IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PROPRIEDADE RESOLÚVEL
CONSIGNAÇÃO EM DEPÓSITO
Sumário


I - Não tendo os recorrentes feito qualquer referência, nem sequer de forma sumária, nas conclusões de recurso, aos concretos pontos da matéria de facto que pretendiam impugnar, incorreram numa omissão absoluta e indesculpável do cumprimento do ónus primário contido no nº 1 do art.º 640º do CPC, o que implica, sem mais, a rejeição do recurso no tocante à impugnação da matéria de facto.
II - Esta omissão não pode ser suprida, nomeadamente com convite ao aperfeiçoamento das conclusões, pela simples razão de não ser admissível.
III - O que caracteriza e diferencia o direito de propriedade resolúvel é a sua natureza revogável. Trata-se de um direito sujeito a condição resolutiva, na pendência da qual produz todos os seus efeitos. Caso se verifique a condição, tais efeitos desaparecem como se não se houvessem produzido, porque a mesma opera retroativamente. Caso não se verifique, o direito consolida-se na sua plenitude.
IV – Não tendo os autores demonstrado que o imóvel em causa tenha sido entregue aos seus antecessores com base em qualquer acordo – ainda que verbal – tendente à transferência de propriedade sob condição e que os pagamentos que foram efetuados ao longo do tempo fossem a contrapartida pela aquisição daquele imóvel, não pode considerar-se a existência de um contrato de atribuição de propriedade resolúvel.
V - O instituto da consignação em depósito e em sede de cumprimento pelo locatário da sua obrigação de pagar a renda, não se mostra de todo disponível para o arrendatário sempre que o entender, tratando-se antes de expediente que apenas lhe é lícito usar (com relevância/eficácia) em situações legalmente fixadas.
(Sumário pelo Relator)

Texto Integral


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
Casa do Povo da Chamusca instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra A.F., E.A. e J.A., pedindo que:
- a autora seja declarada proprietária do prédio urbano sito no Bairro 1º de Maio, n.º 30, Chamusca;
- os réus sejam condenados a reconhecer aquele direito de propriedade e a restituir o imóvel à autora livre de pessoas e bens;
- os réus sejam condenados no pagamento das rendas vencidas, desde maio de 2013 até à presente data, no valor de € 5.644,50, acrescido de juros até efetivo e integral pagamento;
- os réus sejam condenados a pagar à autora uma indemnização no valor de € 1.500,00 pela falta de entrega do imóvel até à presente data;
- os réus sejam condenados a pagarem à autora uma indemnização pela falta de entrega do imóvel, à razão de € 150,00 mensais, desde a entrada da ação até à data da sua restituição.
Alega, em síntese, que é a proprietária do referido imóvel, sendo os réus filhos e únicos herdeiros da falecida G.E., a quem a autora por contrato verbal celebrado há mais de 20 anos deu de arrendamento o dito imóvel, pela renda mensal de 500$00 (€ 2,50), a pagar no primeiro dia do mês a que dissesse respeito na sede social da autora.
Por razões de saúde a arrendatária, residindo à data sozinha no locado, foi acolhida num Lar, local onde acabou por falecer em dezembro de 2017, não tendo regressado ao locado, o qual nunca foi restituído à autora pelos herdeiros.
A ré não pagou as rendas desde maio de 2013, data a partir da qual o valor da renda era de € 79,50, sendo que o locado, se fosse colocado no mercado de arrendamento, renderia à autora o valor de € 150,00 mensais.
Contestaram apenas as rés A.F. e E.A., tendo também deduzido reconvenção.
Em sede de contestação invocaram as exceções de ilegitimidade passiva, alegando que os réus não são os únicos filhos da falecida G.E., sua mãe, e de legitimidade ativa, porquanto quem assinou a procuração outorgada a favor do mandatário da autora, não detém poderes para a obrigar.
No mais, alegam que o imóvel em causa foi construído ao abrigo da Lei n.º 2092 de 9 de abril de 1958 e legislação anterior aplicável à construção e atribuição das casas económicas, como habitações económicas em regime de propriedade resolúvel, e que foi celebrado contrato de propriedade resolúvel com o pai dos réus, este na qualidade de morador adquirente, sendo que nessa qualidade, ele e a falecida G.E., desde 1 de Junho de 1971, habitaram na moradia cuja restituição se requer, negando, em todo o caso, a existência de qualquer valor de rendas em dívida.
Em reconvenção pedem que a autora seja condenada:
- a reconhecer o direito à constituição do direito de propriedade a favor dos réus/ reconvintes e seus irmãos, por via da propriedade resolúvel sobre o imóvel dos autos, “ou alternativamente”, caso assim não se entenda
- a reconhecer o direito de propriedade dos réus/reconvintes sobre o referido imóvel, com fundamento na usucapião;
- e, num ou noutro caso, a devolver aos réus/reconvintes o montante € 688,10 que recebeu indevidamente, acrescido de juros até integral pagamento.
Alegam, resumidamente, que a casa em questão foi atribuída ao seu pai em 1971, por contrato verbal, em regime de propriedade resolúvel, a efetivar após o pagamento de 240 prestações, tendo o último pagamento ocorrido em junho de 1991 e, em todo o caso, porque há mais de 40 anos, de forma ininterrupta, os pais dos réus e a sua família habitam aquele imóvel, “de forma pacífica, pública e de Boa Fé, sem a oposição de ninguém”.
Mais alegam que pagaram à autora as quantias de € 500,00 e € 188,10 até dezembro de 2019, a título de rendas, que não eram devidas.
A autora apresentou réplica, pugnando pela improcedência das exceções invocadas e do pedido reconvencional.
Na mesma data em que apresentou a réplica, veio a autora requerer a intervenção principal provocada de (…) e (…), irmãos dos réus, a qual foi admitida.
Foi proferido despacho a convidar as rés contestantes deduzir intervenção principal provocada dos demais co-herdeiros com vista a garantir a legitimidade processual para a dedução do pedido reconvencional formulado, o que foi aceite, tendo aquelas rés deduzido o respetivo incidente, o qual foi admitido.
Foi dispensada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador que julgou improcedentes as exceções de ilegitimidade passiva e ativa suscitadas, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou:
«Pelo exposto, e conforme disposições legais acima citadas, decido:
- julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência;
- reconheço o direito de propriedade do A. do prédio urbano sito no Bairro (…), descrito na Conservatória do registo Predial de Chamusca, sob o n.º (…);
- condeno os RR. a restituir à A. o imóvel identificado em 1.1. dos factos provados livre de pessoas e bens no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão;
- condeno os RR., na qualidade de herdeiros de G.E., a pagar à A.
