INSTRUÇÃO
NATUREZA FACULTATIVA
DESISTÊNCIA
LIMITES
INQUÉRITO
PRAZOS
NATUREZA DO PRAZO
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DE FACTOS
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
CONSULTA "ON LINE"
INFORMAÇÕES RELEVANTES
CRIME DE RAPTO
CRIME DE VIOLAÇÃO
CRIME DE COACÇÃO SEXUAL
INTERESSES PROTEGIDOS
CONCURSO APARENTE
VÍTIMA ESPECIALMENTE VULNERÁVEL
ARBITRAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I – Embora a instrução seja uma fase facultativa do processo penal, daí não decorre a sua irrestrita disponibilidade por banda de quem a requeira.
II – Posto que a lei nada prevê directamente nessa matéria, e sendo o debate instrutório um acto obrigatório, sob pena de nulidade, tal levará a sustentar que, uma vez requerida, essa desistência não poderá já ter lugar.
III – Há doutrina que sustenta que o requerente da instrução não pode desistir dela em qualquer momento, desde logo se já tiver sido produzida prova que lhe fosse desfavorável, pois que isso resultaria em fraude aos fins públicos da instrução, impedindo o tribunal de exercer o juízo de valoração sobre a prova produzida.
IV – Porém, acolhendo-se esta doutrina, e levando-a às consequências últimas, caberia admitir a desistência da instrução a todo o tempo, com o limite do encerramento do debate, enquanto não tivesse sido produzida prova desfavorável ao requerente, mas isso faria tábua rasa da já dita obrigatoriedade do debate, uma vez ela iniciada.
V – Para compatibilizar a dita facultatividade com aquela obrigatoriedade desse acto, e tal como sustenta Pedro Soares de Albergaria, será preferível recorrer à segurança mínima da analogia a que se presta a regra prevista para a desistência dos recursos, que admite a desistência até à conclusão do processo ao relator para exame preliminar.
VI – Os prazos de inquérito são meramente ordenadores, conforme decorre de jurisprudência unânime, importando a sua ultrapassagem potenciais consequências várias, entre elas disciplinares e, no âmbito processual, de abrirem caminho à avocação dos autos pelo superior hierárquico, ao mecanismo da aceleração e ainda ao fim do eventual segredo de justiça interno, mas nenhuma delas é peremptória ou preclusiva.
VII – Assim sendo, não merece atendimento algum a tese da caducidade, aquando da dedução da acusação, da acção punitiva do Estado titulada pelo MP, e menos ainda cabe considerar a subsequente tese de conhecimento oficioso dela, e a todo o tempo, por emprego do regime próprio do Código de Processo Civil, com necessária extinção do procedimento e arquivamento do processo.
VIII – Não pode confundir-se os regimes da alteração não substancial e substancial de factos com o da alteração jurídica deles, decalcado do primeiro, embora deva reconhecer-se que uma alteração conjunta da qualificação jurídica e não substancial de factos pode facilmente resvalar para uma verdadeira alteração substancial.
IX – Consultar o “Google Maps”, não para determinar directamente um facto objecto do processo, mas antes para conhecer distâncias entre locais e também com isso informar os juízos a fazer sobre os factos, para mais revelando-se o resultado dessa consulta minimamente pertinente, ainda que só desse modo instrumental, deixando disso o pertinente rasto na motivação, é um recurso de que o juiz não está impedido de lançar mão, nem vinculado a fazê-lo em audiência.
X - O crime de rapto intencionalmente orientado pelo agente à comissão de crime contra a liberdade sexual da vítima tem como bem jurídico tutelado a liberdade física de deslocação desta última, ao passo que os de violação ou coação sexual e os demais previstos penalmente no capítulo atinente aos crimes sexuais é especificamente a liberdade pessoal de autoconformação da vida sexual pela vítima, em qualquer das suas multímodas manifestações possíveis.
XI – Sendo bens jurídicos distintos o que cada um dos crimes tutela, não tem suporte algum a pretensão de que a comissão do “crime fim” consome a do “crime meio”.
XII – Quando uma conduta consubstancia a prática de um crime de violação na forma tentada e de um crime de coação sexual, sendo este o tipo fundamental de que o de violação é uma especialização, estamos perante um concurso ideal ou aparente, não sendo puníveis ambos.
XIII – É legítimo arbitrar oficiosamente uma indemnização à vítima considerada especialmente vulnerável, desde que exercido previamente o respectivo contraditório.

Texto Integral

Proc.º 2909/18.6JAPRT.P1


Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório

1. No Juízo Central Criminal do Porto (J14), do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi a 13/10/2021 e em processo comum com intervenção de tribunal colectivo proferido acórdão em cujos termos o arguido

AA, solteiro, operador de máquinas florestais, natural de ..., ..., ..., nascido a .../.../1983, filho de BB e de CC, residente no Lugar ..., s/n, ..., ...,

foi condenado, como autor de um crime de rapto, p. e p. pelo art. 161.º, n.º 1, al. b), do Código Penal (CP), e de um crime de coacção sexual, p. e p. pelo art. 163.º, n.º 1, do CP (na redacção da lei 83/2015, de 05/08, por ser a vigente à data da prática dos factos e se lhe mostrar concretamente mais favorável), nas penas, respectivamente, de três anos de prisão e de cinco anos de prisão, em cúmulo jurídico das quais e na mesma decisão lhe foi imposta a pena única de seis anos de prisão.
No mesmo acórdão foi ainda julgado totalmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante “Centro Hospitalar ...”, com a consequente condenação do arguido a pagar-lhe a quantia de 112,07 €, acrescida de juros de mora desde 05/07/2021 até integral pagamento, e por fim e nos termos dos art. 82.º-A, do Código de Processo Penal (CPP) e 16.º, n.º 1 e 2, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei 130/2015, de 04/09, foi o arguido igualmente condenado a pagar à ofendida, DD, e a título de reparação (a ter em conta em eventual acção cível que conheça pedido de indemnização), a quantia de 20.000,00€.

