Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONCLUSÕES DE RECURSO
Sumário
I. Não há nulidade se o recorrente não entende a decisão da matéria de facto, mas, quando muito, erro na decisão. II. Se o recorrente impugna nas conclusões factos que não referiu nas alegações de recurso, tal é extemporâneo e não pode ser conhecido, pois as conclusões são apenas proposições que sintetizam as alegações, não podendo ir além delas. III. Têm carater de retributivo as prestações que se revestem de regularidade e periodicidade, patrimonialidade, obrigatoriedade para o empregador e correspetividade quanto à prestação de trabalho. Se, face aos termos do estatuto, um designado complemento mérito é atribuído, de forma precária, não é retributivo e pode ser retirado sem que haja violação da garantia da retribuição. (Elaborado pelo relator)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Autor (A.): AAA
Ré (R.): BBB
O A. demandou a R. pedindo que
a) a componente designada como “complemento de desempenho” seja considerada, para todos os efeitos, como retribuição e, nessa sequência, ser a Ré condenada a considerá-lo no pagamento do subsídio de doença;
b) se condene a Ré a cessar com as condutas assediantes;
c) se condene a Ré no pagamento da competente indemnização por danos morais, em montante não inferior a 30.000,01 €.
Alega, para tanto, que A. e R. celebraram um contrato de trabalho em Outubro de 1999; a R. adoptou um conjunto de comportamentos assediantes contra o A., levando a que se este entrasse em situação de baixa médica desde 12/09/2013 e até à actualidade; de facto, mesmo durante a situação de baixa médica, a R. não deixou de assediar o A., uma das formas que encontrou para esse efeito, foi retirar ao A. o “complemento de desempenho” como parte integrante da retribuição do A., o que determinou a sua não inclusão no subsídio de doença que lhe tem vindo a ser pago; a conduta da R., gerou danos não patrimoniais ao A. que, pela sua gravidade, requerem a tutela do Direito.
*
Não havendo conciliação a Ré contestou, impugnando a versão de facto ale-gada pelo A., pois nunca o assediou por qualquer forma; entende que o “complemento de mérito”, face ao ACT em vigor, não integra a retribuição do A., pelo que não pode ser considerado no seu subsídio de doença; os danos não patrimoniais, face à inexistência de qualquer comportamento assediante da R., devem ser desatendidos, e, caso assim se não entenda, o valor arbitrado ser fixado muito aquém do peticionado tendo em consideração a sua gravidade objectiva e a jurisprudência dos tribunal nacionais.
*
Saneados os autos e efetuado o julgamento, o Tribunal a quo julgou a ação improcedente e absolveu a R. dos pedidos
*
Não se conformando veio o A. apelar, formulando as seguintes conclusões:
(…)
*
Contra-alegou a R., pedindo a confirmação da sentença e concluindo:
(…).
*
O MºPº teve vista, pronunciando-se pela procedência do recurso.
As partes responderam ao parecer.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
* FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar – considerando que o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – a sentença padece de nulidade; se a decisão da matéria de facto merece as criticas efetuadas; se houve diminuição da retribuição face à retirada do prémio de mérito (e, eventualmente, se há assédio moral do recorrente e, em caso afirmativo, com que consequências, designadamente se há lugar a indemnização por danos não patrimoniais - cfr. conclusões DD e SS).
*
1. Das nulidades
O A./recorrente imputa nulidade da sentença, invocando o disposto no art.º 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil ("é nula a sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”; e “o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”).
Isto porque
(E.) O Tribunal a quo tomou em consideração uma pretensa inexistência de ameaça e/ou consequência pela não interrupção da baixa médica pelo A. na reunião de 17.06.2014, e, bem assim, inexistência de nexo de causalidade entre a dita reunião e a retirada do complemento de mérito ao A. (F) Nunca foi discutido ou colocado em causa que a Ré quisesse reduzir a retribuição quando realizou a alteração informática do recibo de vencimento, decompondo em duas verbas os valores auferidos pelo Autor desde o primeiro dia ao serviço da Ré, sem qualquer interrupção durante treze anos, durante catorze vezes ao ano. (G) Foi completamente desconsiderado o documento 6, junto com a petição inicial”. (I). A redacção dos factos julgados como provados e melhor identificados com os Pontos 2 e 3, encontra-se assim desconforme com o que se encontrou em discussão no processo, bem como aos documentos juntos, não sendo possível sequer compreender qual o fundamento subjacente a tal decisão. (J) O ponto 2 dos factos provados não tem qualquer suporte documental (...). A própria Recorrida esclarece e admite na contestação que de facto o Recorrente recebia conforme está espelhado nos recibos de vencimento juntos (documentos 1 e 2 já juntos). (K.) Também não é entendível como é que o Tribunal a quo dá como provado que a 12 de Setembro de 2013, o A. entrou de baixa médica, tendo estado a receber o vencimento por inteiro durante treze meses, na medida em que o ponto 47 se dá como provado que “(…) logo em Julho de 2014, não lhe foi processado o complemento de “mérito”, no montante de 207,40 €, mas apenas a remuneração ACT no valor de 1.014,46 €”. (M.) Acresce que o ponto 3 dos factos provados está em manifesta contradição com o ponto 47 dos factos provados. Deste modo, não podia ser dado como provado o teor da reunião nos termos em que o foi, por existir manifesta contradição entre a prova testemunhal, e por se encontrar provado, por documento (...). (N.) Obscuridade com assento na contradição respaldada na sentença, quando se refere a data da aprovação do crédito e da escritura pública referente ao mencionado crédito. (Q Há) incoerência dos depoimentos quanto ao motivo da reunião (R.) Deste modo, é nula a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, uma vez que padece, nos seus fundamentos de “obscuridade que torna a decisão ininteligível”, nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC.
(S) Por outro lado, o Tribunal a quo fundamenta a sentença em factos inexistentes, pois afirma que o Recorrente é detentor de vinte e sete créditos, acusando-o de ser irresponsável financeiramente, quando dos autos o que resulta era que o Recorrente apenas tinha três créditos e sem qualquer incumprimento. (U). A sentença é além do mais nula nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, uma vez que o tribunal recorrido se pronunciou sobre questões de que não podia tomar conhecimento. (W). Vai ainda, além do que foi a matéria controvertida, sobre a qual se fez prova, pelo que, nunca poderia ser tido tomado qualquer conhecimento sobre tais questões, sendo, por fim, destituída de fundamento de facto e de direito. (Y). O Tribunal a quo considerou normal um processo de crédito demorar nove meses a ser aprovado porque o Recorrente tinha 27 créditos. Partiu de factos inexistentes quando avaliou a prova, completamente inquinado, retirando as erradas conclusões, pois o Recorrente não tem nem nunca teve 27 créditos
Ora, vejamos.
