ldª”, CC e DD interpor os presentes recursos, que foram admitidos como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (quanto ao recurso interposto pela 1ª ré) e suspensivo (relativamente ao recurso interposto por estes últimos).
Com o requerimento de interposição do recurso a ré “O..., Ldª” apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
. Salvo melhor entendimento e não obstante o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal a quo interpretou de forma errada os elementos probatórios existentes no presente processo, presumindo uma realidade material que efetivamente não ocorreu e, consequentemente, por força desse entendimento a sentença foi claramente “contaminada”;
A sentença padece do vício de “erro na apreciação das provas”, o que deverá ser corrigido em sede de instância superior;
Os pontos alegados supra (24, 25, 26 e 28) dados como provados não têm qualquer sustentabilidade ao nível dos meios probatórios, testemunhais e/ou documentais existentes no processo, pelo que deveriam ter sido dados como não provados;
Parece-nos existir principalmente nos pontos mencionados supra a existência da inversão do ónus probatório, o que no caso concreto, viola o artigo 342º do Código Civil;
Em suma, todos os elementos constantes do processo implicariam uma decisão oposta àquele que foi adoptada pelo tribunal a quo.
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Por seu turno, os réus CC e DD apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
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Notificado o autor apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência dos recursos.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO MÉRITO DO RECURSO
1. Definição do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, são as seguintes as questões solvendas:
Quanto ao recurso interposto pela ré “O..., Ldª”
- determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas e assim na decisão sobre a matéria de facto;
- decidir em conformidade face à alteração, ou não, da materialidade objeto de impugnação, mormente dilucidar se o contrato celebrado entre o autor e a apelante foi absolutamente simulado.
Quanto ao recurso interposto pelos réus CC e DD
- determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas e assim na decisão sobre a matéria de facto;
- decidir em conformidade face à alteração, ou não, da materialidade objeto de impugnação, mormente apurar se os apelantes estavam de boa-fé quando adquiriram à 1ª ré as frações autónomas designadas pelas letras “A”, “B” e “C”, do prédio urbano sito na Rua ..., lugar de Quinta..., freguesia ..., concelho de Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ..., da freguesia ...;
- da inoponibilidade da simulação aos apelantes;
- do abuso de direito do autor.
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2. Recurso da matéria de facto
2.1. Factualidade considerada provada na sentença

O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
1 - O ora A. casou civilmente com a ora 2ª Ré BB a 24/02/2001 – fls. 97/98 (A).
2 - Por decisão de 22/05/2003, transitada a 22/05/2003, proferida pela Conservatória de Aveiro, foi declarada a separação de pessoas e bens entre os cônjuges (B).
3 - Esta separação de pessoas e bens foi convertida em divórcio por decisão de 05/08/2011, transitada a 09/09/2011 – fls. 97/98 (C).
4 - O ora A., a ora Ré O..., L.da, representada pela sócia-gerente BB, os ora RR. DD e mulher CC, e a ora Ré “R..., L.da” celebraram o contrato-promessa junto a fls. 42/43, não datado, nos termos do qual disseram todos os outorgantes nas respetivas qualidades:
1º - que todos reconhecem que as frações A e B foram dadas de arrendamento ao 3º outorgante marido (DD), para nelas instalar um estabelecimento destinado à indústria e comércio de restauração, onde funciona o Restaurante conhecido como “R ...” cujo contrato teve início no dia 01/08/86, pelo prazo de um ano renovável que ainda se mantém e consideram válido;
2º - que é intenção do 1º outorgante (AA) vender estes espaços ao 2º outorgante (O..., L.da);
3º - que os 3ºs. outorgantes (DD e mulher CC) renunciam ao direito de preferência na referida compra que a lei lhes confere na qualidade de arrendatários;
4º - que o 1º e a 2ª outorgante se obrigam pelo presente contrato a autorizar que os 3ºs. outorgantes trespassem ou por qualquer outra forma legal procedam à transferência do referido estabelecimento à 4ª outorgante (“R..., L.da”), com todos os direitos inerentes, nomeadamente, o de direito de arrendamento de que são titulares renunciando por sua vez, ao direito que a lei lhes confere, no aludido trespasse, seja qual for o preço estabelecido;
5º - que o arrendamento se mantém com as cláusulas e condições inicialmente estabelecidas. No entanto,
6º - a renda anual será de €20.034,48, a pagar em duodécimos de €1.669,54;
7º - as escrituras para venda dos imóveis a fazer pelo 1º outorgante, bem como a escritura de trespasse a fazer pelos 3ºs. outorgantes, serão simultâneos no mesmo cartório notarial na cidade de Aveiro (D).
5 - Na escritura pública de compra e venda, celebrada, a 02/07/2002, no 2º Cartório Notarial de Aveiro, compareceram como primeiros outorgantes AA e mulher BB, que intervieram ambos por si, e a mulher ainda na qualidade de sócia e única gerente, em representação da compradora, a sociedade comercial por quotas com a denominação O..., L.da, e como segundos outorgantes DD e mulher CC, que intervieram na qualidade de únicos sócios e gerentes em representação da inquilina “R..., L.da” (E).
6 - Na referida escritura, o 1º outorgante disse que pelo preço global já recebido de €213.500,00 vende à sociedade que a sua mulher representa os seguintes imóveis:
- Número um – por €69.000,00, a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés do chão esquerdo, com o valor patrimonial de €68.953,82;
- Número dois – por €26.000,00, a fração autónoma designada pela letra “B” correspondente ao rés do chão centro, com o valor patrimonial de €25.857,68;
- Número três - por €26.000,00, a fração autónoma designada pela letra “C” correspondente ao rés do chão direito, com o valor patrimonial de €25.857,68.
- Número quatro - por €26.000,00, a fração autónoma designada pela letra “F” correspondente ao 1º andar, esquerdo, destinada exclusivamente a habitação, com o valor patrimonial de €25.857,68.
- Número cinco - por €10.000,00, a fração autónoma designada pela letra “I” correspondente ao 2º andar esquerdo, destinada exclusivamente a habitação, com o valor patrimonial de €9.481,15.
Que estas frações integram o prédio urbano sito na Rua ..., Quinta..., freguesia ... do concelho de Aveiro, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ..., cujo direito de propriedade se encontra ali registado a favor do vendedor, pela inscrição G-Um, afeto ao regime da propriedade horizontal nos termos da inscrição F-Um.
Que incidem sobre a fração “A” cinco penhoras, inscritas pelos F-Um, F-Dois, F-Três, F-Quatro e F-Seis.
Sobre as frações “B”, “C”, “F” e “I” incidem três penhoras registadas pelas inscrições F-Um, F-Dois e F-Três.
- Número seis – por €31.500,00, uma dependência ampla, com sanitários e escritório aplicada a fins industriais, sita na ..., freguesia ... do concelho de Aveiro, inscrito na matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial de €31.029,22, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ..., cujo direito de propriedade se encontra ali registado a favor do vendedor, pela inscrição G-Um, com duas penhoras registadas pelas inscrições F-Um e F-Dois.
- Número sete – por €25.000,00, uma casa de habitação de rés do chão com anexos e logradouro, e quintal, sita na ..., no ..., freguesia ... do concelho de Aveiro, inscrita na matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial de €932,81, descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ..., cujo direito de propriedade se encontra ali registado a favor do vendedor, pela inscrição G-Um (F).
7 - Disse a primeira outorgante mulher: que presta o seu consentimento ao marido para a venda por ele operada.
Disseram os segundos outorgantes falando em nome da sociedade sua representada: que sendo a sociedade sua representada a arrendatária das frações autónomas designadas pelas letras “A” e “B” acima indicadas, renunciam em nome da mesma sociedade ao direito de preferência na compra aqui operada das mesmas frações.
Disse ainda a primeira outorgante: que aceita esta venda para a sociedade sua representada – fls. 18/22 (G).
8 - Por escritura pública de compra e venda, celebrada, a 13/03/2012, no Cartório Notarial de Aveiro da Notária Dra. II, o Dr. JJ, que interveio na qualidade de procurador em nome e representação da vendedora sociedade comercial por quotas com a firma O..., L.da, declarou que pelo preço global já recebido de €225.000,00, vendia a DD, casado sob o regime de comunhão de adquiridos com CC, os seguintes imóveis da sociedade sua representada: frações autónomas designadas pelas letras “A”, “B” e “C” que integram o prédio urbano sito na Rua ..., na Quinta..., freguesia ... do concelho de Aveiro, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ......).
9 - Mais declarou que incide sobre cada uma delas:
- uma ação provisória por natureza, inscrita pela Ap. ... de 27/05/2010, em que é A. KK;
- outra ação provisória por natureza, registada pela Ap. ... de 22/12/2011 em que é A. LL;
- uma penhora inscrita pela Ap. ... de 07/02/2012, em que é exequente a indicada KK;
E que está assegurado o cancelamento das ações e da penhora acima indicadas que incidem sobre cada uma das frações – fls. 133/137 (I).
10 - As frações “A”, “B” e “C” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ... da freguesia ... encontram-se inscritas a favor dos ora RR. DD e mulher CC pela Ap. ... de 2012/03/14 – fls. 24/31 (J).
