I – A reprodução da fundamentação da sentença pelo Acórdão da Relação não configura qualquer nulidade.
II – A nulidade da decisão por omissão de pronúncia apenas se verificará nos casos em que ocorra omissão absoluta de conhecimentos relativamente a cada questão e já não quando seja meramente deficiente ou quando se tenham descurado as razões e argumentos invocados pelas partes.
III - A caducidade do alvará de loteamento não provoca a destruição do efeito real da transformação fundiária coetâneo da eficácia do ato de aprovação do loteamento, conservando os lotes o estatuto de prédios autónomos, mas apenas a suspensão do jus aedificandi previsto naquele alvará relativamente aos lotes que não chegaram a ser objeto de licenciamento de construção.
IV - É a alteração física e jurídica do prédio loteado, que de um prédio uno se transforma num aglomerado de novos prédios, cada um com individualidade e existência jurídica próprias, que justifica a obrigatoriedade de sujeição a registo das “operações de transformação fundiária resultantes de loteamento, de estruturação de compropriedade e de reparcelamento, bem como as respetivas alterações” (atual al. d) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do Registo Predial).
V - Na definição dos efeitos da caducidade de um alvará de loteamento sobre os lotes por ele criados, importa distinguir o duplo efeito inicialmente criado: em primeiro lugar, a divisão jurídica do prédio loteado em tantas novas unidades jurídicas quantos os lotes autorizados e, em segundo lugar, a permissão de uma futura edificação em cada um desses lotes, no sentido de o titular ou titulares dos lotes, relativamente a cada um dos prédios recém-criados, podere(m) vir a desencadear o procedimento tendente à obtenção de uma licença de construção, e a obtê-la efetivamente.
VI – Não decorre da lei que a caducidade do alvará de loteamento implique a eliminação dos prédios individualizados e autonomizados pela divisão jurídica operada pelo loteamento e objeto de descrições prediais autónomas.
VII – Os efeitos da caducidade do alvará do loteamento circunscrevem-se ao âmbito próprio do direito administrativo, aí suspendendo o jus aedificandi nele previsto relativamente aos lotes que não chegaram a ser objeto de licenciamento de construção.
VIII – No plano dos direitos reais, a caducidade não destrói a criação dos prédios individualizados pelo loteamento validamente aprovado pela entidade competente.
IX – Não é de aplicar analogicamente o n.º 1 do artigo 322.º do Código das Sociedades Comerciais às sociedades por quotas.
X – Se a ratio do n.º 1 do artigo 322.º do Código das Sociedades Comerciais é a proteção do capital social, manifestamente no caso dos autos tal interesse não está em causa pois a verdadeira finalidade do negócio celebrado pelas partes não foi a aquisição de quotas de uma sociedade comercial para aquisição do controlo sobre a mesma, mas sim a aquisição de prédios detidos por essa sociedade, assumindo-se o negócio como uma transação de bens imobiliários.
I. Relatório
1. Porticentro – Sociedade de Construção, Gestão e Turismo, Lda. intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra Novo Banco, S.A., formulando o seguinte pedido:
a) declarar-se a nulidade das hipotecas referidas e identificadas nos artigos 5°, 6° e 7° da presente Petição Inicial e que tiveram por objetos os prédios referidos e identificados nos artigos 2° e 3° da presente Petição Inicial;
b) declarar-se a nulidade dos registos de hipoteca voluntária a que correspondem as Aps....81 de 22/11/2017...97 de 24/09/2009 e ...31 de 27/02/2012 e respetivos averbamentos (Aps. ...66 de 21/04/2015, ...57 de 21/04/2015 e ...59 de 13/05/2015) que incidem sobre os prédios identificados no artigo 2° da presente Petição Inicial; e
c) ordenar-se o cancelamento das inscrições de registo das hipotecas voluntárias a que correspondem as Aps. ...81 de 22/11/2017, ...97 de 24/09/2009 e ...31 de 27/02/2012 e respetivos averbamentos (Aps. ...66 de 21/04/2015, ...57 de 21/04/2015 e ...59 de 13/05/2015) que incidem sobre os prédios identificados no artigo 2° da Petição Inicial.
Alegou, em síntese, que:
- as detentoras do seu capital social (Credigolf e Crediférias) adquiriram oito lotes de terreno no Sítio ..., em ..., o que ocorreu através da compra a um fundo (Fungepi), pertencente à data ao Banco Espírito Santo, da totalidade das participações sociais da empresa que detinha o terreno, precisamente a ora A., Porticentro. Uma vez que os lotes em causa se tinham constituído ao abrigo de alvará de loteamento que veio, entretanto, a caducar (o alvará 6/...), os mesmos deixaram de ter existência jurídica, pelo que as hipotecas que constituiu junto do R., nomeadamente para financiar essa aquisição e subsequentes despesas, são nulas por falta de objeto;
- as referidas empresas que detêm as suas participações, quando (através dos respetivos representantes legais) descobriram que o loteamento estava caducado e não podia ser renovado, procuraram junto da Câmara Municipal ... que fosse elaborado um "plano de pormenor" para o local, com uma bastante maior capacidade edificativa, carecendo este, no entanto, de que as hipotecas em causa sejam levantadas, para poderem ser, nomeadamente, constituídas novas hipotecas a favor da Câmara Municipal ... e da entidade bancária que vier a financiar a construção ao abrigo do novo plano de pormenor;
- o Réu, tal como já havia acontecido com o seu antecessor Banco Espírito Santo, tem- se recusado a cooperar e a levantar as hipotecas, para que o novo plano possa ser viabilizado, pelo que se encontra a praticar um exercício abusivo da sua posição;
- por um lado, o Réu ocultou informação aos seus representantes e, por outro, pretende indevidamente manter hipotecas constituídas sobre realidades que já não existem juridicamente, devendo, em conformidade, prevalecer o entendimento que sustenta a nulidade das hipotecas em questão.
2. Citado, o Réu veio contestar, alegando que:
- a Autora e as sociedades que detêm o seu capital social sempre conheceram todos os contornos do negócio celebrado, sabendo designadamente que o alvará de loteamento 6/... se encontrava caducado;
- foi-lhes até apresentado um novo "plano de pormenor" que estava já a ser preparado pelo Banco Espírito Santo junto da Câmara ... vindo, no entanto, a suceder que a Autora procurou beneficiar de um outro plano, igualmente a ser elaborado de novo, que lhe conferia maior capacidade edificativa e era, em consequência, mais rentável;
- os ónus existentes e oportunamente constituídos sobre os lotes em causa nos autos mantêm-se em vigor, quanto mais não seja no prédio-mãe, de onde os lotes haviam sido inicialmente retirados e constituídos, pelo que se verifica a validade das hipotecas e que, se não for possível mantê-las sobre os lotes, as mesmas devem permanecer a onerar o prédio-mãe;
- a caducidade do alvará apenas retirou potencialidade edificativa aos lotes, passando assim a ser necessário efetuar nova operação urbanística, através de um plano de pormenor e já não se podendo construir nos anteriores lotes;
- a posição da Autora, sua devedora (que, aliás, se encontra em incumprimento dos empréstimos que consigo contraiu) e demandante nos presentes autos, é que é abusiva, e a não se manterem as hipotecas sobre os lotes, deve ser declarado que continuam a onerar o prédio-mãe.
Formulou pedido reconvencional, a título subsidiário, nos seguintes termos:
- proceder-se à conversão do negócio inválido em hipoteca sobre o prédio-mãe (descrito sob o n.º ...09 da Conservatória do Registo Predial ...), para onde tenham revertido os prédios identificados nos artigos 15.° da contestação, com a prioridade das Hipotecas identificadas nos artigos 5.°, 6. ° e 7° da P.I.;
- e ser oficiada a Conservatória do Registo Predial para praticar todos os atos materiais e jurídicos que se afigurem necessários ao registo da hipoteca convertida;
e a Autora ser condenada a:
- reconhecer a qualidade de credor hipotecário do Réu seja em relação às Hipotecas identificadas nos artigos 5.°, 6. ° e 7° da P.I., ou à Hipoteca resultante da conversão nos termos do artigo 293° do Código Civil, e
- abster-se de praticar quaisquer atos que ponham em causa ou de qualquer forma afetem os direitos do Réu enquanto credor hipotecário.
3. A Autora replicou, mantendo o por si alegado na petição inicial.
O Réu, perante a matéria de exceção alegada em sede de réplica, veio exercer o contraditório.
4. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e a reconvenção, na parte não subsidiária, procedente e condenou a Autora a reconhecer a qualidade de credor hipotecário do Réu em relação às hipotecas identificadas nos art.ºs 5.º, 6.º e 7.º da P.I. e a abster-se de praticar quaisquer atos que ponham em causa ou de qualquer forma afetem os direitos do Réu enquanto credor hipotecário.
5. Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação ....
6. O Tribunal da Relação ... veio a “julgar o recurso improcedente e em consequência confirmam a decisão recorrida.”
7. Inconformada com tal decisão, veio a Autora interpor recurso de revista excecional, invocando que “há duas questões de enorme relevância jurídica cuja apreciação se afigura absolutamente necessária para uma melhor aplicação do Direito - os limites da autoridade do caso julgado e os efeitos da caducidade de alvará de loteamento sobre os lotes por ele criados e sobre as hipotecas constituídas sobre tais lotes”.
8. O Relator admitiu o recurso de revista quanto à questão da violação do caso julgado, por ser uma das situações em que o recurso é sempre admissível (cf. artigos 629.º, n.º 2, alínea c) e 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e, quanto à outra questão, por se verificar a dupla conforme, determinou que, oportunamente, os autos fossem remetidos à Formação de Juízes a que alude o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil para verificação dos pressupostos da admissibilidade do recurso de revista excecional quanto a essa questão.
9. Foi proferido Acórdão (fls.921/948, do processo físico) que decidiu pelo não conhecimento do recurso de revista, no que concerne à violação do caso julgado.
10. A Formação de Juízes a que alude o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil admitiu o recurso de revista na parte restante do recurso.
11. A Autora formulou as seguintes (transcritas) conclusões, com exclusão das conclusões relativas à admissibilidade do recurso e à violação do caso julgado:
B – DAS NULIDADES DO ACÓRDÃO RECORRIDO
1.ª No acórdão recorrido, o segmento da decisão relativa à nulidade das hipotecas por inexistência jurídica do seu objecto em consequência da caducidade do alvará e o segmento da decisão relativa à nulidade das hipotecas por violação do art. 322º do Código das Sociedade Comerciais (com excepção de 5 parágrafos iniciais) são uma reprodução integral (não assinalada) da sentença proferida na 1ª instância que se traduz numa adesão total e acrítica às decisões nela contidas.
2.ª Uma vez que a matéria de facto fixada na sentença da 1ª instância foi impugnada e, no acórdão recorrido, procedeu-se a algumas alterações àquela matéria de facto, por força do disposto no n.º 6 do art.º 663º do C.P.C. (que só permite a remissão para os termos da sentença da 1ª Instância quando não tenha sido impugnada nem haja lugar a qualquer alteração da matéria de facto), impunha-se ao Tribunal a quo apreciar criticamente as questões colocadas no recurso.
Pelo que
3.ª A simples remessa para os termos da sentença recorrida equivale a uma absoluta falta de fundamentação da decisão, que determina, nos termos do disposto art. 615º, nº 1, alínea b), ex vi do disposto no art. 685º, ambos do C.P.C., a nulidade do acórdão recorrido ou, no limite, consubstancia uma violação da lei do processo que, nos termos do disposto no art. 674º, nº 1, alínea b) do CPC, pode e deve ser conhecida em sede de recurso de revista.
Acresce que
4.ª O Tribunal a quo, repetindo o vício da sentença da 1ª instância, não se pronunciou sobre uma questão de facto e de direito alegada pela A., na sua Petição Inicial e na sua Réplica – a de que a aprovação do Plano de Pormenor da ... (PP...) havia criado uma nova divisão fundiária na área dos ex-lotes extinguindo a divisão fundiária decorrente do alvará de loteamento 6/... que entretanto havia caducado e que era também importante para apurar da (in)existência jurídica dos (ex) lotes em causa nos autos e, consequentemente, da nulidade das hipotecas sobre eles constituídas – e cujos factos ficaram a constar da matéria de facto assente (pontos 75, 76 e 77 dos “Factos”), nem tomou qualquer posição sobre a nulidade arguida pela aqui recorrente no recurso de apelação, o que constitui uma dupla omissão que, nos termos do disposto art. 615º, nº 1, alínea d), ex vi do disposto no art. 685º, ambos do C.P.C, determina a nulidade do acórdão recorrido.
Por outro lado,
5.ª O negócio jurídico que tenha por objecto um lote inexistente só poderá ser considerado um negócio jurídico sobre um simples prédio (sem capacidade edificativa e construtiva concreta) se, e só se, o seu o título por suficientemente explícito, fazendo referência expressa à caducidade do Alvará de Loteamento e à vontade expressa e declarada de negociar o ex-lote como um simples prédio.
Neste sentido, está a deliberação do Conselho Consultivo RP 52/2013 citada no acórdão recorrido mas por ele totalmente desconsiderada.
6.ª Resulta da matéria de facto dada por provada (pontos 4 e 84 da matéria de facto) e dos documentos constantes dos autos (designadamente, as escrituras de constituição de hipotecas juntas a fls. 39vº a 57 onde se descrevem os prédios como lotes de terreno para construção e onde, apesar das partes conhecerem a caducidade do Alvará 6/..., não é feita qualquer referência àquela caducidade e não é feito qualquer esclarecimento de que o prédio não é hipotecado como lote mas sim como simples terreno para construção sem quaisquer direitos de construção reconhecidos) que os negócios hipotecários ajuizados tiveram por objecto lotes (e não simples prédios) que, à data da sua celebração, já não tinham existência jurídica por ter caducado o alvará que os criou.
7.ª Tendo tido por objecto os lotes, como lotes, os negócios jurídicos hipotecários ajuizados nestes autos são nulos nos termos do disposto no art. 280º, nº 1 do Código Civil, não se podendo entender, como se entendeu no acórdão recorrido, que qualquer negócio que tenha por objecto um ex-lote (por já ter caducado o respectivo alvará à data da sua celebração) passa automaticamente a ser um negócio sobre um simples prédio (sem capacidade edificativa e construtiva concreta).
8.ª Esta impossibilidade legal do objecto dos negócios hipotecários em crise decorre da aplicação e interpretação destas normas imperativas e inderrogáveis e determina a nulidade absoluta daqueles que, como tal, é do conhecimento oficioso e pode ser invocada por qualquer interessado a todo tempo e não é sanável por confirmação, não produzindo tais negócios quaisquer efeitos independentemente da declaração judicial da sua nulidade.
9.ª Sendo a declaração judicial da nulidade a constatação de uma situação jurídica existente, perpétua e insanável, a sua arguição não configura nem pode configurar propriamente o exercício de um direito, o que não permite que ela se possa caraterizar como o exercício abusivo de tal direito, como parece se ter considerado no acórdão recorrido.
Finalmente,
10.ª Estando definitivamente assente que, em 6/11/2007, a Porticentro constituiu a favor do BES hipoteca voluntária sobre os oito ex-lotes de terreno em causa nos autos para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações assumida pela sociedade Crediférias no contrato de financiamento n.º ...07, no montante de € 5.480.000,00, destinado a pagar parte do preço das quotas representativas do seu próprio capital social (cfr. Pontos 46, 49 i) e 51 a 53 dos “Factos” da Sentença recorrida), impõe-se concluir que a hipoteca assim constituída sobre os únicos activos da recorrente destinou-se a garantir um financiamento que nada teve que ver com a prossecução do seu objecto social e antes se destinou a financiar a aquisição por terceiros do seu próprio capital social.
11.ª O art. 322º do Código das Sociedades Comerciais (que proíbe as sociedades de prestar garantias a terceiro para que este subscreva ou adquira acções representativas do seu próprio capital social) é, ao contrário do decidido no acórdão recorrido, aplicável às sociedades por quotas, uma vez que as necessidades de protecção dos credores sociais, de garantir a intangibilidade do capital social e a solvência da sociedade também se verificam nas sociedades por quotas.
12.ª A aplicação da proibição de assistência financeira prevista no art. 322º do CSC às sociedades por quotas é reforçada pelo disposto no art.º 510º, n.º 1, do CSC (“Aquisição ilícita de quotas ou ações”) que prevê a respectiva tutela penal.
13. Por não declarar a nulidade a hipoteca referida nos Pontos 46, 49 i) e 53 dos “Factos”, o acórdão recorrido violou o mencionado art. 322º.
12. O Réu contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista, e concluindo pela improcedência do recurso.
13. Cumpre apreciar e decidir.
II Delimitação do objeto do recurso
Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela A./ ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:
a) Nulidade do Acórdão recorrido por falta de fundamentação da decisão (artigo 615º, nº 1, alínea b), ex vi do disposto no artigo 685º, ambos do Código de Processo Civil);
b) Nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), ex vi artigo 685º, ambos do Código de Processo Civil)
c) Efeitos da caducidade de um alvará de loteamento sobre os lotes por ele criados e sobre as hipotecas constituídas sobre tais lotes;
d) Eventual aplicação do disposto no artigo 322.º do Código das Sociedades Comerciais à garantia do financiamento concedido pelo BES para aquisição do capital social da Autora pela sociedade Crediférias, SA.
III. Fundamentação
1. As instâncias deram como provados os seguintes factos (após as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação ..., assinaladas a negrito):
1.1. Por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de agosto de 2014, o aqui Réu foi constituído (resposta aos art°s 8° da p.i, e 1° da contestação).
1.2. Os direitos e obrigações titulados pela instituição de crédito originária (o Banco Espírito Santo, S.A) transferiram-se para o Banco de transição, aqui Réu (resposta ao art° 10° da p.i.),
1.3. Em 8 de Maio de 1980, a Câmara Municipal ... emitiu a favor da sociedade "AGERG -Agrupamento Complementar de Empresas de Construção Civil e Obras Públicas A.C.E." o Alvará de Licença de Loteamento n.º 6/..., de 8 de agosto de 1980 (doravante designado, apenas, por "Alvará de Loteamento n.º 6/...”), autorizando o loteamento do prédio rústico, sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n." ...88 a fls. ... do Livro ... e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...58, tendo sido autorizada a constituição de 9 (nove) lotes de terreno destinados à construção de edifícios, lotes que, no total, ocupavam uma área de 7.400m2 de terreno (resposta ao art° da 33° p.i.).
1.4. Em virtude da aprovação dessa operação de loteamento, entre 1982 e 1988, foram desanexados deste prédio, os seguintes prédios, de que a A. é atualmente dona:
i) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 1, com a área total de 920m2, descrito sob o n.º ...10;
ii) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 2, com a área total de 1l00m2, descrito sob o n.º ...010;
iii) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 4, com a área total de 920m2, descrito sob o n.º ...1010;
iv) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 5, com a área total de 1l00m2, descrito sob o n.º ...81010;
v) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 6, com a área total de 920m2, descrito sob o n.º ...22;
vi) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 7, com a área total de 540m2, descrito sob o n.º ...122;
vii) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 8, com a área total de 760m2, descrito sob o n.º ...1122;
viii) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 9, com a área total de 220m2, descrito sob o n.º ...881010;
ix) Prédio urbano, composto por prédio destinado a habitação, sito na Rua ... descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...63 (resposta aos art°s 1° e 2° da p.i. e 15° da contestação).
