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ACÇÃO EXECUTIVA
INEXEQUIBILIDADE DO TÍTULO
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
LIMITE TEMPORAL DE CONHECIMENTO
Sumário
1.–A ineptidão da petição inicial não pode ser apreciada, mesmo oficiosamente, em fase de recurso, ficando precludida essa hipótese no momento em que é proferido despacho saneador, ou, se o processo não comportar ou não tiver despacho saneador, até à sentença final, cfr. art. 200º, nº 2 do CPC;
2.–No âmbito da acção executiva, também se tem de entender que o limite temporal de conhecimento da nulidade proveniente da ineptidão da petição inicial dos embargos ou do requerimento executivo será o da prolação do saneador ou da sentença dos embargos em primeira instância.
Texto Integral
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I.–RELATÓRIO
1.–Por apenso à execução contra si intentada por A [ Maria ..... ] e B[ Coelho ....], vieram os executados C [ Alberto ....] e D [ .... Adélia ] deduzir a presente oposição à execução alegando a falta de título executivo face ao novo CPC e não existência de dívida, assim pugnando pela procedência da oposição. Requereram ainda a condenação dos exequentes como litigantes de má-fé, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 2.500,00, a título de indemnização para pagamento das despesas que os mesmos têm com a presente acção a título de taxa de justiça e honorários a pagar ao mandatário.
2.–Os exequentes contestaram, pugnando pela improcedência do peticionado.
3.–Foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a excepção de falta de título executivo, fixando o objecto do litígio e os temas de prova.
4.–Realizou-se a audiência de discussão de julgamento, após o que se proferiu sentença julgando improcedente a oposição.
5.–Os executados recorrem desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“I.–DO OBJETO DO RECURSO A.–O presente Recurso tem por objeto a Sentença de 17.06.2021 que julgou improcedente a Oposição à execução, deduzida pelos Recorrentes, por meio de Embargos de Executados e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução (adiante Decisão Recorrida); B.–O recurso versa exclusivamente sobre matéria de direito, tendo como fundamento a ineptidão do Requerimento executivo, por falta de causa de pedir e a decorrente nulidade de todo o processo, a qual é insanável e de conhecimento oficioso; C.–Sendo a falta de causa de pedir resultado da falta de indicação, quer no título executivo quer no Requerimento Executivo, da relação fundamental subjacente à alegada dívida – causa debendi; D.–O Recurso tem ainda como fundamento o erro em que incorreu a Decisão Recorrida ao interpretar e aplicar o artigo 458.º do Código Civil no sentido de que os Recorridos, por disporem de uma confissão de dívida dos Recorrentes a seu favor, se encontravam, não só dispensados de provar, mas também de alegar a causa debendi da mesma; E.–Adicionalmente o Recurso tem ainda por fundamento a inexequibilidade dos documentos apresentados à execução, posição defendida por alguma jurisprudência que retira tal consequência da falta de alegação da causa debendi no título executivo;
II.–DA FALTA DE ALEGAÇÃO DA RELAÇÃO FUNDAMENTAL F.–A Decisão Recorrida não deu como provada (nem como não provada) a relação subjacente à suposta dívida dos Recorrentes para com os Recorridos; G.–Com efeito, a Relação Fundamental não consta dos documentos apresentados à execução – Doc. 1 intitulado “Confissão de Dívida”, Doc. (sem nome) 2 e Doc. 3 intitulado “Aditamento ao Contrato de Assunção de Dívida Celebrado em 29 de Abril de de 2005”; H.–Nem a Relação Fundamental foi alegada no requerimento Executivo. I.–No entanto, a Decisão Recorrida determinou a improcedência dos embargos e concluiu encontrar-se “plenamente provado que os executados são devedores aos exequentes da quantia exequenda, não tendo os executados logrado demonstrar a inexistência da dívida”; J.–Perfilhou, pois, o entendimento de que os Recorridos se encontravam dispensados, não só de provar a relação fundamental subjacente à declaração de dívida, como também de alegar tal relação; K.–Sucede que na lei portuguesa a declaração de reconhecimento de dívida configura um negócio causal, sendo que a causa do negócio não é constituída pelo reconhecimento da dívida, mas sim pela relação fundamental que lhe subjaz; L.