- a quantia de € 30,80 (trinta euros e oitenta cêntimos), referente às rendas vencidas e não pagas de Maio de 2013 a Dezembro de 2017, inclusive, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias em causa desde a data de vencimento de cada uma das rendas;
- condeno os RR., a título pessoal e solidariamente, a pagar à A.:
- a quantia de € 3,30 (três euros e trinta cêntimos), referente à indemnização pela retenção do imóvel entre Janeiro de 2018 a Junho de 2018, inclusive;
- a quantia, a liquidar em sede de execução de sentença, à razão de € 100,00 (cem euros) mensais, desde Julho de 2018 até à restituição do locado, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias em causa desde a data de vencimento;
- julgando no mais o pedido improcedente, absolvendo os RR. em conformidade.
- julgar improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos RR., do mesmo absolvendo a A.»
Inconformados, os réus apelaram do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«Os RR. e a sua família consideram e sempre consideraram que, após o pagamento das 240 prestações, aquela seria a sua habitação.
A A. registou a seu favor uma habitação que bem sabia não ser sua e fê-lo com um título inexistente, forjando modelos 129 (modelo de participação fiscal anterior ao actual modelo 1 do IMI), quando bem sabia não ter comprado qualquer habitação, mas sim, o terreno onde estão instaladas todas as casas do bairro 1º de Maio.
Acresce que, é do conhecimento público e o tribunal a quo não pode ignorar que a A. Casa do Povo foi extinta, por decisão judicial, o que naturalmente implicará procedimentos subsequentes que, salvo melhor opinião, deverão suspender o processo onde foi proferida a sentença ora recorrida.
TERMOS EM QUE, E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS. VENERANDOS DESEMBARGADORES, SE REQUER SEJA O PRESENTE RECURSO JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE E,
CONSEQUENTEMENTE:
a) DANDO-SE POR INEXISTENTE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, DESIGNADAMENTE A CONDENAÇÃO DOS RR AO PAGAMENTO DA QUANTIA DE € 30,00 A TÍTULO DE RENDAS VENCIDAS, A QUANTIA DE € 3,30 A TÍTULO DE RETENÇÃO DO IMÓVEL E A QUANTIA DE € 100,00 MENSAIS ATÉ À RESTITUIÇÃO DO MESMO.
b) DEVENDO CONSIDERAR-SE QUE ASSISTEM AOS RÉUS OS DIREITOS QUE OS ESTES RECLAMAM E QUE O TRIBUNAL A QUO INSISTE EM NÃO RECONHECER, POR UMA INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA LEI E DOS FACTOS QUE ESTÃO SUBJACENTES À APLICAÇÃO QUE,
SALVO O DEVIDO RESPEITO, A MESMA DEVIA TER, NOMEADAMENTE O RECONHECIMENTO AO DIREITO DE PROPRIEDADE DOS RÉUS SOBRE O IMÓVEL OBJECTO DO LITÍGIO, ASSIM SE FAZENDO A HABITUAL JUSTIÇA!»

A autora contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1. Decidiu bem a Meritíssimo Juiz a quo, das questões que lhe foram colocadas, face ao objecto do litígio, à prova produzida e à livre apreciação da mesma, o que fundamentou clara e criteriosamente e de acordo com a sua livre apreciação e convicção, tudo aliás como dispõe o artigo 607º do CPC.
2. Não olvidamos que certamente os Réus pretenderiam que o desfecho da lide fosse outro, e de preferência que lhe fosse favorável. Coisa diversa é em busca desse desiderato, invocar um conjunto de generalidades, inverdades e imputações caluniosas à recorrida e a entidades públicas.
3. Os recorrentes socorrem-se de abordagens genéricas à matéria que procuram colocar em crise, divagando sobre a mesma, repescando questões avulsas, sem invocar com objectividade factualidades, prova documental ou testemunhal, que devida e criteriosamente levasse o tribunal recorrido a tomar decisão contrária.
4. Os recorrentes não dizem em concreto o que foi mal apreciado e quais os testemunhos que deveriam levar o tribunal a decidir de forma diversa.
5. Para além de não o fazerem, também não apresentam, como é seu dever, as reais passagens e as transcrições dos depoimentos que sustentam a sua posição.
6. Os recorrentes não cumpriram minimamente os requisitos do preceituado no artigo 640º do CPC, requisitos estes que integram um ónus primário, tendo por função delimitar o objecto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto, pelo que, a sua omissão, implica a imediata rejeição do recurso.
7. E o mesmo se diga relativamente à falta da indicação das passagens de gravação dos depoimentos a que alude o número 2 do artigo 640º do CPC, em que as alegações dos recorrentes são completamente omissas, impossibilitando gravemente o exercício do contraditório e obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto.
8. Por uma e por outra via, não poderá existir outra solução que não seja a rejeição do recurso.
9. Nas suas conclusões os recorrentes deveriam ter indicado de forma sintética os fundamentos por que pedem a alteração ou anulação da decisão e indicado os pontos da discórdia com a decisão recorrida, sendo estas conclusões que delimitam o objecto do recurso. Os recorrentes não cumpriram com tal preceito, ie, não só não o fez de forma fundamentada, como não apresentam quaisquer conclusões dignas desse nome.
Ainda assim, sempre diremos que:
10. A matéria de facto dada como provada assentou na documentação junta aos autos, e na prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
11. A motivação e a fundamentação encontram-se amplamente expandidas na sentença, a qual é criteriosa e coerente.
12. A sentença não enferma de omissões, contradições ou vícios de uma outra qualquer natureza.
13. O direito encontra-se devidamente aplicado aos factos dados como provados e estes de acordo com a prova documental e testemunhal produzida.
Nestes termos e nos mais de direito deve ser rejeitado liminarmente o recurso apresentado pelos Réus, ou, caso assim se não entenda ser-lhe negado provimento, confirmando-se a sentença proferida pelo tribunal a quo, fazendo-se assim a pretendida e acostumada JUSTIÇA.»

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), são as seguintes as questões a decidir:
- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, com análise prévia do cumprimento, pelos recorrentes, dos ónus a que alude o artigo 640º do CPC;
- se assiste à autora/recorrida o direito de exigir rendas vencidas e indemnização pela privação do uso do imóvel em discussão nos autos;
- se deve ser reconhecido aos réus/recorrentes o direito de propriedade sobre o referido imóvel.

III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1.1. Encontra-se inscrita, por ap. 3 de 1999/09/08, a aquisição, por compra, a favor da Casa do Povo da Chamusca, do prédio urbano sito no Bairro (…), descrito na Conservatória do registo Predial de Chamusca, sob o n.º (…) – art. 1º da petição inicial.