Obscuro é aquilo cujo sentido não se divisa. A obscuridade existe quando é ininteligível o pensamento do julgador, de tal modo que não se consegue discernir para sentido da própria a decisão. Importa, naturalmente, que a decisão ou parte dela seja ininteligível. Refere Fernando Amâncio Ferreira que, na definição de Liebman, constitui um “erro ‘na expressão’, não no pensamento”. Segundo este autor, para se afirmar a existência de um erro material, “a leitura da sentença deve tomar evidente que o juiz, ao manifestar o seu pensamento, usou nomes, palavras ou algarismos diversos daqueles que devia ter usado para exprimir fiel e correctamente as ideias que tinha em mente” -in Manual dos Recurso em Processo Civil, 8.ª edição, Coimbra, 2008, p. 48
Excesso de pronúncia existe quando a decisão (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil), “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, o que constitui cominação à violação do limite imposto na segunda parte do n.º 2 do artigo 608.º, do mesmo Código, de acordo com o qual o tribunal “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficiosos de outras”.
Importa ter presente, como proclamou o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 04-04-2017, Incidente n.º 1260/07.1TBLLE.E1.S1 - Cons.º Alexandre Reis (Rel), I - As causas de nulidade da decisão elencadas no art. 615.º do CPC visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o erro de julgamento, não estando subjacentes às mesmas quaisquer razões de fundo, motivo pelo qual a sua arguição não deve ser acolhida quando se sustente na mera discordância em relação ao decidido. II - A expressão “questões” prende-se com as pretensões submetidas à apreciação judicial e não se confunde com razões aduzidas pelas partes ou os argumentos e pressupostos em que as mesmas fundam a sua posição na controvérsia".
Para o A., há obscuridade da decisão de facto basicamente porque não a compreendeu, face à prova produzida. Porém, é bom de ver que não há aqui qualquer nulidade, simplesmente o recorrente não se revê na decisão, que a seu ver devia ser outra. Isto não equivale a um vício no silogismo e nem consubstancia nenhuma obscuridade, até porque a decisão é perfeitamente clara: se não está de acordo pode impugnar a decisão de facto - como faz -, o que é diverso; não há, porém, nenhum vicio lógico-formal, pelo que inexiste o vicio.
Por outro lado, o A. atribui nulidade por a decisão ter em conta um facto a seu ver mal apurado. Só que, mais uma vez, os factos impugnam-se diretamente e não por via do pretenso vício de raciocínio, que não existe: pode é haver, segundo a própria descrição do recorrente, uma premissa errada a partir da qual o raciocínio, apesar de lógico, queda inquinado (e que assim é resulta indubitavelmente da sentença, quando afirma, na fundamentação de facto: "(...) estamos a falar de 27 créditos (é o A. que os quantifica no email que troca com a sua colega, não é um numero que inventemos)"). Mais ainda: “questões” são as pretensões submetidas à apreciação judicial, não se confundindo com argumentos, razões e pressupostos, e menos ainda com factos, em que as partes estribam a sua posição na controvérsia. Questão para a sentença é, por. exemplo, saber se houve assédio moral; não o facto de ter mais ou menos créditos.
Improcedem, pois, as arguidas nulidades.
*
2. A matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal da Relação nas situações contempladas no n.º 1 do art.º 662º do CPC: se os factos tidos por assentes ou a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (art.º 607.º, n.º 5, do CPC), segundo o qual “O juiz (…) aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)”[1]. Ou seja, ao juiz cabe apreciar livremente as provas, sem constrangimentos nomeadamente quanto à natureza das provas, decidindo de harmonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido.
O controlo da matéria de facto, nomeadamente com base na documentação (mormente na gravação), dos depoimentos prestados em audiência, está vinculado à observância dos princípios fundamentais do processo civil, entre os quais, além do próprio principio da livre apreciação das provas[2], o da imediação[3].
É na 1ª instância que, por natureza, se concretizam os aludidos princípios[4], estando, pois, em melhores condições de apreciar os depoimentos prestados em audiência, atento o imediatismo, impossível de obter na análise da matéria de facto na Relação, por ser quem conduz a audiência de julgamento e quem interage com a produção da prova e capta pormenores, reações, hesitações, expressões e gestos, enfim os símbolos impossíveis de detetar em simples gravações[5].
O artigo 640 CPC estabelece os ónus que impendem sobre quem recorre da decisão de facto, sob pena de rejeição do recurso (art.º 640/1 e 2/a):
- especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados (nº 1, alínea a);
- especificar quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida (nº 1, alínea b);
- a decisão que, no seu entender, deve ser tomada sobre as questões de facto impugnadas (n.º 1, al. c).
*
Os ónus contidos no art.º 640/1 e 2, do CPC, têm por fim tornar inteligível a impugnação e facilitar o entendimento da perspetiva do recorrente à contraparte e ao Tribunal ad quem. Neste sentido escreve Abrantes Geraldes que “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor (…). Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação inconsequente de inconformismo” (cfr. Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2007, 142-143; Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, 129).
*
Defende o recorrente que:
a) Devem ser julgados provados os factos das alíneas SS e TT dos factos não provados;
b) Devem ser corrigidos os factos provados 2 e 3;
c) Devem julgar-se não provados os factos provados 37, 38, 39 e 40.
Nas conclusões o A. refere-se, ainda à factualidade contida nas al. JJ, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, com a pretensão de ser aditada.
Porém, nas alegações nada diz a este respeito, e, sendo as conclusões o conjunto de premissas que sintetizam as alegações, não pode ampliar o objeto do recurso nas ditas conclusões (sendo certo que também não cumpriria aí os ónus impostos pelo art.º 640 do CPC). Existe, nesse caso, extemporaneidade na pretensão do recorrente. Razão porque se tem por delimitado o recurso àquelas al. SS e TT.
Vejamos.
I. N.º 2 e 3 dos factos dados por provados
O A. pretende o aditamento de um facto relativamente ao vencimento de Junho de 2007, a que se refere o n.º 2, e o aditamento de um n.º com o conteúdo do n.º 2, mas por referencia ao mês de julho.
A R. defende que houve um lapso de escrita e que na realidade o n.º 2 refere-se a julho, devendo ser retificado.
Há assim acordo de que a matéria descrita em 2 se refere a julho e não a junho. Por outro lado, os documentos comprovam-no (documento de fls. 34 vº, com a pi), pelo que, ao abrigo do disposto no art.º 614/3, do CPC, retifica-se o seu teor, que passará a reportar-se a julho (inserindo-se a cheio nos factos provados).
Quanto ao aditamento pretendido relativamente ao mês de junho, não se vislumbra relevância para a decisão final, até porque o seu valor global é o mesmo, pelo que está vedado o seu conhecimento, ao abrigo do principio da limitação dos atos (art.º 130 do CPC).
(…)
Altera-se assim o n.º 3 dos factos assentes, para constar 10 meses onde está 13.
*
(…)
Em suma: alteram-se as respostas em 2 e 3, nos termos acima determinados, que se inserem nos factos provados a cheio; no resto, mantêm-se as respostas dadas.