2. O arguido interpôs contra essa sentença recurso, arguindo nulidades do acórdão, apontando-lhe erros de julgamento em matéria de facto e, em todo o caso, deficiente aplicação do direito, em concreto e das respectivas motivações formulando as seguintes conclusões:
I- O Processo Penal tem positivados prazos máximos para a duração de um inquérito, que, sendo perentórios, estão definidos no Artigo 276º do CPP e, não podem ir além de 18 meses, desde que verificadas as demais formalidades determinadas pelo Legislador neste inciso legal;
II- O presente inquérito terminou volvidos cerca de 24 meses após o seu início, o que, manifestamente, a lei não autoriza nem permite.
III- Sendo o prazo de duração máxima do inquérito, um prazo perentório e, por isso, de caducidade (por todos, Cláudia Crus Santos, O Controlo Judicial da Violação dos Prazos de Duração Máxima do Inquérito, Julgar nº. 32-2017), ultrapassado esse, caduca, pois, a possibilidade de dedução de despacho final;
IV- No caso dos autos, como à saciedade se vê, o prazo de duração máxima do inquérito mostra-se, largamente, ultrapassado e, desse modo, quando foi deduzido o despacho final já a Ação Penal tinha
caducado;
V- O não exercício de um direito dentro do prazo que a lei concede para o efeito, acarreta a sua extinção e, consequentemente, a obrigação dele decorrente deixa de ser exigida por ter passado a ser uma obrigação natural;
VI- A consequência da caducidade, na circunstância, não poderá ser outra, senão, a que a Lei Civil prevê, pois, o Direito não é sedimentado, mas sim, um todo harmonioso, decorrendo, daí que, a falta de instauração da Ação (Acusação) no prazo legal determina a absolvição da parte demandada do pedido, por se verificar uma exceção perentória (caducidade) que a isso conduz;
VII- No caso, estando a Ação Penal caducada por extemporaneidade da dedução de despacho final, impõe-se, pois, a sua declaração, com a consequente extinção da responsabilidade criminal e arquivamento, definitivo, dos autos;
VIII- Mesmo que se acolha o entendimento do aproveitamento e, apenas, esse, de todos os atos e provas recolhidas até ao exato momento em que ocorreu o termo legal processualmente admissível para a prolação de despacho final, autorizada pelo Artigo 276º do CPP, devendo aferir-se, até essa data, da existência ou não de indícios suficientes, rejeitando-se os demais atos e provas recolhidas em momento ulterior, já que, inválidas, julgamos que, até então, inexistiam indícios seguros contra o arguido e, desse jeito, sempre teria de ser proferido despacho de arquivamento dos autos, por a prova recolhida em momento subsequente ser nula;
IX- Na situação dos autos, afigura-se-nos, que o conhecimento desta exceção (caducidade) é de conhecimento oficioso, já que, de matéria excluída da disponibilidade dos sujeitos processuais se trata e, como tal, carece, pois, de ser invocado por quem aproveita, no caso o arguido, devendo, pois, ser assim determinado, já que se mostra preterida o sobredito artigo 276º do CPP;
X- O MMº. Juiz Presidente entendeu, assim, que o expendido no despacho comunicado no inicio da Audiência de Leitura do Acórdão recorrido, consubstancia uma mera alteração da qualificação jurídica e uma alteração não substancial de factos e, desse jeito, cumpriu, quanto ao arguido, o disposto no Artº. 358º do CPP, tendo este, em face de tal entendimento, prescindindo do direito ali conferido, já que, no seu íntimo, a questão de fundo, com o devido respeito, não se reconduzia, nem reconduz ao nomen iuris adiantado pelo Tribunal naquela decisão, dado que, a alteração de factos (que o MMº. Juiz adianta de não substancial) determina, não só, crime diverso, como a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis e, por isso, o incisivo legal a cumprir seria o Artigo 359º daquele Livro de Leis;
XI- Em face dos factos alinhados no Despacho Instrutório, vinha o arguido pronunciado pela prática de um crime de rapto e um crime de violação na forma tentada do nº. 1 do Artº. 164º do CP., tendo sido condenado por aquele primeiro e por um crime de coação sexual. Por conseguinte, em face dos novos factos estamos não só diante de uma agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, como, ainda, diante de um crime diverso (Artº. 1º. al. f) do CPP). Ou seja, é na decorrência dos novos factos que o tipo incriminatório se alterou.
XII- Ocorre alteração substancial quando diverso é o contexto objetivo do cometimento do crime, como decorre dos novos factos adiantados pelo Tribunal. Mas, basta o agravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis, como sucede no caso, para se estar diante da definição legal.
XIII- Assim, a alteração de factos é substancial e, desse modo tinha o Tribunal de dar cumprimento ao disposto no Artº. 359º do CPP. Não o tendo feito, violando o estatuído nesta norma, a decisão é nula;
XIV- Como se sabe, apenas, podem servir para formar a convicção do Tribunal as provas vistas e analisadas em Audiência de Discussão e Julgamento (Artº. 355º do CPP).
XV- Em Julgamento não foi efetuado este cotejo de ruas e localizações que, aliás, se não mostra junto aos autos. E, apenas, o que está nos autos pode ser valorado, com ressalva das regras da experiência comum e do normal acontecer das coisas, o que, não é o caso, já que, as alegadas consultas do “google” não se mostram nos autos. Assim, não tendo esta prova sido discutida e analisada em Julgamento, mostra-se, salvo o devido respeito, cometida uma nulidade processual, por violação da apontada disposição legal (Artº. 355º do CPP) - (como, aliás, decidido pela 1ª. Secção deste Tribunal no Ac. de 11.04.2018 proferido no processo nº. 154/15.1GCETR.P1);
XVI- O recorrente, por referência ao enumerado na motivação do presente recurso, considera incorretamente julgados os aludidos factos enunciados e transcritos na motivação de 1 a 12 e, isto com base:
a) Nos registos celulares e de localização celular de fls. 783 e ss;
b) Nos dados médicos e exames perícias de fls. 251, 254, 255 e ss;
c) No depoimento da própria ofendia – Registo com o número 20210929110345_15981345_2871458 e 20210929111702_15981345_2871458, nomeadamente, nos minutos indicados na fundamentação e abaixo reproduzidos;
d) No depoimento do Senhor Inspetor da Policia Judiciária, registo com o numero 20210929150940_15981345_2871458, designadamente, nos minutos abaixo referenciados;
e) No depoimento do namorado da ofendida, testemunha EE – registo 20210929141155_15981345_2871458, minutos infra referidos, quando em confronto com o dela própria e da testemunha sua mãe. Vejamos:
XVII- No caso, teremos de atender ao circunstancialismo relatado por arguido e ofendida, já que, de um depoimento e de outro, como o revela a sua gravação, não parece resultar com muito enfase que o motivo do encontro fosse a questão do dinheiro. Aliás, já o dissemos e repetimos: se a ofendida no dito casamento que a aproximou do arguido lhe não facultou o seu contacto, como é que, ambos, se vieram a encontrar? Como é que o arguido chegou até ela? (depoimento da ofendida registado nos suportes 20210929110345_15981345_2871458 e 20210929111702_15981345_2871458, minutos 00:03:03);
XVIII- O motivo deste encontro seria um alegado mutuo do arguido à ofendida, contudo, não se compreende o motivo, apelando às mais elementares regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, pelo qual a ofendida diz que se não recorda, afinal, para que seria esse montante (minutos: 00:07:23);
XIX- Igualmente, não se compreende como é que não foi possível abrir a porta em andamento (minutos 00:13:05)? Até mesmo para um carro dos mais modernos, como se sabe, não é possível imobilizar eletronicamente o fecho da porta do pendura, permitindo, pois, que este a abra pelo interior. Ora, sem mais, não se pode concluir que o arguido impediu a ofendida de abrir a porta, pois, ele conduzia o veículo. Mais, chegados ao dito local, diz a ofendida que o arguido saiu e deu a volta ao veículo (minutos 00:24:19). Então, nesse momento, por que razão ela não tentou libertar-se? Cremos que o poderia ter feito;
XX- Portanto, a sua tese, com o devido respeito, não nos parece, assim, tão coerente e consentânea com as ditas regras. Não nos parece que o arguido em condução do veículo pudesse ter impedido a ofendida de abrir a porta do veículo e, já parado, tendo saído pela sua porta, a continuasse a impedir de sair pela outra, ou, mesmo, pela porta do condutor, ou, pelo menos, que o tentasse fazer;
XXI- No início do seu depoimento, o Senhor Inspetor, questionado, de forma escorreita refere que foi a ofendida quem, sem dúvidas, indicou o caminho (Suporte 20210929150940_15981345_2871458, minutos 00:06:07). Só depois, já (re)interrogado, acabou por referir que foi de acordo com os pontos indicados pela ofendida e com a ajuda da aplicação eletrónica do “google” que terão localizado o local dos factos. – minuto 00:08:50;
XXII- Aliás, não deixa de ser espantoso, como a ofendida nega que alguma vez tenha ido àquele local (minuto 00:20 e ss), sequer sabia para lá ir e, afinal, ao Senhor Inspetor soube indicar o caminho;
XXIII- O arguido tinha e mantinha dois números de telefone móvel. Um para os contactos mais profissionais e outro para os mais pessoais (suporte 20210929100651_15981345_2871458, minutos 00:05:20). Por conseguinte, cremos que, sem mais, a conclusão a que chega o Tribunal que ele não terá recebido uma chamada quando estava com a ofendida no carro, apenas, poderia ser assim se tivessem sido analisados e solicitados os eventos de rede e comunicações do outro número de telefone, ou seja, do ....., este, aliás, ainda, no presente mantido pelo arguido;
XXIV- Como melhor resulta da audição do depoimento da ofendida, quer a instâncias do MP (minuto 00:07:23) quer a instâncias do Senhor Juiz Presidente (minuto 00:45:27) foi a mesma confrontada com a parca memória que apresentava quanto ao vivenciado, aliás, tendo até a Exmª. Senhora Procuradora adiantado “A Sra lembra-se de muita pouca coisa; esta situação devia ser muito marcante né?”, ou seja, que o relato da ofendida seria pouco compatível com quem viveu a experiência relatada por ela em fases anteriores e que originou a Acusação.
XXV- E, por outro lado, se o Tribunal adianta que a ofendida, apenas, foi capaz de chegar ao local com a Polícia Judiciária por recurso à dita aplicação eletrónica, não se compreende, então, como poderia aquela ter adiantado com pormenor o relato à GNR, ainda, por cima, se como diz, estava em pânico e com “nojo” de se aproximar de homens…(minuto 00:30:01), mas, ainda, assim, atendeu pelas 15:02:26 uma chamada do arguido…;
XXVI- O Tribunal acaba por não escalpelizar o depoimento da mãe da ofendida e, percebe-se a razão, pois, como a defesa já o adiantou em sede de alegações orais, tal depoimento não se mostra compatível com as chamadas telefónicas registadas entre ambas nessa manhã e, depois, na hora, ou próximo, dos alegados factos. É que a mãe falou com a filha na hora de almoço, mais concretamente, às 13h35 (fls. 784), o que infirma o seu depoimento, segundo o qual não falava com a filha desde manhã. Aliás, refere a testemunha que lhe tentou ligar uma série de vezes após o contacto do “EE”, contudo, tal não é acompanhado pelo registo de eventos de rede referidos a fls. 784 e ss, donde, decorre não terem existido as apontadas tentativas de contacto.
XXVII- E, quanto ao depoimento da testemunha EE, registado no suporte 20210929141155_15981345_2871458, quando cotejado com o depoimento da ofendida quer em Julgamento, quer no inquérito, resulta que algo não bate certo. Desde logo, não se compreende como é possível na prisão o namorado EE (conhecido pela ofendida nas redes sociais, já no estado de recluso) usar um telemóvel de um amigo (como o relata ao minuto 00:05:18) e no visor do telemóvel da ofendida aparecer “amor” (como esta o relata e decorre da fundamentação da decisão). E, igualmente, quando esta testemunha confrontada com uma mensagem pelo Senhor Juiz Presidente, dessa manhã e que terá enviado à ofendida “estás-me a fazer a vida negra”, a testemunha não encontrou justificação e, aliás, outrossim, tal é, perfeitamente, compatível com o relato da ofendida em momento processual anterior, onde refere que estava de relações cortadas com o dito namorado. Esta realidade, é, ainda, compatível com os eventos de rede e registo de comunicações provenientes do dito telefone móvel para o telefone móvel da ofendida (fls. 784 e 784 v) donde se vê que às sucessivas sms a ofendida não deu qualquer resposta. Por conseguinte, numa chamada que durou 10 segundos, pelas “14:09:39”, com acionamento da antena “...”, quando, segundo relato da ofendida (minuto 00:24:19), já estariam parados no tal lugar ermo (que não coincide com os registos de fls. 786, já que, nesse momento, ainda, circulavam para o local, pois, a antena do registo do local é “... centro”) não pode ter resultado como ouvido pela testemunha que a ofendida pedia ajuda. E, igualmente, este registo celular infirma, ainda, a versão da ofendida segundo a qual estavam já parados no local ermo quando o arguido ao vê-la atender o telemóvel o terá desligado totalmente, pois, como se sabe, se um telemóvel é desligado, deixa de efetuar eventos de rede e registos e, como tal, não poderiam existir os registos de fls. 786, pelo menos, até às 15h01.
XXVIII- Mais, se nesse momento (15h01), a ofendida foi auxiliada por terceiras pessoas (que nem sequer foram identificadas pelo OPC que foi ao local), se foi chamada assistência, como é possível que, permanecendo a ofendida no mesmo local, o seu telefone móvel acionar, cerca de 4 minutos depois a antena de ... e seis minutos depois a antena de ... e 14 minutos depois a antena de ... (fls. 786 v).
XXIX- Não nos parece, pois, que se possa concluir como o faz o Tribunal recorrido. É que o telemóvel da ofendida esteve sempre ligado ao contrário do que ela refere, não tendo, assim, sido desligado pelo arguido. Aliás, este ouvido em sede de interrogatório pela Policia Judiciária, de surpresa e sem qualquer caso pensado, referiu, exatamente, o que se passou nesse dia e, aliás, mais explicou que, no exato momento em que iam iniciar a relação sexual a ofendida questionou se tinha preservativo, o qual respondeu não ter, pois, o carro era da irmã, tendo a ofendida referido que não estava protegida e, desse modo, tendo o arguido dito que ficaria ali a arder, aquela sugeriu que se masturbasse tendo como mote (entusiamo) que a visse de costas, o que sucedeu. aliás, só assim se compreende que o arguido tenha limpo o seu pénis a um papel e o tenha deixado no local, pois, quem acaba de cometer uma alegada tentativa de violação ou um crime de semelhante natureza, decerto que não vai deixar tal vestígio ostensivo no local do crime;
XXX- De referir, ainda, que a ofendida logo no início em que prestou declarações junto de OPC, aprestou versões diferentes dos factos, sendo que, a justificação para o ter feito não nos parece minimamente convincente como, menos convincente é o facto de ter apagado as mensagens do seu telemóvel e já as não ter nesse momento. Tal só se justifica pelo teor que as mesmas possuiriam e, uma vez mais, terá mais plausibilidade a justificação adiantada pelo arguido, segundo a qual as apagou no seu telemóvel por causa da sua companheira. Se as mensagens não comprometessem a ofendida (em termos amorosos) não se vê por que razão as fosse, de imediato e, pelos vistos, tão transtornada, apagar, quando, elas, poderiam, ainda, mais ajudar a demonstrar a alegada agressão sexual de que teria sido vítima.
XXXI- De todo o depoimento da ofendida, aliás, com uma memória muito reduzida, como fez questão de dizer o Tribunal e a Exmª. Senhora Procuradora, resultou que a mesma estava a ter uma conversa perfeitamente descontraída e normal. A mesma, apenas, começou a chorar quando confrontada pelo Tribunal nos minutos finais (00:50:00 e ss) e passou a instância para a defesa. Choro, aliás, que durou menos de 3 minutos, pois, o Tribunal resolveu efetuar uma pausa e, ainda, o Advogado signatário se deslocava para o exterior, já a Senhora Oficial de Justiça chamava para regressar à Sala de Audiências. Aliás, é sintomático que logo no início do depoimento, a ofendida pediu para que o arguido não o presenciasse. E, enquanto o prestou ao Senhor Juiz Presidente e à Exmª. Senhora Procuradora, fê-lo com todo o à-vontade sem em momento algum se emocionar ou chorar. Com o devido respeito, esta emoção e choro da ofendida mais não traduz que uma mera encenação, pois, se de facto estivesse transtornada, contaria ao Tribunal a história que a traumatizara como se fosse um filme e ao longo do relato teria, forçosamente, de se emocionar e, muito. Mas, tal não sucedeu.
XXXII- Já se disse acima que as localizações celulares e os eventos de rede registados a fls. 786 e 786 verso demonstram conclusão diversa da adiantada pelo Tribunal Coletivo. Como o demonstra o alegado telefonema da sua mãe, ou telefonemas, que, sendo mãe e estando-lhe a ser relatada uma alegada agressão à filha, apenas, está ao telefone, das duas vezes, menos de um minuto, com chamadas distantes uma da outra cerca de 5 minutos (15:08:02 e 15:13:47).
XXXIII- Além disso, não se compreende, como possa o Tribunal ter concluído que tal é compatível com o facto de a roupa da ofendida estar desarranjada, puxada e suja, quando, no mesmo relato que o Tribunal tem como bom, em momento algum a ofendida foi para o chão, antes, esteve na frente do carro e na parte traseira da mala. Cremos que, em tais circunstâncias, a roupa não apareceria suja.
XXXIV- Quer do episódio de urgência, quer dos exames subsequentes não resultam quaisquer sinais de agressão. Não resultam, igualmente, quaisquer vestígios do arguido nos genitais da ofendida, mas, apenas, na roupa inferior interior. E, na boca foi encontrado um vestígio masculino diferente do perfil do arguido AA…
XXXV- De resto, em momento algum do seu depoimento a ofendida referiu que o arguido roçou o pénis ou o introduziu nos lábios da sua vagina. Apenas referiu que o arguido foi roçando com o pénis por fora. Em momento algum admitiu penetração ou início dela. (minuto 00:49:35 entre outros).
XXXVI- Em suma, se forem mantidos provados os apontados factos, o seu conteúdo está, inevitavelmente, em contradição com:
- o facto de, apenas, ter recebido do arguido um papel com o contacto dele e nunca lhe ter dado o seu contacto – como, afinal, surgem os contactos?
- o facto de a mesma ter referido que esteve ocupada naquela manhã dos factos com uma cliente de estética e não ter atendido o arguido, quando, do registo celular se vê que pelas 10:40:12 esteve com ele ao telefone mais de 3 minutos; pelas 11:00:54 mais de 10 minutos e, das 12:37:54 às 13:30:25 enviou-lhe 16 sms;
- o facto de no encontro anterior o arguido já a ter levado para local contra a sua vontade (minuto 00:08:04), pois, se antes já tinha sucedido essa situação, como aceitou uma vez mais sair com o arguido de carro?;
- o facto de, segundo relata, após o sucedido, ainda, ter atendido um telefonema do arguido (pelas 15:02:26), o que, é incompatível com a agressão, pois, se as coisas se tivessem passado como diz, voltaria a atender o agressor numa conversa de 37 segundos? É no mínimo bizarro tal acontecimento (colhe aqui como mais verosímil a tese do arguido, segundo a qual lhe telefonou porque estava perdido e a pedir informação para onde se deveria dirigir);
- o facto de ter, imediatamente, após o sucedido, apagado as sms do seu telemóvel;
- o facto de saber identificar o local dos factos;
- o facto de ter atendido o telefone e falado com a sua mãe pelas 13:35:55, com quem esteve ao telefone cerca de um minuto e meio, o que, contende com o que a sua mãe referiu;
- o facto de ter recebido uma série de mensagens no período em que diz que o arguido lhe desligara o telemóvel;
- o facto de no visor do seu telemóvel, quando o seu namorado, alegadamente, lhe telefonou do telemóvel do amigo recluso, ter aparecido “amor”, dado o telemóvel pertencer a um “parceiro” daquele;
- o facto de ter atendido a dita chamada e a antena ativada ser uma e a do local dos factos ser outra e, diz a ofendida que atendeu o telemóvel no exato momento em que pararam no local ermo, o que, mais uma vez, não coincide com este registo celular;
- o facto de a sua mãe lhe ter ligado logo após os factos e, ante a gravidade da situação, apenas, esteve ao telefone menos de um minuto e, segundo diz, não perceber o que ela dizia, apenas, lhe ter voltado a ligar cerca de 5 minutos depois;
- o facto de o registo de fls. 786 revelar mensagens trocadas entre a ofendida e a sua mãe, entre as 15:05:08 e as 15:05:11 e, estas, não aparecerem nos autos, ao menos, para se saber de que tratavam (é que, a estar-se diante de uma situação subsequente a uma agressão sexual, decerto que revelariam isso mesmo). E a ofendida, apenas, declarou ter apagado as mensagens que trocara com o arguido (minuto 00:07:23), portanto, as mensagens que trocou com a sua mãe e as que esta enviou, teriam de estar no telemóvel de uma e outra;
- O facto de a localização celular da ofendida 5 minutos após ser deixada pelo arguido, onde terá pedido auxílio, já ser ... e dois minutos depois já ser ...;
- o facto de não apresentar vestígios do arguido, a não ser na sua roupa interior inferior;
- o facto de apresentar vestígios masculinos não compatíveis com o arguido;
- o facto de nas suas palavras não ter apresentado queixa (minuto 00:32:03);
- o facto de a ofendida ter começado a chorar porque o Senhor Juiz insistiu em perguntar porque é que não contou logo o que se passou? No INML? Ao inspector?... o Senhor Juiz até diz “para tudo na vida há uma explicação (minuto 54:10);
- O facto de, a instâncias da defesa, dizer que nunca trocaram mensagens a falar da vida pessoal (minuto 1:04 a 1:31), só falaram no primeiro encontro (de filhos, da relação do arguido, dos filhos deste, etc) e confirma isso ao Senhor JUIZ…. e depois diz que quando inicia o namoro com o EE que disse ao arguido (minuto 3:23 a 3:55)... porque teve necessidade de dizer isso? E falaram ou não falaram da vida pessoal anteriormente no primeiro encontro? (isto porque a ofendida diz que não estava de relações cortadas com o namorado porque namoravam há 5/ 6 meses – minuto 5:58) e entre o 1º encontro e o 2º encontro não pode ter decorrido mais de 5/6 meses…etc…
XXXVII- Em conclusão, se a versão do arguido não convenceu o Tribunal, com o devido respeito, a defesa não vê, como a versão da ofendida possa convencer, tanto mais que, mesmo depois de uma situação de alegada agressão sexual, ainda, atende uma chamada do alegado agressor e está com ele ao telefone 37 segundos;
XXXVIII- Ora, na situação dos autos, quanto mais não seja, no confronto destas duas versões opostas entre si, mas, a versão que convenceu o Tribunal, rodeada das apontadas vicissitudes, por força do principio do in dúbio pro reo, corolário lógico do princípio da presunção de inocência, com base nas sobreditas provas, sempre se impunha e impõe considerar não provados os apontados factos 1 a 12;
XXXIX- O arguido vinha acusado de rapto e tentativa de violação, tendo sido condenado por rapto e coação sexual.
XL- Quer para a subsunção que faz a Acusação / Pronuncia, quer para a que faz a decisão (ainda que como advogados, não autorizada a fazê-lo), cremos que o arguido só poderia ter sido acusado de tentativa de violação e, assim, ser sentenciado.
XLI- A violação, sua tentativa ou coação, são efetuadas contra a vontade da vítima, sendo, pois, necessário, privá-la da sua liberdade de movimentos pelo tempo necessário à prática do facto, daí que não vislumbramos como se possa violar, tentar violar ou coagir outrem sem que se prive a pessoa da sua liberdade de movimentos. Isto para dizer que, no ver da defesa, não se verificará um crime autónomo de rapto, outrossim e, apenas, o crime fim, ou seja, o crime de violação, tentativa dela ou coação sexual.
XLII- A ação criminosa de privar da liberdade, de tentar a violação ou o cometimento dela ou de coação sexual, apenas, se poderá subsumir ao tipo legal que incrimina o resultado pretendido e obtido pelo agente;
XLIII- Se punimos a conduta do agente por rapto (crime meio) e pelo crime fim (tentativa de violação ou coação sexual), cremos que estamos a sentenciar e a punir a mesma conduta duas vezes. Senão, vejamos: se o agente defere várias pancadas na vítima com o objetivo de a matar e a mata, não vai ser acusado e condenando por ofensas corporais e homicídio, mas, apenas, por este último;
XLIV- Portanto, no caso dos autos, se bem vemos a questão, a sobrevir a condenação, salvo mais avisada opinião e reflexão, não pode o arguido ser condenado pelo crime de rapto.
XLV- Acresce que, também o não poderá ser, ao que vislumbramos, por outro motivo: é que, ele não colocou a vítima na impossibilidade de, caso o pretendesse, libertar-se, pois, como acima se deixou indiciado, se a mesma tentou abrir a sua porta para sair, sempre o conseguiria fazer e, conseguia-o, ainda, quando, segundo o seu relato, entraram na estrada de terra batida e o veículo conduzido pelo arguido pegou por baixo. Ora, seguramente, que, quanto mais na fosse, aí sempre se conseguiria libertar.
XLVI- Desse modo, cremos que, de um modo ou de outro, estará afastado o rapto, tanto mais que não existe registo de qualquer violência, sequer da astúcia pretendida pela decisão em crise;
XLVII- E, quanto à Coação, além do já expendido quanto à alteração substancial, não nos parece que se verifique, pois, como se tentou supra demonstrar e, aliás, resulta do depoimento da própria ofendida, não existiu o contacto com os genitais adiantados pela decisão sob censura, tão pouco, isso foi referido (lábios da vagina), daí que, com o devido respeito, se continue diante da tentativa de violação;
XLVIII- Seja como for, denota-se no presente caso que a medida da pena não se coaduna com as exigências de prevenção especial, pelo contrário, face às circunstâncias concretas e à personalidade do agente, que se mostra socializado, a pena concreta, porque desproporcional, terá um efeito totalmente oposto à visada ressocialização;
XLIX- A pena de 6 anos de prisão excede, assim, a medida da culpa e, seguindo os critérios orientadores da escolha da pena, afigura-se-nos que se ela for situada no seu limite mínimo, continua, no caso, a satisfazer as finalidades visadas pela norma penal incriminadora;
L- E, a manter-se a condenação, por o que se deixa exposto, nomeadamente a circunstância de o arguido se encontrar social, familiar e laboralmente inserido, cremos que a mesma não deverá exceder os 5 anos de prisão, afigura-se-nos, também que a suspensão da sua execução assegurará de forma efetiva e adequada as finalidades da punição e permitirá que o arguido continue socializado;
LI- Não se vê da motivação de direito, salvo o sempre devido respeito, quais os fundamentos em que se estriba a decisão ora em crise para se desviar da pena até aos 5 anos, de modo a possibilitar a sua suspensão, tendo o Tribunal fundados motivos para concluir por um juízo de prognose favorável ao arguido e, desse modo, afastar o cumprimento efetivo em meio prisional.
LII- No que diz respeito à condenação na indemnização, como o transcreve a decisão sob censura, “no caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório”. Ora, no caso dos autos, não foi assegurado tal contraditório, pois, o arbitramento da verba adiantada pelo Tribunal foi por sua iniciativa e não a pedido, pelo que, teria o “demandado” de ser notificado dessa intenção do Tribunal e dos concretos factos que o justificariam, para o exercício do contraditório e, não foi, o que, determina a nulidade desse segmento da decisão;
LIII- O Tribunal não adianta quais os factos considerados provados que permitem concluir pelo arbitramento ex oficio de tal indemnização, apenas, constando desta parte do sentenciado adiantadas considerações de direito e conclusivas, não se descortinando em que factualidade revestida de gravidade se funda o Tribunal para fixar em 20 mil euros uma indemnização desta grandeza e, por isso, cremos que não poderá sobrevir tal condenação, por absoluta falta de fundamentação de facto, mostrando-se, desse jeito, violado o disposto no Artº. 82º-A do CPP;
LIV- Mesmo que de outro modo se entenda, no que se não concede, em face da inexistência de lesões, de sinais de violação ou agressão e, da forma de expressão da ofendida em Julgamento e que já acima, sumariamente, se descreveu, o valor arbitrado pelo Tribunal é manifestamente desproporcional ao dano, quando, comparado com montantes já arbitrados em situações semelhantes e, até, de maior gravidade, como é exemplo, no crime de abuso sexual de menor.
LV- Das apontadas vicissitudes e dos factos enunciados na acusação, afigura-se-nos não existirem elementos factuais e jurídicos que permitam adiantar uma indemnização superior a 5 mil Euros, impondo-se, pois, a revogação do montante arbitrado pelo Tribunal;
Por último,
LVI- Nos termos e ao abrigo do disposto do art. 412º, nº 5 do Código de Processo Penal expressamente declara manter interesse no conhecimento, pelo Tribunal ad quem, do recurso interlocutório.

