TIR
NOMEAÇÃO DE INTÉRPRETE
NULIDADE
Sumário

A falta de nomeação de intérprete” (ou, o mesmo é dizer, a omissão de tradução de atos processuais a arguido estrangeiro que não entende a língua portuguesa) configura uma nulidade “dependente de arguição”.
Essa nulidade pode afetar, obviamente, a prestação de T.I.R. (a comunicação ao arguido das obrigações decorrentes da prestação de T.I.R.), e, bem assim, a validade de qualquer notificação que tenha de ser feita ao arguido.
Só que tal nulidade é uma nulidade relativa (ou seja, “dependente de arguição”), por força do disposto no artigo 120º, nºs 1 e 2, do C. P. Penal, existindo prazos para que tal nulidade possa ser invocada, findos os quais, como é bom de ver, a nulidade em causa se considera sanada.
Esses prazos (perentórios) estão previstos nos artigos 120º, nº 3, e 105º, nº 1, do C. P. Penal, sendo certo que o ora recorrente não arguiu a nulidade em apreço dentro de qualquer deles (nem durante a audiência de discussão e julgamento, na qual esteve presente - devidamente assistido pela sua Ilustre defensora oficiosa e por interprete idóneo -, nem no prazo do recurso da sentença condenatória, que transitou em julgado, nem sequer no prazo de recurso do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão - despacho que também já transitou em julgado -.
Em conclusão: mesmo que se considere, como alegado na motivação do recurso, que o ato de prestação do T.I.R. foi inválido, por omissão de tradução das obrigações decorrentes do T.I.R., tal consubstancia a prática de uma nulidade “dependente de arguição”, nos termos do preceituado no artigo 120º, nºs 1 e 2, do C. P. Penal, a qual, como resulta do processado acima referido, está, e desde há muito tempo, sanada, não tendo sido tempestivamente invocada nos autos.

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - RELATÓRIO

Nos autos de Processo Sumário com o nº 53/19.8GACUB, do Juízo de Competência Genérica de Cuba, foi proferido, em 09-12-2021, despacho judicial que indeferiu uma nulidade invocada pelo arguido.

O arguido, inconformado, interpôs recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

“I) Antes de mais, o presente recurso vem interposto do douto despacho proferido pelo Juízo de Competência Genérica de Cuba, pertencente ao Tribunal Judicial da Comarca de Beja, datado de 09/12/2021, que decidiu inferir a nulidade prevista no artigo 119.º alínea c) do C.P.P., invocada pelo Arguido, no seu requerimento de 04/12/2021.

II) Tendo entendido o Tribunal a quo que não se verifica a nulidade insanável prevista no artigo 119.º alínea c) do C.P.P., fundamentada pelo Arguido quer na sua ausência à audição a que alude o artigo 495.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, quer na falta do exercício do seu contraditório mínimo, por alegada falta de fundamento legal, o que não pode o merecer o acompanhamento e o aplauso do Recorrente em qualquer medida.

III) Por conseguinte, ainda que no douto despacho sob impugnação o Tribunal a quo tenha sufragado o entendimento que o Arguido prestou o T.I.R. de forma válida, compulsados os autos, facilmente se verifica que o Arguido é de nacionalidade moldava, não tendo conhecimento nem mínimo domínio da Língua Portuguesa.

IV) Razão pela qual devia-lhe ter sido nomeado intérprete idóneo logo nos atos iniciais do processo de constituição de arguido e da prestação do T.I.R., como dispõe o artigo 92.º, n.º 2 do C.P.P., tendo, no entanto, ocorrido falta de nomeação de intérprete e falta de tradução ao Arguido destes atos processuais, o que consubstancia a verificação de invalidades que foram anteriormente invocadas em recurso interposto de despacho judicial anteriormente proferido nos presentes autos.

V) Como se pode constatar nos autos, o Arguido prestou o T.I.R. em português, quando o mesmo é moldavo e não compreende nem domina minimamente o português, muito menos de linguagem de recorte jurídico e processual.

VI) Razões pelas quais não pode proceder de qualquer modo o entendimento propugnado pelo Tribunal recorrido de que a prestação de T.I.R. pelo Arguido foi efetuada de forma válida.

VII) Por sua vez, é de sublinhar que a omissão e inexistência de intérprete e de tradução ao Arguido de tais atos de constituição de arguido e de prestação de T.I.R. fez toda a diferença nos presentes autos, em claro e notório prejuízo para o Arguido, quando este, sem qualquer consciência e noção de que estava adstrito ao cumprimento dos deveres decorrentes do artigo 196.º, n.º 3 do C.P.P., acabou por alterar a sua residência sem informar o Tribunal acerca da sua nova morada.

VIII) Consequentemente, todas as notificações que foram efetuadas por via simples com depósito para a morada constante do T.I.R. não foram recebidas pelo Arguido, nem lhes foram de qualquer modo entregues, acabando, assim, o Recorrente por não vir a ter qualquer conhecimento do que lhe foi transmitido em tais notificações.

IX) Ora, assim sendo, entre tais notificações por via simples que não chegaram ao conhecimento do Arguido incluem-se a notificação do despacho que designou a realização da audição prevista no artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. e para a sua comparência nessa audição, bem como o despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão.

X) Tendo ainda, como o próprio Tribunal a quo reconhece no seu despacho, o órgão de polícia criminal, no dia 28/01/2020, responsável pela notificação do Arguido do despacho que designou a realização da audição a que alude o artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P., informado os presentes autos que não foi possível efetivar a notificação do Arguido por contacto pessoal, por o mesmo não se encontrar na morada constante do T.I.R.

XI) Por outro lado, a suspensão da execução da pena, como pena de substituição, quando revogada nos termos do disposto no artigo 56.º, do C.P., não pode deixar de determinar uma alteração in pejus do conteúdo decisório da sentença condenatória, até porque a perda da liberdade por parte do condenado constitui o seu efeito direto e mais radical.

XII) Daí que o Legislador tivesse rodeado das maiores cautelas a prolação da decisão que implique, quer a revogação da suspensão da execução da pena, quer a modificação dos deveres, regras de conduta e outras obrigações impostas ao arguido na sentença condenatória, exigindo para tal, e entre o mais, a prévia audição do Arguido, como decorre do disposto nos artigos 492.º e 495.º, ambos do C.P.P.

XIII) Cautelas essas que, tidas pelo Legislador, não podem deixar de ser extensíveis à notificação das mesmas decisões judiciais, como pressuposto indispensável para assegurar, de uma forma efetiva e real, o respeito pelo direito ao recurso, constitucionalmente garantido no n.º 1, do artigo 32.º da Lei Fundamental e por via do qual é proporcionada ao Arguido, afetado pelas mesmas decisões, a possibilidade de as impugnar.

XIV) Destarte, as razões em que encontra fundamento a exigência de notificação da sentença tanto ao arguido como ao seu defensor são transponíveis e aplicáveis tanto à notificação para comparência na audição prevista no artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P como à notificação do despacho de revogação da suspensão da pena, tendo em conta as consequências nele implicadas para o condenado.

XV) Além disso, na fase em que se coloca a possibilidade de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, a ligação entre o condenado e o seu defensor, seja constituído, seja nomeado (mais principalmente nesta segunda hipótese e é esta que corresponde ao caso concreto), é em regra mais frouxa que na altura da sentença.

XVI) Pois aqui está-se no culminar do processo, no seu momento mais importante, ao passo que, estando transitada a sentença que suspendeu a execução da pena, o condenado já deu no seu íntimo o processo por encerrado, quebrando frequentemente as vias de comunicação com o defensor, designadamente por mudança de residência ou ausência prolongada, estando extinta a obrigação decorrente do artigo 196.º, n.º 3, alínea b), por força do disposto no artigo 214.º, n.º 1, alínea e), ambos do C.P.P.

XVII) Ainda para mais no caso concreto quando o Recorrente apenas falou com a Defensora que lhe foi nomeada durante poucos minutos antes da realização da audiência de julgamento, não se tendo estabelecido qualquer contacto posteriormente entre o Arguido e a Defensora.

XVIII) Acabando tal Defensora, com o devido respeito, por não exercer uma defesa eficaz e condigna do Arguido e deixa transitar todas as decisões suscetíveis de recurso, incluindo o despacho revogatório da suspensão da pena e que determinou o cumprimento por este de pena de prisão de três anos.

XIX) De facto, à luz do disposto no artigo 495.º, n.º 2, do C.P.P., essa solução de impor que o condenado se pronuncie pessoalmente na presença do juiz, e não por meio de alegação escrita do defensor, releva da necessidade de garantir um efetivo direito de defesa, não podendo deixar de ser também querido no momento da comunicação da decisão.

XX) Até por maioria de razão, uma vez que, tendo-se passado da mera possibilidade de ser determinado o cumprimento da pena de prisão à sua certeza, coloca-se então com mais acuidade a necessidade de se assegurar a defesa do condenado, designadamente o seu direito ao recurso, objetivo que só é cabalmente conseguido se for possibilitado ao Arguido o conhecimento do conteúdo da decisão judicial, o que não se pode ter como alcançado apenas com a notificação do defensor, pelas razões já apontadas.

XXI) Perante o supra exposto, só pode concluir-se que o texto da lei, no artigo 113.º, n.º 10, do C.P.P., ao falar apenas em sentença e não em decisões com alcance similar, como o despacho de revogação da suspensão da pena, ficou aquém do pensamento legislativo, devendo, em consequência, numa interpretação extensiva, estender-se o sentido da palavra “sentença” de modo a abranger o despacho de revogação da suspensão da execução da pena.

XXII) Sendo ainda esta conclusão a que mais se coaduna com o elemento teleológico da interpretação, pois as razões que conduziram à solução legislativa de impor que a sentença seja notificada ao defensor como pessoalmente ao arguido justificam na mesma medida que esse regime de notificação seja estendido à notificação do despacho de revogação da suspensão da execução da pena.