1.5. Os mesmos terrenos estão inscritos na matriz predial urbana da freguesia ... da seguinte forma:
i) lote de terreno para construção urbana designado por lote 1, com a área total e de implantação de 920 m2 e de construção de 3.680 m2, inscrito sob o artigo ...53;
ii) lote de terreno para construção urbana designado por lote 2, com a área total e de implantação de 1100 m2 e de construção de 4.400 m2, inscrito sob o artigo ...55;
iii) lote de terreno para construção urbana designado por lote 4, com a área total e de implantação de 920 m2 e de construção de 3.680 m2, inscrito sob o artigo ...29;
iv) lote de terreno para construção urbana designado por lote 5, com a área total e de implantação de 1100 m2 e de construção de 4.400 m2, inscrito sob o artigo ...27;
v) lote de terreno para construção urbana designado por lote 6, com a área total e de implantação de 920 m2 e de construção de 3.680 m2, inscrito sob o artigo ...28;
vi) lote de terreno para construção urbana designado por lote 7, com a área total e de implantação de 540 m2 e de construção de 1.080 m2, inscrito sob o artigo ...25;
vii) lote de terreno para construção urbana designado por lote 8, com a área total e de implantação de 760 m2 e de construção de 1.520 m2, inscrito sob o artigo ...24;
viii) lote de terreno para construção urbana designado por lote 9, com a área total e de implantação de 220 m2 e de construção de 880 m2, inscrito sob o artigo ...26;
ix) Prédio urbano, composto por prédio destinado a habitação, sito na Rua ... (descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...63), inscrito na respetiva matriz no artigo ...11 (resposta ao art° 3° da p.i.).
1.6. Em maio de 1981, o prédio referido em 3 destes factos provados foi adquirido à AGERG pela autora, ao tempo detida pelo "Fungepi BES", que era o único sócio da sociedade (resposta aos art°s da 34° p.i. e 14° da contestação).
1.7. Desde a aquisição da A. à AGERG (e até à venda da mesma à Credigolf e à Crediférias), o BES sempre deteve, indiretamente, a totalidade do capital social da aqui A e tinha como gerente desta sociedade quadros seus (resposta ao art° 34° da réplica).
1.8. Por requerimento de 14/01/1982, a "Porticentro" requereu junto da Conservatória do Registo Predial ... a desanexação do referido prédio descrito sob o n.º ...88, de 4 dos 9 lotes de terreno criados pelo Alvará de Loteamento, tendo, para o efeito, juntado a respetiva cópia (resposta ao art° 35° da p.i.),
1.9. Em 26 de fevereiro de 1988, a "AGERG - Agrupamento Complementar de Empresas de Construção Civil e Obras Públicas AC.E." requereu junto da Câmara Municipal ... que o referido Alvará de Loteamento n.º 6/... fosse averbado em nome da aqui Autora em virtude de lhe ter vendido o prédio a que ele respeita (resposta ao art° 36° da p.i.),
1.10. Deferido o requerido, em 26 de maio de 1988, o referido Alvará de Loteamento n.º 6/... foi, pela Câmara Municipal ..., averbado em nome da aqui Autora (resposta ao art° 37° da p.i.).
1.11. Em outubro de 1988, a "Porticentro" requereu junto da Conservatória do Registo Predial ... o registo daquele Alvará n.º 6/... e o destaque dos restantes 5 lotes por ele criados (resposta ao art° 37° da p.i.),
1.12. O pedido de registo do Alvará de Loteamento n.º 6/... não foi deferido, mas, foi efetuado o destaque dos restantes 5 lotes e abertas as respetivas descrições (resposta ao art°39° da p.i.).
1.13. Em 15/1111995, a Câmara Municipal ... enviou à "Porticentro" (para que, querendo, pudesse pronunciar-se) cópia de Parecer Jurídico onde se defendia que o Alvará de Loteamento n.º 6/... caducara, devendo a Câmara Municipal ... proceder ao seu cancelamento (resposta aos art°s 30° a 32° e 40° da p.i, e 16°, 17° e 62° da contestação).
1.14. Pelo ofício n.º l447/DTOU de 30/0411996, a Câmara Municipal ... notificou a "Porticentro" de que, em 23 de Abril de 1996, deliberara declarar a caducidade do Alvará e, em pontual cumprimento do que se prescrevia no n° 1 do art.º 39° do Decreto-Lei 448/91, requerer à competente Conservatória do Registo Predial o cancelamento do Alvará de Loteamento n.º 6/..., com base na fundamentação que levou à sua caducidade (resposta aos art°s 30°)
1.15. Em cumprimento de tal deliberação e por ofício de 30/0411996, a Câmara Municipal ... solicitou à Conservatória do Registo Predial ... o cancelamento do registo do Alvará de Loteamento n.º 6/... (resposta ao art° 42° da p.i.),
1.16. Em 01/0711996, a "Porticentro" intentou no Tribunal Administrativo do Círculo ... um Recurso Contencioso de Anulação da Deliberação de 23/0311996 da Câmara Municipal ... que determinara a caducidade do Alvará de Loteamento n.º 6/..., sendo que, por sentença de 15 de maio de 1997, este recurso foi julgado improcedente, tendo a deliberação camarária impugnada sido mantida (resposta aos art°s 43° da p.i, e 19° da contestação).
1.17. Apesar de a "Porticentro" ter recorrido desta sentença para o Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão proferido em 1 de fevereiro de 2000 (que veio a transitar em julgado), a sentença proferida foi confirmada (resposta aos art°s 44° da p.i, e 19° e 100° da contestação).
1.18. Por requerimento de 21 de julho de 2000 e na sequência do mencionado Acórdão do STA que "confirmara" a deliberação da Câmara Municipal ... de declarar a caducidade do Alvará de loteamento, a "Porticentro" requereu àquela edilidade que diligenciasse junto da Conservatória do Registo Predial ... no sentido de esta efetuar o registo do cancelamento do Alvará de Loteamento n.º 6/... (resposta ao art° 45° da p.i.).
1.19. Por ofício/notificação de 15/09/2000, a Conservatória do Registo Predial ... notificou a Câmara Municipal ... do Despacho da recusa do pedido de registo do cancelamento do Alvará que esta apresentara em 1996 (resposta ao art° 46° da p.i.).
1.20. Porque a Conservatória do Registo Predial ... recusou o registo do cancelamento do Alvará de Loteamento n.º 6/..., os lotes de terreno por ele criados ali continuaram (e continuam) descritos com todas as inscrições que lhes respeitavam e só em 17 de junho 2014 a Conservatória do Registo Predial ... (pela Ap. ...81 de 2014/06117) procedeu à anotação, na descrição dos prédios constituídos pelos lotes criados pelo Alvará de Loteamento n.º 6/..., de que este Alvará tinha caducado (resposta aos art°s 47°, 48°, 52° e 53° da p.i. e 27°, 29°, 39°,
1.21. Em 19 de Abril de 1998, a "Porticentro", requereu ao Serviço de Finanças ... a eliminação do Artigo Rústico ... da freguesia ..., correspondente ao prédio que havia sido loteado nos termos do Alvará de Loteamento n.º 6/..., sendo que o Serviço de Finanças ... manifestou ter em conta o facto de que, no âmbito e como condição para a emissão do Alvará de Loteamento n.º 6/..., o promotor do loteamento ter doado à Câmara Municipal ... a área restante do prédio rústico que foi objeto do Loteamento (14.854 m2) para instalação de arruamentos, parques e outras infraestruturas impostas e previstas no Alvará de Loteamento, doação que nunca foi levada a registo, quer autonomamente, quer na própria inscrição de loteamento (resposta aos art°s 54° a 57° da p.i.),
1.22. E apesar de ter conhecimento oficial de que o Alvará de Loteamento n.º 6/... havia caducado já em 1996, o Serviço de Finanças ... não procedeu, até à presente data, à sua eliminação da matriz pelo que, em 2014, a Administração Tributária liquidou até IMI sobre todos os "lotes de terreno para construção" e promoveu a penhora e venda dos "lotes" 1 e 9, o que levou a aqui Autora a impugnar as liquidações de IMI e reclamar dos referidos atos de penhora e de decisão de venda, sendo que os processos de reclamação dos atos de penhora e de decisão de venda já estão findos, e neles o Tribunal Administrativo e Fiscal ... entendeu que, por força da caducidade do alvará de loteamento, os lotes de terreno para construção por ele criados deixaram de existir e, como tal, não podem ser objeto de quaisquer atos jurídicos, negócios, direitos e, naturalmente, não podem ser objeto de penhora ou venda, decisões com que a AT se conformou logo na primeira instância, delas não tendo recorrido (resposta aos art°s 70° e 77° da p.i.).
1.23. Mesmo antes de qualquer contacto da Autora a propósito da Porticentro, perante a caducidade definitiva do Alvará de Loteamento n.º 6/..., o Fungepi solicitou informações junto da Câmara Municipal ... no sentido de compreender se existia alguma via para proceder à reativação ou retificação daquela operação de loteamento, tendo sido informado de que:
i) essa possibilidade era inviável em face da natureza definitiva da caducidade;
ii) a melhor alternativa seria a preparação de uma nova operação de loteamento assente em pressupostos diversos da anterior (resposta ao art° 19° do articulado de contraditório à réplica).
1.24. Perante essa resposta, e como forma de proceder à valorização daqueles ativos imobiliários, o Fungepi solicitou ao atelier J.…, Lda. ("J.…") que fossem:
i) adotadas diligências no sentido de ultrapassar irregularidades registrais que afetavam o loteamento já caducado e, posteriormente,
ii) preparada uma nova operação de loteamento, a submeter à Câmara Municipal ..., trabalho que foi, então, iniciado pela J.…, do mesmo passo que o Fungepi equacionou, igualmente, a possibilidade de alienar as quotas da Porticentro, tendo sido nesse quadro que a operação foi apresentada às sócias da Autora (resposta aos art°s 20° e 21° do articulado de contraditório à réplica).
1.25. Em Outubro de 2006, o Banco Espírito Santo, S.A. (doravante, designado, apenas, por "BES"), através do seu Departamento de Desinvestimento, propôs à sua cliente, a sociedade "Crediférias – Investimentos Turísticos, S.A.", na pessoa do seu acionista maioritário e Presidente do Conselho de Administração, a venda de uns terrenos situados a nascente do Estádio ..., a 100m da zona ribeirinha de ..., numa zona central da cidade, próxima da Câmara Municipal, PSP, Tribunal e outros serviços (resposta aos art°s 13° da p.i. e 7° e 56° da réplica).
1.26. Tratar-se-ia de uma zona descrita como tendo "excelentes infra-estruturas, grande projeção urbanística, bons acessos, facilidade de estacionamento" e "bem servida de transportes públicos locais" (resposta ao art° 14° da p.i.),
1.27. Tratar-se-ia de um terreno com uma área de 19.954m2 que poderia vir a ter uma área de construção acima do solo de 25.945m2, uma área de construção abaixo do solo de 23.350m2, sendo 20.700m2 habitacional, 5.240m2 Comércio e Serviços e 23.550m2 Garagem em cave sendo 152 fogos, 35 lojas, 3 pisos abaixo do solo e 7 pisos acima do solo e teria como preço de referência € 7.000.000,00 (resposta aos art°s e 16°da p.i.),
1.28. Os terrenos a transacionar incluíam os lotes de terreno para construção identificados no ponto 4 destes factos provados, que pertenciam à Autora e sobre os quais, à data, não estavam registados quaisquer ónus (resposta aos art°s 17° a 19° da p.i, e 8° da réplica).
1.29. Tendo-se mostrado interessada em conhecer este negócio, a mencionada "Crediférias" aceitou reunir-se com quem o estava a promover (resposta ao art° 10° da réplica).
1.30. Subsequentemente, realizou-se, na Av. ..., em ..., uma reunião em que participaram os administradores da sociedade "Crediférias" (os Senhores AA e BB) e o Sr. Eng. CC, como representante do BES e que também era gerente da sociedade "Porticentro", que era a proprietária dos prédios de que o Dr. DD, do BES, lhes falara (resposta ao art° 11° da réplica).
1.31. No decorrer da reunião, o representante do BES e da "Porticentro" manifestou verbalmente o interesse do BES em vender já identificados prédios pertencentes à "Porticentro" (resposta ao art° 12° da réplica).
1.32. Em fevereiro de 2007, para marcar outra reunião, o Sr. AA telefonou ao Eng. CC que o informou de que já não tinha aquele processo e que este tinha sido transferido para o "Departamento de Desinvestimento" do Banco e que o processo estava agora com o Eng. EE (resposta ao art° 13° da réplica).
1.33. Em maio/junho o julho de 2007 - também na Avenida ..., em ... - fez-se uma reunião em que participaram o Sr. Eng. EE (em representação do Departamento de Desinvestimento do BES), o Sr. AA e o seu filho BB
1.34. Mais tarde, em julho de 2007 - também na Avenida ..., em ... -realizou-se outra reunião entre os dois mencionados gerentes da "Crediférias" e o Sr. Eng. EE onde aqueles manifestaram o interesse e a vontade em comprar os lotes de terreno para construção urbana e em negociar o preço da compra e venda que acabou por se fixar no montante de €6.850.000,00 (seis milhões, oitocentos e cinquenta mil euros) (resposta ao art° 19°da réplica).
1.35. Nesta reunião foi entregue aos referidos AA e BB o "Dossier de Apresentação" elaborado pelo Departamento de Desinvestimento do BES, que se encontra junto com a p.i. como doc. 21, de fls. 63v. a 68v. dos autos (resposta aos art°s 15° da réplica e 25° do articulado de contraditório à réplica).
1.36. Nessa documentação refere-se que os elementos aí constantes "são suporte da Proposta de Loteamento elaborada com o objetivo de recolher uma 1.ª apreciação da CM. ... com vista à sua sensibilização para as negociações indispensáveis a um prosseguimento seguro do Projecto do Loteamento ..." (resposta ao art° 26° do articulado de contraditório à réplica).
1.37. Mais à frente, na Introdução da Memória Descritiva, refere-se que se pretendia "encontrar, conjuntamente com o CM ..., uma boa solução para a ocupação das áreas livres do ..., no Centro de ..., cujo desenvolvimento urbano foi suspenso pelo cancelamento do Alvará de Loteamento n.º 6/..." (resposta ao art° 27° do articulado de contraditório à réplica).
1.38. Também se refere que "a Área de Intervenção que se delimita inclui edificações pontuais de pequena escala [...] que, por não serem propriedade da Porticentro, dificultam a acção" (resposta ao art° 28° do articulado de contraditório à réplica)
1.39. Também se referia, como de resenha histórica, quanto ao Alvará de Loteamento n.º 6/..., que havia a considerar a seguinte sequência de factos:
- A edificação de um único bloco, que constituía o projectado lote 3.
- A realização parcial das infraestruturas previstas, logo não recepcionadas pela Autarquia e Entidades.
- O Cancelamento do alvará de loteamento, por incumprimento, devido às dificuldades experimentadas pela entidade promotora", referindo-se, depois, que "os activos da PORTlCENTRO são presentemente titulados por novos accionistas que pretendem revitalizar o espaço" (resposta aos art°s 29° e 30° do articulado de contraditório à réplica).
1.40. A final, no Anexo I da Memória Descritiva, constava um resumo das duas propostas possíveis, incluíndo a referência a áreas de construção acima do solo entre cerca de 25.000m2 e cerca de 27000m2
1.41. Porque lhes parecia haver boas hipóteses de melhorar a capacidade construtiva daqueles lotes e porque, registralmente, eles estavam livres de quaisquer ónus ou encargos e porque o BES estava disponível para financiar a sua aquisição, as sociedades "Crediférias Investimentos Turísticos, S.A." e "Credigolf – Investimentos Turísticos, Lda." (atuais sócias da aqui Autora) aceitaram adquirir-lhos pelo preço global de € 6.850.000,00 (seis milhões oitocentos e cinquenta mil euros) (resposta ao art° 21° da p.i.),
1.42. O BES e o mencionado Fundo (Fungepi BES) manifestaram a intenção de que a alienação daqueles lotes de terreno fosse efetuada por via indireta, isto é, através da cessão de quotas representativas do capital social da sua proprietária (que era a aqui Autora, sociedade que tinha, como único ativo, aquele terreno e não tinha qualquer passivo), invocando o BES e o "Fungepi BES" como vantagem da alienação indireta através da cessão de quotas da A. o não pagamento de IMT e de Imposto de Selo, que seriam devidos pela compra e venda direta de prédios e, ainda, a ligação que a aqui Autora tinha ao BES, o que também seria uma vantagem, e a necessidade de reforçar as garantias de pagamento das quantias que o BES lhes ia emprestar para custear a aquisição dos lotes de terreno para construção urbana (resposta aos art°s 22° a 25° da p.i. e 16° a 23°, 58° e 5go da réplica).
1.43. À data, a Autora tinha um capital social de €374.098,42 dividido em 13 (treze) quotas, todas elas tituladas pelo atualmente denominado "Fungepi Novo Banco" e que, ainda hoje, é totalmente detido por "entidades do Grupo Novo Banco" (ao tempo, designado por "Fungepi BES", primeiramente gerido por "GESFIMO-Espirito Santo Irmãos-Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A.", ao tempo, gerida pela sociedade "Fimoges - Sociedade Gestora de Fundos e Investimentos Imobiliários, S.A. e, atualmente, gerido pela "GNB - SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A.") (resposta aos art°s 20° da p.i).
1.44. Sendo antigos clientes do Banco, o Sr. AA e as atuais sócias da aqui Autora (que ele dominava e de que era administrador e gerente) aceitaram o proposto pelo BES (resposta ao art° 26° da p.i.),
1.45. O BES sugeriu e as adquirentes aceitaram o seguinte esquema:
i) unificar numa única quota do valor de €374.908,42 as 13 quotas em que o capital social estava dividido que titulava, no registo, em nome do "Fungepi";
ii) Dividir esta quota única de €374.908,42 em duas novas quotas dos valores nominais de €269.350,86 e de €104.747,51;
iii) ceder a quota do valor nominal de €269.350,86, pelo preço de €4.932.000,00, à sociedade "Crediférias";
iv) ceder a quota do valor nominal de €104.747,51, pelo preço de €1.918.000,00, à sociedade "Credigolf' (resposta aos art°s 27° da p.i, e 30° da réplica).