–Nesse sentido, para além da demais doutrina indicada a 15 e 16 destas alegações, Mário Júlio de Almeida Costa, ensina que a promessa de cumprimento e o reconhecimento de dívida previstos no artigo 458.º do CC “não constituem actos abstractos propriamente ditos, mas puras presunções de causa. Dizendo de outro modo: são negócios causais, em que apenas se verifica a inversão do ónus da prova”; M.–Já a jurisprudência, senão mesmo unânime, esmagadoramente maioritária, é no mesmo sentido que a indicada doutrina. N.–A título de exemplo o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14.05.2013, proferido no âmbito do processo n.º 180/08.7TBAMT-A.P1, (disponível em www.dgsi.pt), “tratando-se de declarações negociais causais, a sua causa não reside na promessa de cumprimento ou no reconhecimento da dívida – a fonte da obrigação continua a ser a relação fundamental que subjaz à promessa de cumprimento ou de reconhecimento da dívida”(negrito e sublinhado nossos); O.–Ora, a lei processual exige, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 552.º do CPC, a alegação da causa de pedir, sendo que tal ónus se mantém no âmbito da ação executiva, nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 724.º do CPC; P.–Das disposições legais indicadas na conclusão anterior resulta que a relação fundamental subjacente à dívida, que constitui a causa de pedir, deve constar do título executivo e, quando tal assim não suceda, deve ser alegada pelo Exequente no requerimento executivo; Q.–Cumprindo sublinhar que, para efeitos do cumprimento do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 724.º do CPC, a alegação da relação fundamental subjacente à emissão da declaração de reconhecimento de dívida – seja no título executivo, seja no requerimento executivo – deve possibilitar aos Embargantes conhecer todos os factos que lhes são imputados e exercer sobre eles o contraditório, de modo que o seu direito de defesa não seja um direito meramente formal; R.–Sendo que, o que se verifica nos presentes autos o que se verifica é uma total e absoluta falta de alegação da causa de pedir (no requerimento e/ou no título), pelo que nenhuma dúvida pode existir sobre a verificação de tal falta de alegação;
III.–DA NULIDADE DO PROCESSO POR INEPTIDÃO DO REQUERIMENTO EXECUTIVO S.–Não constando a causa da obrigação dos documentos apresentados à execução, nem tendo tal causa sido alegada no Requerimento Executivo, verifica-se a falta de causa de pedir, geradora da ineptidão do Requerimento Executivo – cfr. artigos 186.º, n.º 2, a) e 724.º, n.º 1, e), ambos do CPC, e 458.º, n.º 1 do CC; a)-Nesse sentido a diversa jurisprudência indicada a 40 destas alegações da qual ora se indica, a título de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.02.2021, proferido no âmbito do processo n.º 2829/17.1T8ACB-A.C1.S1, onde se refere que “Dado à execução, como título executivo, um documento particular, ao abrigo do disposto no art. 46º, nº 1, c), do CPC-61, contendo uma declaração, assinada pelos executados, através da qual estes reconhecem dever ao exequente uma quantia pecuniária, sem indicação da respectiva causa, terá o exequente de alegar, no requerimento executivo, sob pena de ineptidão, essa causa” (sublinhado e negrito nosso);
IV.–DA INSANABILIDADE DA NULIDADE DO PROCESSO b)-A nulidade de todo o processo, decorrente da ineptidão do Requerimento Executivo, constitui, nos termos das disposições conjugadas da alínea a) n.º 2 do artigo 186.º, do artigo 196.º e do n.º 1 do artigo 265.º todos do CPC, um vício insanável, salvo se existir acordo do executado; c)-Nesse sentido a jurisprudência indicada a 43 a 46 destas alegações, da qual a título de exemplo se indica o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11.05.2017, proferido no âmbito do processo n.º 1047/14.5TBABF-A.E1, onde se diz “4. Não alegando o exequente, no respectivo requerimento executivo, a causa da obrigação subjacente ao documento de reconhecimento de dívida, não pode vir a fazê-lo em momento posterior, sem o acordo do executado, uma vez que se trata de alteração da causa de pedir, até aí inexistente (art.ºs 186º, n.º2, a) e 265º, n.º1, ambos do NCPC); 5.–A ineptidão da Petição Inicial, para além da situação prevista no n.º3 do art.º 186º do NCPC, é insanável, por inexistência do objecto do processo, materializado na respectiva causa de pedir, aqui ausente, o que conduz à absolvição dos executados da instância executiva (art.ºs 196º, n.ºs 1 e 2 a), 278º, n.º1, b), 577º, b), 578º, todos do NCPC)” (sublinhado e negrito nosso); d)- Os Recorrentes, não acordaram em qualquer alteração à causa de pedir que, aliás, não foi requerida;
