CUSTAS NA EXECUÇÃO
RESPONSABILIDADE
EXECUTADO COM APOIO JUDICIÁRIO
REGRA DA PRECIPUICIDADE
Sumário

–Em sede de execução cabe ao executado suportar, na íntegra, o custo da actividade jurisdicional, pelo que sobre ele impende a responsabilidade pelo pagamento das custas, incluindo os honorários e despesas devidas ao agente de execução.

–Beneficiando o executado de apoio judiciário o custo da actividade jurisdicional não pode ser repercutido na sua esfera jurídica, constituindo uma responsabilidade do Estado, cabendo-lhe suportar os valores que foram satisfeitos pelo exequente, reembolsando-o nos mesmos e exactos termos do reembolso de taxas de justiça previstos no art. 26/6 RCP.

Texto Integral

Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa


A intentou acção executiva (execução de sentença) contra B e C, tendo sido requerida a penhora do quinhão hereditário de que o executado é titular na herança de Maria ........   .

Aos executados foi concedido apoio judiciário (decisão da Segurança Social) em 20/1/21 – na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, bem como a atribuição do Agente de Execução (AE) – fls. 4 e 5.

Os executados, antes da venda, procederam à liquidação da quantia em dívida, com vista à extinção da execução.

Em 23/9/21, a Sra. Agente de Execução (AE) emitiu nota de liquidação constando a cargo dos executados, no que às custas de parte concerne, o valor de € 1.299,82, ex vi art. 541 CPC - fls. 6.

Em 4/10/21, os executados reclamaram da nota de honorários e despesas apresentadas pela AE, sustentando que, beneficiando do apoio judiciário, não são responsáveis pelo pagamento das custas de parte, recaindo tal responsabilidade sobre o exequente que, se assim o entender, pode solicitar o respectivo reembolso ao IGFEJ, concluindo pela procedência da reclamação e, consequentemente, pela rectificação da nota de honorários – fls. 12 e sgs.

Na resposta, o exequente pugnou pelo não acolhimento da pretensão dos executados, já que a regra do pagamento dos honorários ao AE é a sua precipuidade (dos honorários) face à regra do art. 541 CPC.

Não obstante, caso não seja este o entendimento do tribunal, uma vez que não se chegou à fase da venda e os executados beneficiam do apoio judiciário, deverá a AE elaborar nova onde discrimine os honorários e provisões pagas pelo exequente e a pagar para que este solicite o reembolso junto do IGFEJ – fls. 17 e sgs.

A reclamação foi indeferida por despacho, de 25/10/21, com fundamento no facto dos executados terem solicitado o pagamento voluntário da quantia exequenda a fim de evitarem a venda (decidida pela AE), pelo que os honorários do AE devem ser pagos em consonância com o preceituado no art. 541 CPC - fls. 20 e sgs.

