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PROCESSO DE INVENTÁRIO
NULIDADE DA DECISÃO
RECURSO DA DECISÃO SOBRE A RECLAMAÇÃO À RELAÇÃO DE BENS
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário
SUMÁRIO (da responsabilidade do Relator - art. 663.º, n.º 7 do CPC)
1- Nos termos da al. b), do n.º 2 do art. 1123º do CPC, na redação introduzida pela Lei n.º 117/2019, de 13/09, que institui o novo regime do processo de inventário, a decisão que recaia sobre a reclamação à relação de bens apresentada pela cabeça de casal é, imediata e autonomamente recorrível. 2- O vício da nulidade da decisão judicial por oposição entre os fundamentos e a decisão nela exarada pressupõe uma construção viciosa interna dessa decisão, decorrente de existir uma contradição lógica entre os fundamentos de facto e/ou de direito nela avocados para suportar a decisão e a própria decisão expressa na parte dispositiva desta, não se confundindo com o erro de julgamento da matéria de facto e/ou de direito. 3- Os erros de julgamento da matéria de facto, salvo situações excecionais, não são determinativos de nulidade da decisão judicial, uma vez que, os erros de julgamento da matéria de facto estão submetidos ao regime específico do art. 662º do CPC, dando lugar à atuação dos poderes de rescisão ou cassação da Relação quanto ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância. 4- Sendo as faturas documentos particulares, em relação a terceiros, isto é, quem nelas não figura como emitente e pessoa a favor de quem foram emitidas, as declarações constantes dessas faturas encontram-se submetidas ao princípio geral da livre apreciação da prova.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:
I- RELATÓRIO
D. M., residente na Rua … Braga, instaurou em 22/01/2021, o presente processo de inventário para partilha dos bens comuns do casal, contra I. P., residente na Avenida da … Braga, alegando, em síntese, que requerente e requerida contraíram casamento em 20/07/2011; esse casamento foi dissolvido por divórcio, por sentença transitada em julgado, proferida nos autos n.º 3486/18.2TBRG, do Tribunal da Comarca de Braga, Juízo de Família e Menores de Braga, Juiz 1; apesar das diligências encetadas, não foi possível partilhar os bens comuns do dissolvido casal.
Indicou para o cargo de cabeça de casal a requerida, por ser o cônjuge mais velho do extinto casal.
Nomeada a requerida para o cargo de cabeça de casal, procedeu-se à sua citação.
Por requerimento entrado em juízo em 12/05/2021, a cabeça de casal apresentou a relação de bens e o compromisso de honra.
O requerente reclamou da relação de bens apresentada pela cabeça de casal alegando que:
a) as contas bancárias descritas nas verbas nº 1 a 3 da relação de bens apenas foram por si movimentadas e é o único titular das contas bancárias descritas nas verbas nº 4 a 10 da relação de bens;
b) as verbas nºs 11 e 20 são bens próprios do reclamante;
c) impugna alguns dos bens descritos nas verbas nº 13, 14, 15, 16 e 19, alegando que alguns desses bens são bens próprios do requerente, que outros não existem e, finalmente, que ainda outros foram vendidos aos pais do reclamante;
d) impugna os valores dos bens atribuídos pela cabeça de casal quanto aos bens aceites pelo reclamante;
e) impugna os créditos da cabeça de casal sobre o requerido (verbas nº 21 a 23);
f) invoca créditos do reclamante sobre a cabeça de casal relativos a benfeitorias alegadamente realizadas no imóvel sito na Avª …, à comparticipação das prestações mensais pagas à Caixa … e a empréstimos que lhe terá feito;
g) descreve bens comuns a relacionar; e
h) descreve bens próprios do reclamante.
Notificada a cabeça de casal da reclamação apresentada, esta reafirmou o que já havia referido e acrescentou que:
a) as contas bancárias foram abertas na constância do matrimónio e foram movimentados direitos comuns do casal, tendo essas contas passado a ser movimentadas exclusivamente pelo reclamante após a separação do casal e até à instauração do processo de divórcio;
b) corre termos no Juízo Local Cível de Braga o processo n.º 6047/20.3T8BRG, decorrente de o reclamante se ter locupletado de dinheiros existentes nas referidas contas bancárias e onde são abordadas questões relacionadas com a propriedade do veículo automóvel, de marca “BMW”, com a matrícula NN;
c) a verba nº 20 foi adquirida com dinheiro comum do casal;
d) impugna os créditos invocados pelo reclamante;
e) sustenta que a grande maioria dos bens que o reclamante pretende ver relacionados já foi dividida aquando da separação do casal/foram adquiridos para substituir bens próprios da cabeça de casal/deterioraram-se/não existem.
Por decisão proferida em 29/09/2021, julgou-se parcialmente procedente a reclamação, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva:
“Por tudo o exposto, julgo parcialmente procedente a reclamação apresentada e, em consequência, decido:
a) eliminar da relação de bens a verba nº 23 e considerar tal verba, tal como os créditos invocados pelo reclamante, a final, no momento da partilha, como créditos da cabeça de casal e do reclamante sobre o património comum e/ou sobre o outro, desde que posteriores à data da propositura da ação de divórcio e desde que documentalmente comprovados;
b) relegar para a conferência as questões suscitadas quanto ao valor dos bens relacionados;
c) remeter os interessados para os meios comuns quanto à matéria relaciona com as verbas nº 1 a 11 e 20 a 22”.
Mais se fixou os bens sobre que iria recair a prova a produzir, conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes e designou-se data para a produção da prova.
Na diligência de 28/10/2021, tentada a conciliação das partes, requerente e cabeça de casal transigiram parcialmente quanto à reclamação da relação de bens que permanece por decidir, nos termos seguintes:
1- os bens indicados na parte final do despacho de 29.09.2021 (“Bens que o reclamante alega serem comuns e não constarem da relação de bens”) ficam adjudicados à Cabeça de Casal, com a exceção dos seguintes bens que ficam adjudicados ao Requerente/Interessado: seis chávenas de chá com respetivos pires, tema lenços dos namorados; um conjunto de mesa, tema lenços dos namorados, composto por dez pratos ladeiros, oito pratos sopeiros, nove pratos de sobremesa, uma travessa e uma saladeira; um serviço de café, de tema chinês, com seis chávenas e respetivos pires, um bule, um açucareiro e uma leiteira; um serviço da Vista Alegre, de jantar de cor branca com flores rosas, composto por vinte e quatro pratos ladeiros, doze pratos sopeiros, doze pratos de fruta, doze pratos de sobremesa para doces, uma molheira com prato, uma terrina, dois pratos para aperitivos, uma saladeira, duas travessas redondas e três retangulares.
Além destes são adjudicados ao Requerente/Interessado: - uma Bicicleta Shimano Bussaco cinza espelhado; uma colcha de cor castanha e duas fraldas; - uma coleção de livros do Tintin; dois puffs de cor prata.
2- A entrega dos bens que estão na posse da Cabeça de Casal e que foram agora adjudicados ao Requerente/Interessado, será feita no próximo sábado às 10:00 horas.
3- quanto à máquina de café NESPRESSO, estão de acordo que não existe.
Na sequência da transação assim celebrada, a 1ª Instância determinou que “a prova a produzir irá incidir sobre os seguintes bens que o reclamante alega serem bens próprios: a) portátil preto, marca ASUS, rato e bolsa de transporte preta (alega serem bens próprios do reclamante); b) aspirador SAMSUNG VCC61E0 ASPIRADOR C/ SACO; c) aparelho amplificador DENON AVR 1911 Black; d) sistema de som BOSE AM 6 III Branco (5 twitters + base); e) máquina de lavar louça, da marca ARISTON; f) máquina de secar roupa, da marca BOSCH (BOSCH WTE86320EE SECADOR COND 8 - Classe B); g) sofá Modelo SOLRAC 3 Lugares em CHOUPO Preto, ao qual se junta o Puff Cubo 40x40 Napaflex; h) armário de louça em madeira de cor branca; i) TV LED TOSHIBA, ou melhor descrito, Toshiba TV LED Regaza 46SL733G; e o bem que o reclamante alega ter sido vendido aos seus pais na constância do matrimónio: a) TV LED preta, marca PHILLIPS, 40 polegadas, ou melhor descrito, PHILIPS TV LED40PFL5606H/12”.
Produzida a prova, em 04/11/2021, a 1ª Instância proferiu decisão, julgando o incidente de reclamação apresentado pelo requerente quanto à relação de bens apresentado pela cabeça-de-casal totalmente improcedente, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto, julgo a reclamação totalmente improcedente e, em consequência, decido manter na relação de bens os bens descritos no facto provado 2º.
Custas do incidente pelo reclamante, fixando-se em 2 Uc a taxa de justiça.
Notifique.
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Notifique o cabeça de casal para, em dez dias, juntar aos autos relação de bens em conformidade com o despacho de 29.09.2021, a ata de 28.10.2021 e com este despacho.
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Cumpra o disposto no art. 1110º, nº 1, al. b) do CPCivil”.
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Inconformado com o assim decidido, o requerente interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença de 04.11.2021 proferida nos autos de processo de inventário que julgou improcedente, por não provada, a reclamação apresentada pelo Recorrente quando à relação de bens.
2. Entende o Recorrente que no despacho recorrido se cometeram erros na apreciação e aplicação da matéria de direito e de facto, impondo-se uma solução inversa à decidida no despacho ora impugnado, competindo, assim, a este Tribunal adquem usar dos seus poderes/deveres (funcionais) de censura (cfr. artigo 662.º, n.º 1 do CPC).
3. Resulta patente da produção de prova que todas as testemunhas arroladas pela Recorrida nada souberam declarar quanto ao objeto do processo, isto é, qualificação dos bens relacionados como bens próprios ou comuns, conforme se conclui pelos depoimentos das testemunhas M. T. (Ficheiro: 20211028161214_5878033_2870518)., M. E. (Ficheiro: 20211028162502_5878033_2870518)
4. O próprio Tribunal aquo assume exatamente essa falta, conforme consta da decisão sob censura: “AstestemunhasM. T.eB. B.,mãeeamigodacabeçadecasal,respetivamente,limitaram-seatransmitiroquelhesfoiditopelamesmaeastestemunhasM. E.eM. S.,amigasdacabeçadecasal,demonstraramtotaldesconhecimentoacercadafactualidadeobjetodeprova.”.
5. Ao contrário do reclamante, a cabeça de casal, não apresentou qualquer documento ou outro meio de prova que atestasse, ainda que de forma indiciária, a propriedade da mesma relativamente ao portátil ASUS, ao aspirador SAMSUNG, ao aparelho amplificador DENON, ao sistema de som BOSE, à máquina de secar BOSCH, ao armário de louça, à TV LED TOSHIBA e à TV LED PHILLIPS.
6. É profundamente contraditório que o Tribunal a quo tenha decidido que “osfactosnãoprovadosdecorreramdaausênciadeprovaconsistenteatalrespeito,namedida queacabeçadecasaleoreclamanteapresentaramdeclaraçõesopostas,semquequalquerdelesmereçamaiorcredibilidadequeooutro”, pois, na verdade, a prova apresentada pela cabeça de casal, ora Recorrida, quando a propriedade de bens foi inexistente.
7. Consta da decisão sob censura que “o reclamante não logrou provar, como lhe competia, que se trata de bens próprios (…os descritos no facto provado 2 b) a g) porque por si adquiridos antes do casamento)”, tal como consta da mesma decisão, concretamente do ponto 2 dos factos provados, que os bens descritos nas alíneas b), c), d), e) f) e g) foram adquiridos pelo reclamante, respetivamente nos dias 19.07.2011, 19.07.2011, 19.03.2011, 20.03.2011, 20.06.2011 e 10.03.2011, ou seja, antes de 20.07.2011, isto é, data da celebração do casamento entre o Recorrido e Recorrente (cfr. ponto 1 dos factos provados).
8. Existe uma séria e censurável contradição cometida pelo Tribunal aquo, na apreciação matéria de facto.
9. A sentença sob censura, para além de não assentar em fundamento real e inequívoco, entra em manifesta contradição com alguns dos factos dados como provados em que, alegadamente, se baseia, sendo, consequentemente, nula, na medida em que a oposição entre os fundamentos e a decisão, além de dizerem respeito à matéria de facto e à forma como a mesma foi decidida, é igualmente censurável quanto à sua construção lógica, vício que é manifesto, no caso vertente.
10. Estamos perante uma clara oposição entre os fundamentos quanto à matéria de facto não provada e a decisão sobre os mesmos, pelo que há sérias razões para declarar a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1 c) do CPC.
11. Quanto à matéria de facto, deve o Tribunal a quo indicar os fundamentos suficientes que a determinaram a sua decisão, para que, através das regras da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que …), de modo a possibilitar a reapreciação da respetiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª instância.
12. Decorre do princípio da livre apreciação da prova que através da fundamentação da sentença, deve ser possível perceber como é que, segundo as regras da experiência e da livre apreciação da prova, se formou a convicção do Tribunal, bem como a fiabilidade que este concedeu aos meios de prova que lhe foram apresentados.
