FACTOR DE BONIFICAÇÃO
SUBSÍDIO POR ELEVADA INCAPACIDADE PERMANENTE
REPARTIÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Sumário


I - A nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto requer que não se alcance de todo a materialidade que serviu de base à aplicação de direito. Ademais, existem processos abreviados em que a lei permite uma fundamentação mais sucinta, como é o caso da fixação da natureza e grau de incapacidade. No caso, a fundamentação vai para além desse mínimo necessário.
II - A atribuição de IPATH (e da inerente pensão) representa intrinsecamente uma hipótese de não reconversão no concreto posto de trabalho, pelo que é cumulável com a aplicação do factor de bonificação de 1,5 da Tabela Nacional de Incapacidades - al. a) do nº 5.
III - É taxativa a enumeração das prestações proporcionalmente a cargo do empregador quando este não tenha transferido para o seguro a totalidade da retribuição do sinistrado- 79º, 3, da NLAT e clª 23º, da actual apólice uniforme de acidentes de trabalho. O subsídio por situação de elevada incapacidade não consta dessa enumeração legal, sendo exclusivamente da responsabilidade da seguradora.

Maria Leonor Barroso

Texto Integral


I. RELATÓRIO

AUTOR/SINISTRADO: S. M..
RÉS: ENTIDADES SEGURADORA E EMPREGADORA- “SEGURADORAS ..., S.A.” E “X – CONSTRUÇÕES, UNIPESSOAL, LIMITADA”,

PEDIDO: nestes autos de acção especial emergente de acidente de trabalho prosseguiu-se para a fase contenciosa porque, quer o sinistrado, quer as entidades empregadora e seguradora, não concordaram com o grau de incapacidade permanente (IP) atribuído (defendendo o sinistrado uma IPP superior e que está afectado de IPATH), nem concordaram com a data da alta, nem com o período de ITA.
Procede-se a junta médica.
Foi proferida decisão final.
O sinistrado interpôs recurso que obteve provimento. Anulou-se a decisão e determinou-se a remessa dos autos à 1ª instância, a fim de serem supridas insuficiências ao nível da prova, mormente obtenção de parecer pelo Centro de Reabilitação Profissional e realização de junta médica pela especialidade de Medicina do Trabalho. Tudo com vista a decidir se o sinistrado sofre de IPATH e sobre a aplicação do factor 1,5, bem como sobre as sequelas e o grau de IPP com referência às rubricas da TNI. Mais foi determinado que, realizados as enunciadas diligências de prova, fosse proferida nova decisão (com excepção da parte referente a IT’s, indemnizações e data da alta que não foram objecto de recurso).

Realizadas que foram as diligências determinadas, foi proferida nova decisão, nos seguintes termos:

Pelo exposto, decide-se:
a). Fixar em 49,70% o coeficiente de IPP, com IPATH, que afecta o sinistrado S. M. desde 30.06.2016;
b). Condenar SEGURADORAS ..., S.A., a pagar-lhe:
i. A pensão anual e vitalícia de € 4.945,56 [quatro mil, novecentos e quarenta e cinco euros e cinquenta e seis cêntimos], sujeita a actualizações anuais desde 01.01.2017;
ii. Subsídio de elevada incapacidade no valor de € 4.698,66 [quatro mil, seiscentos e noventa e oito euros e sessenta e seis cêntimos];
iii. A importância de € 1.222,35 [mil, duzentos e vinte e dois euros e trinta e cinco cêntimos], a título de indemnização, que remanesce por liquidar, relativa aos períodos de ITP/ITA;
iv. A quantia de € 56,68 [cinquenta e seis euros e sessenta e oito cêntimos], a título de despesas de transporte obrigatórias;
v. Juros de mora, à taxa supletiva legal, contados, quanto às importâncias referidas em i. a iii., desde 01.07.2016 e, quanto à mencionada em iv., desde 30.04.2018, e até efectivo e integral pagamento.
c). Condenar X – Construções Unipessoal, Ldª., a pagar-lhe:
i. A pensão anual e vitalícia de € 111,76 [cento e onze euros e setenta e seis cêntimos], sujeita a actualizações anuais desde 01.01.2017;
ii. A importância de € 141,26 [cento e quarenta e um euros e vinte e seis cêntimos], a título de indemnização, que remanesce por liquidar, relativa aos períodos de ITP/ITA;
iii. Juros de mora, à taxa supletiva legal, sobre as importâncias referidas em i. e ii., desde 01.07.2016 e até efectivo e integral pagamento.
Custas a cargo de SEGURADORAS ..., S.A., e de X – Construções Unipessoal, Ldª., na proporção da respectiva responsabilidade.
Valor da causa: a calcular pela secretaria – cfr. artº 120º do CPT.

