SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO
Sumário

I - A prorrogação do prazo de suspensão da execução da pena de prisão (art. 55º, al. d) do CP), está prevista apenas para as situações em que o condenado deixou de cumprir algum dos deveres ou regras de conduta a que a suspensão da pena foi subordinada ou em que não correspondeu ao plano de readaptação traçado pelo Tribunal e aceite pelo condenado, ou seja, para os casos de suspensão condicionada.
II - Não é possível substituir a pena de prisão por trabalho a favor da comunidade, depois de revogada a suspensão da execução da pena de prisão.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

No Tribunal Judicial da Comarca de Estarreja, o arguido B.........., com os sinais dos autos, foi, por sentença de 22.7.99, condenado na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
Porém, por despacho de 26.9.2001 (certificado a fls. 16 destes autos de recurso e fls. 39 do processo), o Mmº Juiz, ouvido o Mº Pº que se pronunciou concordantemente, decidiu revogar a suspensão da execução daquela pena, por constatar, pelo certificado de registo criminal do arguido, que este cometera, em 4.12.99, um outro crime de igual natureza, pelo qual havia sido condenado também na pena de sete meses de prisão, igualmente suspensa por dois anos, decisão que transitara em julgado, entendendo assim manifesto que a suspensão da pena decretada nos presentes autos não havia sido suficiente para que o arguido não voltasse a delinquir.

Notificado desta decisão e no intuito de obviar à execução daquela pena de prisão, o arguido veio aos autos requerer, ou a prorrogação do período de suspensão, nos termos da al. d) do artº 55º do C. Penal, ou a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artº 58º, nº 1, do mesmo Código.

Tal requerimento foi, no entanto, indeferido por despacho de 26.10.01 (fls. 23/25 destes autos de recurso e fls. 57/58 do processo), do teor seguinte:
“Após ter sido notificado do despacho proferido a fls. 39, pelo qual se lhe revogou a suspensão da pena de prisão que lhe havia sido imposta nos presentes autos, veio o arguido. B.........., a fls. 42 e ss., requerer a prorrogação do período de suspensão da pena ou que a mesma seja substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
A Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento do requerido (fls. 56).
Cumpre decidir:
Em primeiro lugar, deve salientar-se que a prorrogação do período da suspensão da pena apenas está legalmente prevista para as situações em que o condenado, durante o período da suspensão, deixe de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos ou não corresponda ao plano de readaptação (cfr. artº 55º, al. d), do Cód. Penal).
Não é essa, manifestamente, a situação em apreço, pois que a suspensão da execução da pena não foi condicionada ou complementada por qualquer dever ou regra de conduta. E a sua revogação teve como fundamento o facto de o arguido, em pleno período da suspensão, ter cometido um novo crime de condução em estado de embriaguez, denotando, pois, que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (cfr. art° 56º, nº 1, al. b), do Cód. Penal).
E para estas situações a lei aponta como única solução a revogação da suspensão, sem que se preveja a possibilidade de prorrogação do período da suspensão.
Nesta parte terá, pois, de ser indeferido o requerimento do arguido.
E o mesmo sucede com o pedido de substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade.
Com efeito, essa opção apenas se coloca aquando da aplicação da pena e já não quando a suspensão da pena de prisão é revogada e se determina o seu cumprimento. Por outro lado, diga-se que a aplicação dessa pena não detentiva tem como pressuposto que se possa concluir que através dela se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ora, no caso vertente é evidente que esse pressuposto falha pelas precisas razões que conduziram à revogação da suspensão da pena de prisão.
Nestes termos, independentemente das razões materiais invocadas pelo arguido, o seu requerimento não tem qualquer fundamento legal, pelo que se indefere.
Custas do incidente pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em uma unidade de conta (artº 84º, nº 2, do Cód. Custas Judiciais).
Notifique”.

Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, cuja motivação rematou com as conclusões seguintes:
1. O arguido foi notificado do despacho de fls. 39, pelo qual se lhe revogou a suspensão da pena de prisão que lhe havia sido imposta nos presentes autos.
2. Não conformado com o douto despacho, o arguido requereu:
- a prorrogação da pena suspensa nos termos da al. d) do art. 55° do CP.; e
- a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade.
3. Para tanto, o arguido apresentou prova documental e prova testemunhal.
4. Porém, o Tribunal indeferiu o requerimento do arguido, sem ter ouvido a prova testemunhal e sem ter solicitado relatório social ao Instituto de Reinserção Social de Aveiro, conforme requerido pelo arguido.
5. O Tribunal optou pela revogação automática da pena suspensa.
6. Entende o arguido que o Tribunal deve ponderar se a revogação é a única forma e a última cláusula de ultima ratio.
7. Pois importa acentuar que a revogação automática só terá lugar se o delinquente vier a ser punido com pena de prisão efectiva - vd. Prof. Figueiredo Dias, pág. 357. -; o que não sucedeu no caso concreto.
8. Para o efeito, o Tribunal devia ter tido em conta que o tribunal da segunda condenação emitira um prognóstico favorável, que conduziu à suspensão da pena.
Assim, considerando violado o artº 55° do C. Penal, pede seja revogado o despacho de fls. 57 e ss e, consequentemente, seja dado sem efeito o despacho de fls. 39, decidindo-se pela prorrogação da pena suspensa; ou, caso assim se não entenda, se ouçam as testemunhas arroladas e se solicite ao IRS relatório social do arguido, não se decidindo, pois, pela revogação automática da pena.