11 - Por escritura pública de compra e venda, celebrada, a 22/06/2015, no Cartório Notarial de Ílhavo da Notária Dra. MM, BB, viúva, que interveio em representação da sociedade comercial por quotas com a firma O..., L.da, declarou que pela presente escritura, a sociedade sua representada vende a EE, casado sob o regime de comunhão geral de bens com FF, pelo preço já recebido de €40.000,00 o seguinte bem: “fração autónoma designada pela letra “I” o segundo andar esquerdo, do prédio urbano sito na Rua ..., lugar de Quinta..., freguesia ..., concelho de Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ..., da freguesia ...” – 89/93 (K).
12 - A fração “I” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ... da freguesia ... encontra-se inscrita a favor do ora R. EE e da Chamada FF pela Ap. ... de 2015/06/18, por compra a O..., L.da - fls. 306 (L).
13 - Por escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança, celebrada, a 12/11/2003, na agência do Banco 2 ..., sita na Av. ..., em Aveiro, perante NN, ajudante principal do Segundo Cartório Notarial de Aveiro (além do mais que não interessa reproduzir):
a) BB, casada, que interveio na qualidade de sócia gerente em representação da sociedade comercial por quotas denominada O..., L.da, declarou que pela presente escritura, a sociedade sua representada vende, pelo preço já recebido, de €75.000,00, aos segundos outorgantes HH e GG a fração autónoma designada pela letra “F” correspondente ao 1º andar esquerdo, destinada a habitação, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ... da freguesia ...;
b) os segundos outorgantes disseram que:
1º - aceitam esta venda e que o imóvel adquirido se destina a habitação própria permanente;
2º - por esta escritura se confessam devedores ao Banco 2 ..., que a terceira outorgante (OO) representa, da importância de €75.000,00, que neste ato recebem do mesma Banco, por empréstimo que este lhes concede ao abrigo das normas para o Regime Geral do Crédito à Habitação; e que o referido empréstimo será liquidado em 40 anos, em 480 prestações, mensais constantes sucessivas de capital e juros vencendo-se a primeira trinta dias após a data da celebração desta escritura;
3º - em garantia do bom pagamento da quantia mutuada, juros e despesas judiciais e extrajudiciais, por esta escritura constituem hipoteca sobre o referido imóvel, a favor do Banco 2 ... – fls. 507/512 (M).
14 - Por escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança, celebrada, a 12/11/2003, na agência do Banco 2 ..., sita na Av. ..., em Aveiro, perante NN, ajudante principal do Segundo Cartório Notarial de Aveiro, HH e GG declararam (além do mais que não interessa reproduzir):
a) que são donos e legítimos possuidores do seguinte imóvel, adquirido hoje por escritura de compra e venda lavrada imediatamente antes desta: fração autónoma designada pela letra “F” correspondente ao 1º andar esquerdo, destinada a habitação, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ... da freguesia ...;
b) que por esta mesma escritura, eles primeiros outorgantes, se confessam devedores ao Banco 2 ..., da importância de €7.500,00, que irão receber do mesmo Banco por empréstimo que este lhes concede ao abrigo das normas para o Regime Geral de Crédito à Habitação;
c) em garantia do bom pagamento da importância mutuada, juros e despesas judiciais e extrajudiciais, os primeiros outorgantes por esta escritura constituem hipoteca a favor do Banco 2 ... sobre o referido imóvel – fls. 517/521 (N).
15 - A fração autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ...... da freguesia ... esteve inscrita, pela Ap. ... de 2003/10/27 a favor de HH e GG por compra a O..., L.da – fls. 349 (O).
16 - Pela Ap. ... de 2003/10/27 foi inscrita sobre esta fração nº ... hipoteca voluntária a favor do Banco 2 ..., como garantia de um empréstimo no valor de €75.000,00 - fls. 349 (P).
17 - Pela Ap. ... de 2003/10/27 foi inscrita sobre esta fração nº ... hipoteca voluntária a favor do Banco 2 ..., como garantia de um empréstimo no valor de €7.500,00 – fls. 350 (Q).
18 - No Juízo de Média e Pequena Instância Cível de Aveiro – J2, sob o nº 1746/07.8TBAVR, correu termos ação de divisão de coisa comum, no qual era Requerente GG e Requerido HH – fls. 526 (R).
19 - Nestes autos, a fração autónoma designada pela letra “F” correspondente ao 1º andar esquerdo do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ... da freguesia ... foi arrematado a 12/01/2009 pelo Banco 2 ..., através de proposta em carta fechada, pela quantia de €74.600,00, tendo sido dispensado de proceder ao depósito do preço aceite em relação à proposta que apresentou, tendo o bem sido adjudicado por despacho de 25/09/2009 – fls. 527/530 (S).
20 - Pela Ap. ... de 2010/07/02, a mesma fração .../19891120-F foi inscrita a favor do Banco 2 ..., por arrematação em hasta pública – fls. 351 (T).
21 - A fração autónoma .../19891120-F da freguesia ... foi inscrita, pela AP. ... de 2015/03/25, a favor do Banco 1 ..., por “transmissão por deliberação do Banco de Portugal em 03/08/2014 e 28/10/2014, nos termos do art. 145.º-H, nºs. 1 e 5, do RGICSF (D.L. nº 298/92, de 31/12)” – fls. 302 (U).
22 - A separação de pessoas e bens referida em 2 dos Factos Provados teve como única finalidade separar os patrimónios do casal em virtude do avolumar de dívidas contraídas pelo A. e de molde a proteger o património do A..
23 - O A. e a Ré BB mantiveram durante cerca de 30 anos, até 2009, uma relação de índole afetiva, com comunhão de mesa, cama e casa.
24 - A Ré O..., L.da, foi constituída com a finalidade de os ora A. e Ré BB transferirem todo o património do ora A. para a referida sociedade a fim de o proteger dos credores.
25 - O A. nunca recebeu o preço global de €213.500,00 referido na escritura identificada em 5 e 6 dos Factos Provados.
26 - Nunca o A. pretendeu transmitir a propriedade dos prédios identificados na escritura para a sociedade O..., L.da
27 - Nem esta sociedade foi constituída tendo em vista celebrar qualquer tipo de atividade comercial.
28 - O A. e a Ré BB, pessoalmente e como gerente de O..., L.da, tinham pleno conhecimento de que as declarações de venda e compra não correspondiam à sua vontade real e tinham a finalidade única de retirar os imóveis do alcance dos credores.
29 - Após a celebração do negócio formalizado através da escritura referida em 5, 6 e 7 dos Factos Provados, a Ré O..., L.da, sempre emitiu os respetivos recibos de quitação relativamente às rendas das frações “A” e “B”, entregando, depois, a respetiva gerente os respetivos valores ao A. até meados de 2009.
30 - Quando foi celebrada a escritura referida em 8 dos Factos Provados, a 1ª Ré e os RR. DD e mulher CC sabiam que a compra das frações A, B e C pela sociedade O..., L.da, havia sido feita unicamente para as subtrair aos credores do ora A. e não para transferir para o comprador O..., L.da, o direito de propriedade das mesmas, transferência que sabiam nem o A. nem a BB quiseram pessoalmente e como gerente da sociedade fazer.
31 - O R. EE teve conhecimento de que a fração autónoma designada pela letra “I” se encontrava à venda, em meados de 2012, por na mesma constar uma placa com indicação “vende-se” e o respetivo número de telefone para contacto.
32 - Em setembro de 2012, o R. EE contactou a Ré O..., L.da, por intermédio da sócia BB, visitou o imóvel, um T2, e tendo em atenção a idade do prédio (inscrito na matriz em ...) e o seu degradado estado de conservação (paredes interiores lascadas e manchas de humidade, portas e janelas “esmurradas” e “empenadas”, sem qualquer isolamento, estores com fitas partidas e falta de algumas lâminas, pedra mármore da bancada da cozinha partida e falta de esquentador, placa e forno) fez uma proposta de compra pelo montante de €40.000,00, seu justo valor de mercado.
33 - A Ré não aceitou pois naquela data pretendia efetuar a venda por €55.000,00.
34 - Atendendo à conjuntura do mercado e à dificuldade em concretizar a venda pelo preço pretendido, em Junho de 2015, a Ré O..., L.da, contactou o ora R. EE e informou-o que aceitava efetuar a venda por €40.000,00, a qual veio a concretizar-se pela escritura de 22/06/2015, nos termos do nº 11 dos Factos Provados com pagamento e recebimento efetivos do preço acordado de €40.000,00.
35 - Depois de efetuada a compra, o R. EE levou a efeito na fração as obras de reparação e conservação referidas em 24.º da contestação (fls. 68), nas quais despendeu quantia não inferior a €4.000,00.
36 - As RR. O..., L.da, e BB não são pessoas do conhecimento pessoal do R. EE. E este apenas conhece o A. por ter trabalhado na mesma empresa do que este, durante um ano, há mais de 55 anos.
37 - As penhoras e hipotecas que oneravam os imóveis foram liquidadas pela Ré O..., L.da, com o dinheiro que ia recebendo da venda dos imóveis.
