ACUSAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
ARGUIDO
IRREGULARIDADE
SUBSTABELECIMENTO
Sumário

I. A acusação deve ser notificada ao arguido e ao seu mandatário (113.º, § 10.º CPP). Não basta a mera notificação ao seu defensor, uma vez que o conhecimento da acusação constitui um direito pessoal do arguido, sendo essa uma exigência de um processo justo (6.º, § 1.º, al. c( e 3.º CEDH; 48.º, § 2.º CDFUE).
II. Na medida em que a inexistência de notificação da acusação ao arguido atropela bastos aspetos substantivos (brigando designadamente com o direito a conhecer os factos de que se é acusado; a saber qual é o objeto do processo e o âmbito do julgamento a que poderá ser submetido), constitui uma questão prévia, uma irregularidade de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 123º do C.P.P., que naturalmente obsta ao conhecimento de mérito. Daí que o juiz deva dela conhecer no momento previsto no artigo 311.º CPP.
III. A diferença entre o substabelecimento com reserva e o substabelecimento sem reserva reside na circunstância de, no primeiro caso, o advogado que o outorga manter os seus poderes de representação e, no segundo, o advogado constituído, perder os seus iniciais poderes. Não basta, pois, a simples junção do substabelecimento para que se considere existente a exclusão do anterior mandatário e a aceitação do novo, enquanto não ocorrer um dos três atos indicados no § 4.º do artigo 44.º CPC.

Texto Integral

9

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal da Relação de Évora:

A - Relatório:

Nos autos de Inquérito supra numerados que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro e em que são arguidos J… e F…, a Mmª Juíza do Tribunal de Instrução Criminal de Faro – J2, indeferiu a abertura da Instrução por extemporaneidade.


*

Inconformados os arguidos interpuseram recurso do despacho da Mmª Juíza, com as seguintes conclusões:

1. Em 11-11-2021 os arguidos ora Recorrentes vieram aos autos requerer a abertura de instrução.
2. Por despacho datado de 12-11-2021 o tribunal “a quo” decidiu rejeitar, por ser manifestamente extemporâneo, o requerimento de abertura de instrução, em conformidade com o disposto no artigo 287.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do Código de Processo Penal.
3. Os arguidos ora Recorrentes não se conformam com o despacho de que ora se recorre desde logo porquanto foi apresentado recurso do despacho que indeferiu a requerida nulidade por falta de notificação da acusação ao defensor.
4. Andou mal o tribunal “a quo” ao considerar que os arguidos foram notificados do despacho de acusação em 14 de julho de 2021 e que a ter existido alguma irregularidade na notificação da defensora a mesma estaria sanada.
5. Salvo o devido respeito, que é muito, a notificação da acusação ao defensor não e pode presumir, nem tão pouco se pode considerar que está sanada, tratando-se de uma nulidade insanável, sendo indubitável que a defensora dos arguidos não foi notificada da acusação proferida nos presentes autos.
6. O despacho recorrido viola o disposto no artigo 123.º do CPP e bem assim o artigo 283.º, n.º 5 do CPP por remissão para o n.º 3 do artigo 277.º do CPP.
7. A interpretação dada pelo tribunal “a quo” à norma constante no artigo 123.º, n.º 1 do Código de Processo Penal no sentido de que a arguição da nulidade de falta de notificação da acusação ao defensor tem que ser arguida no prazo legal de três dias é inconstitucional por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1 e n.º 3 da nossa Constituição, cuja inconstitucionalidade se invoca desde já para efeitos de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional.
8. O tribunal “a quo” deveria ter interpretado a norma constante no artigo 123.º, n.º 1 do Código de Processo Penal no sentido de que a mesma não se aplica à arguição da nulidade da falta de notificação da acusação ao defensor, porquanto estamos perante uma irregularidade de conhecimento oficioso com natureza de "verdadeira nulidade insanável", nulidade essa que o tribunal “a quo” tinha como obrigação sanar de imediato, o que não sucedeu até a presente data.
9. Sucede que até à presente data (10-12-2021) a mandatária dos arguidos ora recorrentes não foi notificada do despacho de acusação e como tal não prescindindo do prazo legal concedido para a abertura de instrução por mera cautela de patrocínio apresentou aos autos requerimento de abertura de instrução.
10. Não podendo o tribunal “a quo” considerar que o RAI apresentado é manifestamente extemporâneo, pois como é bom de ver e atento a que a defensora ora signatária ainda não foi notificada da acusação sempre se dirá que o RAI apresentado é manifestamente tempestivo.
11. Termos em que e face ao supra exposto deverá o despacho recorrido ser revogado e consequentemente deverá ser ordenada oficiosamente a remessa dos presentes autos ao Ministério Público para que proceda às diligências legalmente necessárias à efectiva reparação da falta de notificação da acusação à defensora.
12. E consequentemente deverá ser declarada aberta a instrução relativamente aos arguidos ora Recorrentes.
Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso, revogar o despacho recorrido e em consequência deverá ser ordenada oficiosamente a remessa dos presentes autos ao Ministério Público para que proceda às diligências legalmente necessárias à efectiva reparação da falta de notificação da acusação à defensora e consequentemente deverá ser admitido o requerimento de abertura de instrução, declarando-se aberta a instrução, assim se fazendo JUSTIÇA!