V.–DO CONHECIMENTO OFICIOSO DA NULIDADE e)-Para além de insanável a ineptidão do Requerimento Executivo é ainda de conhecimento oficioso nos termos do disposto no artigo 196.º do CPC; f)-Sendo que nas situações em que falta de alegação da causa de pedir no requerimento executivo permanece por suprir após o despacho saneador ou mesmo da sentença, ou seja, subsistindo a falta dos factos que concretizam a causa de pedir, terá a questão da ineptidão de ser conhecida posteriormente, na sentença final ou mesmo em recurso, determinando-se então a absolvição da instância; g)-Com efeito, como ensina o Prof. Lebre de Freitas: “O art. 278.º-1-b CPC, conjugado com o art. 186.º-1 CPC, é muito claro quando impõe a absolvição da instância em caso de ineptidão da petição inicial e o art. 608.º-1 CPC só no caso do art. 278.º-3 CPC não mantém a precedência do conhecimento das questões que possam determinar a absolvição da instância; o art. 278.º-3 CPC, por sua vez, só admite a sanação da exceção dilatória nos termos do art. 6.º-2 CPC (nunca por efeito duma simples preclusão); h)-Assim, o n.º 2 do artigo 200.º do CPC, em conjugação com o artigo 734.º do CPC, determina que no âmbito do apenso de oposição à execução, a ineptidão do requerimento executivo pode ser conhecida oficiosamente, para além do despacho saneador e mesmo da sentença, tendo como limite temporal apenas o primeiro ato de transmissão dos bens penhorados; i)-Neste sentido, novamente o Prof. Lebre de Freitas: “Para o efeito, o art. 202.º CPC tem de ser interpretado restritivamente, não se aplicando nas situações em que a causa de pedir permanece desconhecida até ao termo do processo em 1.ª instância, devendo então a absolvição da instância ter lugar nos termos em que a impõem os arts. 186.º-1, 278.º-1-b e 608.º-1 do CPC”; j)-Uma vez que nos presentes autos a causa de pedir permanece desconhecida, tanto assim é que não consta da Decisão Recorrida e por outro lado, no âmbito dos autos principais não se procedeu à transmissão de qualquer bem penhorado, será forçoso concluir que a ineptidão do Requerimento Executivo pode e deve, ora, ser conhecida em recurso;
VI.–DA INEXEQUIBILIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO k)-Acresce ainda que a falta da invocação da causa de pedir resulta na falta dum requisito de exequibilidade do título negocial; l)-Em suporte de posição veja-se o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC, que condiciona a exequibilidade do título de crédito, quando mero quirógrafo, à alegação dos factos constitutivos da relação subjacente no requerimento executivo, quando dele não constem; m)-Nesse sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.09.2011, proferido no âmbito do processo n.º 192/10.0TBCNT-A.C1.S1, relatado por GRANJA DA FONSECA onde se diz: “Como no caso em apreço não foi invocada a relação causal geradora de direitos e obrigações entre recorrente e recorrido que legitimasse a emissão do documento em causa, há falta de título executivo que suporte a execução a que a recorrente se opôs”; n)-Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 734.º, a inexequibilidade do título executivo deve ser conhecida oficiosamente. Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, determinando-se, a revogação da Decisão Recorrida e a sua substituição por outra que: (i)-julgue verificada a nulidade do processo em virtude da ineptidão da petição inicial, (ii)-considere inexequível o título executivo, e, (iii)-determine a absolvição da instância, a extinção da execução e o levantamento de toda e qualquer penhora determinada na ação executiva”.
6.–Em contra-alegações, os exequentes pugnaram pela improcedência do recurso.
II.–QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso, delimitada pelas aludidas conclusões, são:
- da possibilidade de conhecimento da excepção de ineptidão do requerimento executivo, por falta de causa de pedir e, em caso afirmativo, da sua verificação e possibilidade de sanação;
- da inexequibilidade do título executivo.
