DETENÇÃO
NOTIFICAÇÃO
SENTENÇA
Sumário

A lei não prevê a possibilidade de alguém ser detido para ser notificado de uma sentença condenatória em pena de multa, uma vez que, nesse caso, a detenção não visa a comparência do arguido a um acto processual (leitura da sentença) mas apenas a comunicação desse acto.

Texto Integral

Acordam na 1.ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

RELATÓRIO
1- No Tribunal Judicial de Santo Tirso, ..º juízo criminal, no processo acima referido, o arguido B.......... foi julgado nos presentes autos, sem a sua presença, pela prática dos crimes de condução de veículo automóvel sem habilitação legal e de desobediência, previstos e punidos, respectivamente, pelo disposto nos artigos 3°, nos 1 e 2, do Decreto-Lei n° 2/98, de 3 de Janeiro e 348°, n° 1, alínea b), do Código Penal, tendo sido condenado na pena única de 120 dias de multa à razão diária de € 2,00, o que perfaz a multa global de € 240,00, tendo a respectiva audiência de julgamento decorrido na ausência do arguido, nos termos do artigo 333°, n° 1, do Código de Processo Penal, por não ser julgada indispensável a sua presença.
Tentada a notificação da sentença ao arguido por meio de contacto pessoal a efectuar pela entidade policial competente, não se mostrou a mesma viável em virtude de ser desconhecido o seu actual paradeiro, pelo que o magistrado do Ministério Público junto daquele tribunal promoveu que se procedesse à notificação do arguido através de postal simples para se apresentar em Juízo no prazo de 30 dias para ser notificado pessoalmente da sentença, com a expressa advertência de que, não o fazendo, ser ordenada a sua detenção pelo tempo indispensável à concretização da referida notificação.
Tal promoção foi indeferida pelo sr juiz do processo, por entender que «o Código de Processo Penal não prevê a possibilidade da emissão de mandados de detenção fora dos caso previstos nos artigos 254° e 337°, n° 1 (...) tendo o arguido sido julgado na sua ausência ao abrigo do disposto nos artigos 332.º -1 e 333.º-2 do CódProcPenal, e condenado em pena de multa, de cuja sentença não foi notificado por se desconhecer o seu paradeiro, não tem cabimento legal a emissão de mandados de detenção a fim de lhe ser notificada a sentença. Esta apenas será notificada quando o arguido for detido à ordem de outro processo ou quando se apresentar voluntariamente em juízo, sem embargo de se efectuarem diligências no sentido de se averiguar o seu paradeiro, pelo que o processo continuará pendente até que ele seja notificado da sentença e extinção da pena.