1.2. Em data não concretamente apurada, mas não posterior a 1 de Junho de 1971, a A. cedeu, verbalmente, para habitação aos progenitores dos RR, J.A. e G.E., o prédio identificado em 1º – art. 3º da petição inicial.
1.3. Pelo referido em 1.2., os progenitores dos RR. comprometeram-se ao pagamento de uma quantia mensal de, pelo menos, € 0,55 – art. 4º da petição inicial.
1.4. Em data não anterior a Agosto de 2017, G.E. foi acolhida no Lar da Santa Casa da Misericórdia de Chamusca, em virtude do seu estado de saúde – arts. 11º e 12º da petição inicial.
1.5. À data em que deu entrada no lar, G.E. vivia sozinha, sendo o seu agregado familiar composto pela própria – art. 13º da petição inicial.
1.6. No dia 13 de Dezembro de 2017, G.E. faleceu no Lar da Santa Casa da Misericórdia de Chamusca – art. 14º da petição inicial.
1.7. Entre a data referida em 1.4. e 13 de Dezembro de 2017, que G.E. não voltou mais à sua morada – art. 15º da petição inicial.
1.8. Até à presente data o imóvel referido em 1.1. não foi entregue à A. – art. 19º da petição inicial.
1.9. As moradias do Bairro 1º de Maio na Chamusca em geral e a identificada no artigo 2º em concreto, destinam-se à habitação, e são dadas de arrendamento a quem delas necessita e em consequência disso as procura e a Casa do Povo de Chamusca, ora A., tem moradias arrendadas por valores não concretamente apurados – arts. 41º, 42º e 46º da petição inicial.
1.10. O imóvel referido em 1.1. foi entregue a J.A. e G.E., em data não concretamente apurada, mas não posterior a 1 de Junho de 1971, nos moldes descritos em 1.2. – art. 24º da contestação.
1.11. Em 1 de Junho de 1971 e entre 1 de Agosto de 1971 e 2 de Dezembro de 1971, J.A., procedeu ao pagamento à A. da quantia mensal de Esc. 110$00 a título de renda “da habitação sita na Chamusca, no bairro de casas de renda económica de Chamusca.” – art. 2º do requerimento de aperfeiçoamento da contestação.
1.12. Em 5 de Janeiro de 1980, J.A. procedeu ao pagamento à A. da quantia de Esc. 1.320$00 a título de renda “da habitação sita na Chamusca, no bairro de casas de renda económica de Chamusca.”, relativa aos meses de Janeiro a Fevereiro de 1980 – art. 2º do requerimento de aperfeiçoamento da contestação.
1.13. Em 9 de Janeiro de 1992, J.A. procedeu ao pagamento à A. da quantia de Esc. 1.320$00 a título de renda “da habitação sita na Chamusca, no bairro de casas de renda económica de Chamusca.”, relativa aos meses de Janeiro a Fevereiro de 1992 – art. 94º da contestação.
1.14. Em 6 de Janeiro de 1993, J.A. procedeu ao pagamento à A. da quantia de Esc. 1.320$00 a título de renda “da habitação sita na Chamusca, no bairro de casas de renda económica de Chamusca.”, relativa aos meses de Janeiro a Fevereiro de 1993 – art. 94º da contestação.
1.15. Em 10 de Janeiro de 1994, J.A. procedeu ao pagamento à A. da quantia de Esc. 1.320$00 a título de renda “da habitação sita na Chamusca, no bairro de casas de renda económica de Chamusca.”, relativa aos meses de Janeiro a Fevereiro de 1994 – art. 94º da contestação.
1.16. Em 4 de Janeiro de 1995, J.A. procedeu ao pagamento à A. da quantia de Esc. 1.320$00 a título de renda “da habitação sita na Chamusca, no bairro de casas de renda económica de Chamusca.”, relativa aos meses de Janeiro a Fevereiro de 1995 – art. 94º da contestação.
1.17. Em 16 de Janeiro de 1996, J.A. procedeu ao pagamento à A. da quantia dede Esc. 1.320$00 a título de renda pela moradia referida em 1.1., relativa aos meses de Janeiro a Fevereiro de 1996 – art. 94º da contestação.
1.18. Em 8 de Janeiro de 1997, J.A. procedeu ao pagamento à A. da quantia de Esc. 110$00 mensais a título de renda pela moradia referida em 1.1., relativa ao mês de Janeiro a Dezembro de 1997 – art. 94º da contestação.
1.19. Em 5 de Janeiro de 1998, J.A. procedeu ao pagamento à A. da quantia de Esc. 110$00 mensais a título de renda pela moradia referida em 1.1., relativa ao mês de Janeiro a Dezembro de 1998– art. 94º da contestação.
1.20. Em 4 de Janeiro de 1999, J.A. procedeu ao pagamento à A. da quantia de Esc. 1.320$00 a título de renda pela moradia referida em 1.1., relativa ao mês de Janeiro a Dezembro de 1999 – art. 94º da contestação.
1.21. Em 6 de Janeiro de 2000, J.A. procedeu ao pagamento à A. da quantia de Esc. 1.320$00 a título de renda pela moradia referida em 1.1., relativa ao mês de Janeiro a Dezembro de 2000 – art. 94º da contestação.
