INVENTÁRIO PARA SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
TEMPESTIVIDADE DA ARGUIÇÃO DA INCOMPETÊNCIA MATERIAL
Sumário


SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora - art. 663.º, n.º 7 do CPC)

Em inventário instaurado no tribunal judicial a que é aplicável o regime processual constante do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, a arguição da incompetência material do tribunal, com fundamento em que deve correr termos noutro tribunal também judicial, só pode ser arguida até à conferência de interessados.

Texto Integral


Acordão no Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

Na sequência de divórcio que correu termos na Conservatória do Registo Civil, D. M. veio instaurar, contra M. F., o presente processo de inventário para partilha de bens.
Os autos deram entrada no dia 07 de Maio de 2013, no, ao tempo, 2º Juízo Cível de Braga.
A 27 de Maio de 2014 foi proferido despacho do seguinte teor: «Para realização da conferência de interessados e, se necessário, licitações, designo o dia 03 de julho de 2014, pelas 13h30».
A 23.02.2015, sofreu nova autuação, passando a correr termos pela Comarca de Braga, Instância Local de Braga- Secção Cível - J3.
Sofreu interrupção a pedido das partes, tendo continuado a 24.02.2015.
Por despacho de 30.10.2015, foi suspenso o inventário por 6 meses, com fundamento em causa prejudicial.
Foi designada nova data para a conferência de interessados, tendo sido eleito o dia 19.03.2019.
Após vicissitudes processuais, a 21.05.2021, ordenou-se que a continuação da conferência de interessados ocorreria no dia 01.07.2021.
Esta diligência não logrou o seu fim, face à renúncia do Ilustre Mandatário da Requerida.

Por requerimento de 03.09.2021, a interessada M. F. veio arguir a incompetência material do tribunal, onde conclui nos seguintes termos:

«Deverá decidir-se pela incompetência absoluta deste tribunal, o que constitui uma exceção dilatória, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar ao indeferimento liminar, tudo ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 96.º, al. a), 97.º, 99.º, 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, al. a), todos do Código de Processo Civil».

Mereceu resposta do outro interessado, pugnando pela improcedência.

A excepção deduzida teve a decisão ora recorrida, que se transcreve:

«Veio a Interessada M. F. arguir a incompetência material deste tribunal para conhecer dos termos da acção, uma vez que se trata de inventário na sequência do divórcio.
Exercendo o contraditório, o Cabeça de casal pugnou pela competência deste tribunal.
Decidindo
Sobre a competência dos tribunais em razão da matéria, dispõe o art. 64º do CPC que “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”, esclarecendo logo de seguida o art. 65º que “as leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada”.
O art. 81º da LOFTJ, aprovada pela L. 3/99 de 13.01 (na redacção em vigor na data de interposição desta acção 2013), com a epígrafe “competência relativa a cônjuges e ex-cônjuges”, dispunha que “compete aos tribunais de família preparar e julgar: … c) inventários requeridos na sequência de acções de separação de pessoas e bens e de divórcio, bem como os procedimentos cautelares com aqueles relacionados”.
Contudo, tal processo de inventário corria por apenso ao respectivo processo de separação de pessoas e bens ou de divórcio, por força do disposto no art. 1404º, nº 3 do CPC61, não querendo tal significar que a competência do tribunal se determinasse por força dessa apensação.
Ou seja, se o processo de separação de pessoas e bens ou de divórcio tivesse corrido no tribunal de família, àquele seria apensado o processo de inventário para partilha de bens; se não tivesse corrido no tribunal de família, o inventário teria que ser intentado nesse tribunal de família e solicitado, nesse caso à conservatória do registo civil, o processo de separação de pessoas e bens ou de divórcio para apensação.
Nesta conformidade, neste caso em concreto, seria efectivamente o tribunal de família o competente para tramitar o inventário, independentemente de o processo de divórcio ali não ter corrido termos.
Ora, a incompetência absoluta por infracção das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais, só pode ser arguida ou conhecida oficiosamente, até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência de discussão e julgamento (arts. 101º e 102º, nº 2 do CPC61 e 96º, al. a) e 97º, nº 2 do CPC aprovado pela L. 41/2013 de 26.06), no caso de inventário, não havendo despacho saneador, nem julgamento, teremos que considerar como momento limite para suscitar e conhecer desta questão, o início de qualquer diligência de prova, ou, não havendo lugar a esta, até ao início da conferência de interessados.
O legislador optou, manifestamente, por obviar a um conhecimento tardio da incompetência material do tribunal, atenta a sua menor gravidade por estar em causa a propositura de uma acção num tribunal judicial quando devia ter sido instaurada noutro tribunal judicial.
Transpondo o que vimos de dizer para o presente processo de inventário, entendemos que apenas era possível suscitar e conhecer esta questão da incompetência material até ai inicio da conferência de interessados, o que não sucedeu, atente-se que a conferência de interessados já teve inicio, tendo sido requerida avaliação, o que determinou a sua interrupção, sendo que só após a data em que a conferência de interessados foi retomada e novamente interrompida, por renuncia do mandatário da interessada, a questão da incompetência veio a ser suscitada.
Nestes termos, e face ao processado, há que considerar assente a competência deste tribunal, sendo manifestamente extemporânea a arguição da incompetência material».

