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ACIDENTE DE TRABALHO
RESPONSABILIDADE
CULPA DA ENTIDADE PATRONAL
Sumário
I- Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de inobservância das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, a responsabilidade pela sua reparação é agravada e recai sobre a entidade empregadora, sendo a seguradora apenas subsidiariamente responsável, pelas prestações normais (art. 18º, 1 e 37º n.º 3 da Lei 100/97, de 13/9). II- A actividade de reparar ou desentupir válvulas de respiração não se considera trabalho exposto a queda livre, pelo que o facto de o sinistrado não ter utilizado cinto de segurança preso em ponto fixo não consubstancia qualquer violação das normas de segurança.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I – B........., viúva, por si e em representação de sua filha menor, consigo convivente C......., residentes em ...., Fafe, propôs a presente acção emergente de acidente de trabalho com processo especial contra
- Companhia de Seguros D......, SA, com sede na ....., ..., ... Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhes:
- à A. B….. a pensão anual de € 1719,95, desde 31.07.2002, dia seguinte ao da morte;
- para sua filha menor a pensão anual de € 1146,63, com início em 31.07.2002, actualizada para € 1 169,56, a partir de 01.12.2002, nos termos da Portaria n.º 1514/02, de 17.12 até perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar o ensino secundário ou curso equiparado ou ensino superior, ou sem limite de idade no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho – pensão essa a ser-lhe paga adiantada e mensalmente, até ao terceiro dia de cada mês, e na sua residência, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, devendo as vencidas ser-lhe pagas de uma só vez e com a primeira que se vencer, acrescidas em Maio e Novembro de cada ano de 1/14 do montante anual, a título de subsídio de ferias e de Natal;
- à A. B…… a quantia de € 2 784,o9, a título de despesas com o funeral do sinistrado, uma vez que houve transladação de Guimarães para ......-Fafe;
- a pagar a ambas a quantia de € 4 176,14, a título de subsídio por morte, sendo metade para cada uma delas;
- a pagar à A. B...... a quantia de € 12,00, a título de despesas de transportes -, acrescidas todas as quantias peticionadas de juros de mora legais.
Como causa de pedir alegam o acidente de que seu pai e marido, respectivamente, foi vitima em 30.Junho.2002, pelas 14,30 horas, em ...-...-Fafe, quando - com a categoria profissional de sócio-gerente e auferindo a retribuição de € 349,16x14 meses /ano acrescida de € 76,81x11 meses/ano de subsídio de alimentação, totalmente transferida para a seguradora -, sofreu uma queda da qual lhe advieram lesões que lhe causaram a morte .
Contestou a R. Cª de Seguros, rebatendo no essencial a factualidade a vertida na pi., no que contraria a posição por si perfilhada no sentido de que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do sinistrado, acrescentando, porém, que caso assim não se entenda sempre o mesmo ocorreu por falta de cumprimento das regras de segurança no trabalho por parte da entidade empregadora.
Termina a pugnar pela improcedência da acção com as legais consequências.
Ordenada subsequentemente a respectiva citação, veio a entidade patronal – E........, Lda, contestar rebatendo a responsabilidade que lhe é assacada pela outra ré, acrescentando que não houve no caso concreto qualquer violação das regras de segurança, concluindo assim ser a demandada seguradora a única responsável pelo pagamento das pensões e demais quantias peticionadas.
Houve resposta da A, onde concluiu como na p.i.
Proferido o despacho saneador, foi seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, fixadas após reclamação parcialmente deferida.
Realizada a audiência de julgamento e decidida, sem censura, a matéria de facto, foi proferida sentença, que, julgando procedente a acção, condenou a R. Seguradora nos termos peticionados.
Inconformada com o decidido interpôs a seguradora recurso de apelação formulando para o efeito as seguintes conclusões:
1. De acordo o art. 8.º do D.L. 441/91, de 14/11, "o empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho".
2. De acordo com o disposto no art. 13. º A do RGSTEI "as escadas de mão podem ser usadas quando não haja possibilidade de utilizar outros meios, permanentes ou provisórios, mais seguros”.
