CEDÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
Sumário

1- A cedência de trabalhador público com vínculo de nomeação, efetuada com base em interesse público, não traduz a celebração de um contrato de trabalho a termo.

2- Tal cedência pressupõe a manutenção do vínculo de origem, que se suspende temporariamente.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


AAA, com domicílio voluntário na com domicilio … Autor na ação de impugnação judicial da licitude do despedimento, em processo comum, não se conformando com a sentença que declarou improcedentes todos os pedidos formulados, nomeadamente, de reconhecimento de contrato de trabalho sem termo e de declaração de despedimento ilícito, vem impugnar a mesma, dela interpondo recurso de apelação.

Pede que seja revogada a sentença proferida, sendo substituída por outra que declare a existência primitiva de um contrato de trabalho a termo, convolado, por força de sanção, na modalidade de contrato sem termo, declarando, consequentemente, a ilicitude da cessação desse contrato de trabalho sem termo, entre apelante e apelada, com todos os efeitos legais requeridos nos presentes autos e decorrentes da presente decisão apelanda.

Apresentou, a título de conclusões, as seguintes:
I)É pacífica a conclusão extraída pela douta sentença que o Apelante e a Apelada mantinham entre si uma relação jurídico-laboral tutelada pelo Código do Trabalho, pelo Regulamento Interno de Pessoal e pela demais legislação aplicável.
II)Em face de tudo quanto foi exposto, afigura-se, salva melhor opinião, que a douta sentença laborou em erro de qualificação jurídica, por deficiente enquadramento das normas aplicáveis ao thema decidendi, ao defender a suficiência da mera declaração de vontade (administrativa) da Apelada para pôr termo, validamente, à relação jus laboral entre esta e o ora Apelante, pugnando para que essa declaração equivalha a denúncia do vínculo jurídico entre si estabelecido.
III)Assim, deverá a douta sentença reconhecer que o Apelante se encontrava a coberto de um contrato de trabalho, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, e 26.º, n.º 2, do RIP.
IV)Devendo tal relação contratual ser reconhecida ab initio como um contrato de trabalho a termo, disciplinado supletivamente pelo Código do Trabalho, tendo em vista as normas conjugadas do artigo 33.º da Lei n.º 77/2013, dos artigos 2.º, 4.º, n.º 1, e 26.º, n.º 2, do RIP, e, ainda, o artigo 141.º do Código do Trabalho.
V)E que, supervenientemente, a tal contrato de trabalho seja reconhecida a convolação, ipso lege e ipso facto, e a título sancionatório, por violação das disposições imperativas contidas no artigo 5.º do RIP e no artigo 141.º do Código Trabalho, em contrato sem termo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 147.º, n.º 1, alínea c), também do Código do Trabalho.
VI)Deste modo, terá, inelutavelmente, que ser revogada a qualificação da relação contratual entre Apelante e Apelada como contrato equiparado a contrato de cedência ocasional de trabalhador, por contrariar frontalmente o disposto nas normas mandatórias expressas na Lei n.º 77/2013, designadamente o artigo 33.º, e os artigos 4.º, n.º 1, do RIP e, ainda, pela não verificação cumulativa dos requisitos do artigo 289.º do Código do Trabalho.
VII)Deverá, em consequência, ser reconhecido que o Apelante se encontra perante um despedimento ilícito, atenta a não verificação de qualquer das modalidades de cessação do contrato de trabalho, ainda que meramente enunciativas, por banda da Apelante, nos termos e para os efeitos das previsões legais ínsitas nas alíneas do artigo 340.º do Código do Trabalho.
VIII)E, ainda, por inexistir, igualmente, justa causa de cessação do contrato de trabalho, em patente violação do artigo 338.º do mesmo Código e da norma vertida no artigo 53.º da Lei Fundamental, por desprovida de quaisquer procedimentos prévios assentes no Código do Trabalho.
IX)Deverão, concomitantemente, ser revogados os segmentos, para efeitos de disciplina jurídica de cessação do contrato de trabalho, que determinam a aplicação das normas da LGTFP, designadamente, os artigos 241.º e 242.º, que, como se demonstrou, são inaplicáveis aos factos em crise, isto é, à cessação do vínculo jurídico-laboral privado constituído entre Apelante e Apelada.
X)Deste modo, deverá a sentença ser revogada por erro na qualificação jurídica dos factos provados, i. e., ao classificar o vínculo jus-laboral entre Apelante e Apelada como contrato atípico equiparado a contrato de cedência ocasional de trabalhador, nos termos do artigo 288.º e seguintes do Código do Trabalho, por errada aplicação de lei substantiva, requerendo-se a alteração da qualificação jurídica para contrato de trabalho a termo, numa primeira fase.
XI)Seguidamente, procedendo o antedito, requer-se, por via sancionatória, a alteração da modalidade de contrato de trabalho a termo para contrato de trabalho sem termo, por violação dos requisitos de forma contidos no artigo 4.º, n.º 1, do RIP, e do artigo 141.º do Código do Trabalho, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 147.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código.
XII)Deve ser declarado totalmente procedente o libelo petitório formulado pelo Apelante nos presentes autos, designadamente, na Petição Inicial e na resposta em articulado ao abrigo do princípio do contraditório.
XIII)E, in fine, condenada a Apelante a suportar integralmente as custas.