III.–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso decidiu os factos do seguinte modo: “Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos: 1.-No dia 29.04.2005, exequentes e executados subscreveram um documento, que intitularam “Confissão da Dívida”, com o seguinte teor: (…) 1–Os Primeiros Outorgantes confessam dever aos Segundos Outorgantes a quantia de € 300.000 (trezentos mil euros). 2–Por via do presente acordo, os Primeiros Outorgantes comprometem-se a pagar aos Segundos Outorgantes a referida quantia de € 300.000 (trezentos mil euros) em 106 prestações, sendo 105 do valor de € 2.830 (dois mil oitocentos e trinta euros) cada uma e a última, ou seja, a 106, do valor de € 2.850 (dois mil oitocentos e cinquenta euros). 3–A primeira das referidas prestações vencer-se-á no dia 30 de Maio de 2005 e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes; 4–A falta de pagamento de uma das prestações importará o vencimento imediato de todas as restantes com o consequente vencimento de juros à taxa legal, desde a data do incumprimento a até integral pagamento, contados sobre o total do montante em dívida. 5–Os Primeiros Outorgantes conferem à presente confissão de dívida a natureza de título executivo, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 46º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil. 6–Se os termos da presente confissão de dívida não forem integralmente cumpridos, os Segundos Outorgantes poderão intentar de imediato a competente acção executiva sem necessidade de qualquer interpelação. 7–Os Segundos Outorgantes aceitam a presente confissão de dívida e o seu modo de pagamento nos termos exarados. (…) 2.-Em 18.02.2015 o exequenteBe o executadoC,subscreveram um documento, intitulado “Aditamento ao Contrato de Assunção de Dívida Celebrado em 29 de Abril de 2005”, com o seguinte teor: “Invocando dificuldades de ordem económica que levaram o devedor a não poder assumir os compromissos então acordados, entenderam as duas partes renegociar as verbas estabelecidas no contrato acima indicado. Assim, a dívida de 300 mil euros será fixada em 250 mil euros com amortizações de 500 euros mensais, podendo o valor das amortizações ser aumentado a partir de Janeiro de 2016. Acrescenta-se ainda, que o contrato original deverá ser revisto de 5 em 5 anos, tendo em vista actualização das verbas entregues. (…)”. 3.-Por escritura pública de cessão de quotas, celebrada no dia 29.04.2005, os exequentes cederam aos executados as quotas de que eram titulares na sociedade denominada “Joalharia Montil, Lda.”, pelo valor de 100000 EUR, livres de penhor ou encargos semelhantes, e com todos os seus correspondentes direitos e obrigações que lhes são inerentes. 4.-Mais ficou estipulado que o referido montante de 100000 EUR seria pago pelos cessionários aos cedentes em 107 prestações mensais e sucessivas, sendo 106 do valor de 935 EUR cada uma, e a última do valor de 900 EUR, vencendo se a primeira no dia 28/05/2005, e as restantes em igual data dos meses subsequentes. 5.-Ficou ainda estipulado e clausulado entre os outorgantes que a propriedade das quotas cedidas, apenas transitaria para os cessionários após o pagamento do valor das quotas. 6.-E fixaram uma cláusula penal, que em caso de incumprimento pelo não pagamento, por parte dos cessionários do valor acordado para aquisição das quotas, estes pagariam aos cedentes a quantia de 400000 EUR. 7.-Os cessionários procederam ao pagamento dos 100000 EUR, através de transferências bancárias para a conta do exequente.
FACTOS NÃO PROVADOS Não se provaram os seguintes factos: 1.-Foi com base no valor da cessão de quotas, número de prestações acordadas e assunção de dívidas da sociedade por parte dos cessionários, que os cedentes propuseram a celebração do referido documento, a que chamaram assunção de dívida, como garantia do pagamento do valor das quotas e garantia do pagamento das dívidas da sociedade por parte dos cessionários. 2.-A razão de feitura do documento datado de 29.04.2005, era a de garante do bom cumprimento do contrato de cessão de quotas. 3.-O documento datado de 18.02.2015 tem a ver com o facto de o exequente ter retirado da sociedade o ouro existente em stock, após o fecho do contrato de cessão de quotas, levando-o para si, ao qual foi atribuído por exequente e executado o valor de 50.000,00€”.
IV.–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Face ao teor das alegações de recurso e às questões a decidir, importa iniciar a sua análise de forma lógica, o que se passa a efectuar. Defendem os apelantes a ineptidão do requerimento executivo, por falta de causa de pedir e a decorrente nulidade, insanável e de conhecimento oficioso, de todo o processo, uma vez que não está indicada a relação fundamental subjacente à alegada dívida, nem no título executivo, nem no requerimento executivo. Antes de analisar a existência da excepção alegada, impõe-se determinar a possibilidade do seu conhecimento na fase processual em que nos encontramos, nomeadamente porquanto se extrai da análise dos autos que esta questão não foi suscitada em primeira instância. É entendimento pacífico e consolidado na Doutrina e na Jurisprudência, que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida. Na verdade, sendo os recursos meios de impugnação das decisões judiciais, pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, não é possível ao tribunal de recurso conhecer de novas questões. Neste sentido, vide Ac. STJ, de 07-07-2016, proc. 152/12.0TTCSC.L1.S1, relator Gonçalves Rocha e ampla Jurisprudência aí citada. Tal como ensina António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 119, “A natureza do recurso como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina uma outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quemcom questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Segundo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso”. Não obstante, tem sido entendido que esta regra comporta como excepção as questões que, por serem do conhecimento oficioso do julgador, este tem de apreciar, mesmo sem que tal lhe haja sido pedido.