Inconformados os executados apelaram formulando as conclusões que se transcrevem:
A)–O recurso ora interposto pelos Recorrentes versa sobre o despacho, proferido em 25.10.2021, no âmbito da acção executiva em curso, que indeferiu que a responsabilidade pelo pagamento das custas, de onde se inserem os honorários do Agente de Execução, ficasse a cargo do IGFSS, determinando, a contrario, que competirá aos Executados esse pagamento.
B)–Tal despacho foi proferido na sequência dos Executados, na pendência dos autos executivos, terem demonstrado a intenção de proceder à liquidação da obrigação exequenda voluntariamente, e sem que se encontrasse ainda agendada a venda de qualquer bem penhorado, contrariamente ao que vem referido no despacho.
C)–Certo é que não entendem os Recorrentes haver qualquer razão, de facto ou legal, para que se considere que os mesmos sejam responsáveis pelo pagamento de tais valores, na medida em que a concessão do apoio judiciário aos Executados não pode ter qualquer interferência com o facto dos aqui Recorrentes terem procedido ao pagamento voluntário da sua obrigação.
D)–Aquando a sua decisão de indeferimento, e após a Reclamação apresentada pelos Recorrentes, entendem estes que o Tribunal a quo deveria ter considerado os fundamentos ali invocados, com fundamento e apoio jurisprudencial mais do que suficiente para se retirar uma solução justa e equitativa.
E)–De notar que, estranhamente, o Tribunal a quo, e sempre com o devido respeito que lhe é merecido, olvidou-se de fundamentar legalmente a razão de ser da sua decisão de indeferimento, não bastando, para o efeito, a menção ao disposto no art. 541 CPC, inaplicável in casu – ónus que se impunha.
F)–Pelo que, desde já se invoca a violação, pelo juiz a quo, dos princípios do acesso ao direito, previsto no art. 2, da Igualdade das partes, previsto no art. 4, dever de gestão processual, ínsito no art. 6/1, princípio do adequação formal, previsto no art. 547 CPC, bem como a violação do disposto nos arts. 154/1 e 2, 846/1 e 5, 847/1, 849/1, al. a) do CPC, arts. 19/1 e 26/6 RCP.
G)–Atenta a fundamentação dada pelos Executados e Recorrentes, não poderia tribunal o quo decidir como decidiu quanto à responsabilidade das custas processuais, de onde se incluem os honorários devidos ao Agente de Execução.
H)–Factos que fazem com que os Recorrentes pretendam a revogação do despacho, com a substituição de um Acórdão que julgue procedente a reclamação à nota discriminativa apresentada pela Sra. Agente de Execução, com consequente extinção dos autos executivos por pagamento da dívida exequenda,
I)–Impõe-se, assim, que o tribunal ad quem se pronuncie sobre o facto de saber se são os Executados responsáveis pelo pagamento das custas processuais, de onde se incluem os honorários devidos ao Agente de Execução, uma vez que beneficiam de apoio judiciário nessa concreta modalidade?
J)–Com efeito, o tribunal a quo considerou e decidiu que “revertendo ao caso dos autos, verificamos que os executados requereram a elaboração da nota discriminativa e justificativa para pagamento voluntário, como forma de evitarem a venda decidida pela Agente de Execução, a 20.07.2021. Assim, e porque a atribuição da modalidade de agente de execução nos processos executivos apenas releva quando se trata do exequente (sendo tais funções exercidas por um oficial de justiça – art. 35-A da Lei 24/2004, de 29 de Julho), e estando a venda agendada, os honorários da Agente de Execução devem ser pagos nos termos do artigo 541 CPC, não merecendo qualquer reparo a nota apresentada. Pelo exposto, indefere-se a requerida reclamação, condenando-se os executados no pagamento das custas do incidente, as quais se fixam em 1 UC”.
K)–Decisão que não foi suficientemente fundamentada, não obstante toda a base factual e legal carreada pelos Recorrentes na sua reclamação.
L)–Na verdade, o Instituto de Segurança Social dos Açores (ISSA) juntou aos presentes autos a decisão de deferimento do apoio judiciário, na modalidade de atribuição de Agente de Execução, no dia 20.01.2021.
M)– Sucede que, no passado mês de Setembro de 2021, os Recorrentes solicitaram junto da Sra. Agente de Execução o envio da nota discriminativa final com indicação dos valores que são da sua responsabilidade, com excepção, porém, dos honorários devidos ao Agente de Execução, cujo pagamento estão dispensados por força da decisão de deferimento do apoio judiciário.
N)–A Sra. Agente de Execução ignorou a informação dada pelos Recorrentes, e face à sua tomada de posição, os Recorrentes foram forçados a reclamar da nota discriminativa que havia sido remetida por aquela.
O)–Ali, invocaram os Recorrentes que, beneficiando de apoio judiciário na modalidade de Atribuição do Agente de Execução, tal significa que não podem ser responsáveis pelo pagamento das quantias identificadas pela Sra. Agente de Execução a título de custas de parte, i.é., no valor de € 1.299,82.
P)–Na verdade, tem-se verificado na Jurisprudência dos tribunais superiores, de forma unânime, que “numa execução em que é efectuado o pagamento voluntário da quantia exequenda pela executada a quem foi concedido o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e dos encargos do processo, bem como dos honorários com solicitador de execução, não devem ser liquidadas as quantias devidas com honorários e despesas ao agente de execução, a seu cargo, sendo o respectivo reembolso à exequente a cargo do IGFEJ.”
Q)–Entende-se, por isso, que deve tal responsabilidade recair sobre o Exequente/Recorrido que pode, mais tarde, e se assim o entender, pedir o respectivo reembolso junto do IGFEJ.
R)–Estas decisões esclarecem sem margem para dúvidas, semelhante ao que sucede nos presentes autos, que tais quantias (custas de parte) não são devidas pelos Executados mesmo que se esteja perante um pagamento voluntário da quantia exequenda.
S)–Assim, atendendo a que os Recorrentes já procederam, há muito, ao pagamento da dívida exequenda, voluntariamente, e dúvidas inexistem de que beneficiam do pedido de apoio judiciário concedido pelo ISSA, jamais se poderá aceitar que sejam responsáveis pelo pagamento de quaisquer custas decorrentes do processo, donde se incluem naturalmente os honorários e despesas da Sra. Agente de Execução.
T)–Todos a fundamentação apresentada pelos Recorrentes não foi relevada e/ou considerada pelo tribunal a quo, pois que, caso contrário, nunca o mesmo poderia ter decidido no sentido em que o fez.
U)–O que constitui uma evidente violação do estatuído nos arts. 19/1 e 26/6 RCP.
V)–Com efeito, o argumento de que se tratou de um pagamento voluntário por parte dos Recorrentes como forma de evitar a venda do direito penhorado, e bem assim, com fundamento no disposto no art. 541 CPC, não poderá merecer acolhimento legal na medida em que esta norma pressupõe a satisfação da obrigação exequenda através do produto da venda dos bens penhorados – o que não sucede in casu.
W)–Por outro lado, o pagamento voluntário ocorre porque, como resulta do art. 846/1 CPC “em qualquer estado do processo pode o executado ou qualquer outra pessoa fazer cessar a execução, pagando as custas em dívida”.
X)–Tal não obsta a que os Recorrentes percam os direitos concedidos pelo ISSA, maxime, o benefício de apoio judiciário na modalidade de atribuição do Agente de Execução, que não são, reitera-se, um encargo que lhes possa ser imputável.
Y)–Atentos os factos e prova demonstrada nos presentes autos, deveria o tribunal a quo ter imputado a responsabilidade das custas e despesas com o Sr. Agente de Execução ao ISSA ou IGFEJ e nunca aos Recorrentes, face ao facto de beneficiarem de apoio judiciário naquela concreta modalidade, como se disse.
Z)–Assim, e em jeito de conclusão, deverá o despacho ser modificado e substituído por decisão diversa que vá ao encontro da defesa e legítimos interesses dos Executados/Recorrentes, assegurando o princípio do acesso ao direito, igualdade de armas e processo equitativo.
AA)–Assim, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, consequentemente, o despacho revogado, ordenando-se a rectificação da nota discriminativa remetida pela Sra. Agente de Execução, exonerando os Recorrentes do pagamento dos honorários que lhe são devidos no âmbito dos presentes autos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Os factos com interesse para a decisão constam do relatório.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