3. Admitido o recurso, respondeu-lhe depois o digno magistrado do Ministério Público (MP), pugnando pela total improcedência respectiva e a final dessa resposta formulando as seguintes conclusões:
1. Inexiste razão do recorrente quando invoca a extinção do direito de acusar. É claro na jurisprudência e mesmo na letra da lei que os prazos previstos no art. 276.º do Código de Processo Penal são de natureza meramente ordenadora e têm consequências administrativas, ou sejam não existem quaisquer consequências preclusivas, como pretende o recorrente. O prazo permite, por exemplo, lançar-se mão do instituto de aceleração processual (que, se o entendimento do legislador fosse o do recorrente, ficaria esvaziado de conteúdo), e permite por exemplo ao superior hierárquico a avocação do processo.
2. No douto despacho de 13.10.2021, o Tribunal procedeu, autonomamente, a uma mera alteração da qualificação jurídica (ou seja, o tribunal entendeu que os factos pelos quais o arguido vinha pronunciado apenas integravam um crime diverso) e procedeu a uma alteração não substancial de factos.
3. Com efeito, o Tribunal, usando os poderes que lhe estão conferidos pelo princípio da investigação, limitou-se a melhor descrever, concretizar e sintetizar a factualidade que foi dada como provada, sem descaracterizar o quadro factual da acusação, pelo que não existe qualquer alteração substancial dos factos. Tratando-se de alteração não substancial, apenas se exigia, como fez o Tribunal, que ao arguido fosse comunicada a alteração e lhe fosse concedido tempo estritamente necessário para a preparação da defesa, nos termos do n.º 1 do artigo 358.º do Código de Processo Penal.
4. Assim, não assiste qualquer razão ao recorrente que confunde os dois institutos.
5. Insurge-se o recorrente contra as “consultas Google”, invocando que, nos termos do disposto no art. 355.º do Código de Processo Penal, não valem em julgamento, porque não foram produzidas nem examinadas em audiência. Ora, a referida pesquisa efetuada na aplicação Google Maps foi referida na sequência da inquirição da testemunha FF, Inspetor da Polícia Judiciária que explicou como chegou ao local através dos elementos fornecidos pela vítima. Não existiu qualquer violação do princípio do contraditório, quer porque o resultado da pesquisa já se encontrava junto aos autos quer porque o recorrente teve a possibilidade de contrainterrogar a testemunha, nos termos do disposto no art. 348.º do Código de Processo Penal.
6. Discorda o recorrente da factualidade assente de 1 a 12, invocando que os factos foram incorrectamente julgados. Vejamos.
7. O arguido assume que se relacionou sexualmente com a vítima, no entanto, atribuiu ao episódio em apreço nos autos, um contexto de consensualidade e até de alguma manipulação e domínio por parte de DD
8. A versão do arguido é completamente fantasiosa, oposta às regras da experiência e não encontrou nenhum apoio na restante prova produzida.
9. Por seu turno, a versão da vítima, pese embora com algumas dúvidas /esquecimentos quanto ao primeiro contacto e quanto ao empréstimo, consubstanciou-se num depoimento cristalino, detalhado, acompanhado de gestos que permitiu ao Tribunal ter a clara certeza que os mesmos se passaram como por si relatados.
10. Quanto ao primeiro contacto, a vítima refere não me lembrar como é que o arguido teve o seu número, mas admite que lhe poderá ter mandado mensagem ao arguido.
11. A vítima referiu ter dito ao arguido que precisava de alguém que lhe emprestasse dinheiro ainda que depois lhe pagasse “aos poucos” (min. 07:02). mas não se lembrava para que era o dinheiro.
12. A vítima foi questionada pelo Ministério Público, sobre o motivo pelo qual não se recordava de muitas coisas. Então, de forma que mereceu a nossa completa credibilidade, a vítima explicou que tinha reprimido a situação.
13. No que concerne ao episódio dos autos, todas as dúvidas ou esquecimento dissiparam-se! A vítima foi muito pormenorizada, explicando de forma fluida, sincera, lógica e cronológica, como decorreram os factos.
14. Ao contrário da conclusão do recorrente, no ponto XIX, não era exigível que a vítima se “atirasse do veículo em andamento”.
15. É perfeitamente compreensível que a testemunha EE não tenha assumido que tinha um telemóvel no estabelecimento prisional, alegando que o telemóvel pertencia a um amigo, e que a vítima, não quisesse contar a versão completa às autoridades policiais (expondo o facto do seu namorado ter um telemóvel), por temer haver consequências para este.
16. Ao contrário do que refere o recorrente, as versões da vítima, de EE, namorado e de GG, mãe da vítima são compatíveis entre si e com a restante prova produzida (quer registos telefónicos, quer com os depoimentos dos órgãos de polícia criminal).
17. A versão do arguido não faz sentido. Não faz sentido ter sido um plano arquitectado pela vítima que genuinamente explicou que nem sabia para onde ia (cfr. depoimento do senhor inspector da PJ).
18. Não faz sentido que os factos tenho ocorrido por sugestão da vítima que quis “fazer uma brincadeira” e sair da parte da frente do veículo e ir para a parte de trás. A mudança de posição no veículo apenas se explica, para permitir ao ganhar ainda mais superioridade em relação à vítima, conseguir dobra-la mais (ficando de rabo para o ar), para assim, a melhor tentar penetrar, o que, felizmente, não veio a suceder.
19. Não poderá ser valorado o que o arguido ou a vítima referiram à Polícia Judiciária, ou outros OPC, nos termos, agora sim, do disposto no art. 355.º e ss. do Código de Processo Penal.
20. Existe concurso efectivo entre o crime de rapto e o crime de natureza sexual, nos termos do disposto no artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal. Conforme explica TAIPA DE CARVALHO: o crime de rapto (consumado) não exige a consumação do "crime-fim", isto é, não exige a realização da intenção do raptor), nem sequer o inicio da tentativa deste crime; basta-se com a finalidade ou intenção de o praticar. Deste modo, se o raptor concretiza a sua intenção, responderá, em concurso efectivo, pelo crime de rapto (art. 160.º) e pelo "crime-fim", isto é, pelo crime de extorsão (art . 222.º), pelo crime sexual (p. ex., violação, art. 164.º) ou pelo crime de coação.
21. O crime de coacção sexual é o crime fundamental, pelo que, segundo as regras da consunção (impura), deverá o agente ser punido pelo crime de coação sexual consumado, no qual se prevê pena mais grave e, assim, pela norma que concede proteção mais acentuada à situação e que consome a proteção, menos intensa, conferida por aquela outra e não pelo crime de violação na forma tentada.
22. Subsidiariamente, o recorrente entende que no caso em apreço a pena não deverá exceder os 5 anos e ser suspensa na sua execução.
23. Ora, a censurabilidade da conduta do arguido é elevadíssima; são elevadíssimas as necessidades de prevenção geral para restabelecer a confiança na vigência e validade da norma violada; a conduta do arguido, com dolo directo e moldou-se numa das formas mais graves do tipo de coação sexual, tendo praticamente atingido o coito anal.
24. O arguido não confessou os factos nem demonstrou qualquer arrependimento e apresentou-se ao Tribunal como vítima de um esquema da DD que o seduziu e apenas acedeu ao que esta lhe mandou.
25. Assim, o Ministério Público não se conforma com qualquer pena que não seja privativa da liberdade.
26. Pelo exposto, bem andou o Tribunal a quo ao condenar o arguido numa pena privativa da liberdade, e na respectiva indemnização, não merecendo qualquer reparo o acórdão ora colocado em crise.

4. Com o dito recurso interposto contra o acórdão, subiu igualmente o recurso que a 06/05/2021 já o arguido com efeito interpusera contra a decisão de 21/04/2021, em que lhe fora indeferido requerimento de desistência da instrução cuja abertura tinha requerido. Nesse recurso interlocutório, o arguido formulara as seguintes conclusões:
I- Sendo a Instrução uma fase facultativa, dela pode o requerente desistir a todo o momento, quer antes, quer no decurso do debate instrutório;
II- Tendo o arguido desistido da instrução e reiterado tal pedido no próprio debate instrutório, não pode o Tribunal proferir decisão instrutória, outrossim, homologar a desistência da Instrução e determinar a remessa dos autos para Julgamento.

5. Na resposta a esse recurso interlocutório, tinha por seu lado o MP pugnado pela respectiva improcedência manifesta, no essencial e em síntese argumentando que a dita pretensão de desistência da instrução não tem suporte legal, não havendo norma que a preveja e, assim, nenhuma tendo sido violada com o indeferimento, acrescendo que, sem prejuízo de por aplicação analógica do art. 415.º, n.º 1, do CPP, e na medida em que se trata de fase facultativa do processo, tal desistência da instrução dever ser admitida, isso só poderia ter lugar até à prolação do despacho de abertura dela.

6. Já nesta instância, o digno procurador geral adjunto emitiu parecer em que, não se pronunciando sobre o recurso interlocutório, na matéria do recurso interposto contra a decisão final acompanha a resposta do MP em primeira instância, sem prejuízo de largamente a desenvolver, na sequência de igual modo e nos mesmos termos concluindo pela improcedência dos argumentos recursivos, que no caso dos relativos à dosimetria e escolha da pena reputa de manifesta, abstendo-se enfim da tomada de posição quanto ao tema do arbitramento de indeminização, por considerar que nele carece o MP de legitimidade.

7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, veio ainda o recorrente responder àquele parecer do MP nesta instância, nessa resposta e em síntese lançando dúvida sobre o rigor aplicado pelo digno magistrado na análise do processo subjacente ao dito parecer e, em substância reiterando os argumentos expendidos em recurso, a final solicitou a realização de audiência para debater os pontos aí focados.

8. Após exame preliminar, em que se indeferiu aquele requerimento de realização de audiência e a que se não patentearam dúvidas relevantes, sem mais vicissitudes colheram-se os vistos e foram os autos à conferência.

II – Fundamentação

1. Delimitação do objeto dos recursos

Está aqui em causa o conhecimento tanto do recurso interposto contra a decisão final quanto do recurso interlocutório contra a decisão que indeferiu a desistência da instrução pelo arguido/recorrente, e que com o primeiro subiu, nos termos dos art. 406.º, n.º 1, e 407.º, n.º 3, do CPP, tendo o recorrente especificado, ao abrigo do art. 412.º, n.º 5, do CPP, que neste mantém interesse. Em ambos os casos, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, sendo assim as matérias neste caso relevantes, considerando os dois recursos e a ordem lógica delas, as seguintes:

i. Quanto ao recurso interlocutório, apreciar apenas se era devida a recusada admissão da desistência da instrução, nesse caso com que consequências (se alguma se mostrar ainda pertinente), ou se pelo contrário isso não cabia, nesta hipótese simplesmente se confirmando a decisão recorrida.

ii. Quanto ao recurso da decisão final

a) Ponderar a arguição da suposta caducidade da faculdade de dedução da acusação, por ultrapassagem do prazo máximo do inquérito, e sendo o caso de nela conceder, então determinar as consequências respectivas e em concreto se, como pretende o recorrente, envolvem a extinção do procedimento e o arquivamento dos autos.

b) Em sendo vencida essa questão pela negativa, então conhecer da arguida nulidade do acórdão, que consistiria na condenação por factos que, sendo diversos dos constantes da pronúncia, importariam alteração substancial, mas foram tidos em consideração à margem das condições que o legitimariam, com observância isso sim, mas insuficiente, das que estão previstas para os casos de factos que importem somente alteração não substancial e/ou alteração da qualificação jurídica.

c) Ultrapassando-se essa arguição de nulidade, então conhecer ainda da que, como tal arguida também, configuraria porventura e isso sim violação de proibição de prova, consistente em terem alegadamente sido considerados meios probatórios, concretamente consulta de mapa em plataforma digital, que não constam dos autos e nem foram discutidos e analisados em audiência – e no caso de assim se concluir determinando as consequências dessa violação sobre a decisão de facto.

d) Aqui se chegando, ajuizar então sobre a alegada incorrecção da decisão de facto do acórdão, em concreto manifestada nos pontos 1 a 12 dos factos provados, e se as provas que o recorrente indica e que importará reapreciar (no caso das declarações procedendo à audição das gravações respectivas) impunham decisão diversa, designadamente dando-os como não provados, quando menos à luz do princípio in dubio pro reo, como ele pretende.

e) Depois, de um modo ou de outro estabilizada a decisão de facto e já à luz das alterações dela que possam caber, escrutinar o enquadramento jurídico-penal cabível em confronto com o constante do acórdão recorrido, em particular determinando se o tipo de crime potencialmente preenchido é o de violação na forma tentada (como pretende o recorrente) ou antes o de coacção sexual consumado, e por outro lado se (também como pretende o recorrente), em qualquer dos casos fica consumido o de rapto, daquele(s) meramente instrumental.

f) No caso de concluir-se pela condenação e em especial no de confirmar-se a do acórdão recorrido, ponderar se as penas concretas e em especial a pena única do concurso é adequada ou se, pelo contrário e como o recorrente defende, se mostra excessiva, devendo ser reduzida a menos de cinco anos de prisão.

g) E enfim e apenas se com efeito couber condenação e com essa redução de pena, determinar ainda se, como o recorrente sustenta, deve ter lugar a substituição da prisão por suspensão da respectiva execução.

h) Por outro lado e de todo o modo, a manter-se condenação criminal, apurar se quanto à indeminização arbitrada à ofendida foi preterido o contraditório do recorrente, e quais as consequências disso, ou se a decisão é viciada por insuficiente fundamentação, e por último e no caso de dever manter-se um tal arbitramento, se o valor respectivo se mostra excessivo e, como igualmente sustenta o recorrente, deve ser reduzido.

2. Não cabendo renovação de provas, aliás não requerida, e nem realização de audiência, solicitada extemporaneamente e por isso indeferida, sempre os recursos deveriam ser julgados em conferência (art. 419.º, n.º 3, al. c), e 430.º, n.º 1, a contrario, do CPP), como foram.

3. As decisões recorridas

3.1. O despacho de 21/04/2021

É o seguinte, em transcrição da parte que aqui interessa, o teor do despacho objecto do recurso interlocutório:
« Inconformado com a acusação pública (…), veio o arguido requerer a abertura da instrução (…).
A referida instrução foi declarada aberta em 06/11/2020.
Porém, em 19/04/2021, veio o arguido desistir da instrução requerida.
Cumpre decidir.
Dispõe o art. 286º nº 2 do C.P.P. que “A instrução tem carácter facultativo “.
Tal significa, que na sequência de um despacho de acusação do MP nos crimes públicos ou semipúblicos, ou da acusação do assistente nos crimes particulares, pode o arguido optar por nada requerer e o processo transita diretamente para a fase do julgamento; ou ainda nos casos de decisão de arquivamento do inquérito pelo MP nos crimes públicos e semipúblicos, pode o assistente nada requerer, tornando-se tal decisão de encerramento do inquérito definitiva.
Caso o arguido ou o assistente não se conforme com as referidas decisões, pode o arguido, através da instrução, se a requerer, impugnar a acusação do MP ou do assistente nos crimes semipúblicos ou públicos no primeiro caso, e nos crimes particulares, no segundo caso, podendo obter uma decisão de não pronúncia, evitando ser submetido a julgamento.
Também o assistente que não se conforme com a decisão de arquivamento do inquérito, fazer sujeitar o arguido a julgamento pela mão do juiz de instrução, se optar por requerê-la.
No entanto, se for requerida a instrução, e uma vez declarada aberta, já não é possível dela desistir, quer o arguido, quer o assistente, uma vez que, como reza o art. 289º nº 1 do C.P.P., “A instrução é formada pelo conjunto dos atos de instrução que o juiz entenda dever levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório, oral e contraditório (…)”.
Isto quer dizer que uma vez admitido o requerimento instrutório, a fase da instrução obrigatoriamente inclui o debate instrutório, sob pena de ocorrer o vício da nulidade relativa da instrução por insuficiência, previsto no art. 120º nº 2 d) do C.P.P. (Cfr. P. Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição atualizada, págs. 321, 778 e 785).
Por isso, e decorrentemente do disposto no art. 286º nº 2 do C.P.P., o carácter facultativo da instrução só permite a desistência por parte de quem a requereu – o arguido ou o assistente – até ao momento do despacho do JIC que a declara aberta, caso não se verifique nenhuma das causas para a sua rejeição, previstas no art. 287º nº 3 do C.P.P.
(…)
Pelo exposto, este tribunal decide indeferir o requerido pelo arguido a fls. 951, mantendo-se o debate instrutório designado. »