Como se pode ler no Ac. STJ, de 17-04-2018, proc. 1530/15.5T8CSC-C.P1.S1, Relator João Camilo, “O julgador, na elaboração da sentença, nos termos do art. 608º, nº 2 apenas pode conhecer das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Sendo as questões levantadas nas conclusões das alegações dos recorrentes que delimitam os poderes de cognição do tribunal de recurso, há que aplicar a este limite a exceção decorrente da ressalva da parte final do nº 2 do art. 608º”. Alegam os apelantes a excepção de ineptidão da petição inicial, a qual configura uma nulidade, tal como resulta do art. 186º, nº 1 do CPC. A sua verificação configura-se como excepção dilatória, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, cfr. arts. 278º, nº 1, al. b), 576º, nº 2 e 577º, al. b). Por outro lado, importa salientar que esta nulidade é de conhecimento oficioso (cfr. art. 196º do CPC), apenas podendo ser arguida até à contestação ou neste articulado (art. 198º, nº 1 do CPC). Há ainda que referir o disposto no art. 200º, nº 2 do CPC, preceito nos termos do qual “As nulidades a que se referem o artigo 186.º e o n.º 1 do artigo 193.º são apreciadas no despacho saneador, se antes o juiz as não houver apreciado; se não houver despacho saneador, pode conhecer-se delas até à sentença final”.
Ou seja, e como ensinam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, pág. 241, em anotação ao citado art. 200º, “a prolação de despacho saneador tem efeitos preclusivos quanto ao conhecimento das nulidades previstas nos arts. 186º e 193º, nº 1, significando isso que, proferido o despacho saneador, fica encerrada a hipótese de o juiz suscitar aquelas nulidades. Se o processo não comportar ou não tiver despacho saneador, o juiz pode conhecer destes dois vícios até à sentença final”.
É também este o entendimento da jurisprudência mais recente do STJ, sendo de destacar os Acs. STJ de 13-05-2021, proc. 1934/17.9T8PNF.P1.S1, relator Catarina Serra, de 14-07-2021, proc. 56347/19.8YIPRT.P1.S1, relator Maria da Graça Trigo, ambos invocados em sede de contra-alegações. Como se lê no segundo dos arestos citados, “… a ineptidão da petição inicial gera a nulidade do processado, a qual deve ser oficiosamente conhecida no despacho saneador se não o foi em momento anterior. A decisão, em sede de despacho saneador, de tal matéria, forma caso julgado formal se tiver havido pronunciamento concreto e específico; inversamente, não forma caso julgado se o pronunciamento for de carácter genérico. Não havendo lugar a despacho saneador a nulidade por ineptidão da p.i. pode ser conhecida até à sentença.
Procurando aplicar o regime legal ao caso dos autos, tenhamos presente que, no que ora importa, foi exarado o seguinte, no despacho saneador proferido em 11.11.2019: «Não se verificam nulidades, excepções dilatórias ou quaisquer questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa». Estamos perante um pronunciamento genérico e não concreto pelo que, nos termos do n.º 3 do art. 595.º do CPC, com o despacho saneador não se formou caso julgado formal sobre a questão da ineptidão da petição inicial. Contudo, de acordo com o regime do n.º 2 do art. 200.º do CPC, precludiu a possibilidade de conhecimento da dita questão, não podendo a mesma ser inovatoriamente apreciada em sede de recurso de apelação”. Seguindo este entendimento, a ineptidão da petição inicial não pode ser apreciada, mesmo oficiosamente, em fase de recurso, ficando precludida essa hipótese no momento em que é proferido, em 1ª instância, ou despacho saneador ou sentença, consoante os casos. Aqui chegados, cumpre salientar que esta conclusão não é afastada pela natureza dos presentes autos. Os embargos de executado, enquanto manifestação da oposição ao prosseguimento de uma determinada execução, são dependência do processo executivo, existindo apenas em virtude da instauração da acção executiva e de acordo com os contornos dados pelo título executivo apresentado. Assim, a dedução de embargos de executado introduz no processo executivo uma fase declarativa, autónoma, cujo objectivo é contestar o direito do exequente traduzido no título executivo, seja atacando a exequibilidade deste, seja alegando factos que levam à inexequibilidade, total ou parcial, do título dado à execução. Por esse motivo, e tal como resulta do art. 732º, nº 4 do CPC, a procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte. Isto é, a procedência ou improcedência dos embargos de executado tem reflexos imediatos no devir da execução, que se iniciam, desde logo, com a possibilidade de suspensão da execução com o recebimento dos embargos nos termos do art. 733º do CPC. Esta dependência dos embargos de executado face à execução em que se inserem não afasta a sua natureza de contra-acção tendente a obstar aos efeitos da execução por via da afectação dos efeitos normais do título executivo e/ou da acção que nele se baseia (cfr. Lebre de Freitas, in A Ação Executiva - À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª ed., Coimbra, pág. 212). Logo, a interacção entre o requerimento executivo e os articulados do apenso de embargos de executado assume-se como preponderante na definição do objecto do litígio. Isto é, o requerimento executivo também pode ser inepto, podendo essa questão assumir-se como um dos meios de defesa dos embargos, nomeadamente quando seja fundamental a alegação de factos relativos à obrigação subjacente ao título. Ora, também nessas situações se tem de entender que o limite temporal de conhecimento da nulidade proveniente da ineptidão da petição inicial dos embargos ou do requerimento executivo será o constante do art. 200º do CPC. Para os apelantes, “o n.º 2 do artigo 200.º do CPC, em conjugação com o artigo 734.º do CPC, determina que no âmbito do apenso de oposição à execução, a ineptidão do requerimento executivo pode ser conhecida oficiosamente, para além do despacho saneador e mesmo da sentença, tendo como limite temporal apenas o primeiro ato de transmissão dos bens penhorados”.