3. O RSTCC impõe, no art. 151. º, que "os trabalhadores expostos ao risco de queda livre devem usar cintos de segurança, de forma e materiais apropriados, suficientemente resistentes, bem como cabos de amarração e respectivos elementos de fixação" (n.º 1) e que "os trabalhadores que executem tarefas em reservatórios, silos ou locais com risco semelhante devem estar equipados com cintos de segurança ou outro dispositivo de protecção equivalente ligado ao exterior por um cabo de amarração" (n.º 3).
4. Do cotejo das disposições legais, resulta que, no caso dos autos, a apelada E....... deveria ter impedido o uso da escada móvel para subir à cuba de 10 metros e deveria ter imposto o uso de dispositivos de segurança que evitassem o perigo de queda, maxime, o uso do cinto de segurança.
5. Não o tendo feito, terá de se concluir que não tomou os cuidados necessários para garantir a segurança no trabalho, nomeadamente os que lhe eram impostos para evitar que os seus operários sofressem acidentes em virtude de quedas em altura.
6. Assim, forçoso é considerar que a apelada E..... agiu de forma negligente, não prevendo, como poderia e deveria ter previsto a ocorrência de um acidente, violando as normas legais acima referidas.
7. O acidente que originou a sua morte, consistiu no facto do infeliz sinistrado ter caído da escada para o solo de uma altura de 10 metros.
8. Se tivesse sido estabelecido o uso do cinto de segurança, ou outro dispositivo eficaz, o acidente nunca teria ocorrido e o infeliz sinistrado não teria morrido, pelo que existe óbvio nexo de causalidade entre a conduta da Apelante E...... e o acidente e morte do sinistrado;
9. Houve desrespeito por parte da Apelada E..... das mais elementares regras de segurança no trabalho, desrespeito que foi a causa directa do acidente que vitimou o infeliz sinistrado.
10. Verificando-se a culpa da entidade patronal, o Tribunal o quo não poderia ter condenado, como condenou, a ora Apelante, já que esta, em caso de culpa (mesmo tratando-se de mera culpa) da entidade patronal, só responderia subsidiariamente.
11. Caso se entenda que não foi a R. E...... quem violou os referidos preceitos legais, então terá de se concluir que foi o infeliz F...... quem violou sem justificação e de forma grosseira e temerária, os arts. 4. º, 13.º A e 151. º do RGSHTEI.
12. Pelo que, também neste caso, não seria, nos termos do disposto no art. 7.º, no 1, alíneas a) e b) da L.A.T., a ora Apelante a responsável pela reparação do acidente.
13. Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo entre outros, os arts 7. º e 18.º da L.A.T., o art. 8.º do D.L. n.º 441/91, de 14/11, e os arts. 13.º e 151.º do RSTCC.
A autora e a co-Ré E...... apresentaram contra-alegações pedindo a manutenção da decisão.
A Exmª Magistrada do MP nesta Relação emitiu parecer no sentido de ser negado provimento à apelação.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – Os Factos
São os seguintes os factos provados no tribunal a quo
1- AS AA. B...... e C..... nasceram em 1976-08-29 e 1996-08-21 e são viúva e filha do sinistrado F......, cfr. Docs de fIs. 58, 59 e 64, cujo teor dou aqui por reproduzida (aI. A) da matéria de facto assente).
2- No dia 30 de Julho de 2002, pelas 14 e 20 minutos, no Lugar de ...., freguesia de ....., concelho de Fafe quando, exercendo a actividade de sócio gerente da co - R. E....., Lda e auferindo a retribuição de € 349,16 por 14 meses, acrescida de € 76,81 por 11 meses de subsídio de alimentação, o referido F..... sofreu um acidente (aI. B) da matéria de facto assente).
3- A co-ré E……. possui reservatórios, designados por cubas, feitas em aço inoxidável com forma cilíndrica e com cerca de 10 metros de altura, as quais estão equipadas com válvulas de respiração colocadas no topo de cada uma delas, sendo certo que o respectivo construtor não as mune de escadaria própria, nem de qualquer anilha ou argolas (aI. C) da matéria de facto assente).