3.2. O acórdão de 13/10/2021

E por seu lado, tentando quanto possível limitar a transcrição, mas em todo o caso com a decisão de facto e as partes do enquadramento jurídico com que mais directamente tange ao recurso, o teor do acórdão recorrido é o seguinte:
« (…)
FACTOS PROVADOS (…)
I.
No dia 2 de outubro de 2018, pelas 13h41min, na Rua ..., ..., ..., DD entrou para o veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca ..., com a matrícula “..-EA-..”, conduzido por AA, aqui arguido.
O arguido havia convencido aquela DD a encontrar-se com ele e fazer-se transportar no veículo por si conduzido sob o falso pretexto de se deslocarem ao estabelecimento comercial denominado “...”, sito na Avenida ..., ..., ..., a fim de o arguido lhe emprestar dinheiro.
Contudo, ao passar junto daquele estabelecimento comercial, o arguido não imobilizou o veículo que conduzia.
Apesar de DD lhe ter solicitado que parasse e a deixasse sair do veículo, tendo chegado a tentar abrir a porta da viatura em andamento, o arguido recusou sempre fazê-lo, disse-lhe em tom agressivo para ela ter calma e prosseguiu a marcha durante cerca de 13 km.
Ao circularem pela Rua ..., em ..., ..., nas imediações de uma placa de boas-vindas à freguesia ... e de uma fábrica abandonada, o arguido inverteu o sentido de marcha, saiu dessa via e prosseguiu por um caminho estreito em terra batida durante cerca 110 metros até que imobilizou a viatura num lugar ermo e rodeado de mata.
De seguida, o arguido saiu da viatura, abriu a porta correspondente ao lugar onde DD permanecia sentada no seu interior a chorar e a gritar, agarrou-a pelos braços, puxou-a para o exterior, colocou-a sobre o capot, de costas para o arguido e com as mãos sobre aquela parte do veículo.
Após extraiu o seu pénis, descreveu movimentos sequenciais de vai e vem até aquele ficar ereto, puxou a saia de DD para cima, agarrou-a, puxou-lhe os cabelos, desferiu-lhe um estalo, encostou-se às nádegas de DD e, afastando as cuecas que esta vestia, friccionou o pénis ereto nos lábios da vagina e no ânus, tentando introduzi-lo na vagina e no ânus desta, o que não conseguiu dado que, não obstante, aquela DD apertou as nádegas e fechou as pernas.
Ato contínuo, o arguido abriu a mala da viatura, agarrou DD pelos braços, colocou-a sobre a mala do veículo, de costas para o arguido e com as mãos no interior da dita mala, encostou-se às nádegas de DD e, afastando as cuecas que esta vestia, friccionou o pénis ereto nos lábios da vagina e no ânus, tentando introduzi-lo na vagina e no ânus desta, o que não conseguiu dado que, não obstante, aquela DD apertou as nádegas e fechou as pernas.
A dado passo o arguido ejaculou para o chão.
De seguida, o arguido empurrou DD para o lugar do passageiro, logrando metê-la à força no interior, fechou a porta do veículo e retiraram-se do local.
No percurso de saída o arguido pediu desculpa a DD dizendo que estava alterado e deixou-a na confluência da Avenida ... com a Avenida ..., ..., ....
Como consequência direta e necessária da conduta do arguido, DD chorou, ficou angustiada, nervosa, ofegante, em pânico, abalada, deprimida, com nojo de homens e de si mesma, sofreu dores, bem como lesões, nomeadamente uma equimose na face anteroexterna da coxa, com 2 cm de diâmetro, no membro inferior esquerdo, que demandaram para a cura um período de 4 dias de doença, sem afetação da capacidade para o trabalho geral e profissional.
Pelas 15h02min o arguido telefonou a DD e disse-lhe que nem lhe tinha dado o dinheiro.
O arguido agiu da forma descrita sabendo e querendo convencer DD a entrar na dita viatura sob um falso pretexto por forma a impedi-la de se movimentar livremente, privando-a da sua liberdade ambulatória, para a conduzir até um local ermo e de mata e aí constrange-la a sofrer a introdução vaginal e anal do seu pénis, contra a vontade daquela.
Agiu ainda sabendo e querendo exercer violência física sobre aquela DD para a constranger a sofrer a introdução vaginal e anal do pénis do arguido a fim de com ela manter relações de cópula e coito anal, contra a vontade desta, o que não conseguiu por razões alheias à vontade do arguido.
Agiu livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
DD é esteticista e mãe de três filhos.
Foi assistida no “Centro Hospitalar ...”, pelas 16h30min onde lhe foram prestados cuidados médicos no valor de 112, 07 EUR.
II.
O arguido AA viveu o processo de crescimento integrado no agregado de origem, em ..., num meio rural, sendo o mais novo de onze irmãos. O pai, falecido há cerca de 17 anos por doença oncológica, dedicou-se à atividade de pedreiro, e a mãe à agricultura e a cuidar dos filhos.
O núcleo familiar vivia em condições económicas humildes, mas que permitiam suprir as necessidades básicas, tendo já os dois irmãos mais velhos autonomizados quando o arguido AA nasceu. O relacionamento intrafamiliar era equilibrado e afetivo.
O arguido concluiu o 11.º ano de escolaridade. Apesar do apoio dos pais para prosseguir os estudos, optou pelo mercado de trabalho, como forma de obter a sua independência económica, começando a trabalhar aos 17 anos a juntar troncos de árvores para posterior recolha, para a empresa “P...”.
O arguido AA foi trabalhar para ..., aos 18 anos e durante 3 anos, numa empresa de grande retalho “F...”. Aos 21 anos, regressou a casa dos pais, em ..., para lhes dar apoio em proximidade devido ao facto de a mãe ter sofrido um AVC.
Neste regresso, o arguido AA volta a trabalhar, inicialmente na recolha de troncos de árvores para a mesma empresa referida anteriormente e, posteriormente, como manobrador de máquinas florestais, na empresa “M...”, atividade que exerce até aos dias de hoje, sendo interrompida entre os seus 28-30 anos, altura em que trabalhou como vigilante/segurança para a empresa “X...”, de ..., contratado pela “W...”. Paralelamente a estas atividades profissionais, o arguido AA exerceu atividade de animador/coreógrafo em discotecas e eventos aos fins de semana, de modo a auferir um rendimento extra.
O arguido AA integrou o Clube Recreativo ..., agora denominado ..., em atividades de malha e futebol.
Durante a adolescência e início de vida adulta, o arguido AA teve vários relacionamentos, tendo iniciado a vida sexual por volta dos 16 anos, com uma namorada, dois anos mais velha, com quem manteve relacionamento durante cerca de 1 ano, sendo então ambos estudantes e colegas de escola.
O arguido AA conheceu a atual companheira, HH, natural e na altura residente em ..., quando tinha cerca de 20/21 anos, estando esta a passar uma temporada em casa de uns familiares, em .... Esta relação assumiu um caráter mais sério quando ambos se juntam para coabitar há cerca de 14 anos, após 4 anos de namoro. O casal arrendou uma casa em ..., onde HH exercia atividade profissional numa ....
Há cerca de 6 anos o casal foi viver para ..., para a casa onde o arguido AA habitou com os seus pais, para não terem despesas de renda. A mãe que habitava nesta casa, tinha, entretanto, mudado para casa de uma outra filha, devido ao facto de padecer de Alzheimer.
Desta união nasceu o único filho do casal, II, há 10 anos. O arguido AA é também pai de outro menino, JJ, alguns meses mais velho que II, fruto de uma relação fugaz que teve com uma ex-namorada, KK, que estava emigrada na ..., numa vinda desta a Portugal. Após ter feito testes de paternidade, o arguido AA assumiu a paternidade e responsabilidades para com o filho JJ, apesar de este estar na ... com a mãe.
A companheira do arguido AA, HH, aceitou esta relação esporádica que o companheiro teve, apesar de algum desconforto inicial. Quando ficou a par desta situação estava grávida de II e apenas queria manter a família unida.
O relacionamento entre o casal é pautado pela partilha de afetos, companheirismo, compreensão mútua e luta por uma vida melhor, para poderem dar boas condições de vida quer a II, quer a JJ. Mantêm uma relação íntima próxima e contacto sexual regular.
O agregado familiar habita numa casa térrea, rural e antiga, com condições razoáveis de habitabilidade, a que o arguido AA se tem dedicado a remodelar e modernizar, de modo a poder dar mais conforto à família. As casas em redor são habitadas por alguns irmãos deste, numa zona não conotada com problemas sociais, numa pequena freguesia onde quase todas as pessoas se conhecem.
O arguido AA exerce, presentemente, atividade de manobrador de máquinas florestais para a empresa “M...”, onde aufere cerca de 630 EUR mensais. A companheira, HH, exerce atividade profissional na empresa “Y...”, em ..., como operária fabril no setor de construção de portas de madeira, deslocando-se de carro próprio, onde aufere salário semelhante. Do abono do filho II recebem 29 EUR mensais. Nas despesas fixas da casa, o casal despende cerca de 150 EUR mensais, a que se junta um crédito automóvel de 164 EUR mensais e uma pensão de alimentos para o filho JJ, de 50 EUR mensais. O arguido AA entrega, por iniciativa sua, 20 EUR mensais à irmã que tem a progenitora a cargo, para ajudar com as despesas.
O arguido AA realiza a sua rotina entre a atividade profissional durante a semana e o convívio com a família, a atividade de pesca e o restauro da casa ao fim de semana. Apesar de não dispor de muito tempo livre nos dias úteis para poder estar com o filho, aos fins de semana são companhia constante, sendo comum irem os três passear juntos ou irem aos bailes da freguesia.
Quando o filho JJ está em Portugal no mês de agosto, coabita com eles, de modo a que os dois meios irmãos possam conviver saudavelmente.
No meio sociocomunitário, o arguido AA e família são vistos como pessoas dedicadas ao trabalho e agregado familiar, não lhes sendo conhecidas situações de conflitos, gozando de boa reputação.
O presente processo não é conhecido no meio, mas apenas conhecido da companheira e alguns irmãos.
III.
Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido.
FACTOS NÃO PROVADOS (…)
Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contradição com os factos assentes, nomeadamente, que:
I.
O arguido tenha dito a DD: “anda lá, saí do carro, levas um estalo que te fodo, não me enerves” ou que assim não tenha sido;
O arguido tenha empurrado DD com os joelhos forçando a abertura das pernas desta;
O arguido tenha procurado tirar as calcinhas a DD que as puxava para cima;
O arguido tenha desferido várias palmadas nas nádegas de DD.
MOTIVOS DE FACTO, INDICAÇÃO E EXAME CRÍTICO DAS PROVAS:
Em audiência de julgamento o arguido admitiu que, no dia em causa, após ter transportado a sua irmã LL ao aeroporto conduzindo o referido veículo, propriedade daquela, ter-se-ia encontrado com DD.
Dos elementos documentais constantes dos autos resulta que, de facto, aqueles dois são irmãos (cfr. fls. 388, 389, 393 e 394 do Volume II), sendo aquele veículo propriedade da dita LL (cfr. fls. 470 do Volume II), constando esta na lista de passageiros do voo do dia 02-10-2018, do Porto para ..., pelas 12h, operado pela companhia aérea ... (cfr. fls. 745 a 747 do Volume III).
Acresce que sendo o arguido o utilizador do cartão de telemóvel com o n.º ..... (cfr. fls. 217 do Volume II) que, aliás, foi apreendido na sua posse (cfr. fls. 578 do Volume III), e sendo DD a utilizadora do cartão de telemóvel com o n.º ..... (cfr. fls. 216 do Volume II), os registos telefónicos referentes àqueles números demonstram que, pelas 13h41min, ambos apresentavam a mesma localização celular (cfr. fls. 257 a 363 do Volume II que corrobora a análise efetuada a tais dados e junta a fls. 364 a 375 do Volume II), correspondente à residência de DD, conforme esta deu conta. Tais elementos permitem ainda concluir que pelas 13h42min ambos continuavam a ter a mesma localização, sendo que não houve contactos telefónicos entre ambos entre as 13h41min e as 15h02min.
O próprio arguido admitiu que teria recolhido DD na zona da residência desta, tendo-se deslocado no dito veículo por si conduzido, por indicações daquela, até àquele local ermo, onde teria, também a pedido dela, imobilizado a viatura. Aí, segundo referiu, DD ter-se-ia encostado ao capot da viatura, de costas para o vidro desta, tendo puxado o arguido para si e o beijado, tendo o arguido lhe apalpado os seios e a vagina colocando para o efeito as suas mãos por baixo da roupa que aquela trazia vestida. Contudo, segundo também referiu, após aquela DD ter inquirido o arguido se este tinha preservativos consigo, tendo-lhe este respondido negativamente, a sugestão da própria DD, ter-se-iam deslocado para a traseira da viatura, colocando-se aquela de costas para o arguido, com as mãos dentro da mala aberta, onde o arguido teria friccionado o seu pénis ereto nos lábios da vagina e ânus daquela, não obstante esta permanecer de cuecas, até que teria ejaculado para o chão limpando-se a um papel de cozinha que teria retirado de um rolo que se encontrava na mala do carro e que teria atirado para o chão.
Efetivamente, no local foi recolhido um papel de cozinha (cfr. fls. 228 a 240 do Volume II), cujas características coincidem com as do rolo que veio a ser encontrado na mala da dita viatura (cfr. fls. 589 a 602 do Volume III). Acresce que naquele pedaço de papel de cozinha veio a ser detetado um perfil genético de mistura (feminino e masculino), compatível com os perfis de DD e do arguido (cfr. fls. 253 a 255 e 685 a 687 do Volume III).
Quanto à razão para o encontro entre ambos o arguido deu conta de que, umas semanas antes, DD ter-lhe-ia referido que precisava de 500 EUR, tendo-se ele disponibilizado a arranjar uma solução para o efeito. Apesar de ter admitido que o encontro naquele dia 02-10-2018 também era para isso, não explicou qual era, afinal, a solução que tinha arranjado, tanto mais que foi perentório em afirmar que nunca se teria disponibilizado a ser ele próprio a emprestar-lhe o dinheiro. Acresce que acabou por admitir que o assunto não foi sequer abordado nesse dia entre os dois enquanto ambos estiveram juntos.
Contudo, DD deu conta de que, efetivamente, teria dito anteriormente ao arguido que precisava de 500 EUR e que ele próprio se disponibilizou a emprestar-lhe tal dinheiro, permitindo que esta fosse restituindo tal quantia aos poucos. Segundo afirmou teria acedido encontrar-se com o arguido naquele dia junto à sua residência, e fazer-se transportar no veículo conduzido pelo arguido, para ambos se deslocarem ao estabelecimento comercial denominado “...” a fim de o arguido lhe emprestar dinheiro, versão muito mais lógica e coerente, de acordo com as mais elementares regras da experiência comum e da normalidade do acontecer.
Basta uma simples pesquisa num motor de busca na internet para concluir que a Rua ... é uma das transversais à Rua ... onde aquela DD reside. Por outro lado, uma simples pesquisa num motor de busca na internet pela denominação daquele estabelecimento comercial também facilmente permite concluir que o mesmo se situa na Avenida ..., ... e, assim, numa das vias que teria sido percorrida até chegarem àquele lugar ermo provindo da residência daquela DD (cfr. fls. 53 a 57 do Volume I).
Segundo DD ao passarem junto daquele estabelecimento comercial, o arguido não teria imobilizado o veículo que conduzia, altura em que lhe solicitou que parasse, a deixasse sair do veículo, tendo chegado a tentar abrir a porta da viatura em andamento. Contudo, segundo deu conta, o arguido recusou sempre fazê-lo, dizendo-lhe em tom agressivo para ela ter calma, prosseguindo sempre a marcha até aquele local ermo.
FF, Inspetor da Polícia Judiciária, deu conta de que a descoberta desse local, cujas características resultam da reportagem fotográfica efetuada (cfr. fls. 53 a 57 do Volume I e 228 a 240 do Volume II), e a determinação do percurso que teria sido efetuado ocorreram a partir de indicações de específicos pontos do percurso que teria sido seguido e que foram fornecidos por DD, só tendo sido possível reconstituir o mesmo e chegar àquele local conjugando-os com uma pesquisa efetuada na aplicação Google Maps. Ora, tal circunstância retirou credibilidade à versão do arguido segundo a qual teriam chegado ao local onde deixou aquele papel por indicações daquela DD.
O arguido referiu ainda que, no percurso, teria recebido uma chamada de MM com quem teria estado a falar ao telefone durante cerca de 20 minutos e a quem teria dado conta de que se encontrava na companhia de uma amiga, tendo-lhe chegado a perguntar se ele queria falar com ela, versão que não foi minimamente demonstrada.
Em primeiro lugar, não existe qualquer registo que o arguido tenha recebido no dia 02-10-2018, entre as 13h41min e as 15h02min naquele número de telefone ..... uma chamada proveniente do número de telefone ..... que, segundo MM afirmou em audiência de julgamento, era o então por si utilizado (cfr. fls. 294 do Volume II). O referido MM, quer no depoimento que prestou em audiência de julgamento, quer naquele outro por si anteriormente prestado (cfr. fls. 753 a 755 do Volume III), e com o qual foi confrontado (cfr. art.º 356.º, n.º 2, al. b), e n.º 5, do C.P.P.), referiu que teria ligado ao arguido tendo no telefonema sido abordada uma máquina, o que coincidiu com a versão do arguido. Contudo, em audiência de julgamento, tal teria ocorrido num determinado dia que aquele MM nunca concretizou, tendo contactado o arguido para o número de telefone ....., que não corresponde àquele outro encontrado na posse do arguido (cfr. fls. 578 do Volume III). No entanto, no depoimento anteriormente prestado, aquele MM referiu que o número de telemóvel que conhecia ao arguido era o ..... (cfr. fls. 753 a 755 do Volume III) que, também não corresponde àquele outro encontrado na posse do arguido (cfr. fls. 578 do Volume III). Por outro lado, em audiência de julgamento, a testemunha foi perentória em referir que nesse telefonema nunca o arguido lhe teria dito que estava acompanhado de uma mulher, tendo-se o arguido deslocado até junto de si pouco depois do telefonema. Por outro lado, enquanto que segundo aquele MM o motivo do telefonema era para o arguido lhe explicar como a dita máquina funcionava, já segundo o arguido tal chamada foi por a máquina estar a arder. Finalmente, naquele anterior depoimento por si prestado, aquele MM referiu que o último contacto telefónico que manteve com o arguido teria sido efetuado por este para si, o que teria ocorrido em meados de dezembro de 2018, tendo culminado num encontro em ... 5 minutos após o telefonema.
Quanto ao que se teria passado naquele local ermo e rodeado de mata e até DD ser deixada no local onde foi contactada pela GNR, aquela efetuou um relato pormenorizado, descrevendo as diferentes condutas que o arguido foi assumindo para consigo, bem como a sua própria reação, depoimento que se mostrou lógico, isento e convincente.
Na verdade, se tudo se tivesse passado da forma como foi descrita pelo arguido, não faz qualquer sentido que perante a possibilidade de adotar posição mais confortável, DD tivesse assumido voluntariamente posições objetivamente desconfortáveis para si, que aumentavam a sua vulnerabilidade e submissão em face ao arguido e nem tenha sequer dali retirado qualquer prazer. Tal facto, conjugado com a mudança da frente do carro para a mala só se explica se o arguido procurasse, de facto, vencer pela força física a resistência que DD lhe ofereceu e que o impedia de atingir o objetivo pretendido.
Por outro lado, DD referiu que, quando o arguido a procurava retirar da viatura, estando já ela a chorar, teria recebido uma chamada do seu namorado, tendo o arguido lhe retirado o telemóvel e atirado o aparelho para a bolsa daquela. Ora, o percurso desde a Rua ... até aquele local perfaz cerca de 13 km, demorando cerca de 25 minutos a ser efetuado (cfr. fls. 53 a 57 do Volume I), sendo que, de acordo com os registos telefónicos, de facto, pelas 14h09min DD recebeu no seu telemóvel uma chamada proveniente de um número registado naquele como “Amor” e que, EE, namorado daquela, referiu ser então por si utilizado, e que demorou apenas 10s (cfr. fls. 65 do Volume I e 302 do Volume II).
Ora, segundo aquele EE, nesse telefonema, teria ouvido aquela DD pedir ajuda e aos berros, reação que o fez concluir que algo de perigoso se estava a passar ao ponto de ter dado o alerta telefonando para a sua avó que, por sua vez, telefonou para a mãe daquela, GG, conforme esta deu conta.
Convém ter presente que DD, de forma genuína, desatou num pranto assim que acabou de contou o sucedido, tendo explicado, de forma lógica, a razão pela qual apagou os registos telefónicos das comunicações mantidas com o arguido, reação perfeitamente natural face à experiência traumática que viveu.
É certo que DD acabou por referir que, no momento em que o arguido a retirou do veículo, lhe ordenou para dele sair caso contrário lhe dava um estalo. Contudo, não foi perentória nessa afirmação que, na verdade, só foi proferida depois de ter repetido que saiu do veículo unicamente por força da força física exercida sobre si pelo arguido. Assim, não ficou claro se, nesse momento, o arguido ameaçou ou não DD.
Dos registos telefónicos resulta ainda que, pelas 15h02min, o arguido telefonou para à dita DD (cfr. fls. 260 e 302 do Volume II), ambos admitindo que tal ocorreu quando já não se encontravam juntos. Segundo o arguido, tal telefonema teria sido efetuado cerca de meia hora após se terem separado, dado que o arguido se teria perdido, tendo então solicitado a DD indicações sobre o trajeto a seguir e que esta lhe teria fornecido. Contudo, segundo DD, o mesmo disse-lhe então que nem sequer lhe tinha dado o dinheiro, ao que ela teria respondido que não queria saber disso.
A versão do arguido não encontrou nenhum apoio nos registos telefónicos referentes a tal chamada. Na verdade, não só ambos os números apresentavam a mesma localização celular, pelo que ainda se encontravam próximos, como o telefonema teve a duração de 37s, pouco compatível com o esclarecimento de dúvidas quando ao itinerário a seguir.
Por outro lado, a versão da referida DD é ainda perfeitamente compatível com o estado desarranjado, puxado e sujo em que se encontrava a roupa que vestia, conforme resulta das fotografias tiradas nesse dia (cfr. fls. 35 a 36 do Volume I) (cfr. fls. 35 a 36 do Volume I) e dos próprios depoimentos de NN, militar da GNR, e dos referidos GG e FF, que contactaram com aquela no próprio dia e que deram conta do que percecionaram.
A dita versão é ainda perfeitamente compatível com as demais consequências, físicas e psíquicas, que advieram para DD e que resultaram do teor do auto de notícia lavrado no próprio dia 02-10-2018 (cfr. fls. 3 a 5 do Volume I), que foi corroborado por NN, militar da GNR, que o lavrou, por GG e por FF, que deram conta do que naquela percecionaram quando com ela contactaram, do boletim clínico referente ao episódio de urgência desse mesmo dia (cfr. fls. 250 a 252 do Volume II) e do relatório médico referente ao exame a que foi submetida no dia seguinte (cfr. fls. 536 a 538 do Volume III).
Ora, as referidas consequências mostraram-se adequadas, segundo as mais elementares regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, a terem sido causadas pela ação do arguido conforme imputado pela dita DD.
No que se refere à assistência médica que foi prestada a DD, para além do referido boletim clínico (cfr. fls. 250 a 252 do Volume II), relevou a fatura referente ao valor dos cuidados que lhe foram prestados (cfr. fls. 967 do Volume IV).
No que se refere à situação pessoal de DD, relevou o seu depoimento, que encontrou apoio no depoimento do seu namorado e da sua mãe.
No que se refere à situação pessoal do arguido, relevou o relatório social elaborado pelos serviços de reinserção social (cfr. fls. 1044 a 1050 do Volume IV), cujo teor encontrou apoio nas próprias declarações do arguido, bem como nos depoimentos de LL, irmã do arguido, OO, que o conhece há 10 anos, e de PP, que o conhece desde pequeno.
Foi ainda relevante o certificado do registo criminal junto aos autos (cfr. fls. 1010 do Volume IV).
Os demais factos dados como não provados ficaram a dever-se a uma total falta de prova sobre a factualidade em causa.
ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL:
DO CRIME DE RAPTO
Comete o crime de rapto imputado quem, por meio de violência, ameaça ou astúcia, raptar outra pessoa com a intenção de cometer crime contra a liberdade e autodeterminação sexual da vítima (cfr. art.º 161.º, n.º 1, al. b), do C.P.).
O bem jurídico tutelado com a incriminação do rapto é a liberdade de locomoção, isto é, a liberdade física ou corpórea de mudar de lugar, de se deslocar de um sítio para o outro.
A conduta de rapto pressupõe e exige a transferência da vítima de um lugar para outro diferente pelo que, na generalidade dos casos, a conduta assume a forma de ação. Por outro lado, o crime de rapto é um crime de execução vinculada ou de processo típico uma vez que estão tipificados os meios a utilizar: violência, ameaça ou astúcia.
Do conceito tradicional de violência, como intervenção da força física (absoluta ou relativa, consoante elimina ou não, qualquer possibilidade de resistência da vítima – vis phisica absoluta ou vis phisica relativa ou compulsiva) sobre a própria pessoa da vítima, tem a doutrina e a jurisprudência evoluído para um conceito mais amplo de violência que abrange também a violência psíquica. Esta desmaterialização, espiritualização ou sublimação do conceito de violência faz com que possam ser consideradas violências condutas que, apesar de não se traduzirem na utilização da força física, todavia eliminam ou diminuem a capacidade de decisão ou de resistência da vítima, como no caso da hipnose ou de embriaguez mediante engano.
Seja como for, não poderá deixar de ser considerada violência a ação levada a cabo pela força, pela tirania, pela coação, sendo, pois, atos violentos os que forçam alguém a algo contra a sua vontade.
Por outro lado, são três as características essenciais do conceito de ameaça: mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente. O mal tanto pode ser de natureza pessoal (por exemplo, lesão da saúde ou da reputação social), como patrimonial (por exemplo, destruição de um automóvel ou danificação de um imóvel). O mal ameaçado tem de ser futuro. Isto significa apenas que o mal, objeto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á perante violência. Indispensável é também que a ocorrência do “mal futuro” dependa ou apareça como dependente da vontade do agente, característica que estabelece a distinção entre a ameaça e o simples aviso ou advertência.
