VALOR DA CAUSA
ACTUALIZAÇÃO
PRÉ-REFORMA
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
Sumário


Na presente ação está em causa o pedido de atualização de prestações periódicas de pré-reforma e não de frutos civis, legais ou rendimentos, ou seja, o pagamento de prestações periódicas que se tornam exigíveis no desenvolvimento da relação contratual subjacente, devendo, por isso, na fixação do valor da causa aplicar-se o disposto no artigo 300º, nº 1 e não o artigo 297º, nº 2 do CPC.

Texto Integral




Processo nº 2586/20.4T8LSB.L1.S1

Recurso de revista


  
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Secção Social

I. Relatório

1.AA, CC nº ..., válido até 09/04/2028, NIF ..., técnico de apoio administrativo, residente na ...., ... ...,

2. BB, CC nº ..., válido até 24/10/2021, NIF ..., técnica administrativa de apoio à gestão, residente na Rua ..., ..., ...,

3. CC, CC nº ..., válido até 03/09/2020, NIF ..., técnica de telecomunicações, residente no ...,  ..., ... ...,

4. DD, CC nº ..., válido até 08/07/2020, NIF ..., técnico de telecomunicações (TTL), residente na Rua ..., ..., ..., ... ...,

5. EE, CC nº ..., válido até 14/02/2029, NIF ..., técnico de desenho, residente na ..., ..., ..., ... ...,

6. FF, CC nº ..., válido até 13/01/2020, NIF ..., jurista, residente na Rua ..., ..., ... ...,

7. GG, CC nº ..., válido até 08/02/2029, NIF ..., técnico de apoio, residente Rua ..., ..., ...,

8. HH, CC nº ..., válido até 09/12/2020, NIF ..., técnico de apoio à gestão, residente Rua ..., ..., ..., ... ...,

9. II, CC nº ..., válido até 23/02/2020, NIF ..., electrotécnico de telecomunicações principal, residente Rua ..., ..., ... ..., intentaram a presente ação declarativa com processo comum contra:

MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A., pessoa coletiva n.º 504615947, com sede na Av. Fontes Pereira de Melo, nº 40, Lisboa.

Os Autores peticionaram: A) A condenação da ré a reconhecer-lhes o direito à atualização do montante da prestação de pré-reforma, simultaneamente com a atualização salarial dos trabalhadores do ativo, com base em percentagem igual à do aumento de retribuição fixada para a tabela salarial dos mesmos, de que os autores beneficiariam se estivessem no pleno exercício das suas funções. B) A condenação da ré a atualizar a remuneração dos autores nos termos sobreditos e a pagar, a cada um deles, as diferenças da prestação de pré-reforma suprarreferidas no artigo 21º da petição inicial, num total de € 330,00 para cada um dos 1º a 8º autores e num total de € 220,00 para o 9º autor, vencidas até 31/12/2019, bem como as diferenças que se vencerem após 1/01/2020, com as legais consequências.”

A Ré contestou, suscitando incidente de fixação do valor da causa e sustentando que a atualização das prestações de pré-reforma estava dependente da alteração da tabela salarial, que se manteve inalterada e uma vez que a atualização efetuada foi uma medida pontual e extraordinária, apenas dirigida aos trabalhadores no ativo, e sem que as referidas tabelas tenham sido atualizadas, os autores não têm direito aos pretendidos aumentos.       Conclui pela improcedência da ação, pugnando pela sua absolvição dos pedidos.

No âmbito do incidente de fixação do valor da causa, foi proferida decisão pelo Tribunal de 1.ª instância, fixando à ação valor de € 2.860,00 euros.

A Ré interpôs recurso de apelação da decisão que fixou o valor da causa.

Por decisão singular, mantida por acórdão da conferência, o Tribunal da Relação ..., manteve a decisão proferida sobre o valor da causa.

A Ré, novamente inconformada, interpôs recurso de revista, que foi admitido com fundamento no artigo 629º, nº 2 alínea b) do CPC.