4- No citado dia 30 de Julho de 2002, ocorreu uma avaria numa das válvulas de respiração de uma das cubas (resposta ao quesito 7º).
5- O que motivou a que o sinistrado subisse ao cimo da cuba para verificar a válvula de respiração (aI. E) e resposta ao quesito 8º).
6- Para o efeito utilizou uma escada e encostando-a ao reservatório, fez-se chegar até junto da referida válvula que existia na parte superior da cuba (aI. F) da matéria de facto assente e resposta ao quesito 9º).
7- O sinistrado aí chegado, desprendeu-se da escada, caindo ao solo de uma altura de cerca de 10 metros (aI. G) da matéria de facto assente da especificação).
8- Foi transportado para o Hospital Senhora da Oliveira - Guimarães, onde veio a falecer (aI. H) da matéria de facto assente).
9- Como consequência directa e necessária do acidente, o sinistrado sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia de fIs. 60 e 70, cujo teor aqui dou por reproduzido, nomeadamente, traumatismo crânio encefálico, com perda de massa encefálica, que determinaram a sua morte no mesmo dia (aI. I) da matéria de facto assente).
10- A escada mencionada em 6 é construída em alumínio, tem revestimento em borracha grossa nas extremidades para aderir à cuba e ao solo e é dotada de degraus achatados e com rugas para aderir ao calçado dos trabalhadores (aI. L da matéria de facto assente).
11- O sinistrado não utilizou cinto de segurança preso em ponto fixo (resposta ao quesito 11.º).
12- Quando foi encontrado depois da ocorrência do acidente, o sinistrado encontrava-se no solo retirado do local onde se encontrava a escada, sem que esta apresentasse deformação, falta de degraus ou qualquer outro sinal de estrago (aI. M da matéria de facto assente).
13- E a escada estava fixa à cuba (resposta ao quesito 12.ºA).
14- A co-ré E....., Lda, dedica-se de forma habitual e com intuito lucrativo, à transformação da "pleuma, que consiste na destilação do vinho ou do bagaço (resposta aos quesitos 1 º e 2º ) .
15- Actividade que desenvolve na sua sede, no Lugar ......, freguesia de ...., concelho de Fafe (resposta ao quesito 3).
16- As cubas referidas no nº 3 destinam-se ao armazenamento de produtos destilados (resposta ao quesito 4º).
17 - O sinistrado prestava serviço nas instalações da co - R. E..... há mais de 10 anos, sendo ele que, por regra, verificava o funcionamento do equipamento de destilaria, nele incluído às válvulas de respiração (resposta aos quesitos 5 e 13º ).
18- O sinistrado era uma pessoa calma (al D) da matéria de facto assente).
19- Por acordo de seguro celebrado entre as co-RR. a Co- R E..... transferiu para a R. Seguradora a sua responsabilidade pela reparação do acidente e pela retribuição de € 349,16 x14 meses/ano, acrescida de 76,81x 11 meses/ano de subsídio de alimentação (al. K da matéria de facto assente).
20- A co- A. B…… despendeu em transportes a quantia de 12,00, que
a co-ré Seguradora aceitou pagar-lhe (al. J da matéria de facto assente).
21- Frustrou-se a tentativa de conciliação - cfr. auto de fIs. 107 e 108 verso, cujo teor aqui dou por reproduzido (al. N da matéria de facto assente).
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A matéria de facto assim decidida não foi objecto de impugnação nem enferma dos vícios referidos no art. 712.º/4 do CPCivil. Por isso se mantém nos seus precisos termos.
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III – O Direito
É em função das conclusões da respectiva motivação que se afere o objecto do recurso, ressalvadas, como é óbvio, as matérias de conhecimento oficioso (arts 684.º/3 e 690.º/1 do CPCivil, aplicável ex vi arts 1.º/2-a) e 87º. Do CPT).