*
É esta a factualidade provada nos autos (inserindo-se a cheio as alterações ora efetuadas):
1. O A. foi contratado em 25 de Outubro de 1999, para exercer as funções de Administrativo.
2. Em Julho de 2007, o A. auferia:
- 912,00 €, a título de retribuição ACT;
- 207,50 €, a título de complemento de mérito art. 44;
- 8,59 €/dia, a título de subsídio de almoço;
- 54,32 €, a título de diuturnidades/anuidades al. a).
3. A 12 de Setembro de 2013 o A. entrou de baixa médica, tendo estado a receber o vencimento por inteiro durante dez meses.
4. Nos seus últimos cinco anos no activo, o A. prestou funções, nomeadamente nos balcões de (…), sendo estes onde permaneceu por mais tempo.
5. Durante os anos indicados, o A. esteve, por diversas vezes, a substituir colegas, por períodos mais ou menos longos, em outros balcões como: (…), onde acabou por ficar afecto.
6. O que chegou a trabalhar num mesmo dia em dois balcões, designadamente num dia em que começou trabalhar no balcão do (…) e, a meio do dia, foi levado de carro pelo Director Regional Lisboa-Ocidental, (…), para o balcão de (…)e, onde terminou o dia.
7. O que implica duas aberturas e dois fechos de caixa física e informaticamente.
8. Os avisos prévios de mudança de balcão, regra geral, eram feitos de véspera, podendo também ocorrer no próprio dia, o que importava também uma alteração das suas rotinas.
9. O A. optou por nunca deixar qualquer colega sozinho, desde logo por tal consubstanciar violação das regras de segurança.
10. Os superiores hierárquicos do A., por vezes, declaravam que “fins-de-semana eram oportunidades de venda”.
11. As vendas dos trabalhadores da R., incluindo as do A., eram constantemente monitorizadas e incentivadas, pois delas dependia a sobrevivência da R., enquanto entidade comercial.
12. Tendo em conta esta premissa, era exercida uma pressão diária pelas chefias directas e indirectas, para concretizar vendas no sentido se serem cumpridos os objectivos propostos.
13. Todos os trabalhadores, entre os quais o A., estavam obrigados a reportar diariamente por e-mail ao director regional, …, com conhecimento da gerência, todas as vendas efectuadas no próprio dia.
14. Caso estas não acontecessem, deviam realizar, ainda assim, aquele reporte, informando que tinha feito zero vendas ou que não apresentava vendas.
15. Em certa ocasião, durante uma reunião de todos os colaboradores daquela Direcção, a propósito da falta de resultados apresentados, o A. foi chamado a descrever tudo o que fazia durante o dia e quanto tempo demorava em cada tarefa, com o intuito de entender/explicar essas práticas e permitir confrontar com outras experiências de outros colaboradores que ali também se encontravam em ordem a apresentar propostas de alteração de comportamentos face aos resultados que esses outros comportamentos/práticas permitiram alcançar.
16. Estando o A. destacado no balcão do Rato, fazendo a ausência de um colega, dirigiu-se ao balcão o Sr. … que ocupava na altura um cargo na Direcção da (…). (pertencente ao grupo do …), acompanhado pela sua secretária para depositar um cheque numa conta à ordem.
17. O A. achou estranha a sua vinda ao balcão com essa finalidade e o facto de ter perguntado, de imediato, por um gerente em específico (que não se encontrava no balcão).
18. O A. observou que o cheque não estava passado de forma a ser depositado na conta pretendida e, sendo sempre os depósitos da responsabilidade do operador, informou-o que de momento não era possível efectuar o depósito, mas que o mesmo seria efectuado assim que possível, tendo preenchido manualmente um talão de depósito, que lhe entregou e que o referido Sr. rubricou.
19. O cheque em si, era passível de depositar na conta solicitada, mas mediante autorização escrita pelo balcão gestor da conta desse mesmo cheque, o que o A. fez, pedindo autorização por e-mail (ao balcão gestor da conta do cheque).
20. O que aconteceu daqui para a frente foi uma escalada do pedido, superiormente, em que ninguém se quis responsabilizar pela autorização do depósito do mesmo, pelo menos até à altura do fecho do balcão.
21. Com o aproximar do final do dia e fecho de caixa e compensação de cheques, efectuou-se uma chamada para o referido director a informar que o balcão gestor do cheque não tinha autorizado o movimento e que o mesmo iria permanecer guardado no balcão até futura decisão.
22. No decurso deste telefonema, aquele Director declarou que o cheque deveria ser depositado por sua ordem, acrescentando “eu ainda mando alguma coisa nesta casa”.
23. O A. recusou a fazer aquela operação no seu posto de trabalho sem autorização do responsável competente, que, neste caso, não se encontrava, uma vez que o balcão da Rua do Ouro não autorizou a transacção.
24. O A. sentiu profundo stress e receio.
25. O A. passou o fim de semana inteiro angustiado com a pressão que, na sua ideia, iria sofrer na segunda-feira seguinte.
26. Devido à morte da sua avó, o A. não compareceu nesse dia, altura em que, com autorização superior, o dito cheque foi depositado.
27. Em momento algum, o A. comprometeu ou deixou transparecer o seu estado na execução das tarefas que lhe competiam.
28. Estando já de baixa, e perante a sua situação financeira, foi aconselhado por colegas a procurar ajuda na assistência social do Montepio.
29. O objectivo era obter auxílio no pagamento dos empréstimos, ajuda que podia ser dada pelo aumento do prazo dos contratos, redução de spred, ou carência de pagamento das prestações.
30. O A. reuniu com a assistente social do …
31. A situação de baixa do A. foi contínua, sem qualquer interrupção, sendo que, por esta altura, o A. entregava o respectivo comprovativo no balcão onde estava afecto.
32. Numa dessas ocasiões, a sua então Gerente (…), mostrou ao A. um e-mail do, também então, director regional Lisboa-Ocidental, a solicitar que se pronunciasse sobre a eventual retirada do seu complemento de mérito, uma vez que decorridos os primeiros trinta dias de baixa contínua, este seria o procedimento normal na instituição.
33. A resposta da citada gerente foi que o complemento não deveria ser retirado, uma vez que o trabalhador não apresentava quaisquer motivos ou razões para semelhante penalização.
34. Entretanto, houve uma alteração na gerência do balcão, passando a mesma a estar acometida ao Senhor (…).
35. A 17 de Junho de 2014, o A. participou numa reunião com (…) (gerente do balcão) e (…) (segundo responsável).
36. Tal reunião foi solicitada por (…), novo gerente do balcão de Campolide, ao qual o A. estava afecto.
37. Aquela reunião, visava averiguar junto do A. se o mesmo tinha perspectivas de regressar ao serviço, para que o gerente pudesse solicitar à hierarquia a actualização dos quadros de pessoal do balcão, face a uma resposta negativa; nessa reunião, falou-se, ainda, a título informal do pedido de empréstimo requerido pelo A., com vista à consolidação das suas dívidas, atenta a urgência do A. na resolução desta questão e o tempo decorrido desde a sua apresentação.