1.46. Em 6 de novembro de 2007 e para efetuar o pagamento de parte do preço pelos quais haviam adquirido, por via indireta, os lotes de terreno, as atuais sócias da aqui Autora celebraram com o BES um Contrato de Financiamento com o n.º ...07 pela quantia de €5.480.000,00 dando as seguintes garantias de crédito:
i) hipotecas sobre todos e cada um dos lotes de terreno que constituíam o objeto mediato das cessões de quotas representativas da totalidade do capital social da aqui Autora;
ii) livrança subscrita pelos Clientes e avalizadas pelos sócios, administradores e gerentes FF, AA e BB;
iii) penhor das duas quotas de €89.424,49 e €34.776,19 representativas do capital social da aqui Autora (resposta aos art°s da 28° p.i., 20° a 22°, 26°, 105° da contestação e 26° a 29°, 32° e 33° da réplica).
1.47. A parte restante do preço, no montante de €1.370.000,00, foi paga com recurso a um empréstimo em conta corrente titulado apenas pela "Crediférias" e garantido por aplicações financeiras tituladas pelo Sr. AA (resposta ao art° 29° da p.i.),
1.48. Por escritura pública de 05/11/2007:
i) o Fungepi BES unificou, numa única quota do valor nominal de €374.908,42, as 13 quotas em que o capital social da Porticentro estava dividido;
ii) o Fungepi BES dividiu esta quota única de €374.908,42 em duas novas quotas dos valores nominais de €269.350,86 e de €104.747,51;
iii) pelo preço de €4.932.000,00, o Fungepi BES cedeu à Crediférias - a quota do valor nominal de €269.350,86;
iv) pelo preço de €1.918.000,00, o Fungepi BES cedeu à Credigolf - a quota do valor nominal de €104.747,51 (resposta ao art° 31° da réplica).
1.49. Sobre os imóveis descritos como se discriminou no ponto 4 destes factos provados, foram constituídas e registadas, a favor do Banco Espírito Santo, S.A. três hipotecas voluntárias:
por escritura pública outorgada em 6 de novembro de 2007, a Autora constituiu a favor daquele Banco hipoteca voluntária sobre todos e cada um dos imóveis referidos em 4 destes factos provados, hipoteca que foi sobre eles foi registada pela Ap. ...81 de 22111/2007;
ii) por escritura pública outorgada em 22 de abril de 2009, a Autora constituiu a favor daquele Banco hipoteca voluntária de segundo grau sobre todos e cada um dos imóveis referidos em 4 destes factos provados, hipoteca que foi sobre eles foi registada pela Ap. ...97 de 24/09/2009;
iii) por escritura pública outorgada em 27 de fevereiro de 2012, a Autora constituiu a favor daquele Banco hipoteca voluntária de terceiro grau sobre todos e cada um dos imóveis referidos em 4 destes factos provados, hipoteca que foi sobre eles foi registada pela Ap. ...31 de 27/02/2012 (resposta aos art°s 4° a 7° da p.i, e 4, 93° e 94° da contestação).
1.50. A cada uma das inscrições das três referidas e identificadas hipotecas foi averbada a transmissão do crédito que o Banco Espírito Santo, S.A. titulava sobre a aqui Autora e, assim, o aqui Réu passou a ser o seu beneficiário (resposta ao art° 11° da p.i.),
1.51. Nos termos do contrato ...07 (junto como doc. 27 da p.i.), o capital mutuado venceria juros, a uma taxa correspondente à média anual da Euribor a 6 meses, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 0,875 pontos percentuais, sendo a mesma fixada no primeiro dia de cada período de 6 meses, a que correspondia, na data da celebração do contrato a Taxa Anual Efetiva (TAE) de 6,5805%, a pagar semestralmente, sendo que, no caso de mora no pagamento de qualquer importância devida em virtude do contrato, a sociedade Crediférias ficou obrigada a pagar, sem necessidade de ser interpelada, uma quantia determinada pela taxa de juro igual à que esteja em vigor no momento da constituição da mora, acrescida da sobretaxa máxima que a lei a cada momento permitir, a título de cláusula penal, incidindo sobre o montante em atraso, sendo os juros capitalizados na máxima amplitude legalmente admitida (resposta aos art°s 23° e 24° da contestação).
1.52. A constituição de garantia real sobre os bens imóveis da Autora foi condição para a celebração do contrato de financiamento ...07, sem a qual o BES não celebraria (resposta aos art°s 26°, 90° e 92° da contestação).
1.53. A hipoteca referida em 49 destes factos provados, celebrada por escritura pública outorgada em 6 de novembro de 2007, foi inscrita no registo predial através da Apresentação n.º ...81 de 22.11.2007 (resposta aos art°s 5°, 28° e 129° da contestação).
1.54. O montante mutuado através do contrato de financiamento ...07 foi integralmente utilizado pela Crediférias, sendo que, na data de reembolso, aquela sociedade não pagou o capital e juros vencidos, também não o tendo feito posteriormente, permanecendo por liquidar ao banco o montante de €7.606.990,30 (sete milhões seiscentos e seis mil novecentos e noventa euros e trinta cêntimos), a que acrescem juros vencidos desde 08.05.2017 e vincendos, calculados à taxa global de 8,352%, e respetivo imposto de selo incidente sobre os juros, até efetivo e integral pagamento (resposta aos art°s 30° a 32°, 106° a 108°, 120° e 122° da contestação) .
1.55. Em 22.04.2009, foi celebrado um novo contrato de financiamento (FEC ...09), junto como documento 3 da contestação, mediante o qual o BES concedeu à Autora um crédito no montante máximo global de €1.000.000,00 (um milhão de euros), destinado a custear a elaboração e execução do plano de pormenor referido em 75 e 76 (resposta aos art°s 33° e 105° da contestação).
1.56. O empréstimo titulado pelo contrato FEC ...09 foi concedido pelo prazo de 90 dias, devendo o montante efetivamente mutuado de €1.000.000,00 (um milhão de euros) ser reembolsado até ao final daquele prazo (resposta ao art° 34° da contestação).
1.57. Nos termos do contrato FEC ...09, o capital mutuado venceria juros a uma taxa correspondente à média anual da Euribor a 3 meses, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 2,8750 pontos percentuais, sendo a mesma fixada no primeiro dia de cada período de 3 meses, a que correspondia, na data da celebração do contrato a Taxa Anual Efetiva (TAE) de 4,587%, a pagar semestralmente (resposta ao art° 35° da contestação).
1.58. No caso de mora no pagamento de qualquer importância devida em virtude do contrato, a Autora ficou obrigada a pagar, sem necessidade de ser interpelada, uma quantia determinada pela taxa de juro igual à que esteja em vigor no momento da constituição da mora, acrescida da sobretaxa máxima que a lei a cada momento permitir, a título de cláusula penal, incidindo sobre o montante em atraso, sendo os juros capitalizados na máxima amplitude legalmente admitida (resposta ao art° 36° da contestação).
1.59. Nessa mesma data, para garantir o bom pagamento de todas as responsabilidades que do contrato FEC ...09 resultaram para a si, a Autora constituiu nova hipoteca voluntária, a favor do BES, sobre os prédios referidos em 4 destes factos provados (resposta ao art° 37° da contestação).
1.60. A constituição de garantia real sobre os bens imóveis da Autora foi condição para a celebração do contrato de financiamento FEC ...09, sem a qual o BES não o celebraria (resposta aos art°s 38°, 90° e 92° da contestação).
1.61. A hipoteca, celebrada por escritura pública outorgada em 22 de abril de 2009, foi inscrita no registo predial através da Apresentação n.º ...97 de 24.04.2009 (resposta aos art°s 40° e 129° da contestação).
1.62. O montante mutuado pelo contrato de financiamento FEC ...09 foi integralmente utilizado pela Autora, sendo que, na data de reembolso, aquela não procedeu ao pagamento do capital e juros vencidos, também não o tendo feito posteriormente, permanecendo por liquidar ao banco o montante de €1.465.748,80 (um milhão quatrocentos e sessenta e cinco mil setecentos e quarenta e oito euros e oitenta cêntimos), a que acrescem os juros vencidos desde 08.05.2017 e os vincendos à taxa contratual global de 8,190% (resposta aos art°s 42° a 44° e 106° da p.i, e 108°, 120° e 122° da contestação).
1.63. Em 27.02.2012, foi celebrado novo contrato de financiamento (FEC ...11, que se encontra junto com a contestação como doc. 4) mediante o qual o BES concedeu à Autora novo crédito no montante máximo global de €1.100.000,00 (um milhão e cem mil euros), destinado a custear a elaboração e execução do plano de pormenor referido em 75 e 76 (resposta aos art.ºs 4Soe10S0dacontestação).
1.64. O empréstimo FEC ...11 foi concedido pelo prazo de 365 dias, devendo o montante efetivamente mutuado de €1.000.000,00 (um milhão de euros) ser reembolsado até ao final daquele prazo (resposta ao art° 46° da contestação).
1.65. Nos termos do contrato FEC ...11, o capital mutuado venceria juros a uma taxa correspondente à média anual da Euribor a 12 meses, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 5,00000 pontos percentuais, sendo a mesma fixada no primeiro dia de cada período de 12 meses, a que correspondia, na data da celebração do contrato a Taxa Anual Efetiva (TAE) de 6,87500%, a ser pagos anualmente (resposta ao art° 47° da contestação).
1.66. No caso de mora no pagamento de qualquer importância devida em virtude do contrato FEC ...11, a Autora ficou obrigada a pagar, sem necessidade de ser interpelada, uma quantia determinada pela taxa de juro igual à que esteja em vigor no momento da constituição da mora, acrescida da sobretaxa máxima que a lei a cada momento permitir, a título de cláusula penal, incidindo sobre o montante em atraso, sendo os juros capitalizados na máxima amplitude legalmente admitida (resposta ao art° 48° da contestação).
1.67. Nessa mesma data de 27.02.2012, para garantir o bom pagamento de todas as responsabilidades que do mencionado contrato de financiamento FEC ...11 resultaram para a si, a Autora constituiu terceira hipoteca voluntária, a favor do BES, sobre os prédios referidos em 4 destes factos provados (resposta ao art° 49° da contestação).
1.68. A constituição de garantia real sobre os bens imóveis da Autora foi condição para a celebração do contrato de financiamento FEC ...11, sem a qual o BES não o celebraria (resposta aos art°s 50°, 90° e 92° da contestação).
1.69. A hipoteca, celebrada por escritura pública outorgada 27 de fevereiro de 2012, foi inscrita no registo predial através da Apresentação n.º ...31 de 27.02.2012 (resposta aos art°s 5°, 52° e 129° da contestação).
1.70. O montante mutuado pelo contrato FEC ...11 foi integralmente utilizado pela Autora, sendo que, na data de reembolso, a Autora não procedeu ao pagamento do capital e juros vencidos, também não o tendo feito posteriormente, permanecendo por liquidar ao banco o montante de €1.615.879,50, (um milhão seiscentos e quinze mil oitocentos e setenta e nove euros e cinquenta cêntimos), a que acrescem juros vincendos, calculados à taxa global de 8,672%, e respetivo imposto de selo incidente sobre os juros, até efetivo e integral pagamento (resposta aos art°s 54° a 56°, 106° a 108°, 120° e 122° da contestação).
1.71. Quando confrontadas com o facto de o alvará de loteamento n° 6/... estar definitivamente caducado, as sócias da Autora deslocaram-se à Câmara Municipal ... para obterem informação sobre os lotes e constataram que os mesmos apresentavam uma capacidade construtiva potencial superior ao dobro daquela que estava contemplada no projeto a que se referia a Memória Descritiva mencionada em ... destes factos provados, e que era de cerca de 25.000m2 e, com base nessa informação, a decisão das sócias da Autora foi a de não prosseguirem o novo projeto de loteamento já em preparação pelo Fungepi e, ao invés, investirem na elaboração de plano próprio, pelo que propuseram à Câmara Municipal ... elaborar um Plano de Pormenor para toda a área do antigo "Prédio Mãe", diferente do que o que existira e desaparecera, que veio a ser o "Plano de Pormenor da ..." (resposta aos art°s 37° e 65° a 68° da réplica e 32° e 33° do articulado de contraditório à réplica).
1.72. Essa estratégia, em face da informação que havia sido recebida da CM..., foi desaconselhada pelos representantes do Fungepi nas reuniões de negociação (resposta aos art°s 22° e 34° do articulado de contraditório à réplica).
1.73. Porém, as sócias da Autora sempre argumentaram que dispunham de excelentes relações com a Câmara Municipal ..., pelo que perspetivavam facilidades na aprovação da sua estratégia, manifestando confiança na viabilidade da mesma (resposta ao art° 35° do articulado de contraditório à réplica).
1.74. As sócias da Autora solicitaram também que lhes fosse permitida a realização de uma "due diligence" à Porticentro, o que o Fungepi permitiu, tanto mais que é o procedimento padrão de qualquer potencial comprador neste tipo de negócios, especialmente tendo em conta o valor negociado de transmissão, e foi após todas essas diligências prévias, que as quotas da Porticentro vieram a ser adquiridas pela Crediférias e pela Credigolf (resposta aos art°s 36° e 37° do articulado de contraditório à réplica).
1.75. Desde, pelo menos 2008, a Autora promoveu, em cooperação com a CM..., a elaboração do Plano de Pormenor de Estruturação Urbanística da Área da ... (PP.…), o qual abrangia a área dos bens imóveis referidos no ponto 4 destes factos provados (resposta aos art°s 57° da contestação e 65° a 68° da réplica).
A Autora promoveu, em cooperação com a Câmara Municipal ..., a elaboração do Plano de Pormenor de Estruturação Urbanística da Área da ... (PP...), com uma intervenção de 109.450,16 m2, que abrange toda a área do antigo prédio rústico na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...88, isto é, toda a área de terreno onde se integravam os 8 lotes criados pelo caducado Alvará 6/..., acrescida da área de 14.854 m2 que, nos termos daquele Alvará, se destinava a arruamentos, parques e outras infraestruturas e de outros terrenos camarários e de terceiros, nos termos da proposta a fls. 267 dos autos.
1.76. Dada a concordância da Câmara Municipal e sempre com o conhecimento e financiamento do BES, a sócia maioritária da aqui A. ("Crediférias") promoveu e custeou, junto de técnicos destas matérias, a elaboração do Plano de Pormenor que ficou conhecido por "Plano de Pormenor de Estruturação Urbanística da ..." (PP...) com uma intervenção de 109.450,16 m2 que veio a ser aprovado pela Assembleia Municipal ... em 28 de fevereiro de 2011 e publicado, através do Aviso n° 7949/2011, no Diário da República, II Série, n° 63 do 30 de março, e que tem as características constantes do documento n° 2 da réplica e do documento de fls.267 da Contestação (resposta aos art°s 58° da contestação e 38° 40° da réplica).
1.77. A área total dos lotes de terrenos criados pelo caducado Alvará 6/... era de 6.480m2, enquanto as áreas dos 6 novos lotes criados pelo Plano de Pormenor e pertencentes à aqui A. passou a ser de 21.300,8lm2 (resposta ao art° 39° da réplica).
1.78. A A., através de diligências que efetuou para o efeito em 2015, procurando simular critérios da Autoridade Tributária e Aduaneira, atribuiu aos 6 lotes de terreno para construção decorrentes do Plano de Pormenor da ..., entretanto aprovado os seguintes valores:
LOTE 1 - €4.023.710,00 LOTE 2 - €3.362.510,00 LOTE 3 - €3.752.830,00
LOTE 4 - €2.394.400,00 LOTE 5 - €2.940.810,00 LOTE 6 - €3.011.250,00
num total de € 19.485.510,00 (resposta aos art°s 41°e 42° da réplica).
1.79. Para concretizar a execução do PP.… era indispensável garantir à Câmara Municipal a execução das infra-estruturas, constituindo hipoteca voluntária a seu favor sobre um dos 6 novos lotes a pertencer à A, e era também indispensável obter o financiamento necessário à execução dessas infra-estruturas, o que só seria exequível com a constituição de hipoteca sobre um outro dos 6 novos lotes a pertencer à aqui A. (resposta aos art°s 43°, 44° e 52° da réplica).
1.80. O BES não aceitou estas exigências da Câmara Municipal ... e, quando, em 3 de agosto de 2014, os créditos do BES foram transferidos para o aqui Réu, este manteve a posição assumida pelo BES (resposta aos art°s 45°, 46°, 51°, 52° e 57° da réplica).
1.81. O Plano de Pormenor aprovado não chegou a ser levado ao registo predial porque todos os lotes de terreno criados pelo Alvará caducado estavam onerados com hipotecas a favor do BES e os sucessivos Conservadores do Registo Predial ... tinham o entendimento de que tal registo não era admissível enquanto se mantivessem sobre os prédios da aqui A. as inscrições de registo das hipotecas constituídas por imposição do BES ou enquanto o credor hipotecário não autorizasse o seu cancelamento (resposta aos art°s 47° a 49° da réplica).
1.82. O PPHP ainda não foi executado e a operação de reparcelamento prevista naquele instrumento de gestão territorial ainda não foi aprovada (resposta ao art° 60° da contestação).
1.83. Sem conseguir construir nos terrenos referidos em 4 destes factos provados, as sócias da A. e a A. não conseguiram pagar os empréstimos que o BES lhes foi fazendo e os respetivos juros e o Réu veio pedir a insolvência da aqui A. e da sua sócia maioritária, tendo tais pedidos improcedido (resposta aos art°s 53° e 54° da réplica).
1.84. A vontade bilateral das Partes foi constituir as Hipotecas referidas nos pontos 49,53, 59 e 67 destes factos provados, sobre os bens imóveis da Autora, referidos em 4 destes factos provados, não tendo sido intenção das partes discutir o modo como os prédios estavam descritos, tanto mais que, sem garantias reais prestadas pela Autora não teriam sido concedidos os financiamentos a que as Hipotecas se referem (resposta aos art°s 59°, 74°, 810, 82°, 89°, 90°, 92°, 110°,111° e 122° da contestação e 72° da réplica).
1.85. Durante as negociações que ocorreram entre as Partes, a questão da caducidade do loteamento foi discutida, e foi transmitido às sócias da Autora que uma nova operação de loteamento se encontrava a ser preparada pelo atelier J... a pedido da Fungepi, bem como deixada em aberto a possibilidade de, após eventual aquisição da Porticentro, a mesma manter em curso aquele projeto, de forma a que fossem aproveitados os atos já praticados, até porque esse projeto já refletia diversos pressupostos e detalhes discutidos previamente com a Câmara Municipal ..., no sentido de a nova operação de loteamento preencher as condições necessárias à sua aprovação camarária (resposta aos art°s 22° e 23° do articulado de contraditório à réplica).
1.86. À Autora e às ora detentoras do seu capital social não foi ocultada qualquer informação, sendo que a informação referente ao Alvará 6/... e aos lotes sempre esteve ao acesso de qualquer interessado, nomeadamente junto da Câmara Municipal ... (resposta aos art°s 38° a 40° do articulado de contraditório à réplica).