RECURSO INTERPOSTO PELA SEGURADORA. CONCLUSÕES:

A. Constata-se na sentença proferida pelo Tribunal a quo uma flagrante falta de especificação dos fundamentos de facto para decidir sobre o fator de bonificação aplicado, o que consubstancia uma nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.
B. Com efeito, não foi alegada matéria factual de onde se pudesse retirar que o Autor não é reconvertido no seu posto de trabalho ou em outro qualquer devido ao acidente de trabalho dos autos e das lesões sofridas, antes pelo contrário: dos elementos juntos aos autos resulta que o sinistrado é, sim, reconvertível em relação ao posto de trabalho.
C. Ainda que assim não fosse, é entendimento da Recorrente que a aplicação do factor de bonificação de 1,5 não é possível, na medida em que a cumulação não é possível quando a sinistrada sofra de IPATH.
D. Isto resulta não só da leitura conjugada da al. a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI e dos artigos 48.º, n.º 3, alínea b) e c), e 67.º, n.º 3, da LAT, como também foi o que foi defendido, entre outros, pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08 de Fevereiro de 2012, relator José Eduardo Sapateiro
E. Ora, havendo sido atribuída uma IPATH, um subsídio de elevada incapacidade e uma IPP, não existe fundamento para cumular a bonificação do factor 1,5 previsto na al. a), do n.º 5, das Instruções Gerais da TNI.
F. Logo, andou mal o Tribunal a quo ao cumular o factor de bonificação e a IPATH, bem como o subsídio de elevada incapacidade devida por IPATH.
G. Acresce que a interpretação tal como é feita pelo Tribunal a quo ter-se-á que julgar inconstitucional, na medida em que viola o princípio da igualdade e o direito à assistência e justa reparação em caso de acidente de trabalho, nos termos previstos nos artigos 13.º e 59.º, n.º 1, al. f), da CRP.
H. Face ao exposto, atenta a existência de IPATH, deve a IPP atribuída ao Autor ser fixada em 33,11%, uma vez que a aplicação do factor de bonificação é ilegal e inconstitucional.
I. Para além disso, cumpre referir que ambas as Rés são responsáveis pela reparação e outros encargos à sinistrada na proporção dos salários transferidos e não transferidos (veja-se, a este título, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de março de 2014, Relator Gonçalves Rocha).
J. Face ao exposto, deve revogar-se a decisão de condenar a Ré seguradora na totalidade do pagamento do subsídio de elevada incapacidade, substituindo-se por outra que condene as Rés no pagamento do subsídio de elevada incapacidade na proporção das retribuições transferidas e não transferidas para a seguradora.
Termos em que se requer a V. Exas.:a) Seja dado provimento à arguição de nulidade da sentença por falta de especificação de matéria de facto e de direito, com as devidas consequências legais;
b) Seja dado provimento ao recurso, dando-se como não provado que a Sinistrada não tenha sido reconvertida no posto de trabalho, revogando-se a decisão de aplicar o factor de bonificação 1,5 à IPP, e revogando-se a decisão de condenar a seguradora pela totalidade do subsídio de elevada incapacidade, substituindo-a por outra que condene a seguradora e a entidade empregadora no pagamento daquele subsídio na proporção da retribuição transferida e não transferida.