BBB, pessoa coletiva …, com sede na Rua … Lisboa, Ré nos presentes autos, vem apresentar CONTRA-ALEGAÇÕES E RECURSO SUBORDINADO.

Este não foi admitido. Em sede de contra-alegações pugna pela manutenção da sentença.

O MINISTÉRIO PÚBLICO pronunciou-se pela manutenção da sentença.

Apresentamos, abaixo, um breve resumo dos autos para melhor compreensão:

AAA intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BBB.

Peticiona o seguinte:
a)-Ser reconhecido que o autor se encontrou vinculado à ré mediante a celebração de um contrato de trabalho sem termo, que iniciou a sua vigência em 01/04/2016;
b)-Ser declarada a ilicitude do despedimento do autor, por manifesta ausência dos respetivos pressupostos, resultante da comunicação da ré datada de 10/12/2019 e destinada a produzir os seus efeitos em 31/01/2016, nos termos descritos;
c)-Ser condenada a ré a reintegrar o autor ao seu serviço, sem prejuízo da sua categoria ou antiguidade ou, por opção do autor, ser a ré condenada a pagar ao autor a indemnização a que se reporta o art. 391º do Código do Trabalho, a qual deve ser graduada no seu limite intermédio, correspondente a € 8.238,72;
d)-Ser a ré condenada a pagar ao autor as retribuições já vencidas, no montante de € 2.746,24 acrescidas das que se vierem a vencer até ao trânsito em julgado da presente ação, incluindo subsídios de férias e de Natal e sem prejuízo das deduções a que houver lugar, por força do estabelecido no art. 390º, nº 2 do Código do Trabalho;
e)-Ser a ré condenada a pagar ao autor juros, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento, sobre todas as quantias reclamadas.
Para tanto alega, em síntese, ter sido contratado pela Polícia Judiciária mediante nomeação definitiva em 01/09/1999; em 1/04/2016 o autor a ré e a Polícia Judiciária outorgaram acordo de cedência de interesse público e, a partir dessa data, passou a estar contratualmente vinculado à ré, com a categoria de técnico especialista, adstrito à comissão de fiscalização dos auxiliares de justiça, sujeito a ordens e instruções da ré; desempenhava funções nas instalações da ré, inserido na respetiva estrutura organizativa, fazendo uso dos instrumentos de trabalho a ela pertencentes, cumprindo horário de trabalho e auferindo contrapartida mensal certa; o acordo foi celebrado com a duração de um ano, renovável, podendo cessar a todo o tempo e por iniciativa de qualquer das partes com aviso prévio de 30 dias; assim se manteve ao serviço da ré até 31/01/2019, data em que produziu efeitos a comunicação que lhe foi enviada pela ré. Sustenta que, em consequência do acordo de cedência, passou a ser trabalhador subordinado da ré, sustentando a aplicação das normas do Código do Trabalho; que a cessação da iniciativa da ré é ilícita, por não ser conforme ao disposto naquele código, correspondendo a um despedimento sem justa causa, nisso sustentando os pedidos que formula.