38. No decurso daquela reunião, o A. aproveitou para desabafar acerca das questões da sua vida e que se prendiam, também, com a sua situação de doença.
39. Para motivar o A. e evidenciar o carácter terapêutico de uma ocupação, tendo em consideração o tempo já decorrido, foi avançada por (…), à laia de sugestão, a hipótese de aquele “voltar ao posto de trabalho, nem que fosse por dois dias, e que se não se sentisse bem, poderia voltar à situação de baixa”.
40. O A. apresentava-se muito ansioso e preocupado com o estado das suas finanças.
41. Mais tarde, quando estava com um amigo, com quem tinha combinado um encontro, o A. sentiu-se mal e teve que ser socorrido pelo INEM em plena via pública.
42. Foi levado para o Hospital de São José pelo INEM no dia 17 de Junho, tendo sido transferido para o serviço de urgências do Hospital do SAMS nos Olivais.
43. A 27 de Junho de 2014, o A. recebeu uma carta registada com aviso de recepção, com uma Convocação para Verificação Médica (em anexo), a realizar no dia 10 de Julho de 2014, no consultório do médico consultor do Montepio, o Sr. Dr. (…)
44. Esta convocatória foi assinada pelo Dr. (…), em nome da Direcção de Recursos Humanos do ….
45. O parecer médico do Dr. (…) foi que se “deve manter a baixa” e “do ponto de vista da sintomatologia apresentada, confirma-se o diagnóstico e a situação de incapacidade”.
46. Este parecer foi reportado à instituição.
47. Como o A. não se encontrava ainda em condições de o fazer, manteve-se de baixa, pelo que, logo em Julho de 2014, não lhe foi processado o complemento de “mérito”, no montante de 207,40 €, mas apenas a remuneração ACT no valor de 1.014,46 €.
48. Em Outubro de 2014, foi pago ao A. a remuneração ACT no valor de 808,44 € e, em Novembro, foi paga a remuneração ACT no valor de 736,78 €.
49. Todas estas reduções não foram precedidas de quaisquer explicações ao A.
50. Por não ter percebido o porquê das reduções, no dia 10 de Novembro de 2014, o A. remeteu um email ao DRH- Processamento, visando obter esclarecimentos sobre as mesmas.
51. Dando origem a uma troca de emails, no âmbito da qual apenas algumas das questões colocadas pelo A. vieram a ser respondidas.
52. Do mesmo modo não foi esclarecida a questão da aplicação do art.º 44º da Circular 1234, segundo a qual a retirada de tal complemento está sujeita a uma apreciação casuística e dos critérios que teriam estado na base da decisão relativamente ao A.
53. Perante tais reduções e sem ter qualquer explicação bastante para o efeito, o A. solicitou os correspondentes esclarecimentos, designadamente, através da Comissão de Trabalhadores e do Sindicato Sul e Ilhas, os quais interpelaram sucessivamente o Departamento de Recursos Humanos da Ré.
54. Ainda assim o A. não se sentiu esclarecido.
55. Em Janeiro de 2015, o A. foi destinatário de um email do DRH, na pessoa do Dr. (…), a informá-lo de que a quantia respeitante ao complemento iria ser reposta, com retroactivos, o que veio a ser suceder.
56. Meras horas volvidas, o A. foi de novo destinatário de outro email, do mesmo Director, desta feita informando-o de que a quantia lhe iria ser restituída mas “dentro do respectivo enquadramento”.
57. Nada mais acrescentando ou explicitando, o que acarretou que o A. ficasse na expectativa do que tal poderia pretender significar.
58. A Ré começou a pagar ao A. 170,70 €.
59. A ausência de respostas ou de esclarecimento importaram um aumento constante da sua frustração e do sentimento de revolta.
60. A 13 de Outubro de 2016, o A. foi destinatário de uma carta registada, informando o que a Ré considerava ser a sua retribuição, excluindo-se da enumeração o complemento por mérito.
61. Dada a dificuldade de compreender o apuramento de tal valor, o A. recorreu à Comissão de Trabalhadores para obter esclarecimentos, a qual, por seu turno, insistiu junto do DRH.
62. Paralelamente a estas situações relacionadas com o vencimento, esteve também a decorrer um pedido de crédito individual no balcão de Linda-a-Velha.
63. Este pedido foi solicitado para consolidação de empréstimos, liquidação de um cartão de crédito do …, estando ainda na altura a exercer as suas funções no balcão.
64. Enquanto cliente e trabalhador da Ré, o A. nunca esteve em situação de incumprimento face às responsabilidades por si assumidas, o que só foi possível devido à ajuda financeira de familiares.
65. Resultou de uma situação assumida de sobre-endividamento.
66. Para resolver esta situação de forma rápida e discreta, recorreu aos responsáveis mais próximos de si na altura, expondo a sua real situação e propondo uma garantia real para o mútuo, mais concretamente um imóvel, pertencente aos seus pais, com valor muito superior ao pedido do empréstimo.
67. Em condições normais, um processo em que se pede um empréstimo de 25.000,00 €, com garantias bancárias, poderia levar, até à sua aprovação, entre mês e meio a dois meses para estar concluído; porém, tudo depende das condições concretas de cada processo, não sendo raro que, nalguns casos, o processo de empréstimo, face às suas vicissitudes intrínsecas demore mais tempo.
68. Foi exigido ao A. fiadores.
69. A concessão do empréstimo foi aprovada em Abril de 2014.
70. No dia da escritura (8 de Maio de 2014), após a mesma, dirigiu-se ao balcão de Linda-a-Velha, já com novo gerente, (…), para assinar as liquidações dos empréstimos que faziam parte da consolidação, bem como o pagamento e liquidação do cartão de crédito, entre outras formalidades.
71. Foi informado, então, que teria de fazer uma amortização no valor de 5.500€, acrescida de uma penalização de 0,5% por amortização antecipada, amortização esta que o A. se recusou a fazer.
72. Já que, durante todo o processo, nunca foi informado desta condição por via alguma.
73. Perante a sua recusa de amortização, o balcão de Linda-a-Velha procedeu à cativação do montante (5.500€) na conta à ordem durante três meses.
74. Situação que só foi desbloqueada pela emissão de uma confissão de dívida aos seus familiares, que o ajudaram durante os nove meses de espera para a concretização do empréstimo, não sendo a verba utilizada para obras.
75. O desbloqueio dos 5.500,00 € da conta à ordem veio a acontecer em Agosto de 2014, com esta solução formal por si apresentada.
76. Na Ré vigorava então uma “tabela salarial interna”, prevista no artigo 44.º da Circular n.º ...
77. As situações de mudança de balcão inserem-se na dinâmica de gestão comercial, para fazer face a algum constrangimento de última hora (ausência não programada de trabalhadores, reuniões, tarefa agendada fora do balcão, etc).
78. Os fechos de caixa são processos expeditos.
79. Os ambientes de trabalho são idênticos em qualquer unidade comercial, com o mesmo grau de exigência, idênticos meios e ferramentas, tipologia de tarefas.