13. Como é igualmente consabido, tal princípio não equivale, todavia, a prova arbitrária, razão pela qual, a convicção do Juiz não pode ser puramente subjetiva, emocional e, portanto, emotiva (cfr. artigo 607.º n.º 4 e n.º 5 do CPP).
14. Ainda que não existam obstáculos formais a que um determinado facto seja julgado provado pelo Tribunal mediante o recurso a um único depoimento a que seja atribuída suficiente credibilidade, não deve perder-se de vista a falibilidade da prova testemunhal quotidianamente comprovada pela existência de depoimentos testemunhais imprecisos, contraditórios ou, mais grave ainda, afetados por perjúrio.
15. Neste contexto, é facilmente compreensível que se reclame do julgamento quanto à matéria de facto com exclusivo ou predominante fundamento em prova testemunhal invocando, para tal, outros meios de prova e pontos de facto que considera incorretamente julgados.
16. O Tribunal aquo optou pela solução menos plausível segundo as regras da experiência comum e a própria lógica (antes de contrário), tendo este Tribunal ignorado regras básicas sobre a força probatória dos meios de prova e descredibilizado outros sem qualquer fundamento, verificou-se uma clara violação do princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 607.º, n.º 5 do CPC.
17. A sentença sob censura julgou improcedente a reclamação do ora recorrente, e decidiu manter na relação de bens, como comuns, os bens próprios do reclamante, que se encontram descritos no ponto 2 dos factos não provados da sentença.
18. Cometeram-se na sentença graves erros de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto, o que conduziu a uma decisão absolutamente errada na fixação dos factos não provados, pois que, se tivesse sido feita correta apreciação da matéria de facto alegada pelas partes, e sobretudo, acertada valoração das provas documentais constantes do processo e sã apreciação/valoração da prova testemunhal produzida em sede de inquirição de testemunhas, impunha-se, em consciência, uma solução totalmente inversa à decidida na sentença ora impugnada.
19. A prova documental existente no processo combinada com a prova testemunhal produzida em audiência – gravada – não consentiam ao Tribunal aquo dar a resposta que deu quanto aos factos não provados.
20. Não se compreende como é que o Tribunal aquo entende que dos documentos juntos aos autos como o requerimento de 25.10.2021 e aquando da diligência de inquirição de testemunhas, se conclui que o portátil ASUS, o aspirador SAMSUNG, o aparelho amplificador DENON, o sistema de som BOSE, a máquina de secar roupa, o armário de louça, a TV LED TOSHIBA e a TV LED PHILLIPS existiam na casa de morada de família,pois, os referidos documentos correspondem apenas a faturas-recibo emitidas aquando da compra de tais bens, não podendo ser extraída qualquer conclusão sobre o seu destino ou paradeiro aquando da separação do casal.
21. Por absoluta falta de prova, o Tribunal aquo não deveria ter considerado como provados os bens descritos no ponto 2 dos factos provados existiam na casa de morada de família, devendo desse ponto se extraída tal menção.
22. Incompreensivelmente, relativamente aos factos não provados o Tribunal aquo fundamenta a sua decisão na “ausência de prova consistente a tal respeito, na medida a cabeça de casal e o reclamante apresentaram declarações opostas, sem que qualquer deles mereça maior credibilidade que o outro.”, argumento que, como já se alegou, surge de uma pura lógica contraditória.
23. Tendo o Recorrente e Recorrida contraído matrimónio no dia 20.07.2011 (cfr. ponto 1 dos factos provados), não se compreende porque é que é discutida a propriedade de bens adquiridos antes dessa data, uma vez que os mesmos são claramente bens próprios do Recorrente, repare-se, o aspirador SAMSUNG foi adquirido a 19.07.2011, o sistema de som BOSE foi adquirido a 19.03.2011, o aparelho amplificador DENON foi adquirido a 19.03.2011, a máquina de secar foi adquirida a 20.03.2011, o armário de louça foi adquirido a 20.06.2011, a TV LED TOSHIBA adquirida a 19.03.2011 (cfr. ponto 2 dos factos provados e documentos n.ºs 2, 3, 4, 6 e 7).
24. A posição do Recorrente foi corroborada pelos depoimentos prestados por todas as testemunhas, incluindo os das testemunhas arroladas pela parte contrária, conforme se demonstrará, assim como pelos documentos juntos por si ao processo.
25. A Recorrida não fez qualquer prova sobre a comunicabilidade dos bens móveis do Recorrente, mas, ao invés, o Recorrente fez prova – documental e testemunhal – suficiente que foielequemadquiriuepagouosreferidosbensantesdocasamento, conforme demonstrou com os documentos/faturas/recibos juntos aos autos.
26. A Recorrida não impugnou os documentos juntos pelo Recorrente ao processo, o seu conteúdo deve ser considerado admitido por acordo, nos termos do artigo 574.º, n.º 2 do CPC, pelo que, ao contrário do que o Tribunal aquo considerou, tais documentos fazem prova plena da receção e pagamento pelo Recorrente dos referidos bens, uma vez que constituem faturas-recibo emitidas seu nome.
27. O Tribunal aquo não podia ignorar que todas as faturas-recibo juntas aos autos através do requerimento do reclamante de 25.10.2021 como documentos n.ºs 1, 2, 3, 4, 6, 7 e 9, as quais obedeciam às regras estabelecidas no artigo 3.º e 29.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), bem como ao disposto no artigo 476.º do Código Comercial de 1888.
28. Decorre do artigo 874.º do Código Civil que a compra e venda se concretiza com a transmissão da propriedade de uma coisa mediante o pagamento de um preço, isto significa, que no caso da compra e venda e bens móveis, situação em apreço, a fatura é emitida e entregue a quem protagonize as referidas declarações negociais de compra e venda, por outras palavras, a quem pague e receba os bens em causa.
29. Conforme é consabido e uso do comércio, sempre que um cliente compra um determinado artigo, no ato do pagamento é emitida e entregue a respetiva fatura-recibo ao consumidor, que pode solicitar a inserção de número de contribuinte, o que ocorreu no presente caso, constando, por isso, o Recorrente D. M. como comprador, ou seja, circunstância que torna inequívoco que o mesmo detém a qualidade de adquirente.
30. De acordo com o artigo 376.º, n.º 1 do Código Civil, encontra-se plenamente comprovado que o portátil ASUS, o aspirador SAMSUNG, o aparelho amplificador DENON, o sistema de som BOSE, a máquina de secar roupa, o armário de louça, a TV LED TOSHIBA e a TV LED PHILLIPS foram adquiridos e pagos pelo Recorrente ainda solteiro.
31. Tendo em conta os referidos preceitos legais do CIVA e do Código Comercial, compreende-se que a lei exige uma verdadeira forma para as declarações negociais de compra e venda dos referidos bens, através de documento particular, pelo que o mesmo não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.
32. Não era lícito ao Tribunal, substituir a prova documental oferecida pelo Recorrente, por outro meio de prova, nomeadamente prova testemunhal, conforme ocorreu no presente caso, violando, assim, o disposto no artigo 364.º do Código Civil.
34. Não foi impugnada a genuinidade dos documentos, nem tampouco a sua força probatória, ou seja, a letra, a assinatura ou a reprodução mecânicas dos mesmos, aquelas têm de considerar-se verdadeiras e, assim, fazem prova plena quanto aos factos compreendidos na declaração, ou seja, tais documentos fazem prova plena da compra e do pagamento pelo ora recorrente dos bens identificados nos mesmos, pois, obviamente que a propriedade dos bens atrás elencados que foram objeto de prova, só poderia ser provada por documentos, pelo que, o Tribunal aquo ignorou completamente o disposto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC, violando, assim, a lei aplicável.
35. As faturas-recibo apresentadas pelo ora recorrente, não só representam fortes indícios, como constituem verdadeira prova plena relativamente à propriedade dos bens, adquirida pela compra dos mesmos.
36. Como a sentença sob censura expressamente refere, os documentos atrás transcritos foram valorados quanto à data neles aposta – todas anteriores à data do casamento – sendo ainda certo que as faturas apresentaram todas o número de contribuinte e o nome do reclamante, como comprado, e, por isso é verdadeiramente inaceitável a desconformidade entre a decisão proferida e aquela que deveria ter sido proferida!
37. Na sentença recorrida cometeram-se importantes, vários e graves erros de julgamento em sede de apreciação da matéria de facto, submetida à apreciação do tribunal, o que conduziu a respostas completamente erradas de facto e de direito, que importa corrigir por este Tribunal Superior.
38. Tendo em conta uma perspetiva crítica minimamente razoável, através dos documentos juntos aos autos, e não impugnados, a única conclusão a retirar é precisamente a oposta daquela que o Tribunal aquo seguiu quando aos factos não provados, pois os bens descritos nas alíneas b) a g) foram adquiridos antes do casamento, data em que não havia património conjugal, e, tanto esses como a TV LED PHILLIPS foram pagos à custa do património de solteiro do Recorrente.
39. Mesmo que o Tribunal aquo não considerasse, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, a prova documental era suficiente para julgar como próprios o aspirador SAMSUNG, o aparelho amplificador DENON, o sistema de som BOSE, a máquina de secar roupa, o armário de louça, a TV LED TOSHIBA e TV LED PHILIPS e deveria ter necessariamente servido a sua convicção do Tribunal aquo nesse sentido a par da prova documental apresentada.
40. O Tribunal aquo entendeu que os depoimentos prestados pelas testemunhas D. I., S. F. e A. C. não são credíveis, pelo simples facto de serem familiares do Recorrente, então o que se dirá das testemunhas arroladas pela Recorrida? É intolerável a discriminação na apreciação da prova apresentada pelo Recorrente e pela Recorrida, em violação frontal do princípio elementar da igualdade substancial das partes…
41. O Tribunal aquo fez tábua rasa dos depoimentos prestados pelas testemunhas, os quais, aliás, corroboraram a prova documental constantes das faturas-recibo apresentadas como documentos juntos com requerimento de 25.10.2021...
42. O portátil ASUS, aspirador SAMSUNG, o amplificador DENON, o sistema de som BOSE, a máquina de secar roupa e TV LED THOSHIBA, conforme consta do depoimento da testemunha S. B. (Ficheiro: 20211028154131_5878033_2870518), no qual, a mesma explicou ao tribunal igualmente com absoluta razão de ciência, a forma de aquisição do computador portátil marca ASUS, esclarecendo que foi o pai de ambos quem ofereceu o computador ao seu irmão, esclarecendo ainda que na altura também ela recebeu um computador oferecido pelo seu pai.
43. A mesma testemunha confirmou ao Tribunal que o aspirador SAMSUNG, o amplificador DENON, o sistema de som BOSE, a máquina de secar roupa BOSCH e a TV LED THOSHIBA, foram comprados pelo seu irmão antes da data do casamento, tendo ainda esclarecido que a reclamada, à época, não teria rendimentos suficientes para tais aquisições, e, por isso, todos os equipamentos foram pagos pelo seu irmão, aliás, como o comprovam os documentos de compra.
44. O Tribunal aquo deveria ter considerado provado que o portátil preto, marca ASUS, rato e bolsa de transporte preta, foi oferecido ao reclamante, ora Recorrente, pelos seus pais, assim como julgar provado que o aspirador SAMSUNG, amplificador DENON, o sistema de som BOSE, a máquina de secar roupa BOSCH e a TV LED THOSHIBA foram adquiridos pelo reclamante ainda solteiro com dinheiro próprio.
45. Relativamente à TV LED PHILLIPS deve ser tido em conta os depoimentos de D. I. (Ficheiro: 20211028145254_5878033_2870518), que demonstrou absoluta razão de ciência quanto aos factos sobre os quais prestou depoimento e confirmou sem hesitar que tal bem era pertença do seu filho e que o mesmo lho vendeu, e A. C. (Ficheiro: 20211028160546_5878033_2870518), que confirmou a venda feita pelo reclamante ao seu pai, pelo preço de € 500,00, concretizando que o pagamento foi feito em notas e que o motivo do negócio estava relacionado com a vontade de o pai ajudar o filho.
46. De acordo com um juízo de razoabilidade e tendo em conta a posição do homem médio, ao contrário do que decidiu o Tribunal aquo, não é inverosímil que o pai do Recorrente, testemunha D. I., tenha vendido a referida televisão por um preço superior ao de compra pelo filho, pois, tal facto é explicado pela intenção do pai em beneficiar o filho, quando mais não seja pela circunstância de não estar, muito provavelmente, por dentro dos preços praticados no mercados dos eletrodomésticos em 2 mão, atenta a sua avançada idade, por desconhecer o referido preço de compra e por confiar que o filho faria um preço justo.
47. Também resultou confessado por acordo nos termos do artigo 574.º, n.º 2 que a referida televisão foi vendida na constância do casamento, atendendo a que tal facto foi alegado no requerimento datado de 25.10.2021 e não foi impugnado pela cabeça de casal, ora Recorrida.
48. Tendo em conta os depoimentos transcritos e a prova documental apresentada e não impugnada, resulta claro e plenamente provado que, foi celebrado, na constância do casamento, um contrato de compra e venda relativo à TV LED PHILLIPS, então tal bem deve ser excluído da relação de bens, pois não existir na esfera de bens próprios do Recorrente, nem, eventualmente, na massa de bens comuns pertencentes ao ex-casal.