Vejamos.
Nos termos do art. 734º, nº 1 do CPC, “O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”. Por outro lado, dispõe o art. 726º, nº 2 do CPC que “O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando: a)-Seja manifesta a falta ou insuficiência do título; b)-Ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso; c)-Fundando-se a execução em título negocial, seja manifesta, face aos elementos constantes dos autos, a inexistência de factos constitutivos ou a existência de factos impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda de conhecimento oficioso; d)-Tratando-se de execução baseada em decisão arbitral, o litígio não pudesse ser cometido à decisão por árbitros, quer por estar submetido, por lei especial, exclusivamente, a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, quer por o direito controvertido não ter caráter patrimonial e não poder ser objeto de transacção”. Da conjugação destes dois preceitos decorre que, quando não tenha ocorrido qualquer transmissão dos bens penhorados, não se encontra precludida a possibilidade de apreciação das questões relacionadas com a falta ou insuficiência do título ou com a existência de excepções dilatórias não supríveis, seja em sede de acção executiva, seja também em sede de oposição.
Admitindo tal conhecimento em sede de embargos, veja-se Ac. do STJ de 11-11-2021, proc. 27384/13.8T2SNT-B.L2.S1, relator Rijo Ferreira, onde se pode ler o seguinte: “Do teor da petição de embargos resulta que os Embargantes não identificaram convenientemente a relação causal intentada pela Exequente (e na contestação aos embargos identificada), assim se afastando a possibilidade de sanação da apontada irregularidade prevista no art.º 186º, nº 3, do CPC. (…) Estamos perante uma excepção dilatória insusceptível de ser sanada, insuprível. De conhecimento oficioso, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, conforme o disposto no art.º 734º do CPC; conhecimento esse que pode, em nosso modo de ver (não obstante a opinião contrária de REMÉDIO MARQUES – op. cit., pg. 143 – e LEBRE DE FREITAS – op. cit., pgs. 164-165) e por razões de manifesta economia processual, ter lugar, indiferentemente, quer na própria execução quer no apenso de oposição por embargos, ainda que a excepção em causa não integre os fundamentos desta”. Importa salientar que este aresto, embora se referindo a uma confissão de dívida, e, portanto, com similitude com o caso dos autos, apresenta a particularidade de se pronunciar sobre a possibilidade de conhecimento oficioso da aludida excepção em sede de sentença de embargos de executado, não se referindo à possibilidade desse conhecimento ocorrer apenas em sede recursal. Ou seja, se dúvidas não restam quanto à possibilidade de se conhecer a excepção em apreço até ao momento da prolação da sentença, quando não exista despacho saneador, mais dúvidas se poderão colocar quando, em sede de recurso, estejam ainda verificados os requisitos constantes do art. 734º do CPC e se suscite a questão. Ora, não obstante o teor do citado art. 734º, nº 1, tendemos a concluir pela impossibilidade de estabelecer como limite temporal para que esse conhecimento ocorra o acto de transmissão dos bens penhorados, por tal consubstanciar uma contradição com o citado art. 200º. Veja-se, a este propósito, as explicações de Lebre de Freitas in Da falta da causa de pedir no momento da sentença final de embargos à execução titulada por documento de reconhecimento de dívida(Revista da Ordem dos Advogados III-IV, 2018), quando diz “Deixando, no despacho saneador, seguir o processo, ou, não havendo despacho saneador, proferindo sentença, não obstante a nulidade decorrente da ineptidão da petição inicial, o juiz perfilha o entendimento de que existe objeto do processo — nem de outro modo se podendo explicar que, no despacho saneador (art. 596.º-1 CPC) ou na sentença final (art. 607.º-2 CPC), identifique o objeto do litígio, admitindo, nomeadamente, que nele ocorre um pedido e uma causa de pedir, resultantes do decurso da instância quando não logo, como devia ter sido, da petição inicial: (…) Assim, por exemplo, se na contestação dos embargos o exequente alegar factos que integrem uma causa negocial da obrigação exequenda, esta alegação fáctica é, sem dúvida, extemporânea, pois esse articulado não exerce a função secundária que a réplica tinha no processo ordinário de declaração do CPC de 1961. Mas, não julgando no despacho saneador o processo nulo por ineptidão da petição inicial e incluindo, ao invés, nos temas da prova a questão do negócio jurídico que teria estado subjacente à celebração da escritura, o juiz da causa necessariamente ultrapassa a questão da