A Recorrente/Ré, no recurso de revista, elaborou as seguintes Conclusões:
1.Com o devido respeito, não se pode aceitar a bondade do Douto Acórdão proferido, por não ser totalmente conforme à lei e ao direito.
2. Dado que, contrariamente aquilo que se propugna, o pedido de condenação da Ré no pagamento das prestações de pré-reforma que se vencerem posterior e consecutivamente a 1 de janeiro de 2020, não reveste caracter subsidiário.
3. Ao invés e de forma peremptória categórica, os NOVE Autores pretendem que também lhe seja reconhecida a atualização das prestações de pré-reforma que lhe sejam devidas após essa data e até à sua reforma.
4.O que implica a renovação, mensal e sucessiva, do reconhecimento do valor actualizado dessa prestação de natureza periódica.
5. Donde, jamais poderia ter sido fixado à ação o valor de 2.860,00€, oportunamente impugnado, antes o de 270.000,09€, também indicado, atendendo ao facto de cada um dos NOVE Autores deduzir um pedido autónomo, dado se tratar de uma situação de coligação ativa, como reza o disposto no artigo 300º, do Cód. Proc. Civil e constitui entendimento já sufragado no Acórdão citado.
6. Razão pela qual, o Douto Acórdão proferido infringiu o disposto no artigo 300º, do Cód. Proc. Civil, pelo que deve ser revogado e dando-se provimento ao presente recurso, ser substituído por outra que atribua à ação o valor de € 270.000,09, doutro modo, não se fará rigorosa aplicação da Lei e, como tal, haverá fundada razão para se afirmar não ter sido feita JUSTIÇA!

Os Autores apresentaram contra-alegações  

A Exma. Procuradora-geral Adjunta deu parecer no sentido de ser mantida a decisão recorrida.


II. Fundamentação

 A única questão que importa apreciar é a de saber se o valor da causa deve ser fixado, ou não, em € 270.000,09 como pretende a Recorrente/Ré.

Fundamentos de facto

Com relevo para a questão a decidir, resulta dos autos que:

1. Os autores peticionam a atualização do montante de prestação de pré-reforma mensalmente auferido por cada um nos seguintes termos:

- Quanto 1º a 8ª Autores o pagamento de mais 15 euros por cada mês, incluindo 13º e 14º mês vencidos em julho e novembro, desde 01 de julho de 2018 até dezembro de 2019, num total de 22 meses, o que perfaz 330 euros para cada Autor.

- Quanto ao 9ª Autor o pagamento de mais 10 euros por cada mês, incluindo 13º e 14º mês vencidos em julho e novembro, desde 01 de julho de 2018 até dezembro de 2019, num total de 22 meses, o que perfaz 220 euros.

2.- Os Autores peticionam igualmente o pagamento das diferenças resultantes da atualização que se vierem a vencer a partir de 1 de janeiro de 2020.

Fundamentos de direito

Importa assim apreciar se o valor da causa deve ser fixado, ou não, em € 270.000,09, como pretende a Recorrente.

Os critérios gerias para fixação do valor da causa constam do artigo 297º do CPC, nos respetivos nºs 1 e 2, nos seguintes termos:

1.Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício.

2. Cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencido.
De acordo com este preceito os interesses vincendos não relevam para o valor da causa, todavia, o artigo 300º do mesmo Código prevê, sob a epígrafe Valor da ação no caso de prestações vincendas e periódicas:

1. Se na ação se pedirem, nos termos do artigo 557.º, prestações vencidas e prestações vincendas, toma-se em consideração o valor de umas e outras.

2. Nos processos cuja decisão envolva uma prestação periódica, salvo nas ações de alimentos ou contribuição para despesas domésticas, tem-se em consideração o valor das prestações relativas a um ano multiplicado por 20 ou pelo número de anos que a decisão abranger, se for inferior; caso seja impossível determinar o número de anos, o valor é o da alçada da Relação e mais (euro) 0,01.

Assim,  a diferença entre os dois preceitos assenta no facto de o artigo 300.º do CPC se aplicar com base em relações jurídicas de caráter duradouro ou de trato sucessivo subsistentes, quando são pedidos o cumprimento de prestações vencidas e vincendas, derivadas de obrigações periódicas ou permanentes, independentemente de serem devidas a título principal ou acessório, enquanto que o artigo 297.º é aplicável aos juros, rendas e rendimentos vencidos ao tempo da propositura da ação ou, depois disso, sendo objeto do pedido acessório.

Neste contexto e não estando prevista nenhuma norma especial para este efeito no Código de Processo de Trabalho, importa determinar se o pedido referente ao pagamento das diferenças resultantes da atualização dos complementos de pré-reforma que se vierem a vencer a partir de janeiro de 2020, configuram rendimentos nos termos previstos no n.º 2 do artigo 297º do CPC, não devendo ser contabilizados para efeitos do valor da causa como decidiram as instâncias,  ou se devem ser qualificados como prestações periódicas, nos termos previstos no n.º 1 do  artigo 300.º do CPC e como tal serem contabilizadas no valor da causa.