1.22. Em 8 de Janeiro de 2003, J.A. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal da Comarca da Golegã”, o valor de € 6,58, por conta de rendas referentes ao ano de 2003, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.23. Em 5 de Janeiro de 2004, J.A. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal da Comarca da Golegã”, o valor de € 6,58, por conta de rendas referentes ao ano de 2004, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.24. Em 7 de Janeiro de 2005, J.A. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal da Comarca da Golegã”, o valor de € 6,58, por conta de rendas referentes ao ano de 2005, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.25. Em 2 de Dezembro de 2005, J.A. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal da Comarca da Golegã”, o valor de € 6,58, por conta de rendas referentes ao ano de 2006, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.26. Em 30 de Novembro de 2006, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 6,58, por conta de rendas referentes ao ano de 2007, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.27. Em 27 de Novembro de 2007, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 6,58, por conta de rendas referentes ao ano de 2008, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.28. Em 28 de Novembro de 2008, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 6,58, por conta de rendas referentes ao ano de 2009, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.29. Em 3 de Dezembro de 2009, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 6,58, por conta de rendas referentes ao ano de 20010, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.30. Em 23 de Novembro de 2010, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 6,58, por conta de rendas referentes ao ano de 2011, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.31. Em 25 de Novembro de 2011, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 6,58, por conta de rendas referentes ao ano de 2012, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.32. Em 4 de Dezembro de 2012, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 6,58, por conta de rendas referentes ao ano de 2013, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.33. Em 31 de Maio de 2013, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 50,00, por conta de renda referentes ao mês de Junho de 2013, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.34. Em 2 de Julho de 2013, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 50,00, por conta de renda referentes ao mês de Julho de 2013, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.35. Em 31 de Julho de 2013, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 50,00, por conta de renda referentes ao mês de Agosto de 2013, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.36. Em 29 de Agosto de 2013, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 50,00, por conta de renda referentes ao mês de Setembro de 2013, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.37. Em 26 de Setembro de 2013, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 50,00, por conta de renda referentes ao mês de Outubro de 2013, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.38. Em 29 de Outubro de 2013, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 50,00, por conta de renda referentes ao mês de Novembro de 2013, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.39. Em 29 de Novembro de 2013, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 50,00, por conta de renda referentes ao mês de Dezembro de 2013, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.40. Em 30 de Dezembro de 2013, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 50,00, por conta de renda referentes ao mês de Janeiro de 2014, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.41. Em 28 de Janeiro de 2014, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 50,00, por conta de renda referentes ao mês de Fevereiro de 2014, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.42. Em 10 de Março de 2014, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 50,00, por conta de renda referentes ao mês de Março de 2013, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.43. Em 18 de Fevereiro de 2014, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 6,58, por conta de rendas referentes ao ano de 2014, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.44. Em 1 de Dezembro de 2014, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 6,58, por conta de rendas referentes ao ano de 2015, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.45. Em 27 de Novembro de 2015, G.E. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 6,58, por conta de rendas referentes ao ano de 2016, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.46. Em 11 de Dezembro de 2017, (…) procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 6,60, por conta de rendas referentes ao ano de 2018, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
1.47. Em 21 de Dezembro de 2018, E.A. procedeu ao depósito na conta n.º (…) da CGD, à ordem do “Tribunal Judicial da Golegã”, o valor de € 6,60, por conta de rendas referentes ao ano de 2019, do imóvel referido em 1.1. – art. 94º da contestação.
E foram considerados não provados os seguintes factos:
2.1. A quantia referida em 1.2. deveria ser paga no primeiro dia do mês a que dissesse respeito na sede social da Autora, sita no Arneiro de Cima, Chamusca – art. 5º e 6º da petição inicial.
2.2. Desde Maio de 2013 seria devida renda no montante de € 79,50 pela cedência do imóvel referido em 1.1.– art. 24º da petição inicial.
2.3. O mercado de arrendamento na Chamusca é bastante deficitário, pelo que a procura é elevada – art. 43º da petição inicial.
2.4. O imóvel indicado em 1.1. tem muita procura para efeitos de arrendamento – art. 44º da petição inicial.
2.5. O valor médio mensal de uma renda para imóveis com estas características, na Chamusca, oscila entre os € 125,00 (cento e vinte cinco euros) e os € 200,00 (duzentos euros) – art. 45º da petição inicial.
2.6. A moradia identificada no artigo 2º, colocada no mercado de arrendamento local tem um rendimento mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros) – art. 47º da petição inicial.
2.7. As casas que integram o Bairro 1º de Maio foram todas construídas ao abrigo da Lei n.º 2092 de 9 de Abril de 1958 e demais legislação anterior aplicável à construção e atribuição das casas económicas, como habitações económicas em regime de propriedade resolúvel – art. 27º da contestação.
2.8. A entrega do imóvel referida em 1.1. foi efectuada no âmbito de um acordo de propriedade resolúvel, tendo sido acordada o direito de se tornarem proprietários tão logo procedessem ao pagamento de 240 rendas no valor de Esc. 110$00 – art. 44º e 65º da contestação.
2.9. Porque era ameaçada e sendo pessoa com pouca instrução e conhecimentos e sem possibilidades de consultar apoio jurídico, a mãe dos RR. pagou a renda anual no valor de € 6,58 – art. 52º da contestação.
2.10. Os progenitores dos RR. procederam ao pagamento à A. de outras rendas que não as referidas em 1.11. a 1.21. - art. 2º do requerimento de aperfeiçoamento da contestação e 94º da contestação.
2.11. Para que a casa mantenha condições de habitabilidade, todas as obras nela efectuadas foram levadas a efeito e pagas pelos pais dos RR. e, mais recentemente, pelos próprios RR. naturalmente com o animus de ali continuar a viver alguém da família e de, a seu tempo, por esperarem a elementar justiça da atribuição do imóvel, se tornarem proprietários do mesmo – art. 70º da contestação.
2.12. Durante todos estes anos, desde 1971 até à presente data, quer os antecessores dos RR. quer os RR., embora com a consciência de que é necessário praticarem-se actos formais para se estabelecer a seu favor a propriedade do imóvel, sempre tiveram o “ânimus” de que o imóvel seria sua propriedade a qualquer momento e, nessa medida, sempre praticaram actos de uso e conservação como se proprietários já fossem, construíram anexos para seu uso e maior conforto, bem como fizeram diversas obras de conservação e adaptação do espaço, tudo como investimento futuro, em conformidade com o comportamento próprio dos proprietários e que, em regra, não caracteriza a postura dos meros arrendatários, que não fazem obras em propriedade alheia, sem perspectivas de futuro, ocupando o imóvel referido em 1.1. de forma pacífica, pública e de boa fé, sem a oposição de ninguém - art. 3º do requerimento de aperfeiçoamento da contestação e 83º da contestação.

Questão prévia
Alegam os recorrentes de que «é do conhecimento público e o tribunal a quo não pode ignorar que a A. Casa do Povo foi extinta por decisão judicial, o que naturalmente implicará procedimentos subsequentes que, salvo melhor opinião, deverão suspender o processo onde foi proferida a sentença ora recorrida».
A autora/recorrida não se pronunciou sobre tal matéria.
Cabe, antes de mais, observar que se trata de questão nova, nunca posta à 1ª instância, a qual, portanto, não foi objeto de apreciação e decisão.
Não obstante e porque estamos perante uma questão que pode obviar ao conhecimento do mérito da apelação, há que tomar posição.
É certo que, por acórdão proferido por esta Relação no processo n.º 701/18.7T8ENT.E1[1], foi decidido manter a sentença que declarou a extinção da autora ora recorrida Casa do Povo da Chamusca.
A decisão de extinguir a autora fundou-se, resumidamente, na consideração de que a facticidade que foi tida como provada era subsumível à previsão do art. 182º, nº 2, al. b), do Código Civil.
