COLIGAÇÃO VOLUNTÁRIA ACTIVA
RECORRIBILIDADE
Sumário

I. A recorribilidade da decisão proferida na coligação voluntária activa afere-se pelo valor de cada um dos pedidos formulados por cada um dos autores e não pelo valor global, que corresponde ao da acção (art. os 36.º, n.º 1 e 530.º, n.º 5 do CPC).
II. O direito a diuturnidades tem um conteúdo patrimonial, pelo que o pedido do seu reconhecimento e da condenação do empregador no seu pagamento não versa sobre direitos imateriais (art. os 296.º e 297.º do CPC).
 (Elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I - Relatório.

AAA e outros[1] intentaram a presente acção declarativa com, processo comum, contra BBB, pedindo que fosse condenada a reconhecer-lhes o direito às diuturnidades, a pagar-lhes montantes em dívida desde a respectiva retirada no momento da extinção, a 01-7-2007, do BBB, … e da substituição deste instituto pela … e os vincendos a partir desta data, acrescidos das legais taxas de juro moratório, alegando, em síntese, que tal direito vem previsto no Regulamento de Pessoal do BBB (Regulamento do Pessoal do BBB aprovado pelo Despacho DE-576/88, de 8 de Abril, do Sr. Secretário do Comércio Externo), por tal direito ter sido por eles adquirido legitimamente e se ter incorporado nos respectivos contratos individuais de trabalho e, nessa medida, não podendo ser unilateralmente por esta retirado por tal ser lesivo dos seus direitos, tanto mais que se opuseram oportunamente à sua cessação.
Citada a ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.
Para tal notificada, a ré contestou, refutando, em síntese, os fundamentos alegados pelos autores.
Os autores ampliaram o pedido e a causa de pedir, ao que a ré respondeu.
A autora AAA desistiu do pedido, o que foi homologado por sentença e declarado extinto o direito por ela invocado.
Os autores requereram e a ré aceitar que a questão fosse de imediato decidida dado que a matéria de facto se encontra assente entre eles.
O Mm.º Juiz, assegurando-se previamente da validade e regularidade da instância, proferiu a sentença, na qual julgou a acção totalmente procedente e, em consequência, reconheceu o direito dos autores às diuturnidades nos termos e com os valores especificamente peticionados na ampliação do pedido e condenou a ré a pagar aos autores os respectivos montantes vencidos desde 01-04-2007 até 30-09-2016 identificados no requerimento de ampliação do pedido de 08-02-2018, totalizando € 126.420,89, bem como os vincendos a partir desta última data, acrescidos das legais taxas de juro moratório.
Inconformado, o réu interpôs recurso, pedindo que a sentença proferida seja revogada, culminando a alegação concluindo, muito resumidamente, que os autores não têm direito às diuturnidades previstos no Regulamento de Pessoal do BBB, que se aplica às diuturnidades o regime jurídico do Decreto-lei n.º 14/2003 de 30 de Janeiro, a que acresce a comunicação do Conselho Directivo do BBB de Julho de 2007 a revogar as ordens de serviço, e a entrada em vigor do Regulamento Interno da … (OS 01/2008 de 29 de Março).
Contra-alegaram os autores, concluindo, em síntese, que o recurso não é admissível e tal seja julgado inadmissível ou, assim se não entendendo, seja confirmada a sentença recorrida.
Admitido e remetido o recurso a esta Relação de Lisboa, foram os autos com vista ao Ministério Público e nessa sequência o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:
"É manifesto que assiste razão aos autores.
Com tem sido considerado pela jurisprudência, em caso de coligação activa, o valor da acção não é o que resulta da soma dos valores de todas as acções, conservando cada uma a sua autonomia quanto ao valor a atender para efeitos de admissibilidade de recurso.
Vejam-se, nesse sentido, os sumários dos arestos que seguidamente se transcrevem.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-01-2021 (p. 1833/17.4T8LRA.C1.S1)
Sumário:
'II - Numa situação de coligação activa de Autores, ainda que a mesma possa decorrer de decisão de apensação de acções individualmente interpostas, as mesmas conservam a sua individualidade face aos pedidos suportados em causas de pedir que, por cada um daqueles, tenham sido formulados nas respectivas acções, pelo que o valor da causa a atender para efeitos de alçada é o de cada uma das acções coligadas e não o correspondente à soma do valor de todas elas;'
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-2020 (p. 303/18.8T8HRT.L1.S1):
Sumário :
'Numa situação de coligação voluntária activa, fixado ao conjunto das acções um valor global, sem respeito pela individualidade do litígio de cada um dos Autores, releva como valor processual de cada acção, para aferição da recorribilidade da decisão proferida, o valor dos pedidos formulados por cada um dos autores.'