São assim duas as questões que importa apreciar no caso sub júdice:
1- A questão da negligência grosseira e temerária do sinistrado na eclosão
ou, caso assim se não entenda,
2- A questão da responsabilidade da entidade empregadora por violação culposa das normas de segurança;
Apesar destes dois enfoques o que essencialmente se pretende é restringir o âmbito do recurso à uma única questão: - a de saber se o acidente deve ser descaracterizado como acidente de trabalho.
Ora, sob a epígrafe «descaracterização do acidente» dispõe relevantemente o art.7.º, n.º1, da L.100/97, 13/09, não dá direito a reparação o acidente “(a) que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de acto ou omissão do sinistrado, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei”e o (b) que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado
Analisemos, pois, começando metodologicamente pela questão
1 – Da negligência grosseira e do sinistrado
A este respeito alega a recorrente que o acidente ocorreu em consequência da conduta do sinistrado que violou sem justificação e de forma grosseira e temerária os arts 4.º, 13.º-A e 151.º do RGSHTEI (ao não adoptar medidas de segurança adequadas v.g. utilizando escada fixa ou segura por outro trabalhador e cinto de segurança que impedissem a sua queda de cerca de 10 metros de altura)
É sabido que, como já foi dito, nos termos do art. 7.º/1-b) da L 100/97, 13/09, não dá direito à reparação o acidente “que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado”
E nos termos do n.º2 do art.8.º DL 143/99, 30/04, «entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão»
Ora, como decorre dos normativos transcritos, é nosso convencimento que para descaracterizar o acidente – como essencialmente pretende a recorrente – não basta que o mesmo seja imputável, ainda que exclusivamente, a mera negligência do sinistrado. Na verdade, como refere Carlos Alegre, ao qualificar a negligência de grosseira, o legislador estaria a afastar implicitamente a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considera os prós e os contras e estaria, certamente, a referir-se à negligência lata ou grave a confinar com a conduta dolosa ou intencional (cfr Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, 2ª ed. p.63).
Será assim que o sinistrado actuou com negligência grosseira ao deslocar-se ao topo da cuba utilizando para o efeito uma escada encostada ao referido reservatório, sem fazer uso de cinto de segurança preso em ponto fixo, em violação das condições de segurança impostas nos normativos indicados? Vejamos:
Dispõe o art. 4.º do RGSHTEI, aprovado pela P.53/71, 3/02 e alterado pela P. 702/80, 22/09, em especial, que os trabalhadores devem cumprir as disposições do presente Regulamento e demais preceitos aplicáveis, designadamente tomando as precauções necessárias para a segurança própria ou alheia e abster-se de quaisquer actos que possam originar situações de perigo [als. a) e d)].
Estabelece, por sua vez, o art.13.º-A do mesmo diploma regulamentar:
1 – As escadas de mão podem ser usadas quando não haja possibilidade de utilizar outros meios, permanentes ou provisórios mais seguros.
2 – As escadas de mão devem ser resistentes, rígidas e construídas com materiais sólidos e isentos de defeitos e estarem em bom estado de conservação e de utilização.
3- As escadas de mão devem ser fixadas ou colocadas de forma a não poderem tombar, oscilar ou escorregar.
8- É proibida a utilização de escadas de mão quando as superfícies de apoio não forem horizontais ou não oferecerem resistência bastante.
E, por último, o art. 151.º do referido diploma - sobre cintos de segurança - prescreve a propósito:
1- Os trabalhadores expostos ao risco de queda livre devem usar cintos de segurança, de forma e materiais apropriados, suficientemente resistentes, bem como cabos de amarração e respectivos elementos de fixação.
3- Os trabalhadores que executem tarefas em reservatórios, silos, colectores ou locais com risco semelhante devem estar equipados com cintos de segurança ou outro dispositivo de protecção equivalente ligado ao exterior por um cabo de amarração.