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O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou resposta concluindo:

1ª Salvo melhor opinião, não assiste razão ao ora recorrente.
2ª Dispõe o artigo 287.º, n.º 3 do CPP que “O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução”.
3ª Acontece que os arguidos J… e F… foram notificados do despacho de acusação em 14 de Julho de 2021 (fls. 2309, 2317, 2332 e 2336).
3ª Acresce que, conforme decidido a fls. 2893, atendendo ao teor de fls. 2306 (tal como decorre de fls. 2313), a ter existido alguma irregularidade na notificação da Ex.ª Defensora dos ora recorrentes, sempre tal irregularidade se consideraria sanada no prazo de três dias a contar do dia 19 de julho de 2021, i. é, em 23 de julho de 2021.
4ª Aliás, mesmo que assim não se considerasse, conforme referido a fls. 2893, sempre cumpriria salientar que, efetivamente, a Ex.ª Mandatária apresentou, em 18 de Agosto de 2021 (fls. 2474 e 2507), um requerimento tendo em vista a prorrogação do prazo legal para a abertura de instrução, no qual faz referência, expressa e inequívoca, ao teor da acusação deduzida (“vasta prova documental indicada em sede de acusação”).
5ª Por conseguinte, pelo menos, em 18 de Agosto de 2021 a Ex.ª Mandatária tinha já tomado conhecimento do teor da acusação proferida, não invocando então, a este propósito, qualquer irregularidade processual até ao dia 23 de agosto de 2021.
6ª Efetivamente, a ter-se verificado a invocada falta de notificação, a mesma sempre constituiria, de facto, uma irregularidade processual (a ser arguida nos termos do preceituado no artigo 123.º, n.º 1 do CPP), na medida em que não se encontra prevista no elenco de nulidades previsto nos artigos 119.º e 120.º do CPP, nem é qualificada como tal em qualquer outra disposição legal (neste sentido, veja-se o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.07.2018, proc. n.º 123/16.4PGOER.L1-3, relator: Conceição Gonçalves e o Ac. do mesmo Tribunal da Relação de 08.09.2020, proc. n.º 3276/18.3T9SXL.L1-5, relator: Ricardo Cardoso, bem como o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 26.10.2020, proc. n.º 754/19.0T9BRG.G1, relator: António Teixeira, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Por conseguinte, o recurso interposto não deverá de merecer provimento e, consequentemente, ser mantido o douto despacho.


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Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Foi observado o disposto no nº 2 do artigo 417° do Código de Processo Penal.


*****

B - Fundamentação:

São elementos de facto relevantes e decorrentes do processo os que constam do relatório que antecede, os que se indicam de seguida, bem como o teor do despacho recorrido:

1) Os recorrentes foram detidos a 15-09-2020 e a 16-09-2020 foram sujeitos a interrogatório judicial e, na mesma data, constituíram inicialmente mandatária a Drª E…;
2) A 04-06-2021 foi junto aos autos substabelecimento sem reservas a favor da actual mandatária, Drª C…;
3) A acusação foi deduzida a 12-07-2021;
4) A anterior mandatária dos arguidos, a Drª E…, foi notificada da dedução da acusação em 28-07-2021, ref. 121108097;
5) A Drª C… veio a ter a primeira intervenção nos autos a 18-08-2021 e 19-08-2021 em requerimento em que peticionavam, através da ilustre mandatária requerente, a prorrogação de prazo para abertura de instrução por mais 20 dias devido à excepcional complexidade dos autos, o elevado número de arguidos e a vasta prova documental indicada em sede de acusação;
6) O que lhes foi deferido por despacho de 20-08-2021;
7) Repetiram o requerimento a 23-08-2021.
8) É este o teor do despacho recorrido:

«No que respeita ao requerimento de abertura de instrução a fls. 2939 e seguintes:
Dispõe o artigo 287.º, n.º 3 do CPP que “O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução”.
Ora, neste caso, os arguidos J… e F… foram notificados do despacho de acusação em 14 de julho de 2021 (fls. 2309, 2317, 2332 e 2336).
Acresce que, e conforme se decidiu a fls. 2893, atendendo ao teor de fls. 2306 (tal como decorre de fls. 2313), a ter existido alguma irregularidade na notificação da Ilustre Defensora destes arguidos, sempre tal irregularidade se consideraria sanada no prazo de três dias a contar do dia 19 de julho de 2021, i. é, em 23 de julho de 2021.
Aliás, mesmo que assim não se considerasse, e conforme também se referiu a fls. 2893, sempre cumpriria salientar que, efetivamente, a Ilustre Mandatária requerente apresentou, em 18 de agosto de 2021 (fls. 2474 e 2507), um requerimento tendo em vista a prorrogação do prazo legal para a abertura de instrução, no qual faz referência, expressa e inequívoca, ao teor da acusação deduzida (“vasta prova documental indicada em sede de acusação”). Como tal, pelo menos em 18 de agosto de 2021 a Ilustre Mandatária tinha já tomado conhecimento do teor da acusação proferida, não invocando então, a este propósito, qualquer irregularidade processual até ao dia 23 de agosto de 2021.
Efetivamente, a ter-se verificado a invocada falta de notificação, a mesma sempre constituiria, de facto, uma irregularidade processual (a ser arguida nos termos do preceituado no artigo 123.º, n.º 1 do CPP), na medida em que não se encontra prevista no elenco de nulidades previsto nos artigos 119.º e 120.º do CPP, nem é qualificada como tal em qualquer outra disposição legal (neste sentido, veja-se o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.07.2018, proc. n.º 123/16.4PGOER.L1-3, relator: Conceição Gonçalves e o Ac. do mesmo Tribunal da Relação de 08.09.2020, proc. n.º 3276/18.3T9SXL.L1-5, relator: Ricardo Cardoso, bem como o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 26.10.2020, proc. n.º 754/19.0T9BRG.G1, relator: António Teixeira, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Deste modo, e atendendo a que o prazo para a abertura de instrução é de vinte dias (artigo 287.º, n.º1, al. a) do CPP), julga-se que, devendo a Ilustre Defensora considerar-se notificada do despacho de acusação pelo menos em 23 de julho de 2021 e, ainda que assim não se entendesse, em 24 de agosto de 2021, o requerimento de abertura de instrução ora apresentado, em 10 de novembro de 2021, é manifestamente extemporâneo.
Assim, decide-se rejeitar, por ser manifestamente extemporâneo, o aludido requerimento de abertura de instrução, em conformidade com o disposto no artigo 287.º, n.º1, al. a) e n.º 3 do CPP.
Custas a fixar a final, em caso de condenação, nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP e artigo 8.º, n.º 9 do RCP, por referência à correspondente tabela III.
Notifique».

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B.2 – Cumpre conhecer.

B.2.1 – O objecto do presente recurso é de simples enunciação. A questão a apreciar nesta decisão, em função das conclusões de recurso, é a de saber se o tribunal recorrido podia considerar sanada a eventual invalidade processual praticada nos autos por ausência de notificação da acusação à ilustre mandatária recorrente, pressupondo existente essa invalidade.
E é certo que a acusação deve ser notificada ao arguido e seu mandatário não só pelo que se prevê no artigo 113º, n. 10 do Código de Processo Penal, também porque é uma exigência de um due process, de um processo justo. A notificação de uma acusação é um direito pessoal do arguido que se não basta com a mera notificação do seu defensor – artigo 6º, nº 3, al. a) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. - Vide gratia a proposição I do acórdão do STJ de 10-10-2007 (Relator o Cons. Henriques Gaspar, proc. n. 07P2301): “I - A notificação da acusação deve ser feita pessoalmente ao arguido, além do defensor, como expressamente refere o n.º 9 do art. 113.º do CPP. Esta exigência constitui um pressuposto do exercício efectivo do direito de defesa, dada a função processual do acto de acusação e da posição eminentemente pessoal do arguido perante os factos da acusação, como delimitação do perímetro dentro do qual se desenha o direito e se impõem as necessidades de defesa da pessoa acusada”.