A astúcia significa o engano ou o aproveitamento do erro, é a habilidade, a arte, o engenho, usados para se obter um determinado resultado. Utiliza-se astúcia quando se procura levar alguém ao engano, que não aceitaria a situação se não fosse convencida, de uma forma fraudulenta, que essa situação lhe é favorável. Assim, a astúcia consiste em qualquer pretexto, artifício ou engano que tenha tornado possível ou facilitado a privação de liberdade, induzindo o raptado em erro.
Qualquer que seja o concreto meio utilizado, decisivo no crime de rapto é que os mesmos sejam, na situação concreta, considerados adequados à privação da liberdade da pessoa transferida.
Por outro lado, a possibilidade de a pessoa se libertar não precisa de ser absoluta, não precisa de ser invencível, mas basta que o meio utilizado constitua um impedimento sério, isto é, adequado.
Sob o ponto de vista subjetivo, o crime de rapto exige o dolo (cfr. art.º 14.º do C.P.) relativamente à ação e ao resultado de privação da liberdade da pessoa transferida, coativa ou astuciosamente, de um lugar para o outro. Contudo, exige o tipo legal de crime em apreço o rapto tenha uma das finalidades aí referidas, entre as quais se conta a finalidade atentatória da liberdade sexual.
Resulta da matéria de facto provada que DD acedeu a encontrar-se com o arguido e a entrar na viatura conduzida por este porque aquele erroneamente a convenceu de que iriam para um estabelecimento comercial onde aquele lhe emprestaria dinheiro que esta precisava. Ora, foi essa cilada, esse falso pretexto ou essa indução de DD em erro que, de forma idónea, tornou possível e facilitou que o arguido a impedisse, como impediu, de se movimentar livremente, privando-a da sua liberdade ambulatória, contra a sua vontade, para a conduzir até um local ermo e de mata.
Acresce que igualmente resulta da matéria de facto provada que o arguido agiu sabendo e querendo induzir DD em erro para a impedir, contra a sua vontade, de se movimentar livremente, privando-a da sua liberdade ambulatória, transportando-a para outro local a fim de aí a constranger a sofrer a introdução vaginal e anal do seu pénis, também contra a vontade daquela.
Assim, o arguido agiu com dolo direto (cfr. art.º 14.º, n.º 1, do C.P.) em relação à ação e ao resultado da privação da liberdade de DD transferida astuciosamente de um lugar para o outro, tendo também o arguido agido com a finalidade de atentar contra a liberdade sexual desta.
Deste modo, é objetiva e subjetivamente imputável à conduta do arguido a prática de 1 crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. b), do C.P.
DOS CRIMES DE COAÇÃO SEXUAL E VIOLAÇÃO
Comete o crime de coação sexual quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, ato sexual de relevo (cfr. art.º 163.º, n.º 1, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto, vigente à data dos factos, a que corresponde o atual art.º 163.º, n.º 2, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 101/2019, de 6 de setembro).
Comete o crime de violação imputado quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral ou a sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos (cfr. art.º 164.º, n.º 1, als. a) e b), do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto, vigente à data dos factos, a que corresponde o atual art.º 164.º, n.º 2, als. a) e b), do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 101/2019, de 6 de setembro).
O bem jurídico protegido em qualquer um dos casos é o da liberdade de determinação sexual, ou seja, o da autoconformação da vida e práticas sexuais da pessoa.
Os crimes de coação sexual em sentido próprio e de violação constituem o núcleo da proteção da liberdade sexual. A violação, como quer que se conforme o seu desenho típico e o seu âmbito de proteção, é uma especialização da coação sexual que, por isso, é verdadeiramente o tipo fundamental.
Agente do crime de coação sexual pode ser qualquer pessoa, não se tratando aqui nem de um tipo de mão própria, nem sequer um tipo específico, como se revela pela circunstância de ele compreender ações praticadas por terceiros e em terceiros. Não se verifica qualquer aceção de sexo, podendo tanto o homem, como a mulher assumir a qualidade de autor ou de participante, em qualquer das formas, a de vítima ou de terceiro.
O cerne da coação sexual é constituído pelo ato sexual de relevo. Este deve ser entendido como todo aquele comportamento que, de um ponto de vista predominantemente objetivo, assume uma natureza, um conteúdo ou um significado diretamente relacionado com a esfera da sexualidade e que se traduza num entrave com importância para a liberdade de determinação sexual da vítima no caso dos adultos (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 447 e 449). Ou seja, todo aquele comportamento que, de um ponto de vista essencialmente objetivo pode ser reconhecido por um observador comum despido de análises subjetivas ou moralistas como possuindo carácter sexual, e que em face da espécie, intensidade ou duração ofende de forma séria, grave e em elevado grau a intimidade e liberdade de determinação sexual da vítima, no caso dos adultos (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13-01-2016, processo n.º 53/13.1GESRT.C1, in www.dgsi.pt).
A distinção entre sofrer e praticar quer significar apenas a distinção entre um comportamento, do ponto de vista sexual, puramente passivo ou antes ativo da vítima. Seja como for, terá que estar em causa um constrangimento a ato praticado na vítima.
A conduta típica traduz-se num ato de coação imediatamente dirigido à prática, ativa ou passiva, de um ato sexual de relevo. A coação é, pois, aqui especializada através da sua finalidade, tendo de existir entre ela e o ato sexual uma relação meio/fim. Típica não é por isso a coação a que se siga um ato sexual, mesmo numa estreita relação naturalística espácio-temporal, mas estando ausente a aludida relação meio/fim. A expressão “para esse fim” é válida para todos os meios de constrangimento e não apenas para o de tornar a vítima inconsciente ou a ter posto na impossibilidade de resistir. Quando se exige que o ato de coação vise imediatamente o ato sexual não deve esta exigência ser entendida em sentido temporal, mas intencional: podem ser meios típicos de coação o transporte da vítima, contra a sua vontade, de um lado para o outro, ou de uma ameaça grave feita àquela algum tempo antes, mas bem se compreende que a passagem de dias ou semanas entre o ato de coação e ato sexual possa colocar em causa a concludência da especial relação que aqui deve interceder. A coação ou constrangimento a ato sexual pode ter lugar, por outro lado, num duplo enquadramento fático relativamente à vítima: ou levando-a a sofrê-lo no seu corpo, ou levando-a a praticá-lo, com o agente ou com um terceiro.
Meio típico de coação é pois, antes de tudo, a violência. Deverá ser aqui considerado apenas o uso de força física destinada a vencer uma resistência oferecida ou esperada. Assim, à violência tem de assistir uma qualquer corporalidade do meio de coação. Não é necessário que a força usada deva qualificar-se de pesada ou grave, mas será em todo o caso indispensável que ela se considere idónea, segundo as circunstâncias do caso, a vencer a resistência efetiva ou esperada da vítima, sendo certo que pode preceder o ato sexual de relevo ou ocorrer em simultâneo com ele ou intervir após o seu início, se, neste último caso, ela se destinar a vencer a oposição da vítima entretanto sobrevinda.
A ameaça é o segundo meio típico de coação individualizado, devendo entender-se por tal a manifestação do propósito de causar um mal ou um perigo se a pessoa ameaçada não consentir no ato sexual de relevo. Acresce que terá que ser grave não só em função do seu conteúdo, mas também segundo a sua medida e a sua intensidade.
O último meio de coação tipificado consiste em o agente constranger a vítima ao ato sexual de relevo depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, sendo, pois, decisivo o momento em que funciona o dolo. Na verdade, tal meio só se verificará se no momento em que vítima é colocada na situação de inconsciência ou na impossibilidade de resistir o agente tenha já então o propósito de a constranger a ato sexual de relevo.
Sob o ponto de vista subjetivo, é de exigir o dolo relativamente à totalidade dos elementos constitutivos do tipo objetivo de ilícito e em qualquer das suas formas (cfr. art.º 14.º do C.P.).
No caso da violação, o autor pode ser uma pessoa de qualquer sexo. Embora haja atos que implicam sempre a intervenção de um homem, autor pode ser também uma mulher. Da mesma forma, vítima do crime pode ser tanto uma mulher como um homem.
O tipo objetivo de ilícito inclui a conduta de o agente constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral, por meio de violência, ameaça grave ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir.
Assim, a maioria dos elementos do tipo objetivo de ilícito coincide, no seu significado textual e também no sentido normativo e teleológico, com os elementos considerados no crime de coação sexual.
Conteúdo da ação é, desde logo, a cópula, devendo entender-se por aquela a penetração da vagina pelo pénis, pelo que a cópula vestibular ou vulvar não é pois ainda cópula para este efeito. À cópula é equiparado tipicamente o coito anal, ou seja, a penetração do ânus pelo pénis.
Sob o ponto de vista subjetivo, é de exigir o dolo relativamente à totalidade dos elementos constitutivos do tipo objetivo de ilícito (cfr. art.º 14.º do C.P.).
Ora, no presente caso, resultou demonstrado que o arguido, após transportar DD para um local ermo e no meio da mata e de, mediante o uso de força física, a retirar do veículo em que a transportou e a colocar numa posição de maior vulnerabilidade e submissão, friccionou o pénis ereto nos lábios da vagina e no ânus desta, tendo o arguido assumido, assim, uma conduta coativa idónea a constranger aquela a sofrer aqueles comportamentos que são inequivocamente atos sexuais de relevo. Por outro lado, resulta da matéria de facto provada que o arguido agiu com dolo direto (cfr. art.º 14.º, n.º 1, do C.P.), embora pretendesse penetrar com o seu pénis a vagina e o ânus de DD.
É certo que foram praticados pelo arguido diversos comportamentos de constrangimento e até diferentes atos sexuais de relevo sobre a mesma vítima. Contudo, tudo tendo ocorrido no mesmo contexto situacional, não estamos sequer numa situação de concurso, mas de unidade do facto (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Comentário Conimbricense do Código Penal, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2012, págs. 731 e 753; GARCIA, M. Miguez, RIO, J.M. Castela, in Código Penal – Parte Geral e Especial com notas e comentários, Livraria Almedina, 2014, pág. 691).
No entanto, nunca chegou a ocorrer a penetração da vagina e do ânus de DD pelo pénis do arguido, pelo que não tendo então ocorrido coito oral ou a introdução vaginal de outras partes do corpo ou de objetos, inequivocamente o crime de violação não chegou a consumar-se (cfr. art.º 22.º, n.º 1, do C.P.), tendo sido praticadas, contudo, condutas que preenchem um elemento constitutivo de tal crime (cfr. art.º 22.º, n.º 2, al. a), do C.P.), estando-se pois no domínio da tentativa de crime de violação (cfr. art.º 164.º, n.º 1, al. a), do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto, vigente à data dos factos, a que corresponde o atual art.º 164.º, n.º 2, al. a), do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 101/2019, de 6 de setembro).
Contudo, como resulta já do exposto, não obstante o objetivo pretendido pelo arguido, a conduta por ele levada a cabo, e também por ele querida, consubstancia igualmente um crime de coação sexual consumado (cfr. art.º 163.º, n.º 1, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto, vigente à data dos factos, a que corresponde o atual art.º 163.º, n.º 2, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 101/2019, de 6 de setembro).
Integrando o comportamento do agente que pretendia realizar a violação um conjunto de atos sexuais de relevo, que seriam necessários para levar a cabo os seus intentos, este seu comportamento está, na verdade, igualmente abrangido pelo crime de coação sexual.
Afastada fica a punição desse comportamento em concurso efetivo por tentativa do crime de violação e por crime de coação sexual consumada dado que tal seria punir duas vezes a mesma conduta, em clara violação do princípio do ne bis in idem, na vertente da proibição da dupla valoração (cfr. art.º 29.º, n.º 5, da C.R.P.).
Ora, em matéria de tentativa vale sobretudo sublinhar que numa boa parte dos casos em que a violação não venha a consumar-se persistirá, em todo o caso, a punibilidade do agente pelo crime de coação sexual se na execução da tentativa ele houver cometido atos sexuais de relevo (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 1999, pág. 473 e 474; DIAS, Jorge de Figueiredo, in Comentário Conimbricense do Código Penal, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2012, pág. 751 e 752).
Nessas situações, punindo-se o agente pelo crime de violação, na forma tentada, olvidando-se a consumação do crime de coação sexual, estar-se-ia a desprezar todo o desvalor da ação e do resultado inerente a esta última. Ora, quanto todos os atos de execução do crime tentado de violação integram o tipo de crime de coação sexual existe um concurso aparente entre a tentativa do crime de violação e o crime de coação sexual, que funciona como crime fundamental, pelo que segundo as regras da consunção (impura), deverá o agente ser punido pelo crime de coação sexual consumado, no qual se prevê pena mais grave e, assim, pela norma que concede proteção mais acentuada à situação e que consome a proteção, menos intensa, conferida por aquela outra (cfr. CORREIA, Eduardo, in Direito Criminal, Tomo II, reimpressão, 1993 pág. 207; MONIZ, Helena, in “Violação e Coação Sexual?”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 15, n.º 2, págs. 299 e segs.; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-10-2008, processo n.º 08P2874, e de 07-01-2010, processo n.º 922/01.1GAABF.S1; Acórdão do Tribunal da relação de Guimarães, de 10-05-2010, processo n.º 77/07.8TAPTB.G2, in www.dgsi.pt). Na verdade, assim se obtém a esgotante abrangência do desvalor do facto, sendo que nada justifica que, não ocorrendo qualquer um dos atos inerentes ao crime de violação, os outros atos sexuais preparatórios daqueles sejam menos punidos do que na situação em que o agente os tivesse realizado sem, todavia, nunca ter decidido praticar qualquer um dos atos tipificados no crime de violação.
Não se desconhece que, contudo, alguma doutrina aponta para uma diferenciação de duas vertentes, ou seja, a definição do ilícito típico, por um lado, e a definição da punibilidade, por outro (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Comentário Conimbricense do Código Penal, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2012, pág. 752 e 753) que já foi sustentada, pelo menos, por um Tribunal Superior (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12-05-2009, processo n.º 2807/08-1, in www.dgs.pt).
Segundo tal entendimento seria o ilícito da violação (tentada) que conferia ao facto total o sentido socialmente dominante, enquanto ao ilícito da coação (consumada) caberia a posição de ilícito socialmente dominado (norma de comportamento). Contudo, uma vez que ao ilícito dominante corresponde uma moldura penal menos grave (norma sanção) do que a cabida ao ilícito dominante, seria dentro desta última que, no caso, deveria ser punido o ilícito dominante (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Comentário Conimbricense do Código Penal, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2012, pág. 752 e 753). Ou seja, estabelecia-se uma “cisão teorética entre norma de comportamento e norma de sanção”, que se afirma ser ainda compatível com o princípio da legalidade na medida em que “não são afetadas as expectativas do agente, baseadas em lei anterior, sobre os limites da punibilidade de qualquer dos ilícitos singulares por ele cometidos” (cfr. cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2012, págs. 1022, § 29, 1024, § 33, 1026 e 1027, § 36 e 1036 e 1037, § 55), e pugna-se pela punição do agente pelo crime de violação, na forma tentada, mas de acordo com a moldura penal do crime de coação sexual, na forma consumada.
Contudo, como resulta evidente, o efeito prático judicial é que, na verdade, qualquer das duas posições reconduz à mesma grandeza punitiva, ou seja, à punibilidade pela moldura abstrata do crime de coação sexual, na forma consumada.
Deste modo, é objetiva e subjetivamente imputável à conduta do arguido a prática de 1 crime de coação sexual, na forma consumada, p. e p. pelo art.º 163.º, n.º 1, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto, vigente à data dos factos, a que corresponde o atual art.º 163.º, n.º 2, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 101/2019, de 6 de setembro (em concurso aparente com um crime de violação, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, n.º 1, n.º 2, al. a), e 164.º, n.º 1, al. a), do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto, vigente à data dos factos, a que corresponde o atual art.º 164.º, n.º 2, al. a), do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 101/2019, de 6 de setembro).
O crime de rapto (consumado) não exige a consumação do “crime-fim”, isto é, não exige a realização da intenção do raptor, nem sequer o início da tentativa deste crime. Na verdade, basta-se com a prática conduta típica com a finalidade ou intenção de praticar o “crime-fim”. Assim, se o raptor concretiza a sua intenção, responderá, em concurso efetivo pelo crime de rapto e pelo “crime-fim”. Já as ofensas à integridade física simples (cfr. art.º 143.º do C.P.) são consumidas pelo crime de coação sexual, consoante o caso, pois que aquelas estão tipicamente contidas no meio de violência (cfr. art.º 163.º do C.P.).
(…)
ESCOLHA E MEDIDA DA SANÇÃO:
O crime de rapto é punido com uma pena de 2 a 8 anos (cfr. art.º 161.º, n.º 1, al. b), do C.P.).
Por seu turno, o crime de coação sexual é punido com uma pena de 1 a 8 anos de prisão (cfr. art.º 163.º, n.º 1, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto, vigente à data dos factos, a que corresponde o atual art.º 163.º, n.º 2, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 101/2019, de 6 de setembro).
A determinação da medida de cada uma das penas tem como critérios a culpa do agente e as exigências de prevenção, sendo a função desempenhada por cada um destes critérios definida de acordo com a chamada teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico (cfr. art.º 71.º, n.º 1, do C.P. e ANTUNES, Maria João, in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, pág. 41 e segs.).
(…)
São bastante elevadas as exigências de prevenção geral que se fazem sentir para se restabelecer a confiança na vigência e validade das normas violadas e que, assim, apontam para um maior sancionamento dos agentes deste género de criminalidade, face ao eco e ressonância social de repulsa que provoca na comunidade, sendo suscetível de gerar forte alarme social, intranquilidade e insegurança.
Por outro lado, o arguido agiu sempre com a modalidade mais intensa do dolo, que se mostra direto, revelando persistência e forte resolução criminosa tendo em conta o período de tempo em causa, a distância percorrida, as várias condutas de constrangimento praticadas e os diferentes atos sexuais de relevo levados a cabo, denotando os factos cometidos uma personalidade altamente desvaliosa.
É elevado o grau de ilicitude dos factos cometidos, sendo grave a natureza dos atos cometidos dentro da gravidade pressuposta nos tipos de ilícitos em causa, sendo igualmente grave o modo de execução dos crimes e de relevo as consequências causadas, o que milita contra o arguido.
Embora o arguido tenha admitido alguns dos factos dados como provados, negou o cerne dos ilícitos cometidos, pelo que tal circunstância não tem qualquer poder atenuativo, tanto mais que não ficaram demonstrados nos autos quaisquer factos reveladores de qualquer arrependimento do arguido.
Milita a seu favor a circunstância de não possuir antecedentes criminais e o facto de estar familiar, social e profissionalmente inserido.
Tudo ponderado, afiguram-se adequadas às circunstâncias do caso as seguintes penas:
1. 3 anos de prisão pelo crime de rapto; e
2. 5 anos de prisão pelo crime de coação sexual.
No presente caso, resulta que ao arguido é imputada a prática de vários crimes em concurso efetivo. Uma vez que só no presente processo o referido arguido pelos mesmos foi julgado, não poderia ter transitado em julgado a condenação por qualquer deles.
A pena [única] aplicável terá como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e, como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (cfr. art.º 77.º, n.º 1 e n.º 2 do C. P.).
A pena [única] aplicável terá como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e, como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa (cfr. art.º 77.º, n.º 1 e n.º 2 do C. P.).
Assim, a moldura do concurso é, para o arguido, de 5 anos de prisão no seu limite mínimo e 8 anos no seu limite máximo.
Estabelecida a moldura penal do concurso, deve determinar-se a pena conjunta do concurso, dentro dos limites daquela. Tal pena será encontrada em função das exigências de culpa e de prevenção, tendo o legislador fornecido, para além dos critérios gerais estabelecidos no art.º 71.º do C. P., um critério especial: “Na determinação concreta da pena serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” (cfr. art.º 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do C.P.).
Importa, pois, detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre os factos concorrentes, tendo em vista a totalidade da atuação do respetivo arguido como unidade de sentido, que possibilitará uma avaliação global e a “culpa pelos factos em relação” (cfr. MONTEIRO, Cristina Líbano, in “A Pena “Unitária” do Concurso de Crimes”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, n.º 1, págs. 162 e segs.). Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, pág. 286).
Na avaliação desta personalidade unitária do agente, releva, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência, ou eventualmente mesmo a uma carreira criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sendo que só no primeiro caso será de atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. No entanto, não pode ser esquecida a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do respetivo agente.
Ora, face às circunstâncias do caso, nomeadamente o tipo de crimes em causa, a identidade da vítima, o facto de terem sido cometidos no mesmo dia e às próprias condições pessoais do condenado à data do seu cometimento, afigura-se que o conjunto dos factos em apreço é ainda reconduzível a uma pluriocasionalidade e fruto de uma multiplicidade de circunstâncias casuais.
Assim, afigura-se que não será de atribuir à pluralidade de crimes cometidos um efeito particularmente agravante dentro da respetiva moldura penal conjunta aplicável.
Tudo ponderado, afigura-se adequada às circunstâncias do caso a pena única de 6 (SEIS) ANOS DE PRISÃO.
Assim, deverá ser aplicável a lei vigente à data dos factos (cfr. art.º 2.º, n.º 1, do C.P.).
(…)
DO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO:
Segundo o disposto no art.º 82.º-A, n.º 1, do C.P.P. “não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos arts. 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima o imponham”.
Acrescenta o n.º 2 do citado preceito legal que “no caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório”.
Por fim, dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que “a quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em ação que venha a conhecer de pedido civil de indemnização”.
Ora, de acordo com o n.º 1, do art.º 16.º do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, “à vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável”, acrescentando o n.º 2 que “há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser”.
Ora, de acordo com o disposto no art.º 67.º-A, n.º 1, als. a) e b), do C.P.P. são vítimas especialmente vulneráveis as pessoas singulares que sofreram um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, diretamente causado por ação ou omissão, no âmbito da prática de um crime sua vítimas cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social.
Acresce que as vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis (cfr. art.º 67.º-A, n.º 3, do C.P.P.).
Ora, de acordo com o disposto no art.º 1.º, al. j), do C.P.P. por criminalidade violenta considera-se as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos e, de acordo com o disposto no art.º 1.º, al. l), do C.P.P., criminalidade especialmente violenta as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos.
No presente caso, DD nunca se opôs expressamente a que lhe fosse arbitrada quantia reparadora e face aos danos e consequências causados julga-se adequado que seja a mesma arbitrada.
Na verdade, perscrutando a matéria considerada provada dúvidas não existem de que o arguido praticou por ação factos que constituem crimes que são punidos com pena de prisão de máximo igual a 8 anos de prisão. Para além disso, todos esses factos cometidos foram voluntários, já que eram passíveis de controlo por parte do mesmo, sendo antijurídicos ou contrários ao direito, porque violadores de direitos individuais de outrem e, assim, ilícitos.
Ora, uma vez que o arguido podia e devia ter agido de outra forma, a sua conduta é ético-juridicamente censurável e, assim, culposa, tendo atuado com dolo direto, tendo a sua conduta causado, face ao período de tempo em causa e as várias condutas praticadas, de forma grave, danos de natureza não patrimonial suficientemente graves para justificarem a fixação de uma compensação (cfr. art.º 496.º do C.C.) a DD, vítima especialmente vulnerável.
Deste modo, atendendo às consequências da conduta do arguido, ao contexto em causa e às condições socioeconómicas daquela DD e do arguido, considera-se ajustada para compensar dos danos não patrimoniais que sofreu em consequência da conduta do demandado a quantia de 20 000 EUR para DD.
(…) »