Compulsado o respetivo processo no Citius, constata-se que foi interposto recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo os autos para aí sido remetidos em 27.12.2021.
A extinção de uma pessoa coletiva que seja parte numa ação judicial determina a suspensão da instância, nos termos do art. 269º, nº 1, al. a), e nº 1 do art. do art.º 270º, ambos do CPC).
Por sua vez, a extinção de uma pessoa coletiva com fundamento no nº 2 do art. 182º, nº 2, al. b), do Código Civil, depende de declaração judicial (art. 183º, nº 2, do mesmo Código).
Ora, as decisões judiciais que incidam sobre o mérito da causa apenas adquirem força de caso julgado fora do processo em que foram proferidas quando sejam insuscetíveis de recurso ordinário (arts. 619º, nº 1 e art. 628º do CPC).
No caso, uma vez que o acórdão da Relação ainda não se mostra transitado em julgado, é inviável considerar que a apelada se mostra extinta por decisão judicial. Ou dito de outro modo, tal acórdão não se mostra, para já, idóneo a comprovar a definitiva extinção da autora/recorrida, como exige o nº 1 do art. 270º do CPC.
Deste modo, não há que declarar a suspensão da instância em virtude desse facto, havendo que conhecer do mérito da apelação.

Da impugnação da matéria de facto
O exercício efetivo pelo Tribunal da Relação do duplo grau de jurisdição quanto à decisão da matéria de facto, incluindo a eventual reapreciação de depoimentos gravados, prestados oralmente na audiência de discussão e julgamento, à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607º, nº 5, ex vi do artigo 663º, nº 2, do CPC, tem como contrapartida a imposição aos recorrentes de um rigoroso ónus de impugnação por forma a impedir que «a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo»[2].
Daí dispor o art.º 640.º do CPC que:
«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
(…)».
Escreveu-se no Acórdão do STJ de 03.10.2019[3]:
«Na expressão do Acórdão do STJ, de 29.10.2015 (processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1)[5], consagra este regime processual um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
Assim, nesta conformidade, integram um ónus primário, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas als. a), b) e c) do nº1 do citado art.640º, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto[6].
Mas, já constituirá um ónus secundário, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na al. a) do nº 2 do mesmo art. 640º, pois tem, sobretudo, por função facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência.
E se é certo cominar a lei o incumprimento do ónus primário e do ónus secundário de igual forma, ou seja, com a sanção da rejeição imediata do recurso [cfr. art 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do mesmo artigo], não sendo consentida a formulação ao recorrente de um convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, a verdade é que, tal como se afirma no citado Acórdão do STJ, de 29.10.2015, «não poderá deixar de ser avaliada diferentemente a falha da parte consoante ocorra num ou noutro âmbito».
Dito de outro modo e nas palavras do Acórdão do STJ, de 19.02.2015 (processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1)[7], enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1 do referido art. 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, al. a) do mesmo artigo, tal sanção deverá ser aplicada com algum tempero, só se justificando nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame por banda do tribunal de recurso.
Desde que não exista essa dificuldade, apesar da indicação pelo recorrente da localização dos depoimentos não ser totalmente exata e precisa, não se justifica a rejeição do recurso.
É que, como adverte o Acórdão do STJ, de 28.04.2016 (processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1), dando voz à jurisprudência cada vez mais consolidada neste Supremo Tribunal[8], «é necessário que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no art. 640 do CPC seja compaginado com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo maior relevo aos aspectos de ordem material», por forma a não se exponenciarem os efeitos cominatórios previstos no mesmo artigo, havendo, por isso, que extrair do texto legal soluções conformes com estes princípios.
Assim, nesta linha de entendimento, salienta-se, no já citado Acórdão do STJ, de 29.10.2015, que na interpretação da norma do art. 640º, « não pode deixar de se ter em consideração a filosofia subjacente ao actual CPC, acentuando a prevalência do mérito e da substância sobre os requisitos ou exigências puramente formais, carecidos de uma interpretação funcionalmente adequada e compaginável com as exigências resultantes do princípio da proporcionalidade e da adequação - evitando que deficiências ou irregularidades puramente adjectivas impeçam a composição do litígio ou acabem por distorcer o conteúdo da sentença de mérito, condicionado pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais».
Também na defesa da orientação de que não deve adotar-se uma interpretação rígida e desproporcionadamente exigente deste ónus de impugnação, sublinha o Acórdão do STJ, de 22.10.2015 (processo nº 212/06.3TBSBG.C2.S1) [9] que «o sentido e alcance dos requisitos formais de impugnação da decisão de facto previstos no nº1 do art. 640º do CPC devem ser equacionados à luz das razões que lhe estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto».
Por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a sedimentar como predominante o entendimento de que as conclusões não têm de reproduzir todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões, diversamente do que sucede, por razões de objetividade e de certeza, com os concretos pontos de factos sobre que incide a impugnação[4].
Transcreve-se, na parte relevante, o sumário do acórdão de 19.02.2015, por último citado:
«1. Para efeitos do disposto nos artigos 640.º, n.º 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, importa distinguir, por um lado, o que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objeto do recurso; por outro, o que se inscreve no domínio da reapreciação daquela decisão mediante reavaliação da prova convocada.
2. A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
3. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC.
4. É em vista dessa função que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC.
5. Nessa conformidade, enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.»
No caso dos autos, considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode dizer-se, sem qualquer espécie de dúvida, que os recorrentes não cumpriram de todo os ónus impostos pelo artigo 640º, nºs 1 e 2, do CPC. Senão vejamos.
Os recorrentes não fizeram qualquer referência, nem sequer de forma sumária, nas conclusões de recurso, aos concretos pontos da matéria de facto que pretendiam impugnar, incorrendo numa omissão absoluta e indesculpável do cumprimento do ónus primário contido no nº 1 do art.º 640º do CPC.[5] Esta omissão não pode ser suprida, nomeadamente com convite ao aperfeiçoamento das conclusões, pela simples razão de não ser admissível.[6] Tanto bastaria, pois, para rejeitar o recurso quanto à impugnação da matéria de facto.
Mas ainda que se pretendesse aproveitar a indicação dos pontos da matéria de facto objeto de impugnação constantes do corpo alegatório[7], a verdade é que os recorrentes deixaram igualmente incumpridos todos os demais ónus a seu cargo.
Na verdade, quanto aos concretos meios probatórios que impõem decisão diversa [alínea b), do nº 1 e alínea a), do nº 2, do referido artigo 640º], é praticamente absoluta a omissão dos recorrentes.