E o nº 10 do artigo 113º do Código de Processo Penal é muito claro quando assevera que «As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar».
Assim, para o actual ordenamento jurídico português a exigência do referido nº 10 (anterior nº 9) tem um duplo sentido. Tem, em primeira linha, o sentido de que a “a notificação de uma acusação é um direito pessoal do arguido” pretendendo afirmar-se que a notificação se não basta com a notificação ao defensor e que o arguido tem um direito próprio, pessoal, de receber uma notificação da acusação deduzida, nos termos em que essa notificação deva ser feita segundo as regras do ordenamento processual interno.
Mas também tem o sentido de que o arguido tem um direito a uma defesa efectiva, o que começa pela notificação ao seu defensor das peças essenciais ao exercício do direito de defesa e o saber do teor da acusação é o pináculo do efectivo exercício do direito de defesa que lhe permita uma defesa atempada tendo presente o prazo que começa a correr a contar dessa notificação.
Tal “realidade” processual, claramente uma invalidade processual caso não ocorra, como se qualifica? E deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal?
Neste ponto e in illo tempore, a jurisprudência maioritária ia no sentido de qualificar a dita invalidade como uma irregularidade sanável, afastando a tese da nulidade insanável. - Esta por via da previsão da al. c) do artigo 119º do Código de Processo Penal por interpretação extensiva do termo “presença”.
Mas hoje, quando já se conhece (não é?):
- o teor do artigo 6º, nº 1, al. c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem [«(c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem»]
- o Artigo 48º nº 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2016/c 202/02), [«É garantido a todo o arguido o respeito dos direitos de defesa»)
- a Diretiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de outubro de 2013 relativa ao direito de acesso a um advogado em processo penal e nos processos de execução de mandados de detenção europeu,
- e a Diretiva 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de maio de 2012 relativa ao direito à informação em processo penal, que nos seus artigos 3º e 6º afirmam:

Artigo 3º
Direito a ser informado sobre os direitos
1. Os Estados-Membros asseguram que os suspeitos ou acusados de uma infração penal recebam prontamente informações sobre pelo menos os seguintes direitos processuais, tal como aplicáveis nos termos do direito nacional, a fim de permitir o seu exercício efetivo:
a) O direito de assistência de um advogado;
b) …
Artigo 6º
Direito à informação sobre a acusação
1. Os Estados-Membros asseguram que os suspeitos ou acusados recebam informações sobre o ato criminoso de que sejam suspeitos ou acusados de ter cometido. (…)

3. Os Estados-Membros asseguram que, pelo menos aquando da apresentação da fundamentação da acusação perante um tribunal, sejam prestadas informações detalhadas sobre a acusação, incluindo a natureza e qualificação jurídica da infração penal, bem como a natureza da participação do acusado.
4. Os Estados-Membros asseguram que os suspeitos ou acusados sejam prontamente informados das alterações nas informações prestadas nos termos do presente artigo caso tal seja necessário para salvaguardar a equidade do processo.

Talvez seja muito limitativo hoje em dia restringir a discussão à muito badalada e algo anorética argumentação da natureza sanável da invalidade processual e ao prazo de três dias do processo penal português.
É que essa argumentação é uma forma de revogar a dita legislação comunitária e Convencional, do C.P.P., de tornar inviável o direito de defesa e, assim, não cumprir as obrigações de facere do Estado português em cada processo, que muito claramente ressalta dessa legislação (a expressão “Os Estados-Membros asseguram…” é consabidamente a consagração de uma “obrigação positiva” a vincular os Estados membro da UE).
Porque, claramente, estas disposições comunitárias e convencionais estabelecem obrigações positivas vinculando os Estados membros, incompatíveis com um “lavar de mãos” processual.
Mas mesmo no simples processo penal português a inexistência de notificação da acusação é uma questão prévia que obsta a conhecer de mérito e que o juiz está legitimado a conhecer no momento do artigo 311º do Código de Processo Penal.
E, vendo o juiz que a notificação da acusação não existe, tem que constatar um vício processual de grande relevo, na medida em que essa notificação é uma exigência processual com bastos aspectos substantivos. Esse vício processual tem importantes reflexos substantivos – não é uma mera questão processual – já que briga com o direito a conhecer os factos de que se é acusado, a saber, qual o objecto do processo e o âmbito do julgamento a que poderá ser submetido.
E, face a isto, a argumentação da sanabilidade por decurso de um prazo de três dias cai por terra. Por isso que a ausência dessa notificação se deva considerar uma irregularidade de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 123º do C.P.P..
Mas será essa a questão essencial nos presentes autos? Claramente não é!