XXIII) Estando ainda tal interpretação abrangida no espírito da lei, com essa leitura do atual artigo 113.º, n.º 10, a ter um mínimo de correspondência verbal na letra da lei e apresentando-se esta solução como a mais razoável, por ser a que assegura efetivamente os direitos do condenado ao contraditório e à audiência, além de que na interpretação da lei deve presumir-se “… que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.”, nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 9.º, do C.C.

XXIV) Por outro lado, não poderia deixar de se escolher a interpretação segundo a qual o despacho que designa a realização da audição prevista no artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. e o despacho de revogação da suspensão da pena têm também de serem notificados ao próprio condenado, não bastando a notificação do seu defensor, por decorrência do princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição.

XXV) De facto, efetuando-se a devida adaptação ao n.º 10 do artigo 113.º, do C.P.P., tais razões de direito conduziram à prolação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de fixação de jurisprudência, de 15/04/2010, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Carmona da Mota, onde se pode ler no respetivo sumário: “I – Nos termos do n.º 9, do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado. (…) III – A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de “contacto pessoal” como a “via postal registada, por meio de carta ou aviso registados ou, mesmo, a “via postal simples, por meio de carta ou aviso (artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e d), do CPP)”.

XXVI) Ainda no sentido de que a notificação do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão deve ser efetuada não só ao seu defensor, como também ao próprio arguido, cite-se o entendimento perfilhado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/01/2010, referente ao Proc. n.º 2569/01.3TBGMR-D.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt, cujo sumário apresenta os seguintes moldes: “(…) 4 – Se o condenado deve ser ouvido para eventuais efeitos da revogação da suspensão da execução da pena – que não é automática – por maioria de razão, deve ter conhecimento direto, pessoal, da decisão final subsequente, por contender efetivamente com a sua (eventual privação de) liberdade, sendo certo que do conhecimento pessoal dessa decisão emerge ainda, direta e imediatamente, para o seu destinatário, o interesse ou não em agir na impugnação da mesma decisão. (…)”.

XXVII) Por sua vez, algumas das notificações que não foram traduzidas minimamente ao Arguido, enquanto cidadão estrangeiro que não domina e nem compreende a Língua Portuguesa, foram precisamente a notificação para comparência na audição prevista no artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. e a notificação do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão.

XXVIII) Notificações essas que a Lei Processual Penal e a Constituição exigem que sejam feitas ao defensor e ao arguido, segundo o disposto no artigo 113.º, n.º 10 do C.P.P., e em condições de ser por ele percebida.

XXIX) Todavia, para que o Arguido pudesse intervir na audição em apreço, tal sempre implicaria que se efetuasse ao mesmo uma notificação válida, esclarecedora e esclarecida, o que infelizmente não veio a suceder in casu.

XXX) Não se podendo deixar de citar a este respeito, com as devidas adaptações à notificação para comparência do arguido na audição em apreço, o entendimento sufragado no Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 08/01/2013, relativo ao Proc. n.º 128/12.4GTABF.E1, disponível in www.dgsi.pt, onde se salienta no respetivo sumário: “(…) 8. Também a falta de notificação para julgamento, “em língua que entenda e de forma minuciosa” (art. 6º, nº 3 da C.E.D.H.), equivale a impedimento de estar presente e ausência em ato em que a lei exige a comparência, configurando, esta já, nulidade insanável, do art. 119.º, al. c) do Código de Processo Penal”.

XXXI) De igual modo, importa sublinhar que o Arguido só poderia considerar-se válida e regularmente notificado para comparência na audição prevista no artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. e do despacho de revogação de suspensão da pena, por via postal simples com prova de depósito na morada constante do T.I.R., se este mesmo ato processual tivesse sido validamente prestado pelo Arguido nos autos, o que, como supra exposto, não aconteceu.

XXXII) Nesta conformidade, diversamente do entendido pelo Tribunal recorrido, o Arguido, ora Recorrente, não foi regular e validamente notificado quer para comparecer na audição a que alude o artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. e do despacho que a designou, quer do despacho que revogou a suspensão da execução da pena, tendo o Tribunal recorrido violado a norma do artigo 113.º, n.º 10 do C.P.P.

XXXIII) Por outra banda, com o que é preceituado no artigo 495.º, n.º2 do C.P.P. trata-se de assegurar o respeito pelo princípio do contraditório e da audição prévia, segundo os quais assiste ao Arguido o direito de contestar e impugnar, não só os factos iniciais já conhecidos, mas quaisquer outros que surjam e que o Tribunal pretenda levar em consideração, de modo a que não seja proferida contra si qualquer decisão surpresa, por factos dos quais não teve oportunidade de se defender.

XXXIV) Além disso, ao princípio do contraditório, acresce um outro dos direitos de defesa do Arguido, também decorrente do Estado de direito democrático, que se traduz na observância do princípio ou direito de audiência.

XXXV) Tendo tais princípios acolhimento constitucional, como decorre da segunda parte do n.º 5, do artigo 32.º da C.R.P., no qual é assegurado o direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afetados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efetiva no desenvolvimento do processo.

XXXVI) Efetivamente, a obrigatoriedade da audição prévia do condenado, de forma presencial e pessoal, para que se possa proceder à revogação da suspensão da pena de prisão, tem sido tratada de forma quase unânime pela nossa jurisprudência, uma vez que só com essa audiência pessoal e oral fica eficazmente assegurado o princípio do contraditório e as garantias de defesa do arguido.

XXXVII) Deste modo, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem entendido que a decisão de revogação da suspensão da execução de pena de prisão deve ser precedida da sua audição prévia e tem enquadrado a preterição dessa formalidade, prevista no artigo 495.º, n.º 2, do C.P.P., como nulidade insanável, prevista no artigo 119.º, alínea c), do mesmo diploma legal, sendo de conhecimento oficioso pelo Tribunal.

XXXVIII) Ora, sobre esta temática cite-se desde já os entendimentos perfilhados por este Venerando Tribunal da Relação de Évora nos seguintes arestos, todos disponíveis in www.dgsi.pt cujos sumários se transcrevem:

a) Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 18/01/2005, referente ao Proc. n.º 1610/04-1, relatado pelo Exmo. Desembargador Manuel Nabais: “(…) II. A revogação da suspensão da execução da pena sem a prévia audição do arguido (ou sem o prévio parecer do MP) constitui a nulidade insanável cominada na al. c) do art.º 119.º do CPP.”

b) Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 30/09/2014, referente ao Proc. n.º 335/03.0TAABF.E1, relatado pela Exma. Desembargadora Ana Barata Brito: “I – É ilegal a decisão de revogação da pena de prisão suspensa não precedida de contraditório.”

c) Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 02/02/2016, referente ao Proc. n.º 1013/09.2PALGS-A.E1, relatado pela Exma. Desembargadora Maria Leonor Esteves: “(…) IV – Importa, pois, determinar as razões que subjazeram ao incumprimento para determinar se este foi, ou não, culposo e, em conformidade com a conclusão alcançada, determinar o regime aplicável ao caso. Haverá, para o efeito, que proceder às diligências investigatórias pertinentes, necessariamente, à audição do condenado, por forma a respeitar o contraditório e assim assegurar os seus direitos de defesa. Regime que se encontra plasmado na articulação do disposto nos arts. 498.º, n.º 3 e 495.º, n.ºs 2 e 3, do C.P.P. V – A omissão da audição presencial do condenado tal como imposta pela lei constitui nulidade insanável, prevista na al. c) («A ausência do arguido (…), nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência») do art. 119.º do C.P.P.”.

d) Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/06/2018, referente ao Proc. n.º 175/09. 0GACTX.E1, relatado pelo Exmo. Desembargador José Proença da Costa: “(…) II – A falta dessa audição presencial constitui nulidade insanável, prevista no art. 119.º, al. c) do CPP.”

XXXIX) Nesta medida, vejam-se ainda os entendimentos que se encontram plasmados nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09/07/2014, referente ao Proc. n.º 350/09.0PDALM-9, relatado pelo Exmo. Desembargador Francisco Caramelo, de 10/02/2004, referente ao Proc. n.º 946/2004, relatado pela Exma. Desembargadora Filomena Lima, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.

XL) Por sua vez, sobre esta temática também se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05/11/2008, referente ao Proc. n.º 335/01.5TBTNV-D.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Jorge Simões Raposo, bem como o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 04/03/2009, referente ao Proc. n.º 0817704, relatado pelo Exmo. Desembargador José Carreto, disponíveis in www.dgsi.pt.

XLI) De idêntico entendimento e sem descurar, veja-se ainda, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 29/03/2017, proferido no Proc. n.º 9/09.9GAMCN.P2, acessível in www.dgsi.pt, onde se deu nota de que o despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão sujeita a regime de prova é precedido de audição presencial do arguido.

XLII) E ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 20/03/2017, relativo ao Proc. n.º 333/10.8GTBRG.G1, igualmente disponível in www.dgsi.pt, onde se entendeu que qualquer decisão que diga respeito ao arguido deve ser precedida da sua audição prévia e a preterição dessa formalidade tem sido enquadrada como nulidade insanável, prevista no artigo 119.º alínea c) do C.P.P.

XLIII) Nesta conformidade, a jurisprudência que se nos afigura como maioritária vem considerando que a audição do arguido prevista no artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. deve ser pessoal e presencial.

XLIV) Sendo ainda nesta linha que discorre o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2010, in D.R. n.º 99, Série I, de 21/05/2010, que refere a este propósito o seguinte: “(…) Na verdade, essa solução de impor que o condenado se pronuncie pessoalmente na presença do juiz, e não por meio de alegação escrita do defensor, traduz um especial acautelamento do contraditório, que, revelando do interesse em jogo – a liberdade -, tem, em coerência, de estender-se à notificação da decisão, na medida em que só o conhecimento do seu conteúdo lhe possibilita a defesa. (…) O que constitui um contributo importante para aceitar o acerto da tese que entende ser necessária a audição presencial do condenado antes de se decretar a revogação da suspensão da execução da pena nos termos do artigo 495.º do Código de Processo Penal, ou, ao menos, da que entende dever possibilitar-se essa audição presencial. (…)”.