Assim, sob a epígrafe “DA ERRADA APRECIAÇÃO DA PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL: DOS FACTOS ERRADAMENTE DADOS POR PROVADOS E NÃO PROVADOS E DA IMPUGNAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS COM FUNDAMENTO NA ERRADA APRECIAÇÃO DA PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL”, dizem os recorrentes «que no facto alegado como provado no ponto 1.1, “encontra-se inscrita, a aquisição, por compra, a favor da Casa do Povo da Chamusca, do prédio urbano sito no Bairro 1.º de Maio, nº 30”, importa clarificar a possibilidade de o Autor enquanto instituição de carácter social, adquirir um imóvel que se encontrava ao abrigo de um projeto social e que, em 1991, deveria ter sido atribuído aos pais dos RR. em virtude do cumprimento da condição constante do contrato de aquisição de casa económicas, ao abrigo do instituto da propriedade resolúvel, o pagamento das 240 prestações mensais».
Porém, não indicam os recorrentes a prova documental ou testemunhal que impõe decisão diversa da proferida, limitando-se a concluir que a autora «não podia ter comprado e, efectivamente não comprou, as casas à Câmara Municipal, uma vez que a Câmara não era proprietária das casas mas sim, tão somente do terreno onde elas estavam instaladas», quando é certo que o tribunal a quo se pronunciou sobre essa matéria, que fundamentou com base na certidão emitida pela Conservatória respetiva, não tendo os recorrentes em momento algum arguido a falsidade de tal certidão.
Também no que respeita aos pontos 1.22 a 1.47 dos factos provados, não referem os recorrentes quais os concretos meios probatórios que impõe decisão diversa da proferida, limitando-se a dizer que, «no que concerne à questão da consignação em depósito das diversas rendas desde o ano de 2003 até ao ano de 2019, a mesma apenas foi efectuada à cautela, (apesar de se considerar não serem devidas tendo em conta o regime da propriedade resolúvel) sendo certo que o Tribunal Aquo apreciou indevidamente esta matéria, no sentido em que considerou não se poder aplicar o supra identificado mecanismo uma vez que alega os RR não invocam qualquer circunstância passível de integrar os fundamentos que admitem a consignação em depósito».
O mesmo se diga, outrossim, quanto aos factos dados como não provados nos pontos 2.7 e 2.9 a 2.12, uma vez que os recorrentes não dizem em concreto o que foi mal julgado pelo tribunal a quo, e sem que indiquem prova documental ou testemunhal que imponha decisão diversa.
Na verdade, os recorrentes refugiam-se numa alegação genérica à matéria que procuram colocar em crise, tergiversando sobre a mesma e apresentando uma visão diferente da do tribunal a quo, sem impugnar objetivamente a factualidade que dizem estar mal julgada.
Por isso, não admira que os recorrentes não indiquem com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, nem procedem à transcrição dos excertos que consideram relevantes.
E, também por isso, não indicaram os recorrentes a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Em suma, a inobservância, por parte dos recorrentes, dos aludidos ónus determina a imediata rejeição do recurso no tocante à impugnação da matéria de facto, pelo que nenhuma alteração será feita à decisão sobre tal matéria proferida pela 1ª instância.

Do mérito da decisão
Permanecendo incólume a decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, nenhuma censura há a fazer à decisão recorrida, onde se fez uma correta subsunção dos factos ao direito e se concluiu pela parcial procedência da ação e pela improcedência da reconvenção.
Como bem se refere na sentença, «[à] data do falecimento da primitiva arrendatária – 13 de Dezembro de 2017 – vigorava o disposto no Código Civil, alteração introduzida pela Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção da Lei 43/2017, de 14 de Junho. Assim, nos termos do art. 1051º, al. d), do CC, a morte do arrendatário determinava a cessação do contrato por caducidade».
Os réus não invocaram qualquer facto que obstasse à caducidade do contrato por morte do arrendatário, designadamente a transmissão do direito ao arrendamento, assentando a sua defesa na aquisição da propriedade pelos seus progenitores no quadro da propriedade resolúvel ou, subsidiariamente, por usucapião.
Escreveu-se no acórdão da Relação de Coimbra de 07.02.2012:[8]
«Como se refere no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 29 de Janeiro de 1976[9][9], a propriedade resolúvel é aquela que, por virtude de cláusula introduzida pelas partes no título translativo do domínio, está sujeita à sua resolução no caso de se verificar o facto desencadeador desse efeito (condição) previsto naquele título.
A especificidade deste instituto reside no facto de o direito de propriedade adquirido pode resolver-se quando se verificar a condição, perdendo, então, o adquirente esse direito, com efeitos retroactivos à data da celebração do negócio, se outra coisa, quanto a essa data, não se tiver estipulado (artigo 276.º do Código Civil).
Conclui-se no parecer citado, em consonância com um outro parecer da mesma entidade (n.º 80/59, de 29 de Outubro de 1959): «O traço essencial deste conceito é, seguramente, o carácter revogável do direito de propriedade, tal como foi adquirido, fazendo contraste e excepção à natureza incondicionada ou definitiva que normalmente caracteriza a aquisição da propriedade».
Trata-se de um negócio em que se verifica a pendência de condição resolutiva, estando em consequência sujeito a um regime que o Professor Inocêncio Galvão Telles[10][10] sintetizava desta forma:
a) Na pendência da condição resolutiva os efeitos produzem-se como se o acto fosse puro e simples, mas tais efeitos desaparecem, como se não se houvessem produzido, se a condição se verificar.
b) A condição também aqui opera ipso iure e retroactivamente, mesmo em face de terceiros.
c) Não verificada a condição resolutiva, os efeitos do negócio deixam de ser precários, consolidam-se plenamente, tornando-se definitivos, como se nunca tivessem estado dependentes de qualquer condição.»
Quanto ao regime legal, o Decreto-Lei nº 23.052 de 23 de setembro de 1933 dispõe no artigo 35º (corpo do artigo): «Os indivíduos a quem hajam sido atribuídas moradias económicas adquirem a sua posse e propriedade resolúvel mediante a celebração de contrato, devidamente testemunhado, em que outorgam o morador-adquirente, o chefe da Repartição das Casas Económicas por parte do Estado, e em nome do Sindicato Nacional a que pertencer o adquirente, se a tal houver lugar, o respectivo presidente».
Lê-se no parágrafo 1º do citado normativo: «O contrato deve ser lavrado nos trinta dias seguintes à admissão do adquirente ao benefício do seguro de vida».
