ERRO SOBRE OS MOTIVOS
Sumário

I. A vontade das partes na celebração de um contrato pode estar viciada por erro sobre os motivos (artigo 252.º, do C.C.), o qual ocorre quando se forma uma ideia errada sobre a existência, permanência ou verificação de certa circunstância presente sem a qual a declaração não teria sido emitida ou não teria sido nos termos em que o foi.
II. Se não resulta do acordo de cessação do contrato de trabalho celebrado entre as partes uma cláusula no sentido de a validade do negócio ficar dependente do recebimento por parte do trabalhador do subsídio de desemprego, o não recebimento desse subsídio não pode justificar a anulação prevista no n.º 1 do artigo 252º do CC.

Texto Integral







Acordam[1] na Secção Social (6ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente em Cidade 2...

intentou a presente ação declarativa de processo comum contra

V..., S.A., com sede em ..., ...

alegando, em síntese, que foi admitido em 12/12/2019 para trabalhar na sociedade C..., SA, como trabalhador de limpeza; a partir de 01/05/2020 a ora Ré passou a assegurar a prestação de serviços no local onde prestava o seu trabalho, pelo que, o seu contrato de trabalho transmitiu-se para a Ré, por força da cláusula 14.ª do CCT aplicável, passando a desempenhar, desde aquela data, as suas funções por conta, sob a autoridade e direção da Ré; a Ré deu-lhe uma ordem de transferência temporária para o ... da Cidade 1..., à qual se opôs, e que nunca veio a concretizar-se; a Ré iniciou uma constante pressão psicológica sobre o A. e numa reunião, em 16/06/2020, disse ao A. que “ou aceitava as contas por mútuo acordo ou ia para a rua sem nada”, tendo o A. reiterado a sua não concordância com a transferência para a Cidade 1...; no dia 29/06/2020 a Ré apresentou-lhe um documento intitulado “cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo celebrado ao abrigo do disposto no DL 220/2006, de 03/11” e disse ao A. que o seu posto de trabalho em Cidade 2... havia sido extinto e que, mediante a assinatura daquele documento, o A. teria direito a receber o subsídio de desemprego, perante o que, o A. assinou o documento; requereu o subsídio de desemprego junto da segurança social e que veio a ser indeferido; aceitou como verdadeiros os factos argumentos invocados pela Ré e por isso anuiu à proposta de rescisão amigável co contrato, contudo, foi induzido em erro pela Ré acerca do motivo e circunstâncias que o motivaram a assinar o documento de cessação do contrato, nem o poso de trabalho do A. foi extinto nem o A. teve acesso ao subsídio de desemprego, erros determinantes para a tomada da sua decisão, pelo que, tal documento deve ser anulado:

Termina, dizendo que:

“Nestes termos e nos mais de direito, deve a presente acção ser julgada procedente e provada e, em consequência, declarar-se:

a) que o contrato de trabalho do Autor transmitiu-se para a Ré, com efeitos reportados a 12 de Dezembro de 2019, condenando-se a Ré a reconhecê-lo;

b) anulado o documento intitulado cessação do contrato de trabalho por mutuo acordo celebrado ao abrigo do disposto do Decreto-Lei 220/2006, de 3 de Novembro”, assinado entre Autor e Ré, datado de 30 de Junho de 2020, em consequência do erro vicio, sobre o objecto do negócioesobreosmotivos, bem comodaactuaçãodolosa da Ré.

E, em consequência, condenar-se também a Ré:

c) ao pagamento das retribuições que o Autor deixou de auferir, incluindo subsídio de férias e de Natal, desde a data da assinatura do documento, a 30 de Junho de 2020, até ao trânsito em julgado da decisão, computando-se as vencidas nesta data (02.11.2020) em €1.595,00 (mil quinhentos e noventa e cinco euros);

d) a reintegrar o Autor, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, no seu posto de trabalho, sem prejuízo de o mesmo poder vir a optar, em substituição, pela indemnização legal, cujo montante se calculará, em momento processualmente oportuno, por força dos n.ºs 1 e 3 do art. 391º do Código do Trabalho;

e) no pagamento dos juros de mora, à taxa legal de 4%, sobre tais quantias, desde o vencimento de cada uma e até efectivo e integral pagamento, computando-se os vencidos nesta data (02.11.2020) em €5,66;

f) no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais no montante de €5.000,00 (cinco mil euros);

g) no pagamento de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.”