Com ela não se conformando, interpôs recurso a mencionada interessada, em cujas alegações conclui nos seguintes termos:
A. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pela Meritíssima Juiz “a quo” que considerou extemporânea a suscitada questão de incompetência material do Juízo Cível, para a tramitação dos presentes autos de inventário e, nesse sentido, deu por assente a competência do Tribunal Recorrido ordenando a prossecução dos autos.
B. Desde logo, salvo o devido respeito, o entendimento vertido na decisão recorrida não colhe sustento legal e, nem sequer, vem convocado por analogia,
C. O Tribunal Recorrido bastou a fundamentação da sua decisão na aplicação do preceituado pelo artigo 92º, nº2 do CPC, sem que, contudo, fundamentasse tal aplicação ao processo de inventário, marcadamente distinto do processo comum e no qual não existe despacho saneador e/ou audiência prévia, nem mesmo, a audiência de julgamento,
D. A aplicação de tal regime ao processo de inventário, como forma de concluir pela extemporaneidade da arguida exceção de incompetência material, parece-nos, pois, por destituída de base legal e/ou aplicação analógica, sem fundamento.
E. Destarte, a decisão recorrida carece de fundamentação, uma vez que não especifica os fundamentos de facto e de direito que a justificam– artigo 615.º, n.º1, alínea b) do CPC
F. Haverá, portanto, que concluir pela nulidade do despacho proferido, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC (aplicável aos despachos por força do estatuído no artigo 613.º, n.º 3 do CPC).
G. Ou, e, sempre deverá ser ordenada a devida fundamentação pelo Tribunal Recorrido.
H. Cabendo aos juízos de família e menores preparar e julgar ações de separação de pessoas e bens e de divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil (sem prejuízo das competências atribuídas às conservatórias do registo civil em matéria de divórcio ou separação por mútuo consentimento), cabe-lhes ainda tramitar, por apenso, os processos de inventário que deles decorram, nos termos dos arts. 122, nº 2, da LOSJ, e 206, nº 2, do C.P.C.
I. Neste sentido, e concluindo o despacho recorrido pela prossecução dos autos no Juízo Local Cível, constitui o mesmo manifesta infração às regras da competência em razão da matéria,
J. Determinando a sua incompetência absoluta, no que, aliás o tribunal recorrido concorda.
K. A incompetência absoluta do tribunal recorrido pode ser arguida a todo o tempo pelas partes e deve ser oficiosamente suscitada pela Tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (cfr. artigo 97º, 1 do CPC).
L. A regra (artº 97º nº2 do cpc) da invocação da excepção de incompetência absoluta do tribunal até ser proferido despacho saneador ou até ao início da audiência não se aplica ao processo de inventário, onde não existe despacho saneador, nem audiência de julgamento.
M. A apreciação da expecção de incompetência do tribunal deve ser feita logo que arguida, nos termos do artº 98º do CPC.
N. A violação dos preceitos referentes à definição da competência material implica a incompetência absoluta do tribunal e constitui uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar ao indeferimento liminar, tudo ao abrigo das disposições conjugadas dos nos artigos 96.º, al. a), 97.º, 99.º, 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, al.a), todos do Código de Processo Civil.
O. A atribuição de efeito meramente devolutivo ao presente recurso não se coaduna com o efeito útil do mesmo, designadamente que os autos venham a ser tramitados no Juízo de Família e Menores de Braga, pelo que, deverá ser atribuído efeito suspensivo à presente apelação- Cfr. Artigo 1123º, nº 1 e 647º,nº1, e 4 do CPC.