XLV) No mesmo sentido, sustenta também esta posição o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, 4.ª Edição, pág. 1252, segundo o qual “(…) O arguido deve ser ouvido pessoal e presencialmente, sendo irrelevante o motivo da revogação da suspensão, sob pena de nulidade do artigo 119.º, al. c), uma vez que a lei não relaciona a audição do arguido com nenhum motivo especial.

XLVI) E não se diga que o desconhecimento do paradeiro do Arguido inviabiliza a realização da sua audição, nos termos do disposto no artigo 495.º, n.º 2, do C.P.P., quando foram realizados diligências e ofícios para se apurar o paradeiro do Arguido e para o mesmo ser notificado da realização da audição a que alude o artigo 495.º, n.º 2, sem que se aguardasse pelo seu resultado positivo ou negativo.

XLVII) De facto, como bem defende André Lamas Leite, in “A suspensão da Execução da Pena Privativa de Liberdade sob Pretexto da Revisão de 2007 do Código Penal”, Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Vol. II, Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra Editora, págs. 620 e 621: “(…) a exigência constitucional do exercício do contraditório (art. 32.º, n.º 2, in fine) e as previsões normativas dos artigos 61.º, n.º 1, al. b), e 495.º, n.º 2, ambos do CPP, só admitem a conclusão de que é obrigatório que o tribunal, antes de determinar a revogação da suspensão de execução da pena privativa de liberdade, envide todos os esforços necessários à audição do condenado.”

XLVIII) Na realidade, ainda que se reconheça que foram promovidas e determinadas várias diligências tendentes a apurar o paradeiro do Arguido, as quais se encontram elencadas no despacho recorrido, com o devido respeito, afigura-se-nos que não foram realizadas todas as diligências pertinentes e legalmente admissíveis nesse sentido.

XLIX) Não tendo o Tribunal a quo encetado todos os esforços necessários para assegurar a presença do Arguido na audição a que alude o artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P., nem feito tudo o que podia e estava ao seu alcance para encontrar aquele e ouvi-lo presencialmente.

L) Por conseguinte, como o próprio Tribunal recorrido reconhece, o Arguido apenas esteve assistido por defensora e intérprete idónea em sede de julgamento, o mesmo não tendo sucedido logo nos primeiros atos processuais de constituição de arguido e de prestação de T.I.R.

LI) Tendo sido nestes atos processuais que foram dados a conhecer ao Arguido em Língua Portuguesa, direitos e deveres que lhe advieram da sua constituição como arguido e dos deveres previstos no artigo 196.º, n.º 3 do C.P.P., quando o mesmo é de nacionalidade moldava e não compreende ou domina minimamente a língua do processo.

LII) Nesta medida, não se pode reconhecer como o faz o douto Tribunal a quo que o Arguido sabia e tinha conhecimento que devia comunicar ao Tribunal a alteração da sua residência e, desse modo, cumprir a obrigação que para o mesmo resultava do artigo 196.º, n.º 3 alínea b) do C.P.P., bem como que a suspensão da pena de prisão se encontrava sujeita ao cumprimento desse dever e outros.

LIII) Efetivamente, saliente-se desde logo que o Arguido acabou por alterar a sua residência para outra diversa da constante do T.I.R. sem dar conhecimento ao Tribunal apenas e tão-só por desconhecer que estava obrigado a esse dever, acabando por não ser indicado ao Arguido nos autos, muito menos em língua que compreendesse, que o mesmo se encontrava obrigado a comunicar ao Tribunal caso viesse a alterar a sua residência.

LIV) De facto, cumpre ainda assinalar que o Arguido não compareceu à audição em apreço de forma voluntária, nem de forma de pré-determinada, uma vez que o mesmo não se colocou de forma intencional ou propositada em posição de não lhe ser possível transmitir-lhe a convocatória para a sua comparência.

LV) Assim sendo, a ausência do Arguido à audição do artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. não se deveu a razões imputáveis ao mesmo, encontrando a mesma justificação no facto de os atos de constituição de arguido e de prestação de T.I.R. terem sido efetuados de forma inválida e sem que fosse o Arguido esclarecido em língua que entendesse das obrigações a que estaria adstrito, nomeadamente as obrigações constantes do artigo 196.º, n.º 3 do mesmo diploma legal.

LVI) Não se podendo, assim, concluir com segurança que tenha havido da parte do Arguido desconsideração e desprezo pelo Tribunal a quo e pelo cumprimento da pena em que o mesmo foi condenado.

LVII) Posto isto, salvo o devido respeito por opinião contrária, não têm aplicação nas circunstâncias dos presentes autos os entendimentos sufragados nos arestos que foram invocados pelo Ministério Público, na sua promoção de 08/12/2021, e que foram seguidos integralmente e “à risca” pelo Tribunal a quo no despacho sob impugnação.

LVIII) Afigura-se-nos assim que, in casu, sempre se impunha que o Arguido fosse previamente ouvido para se pronunciar nos termos do artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P., por forma a averiguar-se da sua culpabilidade ou não quanto ao seu incumprimento dos deveres no âmbito do regime de prova que lhe foi definido.

LIX) Não compreendendo, porém, como se pode ter concluído pelo Tribunal a quo de que alegadamente a atitude do Arguido revela uma total desconsideração pelo Tribunal e pelo cumprimento da pena em que foi condenado, depois de se reconhecer que o paradeiro do Arguido era desconhecido e o mesmo, sendo de nacionalidade moldava, não compreende nem domina a Língua Portuguesa.

LX) Não se podendo ainda descurar que, no caso concreto, o Arguido não se ausentou para o estrangeiro, tendo apenas alterado a sua residência para a freguesia de …, no concelho de …, pelo que, salvo o devido respeito, a localização do seu paradeiro, mais tarde ou mais cedo, seria certamente apurada, não se tendo assim inviabilizado a sua localização para comparecer pessoalmente na audição do artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P.

LXI) De facto, tal como sucede com a falta de notificação para julgamento, a ausência voluntária do Arguido pressupõe o asseguramento prévio de intervir nessa audiência, o que implica uma notificação válida, esclarecedora e esclarecida, o que não foi devidamente efetivado pelo Tribunal a quo.

LXII) Como se pode constatar nos autos, além da notificação para comparência na audição ter sido efetuada por via postal simples com prova de depósito para uma morada que se deu conhecimento nos autos que não era a morada efetiva do Arguido e que, portanto, se sabia de antemão que não correspondia à sua morada, tal notificação não veio a ser minimamente traduzida para língua que o Arguido compreendesse minimamente e que lhe permitisse ficar esclarecido quanto ao seu teor.

LXIII) Não tendo assim o Tribunal a quo dado ao Arguido, ora Recorrente, a possibilidade de se pronunciar acerca das razões por que não cumpriu as obrigações ou deveres que condicionavam a suspensão da execução da pena de prisão, não se tendo ainda averiguado se tal incumprimento era culposo ou não e se a falta à observância dos deveres impostos era grosseira ou não.

LXIV) Razões pelas quais a omissão da audição prévia do condenado pelo Tribunal, na presença do técnico de reinserção social que o apoia e fiscaliza tal como prescreve o artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. determina, por regra, a nulidade insanável prevista no artigo 119.º alínea c) do mesmo diploma legal.

LXV) Em bom rigor, da conjugação do disposto no artigo 32.º, n.º 1 da C.R.P. e dos artigos 61.º, n.º 1 alínea b) e 495.º, n.º 2, ambos do C.P.P., resultou para o Tribunal recorrido a obrigação de desenvolver todos os esforços que se revelem necessários para ouvir o condenado presencialmente, bem como o técnico de reinserção social, antes de proferir decisão sobre a revogação ou não da suspensão da execução da pena de prisão.

LXVI) Sendo tal audição necessariamente presencial, uma vez que o condenado tem de ser ouvido na presença do técnico, nos casos em que tenha sido determinado o apoio e fiscalização do cumprimento das condições da suspensão da execução da pena.

LXVII) Não sendo ainda defensável interpretação diversa, pelo menos desde 2007, altura em que foi aditado à versão legal anterior do artigo 495.º do C.P.P., pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, o segmento “(…) na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão”.

LXVIII) Como é sabido, um dos direitos de defesa do Arguido, decorrente do próprio Estado de direito democrático, traduz-se na observância do direito de audiência, o qual “(…) implica que a declaração de direito do caso penal concreto não seja apenas tarefa do juiz ou do tribunal (conceção «carismática» do processo), mas tenha de ser tarefa de todos os que participam no processo (conceção democrática do processo) e se encontram em situação de influir naquela declaração de direito, de acordo com a posição e funções processuais que cada um assuma.” (Conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30/04/03, disponível em Coletânea de Jurisprudência, Ano XXVII, Tomo II, pág. 50).

LXIX) Sendo, assim, gravemente atentatório das garantias de defesa do Arguido que a revogação da suspensão da pena se tenha processado sem que o mesmo tenha podido efetivamente se pronunciar nos termos do disposto no artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P., devendo ser-lhe concedido, além da possibilidade do exercício do seu direito do contraditório, o exercício do direito de audiência pessoal.

LXX) Na verdade, não se pode descurar que está em causa o cumprimento pelo Arguido de uma pena de prisão que até tem uma expressão significativa (3 anos de prisão), pelo que sempre se impunha a sua presença física nessa audição, para aí o mesmo explicar as razões do seu comportamento aparentemente relapso, numa derradeira, mas necessária, tentativa de preservar a pena de substituição e afirmar o princípio de que a prisão é sempre a “ultima ratio”.

LXXI) Exigindo a norma do artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. mais que o exercício do contraditório em termos meramente formais, determinando que a audição do condenado seja feita na presença do técnico de reinserção social, o que implica, necessariamente, que ambos se encontrem fisicamente perante o Tribunal.