*
2.2. Factualidade considerada não provada na sentença

O Tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos:
a) DD e mulher CC e “R..., L.da” tinham pleno conhecimento, em 2002, de que o negócio formalizado através da escritura referida em 5, 6 e 7 dos Factos Provados era contrário à real vontade dos ora A. e 1ª e 2ª RR. e constituía um negócio simulado com a finalidade de retirar as frações do alcance dos credores;
b) a Ré BB compareceu, a 29/06/2005, no Cartório Notarial de Trancoso e subscreveu aí a “Declaração” junta a fls. 231 do seguinte teor: “Eu, BB, declaro que caso eu faleça, os meus filhos PP e QQ saibam que os bens que se encontram em nome de O..., L.da são pertença de AA, como sabem são de herança de seus pais. Pois fez-se esta transação para salvaguardar os bens de penhoras e algumas dívidas existentes. Os terrenos que o AA comprou em ..., na situação de divorciado, esses bens alguns foram escriturados em seu nome e outros em O..., L.da. Esta situação foi feita para criar algum tempo para pagar essas dívidas. Comprometi-me a devolver os bens logo que ele o exigisse, visto que os bens não me pertencem, nem do vosso irmão HH, como sabem. Quem trata da manutenção dos bens e que recebe as rendas é o AA, sendo essas rendas para pagar as despesas diárias e os impostos e manutenções, também lhe dá o direito de vender qualquer artigo que herdou dos seus pais, que são os seguintes: Fração A artigo ...; Fração B artigo ...; Fração C artigo ...; Fração I artigo ...; Fração F artigo ...; Armazém artigo ...; Vivenda na ... artigo ...; E o terreno no ... em ... artigo .... A carrinha Golf de matrícula ..-..-ZA foi o AA que a comprou ao Sr. RR, já nos encontrávamos casados em regime de separação de pessoas e bens, a carrinha encontra-se registada em nome de O..., L.da mas pertence ao AA. Como sabem foi o AA que pagou ao vosso pai a parte da casa da ..., a remodelação da casa como as mobílias foi paga por ele, sendo a condição da casa ficar em meu nome, tendo o artigo nº 92”;
c) o R. EE e a Interveniente FF sabiam, quando adquiriram a fração “I”, identificada em 11 dos Factos Provados, que a compra da fração “I” pela sociedade O..., L.da, havia sido feita unicamente para as subtrair aos credores do ora A. e, não, para as transferir, transferência esta que nem o A. nem as Ré Sociedade e BB quiseram;
d) o que o A. e os RR. acordaram e quiseram acordar com o contrato-promessa referido em 4 dos Factos Provados foi única e exclusivamente que renunciavam ao direito de preferência na alienação das frações “A” e “B”;
e) o A. e a Ré O..., L.da, pretenderam, efetivamente, pela escritura de 02/07/2002, referida em 5, 6 e 7 dos Factos Provados, vender e comprar os imóveis identificados na referida escritura;
f) a Ré O..., L.da, entregou ao A. o cheque nº ..., sacado sobre o Banco ..., no valor de €240.000,00, para pagamento do preço dos imóveis objeto da referida escritura e demais faturas que constam do recibo emitido pelo vendedor – fls. 160/163;
g) para obter liquidez e poder cumprir com as suas obrigações, a Ré O..., L.da, obteve os fundos monetários necessários através de uma conta caucionada, por si titulada no Banco ... e sobre a qual ficou a pagar mensalmente a quantia de €1.085,00 – fls. 164/166.
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2.3. Apreciação da impugnação da matéria de facto

Nas conclusões recursivas vieram os apelantes requerer a reapreciação da decisão de facto, em relação a um conjunto de factos julgados provados, com fundamento em erro na apreciação da prova.
Como é consabido, o art. 640º estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]
O presente regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso -, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto - fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e os apelantes impugnam a decisão da matéria de facto com indicação dos pontos de facto impugnados, prova a reapreciar e decisão que sugerem.
Tal como dispõe o nº 1 do art. 662º a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “ […] se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que, na economia do preceito, significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente (em termos de convicção autónoma) uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância.
No presente processo a audiência final processou-se com gravação da prova pessoal prestada nesse ato processual.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação, haverá que ter em consideração, como sublinha ABRANTES GERALDES[2], que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo consequentemente fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.
Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações do recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[3].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º do Cód. Civil.
Daí compreender-se o comando estabelecido na lei adjetiva (cfr. art. 607º, nº 4) que impõe ao julgador o dever de fundamentação da materialidade que considerou provada e não provada.
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes do segmento decisório que fixou o quadro factual considerado provado e não provado que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância.
Atenta a posição que adrede vem sendo expressa na doutrina e na jurisprudência, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido[4].
Tendo presentes estes princípios orientadores, cumpre agora dilucidar se assiste razão aos apelantes, neste segmento recursório da impugnação da matéria de facto, nos termos por eles preconizados.
Como emerge das respetivas conclusões recursivas, a apelante “O..., Ldª” advoga que devem ser dadas como não provadas as proposições constantes dos pontos nºs 24, 25, 26 e 28 dos factos provados; já os apelantes CC e DD defendem que deve ser dada como não provada a afirmação de facto plasmada no ponto nº 30 dos factos provados.
Nos pontos nºs 24, 25, 26 e 28 deu-se como provado que:
“A Ré O..., Ldª, foi constituída com a finalidade de os ora A. e Ré BB transferirem todo o património do ora A. para a referida sociedade a fim de o proteger dos credores” (ponto nº 24);
“O A. nunca recebeu o preço global de €213.500,00 referido na escritura identificada em 5 e 6 dos Factos Provados” (ponto nº 25);
“Nunca o A. pretendeu transmitir a propriedade dos prédios identificados na escritura para a sociedade O..., L.da” (ponto nº 26);
“O A. e a Ré BB, pessoalmente e como gerente de O..., L.da, tinham pleno conhecimento de que as declarações de venda e compra não correspondiam à sua vontade real e tinham a finalidade única de retirar os imóveis do alcance dos credores” (ponto nº 28).
As transcritos enunciados fácticos dizem, pois, respeito à alegada simulação do contrato de compra e venda celebrado entre o autor e a apelante “O..., Ldª” e que se mostra documentado na escritura pública outorgada em 2 de julho de 2002 - a que se faz alusão nos pontos nºs 5 a 7 dos factos provados.
Vejamos, antes do mais, em que termos o juiz a quo fundamentou o sentido decisório referente à descrita materialidade, sendo que na respectiva motivação escreveu que «[a]s declarações de parte do A. pareceram-nos credíveis na parte em que defendeu que tinha muitas dívidas, sobretudo fiscais, e que os seus bens eram frequentemente postos à venda. Pensou em transferir os bens que tinha herdado do pai, e que estavam arrendados, para uma pessoa de confiança. Foi ter com a madrasta e pediu-lhe que os bens ficassem em nome dela. Esta disse que não pois era uma responsabilidade muito grande. Pensou em fazer uma sociedade com os filhos, mas tinha problemas com o filho mais velho. E depois pensou na BB que era a pessoa em quem tinha mais confiança. Os imóveis davam-lhe um rendimento mensal de €4.000,00 e nunca pensou vendê-los. Eram a sua segurança para o futuro. Um advogado – o Dr. SS – aconselhou-o a fazer a sociedade com um documento escrito para mais tarde os bens reverterem para ele. Não fez este documento pois confiava na mulher. A sociedade O..., L.da, tinha apenas como finalidade receber as rendas. Não recebeu nada pelos imóveis. Foram ter com um familiar e afilhado de casamento, que era o gerente do balcão de ... do Banco ..., este fez-lhes o favor de emitir o cheque, mas o A. endossou-o imediatamente e devolveu-o. O cheque nunca “saiu” do Banco; quem ficou com o cheque foi o gerente do Banco .... O A. continuou, depois da constituição da sociedade, a receber as rendas, a levar os documentos ao contabilista e a fazer a manutenção dos imóveis. A Ré BB não tinha dinheiro para pagar o empréstimo. As rendas eram para “comer e viver”. A O..., L.da, não fazia quaisquer negócios. Limitou-se a comprar dois terrenos rústicos que pôs em nome da O..., L.da.
As declarações prestadas pelo A., nesta parte, pareceram-nos credíveis, sobretudo quando conjugadas com o depoimento das seguintes testemunhas: - TT, que sendo embora filho do A. fez um depoimento que se nos afigurou isento e credível, e que disse que o A. fez uma venda fictícia para fugir às dívidas que tinha. Um primo da D. BB, funcionário de uma agência bancária no Algarve, tratou de arranjar uma conta caucionada só com “movimento a nível bancário”. Ninguém dá crédito a uma empresa sem negócios. O pai continuou a gerir tudo. A testemunha trabalhou com o pai até 1999; nesta data criou a sua própria empresa (começou com uma “quota de trabalho”). O pai tinha uma dívida para com a empresa da testemunha de €20.000,00. A empresa da testemunha vendeu-lhe caixilharia para o pai montar e este nunca lha pagou. Pôs um processo contra o pai em 1999/2001. O pai contou-lhe da conta corrente caucionada pouco tempo (1 ou 2 anos) depois de ter transferido os bens para a sociedade. Alertou o pai de que ia ficar sem nada, mas este disse que não, que era temporário, e que a ora Ré BB e o HH não iam fazer isso. A primeira ideia do pai era colocar os bens em nome dos três filhos, mas como tinha uma dívida para com a empresa da testemunha não o fez; - UU, viúva do pai do A., que disse que o A. lhe perguntou se aceitava que os bens ficassem em nome da testemunha por causa das dívidas que tinha. A testemunha respondeu que não, que isso ia causar problemas. No início, enquanto o A. e a Ré BB não se desentenderam, era o A. que dirigia a sociedade; - VV, contabilista, que disse que a sua firma faz a contabilidade da Ré O..., L.da, desde 01/07/2008 (fls. 966). O Sr. AA e a D. BB falaram com a testemunha para passar a fazer a contabilidade da firma. O Sr. AA ainda trouxe os documentos durante algum tempo. O Sr. AA recebia algumas rendas e ficava com elas. A D. BB “assumia como se tivesse recebido e o dinheiro colocado na conta de sócio”. Nos primeiros meses tudo se passou de acordo, mas depois houve desavenças entre o casal e recebeu indicações da D. BB para não aceitar documentos do Sr. AA nem lhe dar informações. A Ré O..., L.da, apenas fazia o arrendamento do património que tinha e recebia as rendas.