O Mº Pº respondeu, sustentando a bondade da revogação da suspensão da pena e a inaplicabilidade, no caso, da figura da prorrogação do período de suspensão, prevista na al. d) daquele artº 55º, assim concluindo pelo não provimento do recurso.
O Exmº Juiz sustentou a sua decisão e, nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se também no sentido do não provimento do recurso, parecer a que, notificado, o arguido contrapôs extensa resposta (fls. 47/56).
Cumpridos os vistos, cabe decidir.

Fundamentação:

Condenado por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, o ora recorrente viu tal suspensão ser revogada, constatado que foi que, no decurso desse prazo de suspensão, poucos meses após aquela condenação, cometera novo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pelo qual foi condenado, por decisão transitada, também em sete meses de prisão, igualmente suspensa por dois anos.
Notificado dessa decisão, o arguido dela não recorreu, tendo, porém, dirigido ao Tribunal que a proferira um requerimento, nos termos do qual pedia: a) a prorrogação do período de suspensão da pena aplicada; ou, então, b) que a pena de prisão fosse substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
E, do despacho que indeferiu este seu requerimento, interpôs então o arguido o recurso em presença.
Vejamos, então.

Com a prolação do despacho que revogou a suspensão da pena imposta ao arguido esgotou-se o poder jurisdicional do Tribunal sobre essa matéria (artº 666º, nº 1 e 3, do C. P. Civil e 4º do C. P. Penal), pelo que o requerimento do arguido, enquanto entendido como um meio para levar o Tribunal a reapreciar o mérito daquela decisão e a alterá-la, estava necessariamente votada ao malogro.
Por outro lado e a par disso, não tendo sido interposto recurso desse despacho que revogou a suspensão da pena, essa decisão ganhou estabilidade, não sendo agora passível de modificação ou revogação pela eventual infirmação do seu acerto formal ou da sua bondade substancial.
Porque assim, a realidade de que, agora irreversivelmente, se tem de partir é a da pena de prisão a que, revogada a suspensão, o arguido se encontra sujeito, sendo a essa luz que se terá de questionar se alguma das pretensões do recorrente tem viabilidade.

E, quanto à primeira - prorrogação do período de suspensão da pena aplicada -, afigura-se claro que ela não é possível, logo porque pressuposto lógico e por definição da prorrogação do período de suspensão é que tal período ainda subsista. “Prorrogar” significa “tornar mais longo um prazo estabelecido”, “protrair” ou “dilatar” (Cfr., Grande Enciclopédia Portuguesa Brasileira); o que tem subjacente que tal prazo ainda se não extinguira.
Assim, carece de sentido pretender-se a prorrogação do período de suspensão da pena quando essa suspensão já desaparecera definitivamente.
Sem embargo, não se deixará de dizer que, com o Mº Pº, também se entende que o recorrente não poderia, de todo o modo, aspirar à prorrogação prevenida na al. d) do artº 55º do C. Penal, por isso que, como decorre do corpo do preceito, tal possibilidade está prevista apenas para as situações em que o condenado deixou de cumprir algum dos deveres ou regras de conduta a que a suspensão da pena foi subordinada ou em que não correspondeu ao plano de readaptação traçado pelo Tribunal e aceite pelo condenado, ou seja, para os casos de suspensão condicionada, nos termos dos artº 50º, nº 2, 51º, 52º e 54º do C. Penal; o que, no caso, não sucedeu, pois que a suspensão da pena imposta ao arguido revestiu a modalidade de suspensão pura e simples, não tendo sido subordinada ao cumprimento de específicos deveres ou regras de conduta, nem a qualquer plano de readaptação que o arguido houvesse de observar.