Ora revertendo ao concreto dos autos, constatamos com relevância que o acidente em causa se traduziu numa queda, quando o sinistrado – exercendo a actividade de sócio gerente da co-ré E....., Lda, subiu ao cimo de uma cuba verificar avaria detectada numa das válvulas de respiração colocadas no topo de tais cubas que aquela empresa possuí e que o respectivo construtor não mune de escadaria própria, nem de qualquer anilha ou argola.
Para o efeito o sinistrado utilizou uma escada e encostando-a ao reservatório fez-se chegar até junto da válvula que existia na parte superior da cuba; aí chegado desprendeu-se da escada, caindo ao solo de uma altura de cerca de 10 metros.
A referida escada, construída em alumínio, tem revestimento em borracha grossa nas extremidades para aderir à cuba e ao solo e é dotada de degraus achatados e com rugas para aderir ao calçado dos trabalhadores.
Sucede que o sinistrado não utilizou cinto de segurança preso em ponto fixo e quando foi encontrado depois da ocorrência do acidente, encontrava-se no solo retirado do local onde se encontrava a escada, sem que esta apresentasse deformação, falta de degraus ou qualquer outro sinal de estrago e estava fixa à cuba.
O sinistrado, que era uma pessoa calma, prestava serviço nas instalações da co-ré E...... há mais de 10 anos, sendo ele que, por regra, verificava o funcionamento do equipamento de destilaria, nele incluído as válvulas de respiração.
Porém, ressalvando sempre o devido respeito, é nossa opinião, que esta factualidade não permite consubstanciar a reunião cumulativa dos dois elementos exigidos para a descaracterização do acidente, i. é: um comportamento temerário em elevado grau; e que tal comportamento seja causa adequada e exclusiva do sinistro.
Com efeito, como já se decidiu, o conceito de negligência grosseira abarca indiscutivelmente os casos de negligência consciente, mas abarca outrossim casos de negligência inconsciente. E como tal estamos também convencidos que o legislador se limitou a consagrar o entendimento que a jurisprudência tinha firmado acerca do conceito de “falta grave e indesculpável da vítima”, contido na Base VI/1-b), da L. 2127, considerando como tal apenas as imprudências e temeridades inúteis, fortemente indesculpáveis, reprovadas pelo mais elementar sentido de prudência e sem ligação directa com o trabalho (vide por todos os acs do STJ: 7-10-98, CJ:VI-III-255 e da RPorto, 22-09-2003, Proc. 0312200, www.dgsi.pt).
Sucede que no caso vertente não está provado que o sinistrado tenha agido com negligência grosseira ou que tenha havido violação sem justificação dos referidos normativos; a factualidade provada é curta para concluir nesse sentido. Na realidade, não permite concluir que o comportamento do sinistrado tenha sido temerário em alto e relevante grau, inútil, fortemente reprovável e sem justificação, que não tenha resultado de um contacto permanente e habitual do trabalhador com os perigos e riscos da sua própria profissão e que tenha sido causa exclusiva e adequada do acidente.
Nada foi alegado a tal respeito, sendo certo que competia à recorrente/responsável alegar e provar os factos que nos levassem a essa conclusão, porque impeditivos do direito à reparação reclamado com o presente veículo processual (art342.º/2 CCivil). Não o tendo feito sibi imputet, improcedendo neste particular as conclusões da apelante.
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2 - Passemos agora à segunda questão suscitada: -A da violação das condições de segurança por parte da entidade patronal:
Sustenta a propósito a recorrente que o acidente em apreço ocorreu porque a E...... deveria ter impedido o uso da escada móvel para subir à cuba de 10 metros e devia ter estabelecido o uso de cinto de segurança ou outro dispositivo eficaz que evitasse o perigo de queda. Como o não fez, violou assim o disposto no art.8.º DL 441/91, 14/11 e arts 13.º-A e 151.º do RGSHTEI, em desrespeito que foi a causa directa do acidente que vitimou o sinistrado.
Vejamos:
Como é sabido, nos termos do art.8.º/1 DL 441/91, 14/11, “o empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho.
A este propósito, o art.18.º/1. L. 100/97, 13-09, dispõe que:
“Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regras seguintes (…).”