Conclui pela procedência do recurso, considerando-se que «o despacho recorrido padece de vício de nulidade por falta de fundamentação ou e sempre pela sua revogação e substituição por outro que considere pela procedência da invocada exceção dilatória, que obsta a que o tribunal recorrido conheça do mérito da causa e dá lugar ao indeferimento liminar, tudo ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 96.º, al. a), 97.º, 99.º, 278.º, n.º1, al. a), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, al. a), todos do Código de Processo Civil».

Foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do C. P. Civil).
Nos recursos apreciam-se questões e não razões.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A factualidade a ter em conta é a que consta do relatório supra.
Submete-se a este tribunal a questão da nulidade do despacho recorrido, com vício de falta de fundamentação e, ainda, se é, ou não, extemporânea a arguição da excepção de incompetência material do tribunal.

As causas de nulidade das sentenças e dos despachos, (ex vi artº 613º, nº3, do CPC) estão previstas no artº 615º do CPC. Assim:

1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.

Como pode ler-se no Acórdão do Tribunal desta Relação de Guimarães, de 17/12/2018, Procº 1867/14.0TBBCL-F.G1, disponível em www.dgsi.pt:

“Os vícios determinativos de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enunciados no referido art. 615º, do CPC, e reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.
Respeitam a vícios da estrutura da sentença os fundamentos enunciados nas alíneas b) - falta de fundamentação - e c) - oposição entre os fundamentos e a decisão -, e respeitam a vícios atinentes aos limites da sentença, os enunciados nas alíneas d) - omissão ou excesso de pronúncia - e e) - pronuncia ultra petitum.
Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.).
Não deve ser confundida a nulidade da sentença com a deficiente fundamentação; na verdade, como se escreveu no acórdão desta Relação, numa linha que se tem como inquestionavelmente uniforme, «só existe omissão por falta de indicação dos fundamentos de facto ou de direito nos termos do art.º 615º, nº 1, alínea b), do CPC., quando tal falta for absoluta, ou seja quando se verifique uma total omissão de fundamentação de facto ou de direito e não apenas uma insuficiência ou deficiente de fundamentação» - acórdão de 31.10.2018, procº 177/17.6Y3BRG.G1.
Ora, do texto da decisão que acima se reproduziu, retira-se uma enunciação dos fundamentos que levaram à decisão proferida, sendo manifesto que não há omissão de fundamentos, deles discordando, aliás, a recorrente, como se vê das suas alegações.
Consequentemente, improcedente a arguição de nulidade de sentença.

Competência Material
De acordo com o estatuído no artº 96º do Código de Processo Civil, , no capítulo das “Garantias da Competência”, a infracção das regras de competência em razão da matéria, determina a incompetência absoluta do tribunal.
O artº 102º do Código de Processo Civil de 1966 preceituava que a incompetência absoluta podia ser arguida e conhecida em qualquer estado do processo (nº1), mas se fosse caso de competência de tribunal especial e a acção tivesse sido proposta no tribunal de comarca, só podia ser arguida e suscitada oficiosamente até ao momento de ser proferido o despacho saneador.

Este artigo veio a receber nova redacção, pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, mantendo-se o conteúdo do nº1 e, no que ao nº2 concerne, passou a vigorar segmento em tudo igual ao que resulta do 97º, nº2, actualmente em vigor.

Aqui se estabelece:
1 - A incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e, exceto se decorrer da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.
2 - A violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final.”
Recolhe-se da norma que a arguição e o conhecimento das regras relativas à competência material, terá um caminho quando respeita a tribunais de diferentes categorias e um outro, diverso, quando estão em causa apenas tribunais judiciais.
No primeiro enquadramento, a arguição pode ter lugar e deve ser oficiosamente suscitada até ao trânsito da sentença proferida sobre o fundo da causa, mas na segunda situação quer a arguição, quer o conhecimento oficioso, só pode ter lugar até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final.