3. Enfim apreciando.

3.1. Do recurso interlocutório

3.1.1. Conforme directamente resulta da lei (art. 286.º, n.º 2, do CPP), é pacífico e não está sequer aqui em causa, a instrução é uma fase facultativa do processo penal, mas daí e ao contrário do que o arguido sustenta nas suas argumentações de recurso não decorre uma sua irrestrita disponibilidade por banda de quem a requeira. Desde logo, e embora a dita facultatividade daquela fase processual, em linha com a respectiva teleologia (sindicância jurisdicional da decisão final do inquérito tomada pelo MP – ou pelo assistente, no caso de acusação particular), logo sugira dever consentir-se a desistência, a lei nada directamente prevê nessa matéria, e a obrigatoriedade do debate instrutório como seu acto, sob pena aliás de nulidade (art. 289.º, n.º 1, e 120.º, n.º 2, al. d), do CPP), levaria até a sustentar-se que, uma vez requerida, essa desistência não poderia já ter lugar.

3.1.2. Importando, pois, conciliar os dois pólos do problema, já nesse sentido se defendeu que não obstante esse carácter facultativo, o requerente (arguido ou assistente que seja) não pode da instrução desistir em qualquer momento, desde logo onde já tivesse sido produzida prova que lhe fosse desfavorável, pois que isso resultaria em fraude aos fins públicos da instrução, impedindo o tribunal de exercer o juízo de valoração sobre a prova produzida (assim, Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 2.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, p. 752). Acolhendo-se esta doutrina e levando-a às consequências últimas, caberia admitir a desistência da instrução a todo o tempo (naturalmente com o limite do encerramento do debate), enquanto não tivesse sido produzida prova desfavorável ao requerente, mas isso faria tábua rasa da já dita obrigatoriedade do debate, uma vez ela iniciada.

3.1.3. Preferível nos parece, para compatibilizar a dita facultatividade com aquela obrigatoriedade desse acto, recorrer à segurança mínima da analogia a que se presta a regra prevista para a desistência dos recursos (art. 415.º, n.º 1, do CPP), que admite a desistência até à conclusão do processo ao relator para exame preliminar. É a doutrina proposta por Pedro Soares de Albergaria (“Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, ob. colect., Tomo III, Almedina, Coimbra, 2021, p. 1195), a que aderimos sem reserva, para melhor compreensão aqui se transcrevendo: “A mais de teleologicamente vinculada, a instrução é (…) uma fase facultativa (…). Pressupostos os requisitos para requerê-la, quem para tanto tiver legitimidade pode ou não fazê-lo. Ser facultativa, porém, não faz dela em todo o caso uma fase processual (absolutamente) disponível. Pode-se ou não requerê-la, a bel talante e de acordo com a estratégia de quem (…) para tanto tiver legitimidade. Mas uma vez requerida, a disponibilidade sobre a mesma é limitada, parecendo-nos seguro afirmar que se pode dela desistir até ao despacho que declara a abertura da mesma, em termos aliás análogos ao que se dipõe no art. 415.º para a desistência do recurso. Donde resulta que, sem prejuízo dessa possibilidade, ela uma vez requerida torna-se obrigatória e a sua falta constitui nulidade insanável (art. 119.º/d)”.

3.1.4. No caso dos autos, precisamente, quando o arguido e requerente da instrução dela veio manifestar desistir, a 19/04/2021, já a instrução fora há muito declarada aberta por despacho de 06/11/2020, e segue daí a nossa absoluta concordância com o despacho que indeferiu a dita desistência, por julgá-la já então inadmissível, em termos que, de resto e pese embora alguma diferença argumentativa, são substancialmente similares aos aqui expostos. Em suma, concluímos pela total improcedência dos argumentos do recorrente, de onde linearmente decorre não ser provido o recurso, mas não deixamos de adiantar uma razão adicional ainda.

3.1.5. É que este recurso interlocutório seria em boas contas inútil, mal se percebendo até porque declarou o recorrente manter nele interesse aquando da interposição do recurso da decisão final. Na verdade, mesmo que por mero exercício de raciocínio postulássemos razão do recorrente na questão de fundo (admissibilidade da desistência da instrução a todo o tempo), no caso concreto isso absolutamente nada adiantaria à marcha do processo e à sua posição nele: com a admissão da desistência, o processo teria seguido para a fase de julgamento com a acusação deduzida pelo MP no final do inquérito; com o prosseguimento da instrução, o processo acabou por seguir para julgamento com pronúncia que, ao abrigo do art. 307.º, n.º 1, do CPP, simplesmente remeteu para as razões de facto e de direito constantes da dita acusação. Por outras palavras, tudo se manteria imutável.

3.2. Do recurso da decisão final

3.2.1. Assim se tendo concluído pela improcedência do recurso interlocutório, cabe agora, segundo a ordem acima postulada, apreciar os argumentos que no recurso contra a decisão final o arguido a esta contrapôs, e em primeiro lugar a questão, incertamente configurada do ponto de vista processual, da suposta caducidade da faculdade de dedução da acusação quando o magistrado do MP a prolatou, e isso por decurso do prazo máximo de duração do inquérito até que seja tomada – decurso que em si mesmo nenhuma dúvida suscita, à luz dos art. 276.º, n.º 1 e 4, do CPP, tendo em conta que o fixa em oito meses, quando se não verificarem quaisquer das hipóteses de extensão previstos, como não verificam, e que deve ser contado desde que o inquérito passa a correr contra pessoa determinada; no caso tendo-se o inquérito iniciado logo concretamente contra o arguido com o auto de notícia de 02/10/2018 (apesar de a constituição de arguido apenas ter tido lugar a 26/02/2019…) e encerrado com a acusação de 03/09/2020, isto é, muito para lá dos referidos oito meses.

3.2.2. Ainda que ao menos em parte as delongas pudessem levar-se à conta de repercussão das regras adoptadas para lidar com a epidemia que pouco depois da constituição de arguido começou a manifestar-se, é na verdade irrelevante debater as razões dessa demora ou indagá-las. O ponto são as respectivas consequências, e aqui temos de decididamente acompanhar a resposta do MP ao recurso: os prazos de inquérito são ordenadores, importando a sua ultrapassagem potenciais consequências várias (entre elas disciplinares e, no âmbito processual, de abrirem caminho à avocação dos autos pelo superior hierárquico e ao mecanismo da aceleração – art. 276.º, n.º 6 a 8, e 109.º do CPP –, e ainda ao fim do eventual segredo de justiça interno – art. 89.º, n.º 6, do CPP), entre as quais se não inclui qualquer uma que fosse peremptória ou preclusiva.

3.2.3. Por muito que numa perspectiva do direito a constituir fosse defensável assinalar efeitos daquela natureza à ultrapassagem dos prazos de inquérito (algo que apenas por exposição argumentativa referimos, sem prejuízo de notar que no mínimo a solução se exporia às mais diversas e ponderosas objecções de política criminal e de dogmática processual penal), a lei com efeito vigente não dá em nossa opinião o menor suporte a essa solução. Pelo contrário, a mesma é decisivamente contrariada pela própria mecânica do instituto da aceleração processual, como desenhada nos art. 108.º e 109.º, do CPP, que ficariam destituídos de sentido útil se os prazos de inquérito determinassem alguma invalidade dos actos subsequentes ou importassem qualquer caducidade da acção penal.

3.2.4. De resto, contraste significativo do acerto de quanto aqui afirmamos e da dita resposta do MP ao recurso, é justamente a constatação de que debalde se procurará na jurisprudência acolhimento algum da dita tese da preclusividade daqueles prazos, bem pelo contrário, e na doutrina sendo, se não falhamos, isolada a voz que o recorrente cita, de Cláudia Cruz Santos (“O controlo judicial da violação dos prazos de duração máxima do inquérito”, Julgar, n.º 32, Maio-Agosto de 2017, pp. 233 e ss.). Em sentido contrário, citamos por todos, de resto com larga cópia de razões e abundantes citações de doutrina, João Conde Correia (“Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, ob. colect., Tomo III, Almedina, Coimbra, 2021, p. 11951006 e ss.), em que colhemos ainda o seguinte argumento: “ao contrário do projeto inicial, que impunha expressis verbis a natureza perentória dos prazos de duração máxima do inquérito (art. 277.º/2), o código atual não consagrou essa solução legal, nem ela pode ser razoavelmente deduzida dos restantes elementos interpretativos”. Na jurisprudência, unânime na consideração de tratar-se de prazos meramente ordenadores, seria fastidiosa uma enumeração de arestos, bastando aqui remeter para os citados na dita resposta do MP ao recurso do arguido, aliás exemplares.

3.2.5. Breve, não merece atendimento algum a tese da caducidade, aquando da dedução da acusação, da acção punitiva do Estado titulada pelo MP, e menos ainda cabe considerar a subsequente tese de conhecimento oficioso dela (e a todo o tempo…) por emprego do regime próprio do Código de Processo Civil, com necessária extinção do procedimento e arquivamento do processo. Improcede absolutamente, esta argumentação de recurso.