2- Inconformado, recorreu deste despacho o sr procurador adjunto, formulando as seguintes conclusões:
- Estabelecendo expressamente no n° 5 do artigo 333° do Código de Processo Penal no tocante à notificação da sentença ao arguido em casos como o dos autos que "...havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente...", contando-se "...0 prazo para a interposição de recurso pelo arguido ... a partir da notificação da sentença",
- Ao menos no respeitante às sentenças condenatórias (face ao disposto na parte final do n° 5 do artigo 333° e na alínea b do n° 1 do artigo 40 l° do Código de Processo Penal), impõe-se a notificação da sentença ao arguido julgado na ausência através de contacto pessoal e não por outra via (v. g., postal ou edital) não compaginável com a no n° 5 do artigo 333° do Código de Processo Penal assinalada necessidade para a sua efectivação de uma apresentação voluntária ou detenção do notificando.
- Dispondo o subsequente n° 6 do referido artigo 333° do Código de Processo Penal que "É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 116°, n` 1 e 2, e 254°..." e não podendo tal disposição referir-se senão à detenção prevista no antecedente n° 5 como proporcionando a única outra hipótese de notificação da sentença ao arguido julgado na ausência para além da sua voluntária apresentação em juízo para o efeito,
- E não se justificando urna excessiva e desnecessária rigidez na aplicação daqueles normativos nos expostos exactos termos deles decorrentes, concretizada na designação judicial em tais casos de um dia, de uma hora e de um local para a comparência do arguido com vista à efectivação da pretendida notificação
- E, face a urna injustificada falta de comparecimento no dia, hora e local designados para a prática do referido acto, após regular convocatória para o efeito, na detenção e apresentação do mesmo perante autoridade judiciária para a concretização daquela notificação,
- Deverá o arguido julgado na ausência que se não apresente espontânea e voluntariamente para o efeito ser notificado (aí sim por via postal simples em casos como o dos autos, em que prestou já termo de identidade e residência nos termos da actual redacção do artigo 196° do Código de Processo Penal, e, apenas em casos em que não tenha ocorrido aquela prestação de termo de identidade e residência ou em que, tendo embora ocorrido, a notificação por via postal simples se frustre, nos termos previstos no n° 4 do artigo 113° do Código de Processo Penal, através de editais. por aplicação, por analogia e nos termos do disposto no artigo 4`. das disposições conjugadas dos artigos 335°, no' 1 e 2, 3 ~6 r e',, n° 1. do mesmo Código de Processo Penal)
- Para comparecer em juízo num prazo até 30 dias a fim de ser notificado da sentença proferida na audiência realizada na sua ausência nos termos e com observância do disposto nos artigos 333°, ri" 1 a 3, e 364°, n° 3, do Código de Processo Penal, com expressa indicação além do mais das datas da realização de tal audiência e da leitura da sentença em causa e com expressa advertência de que, não o fazendo voluntariamente naquele prazo e por aplicação, por analogia e nos termos do disposto no artigo 4°, do disposto nos artigos 116°, n 1 e 2, 254.°, 333.°, n°S 5 e 6, 335.°, n.º 1 e 2, 336.°, n° 2 e 337.°, n° 1, do Código de Processo Penal, será determinada a sua detenção pelo tempo indispensável à concretização da referida notificação.
- Decidindo diversamente e indeferindo o em tal sentido promovido, no douto despacho recorrido foi violado o disposto nos artigos 4°, 116°, n°' 1 e 2, 254°, 333°, n°S 5 e 6, 335°, n 1 e 2, 336°, n° 2, e 337°, n° 1, do Código de Processo Penal, razão pela qual deverá o mesmo ser revogado e ser substituído por outro que determine a notificação do arguido B.......... para comparecer em juízo a fim de ser notificado da sentença condenatória contra si proferida nos autos, nos termos e com as indicações e advertências acima referidas .
3. Nesta Relação, o Exmo PGA emitiu douto parecer em que diz, em síntese , depois de citar diversa jurisprudência deste Tribunal da Relação e da Relação de Lisboa, que o recurso não merece provimento, além de que tal recurso contraria aquela que ficou fixada na sentença - e que não foi objecto de recurso pelo M.° P.° - no sentido de que "A sentença será notificada ao arguido através de contacto pessoal a efectuar pela entidade policial da área da sua residência".

4- Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a audiência de discussão e julgamento.