49. Não é plausível, de acordo com o juízo do homem médio, que uma pessoa que não tenha uma remuneração fixa ou até garantida, que se encontra a trabalhar esporadicamente na qualidade de prestador de serviços não tem capacidade económica para suportar uma despesa em pequenos e grandes eletrodomésticos que ascende os € 1.500,00, muito menos em tão curto espaço de tempo como foi o caso nos presentes autos.
50. A cabeça de casal, ora Recorrida, à data da compra dos eletrodomésticos tecnologias em causa, encontrava-se precisamente nessa situação, na qual permanece, conforme comprova pela adjudicação de apoio judiciário no presente processo e é confirmado pelas testemunhas M. S. (Ficheiro: 20211028162808_5878033_2870518) e S. B. (Ficheiro: 20211028154131_5878033_2870518).
51. Não é de todo verossímil a decisão do Tribunal aquo relativamente ao ponto 3 dos factos não provados, porquanto resulta inequívoco, de acordo com a exigível sensatez de qualquer Tribunal, que não tendo a Recorrida posses para pagar os referidos bens, tendo sido o Recorrente quem adquiriu tais bens (cfr. facto provado no ponto 2), evidentemente que o fez às suas expensas, até porque, à data, não havia património comum por não se encontrarem vinculados pelo matrimónio.
52. Em suma, dos depoimentos das testemunhas atrás transcritos, resulta com evidente clareza que os mesmos nunca poderiam conduzir o tribunal a dar as respostas indevidamente assumidas na sentença e, por isso, estas não poderiam nem deveriam ter sido aquelas que o Tribunal aquo produziu e, assim sendo, a prova gravada deve ser reapreciada pelo Tribunal adquem com vista a ser corrigida tal decisão.
53. Se tivesse sido feita uma correta apreciação das provas documentais constantes do processo e sã apreciação/valoração da prova documental e testemunhal produzida na audiência da inquirição das testemunhas, impunha-se ao tribunal aquo, uma solução totalmente inversa à decidida na sentença ora impugnada.
54. Se o Tribunal aquo estivesse atento aos depoimentos das testemunhas e à leitura dos documentos juntos aos autos, certamente que a decisão teria sido totalmente antagónica e, por isso, a matéria constante dos factos não provados, deverá ser dada como PROVADA.
55. Quanto ao direito aplicável, decorre da decisão sob recurso, e bem, que, quanto aos bens próprios, é aplicável o disposto no artigo 1722.º, n.º 1 do Código Civil (CC), por estar em causa o regime de comunhão de adquiridos, o que não decorre da lei, e que apenas se extrai de uma interpretação contra legem feita pelo Tribunal aquo, é que “são bens próprios dos cônjuges os bem que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento por sucessão ou doação”.
56. Não é admissível que o Tribunal aquo faça uma interpretação que não tenha na lei um mínimo e correspondência com a letra da lei, devendo sempre ter em conta o “espírito” da lei, o pensamento legislativo e a unidade do sistema em que estão inseridas as normas em causa, dando, pois, cumprimento ao disposto no artigo 9.º do CC.
57. O artigo 1722.º, n.º 1, alínea a) do CPC e até a ratio do regime da comunhão de adquiridos refere expressamente que “são bens próprios dos cônjuges os bem que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento”, ou seja, os bens que cada um possua antes do casamento, independentemente da forma como tenham entrado na sua esfera, são bens próprios, se assim não fosse, esvazia-se o conteúdo da alínea a), n.º 1 do artigo 1722.º e desvirtua-se ilegitimamente o regime de comunhão de adquiridos, permitindo, na realidade, a vigência das regras do regime de comunhão geral, segundo o qual “o património comum é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges”.
58. Consta do ponto 2 dos factos provados que o aspirador SAMSUNG VCC61E0 ASPIRADOR C/ SACO foi adquirido em 19.07.2011 pelo reclamante, o aparelho amplificador DENON AVR 1911 Black foi adquirido em 19.03.2011 pelo reclamante, o Sistema de som BOSE AM 6 III Branco (5 twitters + base) foi adquirido em 19.03.2011 pelo reclamante, a máquina de secar roupa, da marca BOSCH (BOSCH WTE86320EE SECADOR COND 8 - Classe B foi adquirida em 20.03.2011 pelo reclamante, o armário de louça em madeira de cor branca foi adquirido em 20.06.2011 pelo reclamante e a TV LED TOSHIBA, ou melhor descrito, Toshiba TV LED Regaza 46SL733G, foi adquirida em 19.03.2011 pelo reclamante, por isso, não pode o Tribunal aquo, apenas se poderia considerar tais bens como próprios nos termos do artigo 1722.º, nº. 1, alínea a) do CC, não devendo, aliás, a sua propriedade ser discutidas nos presentes autos que visam a partilha do património comum do casal, isto é, produto do trabalho dos conjugues e os bensadquiridospeloscônjugesna constância do matrimonio (cfr. artigo 1724.º do CC).
59. A presunção do artigo 1725.º do CC apenas serve em caso de dúvida sobre a qualificação dos bens adquiridos na constância do matrimónio já que, quanto aos bens adquiridos antes, decorre diretamente da lei a sua qualificação como próprios nos termos do 1722.º, n.º 1, alínea a) do CC.
60. Ficou assente na decisão do Tribunal aquo que os bens descritos nas alienas b) a g) do ponto 2 dos factos provados foram adquiridos antes do casamento, não assiste razão a este Tribunal quando subsume a sua qualificação à presunção do artigo 1725.º do CC, por isso, os bens descritos nas alíneas b) a g) do ponto 2 dos factos provados devem ser qualificados como bens próprios do Reclamante e consequentemente retirados da relação de bens, cumprindo-se o disposto no artigo 1722.º, n.º 1 do CC.
61. Para o objeto dos presentes autos, pouco importa a origem do dinheiro com que foram adquiridos os bens adquiridos antes do casamento, convém antes relembrar que o inventário que corre termos é para por fim a cessão a comunhão de bens derivada do casamento e não de outro tipo qualquer de relação entre as partes, nomeadamente de compropriedade nos termos do artigo 1403.º do CC.
62. Relativamente ao portátil ASUS resulta da produção de prova já descrita nas presentes alegações que este deve ser enquadrado como bem próprio do Recorrente, por compreender um bem doado pelos seus pais, ainda que na constância do matrimónio (cfr. artigo 1722.º, n.º 1, b) do CC), assim sendo, deve ser excluída da relação de bens.
63. Quanto à TV LED PHILLIPS, também resultou da prova documental e testemunhal acima relatada que esta foi adquirida pelo Recorrente (cfr. ponto 2 dos factos provados) e que foi vendida aos seus pais, tendo deixado de existir seja do na esfera Recorrente, seja eventualmente no património comum do casal, pelo que deve ser retirada da relação de bens.
64. Por incorreta análise e subsunção dos meios probatórios que apontavam para um diferente apuramento da matéria de facto, o Tribunal aquo concluiu por uma decisão errada quanto a esta, e, por arrastamento, viciada dejure, por aplicação indevida das normas jurídicas constantes da sentença.
65. Nos termos já exposto, entende-se que a sentença sob censura padece do vício de nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1 c) do CPC, por se verificar uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão quanto aos factos não provados, em confronto grosseiro com os artigos 607.º do CPC.
66. Impõe a modificação da decisão do tribunal aquo sobre a matéria de facto e de direito, a qual se impugna, porquanto ocorreu erro notório na apreciação da prova e errada aplicação da matéria de direito, tendo, por isso, sido violados frontalmente o artigo 607.º do CPC, os artigos 9.º, 364.º e 1722.º do CC, o artigo 29.º do CIVA e o artigo 476.º do Código Comercial.
TERMOS EM QUE, e nos demais de direito que V. Exas. se dignarão suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser declarada nula sentença, e se assim não se entender, ser revogada a sentença recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra que julgue a reclamação procedente.
A apelada contra-alegou sustentando que o presente recurso, porque incide sobre uma decisão interlocutória que decide a reclamação apresentada pelo apelante quanto à relação de bens por ela apresentada, não é legalmente admissível e, em todo o caso, pugna pela improcedência da presente apelação, concluindo as suas contra-alegações nos termos que se seguem:
DA INADMISSIBILIDADE LEGAL DO RECURSOAPRESENTADO
I. O presente recurso apelação, fundamentado no disposto nos artigos 629º, 644º nº 2 al. h), e 1123º nº 2 al. b) e 3, ambos do CPC, está centrado na decisão do tribunal datada de 04-12-2021, que julgou totalmente improcedente a reclamação à relação de bens apresentada pelo Recorrente, ali reclamante, e, em consequência, manteve na relação de bens os bens descritos no facto provado 2º.
II. É inquestionável que o Recurso apresentado pelo Recorrente é legalmente inadmissível enquanto apelação imediata e autónoma para o Tribunal adquem, já que a base legal aduzida, concretamente a al. h) do artigo 644º do CPC não é aplicável ao caso concreto, porquanto a não subida imediata do recurso não lhe retira a sua finalidade útil, já que a sua decisão, caso venha a ser favorável ao Recorrente, o que desde já se repudia, sempre lhe aproveitará. Não estamos perante uma decisão com “um resultado irreversivelmente oposto ao efeito que se quis alcançar”, se não for imediatamente impugnada. Da retenção do recurso poderá, sim, resultar a inutilização de atos processuais, resultantes da eventual procedência do recurso a final, mas essa consequência, como já atrás referimos, não contende com a inutilidade absoluta de uma eventual decisão favorável decorrente do recurso.
III. Logo, é de concluir que a decisão interlocutória recorrida não é subsumível à previsão da parte final da al. h) do n.º 2 do art.º 644.º do CPC, nem muito menos na previsão legal do 1223º ou do n.º 1 do art.º 644.º do CPC, a qual contempla apenas e só os incidentes com autonomia em relação à causa principal, o que não é o caso do incidente da reclamação de bens em processo de inventário, que dele depende.
IV. A reclamação contra a relação de bens em processo de inventário faz parte da tramitação específica do processo de inventário, pelo que não é considerada uma fase de saneamento do processo e determinação dos bens a partilhar, nem muito menos considerada um incidente processado autonomamente para efeitos do referido artigo 644º do CPC.
V. Sobre a delimitação do conceito de incidentes dispondo de processado autónomo para efeitos do citado preceito normativo, o Ac. do STJ de 16/06/2015 (relator Silva Salazar), CJSTJ, T. II, p. 123, concluiu que “são apenas aqueles a que atribui tal processado independentemente do que é próprio das ações em que se possam suscitar, encontrando-se regulados nos arts. 296º a 361º do CPC: verificação do valor da causa, intervenção de terceiros, habilitação, liquidação.”
VI. Assim, tendo em conta que a reclamação contra a relação de bens em processo de inventário não faz parte daqueles incidentes nominados nos arts. 296º a 361º, antes fazendo da tramitação específica do processo de inventário, por ser uma fase deste que se abre com a apresentação da relação de bens e ainda que nenhuma reclamação venha a ser deduzida, conclui-se, sem que tal seja afastado pela índole contenciosa de tal reclamação, não estar incluída na mencionada última parte da al. a) do n.º 1 do art. 644º, por falta da ali exigida autonomia processual. (Cfr.AcórdãodoTribunaldaRelaçãodeGuimarãesde23denovembrode2017,Processonº258/05.9T8TMC-A,disponívelemwww.dgsi.pt).
VII. Concluindo, o Recurso desta decisão deverá ser interposto no recurso da decisão final (sentença homologatória da partilha – art. 1122º e 1123º al c) do CPC aplicável) ou, no caso de ela não haver recurso e tal decisão tenha interesse para o apelante independentemente da decisão final, a interpor num recurso único após o trânsito em julgado da decisão final (art. 644º, nºs 3 e 4 do CPC).
VIII. A este respeito vide o aresto do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-05-2019, Processo nº 447/09.7TJCBR-B.C1A, decidindo muito bem, que “a decisão proferida quanto à reclamação de bens, não cabendo no âmbito da previsão, nem das alíneas do nº 1 do artº 644º do CPC – designadamente da alínea a) – nem de qualquer uma das alíneas do nº 2 desse artigo (v.g. na alínea h)), não poderá ser objeto de recurso autónomo, apenas podendo ser impugnada na ocasião a que se alude no nº 3 do artigo, ou seja, em princípio, “in casu”, com o recurso da sentença proferida quanto à partilha – como, aliás, também sucede “ex vi” do artº 1396º, nº 2, do CPC (na redação do DL nº 303/2007, de 24/8), já que a situação, ao invés do que é referido pela Reclamante, não integra a alínea j) do nº 2 do artº 691º desse Código, nem qualquer outra alínea desse nº 2, designadamente a alínea m).”
DAMATÉRIADEFACTO
IX. O recurso apresentado pelo ora Recorrente é meramente dilatório, não contendo, em si mesmo, qualquer fundamento merecedor de colher procedência sob pena de, ao invés do esperado, destruirmos a base da justiça. Fazendo-se jus, de facto, a Ulpiano “[t]ais são os preceitos do direito: viver honestamente, não ofender ninguém, dar a cada um o que lhe pertence” e, com todo o devido respeito, a decisão recorrida não merece NENHUM reparo!