CONTRA-ALEGAÇÕES DO SINISTRADO: refere queNo âmbito do ordenamento processual laboral, a nulidade da sentença tem de ser arguida expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso dirigido ao juiz do tribunal onde a decisão foi proferida”. No mais, defende a manutenção da decisão.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (1) : nulidade da sentença e extemporaneidade da sua alegação; cumulação do factor de bonificação de 1,5 com atribuição de IPATH e sua inconstitucionalidade; responsabilidade da empregadora pelo pagamento do subsídio de elevada incapacidade na proporção da retribuição não declarada no seguro.

I.I FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS PROVADOS:

1. S. M., nascido aos -.04.1986, sofreu acidente, aos 08.05.2015, quando trabalhava, mediante a retribuição anual de € 8.437,30, sob a autoridade, direcção e fiscalização de X – Construções, Unipessoal, Ldª.. ---
2. A responsabilidade por acidentes de trabalho encontrava-se, na referida data, transferida para SEGURADORAS ..., S.A, até ao montante da retribuição anual de € 8.250,85. -
3. Em consequência do evento mencionado em 1., sofreu aquele S. M. as lesões descritas nos autos, determinantes de: ITA de 09.05.2015 a 18.03.2016; ITP de 30%, desde 19.03.2016 a 25.04.2016; ITA de 26.04.2016 a 30.06.2016.
4. Ficou clinicamente curado as 30.06.2016, data em que lhe foi concedida alta.
5. Das reportadas lesões resultaram sequelas, determinantes de uma IPP de 49,70%, com IPATH.
6. Do montante global devido pelos períodos de IT, remanescem por liquidar pela entidade seguradora a importância de € 1.222,35 e pela entidade empregadora o valor de € 141,26.
7. S. M. despendeu a quantia de € 56,68 em transportes para deslocações obrigatórias.
8. O sinistrado desempenhava funções de servente de construção civil e depois do acidente de trabalho passou a desempenhar funções de fiel de armazém- aditado.

B) NULIDADE DA SENTENÇA

O recorrente sustenta a “extemporaneidade da arguição de nulidade” por esta não ter sido feita de modo expresso e separado. Fá-lo, porém, com base numa redacção desactualizada do CPT. Na redacção em vigor do artigo 77º do CPT (2) o regime é idêntico ao do processo civil. Ou seja, o recurso - sendo admissível - pode ter por fundamento o vício de nulidade, o qual é arguido em idênticos moldes a qualquer outro fundamento de recurso – 615º e 617º CPC.
Improcede a arguição.
A recorrente refere a nulidade de sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto para decidir a aplicação do fator de bonificação de 1.5 - 615º, 1, al. b), do CPC.
Segundo, o artigo 615º, nº1, CPC, é nula a sentença quando “(…)b) - não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;”
A norma reporta-se a vício de falta de motivação que pode atingir a sentença, exigindo-se que nela conste, quer a factualidade que suporta a decisão, quer a interpretação e aplicação do direito - 607º/3, CPC. A nulidade da sentença em causa só ocorre quando o tribunal omita totalmente a fundamentação de facto e/ou de direito em que ancorou a decisão de mérito proferida nessa sentença (3). O que se exige é que a decisão tenha o elemento principal, não seja arbitrária, demonstre quais são as suas premissas, quais as razões dadas ao caso para ser aquela a decisão e não outra, sob pena de constituir uma “peça sem base” (4).
Em especial no que se refere à fundamentação da decisão de facto, exige-se a enumeração dos factos provados que servem de base à aplicação de direito e a exteriorização do percurso de raciocínio seguido pelo julgador, os meios probatórios de que se serviu, as razões e a sua valoração crítica que levaram a que se acolhesse o facto como provado ou não provado- 607º/4, PC.
O dever de fundamentação deverá ser doseado consonante a menor ou a maior complexidade do caso e adequado à pertinência ou impropriedade das questões.
Ademais, existem processos especiais em que o dever de fundamentação é simplificado. É precisamente o caso dos acidentes de trabalho em que apenas esteja controvertida a fixação da incapacidade para o trabalho, podendo a decisão “…limitar-se à parte decisória precedida de identificação das partes e da sucinta fundamentação de facto e de direito do julgado” - 140º, 1 e 73º, 3, CPT.