Atentas as conclusões da apelante que delimitam, como é regra, o objecto de recurso – arts. 639 e 640 CPC – a questão a decidir é a de saber se tendo os executados, beneficiários de apoio judiciário (dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e atribuição de AE), pago voluntariamente a quantia exequenda, antes da venda, são ou não responsáveis pelo pagamento de honorários ao Agente de Execução.

Vejamos então.

A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos – art. 20 CRP.

Daqui decorre que o acesso dos cidadãos aos tribunais não pressupõe a gratuidade em litigar, mas sim a inexistência de denegação de justiça por insuficiência de meios económicos - impondo a tutela dos direitos das pessoas economicamente carenciadas, conferindo-lhes formas de apoio e assegurando-lhes a tutela dos seus direitos e interesses – cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Edt., 2005, 180.

O apoio judiciário compreende, entre outras, as modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação, pagamento da remuneração do solicitador de execução designado - art. 16 a) e c) da Lei 34/2004 de 29/7, alterada pela lei 47/2007 de 28/8 (Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais).

Os processos judiciais estão sujeitos a custas.

As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte – arts 529 CPC e 1 Regulamento Custas Processuais (DL 34/2008 de 26/2, na redacção actualizada – alterações sucessivas, constando as últimas das Leis 27/19 de 28/3 e 2/2020 de 31/3).

As custas de parte compreendem as taxas de justiça pagas, os encargos suportados pelas partes, as remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efectuadas e os honorários do mandatário e as despesas por ele efectuadas – cfr. art. 533 CPC.

As custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas, salvo nos casos previstos nos arts. 536 e 542/2 CPC e são pagas directamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, salvo o disposto no art. 540 CPC – art. 26 RCP.   

A parte vencida é condenada nos termos do CPC ao pagamento, entre outros, dos valores a título de custas de parte – valores pagos pela parte vencedora a título de encargos incluindo as despesas do agente de execução – cfr. nº 2 b) do cit. art.

Na acção executiva os honorários devidos ao AE e as despesas por ele efectuadas são suportadas (adiantadas) pelo exequente sob pena da execução não prosseguir, sendo que estes gastos irão integrar as custas de parte que o exequente tem direito a haver (reembolso) do executado – cfr. arts. 533 e 721 CPC, 4 e 5 e 13/2 do DL 4/2013 de 11/1/2013 e 45 e 51 da Portaria 282/13 de 29/8, 25/2 c) 2ª parte e d) RCP.

Daqui decorre, que em sede de execução (realização coactiva da prestação devida através da execução do património do executado) cabe ao executado suportar, na íntegra, o custo da actividade jurisdicional, pelo que sobre ele impende a responsabilidade pelo pagamento das custas, incluindo os honorários e despesas devidas ao agente de execução, não só porque saem precípuas do produto dos bens penhorados, como também cabe ao executado reembolsar o exequente das despesas por este efectuadas – cfr. arts. 541 e 721/1  CPC.

Beneficiando o executado de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (honorários e despesas do AE), o custo da actividade jurisdicional não pode ser repercutido na sua esfera jurídica, constituindo uma responsabilidade do Estado, sendo certo, tal como supra referido, que compete ao Estado assegurar o acesso ao direito e aos tribunais a quem careça de meios económicos para suportar esses custos.

Assim, beneficiando o executado de apoio judiciário, cabe ao Estado suportar os valores que foram satisfeitos pelo exequente, reembolsando-o nos mesmos e exactos termos do reembolso de taxas de justiça previstos no art. 26/6 RCP – cfr., entre outros, Ac. RL de 18/2/16, relatora Teresa Pardal, de 7/2/19, relatora Isoleta Costa, de 17/11/20, relatora Maria João Areias e de 1/7/21, relator António Moreira, in www.dgsi.pt.

Acresce, que no caso do responsável pelas custas beneficiar de apoio judiciário é dispensada a realização da conta de custas –       cfr. art. 29 d) RCP.

In casu, foi concedido aos executados apoio judiciário.

Pretendendo por fim à execução, pagaram a quantia exequenda (dívida), direito que lhes assiste – art. 846/1 CPC.

Não houve lugar à venda do bem penhorado.

O agente de execução emitiu nota de liquidação, tendo fixado, a título de custas de parte, o valor de € 1.299,82.

Assim, tendo em atenção o extractado supra, tendo o exequente que suportar esses encargos (custas de parte – honorários e despesas), tem direito a haver o seu reembolso, reembolso este que deverá ser solicitado ao Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, ex vi art. 26/6 RCP (cfr. art. 19/1 RCP).

Destarte, há lugar à rectificação da nota de liquidação elaborada/apresentada pelo AE, devendo considerar que o valor imputado aos executados, a título de custas de parte (€ 1.299,82), lhe foi pago pelo exequente, cujo reembolso compete ao IGFEG.

Concluindo:

– Em sede de execução cabe ao executado suportar, na íntegra, o custo da actividade jurisdicional, pelo que sobre ele impende a responsabilidade pelo pagamento das custas, incluindo os honorários e despesas devidas ao agente de execução.
–Beneficiando o executado de apoio judiciário o custo da actividade jurisdicional não pode ser repercutido na sua esfera jurídica, constituindo uma responsabilidade do Estado, cabendo-lhe suportar os valores que foram satisfeitos pelo exequente, reembolsando-o nos mesmos e exactos termos do reembolso de taxas de justiça previstos no art. 26/6 RCP.

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, consequentemente revogando-se o despacho, determina-se a rectificação da nota de liquidação elaborada pelo AE, devendo aí ser considerado que o valor imputado aos executados, a título de custas de parte (€ 1.299,82), lhe foi pago pelo exequente.
Sem custas.


Lisboa, 17/3/2022



Carla Mendes
Rui da Ponte Gomes
Luís Correia de Mendonça