X. O Recorrente limita-se a questionar, e muito mal diga-se, o modo como o Tribunal a quo formou a sua convicção relativamente aos factos, tentando impor uma tese de procedência da reclamação à relação de bens apresentada, mas não há motivação para o efeito.
XI. A versão apresentada pelo julgador do Tribunal aquo foi fundamentada. Aliás, cite-se que o Tribunal aquo o indica fundamentando que “No caso em apreço, resultou provado que, aquando da separação do casal, existia na casa de morada de família um portátil preto, marca ASUS, rato e bolsa de transporte preta; um aspirador SAMSUNG VCC61E0 ASPIRADOR C/ SACO; um aparelho amplificador DENON AVR 1911 Black; um Sistema de som BOSE AM 6 III Branco (5 twitters + base); uma máquina de secar roupa, da marca BOSCH (BOSCH WTE86320EE SECADOR COND 8 – Classe B); um armário de louça em madeira de cor branca; uma TV LED TOSHIBA, ou melhor descrito, Toshiba TV LED Regaza 46SL733G e uma TV LED preta, marca PHILLIPS, 40 polegadas, ou melhor descrito, PHILIPS TV LED40PFL5606H/12.”
XII. O Tribunal de 1ª instância acrescentou e na nossa modesta opinião, muito bem, que “E, o reclamante não logrou provar, como lhe competia, que se trata de bens próprios (porque o portátil lhe foi oferecido pelos pais e os descritos no facto provado 2 al. b) a g) porque por si adquiridos antes do casamento – cfr. factos não provados 1º e 3º) nem que o casal o vendeu (facto não provado 2º) pelo que está o pedido condenado à improcedência devendo tais bens manter-se na relação de bens.”
XIII. Concluindo assim que “face à ausência de prova consistente, dou como não provado que o bem descrito no facto provado 2º a) foi oferecido ao reclamante pelos seus pais; que o bem descrito no facto provado 2º h) foi vendido pelo casal aos pais do reclamante, na constância do matrimónio, e que os bens descritos no facto provado 2º b) a g) foram adquiridos (apenas) com dinheiro do reclamante”.
XIV. Não obstante a matéria de facto transcrita e apresentada pelo Recorrente nos autos epigrafados com lance a provar a propriedade plena sobre os bens constantes do facto provado 2., certo é que a prova produzida em julgamento demonstra inequivocamente o contrário,
XV. As alegações não provadas (ponto 1. dos factos não provados), feitas pelo reclamante, ora recorrente, a saber, de que o bem descrito no facto provado 2º a) (portátil preto da marca Asus, rato e bolsa de transporte preta, adquirido em 06-12-2013) foi oferecido ao reclamante pelos seus pais, bem assim como a alegação, não provada (ponto 2 dos factos não provados), de que o bem descrito no facto provado 2º h) (TV Led preta, marca Philips, 40 polegadas, ou melhor descrito, Philips TV LED40PFL5606H/12 adquirida em 16-11-2011) foi vendida pelo casal aos pais do reclamante, na constância do matrimónio, estavam condenadas ao insucesso pois, conforme se provou testemunhal e documentalmente em julgamento, foram adquiridos na constância do casamento, com dinheiros comuns, razão pela qual a “tese” apresentada pelo Recorrente, em momento algum poderia ilidir a presunção imposta pelo artigo 1724º al. b) e 1725º do Código Civil.
XVI. Quanto ao bem descrito no facto provado 2º a) (portátil preto da marca Asus, rato e bolsa de transporte preta, adquirido em 06-12-2013), o próprio pai do reclamante, inquirido sobre o assunto infra, nada referiu ou disse quanto a ter oferecido o referido bem ao aqui Recorrente, mas quer o Recorrente fazer crer ao tribunal adquem que o tribunal recorrido decidiu mal, apenas porque não considerou o depoimento da sua irmã, S. B., claramente confuso, contraditório, estudado e sem credibilidade alguma, o qual na sua cabeça, faria prova bastante e necessária para que se pudesse dar como provado que o portátil preto da marca Asus, rato e bolsa de transporte preta, adquirido em 06-12-2013, foi oferecido ao reclamante pelos seus pais;
XVII. No tocante ao alegado, mas não provado, que a TV Led preta, marca Philips, 40 polegadas, ou melhor descrito, Philips TV LED40PFL5606H/12, adquirida em 16-11-2011), foi vendida pelo casal aos pais do reclamante, na constância do matrimónio, aqui bastaria que o Tribunal se cingisse, como fez e muito bem, às declarações da aqui recorrida e à acareação havida entre esta e o pai do recorrente sobre esta questão, do qual se retirou o claro comprometimento das declarações do pai do recorrente quando confrontado pela reclamada, fazendo crer a qualquer cidadão médio que a decisão nesse caso foi extremamente acertada e não merece qualquer reparo.
XVIII. Todavia, queria o recorrente engodar o Tribunal, fazendo crer que os seus pais, família e sangue, haveriam adquirido um televisor, em data que não conseguiram precisar, (referiram ter sido entre 2012 e 2015), já com cerca de quatro a cinco anos de uso, pelo valor de quinhentos (500,00€), saliente-se pago em numerário, quando em novo o televisor foi adquirido por cerca de quatrocentos e oitenta e seis euros e noventa e nove cêntimos (486,99€), apenas para beneficiar o seu filho e porque não estava por dentro dos preços praticados no mercado dos eletrodomésticos, confiando plenamente no seu filho…
XIX. A tese apresentada pelo Recorrente em sede de julgamento até poderia ter tido provimento, não fosse a contraprova produzida no sentido de atestar a falsidade do por si alegado, e assim confirmar a verdadeira aceção dos factos apresentada a julgamento pela ora recorrida.
XX. A motivação do Tribunal aquo foi acertada e cuidada no sentido de descredibilizar os depoimentos das testemunhas arroladas pelo reclamante, porquanto “Tais depoimentos não são suscetíveis, sem mais, de comprovar o por eles alegado, dados os laços familiares e o facto de não haver outro meio de prova que os corrobore.” Acrescentando ainda, e muito bem, que “atenta a versão inverosímil do pai do reclamante (segundo ele pagou mais pela televisão usada do que o valor que esta havia custado nova, sendo certo que, em regra, tal tipo de bens desvaloriza bastante com o decurso do tempo em resultado das constantes evoluções tecnológicas) - o qual nem sequer se pronunciou quanto ao portátil -, e os depoimentos parciais das testemunhas S. F. e A. C., considerámos, face à ausência de prova consistente, como não provado que o bem descrito no facto provado 2º a) foi oferecido ao reclamante pelos seus pais; que o bem descrito no facto provado 2º h) foi vendido pelo casal aos pais do reclamante, na constância do matrimónio (…)
XXI. As testemunhas arroladas pelo Reclamante, seu pai, irmã e tio, nos quais o recorrente sustenta o seu recurso, credibilidade alguma lhe se possa atribuir pois, para além dos laços familiares do recorrente, cujo depoimento se encontra inquinado por vício de falta de imparcialidade e interesse direto no desfecho dos presentes autos, sempre merecerá total censura e desvalor provatório, atendendo que os depoimentos do pai, irmã e tio do recorrente, denotaram-se muito cuidados e estudados e, quando contraditados por matérias e questões não preparadas, acabaram por se tornar bastante confusos e contraditórios, o que abala totalmente a sua credibilidade, como muito bem conseguiu apurar e concluir o Tribunal recorrido.
XXII. Não poderá atribuir-se valor provatório às faturas apresentadas em juízo pelo reclamante, em que consta daquelas o seu número de contribuinte colocado à mão, possivelmente colocado pelo seu próprio punho, tentando, por esse meio, ludibriar o tribunal com o fim conseguido de ver provado que os bens acima descritos seriam bens próprios seus, quando tal não corresponde à verdade!
XXIII. Acrescente-se que a Recorrida, não só impugnou a junção tardia dos documentos, por violação do disposto no artigo 423º do CPC, fundamentando que os referidos documentos juntos com o requerimento datado de 25-10-2021, não obstante se encontrarem na posse do Recorrente desde que aquele abandonou a casa de morada de família e levou consigo toda a documentação pessoal da recorrida e do casal, precisamente dia 7 de junho de 2018, foram apenas junto aos autos 3 dias em antes da data designada para a audiência de discussão e julgamento, sabendo-se o porquê dessa junção tardia, mas também impugnou os documentos juntos pelo recorrente, no que concerne às letras e dizeres colocados à mão (por si), assim como o efeito probatório pretendido com a junção dos mesmos.
XXIV. Confirma-se a verdade apresentada a julgamento pela recorrida, de que os bens foram adquiridos em conjugação igualitária de esforços por recorrida e recorrente, por forma a apetrechar e aconchegar a casa que foi de morada de família do ex-casal.
XXV. Pelo exposto, decidiu muito bem o tribunal aquo, ao julgar totalmente improcedente a reclamação à relação de bens apresentada pelo Recorrente, ali reclamante, e, em consequência, manter na relação de bens os bens descritos no facto provado 2º da sentença datada de 04-11-2021.
TERMOS EM QUE DEVE A DECISÃO OBJECTO DE RECURSO SER CONFIRMADA, NEGANDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO.
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Tendo a 1ª Instância admitido o presente recurso de apelação e tendo os autos subido a esta Relação, o aqui relator ordenou a baixa dos mesmos a fim de que fosse fixado o valor da ação, o que foi feito, por despacho proferido em 17/02/2022, entretanto transitado em julgado.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas ao tribunal ad quem resumem-se ao seguinte:
a- da admissibilidade do presente recurso de apelação, que incide sobre a decisão interlocutória em que, a 1ª Instância, decidiu a reclamação apresentada pelo apelante quanto à relação de bens apresentada pela cabeça-de-casal (apelada);
b- se a decisão recorrida é nula por oposição entre a decisão nela proferida e os respetivos fundamentos;
c- se essa decisão padece de erro de julgamento da matéria de facto, quanto à facticidade nela julgada provada no ponto 2º e quanto à totalidade da facticidade nela julgada como não provada e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela prova dos factos julgados não provados e pela não prova da facticidade do ponto 2º dos factos julgados provados;
d- em caso de procedência da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo apelante, se a decisão recorrida padece de erro de julgamento.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:
1. D. M. e I. P. casaram no dia -.07.2011, sob o regime da comunhão de adquiridos;
2. Aquando da separação do casal existia na casa de morada de família:
a) portátil preto, marca ASUS, rato e bolsa de transporte preta, adquirido em 06.12.2013;
b) aspirador SAMSUNG VCC61E0 ASPIRADOR C/ SACO, adquirido em 19.07.2011 pelo reclamante;
c) aparelho amplificador DENON AVR 1911 Black, adquirido em 19.03.2011 pelo reclamante;
d) sistema de som BOSE AM 6 III Branco (5 twitters + base), adquirido em 19.03.2011 pelo reclamante;
e) máquina de secar roupa, da marca BOSCH (BOSCH WTE86320EE SECADOR COND 8 - Classe B), adquirida em 20.03.2011 pelo reclamante;
f) armário de louça em madeira de cor branca, adquirido em 20.06.2011 pelo reclamante;
g) TV LED TOSHIBA, ou melhor descrito, Toshiba TV LED Regaza 46SL733G, adquirida em 19.03.2011 pelo reclamante;
h) TV LED preta, marca PHILLIPS, 40 polegadas, ou melhor descrito, PHILIPS TV LED40PFL5606H/12, adquirida em 16.11.2011 pelo reclamante.
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E julgou como não provada a facticidade que se segue:
1. O portátil preto, marca ASUS, rato e bolsa de transporte preta, foi oferecido ao reclamante pelos seus pais;
2. A TV LED preta, marca PHILIPS, 40 polegadas, ou melhor descrito, PHILIPS TV LED40PFL5606H/12 foi vendida pelo casal aos pais do reclamante ainda na constância do casamento;
3. Os bens descritos nas alíneas b). a g). do facto provado 2. foram adquiridos com dinheiro do reclamante.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
B.1- Da admissibilidade do presente recurso de apelação
Sustenta a apelada que, incidindo o presente recurso de apelação sobre uma decisão interlocutória, mais concretamente, sobre a decisão em que a 1ª Instância decidiu de mérito quanto à reclamação apresentada pelo apelante quanto à relação de bens apresentada pela cabeça de casal (a apelada), e não se inserindo essa decisão interlocutória no disposto no art. 644º, n.ºs 1 e 2 do CPC, a mesma não é, imediata e autonomamente recorrível, mas apenas com o recurso que vier a ser interposto da sentença homologatória da partilha ou, na ausência deste, nos termos do n.º 4 do art. 644º do CPC.
Conclui que o presente recurso é legalmente inadmissível e, em abono da sua tese, aponta diversa jurisprudência em que se perfilhará o seu ponto de vista, mas, antecipe-se desde já, sem qualquer fundamento jurídico.