80. A atividade de manuseamento de valores confere o direito ao pagamento de abono para falhas, e nos casos em que este não tenha sido atempadamente assegurado, por razões logísticas e administrativas, essas falhas são cobertas pela Ré, desde que não resultem de manifesta negligência ou dolo.
81. Ao Autor cabia sempre a decisão de manifestar a sua oposição, que seria tida em consideração caso fosse apresentada, que não foi.
82. A Ré nunca instruiu o Autor ou qualquer outro seu trabalhador para a realização de ações comerciais durante os fins de semana.
83. A Ré transmite recomendações no sentido em que os trabalhadores devem procurar manter-se atualizados, investindo em formação, quer nas iniciativas proporcionadas pela Instituição, quer em autodesenvolvimento, sendo a atualização de conhecimentos crucial para o seu desempenho, valorização e carreira, em face das exigências da função, dos reguladores, da concorrência, situações que são aplicáveis em qualquer contexto da atividade bancária.
84. Integra os processos de gestão de qualquer atividade sujeita a apresentação de resultados, o seu regular acompanhamento, seja mais automatizado, seja por meios mais tradicionais, na ausência daqueles.
85. O reporte mencionado em 13), tinha inclusive tratamento estatístico, para efeitos de Marketing e processos organizativos e/ou formativos, a resposta era um requisito formal.
86. Na circunstância mencionada em ) pretendia-se apenas analisar os processos de trabalho, rotinas, no sentido de melhorar os níveis de resposta.
87. No plano da Direção, existia, para efeitos de gestão interna e motivacionais, um ranking informal, por segmento funcional, que abarcava os assistentes/administrativos, como era o caso do Autor.
88. O Autor gozou o período de nojo nos dias 22 e 23 de Agosto de 2011.
89. A reunião com a assistente social é de carácter reservado.
90. Dispõe o artigo 44.º da Circular 1243, sob a epígrafe “Remuneração e Complemento” que:
“n.º 1 – A retribuição do trabalhador consta do Anexo e é passível de actualização anual, sendo composta pela remuneração fixada por cada nível no ACTV para o sector Bancário, acrescida de um complemento, atribuído a título de mérito, de montante variável em função do correspondente nível.
n.º 2 – A atribuição do complemento previsto no número anterior será deliberada pelo C.A., a título casuístico e precário, podendo ser suprimida nas situações especiais previstas no número seguinte.
n.º 3 – Sem prejuízo de uma apreciação casuística, será suprimida do correspondente complemento previsto neste artigo:
a) Aos trabalhadores em situação de impedimento prolongado subsumível no regime de suspensão do contrato de trabalho, que não seja motivado por faltas previstas no n.º 4 do artigo 54º, passando estes a auferir de acordo com a valoração percentual actualmente fixada no Anexo V do ACTV, com incidência sobre a respectiva remuneração;
b) Aos trabalhadores com sanção disciplinar e repreensão verbal.
n.º 4 – Decorrido um ano sobre o cumprimento da sanção superior à repreensão verbal, ao trabalhador poderá ser atribuído aquele complemento mediante proposta subscrita pelo respectivo Director, a qual será objecto de informação do Director do D.R.H.
n.º 5 – Sem prejuízo duma apreciação casuística, poderá ser atribuído o complemento referido no n.º 1 aos trabalhadores que cessem o impedimento prolongado.”
91. A verificação médica mencionada em 15), é um processo normal levado a cabo pela DRH, no âmbito da sua actividade, uma vez que em face da especificidade do sistema de segurança social, esta não realiza esta atividade para os bancários oriundos do ex-…, como é o caso do Autor.
92. Em Outubro de 2014, o A. auferia a sua retribuição por referência ao nível mínimo do grupo (4) seu nível de admissão.
93. Os valores do complemento de mérito constam de tabela que é de aplicação generalizada.
94. As exigências feitas ao Autor são exigências normais, acrescendo que parte do empréstimo visava consolidar responsabilidades contraídas junto de OIC (outra instituição de crédito), envolvendo outras exigências e garantias.
95. A aplicação de parte do crédito na amortização de dívida, com cativação, trata-se de procedimento em regra observado, uma vez que a finalidade seria unicamente a regularização de responsabilidades e não a libertação de verba adicional além da necessária para aqueles fins.
96. O despacho do Diretor Comercial foi no sentido do empréstimo se destinar unicamente à regularização de responsabilidades, na Ré e OIC, tendo sido essa a prioridade.
97. Desse modo, a intenção era canalizar os 5.500,00 euros remanescentes para amortização de dívida de empréstimo.
98. Só após o Autor ter apresentado a confissão de dívida o assunto ficou ultrapassado.
99. Muitos processos, por vicissitudes várias, são morosos ou até recusados, certo sendo que a Ré poderia ter recusado o empréstimo ao Autor, e não o fez.
100. O A. padece de depressão major grave, com ideação suicida persistente.
*
Foram dados como factos não provados:
A. Em Junho de 2007, o A. auferia:
a) € 1221,00, a título de retribuição base mensal ilíquida;
b) € 9,03, por cada dia útil de trabalho, a título de subsídio de alimentação;
c) € 207,60, a título de complemento de mérito;
d) € 114,24, a título de diuturnidades.
B. Na circunstância mencionada em 6) o A. chegou a trabalhar ao mesmo tempo em dois balcões: balcão do Rato e balcão de Campolide.
C. Do ponto de vista profissional, o alocar os trabalhadores a outros balcões é uma situação altamente irregular, sendo os erros, as falhas de caixa e as falhas operativas imputadas ao próprio trabalhador, que no caso de não conseguir descobrir/resolvê-las, tem a obrigatoriedade de as comunicar, no próprio dia, à auditoria.
D. Esta precariedade de condições laborais aumentavam o risco de erro, sendo muitas vezes a memória e a reconstituição do dia a maior ferramenta que se tem para detectar ou encontrar o erro.
E. Importavam uma ainda maior pressão para o A., que tinha de estar particularmente atento e adaptar-se a mudanças bruscas.
F. Impedindo-o de ganhar rotinas e, até, de estabelecer relações de maior empatia com colegas e clientes.
G. A circunstância mencionada em 8) interferia no descanso do A.
H. Aconteceram outras situações tais como o volume trabalho e atendimento ao público ter acarretado que as horas de almoço fossem muitas vezes suprimidas/ignoradas ou excessivamente tardias, ocorrendo frequentemente após o encerramento do balcão ao público.
I. Enquanto trabalhador do balcão do Restelo, houve um momento em que o A. se encontrava sozinho no balcão e foi ameaçado fisicamente por um cliente.
J. O cliente em questão não pertencia à instituição, sendo um utilizador da ATM da SIBS, colocada no balcão.
L. Foi necessário efectuar uma chamada para …, gerente à data, bem como do balcão do Alto de Santo Amaro-Alcântara (uma vez que acumulava a gerência dos dois balcões), através da qual reportou a situação, à qual ela ocorreu com sua vinda para o balcão do Restelo.