A própria Ré BB, no depoimento de parte que prestou, disse que a separação de pessoas e bens, que ocorreu a 22/05/2003, foi aconselhada por advogado por nesta altura o A. ter muitas dívidas fiscais – fls. 957. E nas declarações que prestou, no processo comum coletivo 292/13.5JAAVR, reconheceu que, “(…) devido a problemas relacionados com dívidas fiscais e a outras dívidas a fornecedores, pois o AA tinha uma empresa de alumínios, foram aconselhados a fazer uma separação de pessoas e de bens, bem como a divorciarem-se. Assim todos os bens que estavam em nome dele foram colocados em nome da empresa, que estava em nome da depoente e onde constava o seu nome como gerente, porém era ele quem controlava o negócio (…)” – fls. 774.
Das informações prestadas pelo Banco 3 ..., resulta que o cheque de €240.000,00 tem a data de 08/08/2002, foi endossado pelo ora A. a 08/08/2002 e que foi depositado numa conta bancária titulada pelo BANCO... Limited.
As RR. O..., L.da, e BB não apresentam qualquer justificação, muito menos documental, que comprove como é que conseguiram pagar a quantia de €240.000,00. A Ré Sociedade não tinha qualquer atividade. Nesta parte o depoimento do A. é totalmente credível. O primeiro gerente do balcão de ... fez-lhes o favor e o dinheiro nunca chegou a sair do Banco.
Dos documentos juntos a fls. 593 a 755 constata-se que os recibos foram sempre emitidos por O..., L.da. e que já antes da separação de facto do A. AA e da Ré BB, em fevereiro de 2009, as rendas eram pagas por transferência bancária».
Vê-se, da transcrita motivação, que o decisor de 1ª instância explicou de forma racional e lógica as razões pelas quais deu como provadas as mencionadas afirmações de facto.
Resta-nos, por isso, apreciar da consistência da argumentação avançada pela apelante para colocar em crise tal convicção, sendo que, neste conspecto, advoga que os documentos em que o julgador de 1ª instância se baseou para possibilitar a produção de prova pessoal sobre o acordo simulatório não são de moldes a legitimar o afastamento da regra enunciada no nº 2 do art. 394º, do Cód. Civil, sendo certo, de qualquer modo, que as declarações de parte prestadas pelo autor e pela ré BB não permitem a emissão de um juízo positivo sobre a materialidade objeto de impugnação nos termos que constam do ato decisório sob censura.
É facto que o citado preceito legal veda o recurso à prova testemunhal (e, por analogia, à prova por declarações de parte[5]) e também, por inerência, à prova por presunções judiciais (cfr. art. 351.º do Cód. Civil) para demonstrar o acordo simulatório quando invocado pelos próprios simuladores.
Porém, a doutrina e a jurisprudência, inspiradas nos argumentos de VAZ SERRA[6] e receando a rigidez do preceito (designadamente por poder conduzir a resultados injustos de aproveitamento do ato simulado por um dos simuladores em detrimento do outro), têm vindo, com maior ou menor amplitude, a admitir que se utilize prova pessoal desde que, a montante, surja um princípio (ou começo) de prova escrita que crie uma convicção que as testemunhas (e a prova por presunção judicial) podem sedimentar ou complementar[7].
Na decisão recorrida, o juiz a quo considerou que os documentos que se mostram juntos aos autos a fls. 99, 100 e 985 constituíam princípio de prova permissiva do recurso à prova testemunhal, na medida em que deles resulta “com razoável certeza, que o dinheiro do preço nunca saiu do banco ou, o que vai dar ao mesmo, que o ora autor nunca recebeu o preço dos imóveis”.
Procedendo à exegese desses elementos escritos deles se extrai que na sequência do ajuizado contrato de compra não se registou um real fluxo financeiro demonstrativo de que o preço tenha sido efetivamente liquidado, porquanto, da sua concatenação, resulta que apenas na aparência ocorreu esse fluxo já que a importância mencionada no cheque (junto por cópia a fls. 99 e 100) não saiu sequer do Banco ..., inexistindo, nomeadamente, o registo desse input a favor do demandante.
Como assim, na esteira da apontada posição menos exigente que a maioria da doutrina e a generalidade da jurisprudência tem adotado a respeito da interpretação do mencionado normativo, afigura-se-nos que tais suportes documentais consubstanciam um “princípio de prova escrita”, a tornar verosímil a simulação invocada e a justificar o recurso à prova pessoal (e bem assim à prova por presunções judiciais).
Na apreciação dessa prova pessoal, o juiz de 1ª instância valorou os meios probatórios ora referidos pela apelante, tendo relevado especialmente as declarações prestadas pelo autor, por considerar as mesmas credíveis, e que foram, em grande medida, corroboradas pelas testemunhas TT, UU e VV e bem assim pelos documentos a que faz alusão na respetiva motivação da decisão de facto.
A recorrente insurge-se contra esse posicionamento por entender que as declarações prestadas pelo autor e pela ré BB (igualmente sócia-gerente da apelante) “mereciam uma valoração completamente diversa daquela que lhes foi dada” já que esta, ao invés daquele – que, na leitura que faz das suas declarações, depôs de forma pouco credível -, confirmou que a sociedade “O..., Ldª” foi constituída para desenvolver a atividade imobiliária, tendo sido essa a razão para a aquisição ao ora demandante das frações identificadas no respetivo contrato de compra e venda, tendo procedido ao pagamento do preço de €213.000,00.
Certo é que, com o propósito de evidenciar o apontado erro de valoração dessas declarações, limita-se, praticamente, a indicar extratos das mesmas.
Ora, para este efeito impugnatório, não basta a mera indicação, sem mais, de um determinado meio de prova, e também se revela insuficiente no que respeita à prova pessoal, o extrato de uma simples declaração das partes ou das testemunhas, sem correspondência com o sentido global dos depoimentos produzidos de tal modo que não permita consolidar uma determinada convicção acerca de matéria controvertida.
Com efeito, na motivação de um recurso, para além da alegação da discordância, é outrossim fundamental a alegação do porquê dessa discordância, isto é, torna-se mister evidenciar a razão pelo qual o recorrente entende existir divergência entre o decidido e o que consta dos meios de prova invocados.
Nesse sentido tem sido interpretado o segmento normativo “impunham decisão diversa da recorrida” constante da 2ª parte da al. b) do nº 1 do citado art. 640º, acentuando-se que o cabal exercício do princípio do contraditório pela parte contrária impõe que sejam conhecidos de forma clara os concretos argumentos do impugnante[8].
Daí que, da mesma maneira que ao tribunal de 1ª instância é atribuído o dever de fundamentação e de motivação crítica da prova que o conduziu a declarar quais os factos que julga provados e não provados (art. 607º, nº 4), devendo especificar, por razões de sindicabilidade e de transparência, os fundamentos que concretamente se tenham revelado decisivos para formar a sua convicção, facilmente se compreende que, em contraponto, o legislador tenha imposto à parte que pretenda impugnar a decisão de facto o respetivo ónus de impugnação, devendo expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal a quo.
Isso mesmo é sublinhado por ANA LUÍSA GERALDES[9], quando refere que o recorrente ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, “deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos”. Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal de 1ª instância (e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, aos restantes meios probatórios, v.g., documentos, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada e é com esses elementos que a parte contrária deverá ser confrontada, a fim de exercer o contraditório, no âmbito do qual poderá proceder à indicação dos meios de prova que, em seu entender, refutem as conclusões do recorrente.
A apelante não realizou, contudo, esse exercício de confronto entre (todos) os meios de prova produzidos sobre a materialidade impugnada, limitando-se, como se referiu, a aludir apenas a excertos das declarações prestadas pelo autor e pela ré BB, não evidenciando em que medida os mesmos possam pôr em crise os meios probatórios que o tribunal de 1ª instância considerou na sua globalidade para firmar a sua convicção, sendo que, como se enfatizou, não basta para tal efeito reproduzir um ou outro segmento descontextualizado desses depoimentos (sem correspondência com o sentido global dos mesmos), o que, per se, motivaria a improcedência da impugnação.
Como quer que seja, depois de se proceder à audição integral das aludidas declarações constata-se que o autor relatou de forma circunstanciada os contornos do ajuizado contrato e bem assim a motivação que esteve subjacente à sua formalização com a sociedade “O..., Ldª”, concretamente para permitir salvaguardar os seus bens de penhora por banda dos seus credores. Referiu que, no ano de 2002, tinha um elevado número de dívidas decidindo, juntamente com a, então, sua esposa e ora ré BB, constituir uma sociedade comercial (de que esta ré seria única sócia-gerente) para a qual transferiria o seu património imobiliário (adquirido por via sucessória na sequência do óbito de seus pais) com o fito de evitar que o mesmo fosse penhorado, referindo ainda que, por essa ocasião, e com esse desiderato decidiram separar-se judicialmente de pessoas e bens, continuando, contudo, a viver juntos o que se verificou até, pelo menos, o ano de 2009. Adiantou que depois de se ter constituído a sociedade (a ora ré “O..., Ldª) celebraram a escritura pública de compra e venda que teve por objeto esse património imobiliário, não tendo recebido qualquer preço, sendo que para dar aparência da concretização desse pagamento tiveram a colaboração do gerente do balcão de ... do Banco ... (que era familiar da sua esposa e seu afilhado de casamento), tendo para esse efeito sido emitido um cheque sacado pela ré “O..., Ldª” que, todavia, não entrou em circulação, nunca tendo saído do banco, ficando “lá numa conta da BB e na posse do gerente”.