Na verdade, a apelante desconsidera que em 01 de janeiro de 2020, entrou em vigor a Lei n.º 117/2019, de 13/09, que reviu o Código de Processo Civil e que introduziu neste, o livro V, Título XVI, denominado “Do Processo de Inventário”, no qual se consagra o novo regime do processo de inventário, o qual se mostra integralmente aplicável aos presentes autos, porquanto, a presente ação foi instaurada em 22 de janeiro de 2021 e, portanto, no âmbito de vigência deste diploma legal, pelo que toda a jurisprudência citada pela apelante, porque proferida no âmbito de um regime jurídico distinto daquele que é aplicável à presente ação, não lhe aproveita.
Precise-se que o novo modelo do processo de inventário, aprovado pela Lei n.º 11//2019, introduziu alterações profundas no figurino que antes vigorava em relação ao processo de inventário, assentando agora este processo especial em fases processuais relativamente estanques, em relação às quais se encontra consagrado o princípio da preclusão, o que não deixou de se repercutir no regime jurídico dos recursos.
O novo modelo do processo de inventário comporta as seguintes fases: a fase dos articulados, a do saneamento e a fase da partilha, em relação às quais vigora o princípio de concentração na invocação de meios de defesa, com as inerentes preclusões.
Em sede de recursos, o art. 1123º do CPC, introduzido pela referida Lei n.º 117/2019, no seu n.º 1 estabelece que “Aplicam-se ao processo de inventário as disposições gerais do processo de declaração sobre a admissibilidade, os efeitos, a tramitação e o julgamento dos recursos”, deixando claro que, em tudo o que não esteja especificamente regulado no mencionado art. 1123º, são aplicáveis ao processo de inventário as disposições gerais do processo declarativo previstas no CPC, isto é, nos arts. 627º e segs., onde naturalmente se inclui o disposto no art. 644º do CPC.
No entanto, tendo em conta as especificidades próprias e específicas que decorrem da natureza, da estrutura e das finalidades do processo de inventário, no n.º 2 do art. 1123º do CPC resultante daquela reforma, o legislador veio estabelecer expressamente caber “ainda apelação autónoma: a) da decisão sobre a competência, a nomeação ou a remoção do cabeça de casal; b) das decisões de saneamento do processo e de determinação dos bens a partilhar e da forma à partilha; c) da sentença homologatória da partilha” (destacado nosso), do que resulta que, para além das decisões que nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 644º do CPC são, imediata e autonomamente recorríveis, são-no ainda, em sede de inventário, as previstas no n.º 2 do referido art. 1123º.
O incidente da reclamação à relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, apesar de conforme vem referido pela apelada, segundo o entendimento jurisprudencial geral, não constituir um incidente autónomo para efeitos de interposição de apelação com subida imediata, por consubstanciar uma fase processual dita normal do processo de inventário, e como tal, antes da revisão ao CPC operada pela Lei n.º 117/2019, de 13/09, ser entendimento pacífico que a decisão desse incidente não era, imediata e autonomamente recorrível, é uma decisão que determina os bens a partilhar no âmbito do processo de inventário, ao definir esses bens.
Daí que, essa decisão, se insira na al. b), do n.º 1 do art. 1123º, na redação introduzida pela citada Lei n.º 117/2019, onde o legislador expressamente declara que das “decisões de determinação dos bens a partilhar cabe apelação autónoma”.
Logo, o quadro jurisprudencial que vem invocado pela apelada, que propugnava que, a decisão final de mérito, que recaísse sobre a reclamação à relação de bens não era, imediata e autonomamente, recorrível, porque perfilhado no domínio de um quadro legislativo que não é o aplicável aos presentes autos, não tem aplicação aos mesmos, em relação aos quais o atual vigente n.º 2 do art. 1123º, que lhe é aplicável, é expresso no sentido de que a decisão sob recurso é autonomamente recorrível.
Neste sentido, pronunciam-se Teixeira de Sousa, Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pinheiro Torres, ao ponderaram que “no âmbito do regime que esteve consagrado no CPC/61, constituía entendimento geral que a decisão sobre a reclamação quanto à relação de bens não era qualificada como incidente autónomo para efeitos de interposição de recurso de apelação com subida imediata (…). Tal solução encontra-se agora prejudicada face à diversa opção que decorre explicitamente do n.º 2, al. b), segmento em que se alude à decisão sobre a “determinação de bens a partilhar”, que inclui quer a decisão sobre a reclamação de bens (cfr. arts. 1104º, n.º 1, al. d), e 1105º, n.º 3), quer a decisão do incidente de sonegação de bens (art. 1105º, n.º 4). Considerou-se que tal matéria se revela crucial para a subsequente fase do processo de inventário, devendo ser sujeita a reapreciação imediata, como forma de conferir utilidade e eficácia à tramitação processual posterior” (1).
Decorre do exposto, que ao admitir o presente recurso de apelação, considerando que a decisão recorrida é, imediata e autonomamente, recorrível, a 1ª Instância (assim como o aqui relator), não incorreram em qualquer erro de direito, porquanto, a decisão interlocutória que decidiu, de mérito, quanto à reclamação apresentada pelo apelante quanto à relação de bens junta aos autos pela cabeça de casal (a apelada) e, assim, determinativa dos bens a partilhar, é autónoma e imediatamente recorrível, conforme expressamente dispõe o n.º 2 do art. 1123º do CPC, na redação introduzida pela Lei n.º 117/2019, de 13/09, aplicável ao presente processo especial de inventário.
Termos em que improcede a questão prévia suscitada pela apelada.
B.2- Da nulidade da decisão recorrida por os respetivos fundamentos estarem em oposição com a decisão nela proferida.
O apelante imputa o vício da nulidade à decisão recorrida, sustentando que os fundamentos que nela foram aduzidos pelo tribunal a quo para ancorar a decisão nela proferida estão em oposição entre si, na medida em que “é profundamente contraditório que o Tribunal a quo tenha decidido que “osfactosnãoprovadosdecorreramdaausênciadeprovaconsistenteatalrespeito,namedida queacabeçadecasaleoreclamanteapresentaramdeclaraçõesopostas,semquequalquerdelesmereçamaiorcredibilidadequeooutro”, pois, na verdade, a prova apresentada pela cabeça de casal, ora Recorrida, quanto à propriedade de bens foi inexistente; consta da decisão sob censura que “o reclamante não logrou provar, como lhe competia, que se trata de bens próprios (…os descritos no facto provado 2 b) a g), porque por si adquiridos antes do casamento)”, tal como consta da mesma decisão, concretamente do ponto 2 dos factos provados, que os bens descritos nas alíneas b), c), d), e) f) e g) foram adquiridos pelo reclamante, respetivamente, nos dias 19.07.2011, 19.07.2011, 19.03.2011, 20.03.2011, 20.06.2011 e 10.03.2011, ou seja, antes de 20.07.2011, isto é, data da celebração do casamento entre o Recorrido e Recorrente (cfr. ponto 1 dos factos provados)”, concluindo que, “existe uma séria e censurável contradição cometida pelo Tribunal aquo, na apreciação matéria de facto. A sentença sob censura, para além de não assentar em fundamento real e inequívoco, entra em manifesta contradição com alguns dos factos dados como provados em que, alegadamente, se baseia, sendo, consequentemente, nula, na medida em que a oposição entre os fundamentos e a decisão, além de dizerem respeito à matéria de facto e à forma como a mesma foi decidida, é igualmente censurável quanto à sua construção lógica, vício que é manifesto, no caso vertente” e que, consequentemente, “estamos perante uma clara oposição entre os fundamentos quanto à matéria de facto não provada e a decisão sobre os mesmos, pelo que há sérias razões para declarar a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1 c) do CPC”, mas, antecipe-se desde já, sem manifesta razão, confundindo indiscutivelmente o apelante causas determinativas de nulidade da decisão recorrida, com erros de julgamento e, em particular, erros de julgamento da matéria de facto, os quais, em regra, não determinam a nulidade da decisão, por estarem sujeitos a um regime especial de impugnação, a saber, o consagrado no art. 662º do CPC.
Vejamos: conforme temos reiteradamente escrito nos arestos que vimos relatando, as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade: a) por se ter errado no julgamento dos factos e/ou do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e/ou estruturação, ou as que balizam o conteúdo e/ou os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC (2).
As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente elencadas no n.º 1 do art. 615º do CPC, e conforme decorre das diversas alíneas desse preceito, reportam-se a vícios formais da decisão em si mesma considerada, decorrentes de na sua elaboração e/ou estruturação não terem sido respeitadas as normas processuais que regulam essa sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão nela proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição, em sede de fundamentos – causa de pedir (omissão e excesso de pronúncia, respetivamente) - e/ou de pretensão – pedido (condenação ultra petitum)), tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria decisão judicial (compreende-se neste conceito a sentença, acórdão ou o despacho – arts. 613º, n.º 3 e 666º, n.º 1 do CPC) em si mesma considerada, ou seja, reafirma-se, está-se na presença de vícios formais que afetam essa decisão de per se e/ou os limites à sombra dos quais é proferida.
Neste sentido pondera Abílio Neto que os vícios determinativos de nulidade da decisão judicial “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (3).
Diferentes desses vícios são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com vícios/erros em que incorre o tribunal em sede de julgamento da matéria de facto e/ou em sede de julgamento da matéria de direito, decorrentes de, respetivamente, o juiz ter incorrido numa distorção da realidade factual que julgou como provada e/ou não provada, em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso do que realizou (error facti) e/ou por ter incorrido em erro na identificação das normas aplicáveis ao caso, na interpretação dessas normas, e/ou na sua aplicação à facticidade que se quedou como provada e não provada no caso concreto (error juris).
Nos erros de julgamento assiste-se assim, ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação, interpretação e/ou aplicação das normas jurídicas aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença em si mesma considerada (vícios formais) ou aos limites à sombra dos quais aquela é proferida, não a inquinam de invalidade, mas sim de error in judicando (4).
Entre as causas de nulidade da decisão judicial taxativamente enunciadas no n.º 1 do art. 615º, contam-se o vício da nulidade da decisão por “os fundamentos (estarem) em oposição com a decisão” – al. c).
Verifica-se o vício da nulidade da decisão por oposição entre os fundamentos e a decisão, quando se verifica uma construção viciosa da sentença (despacho ou acórdão), decorrente de existir uma contradição lógica interna entre a decisão proferida e os fundamentos de facto e/ou de direito que nela foram aportados pelo tribunal para fundamentar a decisão nela expressa, ou seja, o julgador, seguiu determinada linha de raciocínio fáctico-jurídico argumentativo, que aponta logicamente para determinada conclusão, mas em vez de tirar essa conclusão, decide noutro sentido, oposto ou divergente. Ocorre, portanto, um vício real no raciocínio do julgador, consistente em a fundamentação apontar, logicamente, para uma decisão diferente da que a decisão expressa.
Trata-se de nulidade que se relaciona, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC e 205º, nº 1 da C.R.P., do juiz ter de fundamentar as suas decisões e, por outro, com o facto de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que o seu decisório final deverá ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal - premissa maior - com os factos - premissa menor.
Ou seja, “os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a sentença, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário”, de modo que “constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada” (5).
Essa oposição não se confunde, porém, com o erro de julgamento na vertente de “error iuris”, isto é, com “o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir” (6).
E o vício da nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão tipificada na al. c), do n.º 1 do art. 615º também não se confunde com o erro de julgamento da matéria de facto, uma vez que embora atualmente o julgamento da matéria de facto se contenha na decisão final, os erros de julgamento da matéria de facto encontram-se sujeitos a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição da decisão ou a falta da sua motivação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação, não constituindo, por conseguinte, em regra, causa de nulidade da sentença, mas antes sendo suscetíveis de dar lugar à atuação pela Relação dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 662º do CPC.
Aliás, porque assim é, não falta quem advogue que os erros de julgamento da matéria de facto nunca constituem causa de nulidade da sentença, continuando válida a distinção que, na versão do CPC anterior à revisão operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, se fazia entre erros de julgamento da matéria de facto e sentença propriamente dita, a qual versava apenas quanto ao julgamento da matéria de direito (mérito) (7).
No entanto, perante as alterações introduzida pela mencionada Lei n.º 41/2003, em que a decisão sobre a matéria de facto passou a integrar a própria sentença, na senda da doutrina sufragada por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, entendemos que se é certo que a deslocação da decisão da matéria de facto e da sua fundamentação para a própria sentença não afasta a distinção que se impõe operar entre decisão sobre a matéria de facto e decisão sobre a matéria de direito, sequer afastou o regime específico previsto no art. 662º, n.ºs 1 e 2 do CPC, a que se encontram subordinados os vícios que afetam o julgamento da matéria de facto, não se pode concluir que os erros de julgamento nunca, por nunca, constituam causa de invalidade da sentença nos termos do art. 615º, uma vez que a natureza dos vícios que poderão afetar o julgamento da matéria de facto poderão ser de tal modo graves que acabem por se reconduzir a um dos tipos de nulidade da própria sentença, enunciados no n.º 1 do art. 615º do CPC, que levem à invalidação desta, como é o caso de uma sentença em que o juiz omita totalmente a declaração e a discriminação dos factos que julgue provados, em que omita totalmente a discriminação dos factos julgados não provados ou, ainda, em que omita totalmente a motivação do julgamento da matéria de facto (8).