M. Ainda assim e depois disso, foram muitas as vezes que o A. ficou sozinho no balcão à hora de almoço, coincidindo sempre com um elemento de férias ou ausente por outros motivos, não estando a gerência disponível.
N. Por força de tal excesso de trabalho, o comportamento do A., mencionado em 9), era contrário do que era feito consigo, pelos seus colegas.
O. Determinando que almoçasse sempre na copa do balcão, com a porta entreaberta, caso fosse necessário algum tipo de intervenção durante esses mesmos períodos ou testemunhar alguma situação, por uma questão de segurança, tanto para quem trabalha, como para o cliente.
P. Isto deveu-se, mais uma vez, vez ao défice de recursos humanos e ao aproveitamento abusivo da instituição, que sempre que detectava e reconhecia no trabalhador empenho, responsabilidade e profissionalismo, manipulava a seu favor estas qualidades e imputava-lhe uma responsabilidade sobre-humana da sua “importância e relevância na equipa e instituição, bem como espírito de sacrifício ao vestir a camisola”, apelando à “boa consciência do colaborador”.
Q. Os avisos e ameaças constantes da crise financeira das instituições também serviam como argumento para obrigar o A. a dar tudo o que tinha de si em detrimento da sua saúde física e mental, bem como da sua vida pessoal.
R. Esta conduta provocou ao A. uma ruptura por esgotamento mental e físico, sendo esta permanente pressão difícil de ignorar no dia-a-dia pela sua frequência e duração no tempo.
S. O ambiente que se vivia na instituição era de medo propositadamente induzido, com afirmações do género “temos de nos actualizar senão ficamos para trás” ou “se não há vendas, pode não haver dinheirinho para o ordenado”.
T. A circunstância mencionada em 11) colocava os trabalhadores numa situação de permanente pressão e de angústia pelas ameaças reiteradas à subsistência do seu posto de trabalho.
U. O argumento real de que imprevistos inerentes às tarefas de quem trabalha com o público (e máquinas), quer presencial, quer telefonicamente ou por outro meio, coloca a gestão do tempo imprevisível, mesmo com um grande controlo pessoal, que nem sempre depende do próprio, não era aceite.
V. Era colocada, também ao A., uma pressão inexorável para obter resultados, para mais num ambiente stressante e com escassos recursos, não desconhecendo a Ré que o A. se encontrava já em estado de exaustão e de grande nervosismo.
X. Tendo em conta a realidade do excesso de trabalho nos balcões naquela altura, trabalhavam todos num grande estado de esgotamento.
Z. Quando a crise chegou a Portugal, e com esta a insolvência de muitas famílias e empresas, com as quais o A. tinha que lidar, ao mesmo tempo que era pressionado para executar vendas, essa pressão aumentou.
AA. À altura da sua entrada em situação de baixa, encontrava-se no sétimo lugar no ranking de vendas.
BB. Ainda estando ao serviço, foi acompanhado, por pouco tempo, pela psicóloga do …, a quem relatou as situações laborais vividas e a quem informou sobre o seu estado de saúde.
CC. Existia um histórico de colegas com situações financeiras complicadas, que obtiveram por este meio ajuda de forma simples e rápida, sendo que, na altura, se dizia que este posto de assistência social reportava directamente à administração e daí a sua celeridade na resolução dos casos.
DD. O mesmo não aconteceu com o A., tendo reunido com a assistente social, por várias horas, a quem contou a sua história.
EE. No final da conversa, completamente exausto por reviver as situações pelas quais passou, foi-lhe perguntado, “O que é que eu posso fazer por si?”
FF. O A. respondeu que pretendia ajuda no pagamento das suas responsabilidades com o banco, da forma já acima descrita, e já antes prestada a outros colaboradores.
GG. A resposta da assistente social foi simples e clara – “Lamento, mas de momento não posso fazer nada por si”.
HH. O A. saiu de lá atónito, surpreendido e a sentir-se enganado, já que a mesma poderia ter evitado o desgaste físico e mental que o A. teve ao reviver todos os momentos que o levaram à baixa, acaso tivesse sido directa desde o início, ou podia tê-lo feito, pelo menos, ainda na fase da marcação da reunião, agendada com antecedência.
II. A resposta mencionada em 33) surgiu no seguimento do empenho, esforço, dedicação e conduta exemplar até aí demonstrados.
JJ. Na reunião mencionada em 35) foi informado ao A. que, acaso não voltasse ao trabalho de imediato, iria sofrer as “consequências”.
LL. Na mesma esteve, para além de … e do A., …, sendo que a mesma durou, pelo menos, duas horas, em que foi dito ao A. que “não tinha qualquer problema de saúde, pelo que deveria regressar”.
MM. Depois que “a medicação não fazia qualquer efeito e não servia para nada”.
NN. Afirmações que o A. foi recusando, pelo que o citado superior hierárquico acabou por dizer que, caso não voltasse, “o caso passaria para as mãos da DRH e que esta não seria meiguinha a tratar do caso e que iria, portanto, sofrer as consequências”.
OO. Desta reunião resultou o colapso físico e mental do A.
PP. No mesmo mês de Julho de 2014, foi convocado para uma Junta Médica.
QQ. Na mesma altura, outros colegas em igualdade de circunstâncias, não teriam visto o complemento retirado.
RR. O qual invocou, então, uma alegada tabela, por todos desconhecida e cuja aplicação se admite que tenha sido exclusiva ao A.
SS. Através daquela carta, A. tomou conhecimento de que estaria iminente a aprovação de novos estatutos e que iriam determinar que todos os trabalhadores que tivessem o complemento de mérito patente no seu vencimento não poderiam perdê-lo, sendo que veio a obter a informação de que teriam mesmo sido aprovados.
TT. Justamente por saber que tal instrumento iria entrar em vigor, a Ré tratou de retirar o dito complemento ao A., visando que a previsão não se lhe aplicasse.
UU. O pedido de empréstimo mencionando em 63) visava a atribuição de uma verba destinada a obras necessárias no seu domicílio.
VV. O sobre-endividamento mencionado em 65) teve a sua origem num estado de burnout e depressão, causada por exaustão decorrente das condições laborais supra-descritas, o que o fez perder o controlo da situação financeira.
XX. Antes do desbloqueio da verba mencionado em 75), o A. recebeu uma chamada no seu telemóvel pessoal, pela primeira vez, do director regional Lisboa-Ocidental, …, a dissuadi-lo de levar a cabo o desbloqueio da verba e acatar a amortização.
ZZ. O A. argumentou que não tinha sido informado dessa condição, ao lhe foi respondido que, nesse caso, a questão teria de ser averiguada, podendo resultar desta averiguação um processo disciplinar a todos os colegas do balcão de Linda-a-Velha envolvidos no processo.
AAA. Questionou-o ainda “se era isso que pretendia que acontecesse aos colegas”, afirmando também que era “um mau colega” caso insistisse.