Assim, o recurso não deverá ser admitido.
Diga-se, ainda, que mesmo que o recurso da ré fosse admitido, o mesmo deveria ser julgado improcedente.
Com efeito, conforme foi decidido na sentença sob recurso, '(…) as diuturnidades em apreciação nos presentes autos consubstanciam direitos legalmente adquiridos pelos autores, os quais nutriram e nutrem plenos efeitos nos respectivos contratos de trabalho, por força da respectiva incorporação nos mesmos contratos de tais direitos; pelo que não podem ser suprimidos por vontade unilateral da ré.'
Numa situação com grande similitude jurídica à que é objecto destes autos (em cujo processo foi ré a mesma deste processo e se discutiu a licitude da supressão de um prémio de antiguidade), decidiu-se, como salientam os autores, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-11-2014 (p. 4877/12.9TTLSB.L1-4), o que ressalta do seu sumário:
'I. A ordem de serviço 9/91 da Comissão Executiva do BBB, ao criar um prémio de antiguidade aplicável a todos os trabalhadores da empresa desde que verificados os requisitos nela definidos, tem natureza genérica e abstracta e, na sua aplicação, repercute-se nas respectivas relações laborais.
II. Nessa medida, atento esse conteúdo, a sua natureza geral e abstracta e os efeitos gerados nos contratos de trabalho, a ordem de serviço enquadra-se no poder regulamentar do empregador, consubstanciando uma proposta contratual que tendo sido tacitamente aceite pelo trabalhador, nos termos do artigo 7.º da LCT, passou a obrigar ambas as partes e a integrar o conteúdo do contrato individual de trabalho.
III. Tendo os trabalhadores, entre eles o A., adquirido aquele direito por integração no seu contrato de trabalho, não poderá vê-lo suprimido pela vontade unilateral da R.
IV. Justamente por isso, é irrelevante saber se o prémio de antiguidade é, ou não, subsumível à qualificação jurídica de retribuição.
V. Tendo-se concluindo que o direito ao denominado 'prémio de antiguidade' passou a integrar o conteúdo dos contratos individuais de trabalho dos trabalhadores ao serviço do ré, vinculando-a, então o mesmo consubstancia necessariamente um direito legitimamente adquirido, para os efeitos do n.º 2 do art.º 6.º do DL n.º 14/2003 de 30 de Janeiro, logo,
VI. Em suma, o direito ao “prémio de antiguidade”, na medida em que foi constituído e passou a integrar o contrato de trabalho do A. antes da entrada em vigor do DL n.º 14/2003 de 30 de Janeiro, está protegido por força da excepção contida na parte final do n.º 2 do artigo 6.º do mesmo diploma.'
A questão a decidir nestes autos, onde está em causa a eliminação das diuturnidades, é juridicamente idêntica à que foi apreciada neste aresto, pelo que a decisão a proferir deveria ser a mesma, ou seja, que a ré não poderia deixar de reconhecer o direito às diuturnidades devidas a cada um dos autores, procedendo ao seu pagamento.
Pelo que, caso fosse admissível o recurso, o mesmo não teria fundamento jurídico.
O Ministério Público emite, assim, parecer no sentido de que a sentença deve ser mantida, devendo ser julgado improcedendo o recurso interposto pela ré".
Apenas os recorridos responderam ao parecer do Ministério Público e para manifestarem plena concordância com o teor do mesmo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar o mérito do recurso, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, a saber, se aos apelados  não assiste às diuturnidades. Isto, naturalmente, se não se verificar a questão prévia da inadmissibilidade do recurso a que se referiram os recorridos e o Ministério Público.
***
II - Fundamentos.
1. Factos julgados provados:
Os da sentença, para onde se remete nos termos do art.º 663.º, n.º 7 o Código de Processo Civil.
2. O direito.
Vejamos então se o recurso não é admissível.
Como se vê da sua ampliação, o mais elevado dos pedidos formulados pelos autores é o da Cristina … no montante de € 2.574,70.
O n.º 1 do art.º 36.º do Código de Processo Civil estatui que "é permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única (…)"; o que dá lastro a que o n.º 5 do art.º 530.º do Código de Processo Civil estabeleça que "nos casos de coligação, cada autor, reconvinte, exequente ou requerente é responsável pelo pagamento da respectiva taxa de justiça, sendo o valor desta o fixado nos termos do Regulamento das Custas Processuais".