A ré contestou e invocou a incompetência material deste tribunal. Por impugnação, alegou que não assiste razão ao autor, porquanto a cessação do contrato por iniciativa da ré é um ato que se enquadra na margem de livre decisão da administração, moldada pelo interesse público, sem que ao dispensado seja dada margem de participação na decisão. Em face do acordo celebrado e do regime legal ao mesmo aplicável, mostra-se afastada a aplicação do Código do Trabalho no que respeita a prazo inicial, renovação e cessação, não tendo o autor direito às pretensões deduzidas. Ainda que assim não fosse, impugna ainda o valor reclamado a título de indemnização, afirmando que, mesmo que se entendesse aplicável o art.º 391º do Código do Trabalho, nunca aquela poderia ultrapassar o limite legal. Por outro lado, no que concerne às retribuições intercalares, o autor omite as deduções a que as mesmas estão sujeitas, designadamente, omite os valores entretanto auferidos enquanto trabalhador da … e não considera o disposto no art.º 390º, n.º 2, al. b), do Código do Trabalho.

Pugna pela procedência da exceção e, subsidiariamente, pela improcedência da ação.

O autor respondeu à exceção e pugnou pela condenação da ré como litigante de má-fé.

A ré respondeu ao pedido de condenação como litigante de má-fé.

Foi dispensada a audiência prévia e passou a proferir-se decisão na qual se julga improcedente a exceção de incompetência absoluta e se decide julgar improcedente a ação, absolvendo a ré do peticionado.

Mais se declarou que não há fundamento para condenação da ré como litigante de má-fé.

***

As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.

Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª– O Apelante encontrava-se a coberto de um contrato de trabalho?
2ª – O Apelante foi alvo de despedimento ilícito?

FUNDAMENTAÇÃO:

FACTOS PROVADOS:

São os seguintes os factos provados, com interesse para a decisão da causa:
1.-Até 31/03/2016 o autor desempenhava funções de especialista adjunto de criminalista na Polícia Judiciária, ao abrigo de relação jurídica de emprego público, na modalidade de nomeação definitiva.
2.-Em 01/04/2016, o autor, a ré e a … outorgaram um escrito que denominaram «Acordo de Cedência de Interesse Público», junto a fls. 10-11 e cujo teor se dá por reproduzido.
3.-Nos termos da cláusula 1ª desse acordo as partes acordaram como segue: «Mediante o presente documento e ao abrigo da figura da cedência de interesse público, a … cede o Terceiro Contraente à …, passando aquele a estar adstrito à BBB e sujeito às ordens e instruções desta, sendo remunerado com respeito pelas disposições normativas aplicáveis ao exercício daquelas funções o que corresponde ao valor da posição remuneratória em que está posicionado dentro da carreira profissional».
4.-O acordo referido em 1 iniciou a sua vigência na data da celebração e o autor passou a estar contratualmente vinculado à ré desde então, com a categoria de técnico especialista.
5.-O autor desempenhava a sua atividade nas instalações da ré.
6.-E utilizava, para o efeito, os equipamentos e os instrumentos de trabalho pertencentes à ré.
7.-O autor cumpria um horário de trabalho imposto pela ré.
8.-O autor auferia, com periodicidade mensal e como contrapartida da atividade prestada, uma retribuição certa, no montante de € 2.746,24, efetuado descontos para a ADSE e para a Caixa Geral de Aposentações.
9.-O autor estava inserido na estrutura organizativa da ré.
10.-Na cláusula 2ª do acordo referido em 2 consta o seguinte: «1. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a presente cedência de interesse público tem a duração de 1 ano e renova-se automaticamente, por igual período se, até 30 dias antes do seu termo nenhuma das partes comunicar às demais a sua intenção de não a renovar. 2 Este acordo pode ser feito cessar, a todo o tempo, por iniciativa de qualquer das partes, incluindo o trabalhador, com aviso prévio de 30 dias».
11.-O autor manteve-se ao serviço da ré até 31/01/2019.
12.-Em 10/12/2018 a ré remeteu ao autor a missiva junta a fls.12 verso, cujo teor se dá por reproduzido, com o seguinte teor: «Nos termos do n.º 5 do artigo 241º da Lei Geral de Trabalhos em Funções Públicas (anexo da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho), dá-se por terminado o acordo de cedência de interesse público, regressando o Senhor Dr. AAA ao seu serviço de origem a partir de 1 de Fevereiro de 2019. Em cumprimento do disposto no mesmo normativo, será feita a necessária comunicação à Unidade de Recursos Humanos da … (…)».
13.-O acordo referido em 2 foi celebrado dada a necessidade da ré em dotar a sua estrutura com recursos humanos na área da fiscalização com recursos com experiência nessa área.
14.-Correu termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, Unidade 1, com o n.º 134/19.8BELSB procedimento cautelar de suspensão de eficácia intentado pelo autor, para além do mais, contra a ré, na qual esta apresentou a oposição junta a fls. 94-101, que se dá por reproduzida.
15.-Correu ainda termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, Unidade 1, com o n.º 433/19.9BELSB ação administrativa intentada pelo autor, para além do mais, contra a ré, na qual foram apresentadas a petição inicial junta a fls. 45-62, a contestação junta a fls. 101 verso a 109 e a réplica junta a fls. 65-66, documentos que se dão por reproduzidos.