ineptidão, fazendo prosseguir o processo com o objeto que decorre da alegação feita pela autora na contestação dos embargos. Fica-lhe, consequentemente, vedado proferir, no final, uma decisão baseada na falta de alegação dos factos identificadores da causa de pedir, cabendo-lhe, sim, com aplicação das regras de distribuição do ónus da prova, proferir uma decisão de mérito, admissível com base no pressuposto daquela alegação e usando, sendo caso disso, o seu poder de adequação formal do processo para garantir o exercício do contraditório”. É precisamente este o caso dos autos. Com efeito, no despacho saneador foi proferido despacho pugnando, de forma genérica, pela inexistência de nulidades, sem que a sentença se tenha debruçado sobre a questão da ineptidão do requerimento executivo. Acresce que, nesse despacho saneador foram definidos como temas de prova “Apurar o circunstancialismo subjacente à outorga da confissão de dívida” e “Apurar se os embargantes devem aos embargados a quantia de 249.800,00”. Assim, não tendo o tribunal recorrido suscitado a questão da ineptidão e tendo incluído nos temas de prova o circunstancialismo subjacente à outorga da confissão de dívida, tem de se entender como ultrapassada a questão da ineptidão, seja em sede de sentença final de embargos, seja em sede de apelação. Ou seja, tem o tribunal de proferir decisão de mérito e não uma decisão baseada na falta de alegação dos factos identificadores da causa de pedir. Saliente-se que não podem os exequentes, ora apelados, vir apresentar a factualidade relativa à obrigação subjacente ao documento de reconhecimento de dívida em momento posterior, sem o acordo dos executados, por tal consubstanciar uma alteração de causa de pedir inexistente. Neste sentido, veja-se Ac. TRE de 03-12-2020, proc. 1575/18.3T8MMN-A.E1, relator Francisco Xavier. Trata-se apenas de adequar a factualidade alegada nos autos com a decisão de mérito a proferir. Esta conclusão não é beliscada pelo disposto no art. 734º, nº 1 do CPC, preceito este que não pode funcionar como baliza temporal contrária ao disposto no art. 200º, nº 2 do CPC. Assim, quando o apenso de oposição siga os seus termos sem ser suscitada a ineptidão da petição inicial e não sendo trazidos ao processo elementos susceptíveis de suprir a falta de alegação da causa de pedir, pode essa excepção ser conhecida em qualquer momento, desde que observado o limite constante do art. 734º do CPC. Ao invés, quando sejam discutidos os factos na origem da obrigação causal do título, fica vedada essa possibilidade, tal como resulta do disposto no art. 200º, nº 2 do CPC. No caso dos autos, tendo havido essa discussão, que determinou a factualidade assente e não assente, tem de se concluir pela impossibilidade de conhecimento da excepção de ineptidão do requerimento executivo nesta fase de recurso. Mais alegam os apelantes que os exequentes não estavam dispensados de alegar a causa debendi e que essa falta da invocação determina a falta de um requisito de exequibilidade do título negocial, o que redunda na inexistência de título executivo. Defendem ainda que, nos termos do disposto no art. 734º, nº 1 do CPC, a inexequibilidade do título executivo deve ser conhecida oficiosamente. Nos termos do art. 734º, nº 1 do CPC, “o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”. Não se discute que, não tendo ocorrido a transmissão de bens penhorados, não está precludida a possibilidade de se aferir da insuficiência do título, em primeira instância, seja oficiosamente, seja mesmo através de requerimento formulado nesse sentido. Admitindo esta última possibilidade, veja-se Ac. TRL de 15-12-2020, proc. 6175/18.5T8FNC-B.L1-7, relator Carla Câmara, e onde se pode ler que “Por esta via privilegia-se o conhecimento do mérito em preterição da forma, bem como, considerando o limite temporal ali fixado, a protecção dos adquirentes de boa-fé, obviando-se a que ocorra a transmissão de bens penhorados subsistindo vícios que até então não haviam sido conhecidos”. No caso dos autos estamos perante uma acção executiva para pagamento de quantia certa, tendo os exequentes apresentado como título executivo documento escrito denominado “confissão de dívida” subscrito pelos executados. Relembre-se que este documento certifica a existência da obrigação, assim podendo ser apresentado como título executivo, nos termos do art. 46º, nº 1, al. c) do CPC na sua versão anterior a 2013, por ter sido emitido em data anterior à entrada em vigor do Novo CPC, tal como já decidido em sede de despacho saneador. Por outro lado, a eventual situação de ineptidão do requerimento executivo, em virtude de o documento ser omisso quanto à causa da obrigação, não