                                                              *

Teve lugar a audiência de partes e na qual não foi obtido acordo.                                                                                       *

A Ré, devidamente notificada para contestar, veio fazê-lo alegando que:

O contrato de trabalho vigente entre o A. e a Ré cessou mediante celebração de acordo realizado ao abrigo do DL n.º 220/2006, de 03/11; a segurança social recusou a atribuição do subsídio de desemprego ao A. por este não ter período de referência que lhe possibilitasse ter acesso ao mesmo e não por qualquer razão que possa ser imputada à Ré ou que conste do acordo celebrado e, ainda, que o A. assinou o acordo de livre vontade e consciente do que o mesmo significava.

Termina, dizendo “que deve ser considerada a presente acção totalmente improcedente, devendo, consequentemente, ser a Ré absolvida de todos os pedidos formulados pelo Autor, com todas as consequências legais.                                                                                               *

Foi depois proferido o despacho saneador de fls. 52 e segs.

                                                             *

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento conforme consta das respetivas atas.

                                                              *

De seguida foi proferida a sentença de fls. 87 e segs. com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, sem necessidade de mais considerandos, pelas razões e com os fundamentos acima aduzidos e ao abrigo dos normativos supracitados e aqui dados por integralmente reproduzidos, julgo improcedente a presente ação.”

                                                             *

O Autor, notificado desta sentença, veio interpor o presente recurso da mesma    e formulando as seguintes conclusões:

(…)

                                                             *

II – Questões a decidir:

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do CPC), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Assim, cumpre conhecer as questões suscitadas pelo recorrente quais sejam:

1ª – Se o acordo de cessação do contrato de trabalho celebrado entre o A. e a Ré deve ser anulado por erro vício ou por atuação dolosa da Ré.

2ª – Se o A. deve ser reintegrado no seu posto de trabalho e a Ré condenada a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data da assinatura do acordo até ao trânsito em julgado da decisão.

                                                             *

III – Fundamentação

a) - Factos provados

1 - A Ré é uma sociedade anónima que se dedica à comercialização de produtos químicos e higiene profissional; prestação de serviços de preservação do ambiente, nomeadamente serviços de limpeza; limpeza com jato de areia e máquinas de alta pressão, serviços de jardinagem; controle de ambiente; projeto e instalação de sistemas de rega; execução de empreitadas e fornecimento de obras públicas, obras de urbanização, parques e ajardinamentos; gestão de resíduos sólidos urbanos e industriais, serviços de limpeza pública e urbana e limpeza de praias e ainda ao comércio por grosso de eletrodomésticos, material industrial de limpeza, material e viaturas de bombeiros, viaturas de limpeza de ruas, material elétrico, ceras, detergentes e outros produtos químicos ligados ao serviço de limpeza, bem como a gestão de oficinas para apoio das vendas de bens e serviços acima referidos; (acordo das Partes e certidão permanente); (resposta ao artigo 1º da P.i.);

2 - O Autor foi admitido a 12 de dezembro de 2019 para trabalhar por conta e sob a autoridade, direção e fiscalização, mediante retribuição, por contrato de trabalho sem termo e a tempo parcial, na sociedade C..., S.A., passando desde então o Autor a exercer as funções inerentes à categoria profissional de trabalhador de limpeza prestando serviço nas instalações da A..., S.A., sitas na Rua ..., na ..., em Cidade 2...; (acordo das Partes e doc. nº1 junto com a p.i.); (resposta aos artigos 2º a 4º da P.i.);