1.87. A Crediférias e a Credigolf, detentoras da totalidade do capital social da Autora desde 2007, sabiam quando adquiriram as participações da A. que a CM... havia declarado a caducidade do Alvará de Loteamento n° 6/... em 23.04.1996 (resposta aos art°s 103°, 104°, 112°,113°,116°,123°,131 e 132° da contestação).
1.88. Os novos lotes criados pelo plano de pormenor e pertencentes à Autora são os lotes 1, 2, 3, 4, 5, 6 previstos no plano e integram as Unidades de Execução 1 (UE1) e 2 (UE2).
1.89. A execução/concretização de cada uma das EU é independente das restantes.
1.90. A execução da EU 1, onde se localizam os novos lotes 4, 5, 6 e 7, abrange apenas terrenos da Autora e não está comprometida pela demolição de equipamentos desportivos prevista no plano, nem pela construção do novo Clube de Ténis em terrenos fora da área de intervenção do plano.
1.91. A execução da EU 2, onde se localizam os novos lotes 1, 2 e 3, abrange uma zona ocupada pelo Viveiro Municipal e parte das instalações do Clube de Ténis pelo que está condicionada à construção, pela Autora, de um novo Clube de Ténis em terrenos a designar pela Câmara e à mudança das instalações dos Viveiros para a já existente Quinta ....
2. Das nulidades do Acórdão recorrido
A Recorrente alega que no Acórdão recorrido o segmento da decisão relativo à nulidade das hipotecas por inexistência jurídica do seu objeto em consequência da caducidade do alvará e o segmento da decisão relativa à nulidade das hipotecas por violação do artigo 322º do Código das Sociedade Comerciais (com exceção de 5 parágrafos iniciais) são uma reprodução integral (não assinalada) da sentença proferida na 1ª instância que se traduz numa adesão total e acrítica às decisões nela contidas.
Acrescenta a Recorrente que uma vez que a matéria de facto fixada na sentença da 1.ª instância foi impugnada e, no Acórdão recorrido, procedeu-se a algumas alterações àquela matéria de facto, por força do disposto no n.º 6 do artigo 663º do Código de Processo Civil, impunha-se ao Tribunal a quo apreciar criticamente as questões colocadas no recurso. Conclui que a simples remessa para os termos da sentença recorrida equivale a uma absoluta falta de fundamentação da decisão.
De acordo com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil: “É nula a sentença quando: b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”
Compulsado o teor da fundamentação do Acórdão recorrido, é manifesto que a Recorrente confunde falta de fundamentação com eventual fundamentação insuficiente. Como constitui jurisprudência uniforme do STJ: “o vício de falta de fundamentação só se verifica quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos da decisão e já não quando a fundamentação seja meramente deficiente, incompleta, aligeirada ou não exaustiva” (cf. Acórdão do STJ de 16/11/2021 - Revista n.º 5097/05.4TVLSB.L2.S3 -)
- No mesmo sentido e a título meramente exemplificativo, vejam-se os Acórdãos do STJ de 10/05/2021 (Incidente n.º 3701/18.3T8VNG.P1.S1), de 21/09/2021 (Revista n.º 2856/17.9T8AGD.P1.S1), de 8/06/2021 (Revista n.º 215/16.0T8VPA.G2.S1) e de 9/12/2021 (Incidente n.º 7129/18.7T8BRG.G1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt -
No caso dos autos, o Tribunal da Relação, no que respeita à matéria de direito, sufragou a fundamentação da decisão da 1.ª instância, reproduzindo no Acórdão recorrido os argumentos ali aduzidos, pelo que não se tratou sequer de uma remissão, mas antes da reprodução da fundamentação daquela sentença, o que não configura qualquer nulidade.
Como se afirmou no Acórdão do STJ de 25/02/2014 (Revista n.º 5796/04.8TVLSB.L1.S1): “não é nulo o acórdão da Relação que, após isolar e situar as questões a resolver, procedeu à remissão para o conteúdo da sentença, que reproduziu e integrou no texto do acórdão, afirmando expressamente que a decisão recorrida não merecia censura, adoptando a integralidade da respectiva fundamentação” (neste sentido, vejam-se os Acórdãos de 9/02/2021 (Revista n.º 753/08.8TBLGS.E1.S1) e de 5/12/2019 (Revista n.º 650/12.2TBCLD-B.C1.S1, publicados em www.dgsi.pt).
Quanto à impugnação da matéria de facto, o Tribunal da Relação fundamentou a sua decisão, apreciando cada um dos pontos de facto impugnados pela aqui Recorrente, pelo que não se verifica nessa parte qualquer falta de fundamentação. Também a alteração da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal da Relação abrangeu apenas alguns pontos, não tendo tido qualquer relevância no enquadramento jurídico dos factos, pelo que não vislumbramos que a modificação da matéria de facto provada constituísse obstáculo à adoção pelo Tribunal da Relação da fundamentação da sentença de 1.ª instância.
É, assim, manifesta a inexistência do vício apontado pela Recorrente.
A Recorrente invoca também que o Acórdão recorrido, repetindo o vício da sentença da 1.ª instância, não se pronunciou quanto à questão da aprovação do Plano de Pormenor da ... (PP.…) “haver criado uma nova divisão fundiária na área dos ex-lotes extinguindo a divisão fundiária decorrente do alvará de loteamento 6/... que, entretanto, havia caducado, sendo tal questão relevante para apurar da (in)existência jurídica dos (ex) lotes em causa nos autos e, consequentemente, da nulidade das hipotecas sobre eles constituídas.”
Também quanto a esta nulidade, julgamos que a Recorrente confunde “questões “com “argumentos”. Como constitui jurisprudência uniforme do STJ, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia “apenas se verificará nos casos em que ocorra omissão absoluta de conhecimentos relativamente a cada questão e já não quando seja meramente deficiente ou quando se tenham descurado as razões e argumentos invocados pelas partes” (Acórdão do STJ de 16/11/2021, Revista n.º 5097/05.4TVLSB.L2.S3).
- Neste sentido, vejam-se também os Acórdãos de 9/02/2021 (Incidente n.º 7228/16.0T8GMR.G1.S1), Acórdão de 12/01/2021 (Revista n.º 379/13.4TBGMR-B.G1.S1) e de 10/12/2020 (Revista n.º 189/14.1TBPTM.E1.S1).
No caso dos autos, a questão sobre a qual o Tribunal a quo tinha o dever de se pronunciar traduz-se na apreciação dos efeitos da caducidade de alvará de loteamento n.º 6/... sobre os lotes por ele criados e sobre as hipotecas constituídas sobre tais lotes, discutindo-se a alegada inexistência jurídica dos mesmos e, consequentemente, da nulidade das hipotecas sobre eles constituídas.
Tendo o Tribunal da Relação defendido que as realidades físicas em que se corporizam os prédios correspondentes aos “lotes” não desapareceram, não deixaram de ter existência com a caducidade do alvará de loteamento, concluiu que nada impedia os titulares dos “ex-lotes” de sobre os mesmos celebrarem negócios jurídicos (maxime, de eficácia transmissiva ou constitutiva de direitos reais). Assim, concluindo pela validade dos negócios constitutivos das hipotecas cuja declaração de nulidade foi peticionada pela Autora, não seria a aprovação do Plano de Pormenor da ... (PP.…) e a criação de uma nova divisão fundiária na área daqueles ex-lotes que tornaria inválidos aqueles mesmos negócios. A alegada criação de nova divisão fundiária que substituiu a divisão decorrente do Alvará de Loteamento n.º 6/... não torna nulos os negócios feitos com base na divisão fundiária anterior. Tratam-se, assim, de meros argumentos, ainda que sustentados em factos provados, suscitados pela Recorrente em abono da sua posição que o Tribunal da Relação não estava obrigada a apreciar, pois, como acima se referiu, o que é legalmente exigido ao julgador é que aprecie as questões suscitadas pelas partes e não as razões ou argumentos por elas invocados.
Em conclusão, não se verifica, assim, qualquer omissão de pronúncia.
3. Efeitos da caducidade do alvará de loteamento sobre os lotes por ele criados e sobre as hipotecas constituídas sobre tais lotes
No Acórdão recorrido, considerou-se que a caducidade do alvará de loteamento não implica a nulidade das hipotecas constituídas sobre os lotes por ele criados.
Os argumentos utilizados pelo Acórdão recorrido que sufragou por inteiro a fundamentação da sentença de 1.ª instância podem sintetizar-se nos seguintes pontos:
a) A caducidade do alvará de loteamento não provoca a destruição do efeito real da transformação fundiária coetâneo da eficácia do ato de aprovação do loteamento: os lotes afetados pela caducidade (cf. o n.º 7 do artigo 71º RJUE), apesar dela, não perdem o fundamental e básico estatuto de prédio;
b) Por conservarem o estatuto de prédios autónomos, mau grado a declaração de caducidade que porventura os atinja, nada impede os titulares dos “ex-lotes” de sobre os mesmos celebrarem negócios jurídicos (maxime, de eficácia transmissiva ou constitutiva de direitos reais);
c) Os efeitos da caducidade do alvará de loteamento circunscrevem-se ao âmbito próprio do direito administrativo, aí suspendendo o jus aedificandi nele previsto relativamente aos lotes que não chegaram a ser objecto de licenciamento de construção.
d) Assim, com a caducidade do alvará de loteamento, os lotes deixam de existir enquanto lotes, com a concreta permissão de edificação que o alvará lhes concedia, mas não deixaram de ser prédios;
e) Os prédios, por norma, não desaparecem (salvas algumas situações de catástrofe natural). E os prédios podem ser hipotecados;
f) As realidades físicas em que se corporizam os prédios não desaparecem, não deixam de ter existência no mundo (e mesmo em caso de ruína de uma edificação, continua, em geral, a subsistir o prédio que anteriormente seria apenas o seu solo, salvo se se tratar de uma arriba). Ou seja, se uma determinada realidade que existe no terreno deixa de ali estar implantada, o terreno não deixa por isso de existir;
g) Caducando o loteamento, se não existirem obstáculos à construção, como sejam a inclusão da área em zona de Reserva Agrícola ou de Reserva Ecológica Nacional, poderá vir a ser efetuado e licenciado um novo loteamento, e, subsequentemente, vir até a ser feita construção no local do loteamento caducado (de resto, o que a. pretende).
No seu recurso de revista, a Recorrente insurge-se contra este entendimento e concluiu em sentido contrário, ou seja, pela nulidade por impossibilidade legal do objeto, nos termos do artigo 280.° do Código Civil, dos negócios jurídicos de constituição das hipotecas, podendo sintetizar-se os respetivos argumentos nos seguintes pontos:
a) A declaração, pela Câmara Municipal, da caducidade-sanção da licença de loteamento e a cassação do respetivo alvará – após audiência prévia do interessado – tem como efeito a cessação da eficácia do ato autorizativo. Consequentemente, declarada a caducidade-sanção e cassado o alvará, extinguem-se os lotes – as unidades prediais com capacidade edificativa precisa e estabilizada – criados pelo ato de licenciamento;
b) A doutrina, a jurisprudência e o Conselho Consultivo do IRN entendem unanimemente que ao dono do ex-lote está vedada a possibilidade de negociá-lo como lote, porque este deixou de existir;
c) Os lotes - unidades prediais com um estatuto urbanístico preciso, por conterem uma edificabilidade definida e estabilizada - constituem unidades prediais ou realidades muito diversas, quer fáctica quer juridicamente, de quaisquer parcelas de terreno com a capacidade edificativa que em cada momento os instrumentos de planeamento lhe defiram;
d) A caducidade-sanção da licença de loteamento e a cassação do respetivo alvará tiveram como consequência necessária o desaparecimento dos lotes criados pela operação de loteamento – em relação aos quais não tinha sido diferido qualquer pedido de licenciamento para obras de edificação, nem tinha sido apresentada qualquer comunicação prévia da realização dessas obras - e, consequentemente, os três negócios hipotecários celebrados sobre tais ex-lotes são nulos por impossibilidade legal do objeto, nos termos do artigo 280.° do Código Civil;
e) Assim sendo, estando em causa um negócio real, dúvidas não podem subsistir quanto ao facto de este não ter um objeto legalmente possível se visar a constituição de um direito real sobre coisa que deixou de existir - a ligação entre a coisa e o direito real que sobre ela incide é tão estreita que, mudando, extinguindo-se ou perdido o objeto, o direito real extingue-se. É a característica da inerência;
f) Sendo os negócios hipotecários - celebrados em data posterior à data da caducidade-sanção da licença de loteamento e da consequente cassação do respetivo alvará - nulos por impossibilidade legal do objeto, as respetivas inscrições registais que publicitam a existência das três hipotecas também são nulas, nos termos da alínea b) do artigo 16.° do Código do Registo Predial;
g) Consequentemente, declarada a nulidade dos negócios hipotecários que tiveram por objeto os ex-lotes ou coisa inexistente, devem ser totalmente canceladas as fichas desses lotes;
h) Contra o afirmado, não procede o argumento segundo o qual o registo predial continuou a publicitar a existência dos lotes. Isto porque, como já afirmámos, tal como os lotes não são criados em virtude da inscrição registal, também não deixam de ser inexistentes quando as respetivas descrições sobreviverem no Registo Predial. Por outra via, o facto de o registo publicitar a existência de lotes - em data posterior à data da caducidade-sanção da licença de loteamento e da consequente cassação do respetivo alvará - não gera a existência de tais lotes e a manutenção do registo não conduz à sua existência, não os faz subsistir substancialmente, nem os faz renascer. E, isto, maxime quando em causa estão ex-lotes para os quais não foi aprovado qualquer pedido de licenciamento para obras de edificação, nem foi apresentada qualquer comunicação prévia da realização dessas obras;
i) O Novo Banco, apesar de ser titular registal, não pode ser considerado terceiro e beneficiar da tutela do artigo 291.º do Código Civil ou do artigo 17.° do Código do Registo Predial. Isto, porque, independentemente da boa ou má fé do NOVO BANCO, ambos os artigos, além do mais, se limitam a tutelar o terceiro que haja adquirido por negócio jurídico e a título oneroso e o NOVO BANCO adquiriu ope legis e não a título oneroso;
j) A transmissão dos direitos de crédito do Banco Espírito Santo, S.A. para o NOVO BANCO não importou a transmissão de quaisquer garantias hipotecárias sobre os oito ex-lotes pela singela razão de que tais hipotecas nunca se constituíram ou existiram;
k) A manutenção no registo da descrição dos oito ex-lotes e das inscrições hipotecárias a favor do NOVO BANCO não trazem qualquer vantagem legítima a este, têm prejudicado a AUTORA - designadamente porque têm impedido, com todas as consequências daí decorrentes, o registo do Plano de Pormenor de Estruturação Urbanística da Área da ... (PP...), aprovado pela Assembleia Municipal ... em 28 de Fevereiro de 2011 e publicado, através do Aviso n.º 7949/2011, no Diário da República, II Série, n.º 63, de 30 de Março de 2011 - e, assim, não são mais do que um escolho para o comércio jurídico que deve ser removido o mais depressa possível;
l) O Plano de Pormenor de Estruturação Urbanística da Área da ... é um plano municipal de ordenamento do território com efeitos registais, que vincula as entidades públicas e ainda direta e imediatamente os particulares e que tem a qualidade de título da transformação fundiária sendo, enquanto tal, o elemento produtor dos efeitos reais;
m) O efeito real da individualização jurídica dos lotes e parcelas resultantes da transformação fundiária decorreu direta e imediatamente do Plano de Pormenor de Estruturação Urbanística da Área da ..., mais concretamente, da publicação em Diário da República que lhe conferiu eficácia;
n) Consequentemente, o plano em causa constitui título bastante para efeitos de registo predial dessas transformações;
o) O facto de tal plano ainda não ter sido registado em nada afeta o efeito real da divisão fundiária por si gerado. Efetivamente, é necessário distinguir o efeito real da divisão fundiária - a criação dos lotes - e o efeito real translativo das parcelas de terreno para o município. O primeiro efeito decorre direta e imediatamente da publicação no Diário da República do plano de pormenor (regulamento, planta de implantação e planta de condicionantes) e da deliberação municipal que o aprovou, e o registo do loteamento nem sequer é condição de oponibilidade do facto a terceiros. O segundo efeito - o efeito real translativo das parcelas de terreno para o município - ocorre com o registo do loteamento, assumindo então este registo natureza constitutiva;
p) O facto de o referido plano ainda não ter sido executado também não prejudica, de qualquer modo, o efeito real da divisão fundiária por si gerado;
q) A partir da entrada em vigor do referido diploma legal, o plano de pormenor deixou de ser apenas instrumento de planeamento de execução das opções urbanísticas dos planos municipais para se se apresentar também na modalidade de instrumento de execução (plano de pormenor com efeitos registais) tornando-se autossuficiente para fundar diretamente operações de transformação fundiária (de loteamento ou fracionamento, de reparcelamento ou de estruturação da compropriedade), dispensando, pois, um procedimento administrativo subsequente e equiparando-se, assim, aos demais instrumentos de execução capazes de efetivar a recomposição predial do solo;
r) Precisamente por isso, qualquer alteração ao nível da conceção urbanística subjacente à operação, executada ou concretizada em plano de pormenor com efeitos registais e em contrato de urbanização que, por exemplo, se traduza na redução do número de lotes criados e no consequente aumento da área dos restantes, há-de ser refletida em sede de alteração desses instrumentos;
s) Em conclusão, já não existe o prédio rústico, sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...88 a fls. ... do Livro ... e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...58, nem os lotes descritos na Conservatória do Registo Predial sob os n.ºs ...29, ...30, ...31, ...32, ...59, ...60, ...61 e ...33. Em virtude do Plano de Pormenor de Estruturação Urbanística da Área da ..., agora existem seis novos lotes que absorvem toda a área de terreno dos ex-lotes criados pela caducada licença de loteamento titulada pelo Alvará 6/...;
t) Não é possível a conversão dos três negócios hipotecários nulos, porque com objeto legalmente impossível, em três novos negócios válidos;
u) Para que se possa admitir a conversão de um negócio jurídico nulo nos termos do disposto no artigo 293° do Código Civil é necessário, além do mais, que o negócio sucedâneo diga respeito ao mesmo objeto material a que respeitava o negócio principal e neste caso o objeto material a que respeitaram os negócios inválidos inexistiam, pois eram ex-lotes. Precisamente por isso, tais negócios são nulos. E, tais ex-lotes continuam a inexistir. Não podendo, portanto, ser objeto de qualquer negócio real sucedâneo válido;
v) Acresce que, tendo presente a posição que a Autora manifestou na Réplica, contrária à verificação da conversão, tal conversão sempre seria inviável pois a conversão opera para satisfazer a confiança das partes na proteção jurídica, tendo em vista as finalidades práticas visadas pelos interessados e, portanto, não pode converter-se um negócio inválido a vontade e os interesses de ambas as partes.