Acrescentou ainda que durante vários anos depois da realização da dita escritura pública continuou a receber e fazer suas as rendas provenientes do arrendamento das frações que haviam sido “vendidas” à ré “O..., Ldª”, continuando ele próprio a efetuar a manutenção desses imóveis.
Essas declarações foram confortadas pelos depoimentos prestados por UU (viúva do pai do autor), TT (filho do autor) e VV (que durante vários anos organizou a contabilidade da sociedade “O..., Ldª), em particular estes dois últimos.
Assim, TT esclareceu ter conhecimento dos termos e motivos por que foi feita a compra e venda dos imóveis e do “procedimento” que foi utilizado no banco - por intermédio do gerente do balcão de uma agência do Banco ... do Algarve que seria primo da ré BB - para justificar formalmente o pagamento do preço dessa compra, preço esse que não foi efetivamente pago; acrescentou que já após a realização dessa compra e venda alertou o seu pai para o risco dessa operação, o qual lhe disse que não haveria “problemas” por confiar na sua esposa, sendo que aquele continuou a agir como o dono dos imóveis, recebendo, inclusive, as respetivas rendas, facto este confirmado pela testemunha VV que, na sua qualidade de responsável pela contabilidade da “O..., Ldª”, referiu que esse recebimento de rendas (pelo menos de parte delas) ocorreu durante vários anos.
A própria ré BB, nas declarações que prestou na audiência final, confirmou que se separou de pessoas e bens do seu marido (o autor) por aconselhamento de um advogado já que, por essa ocasião, aquele tinha muitas dívidas, continuando, no entanto, a viverem juntos até ao ano de 2009, sendo que, como resultou provado (cfr. ponto nº 22), essa separação “teve como única finalidade separar os patrimónios do casal em virtude do avolumar de dívidas contraídas pelo A. e de molde a proteger o património do A.”.
Acresce que, na espécie, como se referiu, não está afastado o recurso a presunções judiciais[10], o que, neste tipo de processo, assume uma particular relevância.
Com efeito, como tem sido ressaltado pela jurisprudência pátria[11], é muito rara e difícil a prova direta da simulação negocial, pois aqueles que efetuam contratos simulados ocultam os seus propósitos e intenções, não manifestando publicamente a sua vontade de simular, antes se esforçando em tornar verosímil o que há de aparente e fictício no ato que praticam.
Por essa razão, há quase sempre que recorrer para a demonstrar a um conjunto de factos conhecidos, tais como as condições pessoais ou patrimoniais dos outorgantes, as relações em que eles se encontram entre si, os factos que precedem a realização do ato jurídico, as circunstâncias em que foi celebrado, o seu próprio conteúdo e finalmente os factos posteriores à celebração, mas com eles relacionados. Dentre esses factos constituirão indícios aproveitáveis aqueles que, segundo o que ensina a experiência comum, segundo o que normalmente acontece na vida, em regra só se verificam, quando se praticam atos simulados.
Ora, no caso em apreço, os autos fornecem elementos que permitem o recurso a essa prova indiciária, designadamente por apelo aos indícios affectio, subfortuna e retentio possessionis.
Desde logo, regista-se que o negócio em crise foi celebrado entre pessoas (o autor - como vendedor - e a ré BB - por si e na qualidade de gerente da compradora “O..., Ldª”) que, na ocasião (2 de julho de 2002), eram casados entre si[12].
Igualmente relevante é o indício movimento bancário, posto que, como se salientou, os elementos bancários que foram aportados aos autos evidenciam a inexistência de um efetivo fluxo financeiro entre o autor e a ré “O..., Ldª” demonstrativo da liquidação do preço, sendo certo que, apesar de nos articulados por aquele produzidos ter sido expressamente posta em crise a realização de qualquer pagamento (o que reiterou na audiência final) a ré – que como sociedade comercial está obrigada, nos termos do art. 123º do CIRC, a dispor de contabilidade organizada onde todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário - não aportou aos autos qualquer documento tendente a revelar (em conformidade com as normas e determinações contabilísticas) o alegado pagamento do preço e dos encargos alegadamente gerados com a conta caucionada que terá sido utilizada para esse efeito.
Essa realidade legitima, outrossim, o indício subfortuna[13], cuja consistência não foi fundadamente posta em crise pela sociedade apelante (constituída pouco tempo antes da realização do ajuizado negócio), a qual, apesar da centralidade que essa questão assumiu no decurso do presente processo, não justificou - mormente através das pertinentes demonstrações financeiras - que tivesse então capacidade financeira que lhe permitisse suportar o preço convencionado para a projetada venda, tanto mais que, como se provou (afirmação de facto que não é alvo de impugnação em sede recursória), a sua constituição “não teve em vista celebrar qualquer tipo de atividade comercial” (ponto nº 27).
De igual modo, resultou provado (o que identicamente não foi objeto de impugnação) que após a celebração do ajuizado contrato “a ré O..., Ldª sempre emitiu os respetivos recibos de quitação relativamente às rendas das frações “A” e “B”, entregando, depois, a respetiva gerente os respetivos valores ao autor até meados de 2009” (ponto nº 29), o que permite substanciar o indício retentio possessionis, na justa medida em que, afinal, quem continuou (pelo menos em parte) a auferir os frutos civis das frações que constituíram objeto mediato desse negócio translativo foi o seu vendedor, ou seja o ora autor.
Daí que aderindo aos fundamentos explanados na motivação da decisão da matéria de facto, sem nunca esquecer que o julgamento deve guiar-se por padrões de probabilidade e nunca de certezas absolutas e tendo ainda em atenção que o juiz a quo teve oportunidade de apreciar os depoimentos de todas as referidas testemunhas, com recurso aos instrumentos que lhe foram proporcionados pelos princípios da imediação e da oralidade, entendemos não haver fundamento para alterar o sentido decisório referente às afirmações de facto vertidas nos mencionados pontos nºs 24, 25, 26 e 28, já que a prova produzida não impõe (como é suposto pelo nº 1 do art. 662º) decisão diversa.
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No concernente à impugnação apresentada pelos demais apelantes, pretendem estes que a materialidade acolhida no ponto nº 30 transite para o elenco dos factos não provados.
Nesse ponto deu-se como provado que «Quando foi celebrada a escritura referida em 8 dos Factos Provados [ou seja, a escritura de compra e venda celebrada, a 13 de março de 2012, entre a ré “O..., Ldª” e os ora apelantes e que teve por objeto mediato as frações autónomas designadas pelas letras “A”, “B” e “C” do prédio urbano sito na Rua ..., na Quinta..., freguesia ... do concelho de Aveiro, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ...] , a 1ª Ré e os RR. DD e mulher CC sabiam que a compra das frações A, B e C pela sociedade O..., L.da, havia sido feita unicamente para as subtrair aos credores do ora A. e não para transferir para o comprador O..., L.da, o direito de propriedade das mesmas, transferência que sabiam nem o A. nem a BB quiseram pessoalmente e como gerente da sociedade fazer».
Na motivação da decisão de facto referente a esse ponto o juiz de 1ª instância discreteou nos seguintes termos: “[o] A., nas declarações de parte que prestou, disse que o inquilino da fração “C” lhe contou que iam ser vendidas as frações “A”, “B” e “C” à “R ...”. O A. ficou muito admirado, foi falar com a advogada da O..., L.da, a Dra. WW, e esta disse-lhe que estivesse descansado que a Ré BB não venderia as frações. Foi falar novamente com o inquilino da fração “C” e este mostrou-lhe a carta que tinha recebido da O..., L.da, a comunicar a venda das frações. Foi à “R ...”, viu os donos todos bem preparados e disse-lhes que eles bem sabiam que as frações eram dele. Pediu ao filho que fosse ao Cartório Notarial e que tentasse impedir a escritura. A escritura foi feita meio ano depois.
Estas declarações foram conjugadas com o depoimento das testemunhas: - TT, que disse ter ido ao Cartório Notarial, a pedido do pai, avisar a Notária que os bens eram do pai e que nesse dia não se fez a escritura. O pai disse-lhe que já tinha falado com os senhores da “R ...”, mas que, por via das dúvidas, fosse ao Notário; - UU, que disse ter ido falar com os senhores da “R ...”, a pedido do A., para dizer que os imóveis eram deste. Estes responderam evasivamente que estava o assunto na advogada, que esta é que ia decidir se eles compravam os imóveis.
Por outro lado, parece credível, depois de assistir às declarações do A., que este tivesse tido o cuidado, depois de fevereiro de 2009, de avisar os inquilinos de que a venda tinha sido “fictícia”.