3 - A partir do dia 01 de maio de 2020, por transmissão da C..., S.A., a ora Ré passou a assegurar totalmente a prestação de serviços naquele local de trabalho e o Autor passou a desempenhar as respetivas funções por conta, sob autoridade, direção e fiscalização da Ré, mantendo as funções, o local de trabalho e o horário estipulados no contrato de trabalho com a C..., S.A.. (prova testemunhal – BB – e doc. nº 2 junto com a p.i.); (resposta aos artigos, 6º, 7º, 9º a 13º, da p.i.);

4 - A Ré, enviou ao Autor, a carta registada com aviso de receção, datada 06 de maio de 2020, junta como doc. nº4 com a p.i., e junta aos autos a folhas 14, com o assunto: Transferência de Local de Trabalho, com efeitos a 20 de maio; (acordo das Partes e doc. nº4 junto com a p.i.) (Resposta ao artigo 15º da p.i.);

5 - Por carta registada com aviso de receção, datada de 14 de maio de 2020, o Autor respondeu à carta aludida em 4); (acordo das Partes e docs. nºs 5, 6 e 7, juntos com a p.i.- folhas 14 vº a 16) (Resposta aos artigos 16º e 17º da p.i.);

6 - A Ré não respondeu, de forma escrita, ao Autor, porque, entretanto, este, contactou o responsável operacional da Ré em Cidade 2... - Sr. CC -, dando-lhe conta da sua pretensão de cessar o contrato de trabalho com acesso ao subsídio de desemprego; (prova testemunhal - Sr. BB);(resposta ao artigo 18º da p.i.);

7 - A partir de 15 de maio de 2020 e até 24 de julho de 2020, o Autor esteve de baixa médica; (doc. nº 8 junto com a p.i. – vd. folhas 16 verso); (resposta ao artigo 19º da p.i.);

8 - Na sequência de contactos telefónicos entre o Autor e o Sr. CC, efetuados em data que não se apurou, em concreto, veio o Autor a ser convocado pelo Sr. CC, para uma reunião nas instalações na delegação da Ré em Cidade 2..., que ocorreu em data que também não se apurou, em concreto; (prova testemunhal – Sr. BB e CC) (resposta aos artigos 23º a 26º da p.i.);

9 - O posto de trabalho, ocupado pelo Autor, nas instalações da A..., S.A., em Cidade 2..., foi extinto; (Prova testemunhal - Sr. BB e CC); (resposta ao artigo 28º da p.i.);

10 - Na sequência das “negociações” encetadas entre o Autor e a Ré, em 30 de junho de 2020 o Autor deslocou-se ao escritório da Ré em Cidade 2..., onde o Sr. CC, lhe apresentou o documento para Cessação do Contrato de Trabalho – doc. nº 9 junto com a p.i.- vd. folhas 9 – que o Autor leu e assinou; (doc. nº 9 junto com a p.i.,);(resposta aos artigos 27º e 30º da p.i.);

11 - No mesmo dia, a que se alude em 10), o Sr. CC, entregou ainda ao Autor, em dinheiro, a quantia líquida de €447,58 (quatrocentos e quarenta e sete euros e cinquenta e oito cêntimos), que engloba os valores melhor descritos no recibo de vencimento junto como doc. nº 10, com a p.i. – vd. folhas 18 - devidos a título de subsídio de Natal, Compensação pela Cessação do CT, proporcionais de subsídio de férias e de férias não gozadas; (resposta ao artigo 31º da p.i.);

12 - E no dia seguinte, via email, a Ré enviou ao Autor, o modelo RP 5044/2018 DGSS, referente à declaração da situação de desemprego – doc. nº 11 junto com a p.i. – vd. folhas 18 vº; (resposta ao artigo 32º da p.i.);

13 - A 08 de julho de 2020, o Autor requereu nos Serviços de Segurança Social e Centro de Emprego, as prestações de desemprego – doc. nº 12 junto com a p.i. – vd. folhas 19; (resposta ao artigo 33º da p.i.);

14 - Em 25 de agosto de 2020, o Autor foi notificado da decisão final dos Serviços de Segurança Social, de indeferimento com os seguintes fundamentos:

(…)

- Não ter prazo de garantia de 360 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 24 meses imediatamente anterior à data de desemprego, para atribuição de Subsídio de Desemprego (n.º 1 do art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro alterado pelo Decreto-Lei n.º 64/2012).