***

O DIREITO:

Antes de nos determos sobre a 1ª questão, um esclarecimento: contrariamente ao que vem consignado na primeira conclusão de recurso, não há consenso no sentido de que o Apelante e a Apelada mantinham entre si uma relação jurídico-laboral tutelada pelo Código do Trabalho, pelo Regulamento Interno de Pessoal e pela demais legislação aplicável.

A sentença não o afirma em parte alguma. Bem pelo contrário, e daí a presente apelação!

O que a sentença diz é que “Dos factos provados não resulta que as partes tenham celebrado um contrato de trabalho escrito, mantendo-se o autor em funções na BBB ao abrigo do apelidado acordo de cedência de interesse público. A factualidade assente demonstra que o autor estava inserido na estrutura organizativa da ré, desempenhava funções nas instalações daquela, utilizando os respetivos equipamentos e instrumentos de trabalho, cumpria um horário de trabalho imposto pela ré e auferia uma retribuição como contrapartida da atividade prestada. Mais se provou que estava sujeito a ordens e instruções da ré. Estes factos permitem presumir que entre as partes vigorou de 1/04/2016 a 31/01/2019 um vínculo de natureza laboral, verificados que estão os indícios de laboralidade previstos nas alíneas a) a d) do n.º 1 do art.º 12º do Código do Trabalho, sem que a ré tenha alegado factos tendo em vista ilidir a presunção.
No entanto, este vínculo, que nasce da cedência de interesse público, tem que ser conjugado com a especificidade do regime jurídico que lhe subjaz, nos termos regulados pelos artigos 241º e 242º da Lei n.º 35/2014, e do qual está integralmente dependente”.
Conclui que “não se pode qualificar a relação que nasce entre o cessionário e o trabalhador como se de um típico contrato de trabalho se tratasse, muito menos sem termo, como pretendia o autor ver declarado, dada a sua natureza necessariamente temporária.

E, adiantamos desde já, a sentença conclui acertadamente!
Com o que entramos na análise da questão que enunciámos, a saber, se o Apelante se encontrava a coberto de um contrato de trabalho.
Os factos são claros e respondem por si mesmos.
Deles resulta que o autor desempenhava funções de especialista adjunto de criminalista na …, ao abrigo de relação jurídica de emprego público, na modalidade de nomeação definitiva. Nessa condição, em 01/04/2016, o autor, a ré e a … outorgaram um escrito que denominaram «Acordo de Cedência de Interesse Público», nos termos do qual acordaram que «Mediante o presente documento e ao abrigo da figura da cedência de interesse público, a … cede o Terceiro Contraente à …, passando aquele a estar adstrito à BBB e sujeito às ordens e instruções desta, sendo remunerado com respeito pelas disposições normativas aplicáveis ao exercício daquelas funções o que corresponde ao valor da posição remuneratória em que está posicionado dentro da carreira profissional».