Deste modo, em função daquele regime específico e especial aplicável aos erros de julgamento da matéria de facto, não estando a decisão quanto à matéria de facto devidamente fundamentada, nos termos do art. 662º, n.º 2, al. d) do CPC, esse vício de julgamento da matéria de facto, não determina, por norma, a nulidade da sentença, mas dará apenas lugar à remessa dos autos à 1ª Instância para que fundamente devidamente os factos que julgou provados ou não provados, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Por sua vez, omitindo o tribunal a quo pronúncia (no sentido de não os julgar provados, sequer não provados) em relação a factos essenciais ou complementares que tenham sido alegados pelas partes (o que se reconduz ao vício da deficiência do julgamento da matéria de facto), ou sendo a decisão da matéria de facto obscura ou contraditória quanto a esses factos, como tribunal de substituição que é, a Relação deve responder aos mesmos, suprimindo o vício da deficiência, contradição ou obscuridade que os afeta, quando do processo constem todos os elementos de prova que lho permitam fazer (art. 662º, n.º 1, al. c) do CPC); de contrário, deverá anular as respostas contraditórias ou obscuras e ordenar a repetição do julgamento quanto a esses factos, ou tratando-se do vício da deficiência, ordenar a ampliação do julgamento da matéria de facto aos factos que não foram julgados provados sequer não provados, anulando, em todo o caso, a sentença recorrida (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC) (9).
Apontando a motivação do julgamento da matéria de facto para decisão diversa quanto ao julgamento de facto realizado pelo tribunal a quo, impõe-se que a Relação altere o julgamento da matéria de facto em função da prova produzida, tornando o julgamento de facto concordante com a respetiva motivação.
Por conseguinte, saber se a decisão de facto ou de direito está certa ou errada, reafirma-se, é erro de julgamento e não causa de nulidade da sentença (10salvaguardando naturalmente aquelas situações excecionais, em que a natureza dos vícios que a afetam se mostrem de tal modo graves que redundam em verdadeiras causas de nulidade do tipo elencado no art. 615º do CPC.
Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que as pretensas oposições entre os fundamentos e a decisão a que se reporta o apelante se traduzem na circunstância de, segundo ele, a prova documental junta aos autos não permitir que a 1ª Instância tivesse concluído pela prova da facticidade que julgou provada no ponto 2º, ou seja, a seu ver, ocorre uma contradição entre a facticidade julgada provada neste ponto e os fundamentos expressos pelo tribunal, em sede de motivação, para justificar a prova dessa facticidade.
Mais sustenta que juntou aos autos, em 25/10/2021 e, bem assim, na diligência que teve lugar em 28/10/2011, diversas faturas, as quais não foram impugnadas pela apelada e que, por isso, provarão plenamente a facticidade julgada não provada.
Mais aduz que, no requerimento de 25/10/2021, alegou que a tv red Philips foi vendida, na constância do matrimónio, a seus pais e que esse facto não foi impugnado pela apelada, pelo que se tem como plenamente provado por admissão.
Conclui o apelante que, sustentando a 1ª Instância, em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto, que a prova pessoal produzida, nada esclareceu sobre a matéria em discussão, então, sob pena de contradição, esse tribunal não podia concluir pela não prova da facticidade que julgou como não provada, sob pena de incorrer em violação de normas de direito probatório material que decorre da admissão pela apelada da venda da televisão aos pais do apelante e da prova plena que decorre da prova documental (as faturas) que aquele juntou aos autos e que não foram impugnadas pela apelada.
Porém, a ser assim, como é, a pretensa oposição entre os fundamentos e a decisão que o apelante imputa à decisão recorrida, reconduz-se, afinal, a erros de direito em que terá incorrido o tribunal a quo na valoração da força probatória inerente à prova documental que o mesmo juntou aos autos e ao ter julgado como não provada matéria de facto que já se encontrava provada por admissão, incorrendo o tribunal em postergação da regra de direito probatório material prevista no n.º 2 do art. 574º do CPC, erros de direito esse que se projetaram ao nível do julgamento da matéria de facto, levando a que o julgador tivesse julgado como não provada matéria de facto que, sob pena de violação das enunciadas regras de direito probatório material, se tem como plenamente provada, e a julgar como provada facticidade quando a prova produzida não sustenta esse julgamento positivo, reconduzindo-se, pois, o pretenso vício da nulidade por pretensa oposição entre fundamentos e decisão que o apelante imputa à decisão recorrida a situações que se reconduzem a exclusivos erros de julgamento da matéria de facto em que terá incorrido o tribunal a quo.
Ora, como antedito, os erros de julgamento da matéria de facto, salvo as situações excecionalíssimas supramencionadas, que nada têm a ver com a situação a que se reporta o apelante, não consubstanciam causas de nulidade da decisão, nomeadamente, por alegada oposição entre os fundamentos e a decisão, mas erros que o tribunal ad quem, caso se verifiquem, terá de superar mediante o recurso aos mecanismos específicos do art. 662º do CPC.
Aliás, lida a decisão recorrida, não se descortina que na mesma ocorra qualquer contradição lógica interna entre os fundamentos de facto e de direito (certos ou errados) nela aduzidos e a respetiva parte decisória, mas antes a decisão de improcedência da reclamação apresentada pelo apelante quanto à relação de bens junta aos autos pela apelada, em que esta relacionou, como bens comuns do extinto casal daquela com o apelante, os móveis identificados no ponto 2º da facticidade julgada provada, com fundamento de que estes eram bens próprios dele, apelante, por terem sido comprados antes do casamento com a apelada, e que a televisão foi vendida aos pais daquele na constância do matrimónio, é a conclusão lógica extraída pelo tribunal a quo perante a não prova (bem ou errada – o que, reafirma-se, consubstancia erro de julgamento da matéria de facto, pelo que esse invocado erro será, nessa sede, apreciado) dessa pretensa compra feita pelo apelante antes do matrimónio contraído com a apelada e da venda da televisão alegadamente feita aos pais daquele já na constância do matrimónio.
Resulta do exposto, improceder a invocada nulidade da decisão recorrida, por alegada oposição entre os fundamentos nela aportados e a decisão nela tomada.
B.3- Erros de julgamento da matéria de facto
B.3.1- Violação de regras de direito probatório material.
O apelante impugna o julgamento da matéria de facto quanto à facticidade julgada provada no ponto 2º e, bem assim, à totalidade da matéria julgada como não provada, pretendendo que a prova produzida impõe que se conclua pela prova da facticidade julgada não provada na decisão recorrida e pela não prova da facticidade nela julgada provada no ponto 2º.
Quanto à facticidade julgada não provada, pretende o apelante que, ao assim decidir, o tribunal a quo incorreu em violação de regras de direito probatório material, que lhe impunham que, sem qualquer margem de subjetivismo, concluísse pela prova dessa facticidade.
Assim, quanto ao computador portátil, ao aspirador, ao sistema de som, ao aparelho amplificador, à máquina de secar roupa, ao armário de louça e ao televisor led Toshiba (a que aludem os pontos 1 e 3 da facticidade julgada não provada pela 1ª Instância), advoga o apelante que, em 25/10/2021 e na diligência de produção de prova que teve lugar em 28/10/2011, juntou aos autos as faturas de aquisição desses bens e que estão não foram impugnadas pela apelada, pelo que, nos termos do disposto no art. 376º, n.º 1 do CC, fazem prova plena em como estes bens foram por si comprados antes de contrair casamento com a apelada em 20/07/2011, tratando-se, portanto, de bens próprios seus.
Mais advoga que, ao concluir pela não prova em como esses bens foram por si adquiridos, o tribunal a quo violou o disposto nos arts. 3º e 29º do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado e, bem assim, o disposto no art. 476º do Cód. Comercial.
Também sustenta que não tendo a apelada impugnado a genuidade de tais faturas, nem tampouco a letra, a assinatura ou a reprodução mecânica nelas apostas; aquelas têm de considerar-se verdadeiras, e assim, fazem prova plena da compra e do pagamento pelo apelante dos bens identificados nas mesmas, pelo que o tribunal a quo ignorou o disposto no art. 607º, n.º 4 do CPC, postergando-o.
Finalmente, advoga que não era lícito ao tribunal a quo substituir a prova documental oferecida pelo próprio, por outro meio de prova, nomeadamente, por prova testemunhal, com o que violou o disposto no art. 364º do CC.
Quanto ao televisor da marca Philips, a que se reporta o ponto 2º da facticidade julgada não provada na decisão recorrida, alega o apelante que, ao fazer esse julgamento de não provado, a 1ª Instância incorreu em violação de regras de direito probatório material, posto que, no requerimento que apresentou em juízo em 25/10/2021, alegou que esse televisor foi vendido aos seus pais na constância do matrimónio com a apelada e esta última não impugnou esse facto, pelo que o mesmo se tem como provado por admissão, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 574º do CPC, que assim foi postergado.
Imputando o apelante ao tribunal recorrido ter, em sede de julgamento da matéria de facto, incorrido em violação das regras de direito probatório material supra identificadas, impõe-se, antes de mais, apreciar esses fundamentos de recurso, posto que, a ocorrerem tais violações, a facticidade julgada como não provada na decisão recorrida terá de ser considerada como provada independentemente da prova pessoal produzida nos autos a propósito da mesma.
Em relação à imputada violação do disposto no art. 376º, n.º 1 do CC, dir-se-á que é certo que em 25/10/2021, o apelante juntou aos autos (e na sessão de produção de prova que teve lugar em 28/10/2011, juntou os respetivos originais) os seguintes documentos:
- uma fatura respeitantes à compra do computador portátil, emitida em 06/12/2013 pela ... (não conseguimos ler a favor de quem esta concreta fatura foi emitida pela emitente ...);
- uma fatura emitida pela ..., em nome do apelante, com data de emissão em 19/07/2011, respeitante à compra do aspirador;
- uma fatura emitida pela ..., em nome do apelante, com data de emissão em 19/03/2011, respeitante à compra do sistema de som e ao aparelho amplificador;
- uma fatura emitida pela ..., em nome do apelante, com data de emissão em 20/03/2011, respeitante à compra da máquina de secar roupa;
- uma fatura emitida pela ..., em nome do apelante, com data de emissão em 16/07/2011, respeitante à compra de um sofá e de um puf e, bem assim, cópia de quatro cheques, todos eles emitidos pelo apelante, a favor da sociedade vendedora, com as seguintes datas de emissão: 16/07/2011, 19/08/2011, 19/09/2011 e 19/10/2011;
- uma fatura emitida pelo ... em 20/06/2011 (não conseguimos ler a que artigo se refere e a favor de quem esta fatura foi emitida);
- uma fatura emitida pela ..., em nome do apelante, com data de emissão em 19/03/2011, respeitante à compra do televisor led Toshiba; e
- uma declaração respeitante a uma máquina Krups/Nespresso, que não está aqui em discussão.
Nenhuma dessas faturas foi efetivamente impugnada pela apelada, conforme demonstram os autos e é, aliás, mencionado pelo tribunal a quo na motivação do julgamento de facto que realizou.
As faturas são documentos particulares (arts. 362º e 363º, n.º 1 do CC).
No entanto, contrariamente ao pretendido pelo apelante, nos termos do disposto nos arts. 373º, 374º e 376º do CC, os documentos particulares, cuja letra e assinatura, ou só a assinatura não tenham sido impugnados, apenas fazem prova plena quanto aos factos compreendidos nas declarações atribuídas ao seu autor, na medida em que sejam contrárias aos interesses dos declarantes, pelo que tais documentos apenas podem ser invocados, como prova plena, pelo declaratário contra o declarante, isto é, entre emitente e destinatário de tais faturas; em relação a terceiros, essas declarações não têm eficácia plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal (11).
Dito por outras palavras, se a parte contrária do apelante nos presentes autos de inventário fossem os emitentes das ditas faturas (..., ..., ..., etc.) e não um terceiro, exterior às mesmas, como é o caso da aqui apelada (cabeça de casal), que nelas não figura como emitente ou como destinatária das faturas em causa (pessoa nelas identificadas como sendo a favor de quem foram emitidas), e caso estes não tivessem invocado a falsidade dessas faturas e impugnado a respetiva letra e assinatura, ou só a assinatura (como é o caso da apelada, que não as impugnou), as declarações nelas constantes consideravam-se plenamente provadas na medida em que fossem contrárias aos interesses de emitente e/ou destinatário (arts. 374º e 376º, n.º 1 e 2 do CC).
Acontece que a apelada não é a emitente das ditas faturas, sequer é a pessoa que nelas figura como destinatária, pelo que as mesmas, quanto a ela, encontram-se submetidas ao princípio geral da livre apreciação da prova.
Destarte, ao concluir pela não prova da facticidade julgada não provada, a 1ª Instância não incorreu em violação da regra de direito probatório material prevista nos arts. 374º e 376º, n.ºs 1 e 2 do CC.