Finalmente, consta do artigo 36º (corpo do artigo): «Do contrato deve constar que o morador-adquirente se responsabiliza, por si e com a garantia de uma apólice de seguro de vida, pelo pagamento de 240 prestações, calculadas nos termos do artigo 49.º, adquirindo ele ou o seu herdeiro, com o pagamento da última prestação, a propriedade plena da moradia».
Escreveu-se na sentença recorrida:
«Os RR. alegam em abono do seu pedido a celebração de contrato verbal como fundamento para o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o imóvel em causa com fundamento no instituto da propriedade resolúvel. Tal alegação – de contratação verbal – determina, só por si, o naufrágio da primeira pretensão reconvencional dos RR.
Vejamos.
Ora, como defluía do art. 35º do aludido diploma, a propriedade resolúvel adquiria-se pela celebração do contrato devidamente testemunhado, o qual deveria ser lavrado nos 30 dias posteriores à admissão do adquirente ao benefício do seguro de vida, sendo que desse contrato (e nos termos do art. 36º do aludido diploma), deveria constar o compromisso pelo morador adquirente do pagamento de 240 prestações, cujo pagamento integral determinava a consolidação da propriedade na sua esfera patrimonial.
Estes normativos, em conjugação com o que se preceituava o Decreto n.º 49 034, de 28 de Maio de 1969 (Regulamento do Fundo de Fomento da Habitação), no seu art. 30º - “Os concorrentes a quem hajam sido atribuídas casas em regime de propriedade resolúvel adquirem a sua posse e propriedade mediante a celebração de contrato, em que outorgam o morador-adquirente e o chefe da Repartição Administrativa do Fundo como seu representante”- apontam decisivamente para a exigência legal de um contrato formal (neste sentido veja-se o Ac. do TRC já supra mencionado), ou seja, celebrado mediante escrito ainda que de natureza particular.
Não obstante, a entrada em vigor do Código Civil, na medida em que se veio prever no art. 34º do DL 47 344, de 25 de Novembro de 1966, que “Desde que principie a vigorar o novo Código Civil, fica revogada toda a legislação civil relativa às matérias que esse diploma abrange, com ressalva da legislação especial a que se faça expressa referência.” E o Código Civil veio efectivamente regular a matéria atinente às exigências de forma quanto à celebração de negócios jurídicos destinados à transferência onerosa do direito de propriedade, consagrando como adequada ao efeito a escritura pública – cfr. arts. 408º, 874º, 875º e 939º do CC.
Daqui decorre que a transferência da propriedade resolúvel opera mediante a celebração do contrato por escritura pública, não bastando a mera entrega da casa ao morador adquirente.
A ausência de escritura pública, designadamente pela existência de um mero acordo verbal determinam a nulidade do contrato, em conformidade com o preceituado no art. 219º, a contrario, e 220º, ambos do CC.
In casu, os RR. soçobraram, desde logo, na demonstração da entrega da habitação id. no ponto 1.1. dos factos provados ao abrigo de um contrato de aquisição de propriedade resolúvel, como lhes competia.
Na verdade, não lograram demonstrar que aquela habitação tenha sido entregue aos seus antecessores com base em qualquer acordo – ainda que verbal – tendente à transferência de propriedade sob condição e que os pagamentos que foram efectuandos ao longo do tempo fossem a contrapartida pela aquisição daquela habitação.
Por tal ausência de prova, a pretensão dos RR. de se considerar a vigência de um contrato de atribuição de propriedade resolúvel não merece acolhimento.
Acresce que, ainda que se demonstrasse que na base daquela entrega estivesse um acordo de transferência de propriedade sob condição, tal pretensão não poderia também proceder com esse fundamento.
Decorrendo dos factos demonstrados que o acordo que presidiu à entrega da habitação ao A. não foi celebrado por escrito é imperativo reconhecer que o mesmo sempre seria nulo por falta de forma, o que invalidaria a transferência de um eventual direito de propriedade resolúvel para o A. com fundamento em tal acordo ou na mera entrega da moradia.
Sendo nulo um eventual acordo de transferência de propriedade sob condição resolutiva, daqui não poderiam emergir os efeitos consagrados na lei, designadamente a transferência do direito de propriedade e a sua consolidação na esfera do adquirente pagas todas as prestações acordadas e decorrido o prazo para o efeito.
Assim, não é possível reconhecer qualquer direito de propriedade aos RR. ou os seus antecessores com base na entrega da moradia ao abrigo do instituto da propriedade resolúvel porque, por um lado, não se demonstrou que tal imóvel lhes tenha sido entregue (ou aos seus antecessores) com essa base e, por outro, tal entrega não assenta em qualquer acordo formal que validasse tal transferência.
Nesta medida, inexiste fundamento para obstar à restituição do imóvel com fundamento na caducidade do contrato de arrendamento.»
Afigura-se inteiramente correto este entendimento, que encontra o devido respaldo no regime legal aplicável à propriedade resolúvel e na factualidade apurada, pelo que nada mais temos a acrescentar a este respeito.
Assim, não tendo os recorrentes logrado demonstrar a aquisição da propriedade sobre o imóvel dos autos no âmbito da propriedade resolúvel, restava apreciar se tinham adquirido aquele imóvel por usucapião.
A esta questão respondeu negativamente a sentença, assente em argumentação que não merece reparo, considerando, além do mais, que não lograram os réus demonstrar a factualidade vertida nos pontos 2.11 e 2.2.12 dos factos não provados, que consubstancia o elemento subjetivo da posse e que permitiria considerar a aquisição do imóvel dos autos por usucapião.
Assim, porque a restituição do imóvel se mostra fundada na resolução do contrato de arrendamento e porque nada se provou que obstasse ao reconhecimento do direito de propriedade da autora sobre o aludido imóvel, não podia o respetivo pedido de restituição deixar de ser ordenado, como efetivamente foi.

Quanto ao pedido de condenação dos réus no pagamento de rendas vencidas entre maio de 2013 e a data de apresentação da petição inicial, escreveu-se na sentença:
«(…), nada se demonstrou quanto ao modo e local de pagamento da renda, sendo de aplicar a norma supletiva prevista no Código Civil à data de celebração do contrato.
Sobre tal questão, previa o art. 1039º do CC o seguinte:
“1. O pagamento da renda ou aluguer deve ser efectuado no último dia de vigência do contrato ou do período a que respeita, e no domicílio do locatário à data do vencimento, se as partes ou os usos não fixarem outro regime.”
Ora, no caso, não se logrou demonstrar que tenha sido fixado local diverso do previsto na norma supletiva. A norma supletiva referida é idêntica à vigente em Maio de 2013, pelo que é aplicável o também previsto no art. 1039º do CC, em conformidade com o disposto no art. 59º, n.º 3, do NRAU.