No caso, quanto à aplicação do factor 1.5, dos factos provados (nº 5) consta que o sinistrado ficou com “sequelas, determinantes de uma IPP de 49,70%, com IPATH”.

E na fundamentação consta:
…. nada há que habilite o tribunal a discordar da conclusão pericial por essa via alcançada, a respeito do enquadramento e do coeficiente global de incapacidade de que o sinistrado, clinicamente curado embora das lesões sofridas, ficou a padecer, ou seja, quanto à existência de incapacidade parcial permanente [IPP] de 33,11%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual [IPATH]. ---
Posicionaram-se, contudo, os Srs. peritos, e por unanimidade também, no sentido da não aplicação do factor 1,5 ao referido coeficiente de incapacidade, o que fundamentaram na circunstância de o sinistrado ter sido reconvertido para as funções de fiel de armazém. ---
…Impondo-se apreciar da aplicação, ou não, do sobredito factor, importa considerar que, em conformidade com o que vai disposto no ponto 5, als. a) e b) das instruções gerais da TNI – aprovada pelo Dec. L. nº 352/2007, de 23.10 – aquele factor deve ser aplicado se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ….
… No caso, o sinistrado mostra-se afectado de IPATH, sendo que, a acrescer a isso, e tendo, embora, sido possível a sua reconversão, a verdade é que esta não ocorreu por referência ao seu concreto posto de trabalho. Com efeito, o sinistrado tinha a categoria de servente de pedreiro, exercendo, antes do evento que o vitimou, as funções próprias dessa categoria. Depois do acidente, de que resultou a sua afectação por IPATH, veio a ser reconduzido às funções de fiel de armazém.
Isto posto, e com pertinência para a resolução da questão que nos toma, importa ter presente o acórdão de fixação de jurisprudência do STJ nº 10/2014, de 28.05 [proferido no Proc. nº 051/11.5TTSTB.E1.S1 e publicado no DR, 1ª série, nº 123, de 30.06.2014], no qual se decidiu que «a expressão "se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho", contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente”. Na fundamentação do sobredito acórdão pode ler-se, também, que «os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho”. ---
Ora, no caso que nos toma, e tal como emerge do que se disse já, o sinistrado não se encontra, apenas, afectado de IPATH. É que não bastasse isso, que basta, a verdade é, também, que a sua reconversão profissional ocorreu por referência a posto de trabalho não coincidente com o que ocupava antes do evento que o vitimou. ---
Temos, assim, que se impõe, tal como sustentado pelo sinistrado, fazer incidir sobre a IPP de que ficou afectado, em decorrência do sinistro dos autos, o factor 1,5, disso resultando a fixação de uma IPP de 49,70%, desde o dia imediato ao da alta – que ocorreu aos 30.06.2016 -, com IPATH.
Da leitura destes segmentos resulta a gratuitidade da arguição do vício de nulidade.
Não só há fundamentação de facto e de direito, como aquela ultrapassa largamente o grau de simplicidade mínimo exigido por lei.
Mas, podendo ser útil como reforço e resultando dos autos que o autor actualmente desempenha funções diferentes, determina-se o aditamento do seguinte ponto (por ser pacífico e resultar da prova junta - relatório do centro de reabilitação profissional de Gaia, junta médica, declaração da entidade empregadora, recibos de vencimento de 2018, parecer do IEFP):
8. O sinistrado desempenhava funções de servente de construção civil e depois do acidente de trabalho passou a desempenhar funções de fiel de armazém.
Improcede a arguição de nulidade.

C) CUMULAÇÃO DO FACTOR DE BONIFICAÇÃO 1.5 COM IPATH

O tribunal a quo atribuiu ao autor IPATH e uma incapacidade permanente parcial de 49,6665, aplicando o factor de bonificação de 1.5 sobre uma IPP de 33,11%, por o sinistrado não ser reconvertível no seu posto de trabalho - al. a) do nº 5 da TNI.
A ré discorda da aplicação do factor de bonificação de 1.5%, por considerar que existe uma cumulação de benefícios.
Invoca, ainda, a violação dos preceitos constitucionais referentes ao princípio da igualdade (13º CRP) e da justa reparação do sinistrado quando vítima de acidente de trabalho (59º/1/f CRP).