E também não incorreu em violação das pretensas regras de direito probatório material constantes dos arts. 3º e 29º do CIVA e/ou no art. 476º do Cód. Comercial, porquanto, nestes preceitos (assim como nos arts. 874º e ss. do CC, a propósito do contrato de compra e venda) não se estabelecem quaisquer regras de direito probatório material, mas no art. 3º do CIVA define-se o conceito de transmissão de bens para efeitos de pagamento do imposto sobre o valor acrescentado, e no seu art. 29º estabelece-se as obrigações do sujeito passivo para efeitos de obrigações do pagamento desse imposto, que passa pela emissão de fatura, mas tal não significa que, incumprida essa obrigação pelo sujeito passivo do imposto, a administração fiscal apenas possa fazer prova do negócio sujeito a esse imposto (o IVA) através da correspondente fatura, enquanto o art. 478º do CCom versa sobre os efeitos do contrato de compra e venda a reporte de títulos financeiros.
Em lado algum da lei, salvo o devido respeito por opinião contrária, estabelece-se que os contratos de compra e venda tendo por objeto os bens em referência, apenas possam ser provados por prova documental, pelo que, contrariamente ao propugnado pelo apelante, a prova ou não prova da celebração de tais contratos, máxime da facticidade julgada não prova pela 1ª Instância, pode ser feita através de qualquer meio de prova legalmente admissível.
Logo, ao julgar como não provada a facticidade que consta do elenco dos factos não provados, a 1ª Instância não incorreu na violação das regras de direito probatório material constantes do art. 364º do CC e/ou do art. 607º do CPC.
Com efeito, reafirma-se, as faturas juntas aos autos pelo apelante, não impugnadas pela apelada, encontram-se sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova pelo tribunal, assim como a demais prova produzida nos autos.
Conforme antedito, a propósito do televisor da marca Philips, a que se reporta o ponto 2º da facticidade julgada não provada na decisão sob sindicância, pretende o apelante que, a 1ª Instância, no julgamento que assim realizou, incorreu na violação da regra de direito probatório material do n.º 2 do art. 574º do CPC, isto porque, no requerimento que apresentou em juízo em 25/10/2021, alegou que esse televisor foi vendido aos seus pais na constância do matrimónio com a apelada e esta última não impugnou esse facto, mas, mais uma vez, sem razão.
A apelada (cabeça de casal) juntou aos autos a relação de bens, em que relacionou a mencionada televisão sob a verba n.º 19.
Nessa sequência, na reclamação que apresentou em 08/06/2021, à relação de bens, o apelante veio alegar, no ponto 23º, que a “Tv led preta, marca Philips, 40 polegadas, (…) é do conhecimento da cabeça de casal que esse bem móvel foi vendido aos pais do reclamante, ainda durante a constância do casamento”, concluindo, “pelo que, deve ser retirado da relação de bens”.
No exercício do seu contraditório, no requerimento de 12/07/2021, a cabeça-de-casal manteve o relacionamento da dita televisão, alegando expressamente, nos pontos 16º e 17º desse articulado de resposta que, o televisor foi adquirido pelo casal “durante a constância do matrimónio e fazem parte do auto de arrolamento junto sob o documento n.º 5”, de onde resulta que aquela impugna implicitamente a alegada venda feita pelo casal do referido televisor aos pais do apelante.
É certo que, conforme sustenta o apelante acontecer, posteriormente, em 25/10/2021, aquele veio requerer a junção aos autos das faturas supra identificadas e, nesse requerimento, reafirma que o televisor foi vendido aos seus pais, ainda na constância do casamento, em relação ao que, a apelada nada disse, não impugnando sequer as ditas faturas, mas não o tinha que fazer.
Com efeito, para além de, por força do princípio da concentração da defesa, o apelante estar obrigado a alegar todos os seus meios de defesa na reclamação à relação de bens, apenas podendo posteriormente, por força do princípio da preclusão, invocar os meios de defesa que fossem supervenientes, ou que a lei admitisse expressamente passado o momento da oposição, ou ainda que se prendam com questões que sejam de conhecimento oficioso do tribunal (12), o que nem sequer é o caso da defesa que o apelante apresentou no requerimento de 25/10/2021, porquanto, não se tratou de carrear para os autos de um meio de defesa novo, sendo certo que, caso o fosse, porque essa sua alegação não se insere em nenhuma das situações atrás enunciadas em que se admite que o apelante pudesse invocar esse novo meio de defesa após a apresentação da sua reclamação à relação de bens (o que significa que, por força do princípio da preclusão, estava-lhe vedada a alegação daquela pretensa venda feita aos seus pais do televisor na constância do matrimónio no requerimento de 25/10/2021 caso se tratasse de meio de defesa novo), no caso, tratou-se do reafirmar de uma defesa que o apelante já tinha apresentado na reclamação à relação de bens e que tinha sido impugnada pela apelada.
Daí que, contrariamente ao pretendido pelo apelante, em relação à facticidade julgada não provada pela 1ª Instância no ponto 2º da decisão recorrida, não ocorre a violação da regra de direito probatório material do art. 574º, n.º 2 do CPC.
Destarte, resulta do que se vem dizendo, que em sede de julgamento de facto, a 1ª Instância não incorreu em violação de nenhuma das regras de direito probatório material invocadas pelo apelante, improcedendo este fundamento de recurso.
Resta verificar se, perante a prova produzida, ocorrem os erros de julgamento da matéria de facto que vêm invocados pelo apelante e se, consequentemente, essa prova não consente o julgamento de facto que foi realizado pela 1ª Instância, mas antes impõe, isto é, torna necessário (cfr. n.º 1 do art. 662º do CPC), que se conclua pelo julgamento de facto propugnado pelo apelante.
B.3.2- Impugnação da facticidade do ponto 2º dos factos provados.
O apelante impugna a facticidade julgada provada pela 1ª Instância no ponto 2º, sustentando não se compreender “como é que o Tribunal aquo entende que dos documentos juntos aos autos como o requerimento de 25.10.2021 e aquando da diligência de inquirição de testemunhas, se conclui que o portátil ASUS, o aspirador SAMSUNG, o aparelho amplificador DENON, o sistema de som BOSE, a máquina de secar roupa, o armário de louça, a TV LED TOSHIBA e a TV LED PHILLIPS existiam na casa de morada de família,pois, os referidos documentos correspondem apenas a faturas-recibo emitidas aquando da compra de tais bens, não podendo ser extraída qualquer conclusão sobre o seu destino ou paradeiro aquando da separação do casal” e conclui que, “por absoluta falta de prova, o Tribunal aquo não deveria ter considerado como provado que os bens descritos no ponto 2 dos factos provados existiam na casa de morada de família, devendo desse ponto ser extraída tal menção”.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, dir-se-á que mais incompreensível é a dita impugnação do julgamento de facto operada pelo apelante, posto que, se é certo que da prova documental invocada pelo tribunal a quo para concluir pela prova da facticidade que julga provada no ponto 2º, não se pode concluir que os referidos bens se encontrassem na casa de morada de família aquando da separação do casal de apelante e apelada, também é certo que, com exceção do televisor led, de cor preta, da marca Philips, de 40 polegadas, em relação ao qual o apelante alega ter sido vendido aos seus pais ainda na constância do matrimónio com a apelada, quanto aos restantes bens identificados no ponto 2º dos factos provados na decisão recorrida, resulta de toda a alegação do apelante, quer em sede de reclamação à relação de bens apresentada pela apelada, quer das suas próprias alegações de recurso, que esses bens existiam efetivamente na casa de morada de família aquando da separação do casal, tanto assim que, a impugnação da relação de bens apresentada pela apelada (cabeça de casal) operada pelo apelante se funda na circunstância de tais bens não serem do casal, mas bens próprios dele, apelante, porquanto, o computador portátil terá sido oferecido ao mesmo pelos seus pais e os restantes bens foram comprados por si, antes de contrair casamento com a apelada, versão dos factos essa que reafirma nas suas alegações de recurso, e que tem necessariamente como pressuposto lógico que esses concretos bens existiam efetivamente na casa de morada de família à data da separação do casal.
Quanto ao televisor da marca Philips, que o apelante pretende ter sido vendido aos seus pais ainda na constância do casamento com a apelada, esta, em 12/05/2021, juntou ao presente processo de inventário o auto de arrolamento de bens, onde se vê que esse televisor se encontra aí arrolado sob a verba n.º 1, tanto assim que, conforme se lê nesse auto, o apelante fez nele consignar que esse televisor é dos seus pais.
Aqui chegados, sem mais, por desnecessárias considerações, improcede a impugnação do julgamento da matéria de facto no que tange à facticidade julgada provada no ponto 2º da decisão recorrida, que assim se mantém inalterada.
B.3.2- Impugnação da facticidade julgada não provada na decisão recorrida.
O apelante impugna o julgamento da matéria de facto julgada não provada pela 1ª Instância, sustentando que, ao assim decidir, esta violou regras de direito probatório, a propósito do que já nos pronunciámos no sentido de que assim não é e que as faturas juntas aos autos pelo apelante se encontram submetidas ao princípio da livre apreciação da prova.
Mais sustenta que tais faturas, concatenadas com a prova testemunhal produzida, impõem que se conclua pela prova da facticidade julgada não provada pela 1ª Instância.
Vejamos se assim é.
O tribunal a quo julgou como não provada a seguinte facticidade:
1. O portátil preto, marca ASUS, rato e bolsa de transporte preta, foi oferecido ao reclamante pelos seus pais; 2. A TV LED preta, marca PHILIPS, 40 polegadas, ou melhor descrito, PHILIPS TV LED40PFL5606H/12 foi vendida pelo casal aos pais do reclamante ainda na constância do casamento; 3. Os bens descritos nas alíneas b). a g). do facto provado 2. foram adquiridos com dinheiro do reclamante.
E fundamentou essa não prova nos termos que se seguem:
“Os factos não provados decorreram da ausência de prova consistente a tal respeito, na medida a cabeça de casal e o reclamante apresentaram declarações opostas, sem que qualquer delas mereça maior credibilidade que o outro.
Com efeito, a cabeça de casal argumentou que tais bens (quer os adquiridos antes do casamento, quer os adquiridos na constância do matrimónio) foram adquiridos com o dinheiro de ambos e referiu que a TV LED Philips foi levada pelo reclamante para casa dos seus pais, após a separação, enquanto que este afirmou que o portátil foi-lhe oferecido pelos seus pais, aos quais o casal vendeu a TV LED Philips.
Ora, não tendo a cabeça de casal impugnado os documentos, os mesmos foram valorados nomeadamente quanto à data neles aposta e ao facto de constar o nome do reclamante nas faturas correspondentes (facto provado 2. b), c), d), e), f), g) e h)).
No entanto, do teor dos documentos não decorre, obviamente, qualquer indício relativamente à propriedade do dinheiro utilizado na aquisição de tais bens.
A tal respeito, as testemunhas D. I., S. F. e A. C., pai, irmã e tio do reclamante respetivamente, corroboraram a posição do reclamante.
As testemunhas M. T. e B. B., mãe e amigo da cabeça de casal, respetivamente, limitaram-se a transmitir o que lhes foi dito pela mesma e as testemunhas M. E. e M. S., amigas da cabeça de casal, demonstraram total desconhecimento acerca da factualidade objeto de prova.
Com efeito, o pai do reclamante afirmou ter adquirido a TV LED Philips, ao casal após ter sido por eles utilizada, por € 500,00 (quando a mesma havia sido adquirida nova por € 486,99) e nada disse quanto ao portátil.
A irmã do reclamante afirmou que, no Natal de 2013, os pais de ambos ofereceram um portátil a cada um, tendo o do reclamante sido adquirido na ..., e que o irmão, por ter melhor condição financeira que a cabeça de casal, adquiriu os bens descritos no facto provado 2º, als. b) a g) antes do casamento e com dinheiro próprio.
O tio do reclamante afirmou que, por ter especiais conhecimento derivados de ter trabalhado na G., em 2012 ou 2015, ajudou a instalar o televisor em casa dos pais do reclamante e procedeu à sua programação, tendo visto o cunhado a entregar ao reclamante dinheiro que eles disseram tratar-se de € 500,00.
Tais depoimentos não são sucetíveis, sem mais, de comprovar o por eles alegado, dados os laços familiares e o facto de não haver outro meio de prova que os corrobore.
Por outro lado, é de sublinhar a proximidade temporal entre a respetiva aquisição (março, junho e julho de 2011) e a data em que foi celebrado o matrimónio (julho de 2011), circunstância que nos faz duvidar da origem do dinheiro, isto é, se se trata de dinheiro próprio do reclamante ou de ambos (neste caso tendo em vista o futuro matrimónio e a coabitação na casa de morada de família), tendo constado dos documentos a identificação do reclamante por razões não apuradas.
Nessa medida, atenta a versão inverosímil do pai do reclamante (segundo ele pagou mais pela televisão usada do que o valor que esta havia custado nova, sendo certo que, em regra, tal tipo de bens desvaloriza bastante com o decurso do tempo em resultado das constantes evoluções tecnológicas) - o qual nem sequer se pronunciou quanto ao portátil -, e os depoimentos parciais das testemunhas S. F. e A. C., consideramos, face à ausência de prova consistente, como não provado que o bem descrito no facto provado 2º a) foi oferecido ao reclamante pelos seus pais; que o bem descrito no facto provado 2º h) foi vendido pelo casal aos pais do reclamante, na constância do matrimónio, e que os bens descritos no facto provado 2º b) a g) foram adquiridos (apenas) com dinheiro do reclamante”.