Por sua vez, o Recorrido sustenta a posição assumida pelas instâncias, podendo sintetizar-se os seus argumentos nos seguintes pontos:
a) O Recorrido nunca pôs em causa que, na sequência da caducidade do Alvará n.º 6/..., os “lotes” deixaram de existir, nem questionou que os “lotes” já não existiam, enquanto tal, à data da constituição das hipotecas – como se leu na Sentença da primeira instância, “isso, todos os intervenientes no negócio sabiam”;
b) A caducidade do Alvará n.º 6/... retirou aos prédios a sua aptidão construtiva (daí que tenham deixado de ser qualificados, também, como lotes), mas não a sua autonomia predial (resultante da sua desanexação de um prédio-mãe), ou seja não elimina a sua autonomização fundiária nem a sua existência enquanto prédios, bem como a suscetibilidade de serem objeto de negócios jurídicos;
c) Os prédios (conceito jurídico-civil relevante para a discussão destes autos) resultantes de desanexação efetuada a coberto do alvará de loteamento nunca se extinguiram, nem desapareceram, mantêm a sua autonomia predial e que, como prédios que são, embora “despidos” de uma específica aptidão construtiva, não se extinguem e são plenamente suscetíveis de ser objeto de negócios jurídicos;
d) A caducidade-sanção não provoca a destruição dos efeitos já produzidos pelo ato administrativo, «apenas» tornando inadmissível que, depois dela, os efeitos de tal ato continuem a produzir-se”;
e) Ora, um dos efeitos já produzidos foi precisamente a divisão fundiária resultante das desanexações concretizadas com base no Alvará de Loteamento n.º 6/..., tanto em 1982 como em 1988, portanto bem antes da decisão de caducidade proferida inicialmente em 1996;
f) Segundo o Conselho Consultivo do IRN, como a caducidade faz com que o lote perca o estatuto de lote (terreno destinado à edificação urbana), mas não o estatuto de prédio individualizado, não deve ocorrer a inutilização das descrições, nem deve ressurgir registralmente a descrição do prédio raiz ou prédio «mãe»;
g) As hipotecas, como decorre do artigo 688.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, incidem sobre prédios – independentemente de os mesmos serem, do ponto de vista urbanístico, qualificados ou não como lotes e dotados ou não, portanto, de aptidão construtiva;
h) Se incidem, por exigência legal, como incidiram neste caso, sobre prédios e se esses prédios existiam juridicamente à data, como ainda hoje existem, é evidente a falta de fundamento da arguição de nulidade das hipotecas que fundamentou estes autos;
i) Conforme se defende no Parecer do Conselho Consultivo da PGR em que foi relatora Fernanda Maçãs, de 26.09.2002, com o número convencional PGRP00002046, disponível em www.dgsi.pt, num caso como o dos autos, a caducidade só opera a partir do momento em que é declarada (efeito ex nunc) pois a declaração de caducidade de operação de loteamento por falta de conclusão das obras de urbanização é, precisamente, um dos exemplos de uma caducidade-sanção, cuja operatividade depende de prévia declaração por parte da Câmara Municipal;
j) O que é igualmente reconhecido pela ilustre subscritora do parecer junto pela Recorrente que afirma (vide p. 18 do Parecer) o seguinte: “Sublinhe-se ainda que a caducidade-sanção não provoca a destruição dos efeitos já produzidos pelo ato administrativo, «apenas» tornando inadmissível que, depois dela, os efeitos de tal ato continuem a produzir-se”;
k) A «caducidade do alvará» - simplesmente anotada à descrição dos lotes, em nada pôde afetar a descrição dos prédios hipotecados, inclusivamente quanto à sua área, localização e artigo matricial, que qualquer anotação (ao invés do averbamento) é legal e totalmente inepta para conseguir alterar (…). Afetou unicamente a sua “capacidade construtiva” que teria de constar do alvará e do correspondente registo – publicitando-a erga omnes - mas que, in casu, qualquer terceiro (maxime terceiro de boa-fé) de todo ignoraria, uma vez que a inscrição de autorização de loteamento nunca foi lavrada.”;
l) O efeito de divisão fundiária produzido pela aprovação da operação de loteamento consumou-se logo com a sua emissão, não sendo passível de ser destruído pela declaração de caducidade da operação de loteamento;
m) Deste modo, a declaração de caducidade da operação de loteamento apenas determina a extinção da capacidade edificativa atribuída às unidades fundiárias criadas com base na operação de loteamento, mas não apaga a divisão fundiária entretanto operada e consolidada com a desanexação daquelas parcelas de terreno do prédio loteado;
n) Esse entendimento está hoje refletido no artigo 71.º, n.º 7, alínea c), do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na sua redação atual;
o) A argumentação da Recorrente é no sentido de defender que as hipotecas foram constituídas sobre efetivos lotes, com base, única e exclusivamente, no facto de essa designação constar das escrituras públicas;
p) Não foram, nem podiam ter sido, quer porque as partes conheciam a caducidade do Alvará de Loteamento n.º 6/..., quer porque as hipotecas, conforme decorre do disposto no artigo 688.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, só podem ter por objeto (para o que aqui releva) prédios rústicos ou urbanos;
q) A Recorrente alega também que aquilo que as partes pretenderam transacionar foram lotes e não prédios, de onde decorre que as partes teriam pretendido transacionar os prédios com a aptidão construtiva que resultou, em tempos, do Alvará de Loteamento n.º 6/...;
r) Ora, se é pacífico nos autos, por decorrer da prova, que nunca, em caso algum, os representantes do Fungepi BES transmitiram aos representantes legais das compradoras a ideia de possibilidade de “reativação” daquele Alvará;
s) Se há coisa que as partes sabiam é que, no momento das transações relevantes, aqueles prédios não dispunham de qualquer aptidão construtiva, que apenas poderiam voltar a tê-la em resultado de uma operação urbanística subsequente, como o projeto de novo loteamento que o Fungepi BES já tinha, à data, em preparação, e que as compradoras da Recorrente não pretenderam prosseguir.
A Recorrente pugna pela nulidade dos negócios jurídicos hipotecários por impossibilidade do objeto, nos termos do artigo 280.° do Código Civil, segundo o qual “é nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.”
Na medida em que a impossibilidade do objeto dos negócios se reporta à alegada inexistência dos lotes criados pelo Alvará de Loteamento n.º 6/..., importa, antes de mais, apurar o regime legal aplicável ao loteamento em causa nos autos.
De acordo com a factualidade provada, o Alvará de Licença de Loteamento n.º 6/... em discussão nos autos foi emitido em 8 de agosto de 1980, data em que vigorava o Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de junho, que reviu o regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46673 que regulava a intervenção das autoridades administrativas responsáveis nas operações de loteamento.
De acordo com o artigo 1.º desse diploma legal, “a operação que tenha por objeto ou simplesmente tenha como efeito a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios, situados em zonas urbanas ou rurais, e destinadas imediata ou subsequentemente à construção, depende de licença da câmara municipal da situação do prédio ou prédios, nos termos do presente diploma”. Nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 1 desse diploma, “A licença de loteamento será titulada por alvará, do qual constarão sempre a data da aprovação do plano de urbanização que o abrange ou, na sua falta, a data do parecer da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização a que se refere o artigo 2º, a data da deliberação que aprovou o projeto definitivo das obras de urbanização, o número de lotes e respetiva identificação, bem como as condições a que ficam obrigados o requerente , ou aqueles que tomarem a posição de titular do alvará, e, na parte aplicável, os adquirentes dos lotes.”
Por sua vez, de acordo com o disposto no artigo 24º, desse Decreto-Lei:
“1 - A licença de loteamento caduca:
a) Se os projetos definitivos das obras de urbanização não forem apresentados nos prazos estabelecidos;
b) Se o alvará de loteamento não for requerido no prazo fixado;
c) Se as obras de urbanização não forem iniciadas no prazo máximo de um ano a contar da data do alvará de loteamento, ou concluídas no prazo fixado pela câmara municipal;
d) Se, decorrido um ano sobre a emissão do alvará, as obras de urbanização estiverem suspensas por mais de três meses ou forem abandonadas, quando não tenha sido fixado prazo para a sua conclusão;
e) Se o loteamento não obedecer às prescrições constantes do respetivo alvará.
2 - Não se aplica o disposto nas alíneas a), b), c) e d) do número anterior, sempre que a inobservância for devida a caso de força maior ou a facto imputável à Administração.
3 - A caducidade da licença determinará o imediato embargo administrativo dos trabalhos em curso pela câmara municipal ou pela Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, que poderão apreender, mediante intimação para o efeito, os alvarás de loteamento e de construção que tenham passados.
Dispunha o respetivo artigo 26º, n.º 1, que: “Os prédios, com ou sem construção, abrangidos por loteamentos urbanos não licenciados ou cuja licença tenha caducado, nos termos do artigo 24º, poderão ser expropriados por motivo da respetiva urbanização, e não serão considerados como terrenos para construção, salvo se antes do loteamento já dispuseram de infraestruturas urbanísticas nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei nº 576/70.”
Este diploma veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro que estabeleceu o novo regime jurídico das operações de loteamento urbano, em cujo artigo 1.º, n.º 1, se estabelecia que:
“Estão sujeitas a licenciamento municipal nos termos do presente diploma:
a) As ações que tenham por objeto ou simplesmente tenham por efeito a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios, destinados, imediata ou subsequentemente, à construção;
b) A realização de obras de urbanização, incluindo as destinadas a conjuntos e aldeamentos turísticos e a parques industriais, bem como a construção de vias de acesso a veículos automóveis ou a simples preparação do terreno com essa finalidade.
O n.º 3 desse preceito legal dispunha que “As ações mencionadas na alínea a) do n.º 1 do presente artigo serão objeto de uma operação de loteamento a aprovar pela câmara municipal competente.”
Sobre a caducidade da licença de loteamento, estabelecia o artigo 54.º deste diploma legal o seguinte regime:
“1 - A licença de loteamento caduca:
a) Se a aprovação dos projetos definitivos das obras de urbanização não for requerida nos prazos estabelecidos;
b) Se o alvará não for requerido no prazo devido;
c) Se o alvará não for emitido no prazo fixado sem oposição ou recurso do ato;
d) Se as obras de urbanização não forem iniciadas no prazo de 1 ano a contar da data do alvará ou da data da notificação judicial avulsa ou do trânsito da sentença ou acórdão;
e) Se, decorrido 1 ano sobre a emissão do alvará ou sobre a notificação judicial avulsa, ou do trânsito da sentença, as obras de urbanização estiverem suspensas por mais de 3 meses ou forem abandonadas, quando não tenha sido fixado prazo para a sua conclusão;
f) Se não for reforçada a caução nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 41.º;
g) Se, por causa imputável ao titular, se verificar o incumprimento do contrato de urbanização.
2 - Não se aplicará o disposto nas alíneas d) e e) do número anterior sempre que a inobservância seja devida a caso de força maior ou a facto imputável à Administração.
3 - Se a realização da operação de loteamento ou das obras de urbanização não obedecer às condições estabelecidas no alvará ou nos respetivos planos e projetos, a câmara municipal deverá apreender o alvará até que se mostrem alterados os trabalhos efetuados em desconformidade.
4 - A caducidade de licença determinará a imediata suspensão dos trabalhos em curso, podendo a câmara municipal deliberar apreender, mediante intimação, o alvará de loteamento.
5 - A renovação da licença depende da observância do processo regulado no presente diploma, podendo as diversas entidades limitar-se a confirmar a sua posição anterior.
6 - No caso de caducidade da licença poderá a câmara municipal autorizar a construção em lotes já constituídos se o adiantamento das obras o justificar ou se forem preenchidos os condicionamentos que, para o efeito, impuser ao titular do alvará.
7 - À caducidade da licença de loteamento será dada publicidade pela forma prevista no n.º 3 do artigo 47.º, devendo ainda ser pedido pela câmara municipal ao conservador do registo predial competente o cancelamento do respetivo registo.
Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 55.º desse diploma:
“1 - A câmara municipal poderá fazer executar, por conta do titular do alvará, as obras que não tiverem sido efetuadas nos prazos fixados ou desenvolvidas de harmonia com o programa de trabalhos, se existente, bem como as correções ou alterações necessárias para as pôr de acordo com os respetivos projetos ou planos.
2 - As despesas serão pagas por força da caução a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 41.º.
3 - Se a caução for insuficiente e não houver lugar ao pagamento voluntário da diferença no prazo fixado pela câmara municipal, proceder-se-á à cobrança coerciva, servindo de título executivo certidão de que conste o montante e origem da dívida.
4 - Quando a licença tiver caducado, a deliberação da câmara municipal, nos termos do n.º 1, terá como efeito automático a sua reposição em vigor a partir da data da conclusão dos trabalhos.”
Este diploma veio a também ser revogado pelo Decreto-Lei Nº 448/91, de 29 de novembro, que entrou em vigor em 28/03/1992, sendo o diploma que vigorava ao tempo em que a Câmara Municipal ... declarou a caducidade do Alvará de Loteamento n.º 6/... (abril de 1996), bem como na data em que transitou em julgado a decisão judicial que julgou improcedente o recurso interposto daquela decisão camarária (fevereiro de 2000).
Dispunha o artigo 1.º, n.º 1, deste Decreto-Lei que “Estão sujeitas a licenciamento municipal, nos termos do presente diploma, as operações de loteamento e as obras de urbanização.”
Por sua vez, a al. a) do artigo 3.º definia como “Operações de loteamento” “todas as ações que tenham por objeto ou por efeito a divisão em lotes, qualquer que seja a sua dimensão, de um ou vários prédios, desde que pelo menos um dos lotes se destine imediata ou subsequentemente a construção urbana;
O n.º 1 do artigo 28.º previa que “o licenciamento da operação de loteamento ou das obras de urbanização é titulado por alvará”, o qual constituía o “documento comprovativo da «autorização do loteamento para construção» para efeitos de registo predial” (artigo 31.º, n.º 1), mais se esclarecendo que “o facto sujeito a registo designado pelo Código do Registo Predial «autorização do loteamento para construção» tem o mesmo significado do licenciamento das operações de loteamento referidas no presente diploma” (artigo 32.º, n.º 2).
De acordo com o disposto no artigo 38.º, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 334/95 de 28 de dezembro, em vigor na data em que a Câmara Municipal declarou a caducidade do alvará de loteamento em causa nos autos (abril de 1996):
1 - A licença de operação de loteamento caduca se, no prazo de 15 meses a contar da data de emissão do respetivo alvará, não for requerido o licenciamento de qualquer construção nele prevista.
2 - Quando a operação de loteamento implicar a realização de obras de urbanização, o alvará caduca:
a) Se as obras não forem iniciadas no prazo de 15 meses a contar da data da emissão do alvará, ou, se for o caso, do termo do prazo fixado para a sua emissão em sentença transitada em julgado;
b) Se as obras estiverem suspensas ou abandonadas por período superior a 15 meses, salvo se a suspensão decorrer de facto não imputável ao titular do alvará;
c) Se as obras não forem concluídas nos prazos fixados no alvará ou no prazo estipulado pelo presidente da câmara municipal nos termos do n.º 2 do artigo 23.º
3 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável às licenças de obras de urbanização.
4 - As licenças caducam igualmente se estiverem suspensas, nos termos do n.º 2 do artigo 46.º, por período superior a seis meses.
5 - A caducidade prevista nos números anteriores não produz efeitos relativamente aos lotes objeto de deferimento do pedido de licenciamento das construções neles projetadas.
6 - O proprietário do prédio objeto de licenciamento caducado pode requerer a concessão de novo licenciamento, do loteamento ou das obras de urbanização obedecendo o novo processo aos requisitos da lei vigente à data desse requerimento, não podendo ser utilizados os pareceres, autorizações ou aprovações que instruíram o processo anterior.
7 - Quando a caducidade da licença ocorrer por força do disposto no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2, poder-se-ão utilizar no novo processo de licenciamento os pareceres, autorizações ou aprovações que instruíram o processo anterior, desde que os mesmos sejam confirmados pelas respetivas entidades no prazo de 15 meses a contar da data da receção do pedido de confirmação e não tenham decorrido mais de 18 meses sobre a data da caducidade da licença.
8 - O requerimento previsto nos números anteriores é liminarmente rejeitado se, à data da sua receção na câmara municipal, estiver em curso qualquer das providências a que aludem os artigos 47.º e 48.º,
Este artigo 38.º veio ainda a ser alterado pela Lei n.º 26/96, de 1 de agosto, que entrou em vigor em 6/08/1996, passando a dispor que:
1 - Quando a operação de loteamento implicar a realização de obras de urbanização, o alvará caduca:
a) Se as obras não forem iniciadas no prazo de 15 meses a contar da data da emissão do alvará;
b) Se as obras estiverem suspensas ou abandonadas por período superior a 15 meses, salvo se a suspensão decorrer de facto não imputável ao titular do alvará;
c) Se as obras não forem concluídas nos prazos fixados no alvará ou no prazo estipulado pelo presidente da câmara municipal, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º
2 - (Anterior n.º 3.)
3 - (Anterior n.º 4.)
4 - (Anterior n.º 5.)
5 - O proprietário ou proprietários do prédio objeto de licenciamento caducado podem requerer a concessão de novo licenciamento do loteamento ou das obras de urbanização, obedecendo o novo processo aos requisitos da lei vigente à data desse requerimento.
6 - O requerimento previsto no número anterior é liminarmente rejeitado se, à data da sua receção na câmara municipal, estiver em curso qualquer das providências a que aludem os artigos 47.º e 48.º.
O artigo 39.º do mesmo diploma regulava o cancelamento dos registos no caso de caducidade do alvará dispondo o seguinte, na redação introduzida pelo Decreto-Lei nº 334/95, de 28 de dezembro:
1 - No caso de caducidade do alvará, a câmara municipal procede ao seu cancelamento, dando o presidente da câmara conhecimento desse facto à comissão de coordenação regional e ao conservador do registo predial competente, para efeitos de anotação à descrição, devendo ainda o presidente da câmara municipal requerer ao respetivo conservador o cancelamento do registo predial.
2 - Para efeitos do disposto no n.º 5 do artigo anterior, o presidente da câmara municipal requer ao conservador do registo predial competente o cancelamento parcial do registo do alvará, nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 101.º do Código do Registo Predial.
Este diploma veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro que aprovou o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, atualmente em vigor.
Nos termos do disposto no artigo 2.º, alínea h), na redação em vigor na data de celebração do primeiro negócio hipotecário cuja validade é discutida nos autos (6 de novembro de 2007), introduzida pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de junho, entende-se por Operações de loteamento, as ações que tenham por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou subsequentemente à edificação urbana, e que resulte da divisão de um ou vários prédios, ou do seu emparcelamento ou reparcelamento;
Por sua vez, de acordo com o artigo 71.º na sua redação original:
1 - A licença ou autorização para a realização de operação de loteamento caduca se:
a) Não for requerida a autorização para a realização das respetivas obras de urbanização no prazo de um ano a contar da notificação do ato de licenciamento ou de autorização; ou se
b) Não for requerido o alvará único a que se refere o n.º 3 do artigo 76.º no prazo de um ano a contar da notificação do ato de autorização das respetivas obras de urbanização.
2 - A licença ou autorização para a realização de operação de loteamento que não exija a realização de obras de urbanização, bem como a licença para a realização das operações urbanísticas previstas nas alíneas b) a d) do n.º 2 e nas alíneas b) a e) e g) do n.º 3 do artigo 4.º caduca se, no prazo de um ano a contar da notificação do ato de licenciamento ou autorização, não for requerida a emissão do respetivo alvará.
3 - Para além das situações previstas no número anterior, a licença ou autorização para a realização das operações urbanísticas referidas no número anterior, bem como a licença ou a autorização para a realização de operação de loteamento que exija a realização de obras de urbanização, caduca ainda:
a) Se as obras não forem iniciadas no prazo de nove meses a contar da data de emissão do alvará ou, nos casos previstos no artigo 113.º, da data do pagamento das taxas, do seu depósito ou da garantia do seu pagamento;
b) Se as obras estiverem suspensas por período superior a seis meses, salvo se a suspensão decorrer de facto não imputável ao titular da licença ou autorização;
c) Se as obras estiverem abandonadas por período superior a seis meses;
d) Se as obras não forem concluídas no prazo fixado na licença ou na autorização ou suas prorrogações, contado a partir da data de emissão do alvará;
e) Se o titular da licença ou autorização for declarado falido ou insolvente.
4 - Para os efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, presumem-se abandonadas as obras ou trabalhos sempre que:
a) Se encontrem suspensos sem motivo justificativo registado no respetivo livro de obra;
b) Decorram na ausência do técnico responsável pela respetiva execução;
c) Se desconheça o paradeiro do titular da respetiva licença, sem que este haja indicado à câmara municipal procurador bastante que o represente.
5 - A caducidade prevista na alínea d) do n.º 3 é declarada pela câmara municipal, com audiência prévia do interessado.
6 - Os prazos a que se referem os números anteriores contam-se de acordo com o disposto no artigo 279.º do Código Civil.
7 - Tratando-se de licença para a realização de operação de loteamento ou de obras de urbanização, a caducidade pelos motivos previstos nos n.ºs 3 e 4 não produz efeitos relativamente aos lotes para os quais já haja sido aprovado pedido de licenciamento ou de autorização das obras de edificação neles previstas.
O artigo 72.º, n.º 1, do RJUE, na sua redação original previa ainda que: “O titular da licença ou autorização que haja caducado pode requerer nova licença ou autorização”, enquanto o artigo 79.º, também na redação original, sobre a cassação do alvará previa que:
1 - O alvará é cassado pelo presidente da câmara municipal quando caduque a licença ou autorização por ele titulada ou quando esta seja revogada, anulada ou declarada nula.
2 - A cassação do alvará de loteamento é comunicada pelo presidente da câmara municipal à conservatória do registo predial competente, para efeitos de anotação à descrição e de cancelamento do registo do alvará.
3 - Com a comunicação referida no número anterior, o presidente da câmara municipal dá igualmente conhecimento à conservatória dos lotes que se encontrem na situação referida no n.º 7 do artigo 71.º, requerendo a esta o cancelamento parcial do alvará nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 101.º do Código do Registo Predial e indicando as descrições a manter.
4 - O alvará cassado é apreendido pela câmara municipal, na sequência de notificação ao respetivo titular.
Da evolução legislativa acima descrita, podemos concluir que, como apontam João Pacheco de Amorim e Fausto Ferreira (“Dos efeitos da caducidade da licença de loteamento nos atos e operações urbanísticas”, in Revista Lusíada. Direito, 21/22, 2019, págs. 107 e 108), o conceito de loteamento urbano “nunca deixou de incluir duas componentes: (A) a ação (desde logo física ou material) da operação de fracionamento do prédio original, enquanto pretensão ou objetivo do requerente, a levar a cabo por este após a emissão da licença, e (B) o ato de licenciamento da pretendida operação propriamente dito”.
E como salientam os mesmos Autores (op. cit., p. 108), deste ato de licenciamento da operação de loteamento surgem dois grandes efeitos: “por um lado (1a), e por ação do loteador, a divisão física de um prédio (em vários lotes, que constituem prédios autónomos e individualizados) e (1b) o concomitante efeito jurídico real do ato autorizativo da operação sobre o imóvel, ou seja, a divisão jurídica deste (em tantas novas unidades jurídicas quantos os lotes autorizados); e, por outro lado, (2) a permissão de uma futura edificação em cada um desses lotes, no sentido de o titular ou titulares dos lotes, relativamente a cada um dos prédios recém-criados, podere(m) vir a desencadear o procedimento tendente à obtenção de uma licença de construção, e a obtê-la efetivamente.
Este duplo efeito dos loteamentos é também salientado por Fernanda Paula Oliveira (“Loteamentos Urbanos e Dinâmica das Normas de Planeamento”, Coimbra, Almedina, 2009, pág. 88): “os loteamentos urbanos correspondem a uma conduta voluntária determinadora quer de uma divisão predial (material ou meramente jurídica) quer da sua junção e posterior divisão (quando estão em causa vários prédios pertencentes a vários proprietários, no caso de reparcelamento), que dá origem à formação de unidades prediais autónomas (novos prédios urbanos perfeitamente individualizados e objecto de direito de propriedade nos termos gerais), as quais se destinam imediata ou subsequentemente a edificação urbana. É este último aspeto – o destino imediato e subsequente da referida unidade predial, a edificação urbana, o qual fica, desde logo definido e estabilizado com o licenciamento (…) do loteamento – que caracteriza a realidade jurídica que é um lote e que o distingue das restantes unidades prediais que não detêm esse estatuto”.
No caso dos autos, julgamos que bem andaram as instâncias em assentar a solução jurídica do caso nesta distinção entre o efeito real da transformação fundiária coetâneo da eficácia do ato de aprovação do loteamento e o efeito próprio do direito administrativo de permissão de futuras edificações em cada um dos lotes. Na verdade, a caducidade do alvará de loteamento não provoca a destruição daquele efeito real, conservando os lotes o estatuto de prédios autónomos, mas apenas a suspensão do jus aedificandi previsto naquele alvará relativamente aos lotes que não chegaram a ser objeto de licenciamento de construção.
A conjugação do regime legal acima descrito com o direito registal confirma esta conclusão. É aquela alteração física e jurídica do prédio loteado, que de um prédio uno se transforma num aglomerado de novos prédios, cada um com individualidade e existência jurídica próprias, que justifica a obrigatoriedade de sujeição a registo das “operações de transformação fundiária resultantes de loteamento, de estruturação de compropriedade e de reparcelamento, bem como as respetivas alterações” (atual al. d) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do Registo Predial).
No caso dos autos, à data de emissão do alvará de loteamento (1980), vigorava o Código do Registo Predial de 1967, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47611 de 28/03/1967, não estando previsto nessa lei o registo da operação de loteamento que apenas surge como obrigatório com o atual Código de Registo Predial de 1984 aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 6 de julho, em cuja al d) do n.º 1 do artigo 2.º, na redação original, previa a sujeição a registo da “autorização do loteamento para construção”.
De acordo com o disposto no artigo 79.º, n.º 1, do Código do Registo Predial: “a descrição tem por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios”, dispondo o respetivo n.º 2 que “de cada prédio é feita uma descrição distinta.” Por sua vez, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 80.º: “O registo das operações de transformação fundiária e das suas alterações dá lugar à descrição dos lotes ou parcelas que já se encontrem juridicamente individualizados.”
Prevê, assim, a lei a obrigatoriedade de realizar a inscrição da operação de loteamento, sendo com base nesse registo que são individualizados os prédios através das respetivas descrições.
De acordo com o disposto no artigo 39.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de novembro, na redação aplicável ao caso dos autos, na redação introduzida pelo Decreto-Lei nº 334/95, de 28 de dezembro, acima citado, no caso de caducidade do alvará, a câmara municipal procede ao seu cancelamento, dando o presidente da câmara conhecimento desse facto ao conservador do registo predial competente, para efeitos de anotação à descrição, devendo ainda o presidente da câmara municipal requerer ao respetivo conservador o cancelamento do registo predial.
No caso dos autos, o loteamento aprovado pela Câmara Municipal ... nunca foi objeto de inscrição no registo predial, tendo o respetivo pedido sido indeferido. Apenas foi efetuado o destaque dos nove lotes criados pelo Alvará de Loteamento n.º 6/... e abertas as respetivas descrições. Quanto à caducidade do alvará de loteamento, o respetivo registo foi recusado, sendo que apenas em junho de 2014 foi anotada na descrição dos prédios constituídos pelos lotes, a caducidade daquele alvará.
Mas ainda que tivesse sido cancelada a inscrição da licença de loteamento, resulta do artigo 87.º, n.º 1, do Código do Registo Predial que: “As descrições não são suscetíveis de cancelamento”. Pois como se afirma no parecer elaborado pelo Prof. Mouteira Guerreiro junto pelo Réu, o território vai sofrendo transformações, mas não desaparece, salvo casos excecionalíssimos de catástrofes naturais que não estão em causa nos autos.
Na verdade, não existe qualquer previsão legal que permita sustentar que o cancelamento da inscrição da licença de loteamento acarrete o cancelamento da descrição dos lotes, mesmo que os mesmos não tenham sido transmitidos a terceiro.
No artigo 87.º, n.º 2, do Código do Registo Predial, encontram-se previstas as situações de inutilização das descrições prediais e em nenhuma das respetivas alíneas se prevê as descrições dos lotes criados por alvará de loteamento que tenha caducado.
Em sentido contrário, José Lorenzo González (“Inutilização da descrição predial devido à caducidade do alvará de loteamento”, in Lusíada, Direito, Lisboa, s.2 n.13, 2015, págs.119-128), a propósito das alíneas do referido n.º 2 do artigo 87.º defende que às mesmas deveria ser aditada uma nova prevendo genericamente qualquer outro motivo em que o prédio deixou de existir, dando como exemplo “aquele em que uma operação de loteamento urbano haja sido impedida – por v.g. nulidade do licenciamento ou caducidade do alvará de loteamento – por razões posteriores à abertura das descrições para os diversos lotes autorizados”. Defende o autor que caso assim não se considere “o registo estará a apresentar ao público uma falsa imagem: os referidos prédios inexistem juridicamente. Não são uma realidade.” Prossegue o autor, afirmando que “a tutela de direitos de terceiro pode eventualmente exigir diversa solução. Mas isso supõe que estes preencham as condições de protecção enunciadas pelo artigo 291º do Cód.Civil. Há, de facto, uma regra basilar nesta matéria: trate-se de descrição, de inscrição ou de qualquer outro acto de registo, ele deve retratar a realidade a que se refere o mais fielmente possível. A existência de expectativas de terceiro merecedoras de atenção pode justificar algum desvio à regra. Mas fora disso, à Conservatória cabe rectificar todas as inexactidões (em sentido amplo) de que o registo padeça.” Pronunciando-se sobre o caso da validade de negócios constitutivos de hipotecas, como sucede no caso em apreço, refere este autor que “o vício de que sofrem os actos constitutivos das hipotecas configura, no caso, um obstáculo insuperável: se o lote não existe, não é coisa ou, na melhor das hipóteses, é coisa legalmente impossível (artigo 80º, n.º 1, Cód. Civil). Em si, este vício constitui uma barreira insuperável. Para o futuro, mas também para o passado. É que mesmo que o próprio dono dos lotes pretendesse mantê-los tal qual o alvará de loteamento os definiu, isso seria inexequível. Não poderia vendê-los, doá-los, deixá-los em testamento, etc. As hipotecas não podem, por isso, ser executadas porque não têm objecto a que se possam reportar. Um eventual adquirente na venda executiva nada poderia comprar. E por aí fora…”
Em abono dessa argumentação, é citado o acórdão da Relação de Évora, de 15/01/2009 (Processo n.º 2548/08-3, publicado em www.dgsi.pt), no qual se defendeu que “é ilegítima a constituição de hipoteca voluntária que tem por objecto coisa juridicamente inexistente: lotes de terreno que foram criados em claro afrontamento à lei, sendo nulas as respectivas descrições, como se viu, por não haver registo de autorização de loteamento. O que acarreta a nulidade do negócio, por força do disposto no nº 1 do artigo 280° do Código Civil, bem como o cancelamento dos registos a que se procedeu na dependência da escritura de hipoteca voluntária, de acordo com o artigo 13° do Código do Registo Predial.”
Porém, na situação apreciada por esse arresto do Tribunal da Relação de Évora, resultou provado que através de duas apresentações foi requerido o registo provisório de hipotecas sobre talhões de terreno para construção urbana a destacar de um prédio rústico e que, na sequência dessas apresentações, foram desanexados 42 prédios correspondentes a lotes para construção, mas não tinha sido registada qualquer autorização de loteamento para construção por não ter sido nunca emitido qualquer alvará de loteamento pelas autoridades competentes. O caso é, assim, totalmente diverso da situação dos autos em que existiu um alvará de loteamento validamente emitido pela entidade competente que criou os lotes sobre os quais foram constituídas as hipotecas a favor do Réu recorrido.
Sobre a questão jurídica aqui em apreciação e no sentido preconizado pela Recorrente, pronunciou-se também o Parecer do Conselho Técnico do Instituto dos Registos e Notariado aprovado em 29 de abril de 2011 no processo n.º C.P. 55/2010 SJC-CT) disponível online no seguinte link: https://www.irn.mj.pt/sections/irn/doutrina/pareceres/predial/2010/p-c-p-55-2010-sjc-ct/downloadFile/file/ctcp55-2010.pdf?nocache=1318242628.27) em que se defende que “mercê da declaração de nulidade (do loteamento), os lotes – todos eles, quer tenham quer não tenham sido entretanto objecto de relações jurídicas de conteúdo privatístico – deixam de ser lotes: é dizer, deixam de ser prédios destinados a edificação. Na verdade, e mais radicalmente, é mesmo a sua condição de prédios, enquanto coisa autónoma, que radicalmente fica posta em causa. Dissemo-lo já: a declaração de nulidade desfaz a divisão fundiária – e no plano tabular essa é, estamos em crer, a sua mais primária e mais expressiva consequência.”
E pronunciando-se sobre os casos em que o negócio de transmissão ou de oneração é celebrado após a declaração de nulidade do loteamento, diz-se nesse parecer que “este negócio, na medida em que verse sobre lote – ou seja, prédio destinado a edificação – será manifestamente nulo. Sobre ser o objecto legalmente impossível (CCivil, art. 280.º/1), ocorrerá outrossim violação da norma imperativa do art. 49.º/1, do RJUE (CCivil, art. 294.º). O registo terá que ser recusado (CRP, art. 69.º/1-d).
Admite-se, porém, nesse parecer que a área correspondente seja negociada como “prédio não lote”, ou seja, como prédio rústico nos casos em que a titularidade do “lote” nunca saiu da esfera jurídica do loteador pois “uma vez “desfeito” o lote (ex vi da nulidade do licenciamento), e reconstituído, na medida do juridicamente possível, o prédio originário, cremos que a área pertinente, contida na descrição-mãe, ficará à sua inteira disponibilidade. Promovida a indispensável inscrição na matriz rústica, o anterior prédio-lote, agora como prédio rústico, fica plenamente apto a ser objecto autónomo de relações jusprivatísticas, maxime de natureza jurídico-real.
Mas, segundo o mesmo parecer, se o lote já foi transmitido a outrem que em seu nome o inscreveu no registo, “já custa aceitar que na sua disponibilidade esteja o poder de redefinir “o lote” em prédio rústico e fazer dele, nessa redefinida qualidade, objecto de negócios. A verdade é que na descrição pertinente, segundo cremos, por causa da nulidade do acto de aprovação do loteamento (e do registo que a acolheu), já não pode ver-se a representação de um prédio. A descrição fica sendo como que o espectro tabular duma realidade substantiva que cessou de existir, e que formalmente só se conserva (que só não se inutiliza) porque sobre ela incidem inscritos direitos cuja consistência, depois e por causa da nulidade, carece de ser judicialmente esclarecida.”
Este parecer não constitui a posição uniforme do Conselho Técnico do Instituto dos Registos e Notariado que em outros pareceres adotou posição contrária.
Desde logo no parecer proferido no processo nº 1/96 R.P.4, publicado no Boletim dos Registos e Notariado n.º 7/1996 – caderno 2 (Agosto de 1996) (disponível no seguinte link:
https://www.irn.mj.pt/IRN/sections/irn/legislacao/publicacao-de-brn/docs-brn/pdf/1996-parte-2/downloadFile/attachedFile_7_f0/par_8_1996.pdf?nocache=1216386145.17), é dito que: “o arbitramento administrativo em que se traduz um processo de loteamento tem como efeito permitir a divisão de um prédio em lotes, formando outros tantos prédios autónomos. Isto implica imediatamente, ao nível do registo, a abertura das correspondentes descrições (artigo 80º, nº 3, do C.R.P.). Uma vez lavrada a inscrição de autorização de loteamento, fica publicitada erga omnes a constituição dos novos prédios distintos, que são os que o alvará refere. E quaisquer terceiros passam a tomar conhecimento da existência daqueles prédios, com a sua própria identidade. Assim sendo, como se escreveu no Proc. nº 134-R.P.90, as descrições não se apagam, não se safam com uma borracha, como se de algum desenho mal feito se tratasse. Enquanto se fazem os projectos, ou se riscam as plantas dos loteamentos sim, que é então sempre possível alterar os simples contornos do loteamento, ou até modificar radicalmente todos os dados de facto. Porém, quando se constituem direitos, quando eles se publicitam “erga omnes”, quando terceiros praticam os mais diversos actos e, confiados nos títulos e nos registos, os inscrevem, será possível, será legal e constitucionalmente possível, até a alguma entidade dotada de fé pública, “dar o dito por não dito” e desinscrever esses mesmos direitos?
Conclui-se no referido parecer que “os efeitos do registo extinguem-se por caducidade ou por cancelamento e este apenas poderá basear-se na extinção dos direitos, ónus ou encargos publicitados, nas situações legalmente previstas, ou em decisão judicial transitada em julgado. Tendo um alvará de loteamento sido emitido e registado, a deliberação administrativa que posteriormente o venha a considerar nulo não é, por si só, título suficiente para efectuar o cancelamento dos registos anteriormente lavrados. No entanto, aquela deliberação poderá ter uma publicidade registral através da sua anotação às descrições dos lotes, ainda que os seus efeitos sejam os inerentes aos da mera notícia, ou da constatação de um facto.”
No mesmo sentido, pronunciou-se o mesmo Conselho Técnico na deliberação proferida em 24/09/99 no processo nº C.P. 40/99 DSJ-CT, publicado no Boletim dos Registos e Notariado n.º 11/1999 – caderno 2 (Dezembro de 1999) Disponível no seguinte link:
https://www.irn.mj.pt/IRN/sections/irn/legislacao/publicacao-de-brn/docs-brn/pdf/1999-parte-, em que se afirmou que: “Os lotes de terreno para construção urbana, como tal descritos na sequência do registo (definitivo) de autorização de loteamento titulado por alvará que posteriormente a esse registo veio a caducar, continuam, apesar disso, a constituir, quer física quer juridicamente, prédios autónomos sobre os quais podem ser celebrados quaisquer actos jurídicos permitidos por lei, com excepção daqueles cuja validade esteja condicionada, como formalidade ad substantiam, à subsistência de um alvará em vigor nos termos do artº 53º do Dec.-Lei nº 448/91, de 29/11. É que, excluída tal incidência sobre a validade desses negócios jurídicos, os efeitos da caducidade do alvará de loteamento circunscrevem-se ao âmbito próprio do direito administrativo, aí suspendendo o jus aedificandi nele previsto relativamente aos lotes que não chegaram a ser objecto de licenciamento de construção.”
Na deliberação do Conselho Consultivo proferida em 18/09/2013 (processo n.º RP 52/2013 STJ-CC - Disponível no seguinte link:
https://www.irn.mj.pt/sections/irn/doutrina/pareceres/predial/2013/p-rp-52-2013-stj-cc/downloadFile/file/RP_52-2013_STJ-CC.pdf?nocache=1380646524.34)-, concluiu-se igualmente que “I - O efeito da transformação fundiária produzido com a eficácia do ato de aprovação da operação de loteamento (máxime a constituição de novas unidades prediais – os lotes) não é prejudicado pela eventual caducidade que desse ato (de aprovação) a câmara municipal ulteriormente venha a declarar, resultando “apenas” duma tal declaração que as unidades prediais assim geradas deixam de poder qualificar-se como “lotes”. II – Por conservarem o estatuto de prédios autónomos, mau grado a declaração de caducidade que porventura os atinja, nada impede os titulares dos ex-lotes de sobre os mesmos celebrarem negócios jurídicos (máxime de eficácia transmissiva ou constitutiva de direitos reais), não estando sequer vedado às partes, no espaço de autonomia da vontade negocial que forma e declaram, a possibilidade de qualificação dum tal objeto negocial (mediato) como prédio urbano composto por terreno destinado a construção – co contrário da possibilidade de qualificação como “lote”, que, essa sim, lhes está vedada, porquanto a legalidade duma tal qualificação pressupõe a imprescindível vigência e eficácia do ato de licenciamento (ou ato equivalente) da operação de loteamento em cujo âmbito o(s) lotes (s) tenha(m) sido criado(s).”
Neste parecer é dito, no entanto que “O que ao dono do lote atingido pela caducidade está vedado é a possibilidade de negociá-lo como lote, no sentido com que vimos usando o conceito - porquanto, justamente, o lote (como lote) cessou de existir. Um tal negócio, cremos, será nulo ex vi do que se dispõe no art. 280.°/1 do CCivil em matéria de requisitos do objeto negocial”. Mas logo de seguida, se defende que “Claro que será matéria de Interpretação do respetivo negócio jurídico a questão de apurar em que termos o prédio que se encontre nas condições descritas é objeto de disposição - se como prédio-terreno destinado a construção, tout-court (à margem de qualquer ato de aprovação de loteamento, e "meramente" destinado pelas partes a construção), se como prédio-terreno lote (a pressupor a vigência do ato de aprovação da operação de loteamento, e cuja destinação a edificação se inscreve nas especificações do respetivo título).”
Mais recentemente, no parecer do Conselho Consultivo do IRN proferido em 15 de novembro de 2018 (Processo RP 103/2018 STJSR-CC - Disponível no seguinte link:
https://www.irn.mj.pt/IRN/sections/irn/doutrina/pareceres/predial/2018/pareceres-46-60/downloadFile/attachedFile_1_f0/R.P._53-2018_STJ-CC.pdf?nocache=1534758779.15), foi deliberado que “a existência de anotação, lançada às descrições de todos os lotes criados ao abrigo da operação de loteamento inscrita, a informar, nos seus próprios termos, da cassação de determinado alvará (“segundo alvará”, digamos) de loteamento que terá sido emitido em consequência da caducidade do alvará (“primeiro alvará”, digamos) a que respeita aquela mesma operação de loteamento inscrita, faz com que, mesmo do ponto de vista estritamente tabular, se torne duvidosa a condição jurídica das unidades prediais originadas e descritas como “lotes” – não podendo assim dar-se por seguro, em face dum tal conteúdo registal, que tais unidades conservem esse preciso estatuto jurídico (de “lote”) e que com esse preciso estatuto jurídico possam consequentemente ser objeto de negócios. Ocorrendo o apontado circunstancialismo tabular, o título pelo qual se venda alguma das referidas unidades prediais deverá ser instruído com documento comprovativo, emitido pela entidade administrativa competente, ou a) de que essa unidade conserva o estatuto de “lote” (quando seja como “lote” que os contraentes a negoceiem, nomeadamente, em caso de declaração de caducidade do ato de aprovação, por dos seus efeitos ter ficado excluída – cfr. arts. 38.º/5, do DL n.º 448/91, de 29-11, e 71.º/7-a, do RJUE), ou b) de que deixou de ter um tal estatuto (quando seja como “simples” terreno para construção que os contraentes a negoceiem, por dos efeitos da mesma declaração de caducidade “do loteamento” não ter ficado excluída). Em qualquer caso, a admissão definitiva do registo de aquisição da unidade predial, nos termos em que efetivamente tenha sido negociada, e como legalmente possa ser negociada (cfr. conclusão 2)), demanda que previamente se “recomponha” a informação tabular vigente no sentido de assegurar a perfeita harmonização, entre título e registo, quanto ao rigoroso estatuto jurídico do bem.”
De todos estes últimos pareceres resulta, como acima já defendemos, que na definição dos efeitos da caducidade de um alvará de loteamento sobre os lotes por ele criados, importa distinguir o duplo efeito inicialmente criado: em primeiro lugar, a divisão jurídica do prédio loteado em tantas novas unidades jurídicas quantos os lotes autorizados e, em segundo lugar, a permissão de uma futura edificação em cada um desses lotes, no sentido de o titular ou titulares dos lotes, relativamente a cada um dos prédios recém-criados, podere(m) vir a desencadear o procedimento tendente à obtenção de uma licença de construção, e a obtê-la efetivamente.
A caducidade do alvará de loteamento implica naturalmente que os lotes por ele criados deixem de poder ser considerados como “lotes” na aceção criada pelo alvará, ou seja, a caducidade do alvará de loteamento implica a destruição do segundo efeito acima referido de permissão de futuras edificações em cada um dos lotes, salvo naqueles que foram objeto de deferimento do pedido de licenciamento das construções neles projetadas – artigo 38.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 334/95, de 28 de dezembro, em vigor na data em que a Câmara Municipal declarou a caducidade do alvará de loteamento em causa nos autos (abril de 1996). Porém, não decorre da lei que tal caducidade implique a eliminação dos prédios individualizados e autonomizados pela divisão jurídica operada pelo loteamento e objeto de descrições prediais autónomas.
É neste ponto que assenta a divergência com a argumentação trazida pela aqui Recorrente e sufragada no parecer jurídico que juntou aos autos: sem dúvida que com a caducidade do Alvará n.º 6/..., os “lotes” por ele criados deixaram de existir, nem tais “lotes” existiam como tal, na aceção consagrada na legislação urbanística, na data da constituição das hipotecas. Saliente-se que nem o recorrido refuta tal conclusão. Os efeitos da caducidade do alvará de loteamento circunscrevem-se, como se salienta no parecer do Conselho Técnico do IRN proferido no processo nº C.P. 40/99 DSJ-CT, acima citado, “ao âmbito próprio do direito administrativo, aí suspendendo o jus aedificandi nele previsto relativamente aos lotes que não chegaram a ser objecto de licenciamento de construção.”
No plano dos direitos reais, a caducidade não destrói a criação dos prédios individualizados pelo loteamento validamente aprovado pela entidade competente. Como vimos, as descrições prediais não se cancelam e também não está prevista a respetiva inutilização. Acresce que o legislador previu expressamente na e) do n.º 2 do artigo 87.º do Código do Registo Predial a inutilização das descrições de prédios cuja área seja totalmente dividida em lotes de terreno destinados à construção. Ou seja, encontra-se prevista a inutilização da descrição do prédio-mãe, do qual foram desanexados lotes de terreno destinados à construção, não sobrando qualquer parcela, e não a inutilização da descrição dos prédios criados por um loteamento cujo alvará tenha caducado, o que vem reforçar a conclusão de que tais descrições se mantêm.
Este aspeto é salientado por Isabel Pereira Mendes, no seu estudo “Consequências registrais da caducidade do alvará de loteamento e da suspensão da eficácia da deliberação camarária que a reconhece” (in ROA, Ano 55, III, Lisboa, Dezembro de 1995, pp. 963 a 994), no sentido de o Código do Registo Predial não conter nenhuma disposição que pressuponha, no caso de cancelamento da inscrição do alvará de loteamento, a anexação dos lotes ou a sua integração no resto do prédio loteado e a consequente inutilização das respetivas descrições (cf. artigos 85.° e 87.°). Salientando a autora que tais atos “ainda que possíveis no plano da técnica registral, podem constituir pura inutilidade”. Dando como exemplo a situação da declaração de caducidade por motivos que se prendam com a falta da realização das obras de urbanização, Isabel Pereira Mendes salienta o regime previsto no Decreto-Lei n.º 448/91, aplicável ao caso dos autos, em que, declarada a caducidade por aquele motivo, a câmara municipal, se tal for viável, poderá fazer executar as obras necessárias por conta do titular do alvará, utilizando a caução que tiver sido prestada (n.ºs 1 e 2 do artigo 47.° do Decreto-Lei n.º 448/91). E segundo o mesmo diploma, no caso de a câmara não efetuar voluntariamente as obras por conta do titular do alvará, pode, porém, utilizar-se um dos seguintes meios, consoante as circunstâncias:
“a) O proprietário ou proprietários do prédio objecto do alvará caducado podem requerer a concessão de novo licenciamento do loteamento ou das obras de urbanização, obedecendo o novo processo aos requisitos da lei vigente à data desse requerimento (v. n.ºs 6 e 7 do artigo 38.°);
b) Os adquirentes dos lotes, de imóveis construídos nos lotes ou de fracções autónomas dos mesmos têm legitimidade para requererem a autorização judicial para promover directamente a execução das obras de urbanização quando, verificando-se as situações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 47.°, a câmara municiai não tenha promovido a sua execução (v. artigo 48.° do referido Decreto).”
Ou seja, em conclusão, segundo a mesma autora “o cancelamento da inscrição de emissão do alvará de loteamento não obriga à inutilização dos lotes, até porque isso poderia constituir pura perda, pura inutilidade. Tal inutilização só poderia ser efectuada em relação a lotes não transmitidos, e como consequência da sua anexação entre si, ou entre si e a parte restante do prédio-mãe, se esta não tivesse, por sua vez, sido inutilizada, por os lotes terem abrangido toda a sua área (v. alínea e) do n.º 1 do artigo 87.° do - C.R.P.).”
O autor do parecer jurídico junto pelo Réu, Prof. Mouteira Guerreiro, em data anterior à propositura da presente acção, já tinha defendido (no artigo “Urbanismo e registo: o caso específico dos loteamentos urbanos”, in Direito do Urbanismo e do Ordenamento do Território: Estudos, Fernanda Paula Oliveira, coord., vol. 2, 2012, Almedina, págs. 279 e segs.,),“que a inscrição de autorização de loteamento, estando comprovadamente titulada pelo respectivo alvará, dá sempre lugar à abertura das descrições dos lotes, como prédios independentes, os quais, à luz do sistema registral, não mais se podem cancelar nem ficam ligados ao prédio loteado, relativamente ao qual foi, de uma vez por todas, definitivamente “cortado o cordão umbilical”, ao contrário do que acontece na propriedade horizontal em que (como civilmente) subsiste uma descrição genérica (relativa ao prédio e às partes comuns) à qual permanecem ligadas as descrições das fracções autónomas . Quanto ao loteamento: os prédios autonomizados (os “ex-lotes”), como tais, apesar da cassação do alvará, não se extinguem. Extinguem-se, sim, enquanto lotes. Os prédios, que nasceram, não morrem. O que deixaram é de ser lotes. Serão prédios rústicos, parcelas em que não se pode construir, mas registralmente (e, ao que cremos, civilmente) têm existência. É certo que a abertura daquelas descrições esteve condicionada pela realização da inscrição que autorizou o loteamento. Mas, uma vez abertas, o próprio sistema de registo “exige” que subsistam”.
Neste sentido, na doutrina, vejam-se também João Pacheco de Amorim e Fausto Ferreira, já acima citados (op. cit. pág. 133), defendendo estes autores que: “decorre do n.º 1 do art.º 87.º do Código do Registo Predial (CRP) que as descrições não são suscetíveis de cancelamento. E não o são porque, uma vez criado o prédio, não é possível eliminar a sua existência jurídica. Na verdade, de nenhum normativo do CRP se infere que com o cancelamento da inscrição da licença de loteamento os lotes se anexem ou se incorporem no prédio ou prédios originais loteados e se anulem as descrições dos ditos lotes (mesmo os não transmitidos pelo loteador a terceiros). Acresce que o Decreto-Lei n.º 400/84 não previa sequer o dever de comunicação ao conservador do registo predial da caducidade do alvará, para efeitos de anotação às respetivas descrições dos prédios, mas tão só o seu cancelamento (sem uma obrigatoriedade, portanto de especificação da causa desse cancelamento) – obrigação essa que apenas viria a ser consagrada no diploma de 1991 que lhe sucedeu (com o fito, sobretudo, dar a conhecer a potenciais adquirentes dos lotes a situação do prédio)”.
Concluem estes autores (op. cit., pág. 111) que “constituindo-se como efeito imediato da licença de loteamento a divisão de um prédio em vários prédios e, consequentemente, a criação jurídica destes últimos (com posterior consagração registral), e não sendo os novos prédios uma vez existentes eliminados do plano jurídico-registral, significa isto que, mesmo que a licença de loteamento caduque, os vários prédios se mantêm intocados, ou seja, a sua existência continua a ser reconhecida pelo ordenamento jurídico. Assim, não tendo a caducidade da licença de loteamento efeitos sobre os prédios na sua individualidade fáctica e jurídica, a caducidade urbanística em causa apenas se reflete no direito de os proprietários dos lotes neles virem a edificar. Mais precisamente, e até que os efeitos da caducidade se revertam com a conclusão do procedimento de renovação da licença e a realização das obras de urbanização em falta, ficam os proprietários impedidos de edificar nos seus respetivos prédios – não significando tal, todavia, reitere-se, que o prédio, em sentido físico e jurídico, retome a sua forma originária, isto é, que volte a ser um prédio uno.”
No parecer jurídico junto aos autos pela Autora Recorrente, elaborado pela Prof. Mónica Jardim, são ainda mencionados em abono da posição aí sustentada vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo. Julgamos, porém, que as decisões proferidas pelo STA se enquadram em pressupostos distintos do objeto dos presentes autos, além de algumas dessas decisões concluírem em sentido diverso ao que é preconizado pela Recorrente.
No Acórdão do STA, de 27 de novembro de 2013 (Processo n.º 076/13, disponível em www.dgsi.pt), tal como já foi salientado na sentença de 1.ª instância, o que estava em causa eram os efeitos fiscais da caducidade do loteamento no que concerne ao Imposto Municipal sobre Imóveis, e não a configuração jurídica dos lotes, ou seja, os efeitos privatísticos de tal caducidade no que concerne à validade de negócios jurídicos que tenham por objeto os prédios criados pelo loteamento. Concluiu-se nesse aresto do STA “que deixando os lotes previstos no licenciamento caduco de existir como tais, não pode sobre estes incidir IMI.” Destinando-se o IMI a tributar o valor patrimonial dos prédios, naturalmente que se os lotes deixam de ter capacidade edificativa por via da declaração de caducidade, aquele valor patrimonial é afetado.
Porém, em sentido contrário, no Acórdão do STA, de 31 de janeiro de 2008 (Processo n.º 0764/07, disponível em www.dgsi.pt), decidiu-se que incide “contribuição autárquica sobre parcelas de terreno que se situam em zona de aglomerado urbano e foram declaradas, no título aquisitivo, como destinando-se a construção urbana, a tanto não obstando a circunstância de as ditas parcelas de terreno resultarem de loteamento cuja declaração de caducidade foi emitida antes da aquisição por parte do actual proprietário, por não terem sido concluídas no prazo fixado as respectivas obras de urbanização.” No mesmo sentido, veja-se também o Acórdão do STA, de 28/11/2007 (processo n.º 0766/07, disponível em www.dgsi.pt). Resulta destes dois arestos que a caducidade do loteamento não apaga a divisão fundiária criada pelo alvará de loteamento, não havendo lugar a qualquer reversão dos ex-lotes (que não deixam de ser prédios) para o prédio-mãe dos quais foram desanexados nem se cria qualquer situação de compropriedade (cf. Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – Comentado, 4.ª Edição, 2016, pág. 551).
Por sua vez nos Acórdãos do STA, de 14/01/2003 (Processo n.º 01092/02), de 18/02/2004 (Processo n.º 0663/03), de 2/03/2004 (Processo n.º 048296) e de 27/10/2004 (processo n.º 0581/02), todos disponíveis em www.dgsi.pt, que são citados no parecer junto pela Recorrente, o que se discutiu foram os efeitos da caducidade do alvará de loteamento na vertente administrativa de permissão de edificação nos lotes por ele criados, sendo nesse sentido que se concluiu nesses arestos que os “lotes” deixam de existir enquanto tais, conclusão que não tem que ver com a manutenção da existência dos lotes enquanto prédios com uma descrição predial autónoma nos termos que temos vindo a expor.
Nas alegações de revista, a Recorrente também invoca a seu favor o Acórdão da Relação de Lisboa, de 26/2/1991 (Processo: 0025011, disponível em www.dgsi.pt), no qual se defendeu a nulidade de contratos-promessa de compra e venda que tinham por objeto parcelas de terreno em regime de compropriedade sem que houvesse um alvará de loteamento. Mas no caso apreciado por esse Acórdão, nunca houve aprovação de qualquer loteamento, concluindo-se que sendo a finalidade do Decreto-Lei n.º 275/76, de 13 de abril e do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro, impedir que, por meios aparentemente legais, se possam criar loteamentos de facto, o recurso à figura jurídica da compropriedade constituía uma forma de violar o espírito daquela legislação, constituindo tal negócio fraude à lei.
No caso destes autos, houve um alvará de loteamento totalmente válido que produziu os efeitos já acima descritos, o que é diametralmente oposto ao caso apreciado naquele aresto em que o loteamento nunca existiu.
