NOTIFICAÇÃO PESSOAL
TRANSAÇÃO JUDICIAL
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
CITAÇÃO
FORMALIDADES
Sumário


I. A modalidade de notificação pessoal com as regras da citação pessoal para a situação prevista no artº 291º, nº 3 do CPC (notificação da sentença homologatória de transacção ao mandante sem poderes especiais), compreender-se-ia na vigência do primitivo artigo 256º do anterior Código, antes da reforma de 1995, mas já não em face da redacção atualmente em vigor do artigo 250º do CPC.
II. Com efeito, a partir da reforma introduzida pelo DL nº 329-A/95, o legislador, ao alterar a redacção do artº 256º do CPC então em vigor, quis claramente excluir as regras da citação pessoal no caso da notificação para efeitos do disposto no artº 301º, nº 3. E igual intenção teve o legislador do novo código ao manter idêntico procedimento nos actuais artºs 250º e 291º, nº 3.
III. A regra estabelecida pela primeira parte do artº 250º do CPC deve ser interpretada no sentido de admitir outros casos especialmente previstos e para os quais deve ser usada a formalidade da citação pessoal, na notificação às partes, desde que o recurso a essa formalidade esteja expressamente previsto na lei para tais casos.
IV. O mesmo é dizer que, após aquela reforma, somente nos casos “especialmente previstos”, aludidos no artº 250º do CPC (anterior artº 256º) – tudo casos de notificações pessoais destinadas ao primeiro chamamento da parte, para intervir nos autos – é aplicável à notificação pessoal a modalidade prevista para a citação pessoal.
V. O disposto no artº 250º do CPC, sendo norma excepcional (já que a regra para a notificação pessoal às partes é a que agora decorre do disposto no nº 2 do artº 247º), não admite integração e interpretação analógica, de modo a integrar a aparente lacuna quanto à aplicação da formalidade da citação pessoal aos casos de notificação pessoal à parte, para efeitos do disposto no artº 291º, nº 3 do CPC.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível



I – RELATÓRIO


No Tribunal Judicial da Comarca ... e pelo Juízo Central Cível, correu termos uma acção com processo comum movida por AA e BB contra CC.

Nessa acção, foi alcançada transacção, que pôs termo ao litígio, nos seguintes termos:

“1. A reconhece os Autores como legítimos proprietários do prédio identificado nos artigos primeiro e segundo da petição inicial.

2. Autores e Ré, de comum acordo, revogam, com efeitos imediatos, o contrato de arrendamento rural que vigorava entre eles e que tinha por objecto o prédio identificado no ponto 1.

3. Os Autores, por mera tolerância, aceitam que a continue a residir nas construções pela mesma erigidas no prédio referido em 1, pelo prazo de três anos a contar da presente data, obrigando-se a a desocupar as mesmas e a entregá-las aos Autores findo o referido prazo de três anos.

4. Custas em dívida a juízo na proporção de metade para cada uma das partes.”


Aquando da celebração dessa transacção, a Ré CC não se encontrava presente, estando nessa diligência sido representada por advogada sem poderes especiais para celebrar a transacção.


Por essa razão, na sentença que homologou a transacção, foi ordenado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 291º, nº 3, do Código de Processo Civil.


Então, por carta com registo simples de 18 de Outubro de 201, remetida para a morada da Ré, agora recorrida, foi dado cumprimento ao mencionado preceito legal, constando dos autos que essa carta não veio devolvida.

Os mencionados autos declarativos foram oportunamente arquivados e aposto visto em correição pela Mma. Juiz titular do processo.


Passado aquele prazo de três anos, convencionado na transacção para a Ré proceder à desocupação e entrega das construções aos Autores, intentaram estes acção executiva, para entrega das ditas construções.

O título dado à execução foi a sentença homologatória da referida transacção.


Uma vez citada para a execução, veio a executada CC deduzir embargos de executada, sustentando que nunca ela fora pessoalmente notificada da transacção e da sentença homologatória proferida na acção.


Mais exactamente, a executada sustentou nesses embargos que a sua notificação pessoal da dita transacção deveria ter sido efectuada com as formalidades estabelecidas para a citação pessoal, pugnando, por isso, pela nulidade da sentença homologatória da transacção e a consequente inexequibilidade do título dado à execução.


Porém, tendo-se procedido a julgamento desses embargos, a sentença neles proferida decidiu que a notificação pessoal à parte não carecia de ser feita por carta registada com aviso de recepção, podendo fazer-se por meio de carta registada remetida para o endereço indicado pela parte. E, ainda quanto aos embargos, na sentença proferida na primeira instância também se deixou exarado que a executada/embargante não demonstrou que ela não tivesse recepcionado, por facto que não lhe era imputável, a notificação da transacção.


Por isso, julgou a primeira instância que se mostrava cumprido o disposto no artº 291º, nº 3 do CPC, não padecendo a sentença de qualquer nulidade que afectasse a validade da transacção e, por conseguinte, do título executivo, julgando assim improcedentes os embargos.


*



Dessa decisão apelou a embargante/executada CC, vindo a Relação a julgar procedente a apelação e, em consequência, a revogar a sentença da primeira instância, concluindo por julgar os embargos procedentes e extinta a execução.


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Agora inconformados, vêm os exequentes/embargados AA e BB interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando alegações que rematam com as seguintes


CONCLUSÕES:

I – No Tribunal Judicial da Comarca ... e pelo respectivo Juízo de Execução, corre termos uma execução movida pelos aqui recorrentes contra a recorrida, sendo que o título dado à execução é a sentença homologatória de uma transacção alcançada em acção declarativa antes havida entre as mesmas partes.

II - A executada, agora recorrida, não se encontrava presente aquando da celebração da mencionada transacção.

III - Encontrava-se nessa diligência representada por Ilustre Patrona sem poderes especiais para celebrar a transação.

IV - Nessa sequência, na sentença que homologou a transacção foi ordenado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 291º, nº 3, do Código de Processo Civil.

V - Por carta registada simples, datada de 18 de Outubro de 2017, foi dado cumprimento ao mencionado preceito legal.

VI - Essa carta não veio devolvida.

VII - Os mencionados autos declarativos foram arquivados e aposto visto em correição pela Mma. Juiz Titular do processo.

VIII – Com a carta enviada à recorrida, no dia 18 de Outubro de 2017, foi enviada cópia da transacção celebrada e com a advertência de que o acto seria havido como ratificado e suprida a nulidade proveniente da irregularidade do mandato (nomeadamente a falta de poderes da Patrona que lhe foi nomeada e a representava) se ela nada dissesse no prazo de dez dias.

IX - Também constava dessa notificação que, se a recorrida declarasse quenãoratificava o actoda referida Patrona (atransacção) tal acto não produziria qualquer efeito.

X - A recorrida não logrou provar que ela não tenha recebido a referida carta, a si enviada, sob registo simples e datada de 18 de Outubro de 2017, comotambém nãologrouprovar quedela nãoteve conhecimentoantes da instauração da execução.

XI -Com oenviodessa carta registada simples, dirigida à recorrida e remetida para a sua morada conhecida nos autos e onde ela fora citada, foi dado regular cumprimento ao disposto no artº 291º, nº 3 do CPC.

XII – Essa comunicação não padece de qualquer nulidade que afecte a validade da transacção e, por conseguinte, do título executivo.

XIII - Não obstante o artº 291º, nº 3 do CPC exigir a notificação pessoal ao mandante, da sentença homologatória da transacção havida, tal não significa que essa notificação tenha que ser feita com as formalidades da citação pessoal.

XIV – Tal notificação não carece de ser efectuada por carta registada com aviso de recepção.

XV – Antes devendo a notificação ser efectuada por carta com registo simples e enviada para o domicílio que a mandante tenha indicado nos autos ou onde ela tenha sido previamente citada.

XVI – O artº 250º do actual CPC, tal como já estabelecia o artº 256º do anterior código, dispõe que, para além dos casos especialmente previstos, aplicam-se as disposições relativas à realização da citação pessoal às notificações a que aludem os nºs 4 do artigo 18º, 3 do artigo 27º e 2 do artigo 28º.

XVI - Esses casos especialmente previstos no actual Código de Processo Civil são apenas quatro:

- o que se encontra estabelecido no artº 366º, nº 6 (providência cautelar sem audiência prévia do requerido);

- a situação do artº 773º, nº 1 (notificação do devedor do executado no caso de penhora do direito de crédito);

- o que decorre do artº 819º, nº 3 (notificação dos titulares de direito de preferência na acção executiva);

- o caso do artº 1039º, nº 2 do CPC (notificação para aceitação ou repúdio da herança).

XVII – Nenhuma disposição legal exige que a sentença homologatória da desistência, confissão ou transacção celebrada por mandatário sem poderes, deva ser notificada ao mandante, com as formalidades da citação pessoal.

XVIII – No caso da notificação pessoal à parte, para efeitos do disposto no artº 291, nº 3 do CPC não há lugar a integração analógica.

XIX - A regra estabelecida no nº 2 do artº 247º do CPC constitui norma geral.

XX – Já a regra estabelecida no artº 250º do mesmo Código constitui norma excepcional.

XXI – Por força do disposto no artº 11º do CC, não pode haver aplicação analógica do disposto no artº 250º do CPC a outras notificações pessoais não especialmente previstas.

XXII – O princípio estabelecido pelo legislador, após a reforma introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, quanto às formalidades da notificação pessoal às partes é o que exige a observância das formalidades da citação pessoal para o primeiro chamamento a intervir nos autos, bastando o envio de carta registada simples nas situações em que se chama a parte aos autos, posteriormente ao seu primeiro chamamento.

XXIII - Mostrando-se regularmente cumprida a notificação da ora recorrida, quanto ao disposto no artº 291º, nº 3 do CPC, bem decidiu a sentença a quo, ao julgar improcedentes os embargos de executado.

XXIV – Ao invés, a douta decisão recorrida fez uma errada interpretação e determinação da lei aplicável e designadamente do disposto nos artºs 10º e 11º do CC e artºs 247º, nº 2, 250º e 291º, nº 3 do CPC.


Termos em que deverá conceder-se a revista, revogando-se a decisão recorrida e mantendo-se a decisão proferida em primeira instância, a qual julgou improcedentes os embargos de executado, como é de JUSTIÇA!


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Contra-alegou a recorrida CC, concluindo pela improcedência da revista.


Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO


Nada obsta à apreciação do mérito da revista.

Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).


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Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), a questão a decidir consiste em saber se a notificação pessoal a que se refere o artº 291º, nº3 do Código de Processo Civil tem de ser feita por carta registada com aviso de recepção, por aplicação da disposições relativas à citação de pessoa singular.

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III – FUNDAMENTAÇÃO


III. 1. FACTOS PROVADOS

A matéria de facto relevante é a supra referida e que aqui se reproduz.


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III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO


Adiantando solução, cremos que a razão está do lado dos recorrentes.

Vejamos.


Dispõe o artº 291º do CPC:

“1 – A confissão, a desistência e a transacção podem ser declaradas nulas ou anuladas como os outros actos da mesma natureza, sendo aplicável à confissão o disposto no nº 2 do artº 359º do Código Civil. 2 – O trânsito em julgado da sentença proferida sobre a confissão, desistência ou a transacção não obsta a que se intente a acção destinada à declaração de nulidade ou à anulação de qualquer delas, ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação.

3 – Quando a nulidade provenha unicamente da falta de poderes do mandatário judicial ou da irregularidade do mandato, a sentença homologatória é notificada pessoalmente ao mandante, com a cominação de nada dizendo, o acto ser havido por ratificado e a nulidade suprida; se declarar que não ratifica o acto do mandatário, este não produz quanto a si qualquer efeito”[1].


Assim, portanto, diz a lei que a notificação da transacção ao mandante que não esteve presente aquando da sua elaboração, é feita “pessoalmente”.

Mas pessoalmente como: por simples carta registada, ou por carta registada com aviso de recepção como sustentam os embargantes?

Esta a questão a dilucidar.


Como dito, a secção remeteu carta registada simples para a morada indicada nos autos pelos mandantes/embargantes, carta essa que não foi devolvida.

A Relação, porém, entendeu que a notificação pessoal aos mandantes tinha de ocorrer através de carta registada com AR, sustentando-se, para tal entendimento, no estatuído no artº 250º do CPC, que reza:

“Notificação pessoal às partes ou seus representantes

Para além dos casos especialmente previstos, aplicam-se as disposições relativas à realização da citação pessoal às notificações a que aludem o n.º 4 do artigo 18.º, 3 do artigo 27.º e 2 do artigo 28.º”.

Trata-se de um preceito praticamente idêntico ao artigo 256º do anterior CPC, apenas com uma insignificante alteração de redacção e actualização das remissões legais e decorrentes da renumeração do NCPC.


Assim se vê que a notificação pessoal está sujeita à formalidade exigida no artigo 250º do CPC (correspondente, como dissemos, ao anterior artº 256º). E como de tal preceito se extrai, estão ali previstas duas situações: uma, dos casos especialmente previstos; outra, das normas que expressamente ali são mencionadas.


Ora, não cremos que o recurso ao referido artº 250º possa ou deva conduzir à conclusão a que chegou o ac. recorrido (necessidade de carta registada com AR para a notificação da sentença homologatória da transacção ao mandante que não esteve presente aquando da sua elaboração, nem munido de poderes especiais para o efeito).

O mesmo é dizer que esta notificação não tem de seguir as formalidades da citação.

Efectivamente, bastará comparar a redacção do referido normativo do artº 256º do CPC, que rege sobre a “notificação pessoal às partes ou seus mandatários”, antes e depois da reforma introduzida pelo Dec.-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, para logo se perceber que o legislador, a partir desta reforma, quis (e assim plasmou nesse artº 256º - correspondente ao artº 250º do NCPC aprovado pela Lei nº 41/2013) restringir a observância da formalidade da citação pessoal, na notificação pessoal, aos casos a que se referiam os artigos 12º, nº 4, 23º, nº 3 e 24º, nº 2, para além dos casos especialmente previstos (sendo que tais casos especialmente previstos eram os aludidos nos arts. artigos 385º, nº 6, 856º, nº 1, 892º, nº 3 e 1467º, nº 2, do Código então vigente).

A redacção desse artº 256º antes daquela reforma introduzida pelo Dec.-Lei nº 329-A/95 não deixa, de todo, margem para dúvida, pois que tal preceito rezava, então, assim: “se a parte tiver de ser notificada pessoalmente, aplicar-se-ão as disposições relativas à citação”.


Ou seja, antes da reforma operada pelo Dec.-Lei nº 329-A/95, não há dúvidas de que nos casos em que a parte tivesse de ser notificada pessoalmente (como ocorria e ocorre nas situações (como a sub judice) em que, por falta de poderes do mandatário judicial ou da irregularidade do mandato, a sentença homologatória de transacção tenha de ser notificada ao mandante), tal notificação tinha de ter lugar com recurso às “disposições relativas à citação”.

E igual dúvida não temos de que após essa reforma, dada a forma como o legislador redigiu aquele artº 256º do CPC, as disposições relativas à citação deixaram de ser aqui aplicáveis, passando a exigir-se a aplicação das disposições relativas à citação pessoal, sim, mas apenas nos casos ali expressamente previstos em tal normativo e, outrossim, nos casos especialmente previstos (cláusula geral).

Casos esses que nada têm a ver com a situação que ora nos ocupa.

Com efeito, a notificação ao mandante da sentença homologatória da transacção, nos termos do artº 291º, nº 3, do CPC, não é, seguramente, um dos tais casos especialmente previstos.

Naquele artº 291º, nº 3 diz-se apenas que a sentença é notificada pessoalmente ao mandante - e se o legislador quisesse que tal notificação pessoal tivesse lugar por carta registada com AR (conforme é previsto para a citação pessoal, ut artº 225º, nº 2, al. b) CPC), tê-lo-ia dito, mantendo, então, a redação daquele artº 256º anterior à reforma do Dec-Lei nº 329-A/95. Ou seja, não deixaria cair a expressão “aplicar-se-ão as disposições relativas à citação”. O que quer dizer que o legislador, após aquela reforma, disse precisamente o que queria dizer, na alteração ao artº 256º e actual artº 250º.


A explicação para esta mudança de rumo é dada - como bem observam os recorrentes – no próprio preâmbulo do Dec.-Lei nº 329-A/95, no qual ressalta à evidência que o legislador pretendeu simplificar diversos actos judiciais, designadamente notificações e citações, eliminando algumas formalidades desnecessárias, sem pôr em causa a segurança do direito à defesa.

Com efeito, como se refere nesse preâmbulo, “o novo regime preconizado, como regra, para a citação pessoal a via postal implicou a total reformulação do tema da falta e nulidade da citação, abandonando-se o complexo sistema da distinção entre formalidades essenciais e secundárias (tipificadas pela lei de processo relativamente a cada modalidade de realização do acto) substituído pela inclusão de uma cláusula geral, segundo a qual ocorre falta de citação sempre que o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por facto que lhe não seja imputável”.


Assim, portanto, apenas nas notificações a que aludem os nºs 4 do artigo 18º, 3 do artigo 27º e 2 do artigo 28º e bem assim nos casos especialmente previstos na lei, se aplicam as disposições relativas à realização da citação pessoal, ou seja, só nesses casos a notificação pessoal tem de ocorrer com submissão às formalidades exigidas para a citação pessoal.

A cláusula geralalém dos casos especialmente previstos” abrange todos os casos em que a lei mande aplicar o regime da realização da citação - e, obviamente, ainda, as situações em que esteja em causa a garantia do direito de defesa. Fora destas situações, aplica-se o regime geral da comunicação dos actos ao mandatário ou à parte que não tenha constituído mandatário, isto é, através de carta registada.


Como dissemos já, é evidente que de entre tais casos especialmente previstos na lei não está o caso sob apreciação (artº 291º, nº 3 CPC), pois que tais casos são (apenas) os previstos nos seguintes normativos do CPC: 366º, nº 6 (providência cautelar sem audiência prévia do requerido); 773º, nº 1 (notificação do devedor do executado no caso de penhora do direito de crédito); 819º, nº 3 (notificação dos titulares de direito de preferência na acção executiva) e 1039º, nº 2 do CPC (notificação para aceitação ou repúdio da herança).


Iguais entendimentos têm LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO, os quais, em comentário ao artº 256º do anterior CPC (cuja redação corresponde, como referido, à do artº 250º do NCPC), escreveram[2]: o DL 329-A/95 suprimiu os casos dos arts. 39-2 (renúncia ao mandato) 301-3 (homologação de confissão, desistência ou transacção celebrada sem poderes do mandatário ou mediante mandato irregular), mas passou a referir também os casos especialmente previstos. Estes abrangem seguramente todos aqueles em que a lei mande aplicar o regime da realização da citação, entre elesse contando os dos arts. 385-6 (providência cautelar decretada sem audiência prévia do requerido), 856-1 (notificação do devedor do executado no caso de penhora de crédito), 892-3 (notificação dos titulares do direito de preferência na acção executiva) e 1467-2 (notificação para aceitação ou repúdio da herança, em conformidade com o art. 2049-1 CC).

Não basta, pois, para o efeito, que a lei exija a notificação pessoal à parte ou seu representante, nos termos do art. 253-2 ou de outra disposição, como as dos arts. 39-2 (renúncia ao mandato), 41-3 (notificação para ratificação da gestão de negócios) ou 301-3 (notificação da sentença homologatória de desistência, confissão ou transacção celebrada por mandatário sem poderes)”[3].


Como é sabido, as notificações às partes tanto podem exercer uma função informativa como função convocatória. E dentro da segunda, há que distinguir a convocação para a prática de acto que possa ser praticado por intermédio de mandatário da que se destina a chamar a parte para praticar acto pessoal, isto é, que só por ela possa ser praticado[4].

Ora, no caso sob apreciação (tal como ocorre na notificação ao mandante da renúncia à procuração pelo mandatário), parece evidente que a notificação feita à mandante/recorrida/executada tinha (tem) mera função informativa (comunicar à parte/mandante a prática de determinado acto e de que dispunha de certo prazo para reagir sob pena de ter lugar determinada consequência).

Como tal, a notificação pessoal, para além de legalmente inexigível, revelar-se-ia, ainda desnecessária e improfícua – na perspectiva dos interesses da embargante/mandante que em nada fica prejudicada pela comunicação por carta registada sem o aviso de recepção (esta, diga-se em boa verdade, que apenas iria consumir tempo e custos acrescidos).


Na senda do explanado, temos, também, que se não pode estender o artº 250º do CPC (casos em que se aplicam às notificações as regras relativas à citação pessoal) para além da sua própria, e assaz restrita, previsão. O mesmo é dizer que não é possível o recurso à analogia para aplicar tal normativo a situações que…nele não vêm contempladas.

É que aquele artº 250º, ao permitir a aplicação das disposições relativas à realização da citação pessoal, para além dos casos ali expressamente referenciados, aos casos especialmente previstos, como que "blindou” as situações em que tal aplicação pode ter lugar. Pelo que, sendo a regra da notificação às partes que constituíram mandatário a ínsita no artº 247º, nº 2 do CPC, tal significa que aquele artº 250º configura uma norma de cariz excepcional nessa matéria e, como tal, não passível de aplicação analógica (ut artº 11º do CC).


E se é certo que o aludido artº 11º CC admite a interpretação extensiva, a mesma também estaria arredada da situação sob apreciação, dado que em todos aqueles casos especialmente previstos há algo que extravasa da situação que ora apreciamos (artº 291º, nº 3 CPC). É que, em todos os aludidos (quatro) casos especialmente previstos na lei há um factor em comum: está-se, em todos eles, a convocar alguém que ainda não é parte nos autos, daí se compreendendo perfeitamente que a notificação (esta que ocorre quando se visa, já depois da primeira vez, chamar o notificando aos autos ou dar-lhe conhecimento de um facto, ut artº 219º CPC) tenha de obedecer às formalidades prevista para a citação, assim se lhe assegurando convenientemente o direito de defesa. Situação que não ocorre no caso que tratamos, pois, a notificação do mandante a que se refere o artº 291º, nº 3 do CPC e cujo domicílio é conhecido no processo, ocorre em processo em que o mesmo já teve intervenção, conhecendo-o cabalmente e, como tal, já tendo tido ampla oportunidade de exercer o direito de defesa, contestando a acção.

Assim, portanto, dúvidas não temos de que o julgador entendeu necessário que a notificação pessoal da parte devesse ser feita com a referida formalidade da citação pessoal tão somente nos casos especialmente previstos (para além, obviamente, das notificações já mencionadas no artº 250º CPC). Só em tais casos especialmente previstos, e porque, como dito, em todos eles a respectiva notificação visa chamar pela primeira vez a parte ao processo, é que o legislador considerou haver necessidade de, para o efeito, fazer uso das formalidades da citação pessoal.


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Embora a propósito da notificação à parte da renúncia ao mandato forense manifestada pelo seu mandatário judicial, e tendo, como tem (tal como na situação do artº 191º, nº3, aqui sob apreciação), natureza pessoal, emitiu pronúncia a Relação de Lisboa, em Ac de 02.07.2019 (proc. 25386/10.5YYLSB-G.L1-7), em cujo sumário se escreveu que tal notificação “não está sujeita às regras da citação – arts. 47º e 250º do CPC.

· Tal notificação não tem que ser feita por carta registada com aviso de receção, podendo fazer-se por meio de carta registada remetida para o endereço indicado pela parte que outorgou a procuração - art. 249º do CC.” – referência que habitualmente consta da procuração forense, presumindo-se a sua recepção, sem prejuízo de o notificando poder elidir tal presunção, demonstrando que não recebeu a carta de notificação, e que a frustração da notificação não lhe é imputável[5].

Assim também decidiu o Ac. da Rel de Lisboa de 19.06.2007 (proc. 3477/2007-1): “1. A notificação à parte (autor) da renúncia ao mandato do seu advogado tem uma função meramente informativa e não convocatória, maxime para a prática de acto pessoal.

2. Assim, tal notificação não tem de ser pessoal, ou seja, por carta registada com aviso de recepção, podendo e devendo fazer-se, pelo modo normal ou regra, i.e. por via postal com carta registada – artº 254º nº 1 e 255º nº 1 do CPC.

3. Destarte, tendo acontecido a notificação por este modo, ela operou os seus efeitos...”.


Na mesma senda já lavrava o Mestre ALBERTO DOS REIS, observando que apenas em casos excepcionais a notificação é pessoal. Pois que, este tipo de notificação apenas é exigível nos casos em que ela se destina a chamar a parte ao tribunal para a prática de acto pessoal ou quando a lei expressamente a prevê[6]

E apenas nos casos da parte não ter constituído mandatário.

Pois que se ela tiver constituído advogado, mesmo que a notificação se destine a chamá-la para a prática de acto pessoal, apenas é exigido – para além da notificação daquele - que a parte seja notificada mediante aviso registado – artº 253º nº 2 do CPC (correspondente ao actual artº 247º, nº 2 CPC - ensinamentos, portanto, que se mantêm válidos face à lei adjectiva civil vigente).


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Assim se conclui que a notificação a que alude o artº 291º nº 3 do CPC deve ocorrer pela forma prevista no nº 2, 2ª parte, do artº 247º do mesmo Código: “expedição pelo correio de um aviso registado à própria parte”.

Foi o que se fez nos autos, notificando-se à recorrida a sentença homologatória da transacção por via de aviso registado, carta registada essa que recebeu, pois não consta dos autos, sequer a alegação da mesma, de que não tenha recebido tal missiva.


Nestes termos, assiste razão aos exequentes/recorrentes, na medida em que o comando ínsito no artº 291º, nº 3 do CPC foi cabalmente cumprido pelo tribunal, donde não poder deixar de se dar razão à sentença que julgou improcedentes os embargos de executado. O que significa que o Ac. da relação deve ser revogado e mantida a decisão plasmada na sentença.


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IV. DECISÃO 

Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e, consequentemente, conceder a revista, revogando-se o Acórdão da Relação e mantendo-se a sentença da primeira instância que julgou improcedentes os embargos de executado, com o consequente prosseguimento da execução.

Custas a cargo da recorrida.


Lisboa, 10 de março de 2022


Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro 1º adjunto)

Tomé Gomes (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)

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[1] É o segmento destacado a negrito que aqui importa analisar.

[2] In CPC Anotado, Vol. I, 2ª edição Coimbra Editora, 2008, pág. 488.

[3] Destaque nosso.

[4] Cfr. Ac. do STJ de 15.12.1998, dgsi.pt, p.98B1087.

[5] Neste sentido cfr. ac. RG 24-10-2010 (Espinheira Baltar), p. 3896/04.3TBBCL-D.G1.

[6] Comentário, 2º, 727.