Há, manifestamente, um propósito do legislador de consolidar no processo, logo que possível, a competência material do tribunal quando a questão se sedia entre tribunais judiciais.
Ao invés de se quedar pela regra do nº1, mais abrangente, que permite a arguição enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa, optou por impor um limite temporal na tramitação processual para esta excepção quando a questão da competência material se coloca ao nível de dois tribunais judiciais, numa escolha louvável de alguma estabilidade e certeza, para as partes, em matéria que a estes tribunais pertence.
Retirando-se das normas que, sucessivamente, foram vigorando sobre o tema, que a competência material entre tribunais judiciais deve estar sedimentada logo que possível, o mais tardar até ao início da audiência final, impõe-se encontrar no processo de inventário a fase processual que lhe poderá corresponder ou, dito de outro modo, até quando não ocorre uma actividade equiparável àquela.
A Srª Juiz a quo entendeu que a correspondência a estabelecer no inventário será com a conferência de interessados e, com esse fundamento, julgou extemporânea a arguição de incompetência material deduzida pela interessada M. F..
Como já consignava Lopes Cardoso, “Partilhas Judiciais”, 4ª ed., Vol. II, pag.97, «à conferência de interessados está entregue uma grande tarefa, pertencendo-lhe remover todas as dúvidas ou dificuldades que possam influir na determinação da partilha.
Há uma infinita variedade de casos em que convém sobremaneira reunir os interessados para se obter opinião segura, e não é fácil uma enumeração concreta de todos eles.
Nunca pode esquecer-se que a natureza mista do processo de inventário empresta às deliberações dos interessados, tomadas por maioria ou unanimidade, a qualidade de verdadeiras decisões que o juiz tem de acatar e cuja validade só pode ser impugnada por certos meios e em determinados casos» - sublinhado nosso.
«…a conferência é soberana nas suas decisões e o juiz limita-se a presidir, para homologar» - idem, pagina seguinte – sublinhado nosso.
Subscrevendo totalmente estas afirmações, porque inquestionáveis, tendemos, então, para reconhecer razão ao tribunal a quo; ou seja, considerando o carácter de decisões definitivas e vinculativas tomadas em sede de conferência de interessados, pode dizer-se que, tal como numa audiência de discussão e julgamento (tenha-se presente que, no regime aplicável, a sentença era dada posteriormente), aqui se discutem e cristalizam situações em sede de partilha, equivalendo, por isso à audiência a que se reporta o artº 97º, nº2, do CPC, bem como o artº 102º, do anterior Código, na redacção do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro.
Embora não aplicável aos autos, face à data de entrada em juízo deste inventário e ao disposto no artº 11º, nº1. Da Lei 117/2019, o regime processual criado por este diploma legal traz, a nosso ver, uma achega importante para a solução jurídica que temos vindo a trilhar.
Na verdade, de acordo com a tramitação processual nele consagrada, há lugar a despacho saneador (artº 1110º, nº1), nos termos do qual, depois de realizadas as diligências instrutórias necessárias, o juiz profere despacho de saneamento do processo, onde resolve todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar e ordena a notificação dos interessados e do Ministério Público que tenha intervenção principal para, no prazo de 20 dias, proporem a forma da partilha.
A conferência de interessados ocorrerá em momento subsequente, como decorre do nº2, b), do preceito.
É certo, hoje, que a arguição da incompetência material do tribunal, tratando-se de tribunais judiciais, não poderá ocorrer quando, como é o caso dos autos, a conferência já se iniciou, embora interrompida por vicissitudes várias.
E, muito menos, como decorre das alegações, fazendo apelo ao estatuído no nº1 do artº 97º do CPC, inaplicável ao caso, por força do regime especial contido no nº2 do mesmo.
Podemos, então e salvo melhor opinião, afirmar que, de acordo com o regime processual aplicável a estes autos, atendendo à natureza soberana das decisões tomadas na conferência de interessados, podem elas ser equiparáveis a verdadeiras decisões de facto, pelo que a arguição de incompetência material do tribunal feita após o seu início deve ser considerada extemporânea, por força do disposto no artº 97º, nº2, do CPC.
Assim e em conclusão, no inventário instaurado no tribunal judicial a que é aplicável o regime processual constante do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, a arguição da incompetência material do tribunal, com fundamento em que deve correr termos noutro tribunal também judicial, só pode ser arguida até à conferência de interessados.

III – DECISÃO

Nestes termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

*
Guimarães, 17 de março de 2022.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora – Raquel Rego;
1.º Adjunto - Jorge Teixeira;
2.º Adjunto - José Manuel Flores.