Analisando:
A determinação da incapacidade é efectuada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais (doravante, TNI) - 20º, da lei de acidente de trabalho (Lei 98/2009, de 4-09, doravante NLAT(5)).
O grau de incapacidade define-se por coeficientes expressos em percentagens e determinados em função da natureza e gravidade da lesão, do estado geral do sinistrado, da sua idade e profissão, da maior ou menor capacidade residual para o exercício de outra profissão compatível e de demais circunstâncias que influam na capacidade de trabalho ou ganho.
O coeficiente de incapacidade é definido por aplicação das regras definidas na TNI - 21º, NLAT
Do preâmbulo do diploma que aprova a TNI (6) resulta que a protecção jurídico -laboral reforçada dos sinistrados ou doentes é um princípio básico que justifica “…quer a manutenção de um instrumento próprio de avaliação das incapacidades geradas no específico domínio das relações do trabalho, quer ainda a sua constante evolução e actualização, por forma a abranger todas as situações em que, do exercício da actividade laboral, ou por causa dele, resultem significativos prejuízos para os trabalhadores, designadamente os que afectam a sua capacidade para continuar a desempenhar, de forma normal, a actividade profissional e, consequentemente, a capacidade de ganho daí decorrente”.
A incapacidade do sinistrado no âmbito do direito do trabalho é calculada em conformidade com a tabela do anexo I, observando-se as instruções gerais e específicas delas constantes - 2º/1, do referido diploma que aprova a TNI.
Precisamente no artigo 5º, al. a), das instruções gerais da TNI, prevê-se que na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas normas que acrescem às que são específicas de cada capítulo ou número.
É disso exemplo a bonificação dada pelo chamado “factor 1.5”, se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho (segundo a fórmula: IG + (IG × 0.5). A expressão significa que o sinistrado não está capaz de continuar a trabalhar no anterior local e contexto laboral específico.
E, de acordo com o acórdão uniformizador do STJ nº 10/2014, publicado no DR nº 123, 1ªS, de 30-06-2014 (7), a expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente”.- negrito nosso.
Desde então, a jurisprudência mais recente tem sido constante no sentido de que a atribuição de pensão por IPATH (8) significa, por si mesmo, também uma não reconversão do posto de trabalho e, assim, consequentemente, cumulável com o factor de bonificação de 1.5 do ponto 5º, a), da TNI, não existindo qualquer incompatibilidade entre os dois regimes de majoração.
A atribuição de pensão por IAPTH tem por objectivo compensar a perda da capacidade de trabalho/ganho nas funções habituais e a consequente (presumível) perda de rendimento- 48º, 3, b, NLAT
A atribuição de IPATH representa também um caso típico de não reconvertibilidade. Por isso, o sinistrado terá, ainda, de ser compensado pelo esforço acrescido de adaptação a distintas funções e, obrigatoriamente, a outro concreto posto de trabalho. Por isso deve acrescer o factor de bonificação 1.5.
Poderá também haver trabalhadores que possam continuar a desempenhar as funções habituais, mas, por necessidades de adaptação, têm de as exercer noutro concreto posto de trabalho.
Em ambas as situações, o factor de bonificação visa compensar a impossibilidade de, por virtude das lesões sofridas, o sinistrado, ainda que com recurso a reabilitação e reintegração, não poder retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente. Compensando-se a necessidade de desempenhar funções diferentes e o natural esforço acrescido.