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B.2.2 – A ilustre recorrente não invoca – nem nega – que os advogados dos arguidos não tenham sido notificados da acusação. O que invoca é que pessoalmente não foi notificada dessa acusação!
Mas a notificação – não sendo um direito pessoal do advogado - tem que ser feita ao advogado que, no momento próprio, estava constituído nos autos. E se houver alteração de mandatário constituído – designadamente por substabelecimento com ou sem reservas – o novo mandatário não ganha um direito pessoal a ser notificado, de novo, da acusação.
Tudo depende, pois, da data da junção do substabelecimento aos autos e dos efeitos jurídicos daí resultantes que, parece-nos, têm sido vistos, erradamente, com efeitos automáticos resultantes da simples junção do substabelecimento. E não é assim, de há muito!
É um dado adquirido que a diferença entre o substabelecimento com reserva e o substabelecimento sem reserva reside na circunstância de, no primeiro caso, o advogado que o outorga manter os seus poderes de representação e, no segundo, o advogado constituído, perder os seus iniciais poderes.
Desta forma tudo depende de saber em que momento o advogado substabelecido assume, em pleno, os poderes nos autos.
Afirma-se no artigo 44º nsº 3 e 4 do Código de Processo Civil que (3) «o substabelecimento sem reserva implica a exclusão do anterior mandatário» e que (4) «a eficácia do mandato depende de aceitação, que pode ser manifestada no próprio instrumento público ou em documento particular, ou resultar de comportamento concludente do mandatário».
Logo, não basta a simples junção do substabelecimento para que se considere existente a exclusão do anterior mandatário e a aceitação do novo enquanto não ocorrer um dos três actos indicados pela norma. E acto concludente será a mera junção do substabelecimento pelo substabelecido, ou a sua junção pelo mandatário substabelecente com aceitação do substabelecido no instrumento apresentado. O que não ocorreu nos autos!
No caso dos autos ocorrem, os seguintes factos relevantes, neste ponto: a mandatária substabelecente foi quem juntou o substabelecimento mas sem aceitação da mandatária substabelecida nesse instrumento processual; esta mandatária não juntou instrumento ou documento particular de aceitação e só vem a ter um comportamento (requerimento) concludente de aceitação do mandato em 18-08-2021, após a notificação da acusação à anterior mandatária.
Assim, entre a data de junção do substabelecimento (04-06-2021) e 18-08-2021 (data de um acto concludente) os arguidos continuaram a ser representados pela mandatária substabelecente, sendo pois lícita a notificação da acusação ocorrida em 28-07-2021 à mandatária anterior.

E tendo sido constituída mandatária nos autos a partir de certo momento, a nova mandatária tem a obrigação de apurar o estado dos autos e verificar se a dita notificação da acusação foi efectivada em momento anterior. Ou vir demonstrar nos autos que não foi realizada.
Aliás – e como o despacho recorrido bem refere – a ilustre recorrente tem perfeito conhecimento do teor da acusação e demonstra-o quando vem pedir a prorrogação do prazo para requerer a instrução e faz expressa referência ao que dela consta.
Desta forma, sendo este o único fundamento de recurso este é improcedente na totalidade.

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Dispositivo
Em face do exposto acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos.

Custas pelos recorrentes com o mínimo de taxa de justiça.

Notifique (elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).

Évora, 05 de Abril de 2022

(processado e revisto pelo relator).

João Gomes de Sousa (Relator)

António Condesso (Adjunto)

Gilberto Cunha (Presidente da Secção)