Ora, ouvida a prova pessoal produzida na diligência que teve lugar em 28/10/2021, aliás, com extrema dificuldade, uma vez que, essa prova, se encontra praticamente inaudível, e analisada a prova documental junta aos autos, dir-se-á que a convicção desta Relação corresponde àquela que foi a da 1ª Instância.
Com efeito, no que tange ao computador portátil, este foi comprado na ... em 06/12/2013, pelo preço de 699,00 euros, isto é, em plena constância do matrimónio do apelante com a apelada, não se deixando de estranhar que a testemunha S. B., irmã do apelante, refira que esse computador foi oferecido ao último, no natal de 2013, cujos pais também lhe ofereceram um computador na mesma altura, e não tenha sido junta aos autos a fatura respeitante a este último computador pretensamente oferecido à testemunha, quando houve o cuidado de se juntar aos mesmos a fatura de aquisição do computador pretensamente oferecido pelos pais ao apelante.
Finalmente, no auto de arrolamento junto aos presentes autos de inventário em 12/05/2021, consta arrolado, sob a verba n.º 23, o dito computador, e a ser certa a tese do apelante e da sua irmã, a testemunha S. B., não podemos deixar de estranhar que, aquando desse arrolamento, o apelante tivesse tido o cuidado de fazer consignar que o televisor (verba n.º 1 desse auto) era dos pais e que a verba n.º 17 (uma máquina de café) era sua propriedade, e nada tivesse referido quanto ao computador portátil, que é sem dúvida alguma um bem de maior valor que aqueles anteriores bens (televisor e máquina de café).
Dito de outra forma, perante o facto do computador ter sido comprado em plena constância do matrimónio do apelante com a apelada e as perplexidades e reservas que nos merece a tese do apelante e da testemunha S. B., impera concluir que, a prova produzida, não atingiu o patamar necessário para que se possa concluir que esse computador foi oferecido ao apelante pelos seus pais, pelo que bem andou a 1ª Instância em concluir pela não prova dessa facticidade.
Passando ao televisor que, segundo o apelante, terá sido vendido aos seus pais durante a constância do matrimónio com a apelada, tese essa que, como antedito, aquele logo fez consignar no auto de arrolamento dos bens do casal e que é aquela que foi sufragada pelas testemunhas D. F. e A. C., respetivamente, pai e tio do apelante, diremos que, para além das perplexidades e reservas que estes depoimentos mereceram à 1ª Instância e que aqui subscrevemos, dado que não é efetivamente normal que o apelante venda aos seus pais um televisor em segunda mão por um preço superior ao da respetiva compra, à luz das regras da experiência comum, não se antolha como razoável aceitar-se que esse televisor tivesse sido vendido aos pais do apelante e permanecesse na casa de morada de família de apelante e apelada aquando do arrolamento dos bens do casal, em 20/11/2020. É que quem compra um bem é porque dele necessita, de contrário, certamente que não o compraria, pelo que não é razoável aceitar-se que os pais do apelante tivessem comprado o televisor em causa ao seu filho e então nora, para o deixarem na casa destes, onde, reafirma-se, este se encontrava em 20/11/2020.
Destarte, bem andou o tribunal a quo ao concluir pela não prova da facticidade do ponto 2º dos factos não provados.
No que se refere aos bens descritos nas alíneas b) a g) do facto provado em 2, é certo que do teor das faturas juntas pelo apelante aos autos, resulta que esses bens foram comprados antes deste ter contraído casamento com a apelada e, bem assim, que essas faturas se encontram emitidas pelo vendedor desses bens em nome do apelante, o qual foi quem igualmente emitiu os quatro cheques para pagamento do preço do sofá e do puf à vendedora ....
Também é certo que, nos termos do disposto no art. 879º, al. a) do CC, a transmissão da propriedade sobre o bem objeto da compra e venda do vendedor para o comprador opera-se com a celebração do contrato de compra e venda, salvo reserva de propriedade.
No entanto, também não menos certo é que, apesar da fatura da compra dever ser emitida pelo vendedor ao comprador, é assaz frequente que o vendedor, apesar de celebrar o contrato de compra e venda com um casal, emita a fatura em nome de apenas um dos membros do casal. Que assim é, basta atentar na prática atualmente corrente, em que os logistas, em regra, perguntam aos compradores se querem fatura e, perante a resposta positiva, pedem um número de contribuinte, que consignam na respetiva fatura, apesar do contrato de compra e venda que acabam de celebrar ser celebrado com mais do que um comprador.
O que se acaba de dizer sai no caso especialmente reforçado quando, conforme refere a 1ª Instância, os bens em discussão foram comprados em data próxima do casamento celebrado entre apelante e apelada.
Os bens objeto dessas compras e vendas destinaram-se à casa de morada de família de apelante e apelada, que estavam para se casar, onde foram encontrados aquando do arrolamento de bens nesta realizado em 20/11/2020.
Neste contexto, não se antolha como razoável aceitar-se que o apelante fosse comprar esses concretos bens sozinho, isto é, desacompanhado da apelada, sua futura mulher, tanto mais que esses bens se destinavam à futura casa de morada de família de ambos, que estavam para casar, quando para mais no leque desses bens consta uma máquina de secar roupa e um armário de louça e, muito menos, que esses bens tivessem sido comprados exclusivamente pelo apelante, com dinheiro exclusivamente dele, e não por este e pela apelante, sua futura mulher, e com recurso a dinheiro dos dois.
Aliás, quanto ao sofá e ao puf, apesar destes terem sido comprados antes da celebração do casamento entre apelante e apelada, que teve lugar em 20/07/2011, verifica-se que três dos quatro cheques emitidos pelo apelante para pagar o preço desses bens, foram emitidos com datas de emissão de 19/08, 19/9 e 19/10/2011, ou seja, já após a celebração do casamento, o que se mostra concordante com a ilação acima enunciada de que os bens aqui em análise, apesar de terem sido comprados antes da celebração do casamento, foram comprados por apelante e apelada e pagos por ambos, tanto assim que, quanto ao sofá e ao puf, o respetivo preço foi, em grande parte, pago já na constância do matrimónio.
Acresce dizer que, tendo esses bens sido arrolados na casa de morada de família do então casal constituído por apelante a apelada, em 20/11/2020, o apelante, teve o cuidado de logo referir que o televisor (verba n.º 1) era de seus pais e que a máquina de café (verba n.º 23) era sua, nada referindo, contudo quanto àqueles bens, apesar destes serem de maior valor que aqueles outros, quando segundo as regras da experiência comum, caso estes tivessem sido comprados exclusivamente por si antes de contrair matrimónio com a apelada, era esperável que, por maioria de razão, também o dissesse aquando do arrolamento dos mesmos.
Destarte, bem andou a 1ª Instância em julgar não provada a facticidade do ponto 3º dos factos não provados na decisão recorrida, posto que, efetivamente, a prova produzida não impõe que se conclua que esses concretos bens tivessem sido comprados pelo apelante antes de contrair matrimónio com a apelada, com recurso a meios financeiros exclusivamente dele, mas antes aponta no sentido de que os mesmos foram comprados por ambos (apelante e apelada) e com recurso a meios financeiros dos dois, tendo em vista o casamento entre ambos, cuja celebração estava para breve.
De resto, impõe-se lembrar ao apelante que, para que ao tribunal ad quem seja consentido alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, não é suficiente que a prova produzida permita ou consinta que se conclua pelo julgamento de facto que por ele vem propugnado, mas é preciso que essa prova imponha, isto é, torne necessário esse julgamento de facto (n.º 1 do art. 662º do CPC), pelo que, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, terá de prevalecer a decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (13).
Acresce que, tal como se salienta no acórdão do Tribunal Constitucional nº 198/04, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, a impugnação da decisão em matéria de facto “(...) terá de assentar na violação dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria a inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão (...)”.
Resulta do que se vem dizendo, em suma, improceder a impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, que assim se mantém inalterado.
B.4- Mérito – prejudicado.
Dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença recorrida no que à interpretação e aplicação do direito respeita, do prévio sucesso da impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, não tendo o apelante obtido sucesso nessa impugnação, fica impreterivelmente prejudicado o conhecimento do Direito.
Com efeito, o apelante não assaca qualquer erro de direito à decisão de mérito proferida na decisão recorrida que não decorra do êxito da impugnação do julgamento da matéria de facto que opera.
De resto, não tendo o apelante logrado fazer prova, conforme era seu ónus fazer (art. 342º, nº 1 do CC) em como o computador portátil lhe tivesse sido oferecido pelos seus pais, que o televisor relacionado na relação de bens tivesse sido vendido a esses seus progenitores ainda na constância do matrimónio com a apelada e, bem assim que, os restantes bens, sejam sua propriedade porque adquiridos por si, antes da celebração do casamento com a apelada, tal como decidido pela 1ª Instância, tinha necessariamente de se concluir pela improcedência da reclamação que o mesmo apresentou quanto à relação de bens apresentada pela cabeça de casal (a apelada).
Destarte, tendo improcedido a impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo apelante, permanecendo, assim, inalterados os factos julgados provados e não provados na decisão sob sindicância, necessariamente ficou prejudicado o conhecimento da decisão de mérito nela proferida, o que aqui se declara, nos termos do disposto no art. 608º, n.º 2 ex vi art. 663º, n.º 2 do CPC.
Resulta do exposto, em suma, improcederem todos os fundamentos de recurso aduzidos pelo apelante, impondo-se, em consequência, julgar totalmente improcedente a presente apelação e confirmar a decisão recorrida.
*
Decisão:
Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em julgar a presente apelação improcedente e, em consequência:
- confirmam a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelo apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 17 de março de 2022
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos
Relator - José Alberto Moreira Dias; 1.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes; 2.ª Adjunta - Rosália Cunha.
1. Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, “O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil”, Almedina, pág. 139. No mesmo sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, Almedina, pág. 613, nota12.
2. Ac. STA. de 09/07/2014, Proc.00858/14, in base de dados da DGSI, em que constam todos os arestos infra indicados, sem menção em contrário.
3. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
4. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277.
5. Ac. da RG, de 14.05.2015, Processo nº 414/13.6TBVVD.G.; e RC, de 11.01.1994, BMJ nº 433, pág. 633, onde se lê: que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição”. Ainda, Ac. do STJ, de 13.02.1997, BMJ nº 464, pág. 524, e Ac. do STJ, de 22.06.1999, CJ, 1999, tomo II, pág. 160.
6. José Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 670; Ac. STJ. de 20/01/2004, Proc. 03S1697.
7. Ac. RC de 20/01/2015, Proc. 2996/12.0TBFIG.C1, onde se lê: “Apesar de atualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão de matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerando além do mais o caráter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último ato decisório. Realmente a decisão da matéria de facto está sujeito a um regime diferenciado de valores negativos – deficiência, obscuridade ou contradição – a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é suscetível de dar lugar à atuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª Instância”. No mesmo sentido Ac. RL. de 29/10/2015, Proc. 161/09.3TCSNT.L1-2. Ainda Ac. STJ, de 24/02/2005, Proc. 04B4594: “A fundamentação a que alude o n.º 2 do art. 653º do CPC não se confunde com a fundamentação a que alude o art. 659º, n.ºs 2 e 3 do mesmo Código, sendo certo que as consequências para a sua omissão num caso e noutro são também diferentes : - no 1º caso, poderá a Relação ordenar a baixa do processo, (…), nos termos e para os fins do n.º 5 do art. 712º do CPC; - no 2º caso, se a falta de fundamentação for absoluta, ocorrerá a nulidade prevista na al. b) do art. 668º do CPC”.
8. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, págs. 707 a 708 e 733 a 734.
9. Neste sentido Ac. RC. de 19/02/2013, Proc. 618/12.9TBTNV.C1, in base de dados da DGSI. No mesmo sentido Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, págs. 293 a 295, em que escreve: “Outras decisões podem revelar-se total ou parcialmente deficientes, obscuras ou contraditórias, resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladora de incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso. Verificado algum dos referidos vícios, para além de serem sujeitos a apreciação oficiosa da Relação, esta poderá supri-los a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação (…). Pode ainda revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto (…). Todavia, considerando que a reavaliação da pertinência é feita agora pela Relação, a possibilidade de anulação do julgamento para ampliação da matéria de facto deve ser encarada com rigor acrescido e reservada para os casos em que se revele indispensável. (…), a anulação da decisão da 1ª instância apenas deve ser decretada se não constarem do processo todos os elementos probatórios relevantes. Ao invés, se estes estiverem acessíveis, a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas. Em qualquer dos casos, a anulação do julgamento deve ser sempre uma medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada (…)”.
10. Ac. do STJ, de 08.03.2001, Processo nº 00A3277, in base de dados da DGSI.
11. Acs. STJ. de 29/10/2019, Proc. 2012/15.5T8VRL-AU.G1.S2; de 28/10/2004, Proc. 05B1094; de 22/06/1982, BMJ, 318º, pág. 415; RC. de 24/04/1991, BMJ, 406º, pág. 731.
12. Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, ob. cit., pág. 10.
13. Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609.