Ora, não há motivo para conceder o factor de bonificação num caso e não noutro, ambos são similares (9).
As inconstitucionalidades – 13º e 59º/1/f CRP
Em relação à alegada inconstitucionalidade aventada por violação do princípio da igualdade (13º da CRP), a essência da norma reside na proibição de livre arbítrio nas opções tomadas, com o sentido negativo de proibir tratamento desigual a situações iguais e com o sentido positivo de permitir condições mais favoráveis em situações diversas que tenham explicação racional e perceptível, com vista a atingir a igualdade real.
Não sendo esse o caso quando a um/a sinistrado/a é atribuído “…o fator de bonificação da forma como deve ser conferido a todos os sinistrados que se encontrem, como aquela, afetados com uma IPATH e sem possibilidades, em consequência das lesões, de retomarem o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupavam antes do acidente, não se concede à sinistrada um tratamento diferenciado relativamente aos demais cidadãos na mesma situação, nem de favor relativamente aos sinistrados afetados de IPATH, mas que puderam reassumir funções no concreto posto de trabalho anteriormente ocupado.” (10)
Do mesmo modo não se alcança como possa ter sido violado o preceito constitucional que estabelece o principio da justa reparação do trabalhador vítima de acidente de trabalho (59º/1/f, CRP), quando o factor de bonificação 1.5 atribuiu precisamente ao trabalhador maior pensão por força da sua diminuição da capacidade de trabalho/ganho ao não poder voltar a assumir as funções que antes desempenhava. Trata-se, pois, de opção legislativa e interpretação jurisprudencial que cumpre o princípio constitucional da justa reparação do dano sofrido pelo sinistrado, ao invés de o violar.
Na verdade: “Não podendo a sinistrada, por virtude das lesões sofridas, reassumir as funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente na organização empresarial, a atribuição do fator de bonificação previsto na lei para estas situações, configura exatamente a justa reparação do acidente sofrido e da diminuição da sua capacidade de ganho, ou seja, consubstancia a cabal conformação da decisão com o invocado preceito constitucional.” (11)
Improcedem, assim, as alegações de inconstitucionalidade.

D) SUBSÍDO POR ELEVADA INCAPACIDADE PERMANENTE - 67º NLAT

O subsídio por situação de elevada incapacidade permanente é uma prestação pecuniária única atribuída ao sinistrado em razão de grande redução da capacidade de ganho. O valor do subsídio é indexado ao valor de 1,1 IAS (indexante de apoios sociais que serve de referência para o cálculo de diversas prestações sociais) - 67º, 3, NLAT.
Na primeira instância condenou-se unicamente a seguradora no seu pagamento. Esta insurge-se contra o facto. Defendendo que só deve ser responsabilizada na proporção da retribuição declarada para efeito de seguro, respondendo a empregadora pela diferença.
Nos casos em que o empregador não transfere para o seguro de acidentes de trabalho a totalidade da retribuição do sinistrado, a seguradora só é responsável em relação à retribuição transferida- 79º, 4, NLAT.
Estabelece-se uma regra de proporcionalidade quanto à diferença que fica a cargo da empregadora. Porém, a lei de acidente de trabalho não estende essa proporcionalidade a todas as prestações devidas aos sinistrados, mas apenas a algumas: pensões, indemnização, despesas de hospitalização e assistência clinica (79º, 5, NLAT “No caso previsto no número anterior, o empregador responde pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção.”) - negrito nosso.
O seguro de acidentes de trabalho é regulado pela lei de acidentes de trabalho (12) e pela apólice uniforme, actualmente a Portaria 256/2011, de 5/07 - 81º, NLAT.

Ora, a apólice uniforme do seguro de acidentes de trabalho, relativamente à proporcionalidade, dispõe no mesmo sentido que a NLAT (clª 23 (epígrafe “Insuficiência da Retribuição Segura”):

1 – No caso de a retribuição declarada ser inferior à real, o tomador do seguro responde:

a) Pela parte das indemnizações por incapacidade temporária e pensões correspondente à diferença;
b) Proporcionalmente pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica.
2– No caso previsto no número anterior, a retribuição declarada não pode ser inferior à retribuição mínima mensal garantida.”- negrito nosso.