3.2.6. Importando agora, sempre seguindo aquela ordem, enfrentar a nulidade arguida em conclusões de recurso (que, como se disse, delimitam o objecto respectivo), é necessário começar por precisar-lhe o enquadramento. Em jeito resumido, tratar-se-ia de uma nulidade das previstas no art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, na medida em que o tribunal, condenando por factos (em parte) diversos dos que constavam da acusação (rectius: da pronúncia que para ela remeteu), o fez com prévio recurso ao mecanismo do art. 358.º, n.º n.º 1 e 3, também do CPP, tomando-as tanto por alteração de factos em sentido próprio, mas não substancial, e por mera alteração da qualificação jurídica dos factos, quando na verdade se trataria de alterações substanciais, à luz do art. 1.º, al. f), ainda do CPP, que reclamariam o todavia postergado procedimento previsto isso sim no art. 359.º, sempre do CPP – postergação em que afinal se revelaria nulidade, aliás a importar o reenvio do processo para novo julgamento (art. 379.º, n.º 3, e 426.º, do CPP, e atento o Ac. do STJ n.º 3/2000, de Uniformização de Jurisprudência, por maioria de razão – sobre este específico tema, cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit, pp. 966-967).

3.2.7. Convém ter presente, na apreciação que a matéria concita, qual foi a concreta alteração de factos, em sentido próprio, que com efeito teve lugar, e para isso basta atentar no despacho de 13/10/2021, em que foi feita a comunicação nos termos do art. 358.º, n.º 1, do CPP, com vista à sua eventual consideração subsequente em acórdão (como provados ou não provados), de factos que, reputando-se como não descritos ou não suficientemente caracterizados na acusação/pronúncia, são os seguintes:
« No dia 2 de outubro de 2018 o arguido e a ofendida encontraram-se pelas 13h41min;
O arguido convenceu aquela DD a encontrar-se com ele e fazer-se transportar no veículo por si conduzido sob o falso pretexto de se deslocarem ao estabelecimento comercial denominado “...”, a fim de o arguido lhe emprestar dinheiro;
Foi percorrido um total de cerca de 13 km;
A inversão do sentido de marcha ocorreu nas imediações de uma placa de boas-vindas à freguesia ...;
Percorreram o caminho estreito em terra batida durante cerca 110 metros;
O lugar onde a viatura foi imobilizada era rodeado de mata;
Junto ao capot da viatura o arguido extraiu o seu pénis, descreveu movimentos sequenciais de vai e vem até aquele ficar ereto, puxou os cabelos de DD, afastou as cuecas que esta vestia, friccionou o pénis ereto nos lábios da vagina e no ânus, tentando introduzi-lo no ânus desta;
Aquela DD apertou as nádegas;
O arguido após abrir a mala da viatura, agarrou DD pelos braços, afastou as cuecas que esta vestia, tentou introduzir o pénis ereto na vagina e no ânus desta, o que não conseguiu dado que, não obstante, aquela DD apertou as nádegas e fechou as pernas;
O arguido telefonou a DD pelas 15h02min;
O arguido agiu da forma descrita sabendo e querendo convencer DD a entrar na dita viatura sob um falso pretexto para a conduzir até àquele local e aí constrange-la a sofrer a introdução anal do seu pénis, contra a vontade daquela; e
Agiu ainda sabendo e querendo exercer violência física sobre aquela DD para a constranger a sofrer a introdução anal do pénis do arguido a fim de com ela manter relações de coito anal, contra a vontade desta, o que não conseguiu por razões alheias à vontade do arguido.»

3.2.8. Basta cotejar esta enumeração com a decisão de facto constante do acórdão para ver que todos os factos novos com efeito acabaram como provados, mas evidentemente não é isso o relevante. O que importa é que, no cotejo com a acusação de 03/09/2020 (para que a pronúncia remeteu), com igual simplicidade se conclui que relativamente a esta nada alteram de significativo quanto à conduta nela descrita e imputada ao arguido, com efeito não se passando de com eles precisar ou completar uma conduta que em abstracto se mostraria compatível com a(s) mesma(s) valorações jurídico penais. Fica isso bem ilustrado com a consideração também da que constava na acusação, repetindo-a aqui (mesmo a custo de ainda maior extensão desta peça):
« A ofendida DD e o arguido AA conheceram-se em 30/07/2017 numa cerimónia de casamento de uma prima daquela, onde aquele assumiu a função de animador musical.
Nesse evento, ambos trocaram contactos telefónicos, tendo o arguido entregue à ofendida um pedaço de papel manuscrito com o seu nome e contacto: “AA .....”.
Em data não concretamente apurada, mas anterior a 01/10/2018, o arguido encontrou-se pessoalmente com a ofendida, uma única vez, para tomarem um café, tendo a ofendida informado o arguido, de que não queria nenhum relacionamento e que não estava preparada para ter uma relação.
Neste encontro, o arguido parou o veículo numa zona junto ao ..., e posteriormente deixou a ofendida junto da respectiva residência, não sem antes ter informado aquela que tinha possibilidades económicas e que estava bem na vida.
Sensivelmente, entre Agosto e Setembro de 2018, o arguido enviou várias mensagens SMS à ofendida, perguntando se estava tudo bem e se queria encontrar-se com ele, tendo a mesma retorquido que se encontrava ausente, em gozo de período de férias e aquele replicado que quando regressasse que ligasse para tomarem um café.
Num contacto telefónico mantido com o arguido em 29/09/2018, a ofendida questionou-o se conhecia alguém que lhe pudesse emprestar dinheiro, cerca de €500,00 a juros, tendo aquele logo se disponibilizado e dito: “eu mesmo empresto, mas tem que ser pessoalmente!”.
Nesse dia nada ficou concretamente acordado.
Já no dia 02/10/2018, pelo período da manhã, o arguido enviou várias mensagens SMS´s à ofendida.
Pelas 13h35m do dia supra referido, o arguido telefonou à ofendida e disse-lhe que estava à sua espera no exterior da residência, tendo a mesma o encontrado na Rua ..., ..., ..., num veículo automóvel, cuja marca e modelo logrou-se apurar ser e da marca ..., com a matrícula ..-EA-.., propriedade de LL, irmã do arguido, com mala e estofos em pele escura, tendo pendente no espelho retrovisor um objecto tipo “espanta espíritos”, de tom rosado, com um “caça sonhos” e um objecto típico de protecção “ ao mau-olhado” em pedra circular e tons azulados.
Dali, o arguido conduziu o referido veículo até ao ... “...”, sito na Av.º ..., ..., ..., tendo iniciado vários telefonemas via telemóvel, e por momentos deixado de conversar com a ofendida.
Junto ao supra referido estabelecimento comercial, o arguido não parou, tendo a ofendida o interpelado: “Então não páras?”
A partir daqui, o arguido adoptou uma nova atitude, tornando-se agressivo.
A ofendida informou-o que: “Eu não quero ir a lado nenhum, deixa-me aqui!”.
O arguido entretanto disse à ofendida que: “Tem calma que isto vai ser rápido!”.
O arguido recusou-se sempre a parar o veículo e a deixar sair a ofendida.
Esta, entretanto ensaiou abrir a porta em andamento, para sair do veículo, e o arguido gritou: “Tem calma que vamos ali a um café mais à frente!”.
Já na Rotunda ..., sito na ..., área deste Município, a ofendida tentou novamente abrir a porta do veículo, dizendo: “Eu vou sair!”; e o arguido retorquiu:
“Tá quieta, tá calma, cala-te, é rápido!”.
Quando já circulavam em sentido descendente da Rua ..., numa zona de pinhal, nas imediações da sinalética rodoviária indicativa “...” e “...”, junto a uma fábrica abandonada, o arguido inverteu o sentido da marcha e entrou num caminho estreito de terra batida, raspando o chassis do veículo nas pedras e desníveis do piso irregular do referido terreno/caminho.
A dada altura, a ofendida começou a chorar e aos gritos disse: “eu não quero ficar aqui, deixa-me sair, o que queres de mim?”.
O arguido ignorou os apelos da ofendida e imobilizou o veículo num lugar ermo, retirou-se do interior do mesmo, tendo a ofendida questionando-o: “O que queres de mim?.
Em tom de voz agressivo, o suspeito ordenou à ofendida: “anda lá, sai do carro!
De imediato abriu a porta à ofendida e disse-lhe: “eu já queria isto a última vez, gozaste comigo, não me enerves, eu vou-me vir em ti, fiquei com raiva de não teres feito nada antes, vais pagar por tudo!”.
Nesse entretanto, a ofendida recebeu no seu telemóvel uma chamada do seu namorado EE, do número do cartão SIM ....., tendo ainda logrado atender a chamada aos gritos e em pranto, pedindo-lhe auxílio, altura em que o arguido retirou-lhe o telemóvel e desligou-o, arremessando o mesmo para o interior da carteira daquela.
Em tom ainda mais violento e vociferante, o arguido ao mesmo tempo que proferiu a seguinte expressão:
“Anda lá, sai do carro, levas um estalo que te fodo,!, não me enerves!”; desapertou as calças e o respectivo cinto, e extraiu o pénis para fora, tocando-lhe com a mão para ficar erecto.
O arguido agarrou com força os braços da ofendida e arrastou-a para o exterior, acto contínuo puxou-lhe o vestido para cima, procurou tirar-lhe as calcinhas/cuecas, tendo aquela evitado, pois por momentos fechou as pernas.
O suspeito pelo uso da força física, conduziu a ofendida até à zona do capot do veículo, e obrigou-a a colocar-se de costas para si.
Já com as mãos sobre o capot, e empurrando-a com os joelhos, o arguido forçou a abertura das pernas daquela, desferindo-lhe ainda um estalo e dizendo-lhe:
“Cala-te puta, que assim não me excitas, se estiveres calma isto é rápido!”.
Nesse entretanto, a ofendida em pranto resistiu, apertando constantemente as pernas e puxando as suas calcinhas para cima.
Enquanto isso, o arguido encostou-se às nádegas da ofendida e tentou introduzir o pénis já erecto na vagina, não tendo conseguido porque aquela fechou as pernas, ao mesmo tempo que lhe dizia: “Isto é uma violação, eu não quero!”.
O arguido enquanto isso, disse em tom de gozo: “Isto não é nada, eu sinto-me atraído por ti, eu já queria isto há muito tempo, isto é rápido, eu venho-me já !” ;
Ao mesmo tempo, desferiu várias palmadas nas nádegas da ofendida.
Acto contínuo, o arguido puxou-a para a zona da mala do veículo, que abriu para o efeito, colocando-a novamente a força de costas para si, e tentando introduzir a cabeça daquela naquele compartimento do veículo, enquanto se mantinha encostado com o pénis erecto às nádegas da mesma, roçando assim o mesmo na zona do nadegueiro;
Ao mesmo tempo, o arguido insistentemente dizia: “Abre as pernas, se não deixas então escolhe; ou chupas ou levas no cu!”.
A ofendida aos gritos disse: “Eu não quero, nunca fiz isso, eu não quero nada !”.
Acto contínuo o arguido agarrou no seu pénis, e começou com os gestos e movimentos próprios de masturbação, dizendo: “Olha para aqui!”.
Nesse entretanto, o arguido ejaculou para o chão e limpou-se numa folha de papel de um rolo de papel de cozinha, que transportava na mala daquele veículo, atirando tal folha para o chão daquele local.
De imediato o arguido referiu: “ Anda lá, vamos embora, entra que vou-te deixar numa paragem!”.
A ofendida respondeu: “Não, eu fico já aqui, deixa-me!”.
O arguido ainda empurrou-a para o lugar do passageiro, logrando metê-la à força no interior, e fechou a porta do veículo, retirando-se do local.
No percurso de saída, a ofendida aos berros pediu-lhe que a deixasse, tendo o arguido tentado colocar a mão sobre as pernas daquela dizendo-lhe:
“Desculpa, eu não estava em mim, eu estava alterado, quando fico assim só passado uma hora é que fico bem, eu não te penetrei mas da próxima eu vou-me vir dentro de ti!”.
O arguido deixou a ofendida já na confluência da Av.ª... com a Av.ª na ..., ..., dizendo: “Sai!”.
Como consequência directa e necessária da supra descrita conduta, sofreu a ofendida DD, dores localizadas ao nível das zonas corporais atingidas, concretamente:
- membro inferior esquerdo: equimose na face anteroexterna da coxa, com 2cm de diâmetro. Tais lesões demandaram para a cura da ofendida, um período de 4 dias de doença, sem afectação da capacidade para o trabalho geral e profissional.
A ofendida encontrou auxílio nos transeuntes que ali passavam.
Passado uns instantes, e assim que ofendida ligou o seu telemóvel, o arguido logrou telefonar-lhe, dizendo-lhe:
“Eu nem te dei dinheiro, mas ainda tenho de o levantar!”.
Agiu o arguido, com o propósito de privar a ofendida da sua liberdade ambulatória e de locomoção, o que conseguiu, resultado este que representou, conduzindo-a a um local ermo, e aí mantendo-a presa com o propósito de a constranger e forçar a ter consigo relações de cariz sexual, tudo conta a vontade daquela.
Agiu astuciosamente, usando de inicial conversa amena e cordial sobre a ofendida, com a intenção de a levar para o mato, e de utilizar posterior violência em ordem a cometer crime contra a liberdade sexual da mesma.
Ao actuar da forma supra descrita, o arguido agiu ainda com o propósito de satisfazer os seus instintos libidinosos e de manter práticas sexuais de cópula, contra a vontade e pondo em causa a liberdade e auto-determinação sexual da ofendida, o que representou, só não logrando os seus intentos, por razões alheias à sua vontade, e à resistência da ofendida.
A ofendida foi obrigada a suportar as práticas sexuais tentadas supra descritas, o que lhe provocou angústia e sofrimento, situação que o arguido não ignorava.
O arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua descrita conduta era proibida e punida pela lei penal.»

3.2.9. Sendo certo que o recorrente se fica pela afirmação apodíctica de que estes factos, assim descritos na acusação, seriam no preciso sentido processual substancialmente alterados pelos que na sequência da audiência de julgamento o tribunal recorrido entendeu tomar em consideração, mas se guardou (nas conclusões como nas motivações) de especificamente expor o raciocínio que a essa conclusão conduziria, i.e., como e em quê seria dessa alteração que resultasse, à luz do citado art. 1.º, al. f), do CPP, a imputação de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, plano em que nada acrescenta à afirmação de « [ser] diverso (…) o contexto objetivo do cometimento do crime, como decorre dos novos factos adiantados pelo tribunal» (conclusão XII), temos de aqui bastarmo-nos com igualmente dizer que essa não é uma afirmação sustentável. Não apenas a multifacetada e complexa “incidência de vida” com potencial relevo penal se mantém essencialmente a mesma, apesar das alterações, que apenas lhe apuram os contornos (e, sintetizando e simplificando, até melhor a descrevem), mas sem verdadeiramente a descaracterizarem ou de algum jeito mudarem (no tempo, no espaço, quanto aos intervenientes ou no que fosse), sendo portanto meramente circunstanciais, como sobretudo não resulta delas modificação alguma dos crimes preenchidos; em especial e quanto aos que vinham na acusação/pronúncia imputados, certamente não o de rapto, e nem aliás o de violação na forma tentada, sendo a alteração que a respeito deste último se verificou de uma natureza toda outra.

3.2.10. Com efeito, e voltando agora ao acima referido despacho de 13/10/2021, verificamos que nele, previamente à comunicação da alteração não substancial de factos e até independentemente dela, foi do mesmo passo comunicada a eventualidade de uma alteração da qualificação jurídica deles feita na acusação/pronúncia, para os efeitos do art. 358.º, n.º 3, e nos termos seguintes:
«Comunica-se que, desde logo, os factos imputados no despacho de pronúncia implicam uma alteração da qualificação jurídica dos mesmos, passando o arguido a incorrer na prática, em autoria imediata e em concurso efetivo, de 1 crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. b), do C.P., e de 1 crime de coação sexual, na forma consumada, p. e p. pelo art.º 163.º, n.º 1, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto, vigente à data dos factos, a que corresponde o atual art.º 163.º, n.º 2, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 101/2019, de 6 de setembro (em concurso aparente com um crime de violação, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, n.º 1, n.º 2, al. a), e 164.º, n.º 1, al. a), do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto, vigente à data dos factos, a que corresponde o atual art.º 164.º, n.º 2, al a), do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 101/2019, de 6 de setembro (cfr. art.º 358.º, n.º 1 e n.º 3, do C.P.P.). »

3.2.11. Por outras palavras, ainda que nenhuma alteração de factos em sentido próprio tivesse cabido, o que sempre importaria a final a condenação do arguido pelo crime de coacção sexual consumada (art. 163.º, n.º 1, do CP, na redacção vigente ao tempo dos factos, que era a da lei 83/2015, de 05/08), e não pelo crime de violação na forma tentada que na acusação/pronúncia se lhe imputara (art. 164.º, n.º 1, 22.º, n.º 1 e 2, al. a), e 23.º, n.º 1, do CP), e tudo mantendo-se o crime de rapto, era a qualificação jurídica que dos factos cumpria e que o tribunal, entendo-a diversa da que se fizera no libelo, adequadamente o comunicou. Enfatizando-se, claro está, que não só essa diversa qualificação cabia, no entendimento do tribunal e com inteira correcção, logo à face dos factos que constavam do libelo, como também que nela nada relevaram os novos factos considerados em alteração não substancial dos do libelo, como ainda e enfim que, obviamente, à mera alteração da qualificação jurídica de factos não cabe o qualificativo de substancial (por resultar na imputação de crime diverso ou mais gravemente punido) ou não e menos a aplicação do regime do art. 359.º do CPP.