BBB. A conversa terminou com uma subida de tom voz, face à recusa do A. em acatar a sua vontade.
CCC. Mais perto da data da realização da escritura, um colega, que lhe pediu anonimato e que desconhecia até então o pedido de empréstimo, teve conhecimento do mesmo e afirmou que, “sabia de fonte segura que enquanto não voltasse ao trabalho a escritura não se iria marcar”.
DDD. No dia anterior a esta conversa, o A. conseguira efectivar a data da escritura após uma troca de e-mails mais acesa com as áreas competentes, o que lhe importou, de novo, uma incomensurável pressão e desgaste.
EEE. Toda a pressão, incluindo nos momentos em que esteve a laborar, com a imposição de um ritmo elevado e uma permanente alteração de qualquer rotina, a que esteve sujeito determinou que o A. ficasse acometido de uma depressão major grave, com ideação suicida persistente.
*
De Direito
Insurge-se o A argumentando designadamente que o complemento de mérito não é um prémio mas uma retribuição, que todos recebiam independentemente dos objetivos conseguidos ou dos méritos demonstrados, e que hoje, tendo acabado, nenhum trabalhador admitido após 2011 o aufere. Logo não lhe podia ter sido retirado, por estar abrangido pelo principio da irredutibilidade da retribuição.
Objeta a R. que tal questão está ultrapassada porquanto a R. repôs ao A. aquela prestação (cfr. facto provado 55) e que, de todo o modo, era uma mera prestação casuística e precária, que podia ser suprimida designadamente nas situações de impedimento prolongado (art.º 44 da circular 1243 e facto provado 90), conforme o Supremo Tribunal de Justiça reconheceu nos acórdãos de 02.04.2008 e 01.06.2017.
Vejamos. Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador (art.º 258/3, Código do Trabalho).
Do disposto neste artigo, conjugado com o disposto no art.º 260, resulta que nem todas as prestações têm carater de retributivo, mas apenas aquelas que se revestem de regularidade e periodicidade, patrimonialidade, obrigatoriedade para o empregador e correspetividade quanto à prestação de trabalho (convergindo, cfr. Diogo Marecos, Código do Trabalho Anotado, 13ª ed., 642, nota IV).
No caso, relevam os preceitos do Estatuto dos Trabalhadores da Caixa Económica Montepio Geral, que a sentença recorrida cita e indica (e juntos na parte relevante a fls. 450/452, além do art.º 44 ter sido reproduzido no ponto 90 da factualidade assente):
"No Ac. do S.T.J., de 02/04/2008 (Rlt Cons. Dr. Pinto Hespanhol) foi efetuada uma análise das regras de atribuição dos suplementos remuneratórios fixados no Estatuto dos Trabalhadores da R. que, pela sua proficiência, aqui reproduzimos, com vénia, pois qualquer acrescento seria acto de mera estultícia, da nossa parte:
«O sobredito Estatuto é de qualificar como um regulamento interno de empresa, relevando nos termos do disposto no artigo 153.º do Código do Trabalho e, anteriormente, no artigo 39.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT).
Segundo o artigo 44.º daquele Estatuto, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar adiante, sem menção da origem, “a retribuição do trabalhador consta do Anexo V e é passível de atualização anual, sendo composta pela remuneração fixada por cada nível no ACTV para o sector Bancário, acrescida de um complemento, atribuído a título de mérito, de montante variável em função do correspondente nível” (n.º 1), sendo a atribuição do dito complemento “deliberada pelo C.A., a título casuístico e precário, podendo ser suprimida nas situações especiais previstas no número seguinte” (n.º 2).
E, no que aqui importa, a alínea a) do n.º 3 do mesmo artigo 44.º dispõe que, “sem prejuízo de uma apreciação casuística, será suprimida a atribuição do correspondente complemento de mérito previsto neste artigo”, “aos trabalhadores em situação de impedimento prolongado subsumível no regime de suspensão do contrato de trabalho, que não seja motivado por faltas previstas no n.º 4 do artigo 54.º, passando estes a auferir de acordo com a valoração percentual atualmente fixada no Anexo V do ACTV, com incidência sobre a respetiva remuneração”.
Por seu turno, o n.º 1 do artigo 47.º refere que são considerados benefícios de mérito, “cuja atribuição depende da avaliação profissional, do nível de responsabilidade de função, da participação nos objetivos globais e da dedicação à Instituição”, entre outros, a gratificação de balanço [alínea a)] e a remuneração complementar [alínea e)], e o artigo 48.º estipula que “aos trabalhadores da CEBB será atribuída uma gratificação de balanço em função dos resultados anuais obtidos, quando estes atinjam, pelo menos, os valores orçamentados”.
Em derradeiro termo, o artigo 54.º apresenta a seguinte redação:
“Artigo 54.º
(Regras gerais de aplicação de benefícios)
1 – Todos os benefícios de mérito previstos neste Estatuto serão atribuídos a título precário, podendo ser retirados logo que cessem os motivos que determinaram a sua atribuição.
2 – Os benefícios atribuídos a trabalhadores em razão da sua categoria profissional ou função só se aplicam se e enquanto o trabalhador se encontrar no exercício efetivo das correspondentes funções.
3 – A atribuição de benefícios decorrentes da função para que o trabalhador tenha sido nomeado será feita à data do início na função.
4 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, os benefícios fixados em quantitativos anuais apenas serão pagos proporcionalmente ao número de meses prestados na função, situação que se aplica igualmente nos casos de cessação do contrato de trabalho. Para o efeito não se consideram as faltas dadas por motivos de:
a) Acidentes de trabalho;
b) Maternidade / Paternidade;
c) Internamento hospitalar, bem como os períodos anteriores e posteriores diretamente correlacionados com o mesmo;
d) Exercício de funções sindicais, nos SAMS, na CT ou nos Serviços Sociais;
e) Estudo e exames de trabalhadores, nos termos do ACTV.
5 – O acesso aos benefícios previstos nos termos deste Estatuto depende de proposta final subscrita pelo respetivo Diretor, sobre proposta dos dois superiores hierárquicos imediatamente diretos do trabalhador e parecer dos responsáveis hierárquicos intermédios, ou pelo Administrador do Pelouro, nos casos de trabalhadores sob sua imediata e direta dependência hierárquica.
6 – Serão imediatamente suspensos todos os benefícios atribuídos a qualquer trabalhador a quem a Instituição mova ação disciplinar.
7 – Sempre que o C. A. deliberar, sem reservas, o arquivamento de ação disciplinar instaurada contra um trabalhador, ser-lhe-ão repostos os benefícios suspensos por força do disposto no número anterior.
8 – Cessam todos os benefícios que estejam a ser atribuídos ao trabalhador a quem tenha sido aplicada sanção disciplinar superior a repreensão verbal.
9 – O trabalhador sujeito a sanção superior a repreensão verbal, poderá, por deliberação do C. A., nos termos do n.º 5 deste artigo, retomar, no todo ou em parte, o gozo dos benefícios que deixou de usufruir.