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FUNDAMENTAÇÃO
O direito
A questão a decidir nestes autos traduz-se em saber se tendo sido o arguido julgado na sua ausência e condenado em pena de multa, a notificação da sentença deve ser feita apenas e se quando ele for detido à ordem de outro processo ou quando se apresente voluntariamente, e ainda em qualquer lugar em que o mesmo for encontrado, ou se também a sentença pode ser notificada através da emissão de mandados de detenção do arguido para tal fim, e bem assim a sua notificação para que se apresente dentro de determinado prazo, com a cominação de ser detido se o não fizer .
Esta questão tem merecido decisões num sentido e no outro por parte das Relações, mas esta Relação do Porto tem-se pronunciado maioritariamente no sentido de que não é possível a emissão de mandados de detenção para aquela notificação e , consequentemente, não é possível a notificação do arguido para comparecer com a cominação de ser detido caso não compareça em determinado prazo.
O principal argumento daqueles que defendem esta inadmissibilidade da emissão de mandados de detenção para aquele fim emerge de considerações de ordem jurídico-constitucional, que se podem sintetizar assim: o direito à liberdade está constitucionalmente garantido, apenas admitindo as restrições consagradas na Lei Fundamental; a detenção para notificação de uma sentença, no caso condenatória em pena de multa, não pode ser considerada como integrando qualquer das excepções elencadas no art. 116.º-2 do CodProcPenal; o julgamento terminou com a prolação da sentença, apesar desta não ter sido notificada, pelo que a sua presença já não é necessária para a realização do julgamento, pelo que a detenção do arguido para notificação da sentença condenatória em pena de multa violaria o principio da tipicidade constitucional das medidas privativas ou restritivas da liberdade, previsto no art. 27° da CRP, e o princípio da proporcionalidade estabelecido no n° 2 do art. 18°, da mesma Lei fundamental.
E, com efeito, é preciso ter em conta, para enquadrar e decidir esta questão, a dimensão constitucional dos preceitos aplicáveis.
Desde logo fazendo notar que o Tribunal Constitucional tem sucessivamente reconhecido o valor constitucional do princípio da proporcionalidade, isto é, como um princípio objectivo da ordem jurídica (cf., de entre muitos outros, os Acórdãos n.os 25/84, inAcórdãos do Tribunal Constitucional, 2.° vol., p. 7, 85/85, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.° vol., p. 245, 64/88, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.° vol., p. 319, 349/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19.° vol.,. p. 507, 363/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19.° vol., p. 79, 152/93, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24.° vol., p. 323, 634/93, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 26.° vol., p. 205, 370/94, in Diário da República, 2.ª série, de 7 de Setembro de 1994, 494/94, in Diário da República, 2.a série, de 17 de Dezembro de 1994, 59/95, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.° vol., p. 79, 572/95, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32.° vol., p. 381, 758/95, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32.° vol., p. 803, 958/96, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 34.° vol., p. 397, e 1182/96, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35.° vol., p. 447).
A ideia conformadora deste principio assenta na consideração de que o meio utilizado para atingir certo objectivo deve estar numa determinada relação com esse objectivo. Ou dizendo de outro modo: segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p; 153), "o princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (1) princípio da adequação, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (2) princípio da exigibilidade, ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias); (3)o principio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa 'justa medida', impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos".
No caso de ausência do arguido na audiência de julgamento, previsto no art. 333°, nos 2 e 3, do CPP, a sentença tem que ser pessoalmente notificada ao arguido já que o mesmo pode recorrer dela quando for notificado e esta só ocorre «logo que seja detido ou se apresente voluntariamente (art. 333, n° 5, do CPP, na referida redacção), notificação essa através de contacto pessoal (art. 113°-a) do CPP), no lugar onde for encontrado, sendo nula notificação da sentença efectuada por outro meio
O n° 5 do art. 333.º, na redacção actual, estipula que «havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente». O mesmo é referido no n° 6 do art. 334° . O n° 6 do art. 333° e o n° 7 do art. 334° consagram que «é correspondentemente aplicável o disposto nos arts. 116°, nos 1 e 2, e 254°».
O n° 2 daquele art. 116.° ao permitir que «o juiz pode ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a detenção de quem tiver faltado injustificadamente pelo tempo indispensável à realização da diligência», está a consagrar uma restrição ao direito à liberdade. Igual excepção é a possibilidade do juiz ordenar a detenção para assegurar a presença imediata, ou no prazo máximo de 24 horas, perante autoridade judiciária em acto processual, prevista na ai. b) do n° 1 do art. 254° do CPP.
Mas a lei não prevê a possibilidade de alguém ser detido a fim de ser notificado de uma sentença no caso condenatória em pena de multa, isto é, não se trata de nenhuma daquelas excepções, como não se enquadra no art.254.º-1-b) do CProcPenal, desde logo porque com tal detenção não se visa a comparência do arguido a um acto processual que é a leitura da sentença, mas apenas a comunicação desse acto.
Depois, como se tem referido, a notificação da sentença pode ser feita através da autoridade policial.
Não estando prevista aquela diligência em nenhuma das normas legais restritivas dos direitos das pessoas em processo penal, a interpretação daquelas normas no sentido de abrangerem o caso em análise nestes autos redundaria numa interpretação extensiva, por isso inconstitucional, por isso ilegal
No mesmo sentido se pronunciou já a respeito o Tribunal da Relação do Porto nos seus Acórdãos de MAN/2004 (Processo n° 5968/03 - Processo n° 3/01.8GCSTS deste 2° Juízo Criminal), de 4/FEV/2004 - Processo n° 6050 Processo n° 423/01.8TBSTS), de 18/FEV/2004 (Processo n° 6524/03 - Processo n° 196/00. 1 GBSTS ), de 28/ABR/2004 (Processo n° 1133/04 - Processo n° 185/00.6TBSTS) e de 17/MAI/2004 (Processo n° 1501/04 - Processo n° 573/99.9GCSTS ), em que sempre correctamente fez notar que a referência feita no n° 6 do artigo 333° do Código de Processo Penal aos n°' 1 e 2 do artigo 116° do mesmo diploma "...só tem sentido se reportada à notificação da sentença",
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DECISÃO
Pelos fundamentos expostos:
I- Nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida

II- Sem custas

Porto, 21 de Dezembro de 2005
Jaime Paulo Tavares Valério
Joaquim Arménio Correia Gomes
Manuel Jorge França Moreira