Foi, pois, nesta base que o Apelante desempenhou funções para a Apelada, funções essas que, tal como se menciona na sentença, são reveladoras da existência de um vínculo laboral, mas um vínculo que não abstrai do ato de nomeação que lhe subjaz e que o vincula à …. Tal ato constitui, antes, fundamento para a celebração do acordo em referência.

Na verdade, entre as vicissitudes modificativas do vínculo de trabalho em funções públicas, encontra-se a cedência de interesse público, figura regulamentada nos Artº 241º e ss. da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – a L. 35/2014 de 20/06.

Dispõe-se ali que mediante acordo de cedência de interesse público entre empregador público e empregador fora do âmbito de aplicação da presente lei pode ser disponibilizado trabalhador para prestar a sua atividade subordinada, com manutenção do vínculo inicial (Artº 241º/1). A cedência de interesse público determina para o trabalhador em funções públicas a suspensão do respetivo vínculo, salvo disposição legal em contrário (nº 3).

A cedência de interesse público “é a vicissitude modificativa do vínculo de emprego público pela qual o trabalhador transita temporariamente da sua entidade empregadora pública para outro empregador público, que esteja fora do âmbito de aplicação da LGTFP, ou ainda para um empregador privado, mas mantendo-se, em qualquer caso, o vínculo originário” (Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte IV, Almedina, 659).

Segundo a lição da autora acima referenciada “a regra geral é que a cedência determina a suspensão do vínculo de emprego público de origem (Artº 241º/3) com a inerente sujeição do trabalhador ao regime de trabalho aplicável ao empregador cessionário (Artº 242º/1)”, sendo que, “quando cesse a cedência, cessa também a suspensão do vínculo, cabendo aplicar o regime da LGTFP para o fim da suspensão do vínculo por impedimento prolongado ou o regime equivalente do Código do Trabalho, consoante o regime de origem do trabalhador fosse o regime da LGTFP ou o regime laboral comum (Artº 241º/6)” (ob. cit., 660 e ss.).

Sendo esta a regra geral, também é certo que existem situações especiais em que a cedência não determina a suspensão do vínculo de emprego público originário. Porém, as mesmas carecem de determinação legal nos termos previstos no Artº 241º/3 da LGTFP, sendo disso exemplo as situações reportadas no Artº 244º/3 e 4 – situações em que um trabalhador em funções públicas passa a exercer para empregador fora do âmbito de aplicação da LGTFP por força de transmissão da respetiva unidade económica ou casos em que trabalhador privado passe a exercer funções para empregador público por força de reversão da concessão de um determinado serviço público. Trata-se aqui de situações em que se regista uma mudança na titularidade do empregador, situações em tudo idênticas às que se registam no regime de transmissão da empresa ou estabelecimento.

Situações estas não evidenciadas no caso concreto.

A BBB foi criada pela Lei 77/2013 de 21/11, sendo responsável pelo acompanhamento, fiscalização e disciplina dos auxiliares da justiça.
O regime do pessoal vem previsto no Artº 33º, ali constando, no que para aqui releva:

Artigo 33.º
Regime do pessoal

1 - Ao pessoal da BBB aplica-se o regime jurídico do contrato de trabalho, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - A CAAJ pode recorrer, nos termos da lei, a trabalhadores com relação jurídica de emprego público e outros, para garantir a prossecução das suas atribuições.