- Não ter, igualmente, prazo de garantia de 180 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 12 meses imediatamente anterior à data do desemprego, para a atribuição de Subsídio Social de Desemprego (n.º 2 do art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro (….);- doc. 13 junto com a p.i. vd. folhas 19 verso);(Resposta ao artigo 34º da p.i.);

15 - Em 03 de agosto de 2020, a Cáritas ... – declarou que o Autor tinha autorização para utilizar, temporariamente, a morada do seu Centro Comunitário de Inserção – doc. nº 14 junto com a p.i. – vd. folhas 21; (resposta ao artigo 60º da p.i.);

16 - Ao Autor foi deferido o rendimento social de inserção, com início em julho de 2020, no montante mensal de €94,26 - doc. nº 15, junto com a p.i.,- vd. folhas 21 verso; (resposta ao artigo 61º da p.i.);

17 - O Autor é seguido em Consulta de Nefrologia do HRSI desde janeiro de 2006 – doc. nº 16 junto com a p.i., datado de 15/11/2007 - vd. folhas 22 – (resposta ao artigo 66º da p.i.);

18 - Em 11/07/2020, 03 e 06/08/2020 e 02 e 07/09/2020, o Autor deslocou-se aos serviços de urgência do ... – doc. 17 a 21, juntos com a p.i. – vd. folhas 22 veros a 34;); (resposta ao artigo 67º, da p.i.);

19 - O Autor não revogou o acordo celebrado, no prazo legalmente estatuído; (acordo das Partes); (resposta ao artigo 18º da contestação);

20 - O Autor assinou o acordo de livre vontade; (Prova testemunhal – Sr. CC); (resposta ao artigo 19º da contestação);

21 - A Convenção Coletiva de Trabalho, atualmente em vigor e que rege a relação laboral em causa, é a celebrada entre a Associação Portuguesa de Facility Services - APFS e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas - STAD e outra, publicada no BTE n.º 2, de 15 de janeiro de 2020; (resposta ao artigo 31º da contestação).

                                                                       *

                                                             *

b) - Discussão                                                              

1ª questão

Se o acordo de cessação do contrato de trabalho celebrado entre o A. e a Ré deve ser anulado por erro vício ou por atuação dolosa da Ré.

Alega o recorrente que a Ré aceitou as condições do A. e sabia que para este era essencial ter acesso ao subsidio de desemprego, consequentemente, há lugar à aplicação do regime estatuído no artigo 252.º do CC, devendo ser “anulado o documento intitulado cessação do contrato de trabalho por mutuo acordo celebrado ao abrigo do disposto do Decreto-Lei 220/2006, de 3 de novembro, assinado entre o Autor e Ré, datado de 30 de Junho de 2020, em consequência do erro vicio, sobre o objecto do negócio e sobre os motivos, bem coo da atuação dolosa da Ré”.

A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:

“Pretende o Autor que se anule o Acordo de cessação do Contrato de Trabalho, que juntou aos autos – vd. doc. nº9, junto com a p.i. e junto aos autos a folhas 17 - porquanto diz, que o assinou em erro/vício, sobre o objeto do negócio e sobre os motivos e/ou, por atuação dolosa da Ré.

(…)

Vejamos então:

Dispõe o artigo 349º do Código do Trabalho, que “o empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo”.

Contudo, devido à situação de vulnerabilidade do trabalhador, face ao poderio do seu empregador, a lei impõe alguns condicionalismos na outorga deste acordo de distrate do contrato de trabalho, e que estão previstos no normativo a que acima se alude, como o sejam - constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar, mencionar expressamente a data de celebração do acordo e o início de produção dos respetivos efeitos, podendo ainda as partes acordar na produção de outros efeitos, e nomeadamente podem estabelecer uma compensação pecuniária para o trabalhador, presumindo-se até que naquela foram incluídos e liquidados todos os créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude da cessação -, nºs 2 a 5 do citado normativo legal.