Ao contrário do regime anterior da apólice uniforme cuja proporcionalidade abrangia mais prestações (13) (na expressão “…todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado…»), actualmente a globalidade da legislação (NLAT e apólice uniforme) coincide nos seus termos e refere de um modo que se afigura taxativo quais as prestações que estão abrangidas pela regra da proporcionalidade.
Tudo indica que se excluiu intencionalmente da regra da proporcionalidade a repartição de outros encargos respeitantes à reparação que não os expressamente referidos na lei. O que obedece à lógica de que estes outros não se relacionam com a retribuição efectivamente paga ao sinistrado ou apenas declarada à seguradora. Na verdade, como referimos, o subsídio por situações de elevada incapacidade (tal como outras prestações) têm uma base de cálculo fixa, reportando-se a sua variação ao indexante de apoios sociais (IAS), compreendendo-se que fiquem na totalidade cobertos pela seguradora.
Razão pela qual, tendo mudado substancialmente a lei que era antes bem mais abrangente, não é aproveitável a jurisprudência anterior no sentido de que a previsão legal era meramente exemplificativa, preconizando-se então uma repartição proporcional pela seguradora e empregador de um maior número de prestações.
Hoje em dia não é assim. Mudou a letra da lei em dois dos diplomas fundamentais (79º, 5, NLAT e clª 23 da apólice uniforme). Presume-se que o legislador é conhecedor dos problemas jurisprudenciais e que se expressa correctamente (9º CC).
O exposto só permite a conclusão de que actualmente a lei consigna de forma taxativa todas as prestações pelas quais o empregador responde quando a retribuição declarada é inferior à real. Entre elas não se incluiu o subsidio por situação de elevada incapacidade. Razão pela qual este é pago na totalidade pela seguradora - neste sentido acórdão da RG: de 5/12/2019, proc. 2199/16.5T8BCL.G1, de 31/03/2020, proc. 1369/15.8T8BCL.G1, de 4-02-2021, proc. 3086/19.0T8VNF.G1, em www.dgsi.pt.

III. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso confirmando-se a decisão recorrida - 87º do CPT e 663º do CPC.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.

17-03-2022

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins


1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do recorrente, salvo as questões de natureza oficiosa.
2. Dada pela Lei 107/2019, de 09/09.
3. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol. II, 2ª ed.p. 435-6.
4. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. V, 1984, p. 139-141 e ss.
5. Aplicável aos acidentes ocorridos após 1-01-2010.
6. DL 352/07 de 23-10.
7. O qual, não constituindo jurisprudência obrigatória, fixa orientação/doutrina e constitui um precedente persuasivo, devendo ser seguida com vista à uniformização, certeza e segurança jurídica, excepto se a fundamentação assentar em argumentos novos e muito relevantes.
8. Artigo 48º/3/b, NLAT.
9. RG: acórdão de 19-10-2017 em cujo sumário consta “ ..não se justifica que se trate diferentemente uma situação em que o sinistrado continua a desempenhar o seu trabalho habitual, noutro posto de trabalho, e outra situação em que o sinistrado está impedido permanente e absolutamente de o realizar, uma vez que, em qualquer dos casos, lhe é exigido um esforço acrescido para se adaptar a desempenhar actividade profissional num novo posto de trabalho”; RG acórdão de 31-03-2020 em cujo sumário consta “…É correcta a atribuição de pensão anual por IPATH em cumulação com o factor de bonificação de 1.5 da al. a) do nº 5 da TNI por não reconversão ao posto de trabalho de jogador profissional; acórdão de 5-04-2018; RG de 7-10-2021 “…Os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho, não se justificando que sejam tratados diferentemente daqueles em que o sinistrado continua a desempenhar o seu trabalho habitual noutro posto de trabalho….; STJ: acórdãos de 3-03-2016 e 6-02-2019, todos www.dgsi.pt.
10. STJ: acórdão de 3-03-2016, www.dgsi.pt.
11. STJ: acórdão de 3-03-2016, www.dgsi.pt.
12. A referida Lei 98-2009, de 4-09.
13. Clª 23ª NR 1/2009-R, de 8-01 (“Insuficiência da Retribuição Segura”: «No caso de a retribuição declarada ser inferior à efetivamente paga, o tomador do seguro responde: a) Pela parte das indemnizações e pensões correspondente à diferença; b) Proporcionalmente pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes e estadas, despesas judiciais e de funeral, subsídios por morte, por situações de elevada incapacidade permanente e de readaptação, prestação suplementar por assistência de terceira pessoa e todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado», e 37º, 3, da Lei 100/97, de 13-09.