10 – Serão suspensos os benefícios quando a ausência da prestação do trabalho for superior a 30 dias seguidos ou 45 dias anuais interpolados, ressalvados os casos em que aquela situação seja motivada por qualquer dos factos enumerados no n.º 4 precedente ou os que o C. A. entenda vir a excecionar na sequência duma apreciação casuística provocada pelo procedimento previsto no n.º 5 anterior.”
Ora, como se tem entendido, este complemento de mérito não tem natureza retributiva, face à sua natureza casuística e precária
(neste sentido, por todos, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.06.2017, proferido no proc. n.º 585/13.1TTVFR.P1.S1 (relt. Consº Chambel Mourisco), decidiu que "3. Está vedado ao empregador reduzir a retribuição auferida pelo trabalhador, sendo certo que a mesma corresponde àquilo que o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, compreendendo a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas destinadas a remunerar a prestação laboral. 4. O complemento de mérito previsto no art.º 44.º, do Estatuto dos Trabalhadores da Caixa Económica BB, acresce à retribuição fixada no respetivo ACTV e é atribuído, de forma precária, a título de mérito, ou seja corresponde a um prémio atribuído pelo empregador que vai para além do que é devido ao trabalhador como contraprestação pelo trabalho por ele desenvolvido. 5. Não integrando o referido complemento a retribuição do trabalhador, o seu não pagamento, no âmbito do estrito circunstancialismo estabelecido no aludido Estatuto, não consubstancia qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição por o mesmo não assumir essa natureza". E em sede de fundamentação considerou:
"O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/06/2012 sufragou o entendimento de que mantendo a Ré o pagamento ao Autor da retribuição estipulada no ACTV aplicável, poderia suspender, como suspendeu, na decorrência de um procedimento disciplinar contra o Autor, o pagamento dos complementos de mérito, nos termos expressamente previstos e estabelecidos no referido Estatuto da Ré, aplicável ao vínculo laboral que os unia. A fundamentação aduzida assenta na tese de que a suspensão do pagamento dos referidos complementos remuneratórios, nos termos previstos no aludido Estatuto, não consubstancia uma redução da retribuição, tendo-se consignado:
«Efetivamente, está vedado à entidade empregadora a redução da retribuição auferida pelo trabalhador. Mas, como é consabido, a retribuição corresponde àquilo que o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, compreendendo a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas destinadas a remunerar a prestação laboral. Conforme dispõe o art.º 82.º da LCT, “ só se considera retribuição àquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho”.
Ora, não é o caso dos complementos remuneratórios reclamados pelo Autor. Estes complementos, como decorre expressamente do art.º 44.º, n.º 1, do Estatuto da Ré acrescem à retribuição do Autor fixada no respetivo ACTV e são atribuídos, de forma precária, a título de mérito. Ou seja, correspondem a um prémio atribuído pela entidade empregadora que vai para além do que é devido ao trabalhador como contraprestação pelo trabalho por ele desenvolvido (art.º 47.º).
Por outro lado, a manutenção desse “prémio” está condicionada à não aplicação de sanção disciplinar ao trabalhador superior a repreensão escrita, uma vez que pode ser suprimido nessas circunstâncias, como decorre, também expressamente, da alínea b) do n.º 3 do aludido art.º 44.º. E até se compreende que assim seja porquanto os referidos complementos remuneratórios são atribuídos ao trabalhador para o premiar pelo desempenho meritório das suas funções e dedicação à empresa, pressupostos que não estarão verificados quando o trabalhador é alvo de procedimento disciplinar, com efetiva aplicação de sanção disciplinar mais gravosa que a repreensão escrita.
Não integrando estes complementos a retribuição do trabalhador, nos termos consignados no aludido art.º 82.º da LCT, o seu não pagamento, no âmbito do estrito circunstancialismo estabelecido no aludido Estatuto, não consubstancia qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição por os mesmos não assumirem essa natureza, não se mostrando, assim, violados os preceitos legais invocados pelo recorrente e, por decorrência lógica, os preceitos constitucionais pelo mesmo referidos.»
(...) É no art.º 44.º deste Estatuto que está previsto o complemento de mérito que é atribuído, de forma precária, e a título de mérito, aos trabalhadores da Ré. A forma e as condições da sua atribuição denotam que corresponde a um prémio atribuído pelo empregador, que se diferencia da retribuição. A retribuição corresponde àquilo que o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, compreendendo a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas destinadas a remunerar a prestação laboral (art.º 258.º do Código do Trabalho). (...) O complemento de mérito assume uma natureza de prestação suplementar atribuída pelo empregador, que acresce à retribuição fixada no respetivo ACTV e que vai para além do que é devido ao trabalhador como contrapartida pelo trabalho por ele desenvolvido, daí que não possa ser considerado parte integrante da retribuição do trabalhador. Assumindo este complemento de mérito uma natureza de prestação suplementar, atribuída a título precário, pode ser retirado logo que cessem os motivos que determinaram a sua atribuição, nomeadamente quando tenha sido aplicada ao trabalhador sanção disciplinar superior a repreensão verbal, nos termos do art.º 54.º n.º 1 e 8 do mencionado Estatuto").
*
Sendo assim, ante os termos do regulamento mencionados (art.º 44, n.º 2), falta a esta prestação a obrigatoriedade quanto ao empregador e a correspetividade relativamente ao trabalhador, para que se possa falar de retribuição.
Logo - e sem prejuízo do que se apurou em sede de reposição de valores no ponto 55 -, era possível alterar esta prestação e substitui-la ou mesmo retirá-la, mesmo fora do âmbito de uma sanção, pelo que não colhe a argumentação do A.
Face ao exposto, e à factualidade apurada, não se apurou que existência de assédio da parte da R., nada se vendo que possa subsumir-se ao disposto no art.º 29 do Código do Trabalho, nenhum "comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador" (art.º 29/1).
E nem quaisquer danos sofridos pelo A. e imputáveis a conduta da R.
Improcede, pois, o recurso.
* DECISÃO
Pelo exposto, este Tribunal julga a apelação improcedente e confirma a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo A., sem prejuízo do apoio judiciário.
Lisboa, 23 de março de 2022
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega
_______________________________________________________ [1] Cf. o que é corolário das regras do direito substantivo cível art.º 396 (“A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal”), 391 (“O resultado da inspecção é livremente apreciado pelo tribunal”) e 389 (“A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”). [2] “O que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas processuais. O que decide é a verdade material e não a verdade formal” (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Cb. Edit., 384). [3] “O princípio traduz-se principalmente no contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova (Manuel de Andrade, idem, 386). [4] E ainda, acrescente-se, o da oralidade. [5] E o problema não está no mero áudio mas na natureza estática da documentação. Ainda que se grave som e imagem é fácil ver que só o Tribunal que recolhe a prova pode pôr as testemunhas à prova para dissipar duvidas, aperceber-se in loco de cumplicidades e tensões inconfessadas, etc.