Por outro lado, tratando-se, com se trata, de um negócio jurídico, pode ocorrer um vício na formação da vontade dos contraentes devido a anomalias na sua formação e que podem levar à sua invalidade, sendo um deles, o erro-vício ou erro-motivo, que se traduz numa representação inexata ou na ignorância duma circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efetuar o negócio, de tal forma que se o declarante fosse esclarecido dessa circunstância não o teria realizado ou tê-lo-ia efetuado em moldes diferentes.

Confirmada que venha a ser, a verificação de um erro-vício da vontade, tal leva à anulação do negócio, conforme resulta do artigo 251º do Código Civil, pois o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objeto do negócio, torna este anulável nos termos do disposto no artigo 247, do mesmo diploma legal, ou seja, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro.

Porém, o erro sobre os motivos determinantes da vontade, mas que se não refira à pessoa do declaratário nem ao objeto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido por acordo, a essencialidade do motivo, conforme estatui o artigo 252º nº 1 ainda do mesmo diploma legal

No caso em apreço, de acordo com a prova produzida, a pretensão de fazer cessar o contrato de trabalho, por acordo, com acesso ao subsídio de desemprego, terá sido transmitida à entidade Patronal, pelo trabalhador – vd. artigo 6º dos factos provados.

Com vista a tal desiderato a Ré, entidade Patronal, lançou mão do disposto no Decreto-Lei nº 220/2006, de 03 de novembro, que como é sabido, veio estabelecer o regime jurídico de proteção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem e define as condições em que, mesmo nos casos de cessação do contrato por acordo entre a entidade empregadora e o trabalhador, se mantém o acesso ao subsídio de desemprego.

No que a esta matéria concerne, consta dos factos provados que, o Autor foi admitido a 12 de dezembro de 2019 para trabalhar por conta e sob a autoridade, direção e fiscalização, mediante retribuição, por contrato de trabalho sem termo e a tempo parcial, na sociedade C..., S.A., passando desde então o Autor exerceu as funções inerentes à categoria profissional de trabalhador de limpeza prestando serviço nas instalações da A..., S.A., sitas na Rua ..., na ..., em Cidade 2..., sendo que a partir do dia 01 de maio de 2020, por transmissão da C..., S.A., a ora Ré, V..., S.A., passou a assegurar totalmente a prestação de serviços naquele local de trabalho e o Autor passou a desempenhar as respetivas funções por conta, sob autoridade, direção e fiscalização da Ré, mantendo as funções, o local de trabalho e o horário estipulados no contrato de trabalho com a C..., S.A. – vd. artigos 2º e 3º dos factos provados.

Mais consta que, a Ré, enviou ao Autor, carta registada com aviso de receção, datada 06 de maio de 2020, com o assunto: Transferência de Local de Trabalho, com efeitos a 20 de maio, sendo que o Autor também por carta registada com aviso de receção, datada de 14 de maio de 2020 lhe respondeu, não tendo a Ré respondido ao Autor, de forma escrita, porque, entretanto, este, contactou o responsável operacional da Ré em Cidade 2... - Sr. CC -, dando-lhe conta da sua pretensão de cessar o contrato de trabalho, amigavelmente, com acesso ao subsidio de desemprego – vd. artigos 4º a 6º dos factos provados.

Consta ainda que, a partir de 15 de maio de 2020 e até 24 de julho de 2020, o Autor esteve de baixa médica e que, na sequência de contactos telefónicos entre o Autor e o Sr. CC, efetuados em datas que não se apuraram, em concreto, veio o Autor a ser convocado, pelo Sr. CC, para uma reunião nas instalações na delegação da Ré em Cidade 2..., que ocorreu em data que também não se apurou, em concreto, e, na sequência das “negociações” encetadas entre o Autor e a Ré, em 30 de junho de 2020 o Autor deslocou-se ao escritório da Ré em Cidade 2..., aonde o Sr. CC, lhe apresentou o documento para Cessação do Contrato de Trabalho, que leu e assinou, tendo-lhe , o Sr. CC, entregue, messe mesmo dia, em dinheiro, a quantia líquida de €447,58 que engloba os valores melhor descritos no recibo de vencimento, devidos a título de subsidio de Natal, Compensação pela Cessação do CT, proporcionais de subsidio de férias e de férias não gozadas, e no dia seguinte, via email, a Ré enviou ao Autor, o modelo RP 5044/2018 DGSS, referente à declaração da situação de desemprego e que a 08 de Julho de 2020, o Autor requereu nos Serviços de Segurança Social e Centro de Emprego, as prestações de desemprego, sendo que em 25 de agosto de 2020, o Autor foi notificado da decisão final dos Serviços de Segurança Social, de indeferimento com os seguintes fundamentos:

“(…)

- Não ter prazo de garantia de 360 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 24 meses imediatamente anterior à data de desemprego, para atribuição de Subsídio de Desemprego (n.º 1 do art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro alterado pelo Decreto-Lei n.º 64/2012).

- Não ter, igualmente, prazo de garantia de 180 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 12 meses imediatamente anterior à data do desemprego, para a atribuição de Subsídio Social de Desemprego (n.º 2 do art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro (….);- vd. artigos 7º a 8º e 10º a 14º do factos provados.”

Consta ainda que, o posto de trabalho, ocupado pelo Autor, nas instalações da A..., S.A., em Cidade 2..., foi extinto – vd. artigo 9º dos factos provados.

É certo que resulta dos factos provados que o Autor pretendia cessar o seu contrato de trabalho, amigavelmente e por forma a ser-lhe dado acesso ao subsidio de desemprego, mas menos certo não é, cremos com o devido respeito por opinião contrária, que a Ré, fez o que era da sua competência fazer, com vista a que o Autor pudesse aceder ao subsídio de desemprego, pois que o Acordo de Cessação que lhe apresentou, assim o permitia, e tal só não veio a acontecer, mercê da carreira contributiva do Autor o não permitir, o que é absolutamente alheio à Ré e não lhe compete averiguar, nem lhe pode ser imputado.

Não se olvida que, como supra já se referiu, a ocorrência de vícios na formação da vontade dos contraentes devido a anomalias na sua formação, podem levar à invalidade do negócio jurídico (o acordo), sendo um deles, o erro-vício ou erro-motivo, que se traduz numa representação inexata ou na ignorância duma circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efetuar o negócio, de tal forma que se o declarante fosse esclarecido dessa circunstância não o teria realizado ou tê-lo-ia efetuado em moldes diferentes.

Contudo, e como também supra se referiu, o erro sobre os motivos determinantes da vontade, mas que se não refira à pessoa do declaratário nem ao objeto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido por acordo, a essencialidade do motivo, conforme estatui o artigo 252º nº 1 co C.C., o que não é o caso dos autos.

- vd. a respeito entre muitos outros, Acórdão do STJ no âmbito do processo nº 726/07.8TTMTS.P2.S1, in www.dgsi. de cujo sumário pode ler-se:

(…)

III -No âmbito da relevância do erro-vício ressalta a sua essencialidade: só é relevante o erro essencial e só é essencial o erro se, sem ele, se não celebraria qualquer negócio ou só se celebraria um outro, com diverso objeto, de outro tipo ou com outra pessoa

IV -Não resultando provado que o motivo determinante da vontade rescisória do trabalhador fosse a extinção do seu posto de trabalho, nem se demonstrando que as partes tivessem reconhecido, no acordo, que a verificação de tal motivo era essencial à pactuada desvinculação, não pode operar a pretendida anulação do acordo revogatório.”

Assim com a fundamentação acima aduzida, forçoso se tona concluir, nesta parte, não assistir razão ao Autor, improcedendo tal pedido.

Mas, será tal acordo anulável por alegada atuação dolosa da Ré:

Peticiona ainda o Autor a anulação do “Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho”, mercê da atuação dolosa da Ré, porquanto diz, que esta, “aproveitando-se da sua honestidade e fragilidade, que à data da assinatura do acordo se encontrava de baixa médica, e mediante argumentos que sabia não serem verdadeiros, o instou a assinar o referido acordo de cessação do seu contrato de trabalho – vd. artigo 51º da p..i.