LXXII) De facto, não podemos deixar de acompanhar a este propósito o entendimento plasmado no Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, de 06/02/2019, relativo ao Proc. n.º 221/14.9SBGRD, acessível in www.dgsi.pt, com os seguintes moldes: “(…) Na verdade, o apontado elemento pessoal exigido no ato preparatório da decisão de revogação emerge da necessidade de garantir um efetivo direito de defesa, sendo que a solução que se impõe que o condenado se pronuncie pessoalmente na presença do juiz, e não por meio de alegação escrita (do defensor ou até mesmo do próprio), traduz um especial acautelamento do contraditório, que relevando – a liberdade – deve ser assegurado em iguais moldes (…)”.

LXXIII) No mesmo sentido, importa ainda relembrar a este respeito o bom senso e o equilíbrio no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07/05/03, relativo ao Proc. n.º 612/03, disponível in www.dgsi.pt, onde se pode ler: “(…) É necessário que o juiz reúna os elementos necessários para, em consciência, tomar uma decisão que vai afetar a liberdade do condenado, já que a prisão é um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário. (…) É necessário que fique demonstrado que o condenado não cumpriu, falhou, por vontade própria, é necessário apreciar a sua culpa”.

LXXIV) E não se diga que o contraditório do Arguido foi exercido na sua expressão mínima nessa audição através da presença da Defensora que lhe foi nomeada, quando a mesma, com o devido respeito, não exerceu uma defesa minimamente eficaz e condiga do Arguido, limitando-se a estar presente em tal audição.

LXXV) Bem vistas as coisas, a Defensora nomeada ao Arguido não exerceu sequer na sua expressão mínima o contraditório do Arguido, quer oralmente nessa audição, quer por escrito, antes ou depois da prolação do despacho de revogação da suspensão da pena, deixando transitar em julgado todas as decisões judiciais suscetíveis de recurso e que afetaram direta e pessoalmente a liberdade do Recorrente e que culminaram na sua detenção e cumprimento pelo mesmo de uma pena significativa de prisão de 3 anos.

LXXVI) Por conseguinte, como se salienta no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/10/1997 e no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 01/04/1998 (disponíveis in Coletânea de Jurisprudência, ano XXII – 1997, tomo IV, pág. 150 e ano XIII – 1998, tomo II, pág. 243, respetivamente), a “ausência” a que alude a alínea c) do artigo 119.º do C.P.P. não é apenas física, mas também processual.

LXXVII) Na realidade, a interpretação não deve cingir-se à letra da Lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições do tempo em que é aplicada, como dispõe o artigo 9.º do C.C.

LXXVIII) Como tal, não pode perder-se de vista que está em causa uma decisão que afetou particularmente a posição do Arguido com o cumprimento de uma pena de prisão de 3 anos, o que exige que lhe seja plenamente assegurado o exercício de todos os direitos inseridos no direito constitucional de defesa, máxime o seu irrecusável direito de audição prévia.

LXXIX) Note-se ainda que no procedimento previsto no artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. não está apenas em causa assegurar o exercício do direito ao contraditório pelo condenado, mas também colocar o Tribunal em perfeitas condições de aferir da subsistência ou não de uma anterior decisão sua, onde o contributo do condenado pode ser, e normalmente é, importante para a decisão a proferir, independentemente do seu sentido.

LXXX) Destarte, a omissão desta audição prévia do Arguido, dando-lhe oportunidade de exercer um direito que a Lei Processual Penal e a Constituição consagram, faz enfermar os autos de uma nulidade insanável, ex vi artigo 119.º alínea c) do C.P.P., entendendo-se que a ausência aí prevista abrange os casos de ausência processual quando é imposto um direito de audição, como sucede no caso concreto.

LXXXI) Podendo ver-se neste sentido os Acórdãos deste Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 25/03/2010 (Proc. n.º 1345/09.6PCSTB-A.E1) e de 02/02/2016 (Proc. n.º 1013/09.2PALGS-A.E1) e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20/04/2016 (Proc. n.º 210/11.5TAPBL.C1) e de 16/03/2016 (Proc. n.º 243/12.4GCLRA.C1), todos disponíveis in www.dgsi.pt.

LXXXII) Posto isto, a ausência do Arguido ou do seu defensor nos casos que a Lei exigir a respetiva comparência constitui, à luz do disposto no artigo 119.º, alínea c), do C.P.P., uma nulidade insanável que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do processo.

LXXXIII) Cumprindo, assim, ser declarada a nulidade do despacho judicial recorrido e do posteriormente processado à audição prevista no artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P., determinando-se que o Arguido seja ouvido e sejam realizadas todas as diligências que se revelem úteis.

LXXXIV) Ademais, uma das notificações que não foram traduzidas ao Arguido, enquanto cidadão estrangeiro que não domina nem compreende a Língua Portuguesa, foi precisamente a notificação da data designada e para comparência na audição prevista no artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P.

LXXXV) Assim, tal como sucede com a falta de notificação para julgamento, a ausência voluntária do Arguido pressupõe o asseguramento prévio de intervir nessa audiência, o que implica uma notificação válida, esclarecedora e esclarecida, o que não sucedeu in casu.

LXXXVI) Nesta medida, veja-se como se decidiu no supra citado Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 08/01/2013, referente ao Proc. n.º 128/12.4GTABF.E1, disponível in www.dgsi.pt, onde se pode ler no respetivo sumário: “(…) 8 – Também a falta de notificação para julgamento, “em língua que entenda e de forma minuciosa” (art. 6º, nº 3 da C.E.D.H.), equivale a impedimento de estar presente e ausência em ato em que a lei exige a comparência, configurando, esta já, nulidade insanável do art. 119º, al. c) do Código de Processo Penal”.

LXXXVII) Vertendo ao caso concreto, além de a notificação do despacho que designou data para a audição em apreço não ter chegado ao conhecimento do Arguido, tendo sido efetuada para uma morada onde o mesmo não residia, tal notificação não foi minimamente traduzida para a sua língua nativa, não podendo corresponder a uma notificação válida e esclarecedora.

LXXXVIII) Desta feita, a ausência do Arguido a tal audição não foi voluntária, nem se deveu a razões imputáveis ao mesmo, equivalendo assim a falta de tradução de tal notificação para comparência na audição a um impedimento de o mesmo ter estado presente num ato em que a Lei Processual Penal exige a sua comparência, pelo que não pode de deixar tal omissão de acarretar igualmente a nulidade insanável prevista no artigo 119.º alínea c) do C.P.P.

LXXXIX) Ora, aqui chegados, verificando-se nos presentes autos as nulidades insanáveis acima indicadas, não podem as mesmas deixar de implicar os efeitos e consequências previstas nos artigos 122.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.P.

C) Por outra banda, a melhor interpretação do artigo 113.º n.º 10 do C.P.P. e a que está em consonância com os princípios e direitos constitucionais sempre será uma interpretação que postule o conhecimento pessoal das decisões que afetem a liberdade de qualquer cidadão e que o obriguem a cumprir pena de prisão.

XCI) Efetivamente, comportando a norma mais do que uma possibilidade de interpretação, umas compatíveis e outra incompatíveis com a Constituição, deve escolher-se uma que seja conforme às normas constitucionais ou, estando todas elas em conformidade com a Constituição, “… a melhor orientada para a Constituição.” (in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3.ª edição, págs. 1151 e 1152).

XCII) Assim sendo, a leitura e interpretação acima indicadas do atual artigo 113.º n.º 10 do C.P.P., é a única compatível com a Lei Fundamental, à luz do seu artigo 32.º, n.º 1, por só ela garantir efetivamente o direito ao contraditório e ao recurso do arguido, ou, sendo embora as interpretações conformes à Constituição, é aquela que é mais virada para a defesa da Constituição, por assegurar mais eficazmente os direitos constitucionais acima indicados.

XCIII) Ora, como considerou e bem o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 422/2005, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 22/09/2005: “…surge como mais consentâneo com as garantias de defesa constitucionalmente asseguradas ao arguido o entendimento de que se impõe a notificação da decisão revogatória da suspensão da execução da pena de prisão ao arguido, e não apenas ao seu defensor”.

XCIV) Vertendo ao caso concreto, até ao presente apenas se efetivou a notificação da decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão ao defensor, não se tendo efetivado a sua notificação ao Arguido numa morada onde o mesmo efetivamente se encontrasse a residir e tivesse conhecimento efetivo de tal decisão judicial.

XCV) Efetivamente, havendo notícias nos autos que o Arguido não se encontrava na morada constante do T.I.R., de nada adiantava a que as notificações continuassem a ser realizadas para essa morada, uma vez que seria certo que as mesmas não chegariam ao seu conhecimento.

XCVI) Posto isto, não se tendo efetivado até ao presente a notificação ao Arguido para comparência na audição prevista no artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. e a notificação do despacho de revogação da suspensão da execução da pena, encontram-se violadas as garantias constitucionais de defesa do Arguido.

XCVII) Nomeadamente dos direitos ao contraditório e da audição, do direito ao recurso e do direito à tutela jurisdicional efetiva e de acesso ao direito, com assento constitucional nos artigos 32.º, n.º 1 e 5 e 20.º, n.º 1, 2 e 5, ambos da Lei Fundamental.

XCVIII) Nesta conformidade, tendo o despacho condenatório por efeito direto a privação da liberdade do condenado, surge como mais consentâneo com as garantias de defesa constitucionalmente asseguradas ao arguido, o entendimento de que se impõe a notificação de tal despacho ao arguido e não apenas ao seu defensor.

XCIX) Ora, desde logo, com as devidas adaptações ao caso concreto, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 59/99 decidiu-se: “(…) julgar inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 32.º da Lei Fundamental, a norma constante do n.º 5 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que a decisão condenatória proferida por um tribunal de recurso pode ser notificada apenas ao defensor que ali foi nomeado para substituir o primitivo defensor que, embora convocado, faltou à audiência, na qual também não esteve presente o arguido em virtude de não ter sido, nem dever ser, para ela convocado”.

C) Ainda neste sentido veja-se o entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 476/2004, no qual julgou inconstitucionais o atual artigo 113.º, n.º 10 e o artigo 411.º, n.º 1 do C.P.P., quando interpretados no sentido de que a notificação de uma decisão condenatória, relevante para a contagem do prazo de interposição de recurso seria a notificação ao defensor, independentemente, em qualquer caso, da notificação pessoal ao arguido, sem excetuar os casos em que este não tenha obtido conhecimento pessoal da decisão condenatória.

CI) Assim sendo, segundo estes arestos do Colendo Tribunal Constitucional uma garantia efetiva do direito ao recurso pressupõe que ao Arguido seja dado conhecimento da decisão que foi tomada, na medida em que este deve ter oportunidade de organizar eficazmente a sua defesa.

CII) Nesta linha decisória, veja-se ainda o entendimento plasmado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 199/86, publicado no D.R., II Série, de 25/08/1986, em que se afirmou perentoriamente: “Dispensar a notificação de decisões condenatórias ficticiamente publicadas sem que os réus delas tomem conhecimento, fazendo correr o prazo de recurso sem que estes os suspeitassem sequer, eis o que a todas as luzes se afigura incompatível com o princípio geral contido no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, pois os interessados vêem-se assim privados de lançarem mão de uma instância de recurso”.

CIII) Destarte, o critério ou entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, ao dispensar a notificação pessoal do despacho que designou a realização da audição prevista no artigo 495.º, n.º2 do C.P.P. e do despacho de revogação da suspensão da pena ao Arguido considera irrelevante o efetivo conhecimento por este do conteúdo decisório de uma decisão judicial, razão pela qual não pode cumprir plenamente as garantias de defesa do arguido e o seu direito ao recurso, consagrados no artigo 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da C.R.P.

CIV) Face ao supra exposto, o Arguido devia ter sido e deve ser ainda notificado pessoalmente do despacho que designou data para a realização da audição prevista no artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. e para nela comparecer, bem como do despacho revogatório proferido nos presentes autos.

CV) Devendo, assim, a norma do artigo 113.º, n.º 10 do C.P.P. ser interpretada no sentido de que consagra a necessidade de a decisão condenatória ser pessoalmente notificada ao Arguido que não esteve presente na audição a que alude o artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P.

CVI) Nesta conformidade, a interpretação que o Tribunal a quo fez da norma do artigo 113.º n.º 10 do C.P.P. padece de inconstitucionalidade material, por violação das garantias constitucionais de defesa do Arguido previstas no artigo 32.º, n.º 1 e 5 e do seu direito ao contraditório e à audiência e do direito ao recurso, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, ambos da Lei Fundamental, violando ainda o disposto no artigo 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a qual desde já se suscita e invoca para todos os efeitos legais.

CVII) Para além disso, a não audição pessoal e presencial do Arguido na audiência prevista no artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. afetou gravemente os seus direitos de defesa e a dimensão constitucional do princípio do contraditório e do seu direito à audiência, à luz do disposto no artigo 32.º, n.º 5 da C.R.P., encontrando-se a violação a estes princípios patente nestes autos.

CVIII) Neste sentido, um dos direitos de defesa do arguido traduz-se na observância do princípio do contraditório, consagrado no artigo 32.º, n.º 5 da C.R.P., que se consubstancia no direito/dever do Juiz de ouvir as razões do arguido e demais sujeitos processuais, em relação a questões e assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão.

CIX) Bem como no direito do arguido a intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os elementos de prova e argumentos jurídicos trazidos ao processo, direito que abrange todos os atos suscetíveis de afetarem a sua posição ou de atingirem a sua esfera jurídica.

CX) Assim, a amplitude da exigência do exercício do direito do contraditório e a conformação concreta das garantias das possibilidades efetivas para a defesa do arguido, não poderão deixar de corresponder proporcionalmente ao particular relevo e à importância do objeto de uma decisão judicial que constitui um autêntico “desenvolvimento” e “prolongamento” da sentença e de onde pode resultar o cumprimento de uma pena de prisão de 3 anos.

CXI) Destarte, uma interpretação da norma constante do artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P., à luz dos princípios constitucionais do contraditório e do processo justo, leal e equitativo, pressupõe necessariamente a exigência de uma participação presencial e eficaz do Arguido.

CXII) Nesta linha de raciocínio, procurando a garantia de efetivos direitos de defesa e a conformação constitucional da norma do artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P., tem de se considerar que este preceito consagra o direito ao contraditório, mas, ainda mais, o direito à audiência pessoal e presencial do arguido.

CXIII) Neste sentido, veja-se o entendimento propugnado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 434/87, nos termos do qual o conteúdo essencial do princípio do contraditório consiste em que “(…) nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem mesmo nenhuma decisão (mesmo que interlocutória) deve ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada ampla e efetiva possibilidade ao sujeito processual contra a qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar”.

CXIV) Desta feita, com a letra e espírito da norma do artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. visa-se assegurar o princípio do contraditório e o princípio ou direito de audição prévia, segundo os quais assiste ao arguido o direito de contestar e impugnar não só os factos iniciais já conhecidos, mas quaisquer outros que surjam e que o Tribunal pretenda levar em consideração, de modo a que não seja proferida contra si qualquer decisão surpresa, por factos dos quais o arguido não teve a oportunidade de se defender.

CXV) Assim sendo, uma interpretação da norma constante do artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P., à luz dos princípios constitucionais do contraditório e do processo leal e equitativo pressupõe necessariamente a exigência de uma participação presencial e efetiva do arguido, o que não sucedeu no presente caso concreto.

CXVI) Aqui chegados, sempre se dirá que a interpretação da norma do artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. efetuada pelo Tribunal recorrido no sentido de que a presença do Arguido nessa audição não é obrigatória e que o seu direito ao contraditório pode ser exercido através da sua Defensora, é violadora das garantias de defesa do Arguido.

CXVII) Tal como ainda dos princípios constitucionais do contraditório e do processo justo e equitativo e do direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afetados pela decisão, consagrados constitucionalmente nos artigos 32.º, n.ºs 1 e 5 e 20.º, n.ºs 1 e 4, ambos da Lei Fundamental, padecendo a interpretação de tal norma efetuada pelo Tribunal recorrido de inconstitucionalidade material, a qual desde já se suscita e invoca para todos os devidos efeitos legais”.

*

O Exmº Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta ao recurso, concluindo pela sua improcedência, e terminando tal resposta nos seguintes termos (em transcrição):

“1. O arguido foi condenado, por sentença proferida nos autos, transitada em julgado a 26.09.2019, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, por idêntico período e subordinada a regime de prova, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, pelo período de 12 meses, que se traduz, nomeadamente, na proibição de obter título de condução que lhe permita conduzir durante esse período e na pena de multa de 80 dias de multa, à razão diária de €6,00, num montante total de € 480,00. Por despacho de 09.06.2021, foi revogada a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido SM, determinando-se o cumprimento da pena de 3 (três) anos de prisão, fixada na sentença, nos termos do artigo 56.º, n.º 1, alínea a) e 2, do Código Penal.

2. O Arguido apresentou requerimento em 04 de dezembro de 2021, invocando a existência de nulidade insanável prevista no artigo 119.º alínea c) do C.P.P., pelo facto do tribunal a quo ter preterido a formalidade de audição prévia do arguido à decisão de revogação da suspensão da execução de pena de prisão, imposta pelo artigo 495.º, n.º 2, do C.P.P. Alegou para o efeito que a audição a que alude o artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. se realizou sem presença do Arguido e que realização ou determinação por parte deste douto Tribunal de qualquer diligência no sentido de apurar o paradeiro do Arguido. Mais alegou que não foi realizada qualquer ofício a nenhuma entidade oficial que podia ter indicado a sua morada atual constante nas suas bases de dados e localizado o paradeiro do Arguido, para efeitos do mesmo ser efetivamente convocado ou até detido para que se encontrasse presente na realização da audição prevista no artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P.

3. Sobre tal requerimento, o tribunal a quo proferiu decisão, datada de 09 de dezembro de 2021, na qual indeferiu a invocada nulidade insanável, prevista no artigo 119.º alínea c) do C.P.P.

4. Nesta sequência, o arguido interpôs recurso da decisão recorrida proferida nos presentes autos datada de 09 de dezembro de 2021 que indeferiu a invocada nulidade insanável prevista no artigo 119.º alínea c) do C.P.P., invocando para o efeito que o Arguido não prestou o T.I.R. de forma válida no presente processo, por não ter sido nomeado intérprete idóneo logo nos atos iniciais do processo de constituição de arguido e da prestação do T.I.R., pelo facto de o arguido não dominar a Língua Portuguesa; e nessa medida invocou que não foi regular e validamente notificado quer para comparecer na audição a que alude o artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. e do despacho que a designou, quer do despacho que revogou a suspensão da execução da pena, tendo o Tribunal recorrido violado a norma do artigo 113.º, n.º 10 do C.P.P. Alegou ainda que o Tribunal a quo não encetou todos os esforços necessários, nem realizou todas as diligências pertinentes e legalmente admissíveis para assegurar a presença do Arguido na audição a que alude o artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P., nem fez tudo o que podia e estava ao seu alcance para encontrar aquele e ouvi-lo presencialmente.

5. Contrariamente ao que alega o recorrente, verifica-se que o arguido prestou validamente TIR nos presentes autos (cfr. a fls. 21), tendo inclusivamente sido traduzido, para a língua romena, o auto de constituição de arguido (cfr. fls. 9), tendo-se ausentado da sua residência sem comunicar ao tribunal qual a sua nova residência ou o local onde poderia ser encontrado, violando assim a obrigação decorrente do TIR constante do artigo 196.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal. Por força das alterações introduzidas pela Lei n.º 20/2013, de 21 de janeiro, aos artigos 196.º, n.º 3, alínea e) e 214.º, n.º 1, alínea e), 2.ª parte, ambos do Código de Processo Penal, o TIR passou a vigorar após o trânsito em julgado da sentença condenatória, passando igualmente a constar a advertência expressa de que o TIR só se extingue com a extinção da pena.

6. Na verdade, o arguido apesar de saber que a suspensão da pena de prisão estava sujeita a regime de prova e que estava obrigado a colaborar com os serviços da DGRSP, o mesmo furtou-se a qualquer contacto de forma deliberada demonstrando desprezo pelas obrigações impostas pelo tribunal.

7. Diversamente do alegado pelo arguido, do mero confronto dos autos se constata que em diversos momentos foi promovida e determinada a realização de diversas diligências tendentes ao apuramento da morada atualizada do condenado SM, quer através de pesquisas nas diversas bases de dados, quer através de oficio às habituais entidades públicas e privadas, com vista a para assegurar a presença do Arguido na audição a que alude o artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. Porém, apesar de terem sido efetuadas todas as diligências possíveis e admissíveis, não foi possível obter outra morada inovadora ou diversa da morada constante no TIR prestado pelo arguido.

8. Ademais, cumpre referir que o arguido este presente durante a realização da audiência de julgamento, o qual foi sempre assistido por defensor, tendo sido nomeada intérprete idónea, que prestou compromisso legal (de desempenhar fielmente as suas funções). Sendo certo que a sentença proferida nos presentes autos foi comunicada pessoalmente ao arguido, estando o mesmo assistido por intérprete, tendo assim o arguido ficado bem ciente que a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada, estava sujeita a regime de prova e que estava obrigado a colaborar com os serviços da D.G.R.S.P. e a responder às convocatórias remetidas por esta entidade, sob pena de poder ser-lhe revogada a suspensão da pena de prisão.

9. Por força do princípio da legalidade, a violação ou a inobservância da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei, sendo nos demais casos o ato ilegal qualificado de irregular (art.º 118.º, n.º 1 e 2).

10. Assim se conclui que a omissão de tradução ou de assistência de intérprete, a arguido estrangeiro que não percebe a língua portuguesa, quer da notificação das obrigações do TIR, quer da notificação do despacho que revoga a suspensão da pena de prisão, constitui quanto muito uma nulidade relativa ou dependente de arguição, por força do disposto no art.º 120.º, n.º 1 al. c) do CPP.

11. Sucede, porém, que a arguição de tal nulidade tem prazos para ser feita, findos os quais, a nulidade relativa ou dependente de arguição em causa deverá considerar-se sanada.

12. Considerando que o vicio em causa não se enquadra em nenhuma das situações previstas no art.º 120.º, n.º 3 do CPP, o interessado (no caso o arguido) tinha o prazo perentório de 10 dias para poder arguir o vicio de nulidade, nos termos do disposto no art.º 105.º n.º 1 do CPP.

13. Sucede, porém, que o arguido não arguiu tal vicio no prazo devido, nem durante a realização da audiência de julgamento, na qual esteve presente, devidamente assistido de interprete idóneo e de Defensor.

14. Ora, verifica-se que, nos presentes autos, o arguido esteve sempre representado por Defensor, ao longo de todo o processo criminal. Sendo certo que o Il. Defensor do arguido foi regularmente notificado de todos atos processuais e de todos os despachos proferidos, em especial da douta sentença condenatória e do despacho que revogou a suspensão da pena de prisão, assim como o arguido.

15. Por sua vez, constata-se que o Il. Defensor do arguido, apesar de notificado do douto despacho que revogou a suspensão da pena de prisão, o mesmo não reclamou ou recorreu de tal despacho, tendo o mesmo transitado em julgado.

16. Deste modo, tendo o arguido prestado TIR logo aquando da instauração do inquérito, mesmo que se considere que a omissão de tradução das obrigações decorrentes do TIR consubstancia a prática de nulidade relativa, prevista nos termos do art.º 120.º, n.º 1, al. c), forçoso será concluir que mesma se encontra há muito sanada.

17. Com efeito, o Il. Defensor do arguido não invocou tempestivamente tal nulidade, nem antes da realização da audiência de julgamento, nem no decorrer desta, nem posteriormente ao proferimento da douta sentença condenatória.

18. Assim, a decisão recorrida não incorreu em qualquer vício, nem violou qualquer preceito legal ou constitucional”.

*

Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, entendendo também que o recurso não merece provimento.

Cumprido o disposto no nº 2 do artigo 417º do C. P. Penal, o arguido apresentou resposta, mantendo, no essencial, o já alegado na motivação do recurso.

Foram colhidos os vistos legais e foi realizada a conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1- Delimitação do objeto do recurso.

No presente caso a única questão evidenciada no recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, traduz-se em saber se ocorreu, ao longo do processo, qualquer nulidade insanável, passível de reverter o trânsito em julgado da decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos ao recorrente.

2 - A decisão recorrida.

O despacho revidendo é do seguinte teor:

“Mediante Requerimento junto aos autos (Referência 40660666), datado de 04/12/2021, o condenado SM veio invocar a nulidade insanável, prevista no artigo 119.º alínea c) Código de Processo Penal, por considerar que o Tribunal não cumpriu todas formalidades, aquando da realização da audição prévia do arguido imposta pelo artigo 495.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, pugnando a final, para que seja declarada a nulidade de todo o processado posteriormente à realização da referida diligência.

Para fundar a sua pretensão, o condenado invoca que a audição se realizou sem a sua presença, não tendo sido realizada ou determinada qualquer diligência (nomeadamente, junto das entidades oficiais e bases de dados) no sentido de apurar o seu paradeiro e, posteriormente, ser convocado ou até detido para estar presente aquando da realização da audição prevista no artigo 495.º n.º 2 do Código de Processo Penal.

Por outro lado - pese embora admita que mudou de residência sem comunicar tal facto ao Tribunal - invoca que não foi notificado da decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, uma vez que a mesma só foi notificada à sua I. Defensora.

O Digníssimo Ministério Público tomou a posição que consta da Promoção com a Ref. 32278588, cujos fundamentos se dão aqui por integralmente reproduzidos, pugnando a final pelo indeferimento do requerido, por falta de fundamento legal.

Vejamos.

Em face dos argumentos aduzidos pelo condenado, importa fazer uma breve resenha da tramitação processual dos autos (a qual já consta, ademais, da promoção que antecede):

- Por sentença proferida nos autos, transitada em julgado a 26/09/2019, o arguido foi condenado na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, por idêntico período e subordinada a regime de prova, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, pelo período de 12 meses se traduz nomeadamente, na proibição de obter título de condução que lhe permita conduzir durante esse período e na pena de multa de 80 dias de multa, à razão diária de €6,00, num montante total de € 480,00;

- Em audiência de julgamento o arguido foi assistido por defensora, tendo sido nomeada intérprete, que prestou compromisso legal (de bem desempenhar as suas funções);

- A 14 de Novembro de 2019, a D.G.R.S.P. informou os autos que o arguido não respondeu à convocatória que lhe foi enviada para comparecer no dia 08/11/2019;

- Por despacho datado de 25/11/2019 foi ordenada a notificação do arguido e da sua I. Defensora, com cópia do ofício da D.G.R.S.P., para, no prazo de 10 dias, comparecer naquela entidade, sob pena de, não o fazendo, lhe poder ser revogada a suspensão da pena de prisão à qual foi condenado por sentença proferida nos presentes autos;

- O arguido foi válida e regularmente notificado em 01/12/2019, por carta simples com prova de depósito (datada de 27/11/2019), na morada constante do TIR;

- O arguido não cumpriu o ordenado e permaneceu inerte, não comparecendo junto da D.G.R.S.P. (cfr. informação desta entidade datada de 10/01/2020);

- Por despacho de 17/01/2020, foi designado o dia 28/01/2020 para a audição do condenado SM, para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 495.º, n.º 3 do artigo 498.º ex vi artigo 4.º, todos do Código de Processo Penal;

- Em 28/01/2020, o órgão de polícia criminal competente informou os autos que não foi possível efetivar a notificação do arguido do despacho que designou a data para a sua audição, por contacto pessoal, por o mesmo não se encontrar na morada do T.I.R.;

- Em 31/01/2021, o Ministério Público promoveu, tendo sido deferido por despacho judicial, que fossem efetuadas diligências, tendentes ao apuramento da morada atual do arguido, nomeadamente, pesquisa informática no programa CITIUS, e bem assim, pesquisa nas demais bases de dados disponíveis (e.g: D.G.R.S.P., Segurança Social, Conservatória do Registo Civil, Conservatória do Registo Automóvel e IMT);

- Tais pesquisas foram realizadas, todavia, não foi apurada nova morada referente ao arguido;

- Em 12/02/2020, o Ministério Público promoveu uma vez mais que que fossem efetuadas diligências, tendentes ao apuramento da morada atual do arguido, nomeadamente, que fosse oficiada à Administração Central do Sistema de Saúde, I.P., ao Instituto do Emprego e Formação Profissional e ao SEF, solicitando informação sobre o paradeiro do arguido;

- Uma vez realizadas tais diligências, verificou-se que não foi apurada nova morada referente ao arguido;

- Em 06/04/2020, o Ministério Público promoveu uma vez mais que que fossem efetuadas diligências, tendentes ao apuramento da morada atual do arguido, nomeadamente, que fosse oficiada à Polícia Judiciária, Guarda Nacional Republicana, Polícia de Segurança Pública, EDP, e às operadoras NOS, MEO e VODAFONE, solicitando informação relativamente à morada do arguido;

- Realizadas tais diligências, verificou-se que não foi apurada nova morada referente ao arguido;

- Por despacho judicial de 7 de janeiro de 2021, foi designada data para audição do arguido, a realizar no dia 27 de janeiro de 2021, pelas 15h30m, tendo sido reagendada nova data para o dia 22 de abril de 2021, às 11h00m;

- O arguido foi novamente notificado, na morada constante do T.I.R., em 12/04/2021, mediante carta simples com prova de depósito (datada de 07.04.2021);

- O arguido não compareceu na data designada para audição de condenado, para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 495.º, n.º 3 do artigo 498.º ex vi artigo 4.º, todos do Código de Processo Penal.

- Por despacho de 09/06/2021, foi revogada a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido SM, determinando-se o cumprimento da pena de 3 (três) anos de prisão, fixada na sentença, nos termos do artigo 56.º, n.º 1, alínea a) e 2, do Código Penal.