Por seu turno, estabelece o art.37º/2 do mesmo diploma:
“Verificando-se, alguma das situações referidas no art.18.º, n.º1, a responsabilidade nela prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na presente lei”
Estas normas sucedem ao que constava da Base XVII/2 da L.2127 de 3-08-1965 e do art.54º do Dec.360/71, 21/08, que a regulamentou.
Parece-nos, porém, que fundamentalmente se mantém válido o entendimento ultimamente perfilhado pela jurisprudência, de que na hipótese de acidente de trabalho se ficar a dever a culpa da entidade empregadora ou seu representante, aí se abrangem os casos em que ele foi devido à falta de observância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho; todavia, para que se considere ter o acidente resultado de culpa da entidade empregadora não basta ter havido inobservância dos preceitos legais ou regulamentares ou de directivas sobre higiene e segurança, sendo necessário que se verifique outrossim um nexo de causalidade entre a inobservância e o acidente (cfr., entre outros, os Acs STJ, 25-10.2005, CJ:VIII-3-268 e RL.20-03-2002, CJ:XXVII-2-161).
Só que ainda aqui, de harmonia com as regras de repartição do ónus da prova, previstas no art. 342.º/1e 2 do C. Civil, incumbe à parte que invoca a culpa da entidade patronal para dela tirar proveito - no caso a seguradora no âmbito dos arts 18.º/2 e 37.º/2 da LAT/97 – alegar e provar essa culpa e o nexo causal, uma vez que deixou de existir a presunção de culpa estabelecida no art.54.º do DL 360/71, prévigente.
Acresce que in casu, e salvo melhor opinião não se nos afigura outrossim desrespeitado o conteúdo das normas do art. 13-A e 151.º do RGSHTEI, indicadas como violadas.
Com efeito, a escada de mão utilizada pelo sinistrado, como factualmente vimos, não só tinha as características de resistência e construção exigidas, mas também foi utilizada nos termos regulamentarmente previstos, nos nºs 1,2,3 e 8 do aludido art.13.º-A.
Por outro lado, como bem se salienta no douto parecer do MP junto deste Tribunal, a actividade de reparar ou desentupir válvulas de respiração não parece de incluir na previsão dos nºs 1 e 3 do art.151.º do RGSHTEI (quanto à utilização de cintos de segurança) que prevê situações de trabalho exposto ao risco de queda livre – e não situações de ocorrência eventual, pontual ou esporádica - como a ora em causa (as válvulas terão avariado 2 vezes em 10 anos, diz-se na fundamentação da matéria de facto) – em que possa haver uma situação de queda.
Logo, o facto de o sinistrado não ter utilizado cinto de segurança preso em ponto fixo, afigura-se-nos não consubstanciar desrespeito de qualquer das normas de segurança do RGSHTEI indicadas, aliás nem sequer foi alegado ou demonstrado que fosse possível e sua colocação na cuba.
Além disso, de toda a matéria provada não resultou apurado qualquer facto sobre a conduta da entidade empregadora relativamente à sua actuação no plano das normas de segurança, de sorte que fica assim igualmente prejudicada a questão da averiguação de nexo de causalidade entre essa eventual inobservância e o acidente.
Destarte e em conclusão, diremos que, apenas, ficou demonstrada a responsabilidade objectiva da entidade empregadora na ocorrência do acidente em causa, a qual se encontra transferida para a seguradora a quem caberia o ónus de alegar e provar a responsabilidade subjectiva daquela, a fim de afastar a respectiva responsabilidade a titulo principal.
E não se tendo demonstrado factos que concretizem os pressupostos legalmente exigidos para a descaracterização do acidente – maxime os previstos no art.7.º/1-a) e b) da L.100/97, 13/09, e inexistindo violação dos demais normativos invocados –, é portanto à ré seguradora que cabe responder pela sua reparação, nos termos acolhidos na decisão a quo que assim se sufraga.
Como tal, improcedem as conclusões das alegações da recorrente.
IV – Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente
Porto, 19 de Dezembro de 2005
António José Fernandes Isidoro
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares