TÍTULO EXECUTIVO
DECISÕES NÃO TRANSITADAS
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
Sumário

- a execução que corre termos com natureza provisória, por não ter transitado em julgado a sentença apresentada como título executivo, está sujeita aos efeitos que advenham da decisão definitiva/final/transitada em julgado que venha a ser proferida;
- as decisões intermédias a que alude a 2.ª parte do n.º 2 do artigo 704.º do CPC são aquelas que, proferidas no âmbito do recurso interposto da sentença condenatória, foram elas próprias objeto de recurso;
- a decisão definitiva/final/transitada em julgado que anula in totum a sentença condenatória, dela não subsistindo, ainda que implicitamente, qualquer segmento condenatório (reconhecimento do direito), implica na extinção da execução.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Embargada: (…)
Recorridos / Embargantes: (…) e (…)

Os autos consistem em oposição à execução mediante embargos deduzidos com vista à extinção da execução. Os Embargantes invocaram a inexistência superveniente de título executivo: a sentença dada à execução foi anulada por acórdão proferido pelo TRE.
A Embargada apresentou-se a contestar, invocando que a decisão de anulação da decisão executada, que determina que o Tribunal de 1.ª Instância profira despacho a convidar a Autora a suprir a exceção de ilegitimidade ativa, constitui uma decisão intermédia, não uma decisão de mérito, pelo que apenas deve implicar na suspensão da execução até que seja proferida nova decisão (de certo com conteúdo idêntico ao da decisão anulada), e não na respetiva extinção.

II – O Objeto do Recurso
Foi proferido saneador sentença julgando os embargos totalmente procedentes, decretando-se a extinção da execução com fundamento na falta de título executivo.
Inconformada, a Embargada apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que determine a baixa do processo à 1.ª Instância para instrução dos autos e consequente julgamento da matéria de facto omitida ou, caso assim não se entenda, por decisão que suspenda a execução. Concluiu a alegação de recurso nos seguintes termos:
«1. O Tribunal a quo, presumindo o trânsito em julgado do Acórdão anulatório da Sentença condenatória oferecida pela apelante como título executivo, entendeu que não estaríamos perante uma decisão intermédia, e por consequente, faltava o título executivo.
2. Não havia assim que fazer uso da segunda parte do artigo 704.º, n.º 2, do CPC.
3. Contudo, tal fundamentação está assente num pressuposto que não foi dado como provado (nem como não provado) – o trânsito em julgado da decisão anulatória do título executivo.
4. Exige o 704.º, n.º 1, do CPC que facto tem de ser comprovado por certidão.
5. Tal não ocorreu in casu.
6. Devendo, salvo melhor opinião, ser ordenada a baixa à primeira instância para instrução dos autos e decidido em conformidade.
Subsidiariamente, à cautela de patrocínio,
7. A decisão anulatória da Sentença dada à execução como título executivo configura uma decisão intermédia.
8. Aquela não decide de mérito.
9. Ao ordenar a regularização do lado ativo da instância, convidando a apelante a chamar à lide o seu filho, co-herdeiro, ainda não emitiu uma decisão definitiva sobre aquele litígio,
10. Sendo assim de aplicar a segunda parte do disposto no artigo 704.º, n.º 2, do CPC.»
As contra-alegações apresentadas foram desentranhadas por falta de pagamento da taxa de justiça.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, foi proferido despacho determinando se apurasse o trânsito em julgado do acórdão proferido neste Tribunal a 19/11/2020 no processo n.º 687/13.4TBTVR.E1, com junção de certidão.

Cumpre conhecer da seguinte questão: da inexistência de fundamento para extinção da execução por falta de título executivo.

III – Fundamentos
A – Os factos provados em 1.ª Instância

1. (…) intentou, em 09/10/2020, a execução para pagamento de quantia certa contra (…) e (…), apresentando como título executivo a sentença datada de 15 de Março de 2020, proferida nos autos n.º 687/13.4TBTVR do Juízo Central Cível de Faro-Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, na qual figura como Autora (…) e como Réus (…) e (…) e em cujo segmento decisório se pode ler “VI-Decisão. Nesta conformidade, decido julgar a ação parcialmente procedente, porque parcialmente provada e, por conseguinte, decido:
A) Condenar os réus ao encerramento do seu estabelecimento comercial;
B) Fixar o montante de € 1.000,00 (mil euros) por mês, por cada mês de atraso no cumprimento de tal determinação legal;
C) Condenar os réus ao pagamento de uma indemnização à autora no montante de € 200.000,00 (duzentos mil euros), pela violação da obrigação implícita de não concorrência com o estabelecimento comercial da autora;
D) Inibir os réus de utilizarem a designação “Auto Peças (…)”;
E) Indeferir o mais peticionado (…) Registe e notifique. Faro, 15/3/2020 (…)”;
2. Os Réus na ação referida em 1) e aqui Embargantes/executados, interpuseram recurso da decisão para o Venerando Tribunal da Relação de Évora, que proferiu douto acórdão, datado de 19/11/2020, em cujo segmento decisório pode ler-se:
“3. Decisão. Nestes termos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação deduzida pelos réus e prejudicada a apreciação do recurso subordinado deduzido pela autora, em consequência do que se decide anular a decisão recorrida e determinar que o tribunal de 1ª instância profira despacho a convidar a autora a suprir a exceção de ilegitimidade ativa. Nos termos supra indicados. Custas de ambas as apelações pela (s) parte (s) vencida (s) a final. Notifique. Évora, 19-11-2020 (…)”
Mais se apurou que o mencionado acórdão transitou em julgado – cfr. certidão que antecede.

B – O Direito
As sentenças condenatórias constituem uma espécie de títulos executivos, podendo servir de base à execução ainda que não tenha ocorrido o trânsito em julgado, desde que o recurso contra elas interposto tenha efeito meramente devolutivo – cfr. artigos 703.º, n.º 1, alínea a) e 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Nos termos do disposto no artigo 704.º, n.º 2, do CPC, a execução iniciada na pendência de recurso extingue-se ou modifica-se em conformidade com a decisão definitiva comprovada por certidão; as decisões intermédias podem igualmente suspender ou modificar a execução, consoante o efeito atribuído ao recurso que contra elas se interpuser.
Uma vez que a pendência do recurso obsta à definitividade da sentença, decorre do referido regime legal que “a execução que, entretanto, tenha sido instaurada está sujeita às vicissitudes que resultarem quer do recurso de apelação, quer do eventual recurso de revista; de um e de outro pode derivar a confirmação, revogação, anulação ou modificação da sentença, de tal modo que, em função do que for determinado pelo tribunal superior, a execução iniciada prossegue, extingue-se ou modifica-se”.[1]
Ora, a decisão definitiva a que se refere o artigo 704.º, n.º 2, do CPC é aquela que conheça do recurso interposto da sentença dada à execução como título executivo, e que não seja já suscetível de recurso ordinário ou de reclamação – cfr. artigo 628.º do CPC; as decisões intermédias são aquelas que, tendo recaído sobre o recurso interposto da decisão dada à execução, foram ela próprias objeto de recurso – daí que o efeito das mesmas sobre a execução dependa do efeito atribuído ao recurso que contra elas tenha sido interposto; é por via do efeito que seja atribuído ao recurso contra elas interposto que a decisão intermédia poderá implicar na suspensão ou na modificação da execução; por conseguinte, para efeitos do preceito legal em análise, a decisão intermédia constitui decisão que não é definitiva, decisão que não transitou em julgado.[2]
Não merece, pois, acolhimento a alegação da Recorrente no sentido de que a decisão é definitiva se toma conhecimento do mérito da causa, e intermédia se não decide do mérito da causa.[3]
No caso em apreço, a sentença que foi dada à execução como título executivo foi anulada por acórdão do TRE, acórdão esse transitado em julgado. Trata-se, assim, de uma decisão definitiva. Atento o respetivo teor (recorde-se que anulou a sentença da 1.ª Instância determinando que o tribunal a quo profira despacho a convidar a autora a suprir a exceção de ilegitimidade ativa), é manifesto que, ao abrigo do disposto no artigo 704.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, implica na extinção da execução: a sentença que constituía título executivo não subsiste em qualquer um dos respetivos segmentos. Assim, o trânsito em julgado do acórdão do TRE, por via do qual não subsistiu qualquer decisão condenatória, acarretou a impossibilidade superveniente da lide executiva fundada na sentença anulada.
Casos há (cfr. nomeadamente aquele que foi apreciado no acórdão citado pela Recorrente[4]) em que a decisão definitiva/final/transitada em julgado do recurso, anulando a sentença que constitui título executivo, determina ao tribunal de 1.ª Instância a ampliação da matéria de facto para apurar o montante do crédito, dada a falta de elementos bastantes para o efeito; o crédito resulta afirmado, o respetivo montante mantém-se controvertido; donde, concede-se que tal decisão definitiva/final/transitada em julgado, embora anule a sentença dada à execução, não implique na extinção da execução, porquanto reconhece a existência do crédito exequendo, permanecendo por determinar o respetivo montante. Situação que, salvo o devido respeito por opinião diversa, é acolhida no regime inserto na 1.ª parte do n.º 2 do artigo 704.º do CPC; atento o respetivo teor, no entanto, concede-se que não extinga nem modifique a execução pendente, que permanece em curso com natureza provisória por não ter por base sentença condenatória transitada em julgado.
Inexiste, pois, fundamento para acolher a pretensão esgrimida neste recurso.

As custas recaem sobre a Recorrente – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Concluindo: (…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

*

Évora, 24 de março de 2022
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Ana Margarida Leite

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[1] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, CPC Anotado, vol. II, pág. 32.
[2] Cfr. Ac. TRG de 03/05/2018 (Pedro Damião e Cunha).
[3] Posição sufragada no voto de vencido no Ac. TRG de 30/05/2019 (Alcides Rodrigues).
[4] Ac. TRL de 05/06/2008 (Maria do Rosário Barbosa).