Colocados perante a transcrita motivação da decisão de facto, os apelantes sustentam que, ao invés do que foi decidido pelo tribunal de 1ª instância, os depoimentos prestados em julgamento “mereciam uma valoração completamente diversa daqueles que lhes foi dada, com óbvias e inevitáveis consequências ao nível da convicção do tribunal”, indicando de seguida excertos das declarações prestadas pelo autor e bem assim dos depoimentos das testemunhas TT e UU que, na leitura que deles fazem, permitem demonstrar o erro na apreciação da prova e justificam a alteração do ponto nº 30 no sentido que preconizam.
Ora, como já se teve ensejo de referir, para este efeito impugnatório, não basta a mera indicação, sem mais, de um determinado meio de prova, e também se revela insuficiente no que respeita à prova pessoal, o extrato de uma simples declaração de testemunha ou das próprias partes, sem correspondência com o sentido global dos depoimentos produzidos de tal modo que não permita consolidar uma determinada convicção acerca de matéria controvertida, circunstância que, pelas razões já anteriormente alinhadas, importaria a improcedência deste segmento impugnatório.
De qualquer modo, depois de se proceder à audição do registo fonográfico dos depoimentos produzidos em julgamento verifica-se que essa prova pessoal (em especial as declarações prestadas pelo autor e bem assim os depoimentos produzidos pelas testemunhas TT, UU, XX e RR) é de molde a justificar razoavelmente a emissão de um juízo positivo sobre a factualidade em crise à luz de um critério ou standard de “probabilidade prevalecente”, isto é, num juízo de preponderância em que esse facto provado se apresente, fundadamente, como mais provável ter acontecido do que não ter acontecido[14].
Assim, o autor declarou que, em diversas ocasiões e muito antes de os apelantes terem celebrado a escritura a que se alude no ponto nº 8 dos factos provados, lhes transmitiu que as frações autónomas que vieram a constituir objeto do negócio aí documentado lhe pertenciam e que o contrato que havia sido formalizado com a sociedade “O..., Ldª” (concretizado por intermédio de escritura pública outorgada em julho de 2002 – na qual os ditos apelantes tiverem intervenção para os efeitos mencionados nos factos provados nºs 5 e 7, isto é, para declararem que renunciavam em nome da sociedade “R..., Ldª” ao direito de preferência na compra das frações “A” e “B” que esta ocupava como arrendatária) havia sido “forjado” para evitar que os imóveis fossem penhorados pelos seus credores; acrescentou que os recorrentes estavam perfeitamente a par dessa realidade, tanto assim que em várias ocasiões lhe pagaram diretamente as rendas devidas pela ocupação das mencionadas frações.
A testemunha TT afiançou que os réus sabiam que as frações “A”, “B” e “C” apesar de formalmente constarem como sendo pertencentes à ré “O..., Ldª” eram, de facto, propriedade do autor já que este alertara os apelantes ainda antes da escritura que veio a ser formalizada em 13 de março de 2012 de que essas frações eram suas e que a venda das mesmas para a indicada sociedade foi fictícia, sendo ele (autor) quem ia receber as rendas. Acrescentou que a solicitação do demandante – em virtude de este ter tido conhecimento que iria ser celebrada escritura de venda das ditas frações pela sociedade “O..., Ldª” aos ora apelantes – dirigiu-se ao cartório notarial onde esse ato iria ser formalizado “onde estava lá o meu irmão [o interveniente HH], estavam lá os advogados, os senhores da “R ...” [reporta-se aos ora apelantes, que são as pessoas que há vários anos vinham desenvolvendo a sua atividade comercial nas frações “A” e “B”, que esse ente societário ocupava na qualidade de arrendatário] não posso precisar se estavam (…), levei alguns documentos, falei com a notária e nesse dia não foi feita a escritura por a notária se ter recusado realizá-la (…), depois foi feita muito mais tarde, quando ninguém soube”.
A testemunha UU declarou que numa determinada ocasião (não sabendo concretizar exatamente quando), a pedido do autor, foi “falar com os senhores da R ... para os avisar de que as frações eram do AA [o ora autor]”.
A testemunha XX (filha do autor) referiu que mesmo após 2002 quem geria as frações que vieram a ser adquiridas pelos apelantes era o autor, tendo-o acompanhado por várias vezes à “R ...” onde os respetivos sócios procediam ao pagamento das rendas diretamente ao próprio demandante, facto este igualmente atestado pela testemunha RR que adiantou ainda que na zona “toda a gente sabia que o prédio pertencia ao AA [o ora autor]”.
Os mencionados depoimentos apontam, pois, razoavelmente no sentido de que os apelantes, algum tempo antes da escritura que veio a ser formalizada em março de 2012, foram alertados para o facto de que as frações de que eram arrendatários não pertenciam efetivamente à ré “O..., Ldª” mas antes ao ora autor.
Neste conspecto, cabe sublinhar que os recorrentes laboram num equívoco quanto ao verdadeiro sentido da materialidade acolhida no ponto factual objeto de impugnação, porquanto o que está em causa não é propriamente saber se, no ano de 2002 (data em que foi outorgada a escritura pública que ficou a documentar o contrato de compra e venda entre o autor e a ré “O..., Ldª” - e na qual, como se deu nota, os apelantes tiveram intervenção para declararem que renunciavam em nome da sociedade “R..., Ldª” ao direito de preferência na compra das frações “A” e “B” que esta ocupava como arrendatária) tinham conhecimento que essa venda era fictícia, estando antes em causa dilucidar se contemporaneamente com a celebração da escritura referida no ponto nº 8 dos factos provados (ou seja, março de 2012) sabiam que essa venda havia sido “simulada” e que o verdeiro proprietário das ditas frações seria, afinal, o ora demandante.
Ora, ponderando os enunciados meios probatórios, não se verifica razão bastante para divergir do sentido decisório que foi acolhido na sentença recorrida, já que a argumentação expendida pelos apelantes não teve, quanto a nós, o condão de desconstruir a motivação adrede tecida nesse ato decisório.
Como anteriormente se enfatizou, para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação da “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.
De qualquer modo, não obstante se garantir no atual sistema processual civil um duplo grau de jurisdição, nomeadamente quanto à reapreciação da matéria de facto, não podemos ignorar que continua a vigorar entre nós o princípio da livre apreciação da prova, conforme decorre do art.º 607º, nº 5, ao estatuir que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)”
Assim, apesar da distância entre esta Relação e as provas e o modo como conheceu de algumas delas – no tocante à prova pessoal, através da audição do registo fonético – não há motivo para concluir que o tribunal de que provém o recurso, ao decidir julgar provada à facticidade vertida no referido ponto nº 30, tenha incorrido – por violação das regras da ciência, da lógica ou da experiência – em qualquer error in iudicando, por erro na avaliação das provas. Dito doutro modo: apesar dos condicionalismos em que se conhece das provas – marcados pela ausência de imediação – a convicção que esta Relação delas extrai, coincide com a convicção firmada pelo julgador de 1ª instância.
Como assim, deve tal materialidade continuar a constar do elenco dos factos provados.
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3. FUNDAMENTOS DE DIREITO
3.1. Da simulação do contrato de compra e venda celebrado entre o autor (como vendedor) e a ré “O..., Ldª” (como compradora)

Postula o nº 1 do art. 240º do Cód. Civil que “[s]e, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado”.
Portanto, como decorre da exegese do inciso transcrito, a qualificação de um negócio como simulado está dependente do preenchimento de três requisitos: (i) um acordo entre o declarante e o declaratário; (ii) que suporta uma divergência intencional entre a vontade e a declaração; (iii) com o intuito de enganar terceiros.
Posto isto, importa dilucidar se, no caso vertente, se mostram verificados os enunciados pressupostos normativos.
Desde logo, no que tange ao primeiro desses requisitos, verifica-se que apesar de na escritura pública (realizada em 2 de julho de 2002) que titula o contrato de compra e venda resultar que o autor declarou vender à ré “O..., Ldª” que, por seu turno, declarou comprar as frações identificadas nesse ato notarial, o certo é que, tal como deriva do quadro factual que logrou demonstração, apurou-se não ter sido essa a vontade real dos outorgantes no momento da formalização desse negócio, posto que nem o primeiro teve qualquer intenção de vender esses imóveis, nem a segunda agiu com o propósito de os adquirir.
Do mesmo modo provado está o conluio, a mancomunação, consistente em as partes terem concretizado intencional e concertadamente um ato que, afinal, não quiseram realizar, porquanto as declarações negociais vertidas nessa escritura não correspondiam à vontade real dos respetivos contraentes, pois que estes apenas pretendiam evitar o risco de os mencionados imóveis virem a ser penhorados, criando, portanto, a aparência de que os mesmos já não estariam na esfera jurídica do vendedor e, com isso, enganar os seus credores, subtraindo esse componente ativo do seu (dele, autor) património que, como deflui do art. 601º do Cód. Civil, representa a garantia geral (ou comum) dos créditos daqueles.
Destarte está-se em presença de uma situação que consubstancia uma simulação absoluta, dado que os outorgantes apenas na aparência celebraram um contrato de compra e venda, quando é facto que na realidade nenhum contrato quiseram realizar, o que implica, por conseguinte, a sua nulidade nos termos do nº 2 do citado art. 240º. O negócio assim firmado acha-se privado do elemento psicológico - a vontade de ambos os contraentes - e isso é bastante para lhe retirar valor jurídico, de modo particularmente evidente segundo a teoria da responsabilidade.
Em consonância com o que se dispõe no art. 286º do Cód. Civil, ex vi do nº 1 do art. 242º do mesmo diploma legal, tal vício genético pode ser invocado por qualquer interessado, isto é, pelo titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica, como prática, seja afetada pelo negócio simulado, sendo certo que este último normativo expressamente confere legitimidade aos próprios simuladores para arguirem a simulação entre eles, mesmo que esta seja fraudulenta,
Consequentemente, operando a nulidade nos moldes descritos, a mesma tem como efeito, nos termos do art. 289º do Cód. Civil, a repristinação ou reposição do status quo ante, o que implica o dever de a simuladora adquirente restituir ao simulador vendedor os bens que (formalmente) constituíram objeto mediato do ajuizado contrato de compra e venda, como, aliás, se decidiu na sentença recorrida.
Impõe-se, por isso, a improcedência do recurso interposto pela ré “O..., Ldª”.
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3.2. Da (in)oponibilidade dos efeitos da declaração da nulidade da simulação pelo autor contra os réus CC e DD

Como se viu, entre os fundamentos em que filiam a sua pretensão recursória, os apelantes CC e DD advogam que, mesmo no caso de ser considerar que o contrato de compra e venda celebrado entre o autor e a ré “O..., Ldª” foi absolutamente simulado, ainda assim os efeitos da nulidade decorrente da afirmação desse vício genético ser-lhe-ão concretamente inoponíveis por serem terceiros de boa-fé, invocando em arrimo jurídico desse seu posicionamento a regra vertida no art. 291º do Cód. Civil.
Conforme pressupõe o citado art. 289º do Cód. Civil, a retroatividade da declaração de nulidade do contrato simulado opera, em regra, tanto em relação às partes como no confronto destas com terceiros.
Trata-se da situação que a doutrina[15] designa por invalidade derivada ou invalidade em cadeia. Daí que sendo, in casu, nulo (por simulação) o negócio celebrado entre o autor e a ré “O..., Ldª”, também o será, em princípio, o contrato que esta firmou com os ditos apelantes, em virtude de se tratar de uma venda de bens alheios, carecendo, pois, a vendedora de legitimação substantiva para a realização desse negócio translativo.
Já se deu nota que a lei (nº 1 do art. 242º do Cód. Civil) confere legitimidade aos próprios simuladores, mesmo que a simulação seja fraudulenta, para arguirem a simulação entre eles.
Essa legitimidade é, todavia, circunscrita por outras regras previstas na lei substantiva, mormente pela norma invocada pelos recorrentes, onde se consagra uma situação de inoponibilidade[16] da nulidade do negócio jurídico a terceiros de boa-fé que reúnam as condições definidas nesse preceito legal.
Antes, porém, de avançar para a decisão do enunciado fundamento recursório, há que assentar que a norma a convocar para esse efeito não é a invocada pelos apelantes (art. 291º), mas antes a regra plasmada no art. 243º do Cód. Civil, o qual, conforme tem sido salientado na doutrina e jurisprudência [17], é uma norma especial relativamente àquela: o art. 243º rege apenas para as relações entre simuladores e terceiros de boa-fé a quem a declaração de nulidade afeta; já se a simulação for invocada por terceiros de boa-fé contra terceiros de boa-fé, deve recorrer-se ao regime geral da nulidade, o que implica remissão para o art. 291º do Cód. Civil.
Dispõe o nº 1 do citado art. 243º que “[a] nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa-fé”.
Trata-se de um preceito que constitui uma exceção ao regime geral da nulidade, impossibilitando o simulador de invocar o vício contra terceiro que nele confiou [18]. Procura-se, desse modo, responder a dois problemas: por um lado, salvaguardar os terceiros de boa-fé e, consequentemente, o próprio comércio jurídico e, por outro lado, impedir que os sujeitos prevaricadores recorram aos mecanismos disponibilizados pelo sistema com o simples propósito de procurar o seu benefício pessoal.
Questão que então se coloca é a de saber se, in casu, os apelantes podem, ou não, neutralizar a invocação do afirmado vício de nulidade por estarem de boa-fé.
A propósito deste conceito o legislador avançou, no nº 2 do citado normativo, uma definição do mesmo, preceituando que “[a] boa-fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os respetivos direitos”.
Como é consabido, tem-se discutido[19] se o conceito de boa-fé consagrado no inciso transcrito se circunscreve a uma dimensão puramente psicológica (ou seja, é indiferente que o terceiro dito de boa-fé tenha atuado de forma negligente e desatenta) ou se assume antes uma dimensão ética (isto é, apenas relevam os desconhecimentos ou ignorâncias não culposas).
Embora a resposta à questão não seja líquida afigura-se-nos ser de sufragar o entendimento adrede defendido por MENEZES CORDEIRO[20]que, convocando as coordenadas jurídico-científicas gerais e apelando à interpretação sistemática e teleológica, considera tratar-se de “uma boa fé subjetiva ética, pois não faz qualquer sentido sustentar que a tutela é dispensada a quem, com culpa – portanto: violando concretos deveres de indagação ou de conhecimento que ao caso caibam – desconheça o que devia conhecer”. Dito de outro modo, para este efeito, está de boa-fé aquele que, agindo com o cuidado requerido ao bonus pater famílias, desconheça o ocorrido.
Balizado deste modo o aludido conceito de terceiro de boa-fé, resulta claro que os apelantes não podem beneficiar da inoponibilidade do decretado vício de nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda firmado entre autor e a ré “O..., Ldª”, já que, como resulta do substrato factual apurado, aquando da celebração do negócio que com esta celebraram em 13 de março de 2012 (documentado na escritura pública a que se alude no ponto nº 8 dos factos provados) eram sabedores que aquela primeira operação negocial foi feita unicamente para subtrair os imóveis que constituíram objeto mediato da mesma “aos credores do ora autor e não para transferir para o comprador O..., Ldª, o direito de propriedade dos mesmos, transferência que sabiam nem o autor nem a BB quiseram pessoalmente e como gerente da sociedade fazer”.
Deste modo, a retroatividade da declaração de nulidade supra reconhecida estende os seus efeitos igualmente ao contrato em que os apelantes figuraram como adquirentes, já que essa consequência liquidatória não é, em concreto, comprimida pela (inoperante) invocação da inoponibilidade.
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3.3. Do abuso de direito do autor

Os apelantes CC e DD rematam as suas alegações recursivas advogando que a conduta do autor ao intentar a presente ação configurará abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, “não podendo este Tribunal aceitar e permitir que alguém que se furta ao pagamento dos seus credores 13 anos depois venha dizer afinal o património é meu, impedindo os ora recorrentes de poderem reaver os valores pagos pelos imóveis”.
De acordo com a regra que no nosso ordenamento jurídico consagra a aludida figura (cfr. art. 334º do Cód. Civil) “[É] ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Como escreve MENEZES CORDEIRO[21], o abuso do direito constitui uma forma tradicional para exprimir a ideia do exercício disfuncional de posições jurídicas, isto é, do exercício concreto de posições jurídicas que, embora correto em si, acabe por contundir com o sistema jurídico na sua globalidade, ou seja, como um princípio que entende deter uma atuação que, em primeira linha, se apresentaria legítima.
Tanto a nível doutrinário como jurisprudencial o abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium, tem vindo a ser encarado à luz da tutela das doutrinas da confiança ou das doutrinas negociais, consoante a situação em apreço, surgindo o princípio da confiança - como ressalta o mencionado autor[22]- “como uma mediação entre a boa-fé e o caso concreto. Ele exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas.”
No entanto, como não podia deixar de ser, a tutela da confiança, apoiada na boa-fé, somente pode ser tutelada desde que se verifiquem determinadas condições que o referido autor, em outra obra[23], considera serem as seguintes:
1.ª Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa-fé subjectiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;
2.ª Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocar uma crença plausível;
3.ª Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;
4.ª A imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante; tal pessoa por acto ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tanto conduziu.
Em idêntico sentido se expressou BATISTA MACHADO[24], sustentando que a proibição do “venire” se caracteriza pela conformidade à ideia de justiça distributiva que os riscos originados na credibilidade da conduta anterior do agente não devam ser suportados por quem, dentro da normalidade da vida de relação acreditou na mensagem irradiada pelo significado objectivo da conduta do mesmo agente e que, por outro lado, seja possível alcançar esse resultado sem sujeitar tal agente a uma obrigação, sem lhe impor a constituição de um vínculo, mas pelo simples de desencadear um efeito inibitório ou inabilitante, que carece de fundamento bem mais ténue que aquele que exigiria a constituição de uma obrigação.
De igual forma, entende o referido Autor que se deve verificar uma situação objectiva de confiança, no sentido de que a confiança digna de tutela tem de radicar numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a uma dada situação futura e que, directa ou indirectamente, revele a intenção do agente de se considerar vinculado a uma determinada atitude no futuro.
Em segundo lugar, que o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica apenas surjam quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a sua confiança legítima vier a ser frustrada e que tal dano não seja removível através de outro meio jurídico capaz de conduzir a uma situação satisfatória, no sentido de que o recurso a esta proibição é sempre um último recurso e, por último, que exista boa-fé da contraparte que confiou e tenha agido com o cuidado e as precauções usuais no tráfico jurídico.
Ainda em idêntico sentido milita ALMEIDA COSTA[25], que considera que a proibição do venire exige, para além da situação objectiva de confiança e a boa-fé do sujeito que confiou, o investimento na confiança que corresponde às mudanças na vida do destinatário do factum proprium que evidenciam tanto a expectativa nele criada como revelam os danos que resultarão da falta de tutela eficaz para aquele, bem como que, subjectivamente, se encontre numa posição de boa-fé, no sentido de que tenha agido na suposição de que o autor do factum proprium estava vinculado a adoptar a conduta prevista e que, ao formar tal convicção tenha tomado todos os cuidados e precauções usuais no tráfico jurídico, os quais deverão ser tanto maiores quanto mais vultuosos forem os investimentos inspirados na confiança.
Analisados os pressupostos de que se deve fazer depender a aplicação de tal princípio vejamos, agora, por cotejo com a realidade que pode ser colhida nos autos, se os mesmos se verificam, isto é, se é de imputar ao autor, uma conduta enformadora de abuso do direito, sendo que este, de acordo com a formulação que do mesmo se colhe no citado art. 334.º, tem de ser manifesto.
Ora, não se antolha em que medida a atuação do demandante possa configurar um “venire”, não se vislumbrando em que medida a sua atuação em toda a situação que esteve na base da propositura da presente ação declaratória permita afirmar estar a exercer o seu direito em contradição com a sua conduta anterior; pelo contrário, já que, como oportunamente se referiu, sempre manifestou aos ora apelantes que os imóveis lhe pertenciam e, nessa medida, estariam estes cientes que poderiam ser confrontados com a propositura de uma ação como a presente, sendo certo que nada alegaram que permitisse concluir que aquele lhes criou a expetativa de não querer exercitar o seu direito. Registe-se ainda que o argumento que invocam no sentido de estarem impossibilitados “de reaver os valores pagos pelos imóveis” não colhe já que, em conformidade com a lei substantiva, não estão sequer impedidos de demandar diretamente a vendedora dos mesmos à luz do disposto no art. 892º do Cód. Civil, por carecer esta de legitimidade para a realização do negócio (afetado, nos termos expostos, de nulidade sequencial) que com eles firmou.
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III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar as apelações improcedentes, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo dos apelantes (art. 527º, nºs 1 e 2).

Porto, 21.03.2022
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
Pedro Damião e Cunha
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[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225; no mesmo sentido milita REMÉDIO MARQUES (in A ação declarativa, à luz do Código Revisto, 3ª edição, págs. 638 e seguinte), onde critica a conceção minimalista sobre os poderes da Relação quanto à reapreciação da matéria de facto que vem sendo seguida por alguma jurisprudência.
[3] Isso mesmo é ressaltado por ABRANTES GERALDES, in Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, 3ª ed. revista e ampliada, pág. 272.
[4] Assim ABRANTES GERALDES Recursos, pág. 299 e acórdãos do STJ de 03.11.2009 (processo nº 3931/03.2TVPRT.S1) e de 01.07.2010 (processo nº 4740/04.7TBVFX-A.L1.S1), ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[5] Cfr., neste sentido, PIRES DE SOUSA, As malquistas declarações de parte, in Julgar on line (julho de 2015), págs. 14 e seguinte.
[6] Provas – Direito Probatório Material, BMJ nº 112, em especial págs. 236 e seguintes.
[7] Cfr., por todos, na doutrina, CARVALHO FERNANDES, in Estudos sobre a simulação, Quid Juris, 2004, págs. 45 e seguintes, BARRETO CORDEIRO, in Da simulação no Direito Civil, Almedina, 2014, págs. 134 e seguintes e PIRES DE SOUSA, in Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, págs. 212 e seguintes; na jurisprudência, acórdãos do STJ de 17.06.2003 (processo nº 03A1565), de 5.06.2007 (processo nº 758/06.3TBCBR-BP1.S1), de 9.07.2014 (processo nº 5944/07.6TBVNG.P1.S1) e de 7.02.2017 (processo nº 3071/13.6TJVNF.G1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[8] Cfr., neste sentido, acórdão do STJ de 15.09.2011 (processo nº 1079/07.0TVPRT.P1.S1), de 2.12.2013 (processo nº 34/11.0TBPNI.L1.S1) e de 22.10.2015 (processo nº 212/06), acórdãos desta Relação de 5.11.2012 (processo nº 434/09.5TTVFR.P1) e de 17.03.2014 (processo nº 3785/11.5TBVFR.P1) e acórdãos da Relação de Guimarães de 15.09.2014 (processo nº 2183/12.TBGMR.G1) e de 15.10.2015 (processo nº 132/14.8T8BCL.G1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[9] Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto, pág. 4 e seguinte, trabalho disponível em www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf. Idêntico entendimento vem sendo acolhido na jurisprudência, de que constituem exemplo, inter alia, os acórdãos do STJ 15.09.2011 Processo nº 1079/07.0TVPRT.P1.S1de 2.12.2013 (processo nº 34/11.0TBPNI.L1.S1) e de 22.10.2015 (processo nº 212/06), acórdãos desta Relação de 5.11.2012 (processo nº 434/09.5TTVFR.P1) e de 17.03.2014 (processo nº 3785/11.5TBVFR.P1) e acórdãos da Relação de Guimarães de 15.09.2014 (processo nº 2183/12.TBGMR.G1) e de 15.10.2015 (processo nº 132/14.8T8BCL.G1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[10] A este respeito vem-se discutindo se as presunções constituem verdadeiros meios de prova, ou antes (como nos parece preferível) apenas meios lógicos ou mentais da descoberta de factos ou operações probatórias que se firmam mediante regras da experiência – cfr., sobre a questão, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, pág. 312 (que perfilham a primeira das enunciadas teses) e ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, pág. 236 (que propende para a segunda das referidas posições).
[11] Cfr., inter alia, acórdão do STJ de 19.01.2017 (processo nº 841/12.6TBMGR.C1.S1) e acórdãos da Relação de Lisboa de 29.09.2005 (processo nº 9549/2004) e de 27.05.2010 (processo nº 1684/05), disponíveis em www.dgsi.pt.
[12] Como, a este respeito, sublinha PIRES DE SOUSA (in Prova por presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, pág. 226), um dos indícios mais operativos em sede de simulação é o indício affectio, gerado pelas relações familiares, de amizade, de dependência, de negócios, profissionais ou de dependência, anteriormente firmadas entre o simulador e o seu coautor e que vinculam este àquele por um motivo de tal índole. O simulador escolhe como parceiro negocial uma pessoa da sua confiança porque pretende preservar o negócio dissimulado (ou o objetivo final que preside à sua atuação) e subtraí-lo a qualquer risco que ponha em causa a sua subsistência.
[13] Como refere PIRES DE SOUSA (ob. citada, pág. 228), constitui tal indício “a incapacidade financeira ou desproporcionalidade entre os meios económicos do adquirente e os encargos que o mesmo assume nos termos declarado no negócio simulado”.
[14] Sobre a questão, cfr., entre outros, na doutrina, PIRES DE SOUSA, in Direito probatório material, págs. 55 e seguintes e, na jurisprudência, acórdão do STJ de 6.12.2011 (processo nº 1675/06.2TBPRD.P1.S1), acessível em www.dgsi.pt.
[15] Cfr., sobre a questão, entre outros, MENEZES CORDEIRO, in Tratado de Direito Civil – I Parte Geral, tomo 1º, 3ª edição, Almedina, págs. 876 e seguintes e CLARA SOTTO MAYOR em anotação ao artigo 289º do Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, págs. 717 e seguintes.
[16] A doutrina tem classificado a inoponibilidade como uma modalidade de ineficácia relativa, consistindo na insusceptibilidade de projetar, na esfera jurídica de alguns sujeitos, os efeitos de certo ato.
[17] Cfr., por todos, na doutrina, CARVALHO FERNANDES, in Estudos sobre a simulação, Quid Juris, 2004, págs. 102 e seguintes; na jurisprudência, acórdão do STJ de 25.03.2003 (processo nº 03A670), acessível em www.dgsi.pt.
[18] Cfr., neste sentido, entre outros, BARRETO MENEZES CORDEIRO, in Da simulação no Direito Civil, Almedina, 2014, págs. 97 e seguinte, onde escreve que “na prática, a aplicação do regime geral da nulidade à simulação funcionaria como uma garantia para os simuladores: sempre que os propósitos prosseguidos se vissem gorados, poderiam invocar a nulidade do negócio”.
[19] Cfr., sobre a questão, MENEZES CORDEIRO, ob. citada pág. 846 e seguinte CARVALHO FERNANDES, ob. citada, págs. 107 e seguintes
[20] Ob. citada, pág. 847; em análogo sentido milita BARRETO CORDEIRO, in Código Civil Comentado – I Parte Geral, Almedina, 2020, pág. 721, onde aponta três razões para afastar o entendimento de que o conceito de boa-fé utilizado na mencionada dimensão é puramente psicológico e não de boa-fé ética, concretamente: “a) o Direito iria premiar os néscios, os indolentes e os não-diligentes: nunca sabem nada; b) o sistema iria abdicar de conduzir as condutas humanas; c) a prova seria muito difícil: o juiz não pode (nem deve) entrar no espírito das pessoas”.
[21] In Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa in agendo, Almedina, 2006, págs. 33 e seguintes.
[22] Ob. citada, pág. 51.
[23] Tratado de Direito Civil Português, Tomo IV, págs. 299 e seguintes.
[24] Tutela da confiança e venire contra factum proprium, in Obra Dispersa, vol. I, Scientia Iuridica, 1991, págs. 407 e seguintes.
[25] In Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 129, pág. 62.