Quanto à segunda pretensão do recorrente, ou seja, a de ver substituída a pena de prisão por trabalho a favor da comunidade, também se pensa que não pode ser acolhida.
Dispõe o nº 1 do artº 58º do C. Penal que, “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a 1 ano, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que se concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”.
Trata-se, como é sabido, de uma pena de substituição de penas de prisão de curta duração (na redacção originária do Código - artº 60º -, pena de prisão até 3 meses, com ou sem multa, ou mesmo só pena de multa até ao mesmo limite), pena que uma primeira leitura do preceito logo inculca dever ser aplicada na sentença, no momento da escolha da espécie e de medida da pena. É o que claramente se extrai da expressão “se ao agente dever ser aplicada …” e que do texto do preceito originário também decorria (“Se o agente for considerado culpado pela prática de crime a que, concretamente, corresponda a pena de prisão, …”).
Mas, além disso, também a história do actual nº 2 do artº 56º do C. Penal, preceito que se reporta à “revogação da suspensão”, não sustenta a pretensão do recorrente.
Diz-se nesse nº 2 que “a revogação da suspensão determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição das prestações que haja efectuado”.
Teve este nº 2 a sua origem no artº 67º do Projecto de 1963, tendo sido discutido na 23ª sessão da Comissão Revisora (Cfr. Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Ed. da AAFDL, vol. II, 75/77), inicialmente com redacção mais ampla, dizendo: “No caso de revogação da sentença condicional o tribunal, consoante as circunstâncias, mandará cumprir a pena cuja execução ficou suspensa ou imporá outras sanções que ao crime forem aplicáveis, sem que as prestações ou obrigações cumpridas possam ser repetidas” (sublinhado nosso).
Aquela passagem ora sublinhada foi alvo de forte controvérsia no seio da dita Comissão Revisora, sustentando o Autor do Projecto, o Prof. Eduardo Correia, que assim se criava um meio de possibilitar ao juiz impor outras sanções que ao crime coubessem e que, na oportunidade da revogação da suspensão, se mostrassem suficientes para punir o delinquente faltoso.
Porém, essa solução foi rejeitada por maioria e aquela parte eliminada, por se ter considerado, nomeadamente, que “a pena fixada terá sempre de ser cumprida, em caso de revogação da condenação condicional”.
Ora, se bem que do Projecto de 1963 não constasse a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade - pena que só por Proposta mais tardia, de 1977, veio a integrar a redacção originária do Código Penal -, não se descortina razão alguma para concluir que a introdução de mais essa pena de substituição importou solução diferente para as situações de revogação da suspensão.
Aliás, elucidativamente, para o caso de impossibilidade de prestação do trabalho, por causa não imputável ao condenado, prevê o artº 59º do C. Penal a possibilidade de substituição da prisão por outras reacções penais (multa ou suspensão da execução da prisão - cfr. nº 6 do preceito); o que já não concede, porém, no caso de incumprimento culposo do trabalho imposto. Mas, sendo assim, seria evidente a incoerência se, no caso de revogação da suspensão da pena - que necessariamente assenta em incumprimento culposo por parte do condenado -, se admitisse ainda a possibilidade de nova substituição da pena de prisão por outra medida penal de substituição, como seria a de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Face a tudo quanto se expôs e reflectindo sobre a figura da suspensão da pena, sua revogação e co-relação com as demais penas de substituição, dir-se-á, em síntese, que, quando a eventual revogação da suspensão se funda no disposto na al. b) do nº 1 do artº 56º - prática de novo crime pelo condenado -, essa revogação terá de ser decretada e a pena que ficara suspensa executar-se-á, se se verificar o demais condicionalismo referido nessa alínea, isto é, que também as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas; se, a despeito da nova condenação, tais finalidades se não mostrarem comprometidas, não haverá então lugar à revogação da suspensão, pois que a nova condenação não opera automaticamente. De todo o modo, para a revogação da suspensão com fundamento naquela al. b) é indiferente que se trate de suspensão pura e simples ou de suspensão subordinada ao cumprimento de deveres, regras de conduta ou regime de prova.
Tratando-se de situações em que a suspensão da execução da pena foi subordinada ao cumprimento dos deveres e regras de conduta referidos nos artº 51º e 52º do C. Penal ou acompanhada do regime de prova aludido no artº 53º, a revogação da suspensão pode ainda ir buscar justificação, já não à prática de novo crime pelo arguido, mas apenas à infracção culposa desses deveres ou regras de conduta ou do plano individual de readaptação social.
E, então, perante a infracção desses deveres, o Tribunal pode decretar a revogação da suspensão, se considerar que estão irremediavelmente comprometidas as finalidades visadas com a suspensão; mas, se assim o não considerar, manterá a suspensão, ainda que, se o julgar útil, subordinada a mais apertados ou prolongados deveres.

Deste modo e transpondo estas considerações para o nosso caso, forçoso é concluir que a pretensão avançada pelo arguido de prorrogação do prazo da suspensão ou de substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade carecia de viabilidade, não podendo, pois, o recurso proceder.

Decisão:

Em conformidade, acorda-se em negar provimento ao recurso do arguido B.........., confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com o mínimo de taxa de justiça.

Porto, 14 de Dezembro de 2005
Manuel Joaquim Braz
Luís Dias André da Silva
Ângelo Augusto Brandão Morais