- Esta decisão foi notificada à I. Defensora e ao condenado, em 24/06/2021, por via postal simples com prova de depósito, para a morada constante do TIR.

Em face do acabado de exposto, dificilmente se compreendem os argumentos aduzidos pelo condenado, que visam consubstanciar nulidades insanáveis (cfr. 119.º al. c) do Código de Processo Penal).

Na verdade, ao longo de todo o processo o arguido foi regular e validamente notificado para comparecer em todos os atos processuais que lhe diziam respeito. Ademais, pese embora este tivesse prestado T.I.R. de forma válida a fls. 21, foi promovida e determinada a realização de diversas diligências tendentes ao apuramento da morada atualizada do condenado SM, quer através de pesquisas nas diversas bases de dados, quer através de oficio às habituais entidades públicas e privadas.

Pese embora os esforços encetados (tendo sido esgotadas todas as diligências possíveis e admissíveis), não foi possível obter outra morada inovadora ou diversa da morada constante no TIR prestado pelo arguido.

O condenado, como aliás admite, violou uma das obrigações constantes do T.I.R. (cfr. art. 196.º n.º 3 al. b). do Código de Processo Penal), tendo-se ausentado da sua residência sem comunicar ao tribunal esse facto, sem comunicar ao Tribunal o local onde poderia ser encontrado.

O arguido esteve assistido por Defensora e intérprete idónea, em sede de Julgamento e aquando da prolação da sentença, pelo que não pode invocar que não compreendeu as obrigações a que ficou adstrito, em virtude da sua condenação.

O condenado sabia e tinha conhecimento que a suspensão da pena de prisão estava sujeita a regime de prova e que estava obrigado a colaborar com os serviços da D.G.R.S.P. e nada fez.

A sua atitude, de notória passividade, revela uma total desconsideração pelo Tribunal e pelo cumprimento da pena em que foi condenado, pese embora a pena de prisão tenha sido suspensa na sua execução.

Deste modo, e em total concordância com a promoção do Digníssimo Ministério Público, entende-se que não assiste qualquer razão ao condenado quando afirma que foram preteridas formalidades prévias à audição do arguido, antes da prolação da decisão que revogou a suspensão provisória do processo, e que tal decisão padece de nulidade insanável.

Conforme resulta do supra exposto, e que aqui se reitera, foram realizadas todas as diligências pertinentes e legalmente admissíveis para fazer com que o condenasse estivesse presente na audição prévia de condenado, pese embora este fosse regularmente notificado na morada do T.I.R. (carta simples com prova de depósito) quer para comparecer na audição de condenado, quer da decisão que revogou a suspensão da pena de prisão.

No seguimento do exposto, dão-se por reproduzidos os doutos arestos invocados na promoção que antecede: Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 25-02-2019, Proc. N.º 89/13.2TAVRM-A.G1, no qual se entendeu que “a preterição dessa audição prévia do condenado consubstancia uma nulidade insanável, por ausência do arguido em caso em que a lei exige a respetiva comparência (art. 119.º, al. c), do Código de Processo Penal). Porém, se o condenado, notificado para comparecer nos termos e para os efeitos do disposto no art. 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal, faltar à diligência, sem qualquer justificação, e não se mostrar possível a sua audição por razões a si imputáveis, tendo o tribunal envidado todos os esforços necessários para o ouvir presencialmente, o contraditório imposto por aquele artigo tem-se como cumprido com a notificação do defensor para, querendo, se pronunciar sobre a revogação da suspensão da pena.”; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03/03/2021 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09/12/2020, Processo n.º 556/17.9GAPFR.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Deste modo, entende-se que não se verifica a nulidade invocada pelo condenado, decidindo-se indeferir o requerido, por falta de fundamento legal.

Notifique e D.n.”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

Por despacho judicial, proferido em 09-06-2021, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos ao arguido, determinando-se, pois, o cumprimento da pena de 3 anos de prisão, nos termos do disposto no artigo 56º, nº 1, al. a), e nº 2, do Código Penal.

Essa decisão foi notificada à Ilustre defensora oficiosa do arguido e ao próprio arguido (tendo este sido notificado por via postal simples, com prova de depósito, para a morada constante do T.I.R.), e dela não foi interposto recurso.

Consequentemente, a decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos ao arguido transitou em julgado.

Contudo, por requerimento apresentado em data posterior à do referido trânsito em julgado, o arguido invocou a existência da nulidade insanável prevista no artigo 119º, al. c), do C. P. Penal, o que implicaria a anulação do processado.

Essa invocação do arguido, longamente explanada na motivação do presente recurso, estriba-se nos seguintes argumentos (essenciais):

1º - Que não prestou o T.I.R. de forma válida, por não ter sido nomeado intérprete idóneo logo nos atos iniciais do processo - constituição de arguido e prestação do T.I.R. -, conforme exigido pelo artigo 92º, nº 2, do C. P. Penal, sendo certo que o arguido não tem conhecimento nem domínio da Língua Portuguesa.

2º - Que, consequentemente, o arguido não sabia que devia comunicar ao Tribunal a alteração da sua residência e, desse modo, cumprir a obrigação prevista no artigo 196º, nº 3, al. b), do C. P. Penal.

3º - Que alterou a sua residência (para outra diversa da constante do T.I.R.) sem dar conhecimento ao Tribunal, apenas por desconhecer, sem culpa sua, que estava obrigado a esse dever.

4º - Que, por via disso, não foi regular e validamente notificado, quer para comparecer na audição prevista no artigo 495º, nº 2, do C. P. Penal, quer do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão.

5º - Que, consequentemente, a falta do arguido à audição prevista no artigo 495º, nº 2, do C. P. Penal, não se deveu a razões imputáveis ao mesmo, mas sim ao facto de os atos de constituição de arguido e de prestação de T.I.R. terem sido efetuados de forma inválida, por falta de nomeação de intérprete.

6º - Que, em consequência disso, a decisão de revogação da suspensão da execução de pena de prisão não foi precedida, como devia, da audição prévia do arguido (e a preterição dessa formalidade, prevista no artigo 495º, nº 2, do C. P. Penal, configura nulidade insanável, tal como preceituado no artigo 119º, al. c), do mesmo diploma legal).

7º - Que o Tribunal recorrido não encetou todos os esforços necessários para assegurar a presença do arguido na audição a que alude o artigo 495º, nº 2, do C. P. Penal, nem fez tudo o que podia e devia para encontrar o arguido e ouvi-lo presencialmente.

8º - Que o arguido tinha de ser pessoalmente notificado do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão, não o podendo ser apenas por via postal simples (com prova de depósito) para a morada indicada no T.I.R.

9º - Que essa ausência de notificação pessoal do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão viola a norma contida no artigo 113º, nº 10, do C. P. Penal.

10º - Que a Ilustre defensora oficiosa não exerceu o direito ao contraditório do arguido, quer oralmente na audição a que alude o artigo 495º, nº 2, do C. P. Penal, quer por escrito, antes ou depois da prolação do despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, deixando transitar em julgado esse despacho.

Com o devido respeito pelo esforço argumentativo vertido na motivação do recurso, não assiste qualquer razão ao recorrente.

Senão vejamos.

I - Compulsados os presentes autos de “Recurso Independente em Separado” (cfr. fls. 48 a 50), verifica-se que, em julho de 2019, houve “constituição de arguido”, traduzida para a língua romena, e “prestação de T.I.R.” por banda do arguido.

Depois disso, o arguido foi julgado e condenado, em processo sumário, tendo estado (na sua própria pessoa) presente na audiência de discussão e julgamento (na qual lhe foi nomeado um intérprete idóneo), tendo assistido à leitura da sentença (que lhe foi “comunicada” e devidamente “esclarecida” pelo intérprete nomeado), tendo sido sempre, depois disso, regular e validamente notificado, na morada indicada no T.I.R., para comparecer aos pertinentes atos processuais, tendo sido sempre “acompanhado”, ao longo de todo o processo, pela sua Ilustre defensora oficiosa (a qual foi notificada de todos os atos processuais praticados), tendo a sentença condenatória transitado em julgado e, posteriormente, decorrendo, como é habitual, o prazo de suspensão da execução da pena de prisão decretada.

Em suma: o T.I.R. foi prestado, o processo decorreu sempre sem “incidentes” e com respeito por todas as regras processuais, nomeadamente as que asseguram ao arguido todas as garantias de defesa.

II - Da análise dos autos resulta, pois, por um lado, que o arguido foi assistido, na audiência de discussão e julgamento, pela sua Ilustre defensora oficiosa e por intérprete idóneo, tendo compreendido as obrigações a que ficou adstrito em virtude da sua condenação, e, por outro lado, que o arguido, ostensivamente, violou uma das obrigações constantes do T.I.R. (tal como previsto no artigo 196º, nº 3, al. b), do C. P. Penal), tendo-se ausentado da sua residência sem comunicar ao tribunal esse facto e sem indicar o local onde podia ser encontrado.

III - Apesar de tudo isso, e apesar da questão da “invalidade” do T.I.R. nunca ter sido suscitada antes do trânsito em julgado da decisão que revogou a suspensão da execução da pena (em bom rigor, essa questão só foi suscitada no requerimento indeferido pelo despacho revidendo e, bem assim, na motivação do presente recurso), da análise dos autos verifica-se que, antes da decisão que revogou a suspensão da execução da pena, o Tribunal de primeira instância, nomeadamente a requerimento do Ministério Público, determinou a realização de diversas diligências tendentes ao apuramento da morada atualizada do arguido, quer através de pesquisas nas diversas bases de dados, quer através de ofícios dirigidos às entidades que, habitualmente, possuem informação sobre as moradas dos cidadãos.

Porém, muito embora realizadas essas diligências, não foi possível obter outra morada do arguido que não fosse a morada constante do T.I.R. oportunamente prestado.