Resulta do artigo 253º do Código Civil que existirá dolo quando se verifique o emprego de qualquer sugestão ou artifício com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante.

Porém e como resulta dos autos, não logrou o Autor provar factos que permitam, semelhante conclusão, pelo que, improcede também nesta parte, o pedido formulado pelo Autor, ficando assim prejudicadas as demais questões a apreciar – créditos laborais devidos após a cessação do contrato, reintegração do autor sem prejuízo da sua antiguidade e categoria, indemnização por danos não patrimoniais e juros de mora – porquanto apenas devidos em caso de procedência da peticionada anulação do Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho, o que se não verificou.” fim de citação.

Como já ficou dito o recorrente não se conforma com esta decisão, no entanto, desde já avançamos que não lhe assiste qualquer razão.

Resulta do n.º 1 do artigo 252.º do CC., sob a epígrafe Erro sobre os motivos, que:

<<1. O erro que recaia nos motivos determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo.>>

Na verdade, a vontade das partes na celebração de um contrato pode estar viciada, nomeadamente, por erro sobre os motivos (artigo 252.º, do C.C.), ou seja, <<quando se forma uma ideia inexacta sobre a existência, permanência ou verificação de certa circunstância presente ou actual, de forma que sem ela a declaração não teria sido emitida ou não teria sido nos termos em que o foi.>>[2]

<<O erro-vício a que se refere o n.º 1 do artigo 252.º constitui o que correntemente se designa como <<erro sobre os motivos>>. Cabem nesta modalidade de erro situações múltiplas, mas entre todas pode-se encontrar como factor comum o respeitarem a fins ou móveis de natureza subjectiva do declarante (L. A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral, 1983, 2.º-288)>>[3].

Nas palavras de Mota Pinto[4], <<o erro-vício traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio. Se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância – se tivesse exacto conhecimento da realidade – o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou.

Trata-se, pois, de um erro nos motivos determinantes da vontade – daí que os juristas alemães falem de erro-motivo (Motivirrtum) a propósito do erro como vício da vontade. (…)

Nos casos deste tipo o n.º 1 do artigo 252.º, (…) permite a anulação, desde que haja uma cláusula (expressa ou tácita) no sentido de a validade do negócio ficar dependente da existência da circunstância sobre que versou o erro (<<se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo>>). Seria irrazoável permitir a anulação, uma vez provado, simplesmente, o conhecimento pela contraparte da essencialidade do motivo que levou o errante ao negócio, pois a contraparte normalmente não daria o seu acordo ao contrato, se este ficasse na dependência da circunstância cuja suposição levou o enganado a contratar.  Também se compreende que não baste o conhecimento ou a cognoscibilidade do erro, pois, dado o acréscimo enorme de litígios e demandas a que esse regime daria lugar, a estabilidade dos negócios seria atingida e isso repercutir-se-ia na celeridade e segurança da contratação.

Justifica-se, pois, que se tenha exigido uma efectiva estipulação (expressa ou tácita), tornando a validade do negócio dependente da verificação da circunstância sobre que incidiu o erro o que deve acontecer raramente.

A função do n.º 1 do artigo 252.º é, sobretudo, a de realizar uma exclusão: exclui-se a relevância do erro sobre os motivos, para além do condicionalismo lá prescrito. Quanto ao aspecto positivo da sua relevância, uma vez verificado o acordo lá referido, tal solução já resultaria claramente do princípio da autonomia da vontade (art. 405.º.>>

E, como se refere no acórdão da Relação do Porto de 10/02/2002[5] <<II – A essencialidade (causalidade) é requisito geral da relevância do erro: o erro é essencial se, sem ele, se não celebraria qualquer negócio, ou se celebraria um negócio com outro objecto, de outro tipo ou com outra pessoa. III – No entanto, a bitola da essencialidade é subjectiva: a essencialidade do erro deve ser encarada sob a perspectiva subjectiva do errante e não de qualquer outra pessoa. (…)>>.