Legitima-se aqui o recurso à figura que deu origem à transição do Apelante.
Sendo intenção do legislador ao instituir a BBB que aos respetivos trabalhadores se aplicasse o regime do contrato de trabalho, ficou salvaguardado o recurso a trabalhadores da função pública.
Nestas circunstâncias tem aplicação o disposto na respetiva lei, ou seja, celebrado acordo de cedência de interesse público, suspende-se o vínculo pelo tempo em que vigorar o acordo e, cessado este, tal vínculo é, obviamente, retomado.
Não ocorre, pois, com a celebração do acordo de cedência, qualquer transformação do vínculo jurídico de emprego para um vínculo de natureza privada. O que ocorre é uma vicissitude que modifica alguns dos termos em que é prestada a atividade laboral.
A Lei 77/2013 prevê a elaboração de um regulamento interno laboral (Artº 34º), regulamento esse que, como mencionado na sentença, tomou o n.º 143/2015 e se mostra publicado no Diário da República n.º 59/2015, Série II de 2015-03-25.
Tal Regulamento prevê, em sintonia com a lei de base, a aplicação do Código do Trabalho as trabalhadores destinatários (Artº 2º), salvaguardando, porém, o recurso a trabalhadores em funções públicas através de acordo de cedência de interesse público (Artº 26º/1).
E, vigorando à data da respetiva publicação, a Lei 12-A/2008 de 27/02, apontava-se para o disposto no artigo 58.º da mesma, dispondo-se que aos trabalhadores em funções públicas que exerçam funções na BBB através de cedência de interesse público é celebrado um contrato de trabalho, nos termos do presente regulamento (Artº 26º/2).
Contudo, com o A. não foi celebrado qualquer contrato de trabalho. E estando em vigor à data da cedência a LGTFP tem aplicação quanto aí se dispõe – manutenção do vínculo que é suspenso por via da cedência.

Assim, tal como refletido na sentença, “O acordo celebrado entre o autor, a ré e a …, com quem aquele detinha uma relação jurídica de emprego público na modalidade de nomeação definitiva, qualifica-se juridicamente como um acordo de cedência de interesse público. Através do mesmo a … (empregador público) cedeu à ré (entidade não sujeita à Lei de Trabalho em Funções Públicas no que concerne ao regime de pessoal, como resulta das disposições conjugadas do art.º 1º da Lei n.º 35/2014, art.ºs 1º, n.º 3, e 33º da Lei n.º 77/2013 e art.º s 2º e 4º do Regulamento 143/2015) um seu trabalhador (o autor), mantendo-se o vínculo inicial.
Esta modalidade de contratação é consentida e está especialmente prevista no art.º 33º, n.º 2, da Lei n.º 77/2013, conjugado com o art.º 26º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento n.º 143/2015 e com os art.ºs 141º e 142º[1] da Lei n.º 35/2014. Constitui um mecanismo de mobilidade geral externa, permitindo a celebração de acordos tripartidos entre empregador público, empregador fora do âmbito de aplicação da Lei de Trabalho em Funções Públicas e o trabalhador, através do qual este é disponibilizado, pelo primeiro, para prestar a sua atividade subordinada ao segundo, com manutenção do vínculo inicial. A cedência em questão pode gerar uma relação de contrato de trabalho, nos termos previstos no art.º 242º, n.º 1 da Lei n.º 35/2014 e art.º 26º, n.º 2, do Regulamento 143/20[2]”.

Compulsados os autos, nada indicia a celebração do mencionado contrato, antes se verificando que o vínculo inicial foi mantido, embora suspenso.

Neste sentido o acervo fático do qual emerge que em 10/12/2018 a ré remeteu ao autor a missiva com o seguinte teor: «Nos termos do n.º 5 do artigo 241º da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (anexo da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho), dá-se por terminado o acordo de cedência de interesse público, regressando o Senhor Dr. AAA ao seu serviço de origem a partir de 1 de Fevereiro de 2019. Em cumprimento do disposto no mesmo normativo, será feita a necessária comunicação à Unidade de Recursos Humanos da … (…)»

Termos em que a questão em apreciação improcede.

A improcedência da questão supra desenvolvida prejudica a apreciação da 2ª questão elencada.

Improcede, deste modo, a apelação.

A improcedência da apelação responsabiliza o Apelante pelas respetivas custas nos termos do disposto no Artº 527º do CPC.
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença.
Custas pelo Apelante.
Notifique.
 


Lisboa, 9/03/2022



MANUELA BENTO FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
FRANCISCA MENDES



[1]Haverá lapso na referência, pois as normas aplicáveis são os Artº 241º e 242º
[2]A sentença contém, nesta parte, um lapso – o Regulamento é o 143/2015