se confunde com a inexistência de título executivo ou com a sua inexequibilidade. Nos termos do art. 10º, nº 5 do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva. O título executivo é, assim, a condição para o exercício da acção executiva, determinando-se a legitimidade activa e passiva para a acção de acordo com esse título. Não obstante, o título não se confunde com a causa de pedir, existindo autonomia entre o título e a obrigação. Com efeito, “o título executivo extrajudicial ou judicial impróprio é um documento que constitui prova legal para fins executivos e que a declaração nele representada tem por objecto o facto constitutivo do direito de crédito ou é, ela própria, este mesmo facto” (Lebre de Freitas in A Acção Executiva, 1993, pág. 52). Ou seja, o título executivo é o documento donde consta a obrigação cuja prestação se pretende obter por via coactiva e a causa de pedir é a situação factual que leva à existência da obrigação exequenda: os factos que fundamentam o pedido quando não constem do título executivo, como se refere no art. 724º, nº 1, al. d) do CPC. Naturalmente que, em situações como a dos autos em que a execução tenha por base um título executivo que determine a necessidade de complementação fáctica para que o mesmo possa servir os seus intentos, deve o requerimento executivo conter a descrição dos factos que constituem a causa de pedir. Mais, deve o juiz sindicar essa descrição fáctica por forma a apurar da sua existência. Como se lê no Ac. TRL de 18-09-2008, proc. 5641/2008-6, relator José Eduardo Sapateiro, “Toda a desconformidade entre o título e a realidade substantiva pode e deve, pois, ser conhecida pelo juiz, desde que a sua causa seja de conhecimento oficioso e resulte do próprio título, do requerimento inicial de execução, da acção de oposição à execução oude facto notório conhecido pelo juiz em virtude do exercício das suas funções. Da articulação do art.º 812-2-c com o art. 820 resulta que o juiz deve indeferir liminarmente o requerimento de execução com algum dos fundamentos; mas resulta também que, não o tendo feito, deverá rejeitar ulteriormente a execução, extinguindo-a, quando se aperceba da situação, ainda que em oposição à execução movida com outro fundamento. Ponto é que o processo lhe vá concluso, por a lei impor odespacho liminar (art. 812-1), o funcionário judicial suscitar a sua intervenção (art. 812-A-3) ou o processo lhe ser levado por outro motivo até ao primeiro acto de transmissão de bens (art. 820-1). O que o juiz não pode é levar mais longe a sua indagação sobre a obrigação exequenda, quer oficiosamente, quer solicitando elementos complementares de prova ao exequente. A obrigação exequenda tem de constar do título e a sua existência é por ele presumida, só nos termos que se deixam referidos podendo ser ilidida tal presunção, salvo o recurso à acção declarativa de oposição à execução movida com essa finalidade. Só neste sentido julgamos poder ser afirmada a suficiência do título para a acção executiva e a sua consequente autonomia em face da obrigação exequenda”. Mas esta necessidade de descrição fáctica não se pode confundir com a inexequibilidade do título, porquanto esta apenas existe quando faltem determinados pressupostos processuais e não quando esteja em causa vícios relativos à exequibilidade da pretensão formulada. Neste sentido, veja-se Lebre de Freitas, in A acção Executiva Depois da reforma da reforma, 5ª edição, Coimbra Editora, 2009, pág. 172. Ou seja, a inexequibilidade do título executivo decorre do não preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar essa função específica. Ao invés, a inexequibilidade da pretensão baseia-se em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo da obrigação incorporada no título. Retornando ao caso dos autos, verifica-se que os apelantes, ao invocar a inexequibilidade do título dado à execução estão a referir-se, mais uma vez, à ineptidão do requerimento executivo, por não estarem alegados os factos relativos à obrigação subjacente, o que, como se expôs, não pode ser já conhecido. Do que se vem de expor resulta que não assiste razão aos apelantes quando alegam que“a falta da invocação da causa de pedir resulta na falta dum requisito de exequibilidade do título negocial”, assim se concluindo pela improcedência da sua pretensão. Portanto, improcede a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelos apelantes, nos termos do art. 527º do CPC.
V.–DECISÃO:
Pelo exposto, acordam as juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida. Custas pelos apelantes, nos termos do art. 527º do CPC. *
Lisboa, 22 de Março de 2022
Ana Rodrigues da Silva Micaela Sousa Cristina Silva Maximiano