Assim, desde logo, tais pagamentos mostram-se efectuados por depósito, pelo que não estão em conformidade com a norma supletiva fixada no n.º 1 do art. 1039º do CC.
Parecem os RR. entender ter extinto a obrigação mediante a consignação em depósito do valor que entende devido.
Verifica-se que a R. não procedeu à entrega daqueles valores nos moldes legalmente previstos na norma supletiva, mas antes socorrendo-se da consignação em depósito.
A consignação em depósito vem prevista no art. 841º do CC , sendo admissível nos seguintes moldes: “1. O devedor pode livrar-se da obrigação mediante o depósito da coisa devida, nos casos seguintes: a) Quando, sem culpa sua, não puder efectuar a prestação ou não puder fazê-lo com segurança, por qualquer motivo relativo à pessoa do credor; b) Quando o credor estiver em mora.”
Ora, os RR. não invocam qualquer circunstância passível de integrar os fundamentos ali revistos e que justifique tal consignação. Note-se que apenas se refere à recusa da A. no recebimento de rendas no art. 54º da contestação em relação a rendas anteriores.
Afigura-se-nos, assim, que os depósitos descritos nos pontos 1.32. a 1.46. não têm qualquer efeito liberatório.
Afigura-se-nos, pois, que estão em dívida as rendas referentes aos meses de Maio de 2013 e subsequentes.
Cumpre referir que apenas deverão ser consideradas as rendas até à caducidade do contrato, ou seja, até ao falecimento da referida G.E., ou seja, Dezembro de 2017.
O valor mensal da renda a considerar será o de € 0,55, único valor demonstrado pela A. como devido.
Assim, cumpre condenar os RR., enquanto herdeiros da arrendatária falecida, no pagamento à A. do valor correspondente a 56 meses de renda (Maio de 2013 a Dezembro de 2017) - € 30,80. (…) Como defluía do disposto no art. 1053º do CC, verificada a caducidade do contrato de arrendamento com fundamento no falecimento do arrendatário, a restituição do locado apenas era devida decorridos seis meses sobre o falecimento, ou seja, a partir de 13 de Junho de 2018. Findo o contrato, não sendo devida renda, é, no entanto, devida indemnização prevista no art. 1045º, n.º 1, do CC, correspondendo ao valor mensal da renda. Assim, no caso, até Julho de 2018, é também devido o valor mensal de € 0,55, nos termos do art. 1045º, n.º 1, do CC. Aqui valem, a propósito do que se deu como demonstrado nos pontos 1.46. e 1.47., as considerações tecidas quanto ao valor liberatório de tais depósitos, pelo que cumpre também condenar os RR. no pagamento da quantia de € 3,30 pela não restituição do locado entre Janeiro e Junho de 2018.»
Com efeito, o instituto da consignação em depósito e em sede de cumprimento pelo locatário da sua obrigação de pagar a renda, não se mostra de todo disponível para o arrendatário sempre que o entender, tratando-se antes de expediente que apenas lhe é lícito usar (com relevância/eficácia) em situações legalmente fixadas.[11]
Em termos conclusivos, e como bem se resume no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.04.2009[12] , dir-se-á que ao inquilino é permitido proceder, unilateralmente, ao depósito da renda nas seguintes situações:
«a) - Quando ocorram os pressupostos da consignação em depósito, referido no artº 841º do C.Civil, ou seja:
1) quando, sem culpa sua, o arrendatário não puder efectuar a prestação ou não puder fazê-lo com segurança, por qualquer motivo relativo á pessoa do senhorio;
2) quando o senhorio estiver em mora.
b) - Quando lhe seja permitido fazer cessar a mora por falta de pagamento de renda, nos termos do artº 1041º nº 2 do C.Civil;
c) - Quando lhe seja permitido fazer cessar o direito à resolução do contrato por falta de pagamento de renda, nos termos do artº 1048º do C.Civil, e;
d) - Quando esteja pendente acção de despejo.»
Evidentemente que a alegação e prova da verificação de qualquer um dos casos em que a lei lhe permite o depósito das rendas está a cargo do arrendatário.
Ora, não ocorrendo nenhuma das referidas situações, bem andou a sentença recorrida ao considerar que os depósitos efetuados pelos réus não têm caráter liberatório

Relativamente à questão da privação do uso do imóvel, nenhuma censura há a fazer à sentença recorrida, que enquadrou devidamente a questão, com pertinentes citações doutrinais e jurisprudenciais, e concluiu, com recurso à equidade, pela condenação dos réus a pagar à autora a quantia, a apurar em sede de incidente de liquidação, à razão de € 100,00 mensais, desde julho de 2018 até à restituição do locado, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias em causa desde a data de vencimento.

Quanto ao pedido reconvencional, considerando tudo o que acima se deixou dito a propósito do pedido de restituição do imóvel, não podia o mesmo deixar de ser julgado improcedente, como foi.
Por conseguinte, o recurso improcede.
Vencidos no recurso, suportarão os réus/recorrentes as respetivas custas - artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.

*
Évora, 24 de março de 2022
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Francisco Xavier (1º adjunto)
Maria João Sousa e Faro (2º adjunto)
__________________________________________________
[1] Em que intervieram como relator e 1ª adjunta, respetivamente, os aqui 1º adjunto e 2ª adjunta, daí derivando o respetivo conhecimento funcional.
[2] Neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5ª edição, p. 169.
[3] Proc. 77/06.5TBGVA.C2.S2, disponível, como os demais citados sem outra indicação, in www.dgsi.pt.
[4] Cfr., inter alia, os acórdãos do STJ de 31.05.2016, proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1, e de 19.02.2015, proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1.
[5] Em rigor, não se alcança sequer das conclusões que os recorrentes pretendem impugnar a matéria de facto.
[6] Cfr. o recente acórdão do STJ de 02.02.2022, proc. 1786/17.9T8PVZ.P1.S1, com larga ilustração de jurisprudência do Supremo sobre a matéria.
[7] Se bem lemos a alegação dos recorrentes, trata-se dos pontos 1.1 a 1.9 e 1.22 ao 1.47 dos factos provados e 2.7, 2.9, 2.10., 2.11 e 2.12 dos factos não provados.
[8] Proc. 358/06.8TBSRE.C2, igualmente citado na sentença.
[9] Publicado no BMJ, n.º 259, pp. 109 e seguintes.
[10] Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Actualizado, Coimbra Editora, 4.ª edição, 2002, p. 273.
[11] Cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 08.10.2020, proc. 2981/19.1T8LSB.L1-6.
[12] Proc. 418/08.0TJPRT.P1.