Os complementos de pensão de reforma configuram prestações periódicas. Neste sentido, Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 01-06-2011 proferido no Recurso n.º 876/08.3TTLRA.C1.S1, no qual se pode ler : “…Portanto, os complementos de pensão de reforma são prestações periódicas, que se renovam ao fim de períodos consecutivos, configurando «uma pluralidade de obrigações distintas, embora todas emergentes de um vínculo fundamental de que nascem sucessivamente; há diversas obrigações — tantas quantas as prestações — que vão surgindo a seu tempo, no desenvolvimento de uma relação complexa que a todas coenvolve» (cf. Acórdão deste Supremo Tribunal, de 28 de Junho de 1994, in ADSTA, ano XXXIII, Novembro de 1994, n.º 395, pp. 1347-1348). (…) Relativamente às prestações periódicas, o n.º 1 do artigo 472.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Pedido de prestações vincendas», estabelece que, «se o devedor deixar de pagar, podem compreender-se no pedido e na condenação tanto as prestações já vencidas como as que se vencerem enquanto subsistir a obrigação».

Na verdade, o que está em causa é o pedido de atualização de prestações periódicas e não de frutos civis ou legais ou rendimentos. Não estamos perante uma situação em que as prestações vincendas sejam uma mera decorrência de um pedido principal que não assente no pedido de cumprimento de uma prestação (como seria o caso de se deduzir um pedido principal de declaração de ilicitude de um despedimento).

No caso, o pedido principal é o reconhecimento do direito dos Autores à atualização dos respetivos complementos de pensão de reforma e do pagamento dos valores em falta já vencidos e vincendos, isto é, o pagamento de prestações periódicas que se tornam exigíveis no desenvolvimento da relação contratual subjacente, devendo, por isso, aplicar-se o disposto no artigo 300º, nº 1 e não o artigo 297º, nº 2 do CPC.
Por outro lado, considerando que não está em discussão o valor total da prestação periódica, mas apenas a sua atualização, é o valor dessa atualização (a diferença entre o valor pago e o que é que devido) que deve ser considerado para efeitos de cálculo do valor da ação e não a totalidade do complemento.
Assim quanto aos Autores 1º a 8º, o valor corresponderá, nos termos dos dados disponíveis, a 210 euros/ anos para cada um (15 euros x 14 meses) e quanto ao 9º Autor corresponderá a 140 euros/ ano (10 euros x 14 meses).
Mas, também, é possível determinar a duração provável da prestação periódica, porquanto será devida até cada um dos Autores atingir a idade da reforma, que nos termos legais, rondará os 66 anos (cf. artigo 300º, nº 2 1ª parte e 302º, nº 4 do CPC, por analogia),
Ora, como resulta do artigo 8.º da petição inicial, que não foi contestado, todos os autores têm mais de 55 anos de idade pois já estão todos em situação de pré-reforma.
Assim, ainda que para efeitos de fixação do valor da ação consideramos, com vista ao cálculo das prestações vincendas, o intervalo máximo possível entre os 55 anos e a data da reforma (66 anos e 6 meses) encontramos um período de tempo de 11 anos e 6 meses, ou seja, 160 meses considerando a ratio de 14 meses por ano.
Assim, a estes 160 meses x 15, € mensais de diferença salarial, somaria para cada Autor (exceto para o 9.º em que a diferença é apenas de 10, euros) o montante total máximo possível de 2 400,00€ (apenas 1 600, € para o 9º autor), ou seja, o valor da ação, somados os valores de todos os Autores perfazia o montante de € 20 800, (19 200, € + 1600, €), muito longe dos 270 000,09 €, propostos pela Recorrente/Ré.
Mas  a Ré não teria  dificuldades em calcular com exatidão o valor das prestações vincendas de cada um dos Autores, que resulta das diferenças salariais devidas até a data de reforma de cada um, pois tem conhecimento das suas idades, para poder calcular o número de meses que separa cada um deles da respetiva reforma, pelo que, também, não assiste razão à Recorrente quando pretende que se recorra ao critério do valor da alçada acrescido de 1 cêntimo, previsto na parte final do artigo 300.º, n.º 1 do CPC que, no caso concreto, conduziria a uma valor totalmente desajustado em face da concreta utilidade económica do pedido.

Finalmente, importa referir que numa coligação ativa, como é o presente caso, a jurisprudência deste Tribunal tem entendido que o valor a atender, para efeitos de admissibilidade do recurso, não é o valor da causa, que resulta da soma dos valores dos pedidos formulados por cada um dos autores, mas sim o valor do pedido formulado por cada um deles, individualmente considerado. Vide a título de exemplo, acórdão do STJ de 10-12-2008, Recurso n.º 3438/08 - 4.ª Secção, mais recentemente, nos acórdãos 16.12.2020, processo n.º 303/18.8T8HRT.L1.S1 e proferido em 3.01.2021, no processo n.º 1833/17.4T8RA.C1.S1, ambos em  www. dgsi.pt.

III. Decisão

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso revista que pretende ver atribuído à ação o valor de € 270.000,09, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

STJ, 30 de março de 2022.

Maria Paula Sá Fernandes (Relatora)

Pedro Branquinho Dias

Ramalho Pinto