Por assim serem as coisas é que a Relação de Lisboa decidiu, em acórdão de 15-07-2015, no processo n.º 2899/14.4TTLSB.L1-A-4, publicado em http://www.dgsi.pt, que "nos casos de coligação à pluralidade de sujeitos corresponde também uma pluralidade de pedidos, ainda que a causa de pedir possa ser a mesma, pelo que a actividade jurisdicional se dirige aqui à definição, mais individualizada, desses alegados direitos de cada uma das partes coligadas"; é que em todo o caso "a coligação activa consiste numa associação voluntária de autores para formularem pretensões distintas e diferenciadas por cada um deles, por razões de economia processual e de meios em geral, que se traduzem numa cumulação de acções conexas mas que mantêm a respectiva individualidade".[2]
Daí a conclusão expressa pelo Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 16-12-2020, no processo n.º 303/18.8T8HRT.L1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt e citado pelo Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, que "numa situação de coligação voluntária activa, fixado ao conjunto das acções um valor global, sem respeito pela individualidade do litígio de cada um dos Autores, releva como valor processual de cada acção, para aferição da recorribilidade da decisão proferida, o valor dos pedidos formulados por cada um dos autores", com o que se concorda e de resto vai em linha com a generalidade da jurisprudência há muito estabelecida.[3]
Sendo certo e conveniente notar-se que "não versa sobre direitos imateriais a acção que visa o reconhecimento do direito a diuturnidades e a condenação do empregador no pagamento destas", pois que "o direito a diuturnidades que se vencem periodicamente constitui manifestamente um caso em que não oferece dificuldades determinar a utilidade económica imediata do pedido expressa em dinheiro, tendo um evidente conteúdo patrimonial – cfr. os artigos 296.º e 297.º do Código de Processo Civil".[4]
Assim sendo, é seguro que o recurso não era admissível, uma vez que o valor da acção relativamente a cada um dos pedidos coligados era inferior ao da alçada dos Tribunais de 1.ª Instância e não era caso excepcionado pela lei de admissibilidade independentemente desse facto (art.os 629.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil, 79.º do Código de Processo do Trabalho e 4.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema de Justiça).
Tendo embora sido admitido o recurso, certo é que tal não vinculava esta Relação de Lisboa (art.º 641.º, n.º 5 do Código de Processo Civil); e se esta questão deveria assim ter sido logo decidida pelo relator aquando da prolação do despacho inicial, conforme resulta do disposto nos art.os 652.º, n.os 1 e 2, alínea b) e 655.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a verdade é que como pacificamente se tem entendido, sobre as questões objecto do despacho inicial do relator não se forma caso julgado uma vez que a decisão é meramente provisória porquanto a competência para conhecer do recurso cabe afinal ao colectivo, incluindo as objecto de decisões singulares pois que estas são sempre susceptíveis de reclamação para a conferência.[5]
Daí que, em linha com as conclusões da contra-alegação dos apelados e do parecer do Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, o recurso deve ser ser rejeitado.
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III - Decisão.
Termos em que se acorda rejeitar o recurso.
Custas pelo apelante (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).
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Lisboa, 23-03-2022.
António José Alves Duarte
Maria José Costa Pinto
Manuela Bento Fialho
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[1] Num total de 72.
[2] Acórdão da Relação de Lisboa, de 11-09-2013, no processo n.º 3515/07.6TTLSB.L1-4 e, na mesma ordem de ideias e também dessa Relação, o acórdão de 14-06-2018, no processo n.º 81/17.8YELSB-8, ambos publicados em http://www.dgsi.pt.
[3] De que também são exemplo os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-09-2007, no processo n.º 07B689, de 19-06-2008, no processo n.º 08B2080, de 10-12-2008, no processo n.º 08S3438, de 14-01-2009, no processo n.º 08S2469, de 18-12-2012, no processo n.º 352/07.1TBALQ.L1.S1 e de 08-06-2021, no processo n.º 4094/19.7T8PRT.P1.S1; da Relação de Lisboa, de 08-03-2017, no processo n.º 25209/16.T8LSB.L1-4 e de 23-09-2020, no processo n.º 18425/19.6T8LSB.L1-4; e da Relação do Porto, de 16-01-2006, no processo n.º 0514520, de 21-11-2011, no processo n.º 202/10.1TTVCT.P1 e de 13-06-2018, no processo n.º 675/14.3T8PNF.P1, todos publicados em http://www.dgsi.pt.
[4] Acórdão da Relação de Lisboa, de 08-03-2017, no processo n.º 25209/16.T8LSB.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt.
[5] Art.º 652.º, n.º 3, 659.º, n.os 1 a 3 e 663.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Neste sentido, na doutrina, Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2014, páginas 194 e seguinte e, na jurisprudência, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-06-2002, no processo n.º 3919/00 - 4.ª Secção, publicado em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=12033&codarea=3 e de 29-09-2020, no processo n.º 18391/17.2T8LSB-A.L1.S1 e da Relação do Porto, de 24-01-2018, no processo n.º 131/16.5T8MAI-A.P1, publicado em http://www.dgsi.pt.