3.2.12. Em suma, as alterações de facto que com efeito tiveram lugar, foram alterações não substanciais (como tal cabendo entender as que não se qualifiquem como substanciais à luz do art. 1.º, al. f), do CPP), e a condenação do arguido por crime diverso de um dos que lhe vinham imputados (o outro tendo-se mantido), resultou isso sim de mera alteração da qualificação jurídica, e não daqueles ou de outros factos novos. Não havia pois que trazer à colação o regime do art. 359.º do CPP, reservado à hipótese de alteração substancial de factos, pelo contrário tendo de cumprir-se, e cumprir apenas, o do art. 358.º, n.º 1 e 3, do CPP, como foi o caso (aliás com renúncia do arguido a requerer prazo para adequar a sua defesa). Como na resposta ao recurso observou a digna magistrada do MP, o recorrente simplesmente confundiu os regimes da alteração não substancial e substancial de factos e o da alteração jurídica deles (decalcado do primeiro), e se cabe reconhecer que uma alteração conjunta da qualificação jurídica e não substancial de factos pode facilmente resvalar para uma verdadeira alteração substancial, no caso isso manifestamente não sucedeu. Daqui resulta, enfim, a evidência de se não verificar a nulidade prevista pelo art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, cuja arguição igualmente improcede.

3.2.13. Posto o que antecede, vejamos agora aquilo que, sub nomen “nulidade processual”, o recorrente verbera ao tribunal recorrido por ter valorado (como se colhe da motivação da decisão de facto ínsita no acórdão) consultas de mapas em plataformas digitais (concretamente: Google Maps), sem que as mesmas tivessem sido discutidas e analisadas em audiência de julgamento nem de resto constem dos autos, e desse modo em contravenção, segue o argumento, do disposto pelo art. 355.º, n.º 1, do CPP. Em rigor, e como já acima de passagem referimos, a ser o caso de não poderem esses dados e desse modo ser valorados, tratar-se-ia não de uma nulidade processual (que de resto e como tal o recorrente não caracteriza minimamente), mas verdadeiramente de uma proibição de prova, cujo regime não tem de necessariamente ater-se às regras previstas para as nulidades, que o não prejudicam, que importaria sim um desvio ou, mais precisamente, um limite endógeno à liberdade de formação de convicção por banda do julgador (art. 127.º do CPP, e limite endógeno porque atinente ao condicionamento do próprio processo de formação de convicção, mais do que ao resultado da apreciação da prova; nesta matéria, cfr. uma vez mais Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pp. 51, 299-300 e 329-330). E assim, e a reconhecer-se, a específica sede adequada para dessa violação de proibição de prova tirar consequências seria o recurso em matéria de facto, conduzindo a impor-se dar como não provados os factos que com base na prova proibida e por isso em erro de julgamento tivessem sido estabelecidos (art. 412.º, n.º 3, als. a) e b), do CPP).

3.2.14. Não obstante, e para não complexificar a estrutura desta já demasiado (e ainda prognosticavelmente mais) extensa decisão, algo tão desnecessário quanto a arguição é manifestamente improcedente, pode dizer-se já aqui o que a esse respeito cabe, e que é começar por observar que simplesmente não é verdade que a questão (a consulta ou recurso aos ditos meios digitais para apurar certas localizações) surgisse em sentença à margem do que consta dos autos ou do que foi (ou podia ser) debatido e examinado em audiência. Partindo do segmento da motivação da decisão de facto que aqui releva (transcrição: «Basta uma simples pesquisa num motor de busca na internet para concluir que a Rua ... é uma das transversais à Rua ... onde aquela DD reside. Por outro lado, uma simples pesquisa num motor de busca na internet pela denominação daquele estabelecimento comercial também facilmente permite concluir que o mesmo se situa na Avenida ..., ... e, assim, numa das vias que teria sido percorrida até chegarem àquele lugar ermo provindo da residência daquela DD (cfr. fls. 53 a 57 do Volume I).»), em que explicitamente se alude a uma averiguação feita com esse recurso e constante nos autos – evidenciada adiante e na mesma motivação com nova alusão que igualmente se transcreve: «FF, Inspetor da Polícia Judiciária, deu conta de que a descoberta desse local, cujas características resultam da reportagem fotográfica efetuada (cfr. fls. 53 a 57 do Volume I e 228 a 240 do Volume II), e a determinação do percurso que teria sido efetuado ocorreram a partir de indicações de específicos pontos do percurso que teria sido seguido e que foram fornecidos por DD, só tendo sido possível reconstituir o mesmo e chegar àquele local conjugando-os com uma pesquisa efetuada na aplicação Google Maps.»); logo se compreende bem, e certamente acompanha, o que nesta matéria e na sua resposta ao recurso rebate o MP: «a referida pesquisa efetuada na aplicação Google Maps foi referida na sequência da inquirição da testemunha FF, Inspetor da Polícia Judiciária que explicou como chegou ao local através dos elementos fornecidos pela vítima. Não existiu qualquer violação do princípio do contraditório. Primeiro porque o resultado dessa pesquisa encontrava-se previamente junta aos autos e segundo, porque o recorrente teve a possibilidade de contrainterrogar a testemunha, nos termos do disposto no art. 348.º do CPP». [o depoimento dessa testemunha é claro nesse sentido, como se colhe da gravação respectiva a min. 06.00 a 08.55, e aliás conjuga-se com o da ofendida, este segundo verificado da segunda parte da correspondente gravação, a min. 50.14 até 51.26 ].

3.2.15. Mas admitamos ainda que se tivesse tratado apenas de uma consulta ao “Google Maps” feita pelos juízes do colectivo já depois da audiência, à margem desta e do que no seu curso tivesse sido ventilado, ou até do que constasse do processo, e com o fito de se inteirarem da situação (designadamente distâncias relativas) de certos locais que foram palco dos factos, para melhor perceberem a respectiva dinâmica e se habilitarem a uma decisão conscienciosa. Estamos em crer que se não disputará ser-lhes isso inteiramente lícito, do mesmo modo que, salvo o devido respeito, ninguém terçaria armas pela íntegra regularidade da prova contra o juiz que na solidão decisória do seu gabinete, fosse após o julgamento consultar um mapa físico para melhor ponderar as implicações das proximidades relativas dos locais relevantes. Por outras palavras, consultar o “Google Maps” não para determinar directamente um facto objecto do processo mas antes para conhecer distâncias entre locais e também com isso informar os juízos a fazer sobre os factos, para mais e em se revelando o resultado dessa consulta minimamente pertinente (ainda que só desse modo instrumental), deixando disso o pertinente rasto na motivação, é um recurso de que o juiz não está impedido de lançar mão nem vinculado a fazê-lo em audiência.

3.2.16.
……………
……………
……………

3.2.27. Muito sumariamente, porque é quanto basta, o crime de rapto, previsto no art. 161.º do CP, no caso e concretamente na modalidade que prevê a al. b), do seu n.º 1, isto é, de intencionalmente orientado pelo agente à comissão de crime contra a liberdade sexual da vítima, tem como bem jurídico tutelado a liberdade física de deslocação desta última, ao passo que os de violação ou coação sexual (para este efeito tanto monta), ou outros quaisquer dos previstos no capítulo do CP atinente aos crimes sexuais (art. 163.º e ss. do CP), é especificamente a liberdade pessoal de autoconformação da vida sexual pela vítima, em qualquer das suas multímodas manifestações possíveis. Tangentes que sejam, ou até em certas circunstâncias potencialmente secantes (falemos assim, a bem de uma certa plasticidade explicativa), são bens jurídicos distintos, o que cada um dos crimes tutela, e não tem suporte algum, directamente na lei ou na doutrina ou jurisprudência que fosse, a pretensão todavia esgrimida pelo recorrente de que a comissão do “crime fim” consome a do “crime meio”.

3.2.28. Pelo contrário, sendo o rapto um crime cuja consumação não reclama a consecução da intenção criminosa mediata do autor (isto é, a consumação ou sequer início da tentativa do dito “crime fim” visado), antes se bastando, pressuposto o dolo, com o exercício das acções vinculadas nele previstas (“raptar”, isto é, limitar ou suprimir a liberdade da pessoa objecto dessa acção, com violência, ameaça ou astúcia) e com a específica intenção (ânimo) de extorquir, atentar contra a liberdade sexual, obter resgate, etc., logo por aí se concluiria que no caso de esse objectivo com efeito ser também realizado, com a consumação do pertinente crime, estão este é um que concorrerá real e efectivamente com aquele. É por conseguinte destituída de fundamento a argumentação do recorrente segundo a qual sendo « a violação, sua tentativa ou coação (…) efetuadas contra a vontade da vítima, sendo, pois, necessário, privá-la da sua liberdade de movimentos pelo tempo necessário à prática do facto (…), não se verificará um crime autónomo de rapto, outrossim e, apenas, o crime fim, ou seja, o crime de violação, tentativa dela ou coação sexual » e « apenas se poderá subsumir [a acção de raptar] ao tipo legal que incrimina o resultado pretendido e obtido pelo agente », porque « se punimos a conduta do agente por rapto (crime meio) e pelo crime fim (tentativa de violação ou coação sexual), (…) estamos a sentenciar e a punir a mesma conduta duas vezes », mostrando-se particularmente deslocado e até abusivo o argumento comparativo segundo o qual « o agente [que] desfere várias pancadas na vítima com o objetivo de a matar e a mata, não vai ser acusado e condenado por ofensas corporais e homicídio, mas, apenas, por este último ».

3.2.29. Também nisto não vale a pena aprofundar razões, notando-se somente, a mais do já referido, que resultam evidentes, a partir dos factos provados e nos precisos termos em que o acórdão recorrido os enquadrou, aliás proficiente e limpidamente, o preenchimento integral dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime do rapto, de que a nenhum título cabe absolver o arguido, sendo em especial imerecedora de qualquer consideração a pretensão de que a ofendida não chegou a estar privada de liberdade porque nesta ou naquela ocasião poderia ter saído da viatura (incluindo saltar dela em andamento…), ou menos ainda a de que faltaria a violência, ameaça ou astúcia suas na actuação que tomou, isto quando depois de a ter consigo na viatura desviou o caminho do declarado e se recusou a parar e deixá-la sair, conduzindo-a contra vontade onde entendeu e mostrando-se agressivo. A decisão recorrida explica muito bem a desmaterialização do conceito de violência relevante do tipo e a correspondente desnecessidade de uma constrição absoluta ou, nas palavras do recorrente, colocação da vítima na impossibilidade de libertar-se, bastando aqui para essa decisão remeter.

3.2.30. E com isto passando já à questão seguinte, que é a da condenação, quanto aos factos especificamente lesivos da liberdade sexual da ofendida, pelo crime de coação sexual (art. 163.º, n.º 1, do CP, na redacção da Lei 83/2015, de 05/08, por ser ao tempo dos factos a que vigorava e se mostrar mais favorável ao arguido), e não pelo crime de violação na forma tentada (art. 164.º, n.º 1, al. a), e e 22.º, n.º 1 e 2, al. a), do CP, igualmente naquela redacção), é igual a evidência do acerto de razões do acórdão recorrido, com o correspondente decaimento total das argumentações do recorrente em sentido contrário. Segundo na decisão muito bem e com não menor proficiência se explica, sendo indiscutível, com os mesmos factos apurados, o preenchimento pelo arguido tanto de um crime de violação na forma tentada quanto de um crime de coação sexual, então e sendo este o tipo fundamental de que o de violação é uma especialização, temos que verdadeiramente o concurso é ideal/aparente, não sendo puníveis ambos. O âmbito em que a acção assume mais amplo ou abrangente desvalor, com o correspondente significado social, é o da coação consumada, de resto e por isso mais gravemente punida do que a violação tentada, e é isso que em última análise justifica a punição pelo primeiro dos ditos crimes, o que mais abrangentemente concede tutela ao bem jurídico vulnerado, com isto se consumindo a protecção menos intensa dispensada pelo crime de violação tentada – fenómeno que a doutrina cunha de “consunção impura”.

3.2.31. Prosseguindo, temos que ao insurgir-se contra a medida da pena, o recorrente visa directamente a pena única do concurso (seis anos de prisão), pugnando pela sua redução como ponto de partida para sustentar a sua substituição por suspensão da execução respectiva. Como é evidente, esta segunda questão apenas teria sequer pertinência em com efeito se concedendo na dita redução e somente no caso de esta conduzir a uma pena afinal não superior a cinco anos de prisão (pressuposto formal inarredável da mera possibilidade legal de suspensão, nos termos do art. 50.º, n.º 1, do CP). Sucede que o requerido nem mesmo nas suas conclusões se pronuncia sobre a adequação ou não das penas parcelares, isto é, não recorre da determinação delas, e sendo a mais grave de entre ambas só por si de cinco anos, nem mesmo se vê como a pena única, a determinar em moldura na qual aqueles cinco anos constituem o mínimo, sendo o máximo dado pelos oitos anos a que monta a soma das duas (art. 77.º, n.º 2, do CP), pudesse alguma vez consentir suspensão (não é sequer cogitável a fixação da pena no dito limite mínimo de cinco anos).

3.2.32. Vale dizer, esta pretensão do recorrente, não pode senão entender-se como estruturada (independentemente das mais deficiências ou limitações dessa estruturação), para a hipótese de algum dos outros seus fundamentos de recurso ter conduzido ao afastamento de qualquer dos crimes ou à alteração da qualificação jurídica deles, reclamando a redefinição de penas – o que não foi o caso, como vimos. Por outro lado, mesmo deixando de parte a circunstância, todavia patente, de o ataque do recorrente à medida da pena única assentar largamente em argumentações contingentes sobre o que ele sem sucesso pretendeu que ficasse provado em lugar do que efectivamente ficara e aqui se manteve, o que sempre se dirá é que em nenhum caso se veria motivo para fazer reparo à determinação a que chegou o tribunal recorrido, aliás em fundamentação na qual com detalhe sopesou os factores relevantes à luz do art. 71.º do CP, em termos adequados e a que o próprio recorrente não aponta concretizados vícios, limitando-se à invocação de generalidades sobre a sua inserção social, familiar e laboral, sobre o que nela prejudicará a prisão efectiva, em tudo esquecendo as exigências de prevenºção geral e especial patentes (e no acórdão bem pesadas), e até parecendo supor que o tribunal só a título excepcional e com especial fundamentação poderia exceder esse limite mínimo (cfr. a conclusão LI).

3.2.33. É manifesta a improcedência deste conjunto de argumentos e correspondentes pretensões recursivas do arguido a respeito da pena, que por conseguinte se manterá intocada, o que nos deixa com as últimas questões suscitadas pelo requerente e que são as relativas à decisão de ao abrigo do art. 82.º-A do CPP, arbitrar a título de reparação à ofendida uma quantia a suportar por ele, em concreto no montante de 20.000,00€. Nenhuma reserva suscita a verificação da generalidade dos pressupostos desse arbitramento, desde logo o facto de a ofendida não ter deduzido pedido de indemnização civil, mas a essa possibilidade não constando oposição sua, e por outro lado sendo necessário conceder em classificá-la como especialmente vulnerável, à luz do art. 67.º-A, n.º 3, e 1.º, als. j) e l), do CPP, daí e do art. 16.º, n.º 2, da Lei 130/2015, de 04/08, resultando a aplicação daquela norma do art. 82.º-A, do CPP (tudo passos em que acompanhamos sem reserva a fundamentação do acórdão recorrido).

3.2.34. Dito isto, queixa-se o recorrente, desse modo afinal configurando até mais uma putativa nulidade do acórdão, de que na dita decisão foi preterido o contraditório, em desrespeito pelo art. 82.º-A, n.º 2, do CPP, uma vez que não fora notificado dessa eventualidade pelo tribunal (não lhe fora comunicada a possibilidade) e com os concretos factos que a pudessem fundamentar, sendo assim surpreendido com a mesma já no acórdão, que para mais não adianta fundamentos concretos, centrando-se em juízos conclusivos de direito, e em todo o caso a final fixando valor excessivo, à luz do panorama jurisprudencial em matéria de reparação do dano e vistos os escassos danos que a ofendida teria sofrido, de tudo concluindo que deve ser revertido o arbitramento ou, quando menos, reduzido o respectivo montante a não mais de 5.000,00€, em lugar dos 20.000,00 decididos.

3.2.35. Também nisto é manifesta a sem razão do recorrente. Desde logo, é falso que não tenha sido exercido o contraditório, quando basta consultar o despacho de saneamento, proferido nos termos dos art. 311.º e ss. do CPP, e em 23/06/2021, que ele não só foi expressamente advertido de que o tribunal ponderaria aquela eventualidade, como no dito despacho se aludia ainda aos fundamentos jurídicos para nesse contexto considerar a ofendida como vítima especialmente vulnerável. Naturalmente, tal despacho foi notificado ao arguido, que se não se pronunciou na matéria, tomando posição ou requerendo o que lhe aprouvesse, e fosse por não o ter ele mesmo entendido oportuno ou fosse pelo que fosse, não pode é depois e em recurso do acórdão que actualizou aquela anunciada perspectiva, vir lamentar-se de preterição de contraditório. Por outro lado, simplesmente dizer que no acórdão se decidiu o arbitramento sem factos em que fundamentá-lo, é por um lado esquecer que o arbitramento é em certa medida isso mesmo, uma decisão equitativa com os factos disponíveis e à margem de pedido em que tivessem sido alegados outros mais detalhados e com ulterior demonstração, mas é sobretudo esquecer que na fundamentação do nesse plano decidido os juízos de direito e conclusivos que se fazem em acórdão têm como referência os factos nele antes dados como provados (para que naquela fundamentação expressamente se remete), a cuja luz é abusivo dizer que sejam de pouco relevo os danos sofridos pela ofendida.

3.2.36. E enfim, à luz daqueles factos e acompanhando a decisão recorrida, nisso tendo especialmente em conta a importância dos bens jurídicos pessoais de que a ofendida é portadora e foram violados com a acção do arguido (liberdade de locomoção e liberdade sexual), a multiplicidade e intensidade das condutas deste, o tempo por que se prolongaram e as condições em que tiveram lugar, em local ermo (acentuando a gravidade daquela lesão dos bens jurídicos), a voluntariedade da acção, o estado desarranjado, abalado e o mais em que foi deixada a vítima, os choros, angústia, nervosismo e ansiedade que necessariamente sofreu durante o transe e depois perduraram, os danos na sua autoimagem e disposição a relacionamento com o sexo masculino, tudo tornando quase irrelevante a pequena lesão física sofrida (equimose na coxa), consideramos que na verdade os 20.000,00€ determinados não são excessivos (de modo nenhum), também neste plano soçobrando os argumentos e pretensões de recurso.

III – Decisão

À luz do exposto, decide-se negar provimento ao recurso do arguido AA, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em três UC’s (art. 513º, n.º 1 e 3, do CPP, e 8.º, n.º 9, e Tabela Anexa III, do Regulamento das Custas Processuais).

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Porto, 16 de Fevereiro de 2022
Pedro Lima
Élia São Pedro
Assinado eletronicamente