Em conclusão, nos presentes autos, atendendo ao duplo efeito do alvará de loteamento n.º 6/…, nos termos acima expostos, a respetiva caducidade implicou a suspensão do jus aedificandi nele previsto relativamente aos lotes que não chegaram a ser objeto de licenciamento de construção, ou seja, deixou de ser possível, enquanto não houvesse novo alvará, edificar nas parcelas de terreno que constituem os lotes, uma vez que não chegou a existir qualquer deferimento de pedido de licenciamento das construções neles projetadas – artigo 38.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 334/95, de 28 de dezembro, em vigor na data em que a Câmara Municipal declarou a caducidade do alvará de loteamento em causa nos autos (abril de 1996). Os lotes criados por aquele loteamento deixaram de possuir capacidade edificativa, ou seja, deixaram de poder ser considerados como “lotes”, na aceção consagrada na legislação urbanística, mas não deixaram de ser prédios individualizados e autonomizados pela divisão jurídica operada pelo loteamento, e objeto de descrições prediais autónomas.
Assim, não procede a argumentação da Recorrente no sentido de a caducidade do alvará de loteamento provocar o desaparecimento dos lotes por ele criados, a ponto de considerar inexistir por completo o objeto dos três negócios hipotecários celebrados pelas partes sobre tais ex-lotes. Como vimos, esse objeto continuou a existir e consubstanciou-se nos prédios objeto de descrições prediais autónomas e individualizadas que se mantiveram incólumes após a caducidade do alvará. Não se verifica, assim, qualquer nulidade dos negócios impossibilidade legal do objeto, nos termos do artigo 280.° do Código Civil.
A solução jurídica acima preconizada é a que resulta atualmente do regime legal em vigor constante da alínea c) do n.º 7 do artigo 71.º do RJUE, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro, que, apesar de não se aplicar ao caso dos autos, por ter entrado em vigor em data posterior à data dos factos, prevê em termos elucidativos que: “Tratando-se de licença para a realização de operação de loteamento ou de obras de urbanização, a caducidade pelos motivos previstos na alínea c) do n.º 1 e nos nºs 3 e 4 observa os seguintes termos: (…) c) Nas situações previstas na alínea c) do n.º 1, a caducidade não produz efeitos, ainda, quanto à divisão ou reparcelamento fundiário resultante da operação de loteamento, mantendo-se os lotes constituídos por esta operação, a respetiva área e localização e extinguindo-se as demais especificações relativas aos lotes, previstas na alínea e) do n.º 1 do artigo 77.º.”
Também não procede a argumentação trazida pela Recorrente de os prédios terem sido negociados como verdadeiros “lotes”, destinados a construção, ou seja, com capacidade de neles se proceder à edificação urbana, quando o alvará que conferia tal permissão já tinha caducado, motivo pelo qual os negócios hipotecários teriam um objeto já juridicamente inexistente.
A factualidade provada conduz a uma conclusão totalmente oposta. Como se apontou na deliberação do Conselho Consultivo do IRN proferida em 18/09/2013 (processo n.º RP 52/2013 STJ-CCI), acima citado, “será matéria de interpretação do respetivo negócio jurídico a questão de apurar em que termos o prédio que se encontre nas condições descritas é objeto de disposição - se como prédio-terreno destinado a construção, tout-court (à margem de qualquer ato de aprovação de loteamento, e "meramente" destinado pelas partes a construção), se como prédio-terreno lote (a pressupor a vigência do ato de aprovação da operação de loteamento, e cuja destinação a edificação se inscreve nas especificações do respetivo título).”
Com efeito, resultou provado que as sociedades Crediférias e a Credigolf, detentoras da totalidade do capital social da Autora desde 2007, sabiam quando adquiriram as participações da Autora que a CM... havia declarado a caducidade do Alvará de Loteamento n.° 6/... em 23/04/1996, provando-se também que à Autora e às ora detentoras do seu capital social não foi ocultada qualquer informação, sendo que a informação referente ao Alvará 6/... e aos lotes sempre esteve ao acesso de qualquer interessado, nomeadamente junto da Câmara Municipal ....
Mais se provou que durante as negociações que ocorreram entre as partes, a questão da caducidade do loteamento foi discutida, e foi transmitido às sócias da Autora que uma nova operação de loteamento se encontrava a ser preparada, pelo atelier J... a pedido da Fungepi, bem como deixada em aberto a possibilidade de, após eventual aquisição da Porticentro, a mesma manter em curso aquele projeto, de forma a que fossem aproveitados os atos já praticados, até porque esse projeto já refletia diversos pressupostos e detalhes discutidos previamente com a Câmara Municipal ..., no sentido de a nova operação de loteamento preencher as condições necessárias à sua aprovação camarária.
Provou-se também que a vontade bilateral das partes foi constituir as Hipotecas referidas nos pontos 49, 53, 59 e 67 dos factos provados, sobre os bens imóveis da Autora, não tendo sido intenção das partes discutir o modo como os prédios estavam descritos, tanto mais que, sem garantias reais prestadas pela Autora não teriam sido concedidos os financiamentos a que as Hipotecas se referem.
Atendendo a esta factualidade provada, e considerando que as declarações de vontade emitidas nos negócios hipotecários devem valer de acordo com a vontade real das partes (artigo 236.º, n.º 2, do Código Civil), podemos concluir que não foi intenção destas constituir hipotecas sobre “lotes” tout court, ou seja sobre prédios em que fosse já possível construir, tendo todos os intervenientes nos negócios conhecimento de que essa capacidade de edificação necessitava de um futuro licenciamento por parte do órgão autárquico. Aliás, resultou mesmo provado que as sócias da Autora deslocaram-se à Câmara Municipal ... para obterem informação sobre os lotes e constataram que os mesmos apresentavam uma capacidade construtiva potencial superior ao dobro daquela que estava contemplada no projeto a que se referia a Memória Descritiva que era de cerca de 25.000m2 e, com base nessa informação, a decisão das sócias da Autora foi a de não prosseguirem o novo projeto de loteamento já em preparação pelo Fungepi e, ao invés, investirem na elaboração de plano próprio, pelo que propuseram à Câmara Municipal ... elaborar um Plano de Pormenor para toda a área do antigo “Prédio Mãe”, diferente do que o que existira e desaparecera, que veio a ser o “Plano de Pormenor da ...”.
Apesar de resultar da matéria de facto provada que essa estratégia, em face da informação que havia sido recebida da CM..., foi desaconselhada pelos representantes do Fungepi nas reuniões de negociação, as sócias da Autora sempre argumentaram que dispunham de excelentes relações com a Câmara Municipal ..., pelo que perspetivavam facilidades na aprovação da sua estratégia, manifestando confiança na viabilidade da mesma.
É, assim, manifesto que as partes tinham plena consciência da natureza jurídica dos prédios que foram objeto dos negócios celebrados, sendo que as sócias da Autora quiseram avançar com o negócio, rejeitando o projeto de loteamento já em preparação, porque acreditavam que conseguiriam em negociações com a Câmara Municipal obter condições mais vantajosas e lucrativas, pelo que o risco de tal opção corre por sua conta e não por conta do Réu recorrido.
Como já acima se aflorou a propósito das alegadas nulidades do Acórdão recorrido, concluindo-se pela validade dos negócios constitutivos das hipotecas cuja declaração de nulidade foi peticionada pela Autora, também não seria a aprovação do Plano de Pormenor da ... (PP...) e a criação de uma nova divisão fundiária na área daqueles ex-lotes que tornaria inválidos aqueles mesmos negócios. A alegada criação de nova divisão fundiária que substituiu a divisão decorrente do Alvará de Loteamento n.º 6/... não torna nulos os negócios feitos com base na divisão fundiária anterior.
Em conclusão, improcede, nesta parte o recurso de revista.
4. Eventual aplicação do disposto no artigo 322.º do CSC à garantia do financiamento concedido pelo BES para aquisição do capital social da Autora
No seu recurso de revista, a Recorrente invoca também o regime previsto no artigo 322º do Código das Sociedades Comerciais que proíbe as sociedades de prestar garantias a terceiro para que este subscreva ou adquira ações representativas do seu próprio capital social, defendendo que tal regime é aplicável às sociedades por quotas, ao contrário do que foi decidido no Acórdão recorrido. Defende a Recorrente que as necessidades de proteção dos credores sociais, de garantir a intangibilidade do capital social e a solvência da sociedade, também se verificam nas sociedades por quotas, sendo a aplicação da proibição de assistência financeira prevista no artigo 322.º do Código das Sociedades Comerciais às sociedades por quotas reforçada pelo disposto no artigo 510º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais (“Aquisição ilícita de quotas ou ações”) que prevê a respetiva tutela penal.
O Recorrido insurge-se contra tal entendimento, defendendo que se trate de uma norma prevista exclusivamente no capítulo do Código das Sociedades Comerciais dedicado às sociedades anónimas e não, como é o caso da Recorrente, às sociedades por quotas.
No Acórdão recorrido concluiu-se pela inaplicabilidade de tal disposição legal ao caso dos autos por se considerar não ser a mesma aplicável por analogia a sociedades por quotas.
De acordo com o disposto no artigo 322.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais: “Uma sociedade não pode conceder empréstimos ou por qualquer forma fornecer fundos ou prestar garantias para que um terceiro subscreva ou por outro meio adquira ações representativas do seu capital.”
Sucede que tal disposição legal está inserida sistematicamente na Secção III, do Capítulo III, do Título IV do Código das Sociedades Comerciais, sendo este último dedicado às “Sociedades Anónimas”, divergindo a doutrina sobre a extensão de tal regime por interpretação analógica, às sociedades por quotas, como é o caso da aqui Recorrente.
A favor da aplicação de tal normativo às sociedades por quotas pronunciaram-se na doutrina João Labareda (“Direito societário Português -Algumas questões”, Lisboa. Quid Iuris, 1998, pág. 189, nota 22); Ana Perestrelo de Oliveira (Manual de Corporate Finance, 2.ª edição, Almedina, 2017, págs. 234-235); Paulo Tarso Domingues («Proibição de ‘assistência Financeira’ no contexto do mecanismo de proteção de credores», AB Instantia – Revista do Instituto do Conhecimento AB, ano I, n.º 2, outubro de 2013, 53-73, pág. 69); e Pedro Nunes (“A Proibição de Assistência Financeira. Em Especial o Leveraged Buyout (LBO), in Revista Electrónica de Direito – junho 2015 – N.º 2 - Acessível no seguinte link: file:///C:/Users/MJ02755/Downloads/Artigo%20Pedro%20Nunes%20(3).pdf -).
Os argumentos a favor dessa aplicação assentam na consideração de que, sendo a ratio da norma a proteção do capital social, tal desiderato também se verifica nas sociedades por quotas, adiantando Paulo Tarso Domingues (op. cit., pág. 69) que nestas sociedades os problemas e os interesses se colocam com mais intensidade “no que tange à matéria do controlo societário, da não observância do princípio da igualdade de tratamento entre os sócios ou da fragilização da garanta patrimonial”.
Em sentido contrário, defendendo que a proibição de assistência financeira prevista no n.º 1 do artigo 322.º se restringe às sociedades anónimas, pronunciaram-se na doutrina: Inês Pinto Leite (“Da proibição de assistência financeira – o caso particular dos Leveraged Buy-Outs”, in Direito Das Sociedades em Revista, Ano 3, Maio, vol. 5, 2011); Bernardo Abreu Pinto (“Proibição de Assistência Financeira. Notas para sua interpretação e aplicação (parte II)”, in Actualidad Jurídica Uría Menéndez (15), 2006, pág. 91); Joana Macedo Vitorino (“A proibição de assistência Financeira e o artigo 6.ºdo Código das Sociedades Comerciais: um conflito por resolver ou uma compatibilidade natural?”, in Revista de Direito das Sociedades XIII, 2021, 1, págs. 9-59, em especial págs. 27-28); Mariana Duarte Silva («Assistência Financeira – no âmbito das sociedades comerciais», RDS, Ano II (2010), 1/2, 145-236, em especial págs. 198 a 200) e José Diogo Horta Osório (“Da Tomada do Controlo de Sociedades (Takeovers) por Leveraged Buy-Out e sua Harmonização com o Direito Português”, Almedina, 2001, págs. 193 e 194).
Desde já adiantamos que concordamos com esta última posição que foi seguida no Acórdão recorrido.
Em primeiro lugar, pela inserção sistemática da norma nos termos já acima expostos, não tendo sido prevista uma proibição idêntica à estabelecida no artigo 322.º específica para as sociedades por quotas.
Por outro lado, da letra do n.º 1 do artigo 322.º resulta que a proibição se refere precisamente a “ações” e não a quotas.
Como salienta Mariana Duarte Silva (op. cit., pág. 198), o Código das Sociedades Comerciais regula e restringe a aquisição de quotas próprias, remetendo, quanto à sua disciplina reguladora, para o regime das ações próprias, mas nenhuma menção semelhante é feita quanto aos empréstimos e fornecimento de fundos para que terceiros adquiram as quotas da sociedade assistente.
A aplicação por analogia da norma aqui em apreço às sociedades por quotas implica necessariamente a existência de uma lacuna.
Como refere José Diogo Horta Osório, a propósito desta norma (op. cit., págs. 193 e 194): “a interpretação analógica de normas excepcionais é vedada pelo art. 11.º do CC e a norma que proíbe a assistência financeira consagra uma excepção à regra geral da livre circulação de valores mobiliários, sendo ainda certo que as normas de carácter penal (cfr. art. 510.º do CSC) não comportam interpretações funcionais dos tipos incriminadores. Estamos convictos que todas as normas proibitivas e, portanto, limitadoras da autonomia privada não são, via de regra, susceptíveis de aplicação analógica ou interpretação funcional, dado o carácter excepcional de que se revestem no direito privado.”
No mesmo sentido, pronunciou-se Mariana Duarte Silva («Assistência Financeira – no âmbito das sociedades comerciais», RDS, Ano II (2010), 1/2, 145-236, em especial págs. 198 a 200) defendendo a autora que “do ponto de vista do elemento funcional que caracteriza a proibição de assistência financeira com a extensão que lhe foi atribuída pelo legislador, poder-se-ia dizer que a tutela do interesse dos sócios pode justificar a aplicação deste regime às sociedades por quotas. Se, por um lado, o capital tendencialmente mais disperso das sociedades anónimas pode justificar a opção do legislador em estabelecer para elas um regime mais restritivo de assistência financeira na aquisição de acções, justificada pela necessidade de protecção dos accionistas minoritários, a protecção dos sócios de uma sociedade por quotas, onde a identidade da participação social é mais vincada, poderia justificar igual cautela. Note-se, contudo, que o regime das sociedades por quotas é, em geral, mais flexível do que o das sociedades anónimas, tendo o legislador optado por atribuir carácter meramente supletivo a muitas das normas que regulam as sociedades por quotas, conferindo um amplo espaço de conformação aos sócios que podem, assim, atribuir-lhe um carácter eminentemente capitalístico ou, ao invés, vincadamente personalístico. Esta ideia reforça a da inexistência de lacuna na questão sob apreciação e a de que, quisera o legislador estender a proibição vertida no artigo 322.° às sociedades por quotas, tê-lo-ia referido expressamente, como, de resto, o fez a respeito do regime das acções próprias, com a remissão operada pelo artigo 220.°, n.º 4, do CSC.”
Em sentido coincidente, também Inês Pinto Leite (“Da proibição de assistência financeira – o caso particular dos Leveraged Buy-Outs”, in Direito das Sociedades em Revista, Ano 3, Maio, vol. 5, 2011, pág. 130) aponta como fundamento para a não aplicação analógica desta norma às sociedades por quotas, as “inúmeras diferenças estruturais entre as sociedades anónimas e as sociedades por quotas (tais como a diferente extensão do direito de informação dos respectivos sócios num e noutro tipo societário; o maior poder de intervenção concedido aos sócios de uma sociedade por quotas, na prossecução do correspondente objecto social, do que aquele que é reservado aos accionistas; a protecção que é supletivamente concedida à transmissão de quotas, em comparação com a livre transmissibilidade de acções; o conjunto de competências que a lei atribui à assembleia geral de um e de outro tipo de sociedade comercial, em contraposição com os poderes dos respectivos órgãos de administração, etc.) devem, igualmente, ser ponderadas, podendo justificar a intenção legislativa de não proibir a assistência financeira nos casos em que a mesma seja prestada por uma sociedade por quotas.”
Como nota Joana Macedo Vitorino (“A proibição de assistência Financeira e o artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais: um conflito por resolver ou uma compatibilidade natural?”, in Revista de Direito das Sociedades XIII (2021), 1, 9-59 - págs. 27-28), em termos de direito comparado, a opção do legislador português não é inédita no âmbito da União Europeia: “o Reino Unido, depois de, em 1981, flexibilizar o regime da assistência financeira nas private companies, retirou-as por completo do âmbito de aplicação da proibição. Também a lei alemã não prevê a extensão do regime à Gesellschaft mit beschränkter Haftung (GmbH), mas apenas à Aktiengesellschaft (AG), no § 71a da Aktiengesetz).”
Segundo a mesma autora “o legislador português não estabeleceu uma norma equivalente a propósito das sociedades por quotas, ao contrário do que havia feito, por exemplo, o legislador espanhol (cf. artigo 40.º da Lei das Sociedades de Responsabilidade Limitada (Lei 2/1995, de 23 de março) – atual artigo 143.º, n.º 2 da Lei de Sociedades de Capital (Real Decreto Legislativo 1/2010, de 2 de julho).”
Em suma, aderindo aos argumentos acima expostos, não é de aplicar analogicamente o n.º 1 do artigo 322.º do Código das Sociedades Comerciais às sociedades por quotas, pelo que, no caso dos autos, sendo a sociedade Recorrente uma sociedade por quotas, não é aplicável o referido regime, tal como se concluiu no Acórdão recorrido.
Sem prejuízo do acima exposto, é também acertada a ponderação efetuada na sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância, cuja fundamentação foi sufragada pelo Acórdão recorrido, quando se concluiu que “a circunstância de o objetivo do negócio ter sido a transação dos terrenos impede, em nosso entender, a consideração da aplicação ao caso do disposto no artigo 322º do Código das Sociedades Comerciais (…) A norma em causa trata-se, como é pacificamente aceite, de norma de proteção, com abrangência no âmbito do direito societário. Por isso, entendemos que se o que esteve em causa em todo o processo negocial sobre que os presentes autos versam foi uma transação imobiliária, não poderia lançar-se mão de normas que visam proteger as sociedades e o tráfego societário para o invalidar. Pelo menos, não de boa-fé.”
Ou seja, se a ratio do n.º 1 do artigo 322.º do Código das Sociedades Comerciais é a proteção do capital social, manifestamente no caso dos autos tal interesse não está em causa pois a verdadeira finalidade do negócio celebrado pelas partes não foi a aquisição de quotas de uma sociedade comercial para aquisição do controlo sobre a mesma, mas sim a aquisição de prédios detidos por essa sociedade, assumindo-se o negócio como uma transação de bens imobiliários.
Resulta dos factos provados que as partes adotaram esse esquema negocial para escapar ao pagamento de impostos que tributam precisamente as transações imobiliárias.
Deste modo, o recurso deve ser julgado improcedente.
IV. Decisão
Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 9 de março de 2022
Pedro de Lima Gonçalves (relator)
Maria João Vaz Tomé
António Magalhães