Pois bem, resulta da matéria de facto provada que: o posto de trabalho ocupado pelo A. nas instalações da A..., S.A., em Cidade 2..., foi extinto;  que o A. contactou o responsável operacional da Ré, dando-lhe conta da sua pretensão de cessar o contrato de trabalho com acesso ao subsídio de desemprego, tendo sido celebrado entre as partes o acordo de cessação do contrato de trabalho junto aos autos a fls. 17 e do qual consta que a cessação do contrato tem origem na extinção do posto de trabalho do A. e que “é celebrada ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 4, a), do DL 220/2006, de 3 de Novembro, tendo a Primeira Outorgante 1300 trabalhadores, sendo que a presente cessação de contrato de trabalho apenas atinge 1 trabalhador, respeitando-se, assim, os limites de quotas estabelecidas no n.º 4, do artigo 10.º, do Decreto-Lei, n.º 220/2006, de 3 de Novembro, tendo estas informações, para efeitos de atribuição de prestações de desemprego, sido facultadas ao trabalhador”, nada mais se consignando a propósito do recebimento do subsídio de desemprego.

Acresce que, a Ré enviou ao A. o modelo RP5044/2018DGSS referente à declaração da situação de desemprego e o A. requereu junto da segurança social as prestações de desemprego mas foi notificado do seu indeferimento  por não ter prazo de garantia de 360 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 24 meses imediatamente anterior à data de desemprego, para atribuição de Subsídio de Desemprego (n.º 1 do at.º 22.º do Decreto-lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro alterado pelo Decreto-lei n.º 64/2012).

Desta forma, impõe-se concluir, desde logo, que o indeferimento do subsídio de desemprego não ocorreu por motivo imputável à Ré mas antes pelo facto de o A. não ter prazo de garantia de 360 dias de trabalho por conta de outrem.

  E, se por um lado, não resulta da matéria de facto provada que a Ré, aquando da celebração do acordo de cessação do contrato de trabalho, sabia que o A. só assinava o mesmo porque iria receber o subsídio de desemprego, por outro, não resulta do mesmo acordo qualquer cláusula (expressa ou tácita) no sentido de a validade do negócio ficar dependente da existência da circunstância sobre que versou o erro (se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo), ou seja, do recebimento por parte do A. do subsídio de desemprego, pelo que, não pode operar a anulação pretendida pelo ora recorrente.

Na verdade, como já ficou dito, ao contrário do alegado pelo recorrente, não basta o simples conhecimento da essencialidade do motivo, exigindo-se uma estipulação (expressa ou tácita) que torne a validade do negócio dependente da verificação da circunstância sobre que incidiu o erro (artigo 252.º, n.º 1 do CC), o que não ocorreu no caso em apreciação.

Assim sendo, acompanhamos a sentença recorrida, improcedendo as conclusões do recorrente.

2ª questão

Se o A. deve ser reintegrado no seu posto de trabalho e a Ré condenada a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data da assinatura do acordo até ao trânsito em julgado da decisão.

A procedência destes pedidos formulados pelo A. dependia, naturalmente, da pretendida anulação do acordo de cessação do contrato de trabalho e que, não tendo operado, acarreta o consequente naufrágio daqueles.

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Na improcedência das conclusões do recorrente, impõe-se a manutenção da sentença recorrida em conformidade.

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(…)

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V – DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, na total improcedência do recurso, acorda-se:

- em julgar improcedente a apelação mantendo-se a sentença recorrida.

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Custas a cargo do A. recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.

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                                                                                                Cª, 2022/03/11                                                                                                          ___________________

                                                                                                  (Paula Maria Roberto)

                                                                                              __________________

                                                                                                  (Felizardo Paiva)

                                                                                                     ___________________                                                                                                                                                                                                         (Jorge Loureiro)

 


[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Felizardo Paiva
                  – Jorge Loureiro
[2] Acórdão da RC de 01/03/1995, CJ, 1995, 2.º, 5.
[3] Citado por Abílio Neto, Código Civil anotado, 14.ª edição, 2004, Ediforum, pág. 183).
[4] Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 503 e segs.
[5] CJ, 2002, 3.º, 177.