IV - Estabelece o artigo 92º, nº 1, do C. P. Penal, que “nos atos processuais, tanto escritos como orais, utiliza-se a língua portuguesa, sob pena de nulidade”, acrescentando-se, no nº 2 do mesmo preceito legal, que “quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao ato ou qualquer dos participantes processuais conheçam a língua por aquela utilizada”.

Por sua vez, dispõe o artigo 120º, nº 1, al. c), do C. P. Penal, que “a falta de nomeação de intérprete” (ou, o mesmo é dizer, a omissão de tradução de atos processuais a arguido estrangeiro que não entende a língua portuguesa) configura uma nulidade “dependente de arguição”.

Essa nulidade pode afetar, obviamente, a prestação de T.I.R. (a comunicação ao arguido das obrigações decorrentes da prestação de T.I.R.), e, bem assim, a validade de qualquer notificação que tenha de ser feita ao arguido.

Só que, e repete-se, tal nulidade é uma nulidade relativa (ou seja, “dependente de arguição”), por força do disposto no artigo 120º, nºs 1 e 2, do C. P. Penal, existindo prazos para que tal nulidade possa ser invocada, findos os quais, como é bom de ver, a nulidade em causa se considera sanada.

Esses prazos (perentórios) estão previstos nos artigos 120º, nº 3, e 105º, nº 1, do C. P. Penal, sendo certo que o ora recorrente não arguiu a nulidade em apreço dentro de qualquer deles (nem durante a audiência de discussão e julgamento, na qual esteve presente - devidamente assistido pela sua Ilustre defensora oficiosa e por interprete idóneo -, nem no prazo do recurso da sentença condenatória, que transitou em julgado, nem sequer no prazo de recurso do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão - despacho que também já transitou em julgado -.

Em conclusão: mesmo que se considere, como alegado na motivação do recurso, que o ato de prestação do T.I.R. foi inválido, por omissão de tradução das obrigações decorrentes do T.I.R., tal consubstancia a prática de uma nulidade “dependente de arguição”, nos termos do preceituado no artigo 120º, nºs 1 e 2, do C. P. Penal, a qual, como resulta do processado acima referido, está, e desde há muito tempo, sanada, não tendo sido tempestivamente invocada nos autos (a nulidade em apreço, repete-se, não foi arguida antes da realização da audiência de discussão e julgamento, nem no decorrer desta, nem posteriormente ao proferimento da sentença, nem em qualquer outro momento processual anterior ao trânsito em julgado da decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão - a nulidade em causa só foi invocada no requerimento indeferido pelo despacho recorrido, requerimento que foi apresentado muito depois do trânsito em julgado dessa decisão revogatória -).

V - Os mesmos raciocínios valem, mutatis mutandis, para a ausência do arguido, por “falta de notificação válida” do mesmo (segundo a opinião expressa na motivação do recurso - pois a notificação foi feita na morada indicada no T.I.R. -), à audição prevista no artigo 495º, nº 2, do C. P. Penal, bem como para a “falta de notificação válida” ao arguido (na opinião constante da motivação do recurso - a notificação foi feita por via postal simples para a morada do T.I.R. -) do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão.

Ou seja: se houve, como alegado na motivação do recurso, “nulidade” na prestação do T.I.R., por não ter sido traduzido o seu conteúdo para a língua materna do arguido, tal falta consubstancia uma “nulidade dependente de arguição”, a qual teria de ser invocada, tempestivamente, pela Ilustre defensora do arguido, o que não se verificou, vindo o Ilustre mandatário do arguido, só agora, após o trânsito em julgado de diversas decisões proferidas no processo, invocar a referida “nulidade”.

Com o devido respeito, a “nulidade” em causa, a existir, desde há muito que está sanada.

VII - Numa outra ordem de ideias, um pouco mais próxima da substância das coisas, alega-se na motivação do recurso que o Tribunal recorrido preteriu a audição prévia do arguido (audição imposta pelo artigo 495º, nº 2, do C. P. Penal) - o que constitui uma nulidade insanável, prevista no artigo 119º, al. c), C. P. Penal -, que não foram determinadas nem realizadas, por parte do Tribunal em questão, como deviam ter sido, diligências com vista a apurar o paradeiro do arguido, e que, de qualquer modo, sempre o despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão tinha de ser “pessoalmente” notificado ao arguido (não o podendo ser apenas à Ilustre defensora oficiosa - e ao arguido, por via postal simples com prova de depósito, para a morada indicada no T.I.R. -).

Também nesta matéria as alegações do recorrente carecem de fundamento válido, como resulta da análise das seguintes incidências processuais (que aqui se deixam apenas resumidas):

- Mediante pertinente sentença, transitada em julgado a 26-09-2019, o arguido foi condenado na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, subordinada a regime de prova, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 12 meses;

- O arguido esteve presente na audiência de discussão e julgamento;

- A sentença foi notificada, pessoalmente, ao arguido (que estava assistido por intérprete idóneo), designadamente tendo sido comunicado ao arguido que a suspensão da execução da pena de prisão estava sujeita a regime de prova, que estava obrigado a colaborar com os competentes serviços da DGRSP, e que estava obrigado a responder às convocatórias remetidas por esta entidade, sob pena de poder ser-lhe revogada a suspensão da execução da pena de prisão;

- Em 14-11-2019, a DGRSP informou que o arguido não respondeu à convocatória que lhe foi enviada para comparecer no dia 08-11-2019;

- Por despacho judicial, datado de 25-11-2019, determinou-se a notificação do arguido (e da sua Ilustre defensora oficiosa), com cópia do ofício da DGRSP, para, no prazo de 10 dias, o arguido comparecer naquela entidade, sob pena de, não o fazendo, lhe poder ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão;

- Apesar de notificado, na morada constante do T.I.R., o arguido não se apresentou na DGRSP;

- Mediante pertinente despacho, proferido em 17-01-2020, foi designado o dia 28-01-2020, pelas 10 horas, para a audição do arguido prevista no artigo 495º, nº 2, do C. P. Penal, determinando-se a notificação pessoal do arguido para comparecer;

- Em 28-01-2020, a entidade policial encarregada da notificação informou os autos de que não foi possível efetivar a notificação do arguido, por contacto pessoal, do despacho que designou a data para a sua audição, por não residir na morada indicada no T.I.R;

- Em 31-01-2021, o Ministério Público promoveu, em promoção que foi deferida por despacho judicial, que fossem efetuadas diligências tendentes ao apuramento da morada atual do arguido, nomeadamente pesquisa informática no programa CITIUS, e, bem assim, pesquisa nas demais bases de dados disponíveis (DGRSP, Segurança Social, Conservatória do Registo Civil, Conservatória do Registo Automóvel e IMT);

- Apesar da realização dessas pesquisas, não foi apurada nova morada referente ao arguido;

- Em 12-02-2020, o Ministério Público promoveu, de novo, que fossem efetuadas diligências tendentes ao apuramento da morada atual do arguido, nomeadamente que fosse oficiada à Administração Central do Sistema de Saúde, I.P., ao Instituto do Emprego e Formação Profissional, e ao SEF, solicitando informação sobre o paradeiro do arguido.

- Apesar de realizadas essas diligências, não foi apurada nova morada referente ao arguido;

- Em 06-04-2020, o Ministério Público promoveu, uma vez mais, que fossem efetuadas diligências tendentes ao apuramento da morada atual do arguido, nomeadamente que fosse oficiado à Polícia Judiciária, à Guarda Nacional Republicana, à Polícia de Segurança Pública, à EDP, e às operadoras NOS, MEO e VODAFONE, solicitando informação relativamente à morada do arguido;

- Apesar de realizadas tais diligências, não foi apurada nova morada referente ao arguido;

- Por despacho judicial, datado de 07-01-2021, foi designada uma nova data para a audição do arguido prevista no artigo 495º, nº 2, do C. P. Penal, a realizar no dia 27 de janeiro de 2021, pelas 15h30m. No entanto, tal diligência foi desconvocada e agendada nova data para o dia 22 de abril de 2021, às 11 horas;

- O arguido foi notificado para comparecer à aludida audição (prevista no artigo 495º, nº 2, do C. P. Penal), determinando-se, para o efeito, que a notificação do arguido fosse efetivada por via postal simples com prova de depósito, na morada indicada no T.I.R. (e por absoluto desconhecimento de qualquer outra morada do arguido), o que foi feito;

- Apesar disso, o arguido não compareceu na data designada para a audição prevista no artigo 495º, nº 2, do C. P. Penal;

- Por despacho proferido em 09-06-2021, e do qual não foi interposto recurso, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido;

- Esse despacho, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão, foi notificado ao arguido, em 24-06-2021, por via postal simples com prova de depósito, para a morada constante do T.I.R.;

- Igualmente, tal despacho, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, foi notificado à Ilustre defensora oficiosa do arguido, que não o impugnou por qualquer meio, nem dele recorreu.

Face ao que vem de dizer-se, é de concluir que o Tribunal recorrido não preteriu a audição prévia do arguido (prevista no artigo 495º, nº 2, do C. P. Penal), é de concluir que não se verificou, no processado em causa, qualquer nulidade (sanável ou insanável), é de concluir que, em diversos momentos e por diferentes meios, foi ordenada a realização de diligências tendentes ao apuramento da morada atualizada do arguido, e, por último, é também de concluir que o despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão foi regularmente notificado ao arguido (sendo que essa notificação não tem de ser levada a cabo, necessariamente, por contacto pessoal, podendo ser feita por via postal).

Em suma: não foi preterida a audição prévia do arguido (artigo 495º, nº 2, do C. P. Penal), a decisão que revogou a suspensão da execução da pena não enferma de nulidade, e as decisões que consideraram o arguido notificado, por via postal simples com prova de depósito, na morada constante do T.I.R., mostram-se totalmente acertadas, não violando qualquer preceito legal, nem violando quaisquer princípios ou quaisquer preceitos constitucionais.

Por tudo o que se deixou dito, o recurso é de improceder.

III - DECISÃO

Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se, consequentemente, a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

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Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 05 de abril de 2022

João Manuel Monteiro Amaro

Nuno Maria Rosa da Silva Garcia

Gilberto da Cunha