CONHECIMENTO DE MÉRITO NO SANEADOR
CONTRATOS DE FINANCIAMENTO
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário

I) O erro de escrita, revela-se no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, nos termos previstos pelo artigo 249º do Código Civil, dando direito à retificação desta.
II) O conhecimento do mérito da causa, em sede de despacho saneador, sem necessidade de produção de prova quanto a factos controvertidos, justifica-se quando, do confronto da vertente fáctica da causa de pedir, com as várias soluções plausíveis de direito, se conclua que a atividade probatória seria inútil, porque a demonstração da respetiva factualidade não permite a afirmação do direito a que se arroga o autor, segundo a solução de direito nos termos afirmados pelo tribunal e, bem assim, segundo as demais soluções de direito que se apresentem como suficientemente seguras ou plausíveis, em termos doutrinários e jurisprudenciais.
III) As certidões do registo predial têm força probatória plena – cfr. artigos 371.º, n.º 1 e 383.º e ss. do CC - quanto às presunções registrais juris tantum estabelecidas no art.º 7º do Cód. Registo Predial (cfr. artigo 110.º do Código do Registo Predial) - no sentido de que o direito existe tal como o registo o revela e de que o direito pertence a quem está inscrito como seu titular – prova que é ilidível mediante prova do contrário (cfr. art.º 350º, n.º 2 do Cód. Civil) e não abrange os elementos em que ocorram juízos pessoais ou de valor do oficial público ou a exatidão de determinados elementos circunstanciais descritivos como as áreas, limites e confrontações.
IV) A eficácia legal de prova plena significa que tem força vinculante para o julgador, independentemente do resultado de quaisquer outros meios de prova distintos e que, nas vertentes do documento em que opera a prova plena, o juiz não pode admitir qualquer prova contrária sem que seja arguida e demonstrada a falsidade material ou ideológica do documento autêntico (cf. art. 372.º).
V) Os contratos de financiamento juntos pela exequente têm a natureza de documentos particulares, uma vez que não foram emitidos por autoridade pública nos limites da sua competência – cfr. artigo 363.º, n.º 2, do CC.
VI) Relativamente a documentos particulares, cuja autoria seja reconhecida nos termos do artigo 374.º do CC, os mesmos fazem prova plena das declarações atribuídas ao seu autor, considerando-se provados os factos compreendidos na declaração, na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (cfr. n.ºs. 1 e 2 do artigo 376.º do CC).
VII) Apresentados que foram pela exequente os aludidos contratos de financiamento, os embargantes, embora declarando não aceitar a sua idoneidade ou validade probatória executiva, que a exequente pretendeu atribuir para fundamentar a execução, sobre eles não deduziram impugnação nos termos a que se reporta o n.º 1 do artigo 374.º do CC, pelo que, na ausência de impugnação da letra e assinatura dos mesmos, a autoria das assinaturas deve achar-se por estabelecida e considerar-se verdadeira.
VIII) Tratando-se de documentos assinados pelos próprios embargantes, em conformidade com o disposto nos n.ºs. 1 e 2 do artigo 376.º do CC, os mesmos fazem prova plena quanto às declarações neles atribuídas aos respetivos autores, o que significa que os factos não carecem de outra prova para se terem como demonstrados.
IX) Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda, deduzindo o exequente, no próprio requerimento executivo, os factos constitutivos da sucessão, em conformidade com o disposto no artigo 54.º, n.º 1, do CPC, sendo dispensado o incidente de habilitação, no caso de sucessão ocorrida antes da propositura da acção executiva.
X) O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras, visa proteger especificamente o cliente bancário, que, nos termos do artigo 3.º, al. a) do mesmo Decreto-Lei é “o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito”, ou seja, “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
XI) A mera circunstância de os mutuários serem pessoas singulares, não os configura, nos termos e para os efeitos previstos na Lei de Defesa do Consumidor e, indiretamente, para efeitos de aplicação do PERSI, como “consumidores”.
XII) Tendo os contratos de financiamento dos autos sido contraídos com a finalidade de «Fundo de Maneio à Actividade Empresarial» e de «Apoio de Tesouraria», reconduzindo-se a mútuos referentes a financiar atividades de natureza profissional ou comercial, não tendo o mutuário a qualidade de “consumidor”, não lhe é aplicável o PERSI, pelo que, a ausência de prévia integração dos embargantes no PERSI não obsta à exequibilidade da pretensão deduzida pelo exequente.
XIII) Os contratos de financiamento juntos aos autos, emitidos em data anterior à de 1-9-2013, assinados pelos embargantes, importando a constituição/reconhecimento de obrigações pecuniárias, de montante determinado/determinável, constituem títulos executivos à luz do precedente artigo 46.º, n.º 1, al. c) do CPC, podendo, nessa medida, basear a correspondente pretensão executiva.
(Sumário elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do CPC).

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
*
1. Em 03-07-2015, o NOVO BANCO, S.A. apresentou em juízo, nos autos principais, requerimento executivo de onde consta, nomeadamente o seguinte:
“(…)
Forma: Acção Executiva
Especie: Execução Sumária (Ag. Execução)
Valor da Execução: 370.232,82 € (Trezentos e Setenta Mil Duzentos e Trinta e Dois Euros e Oitenta e Dois Cêntimos)
Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa  Letras, livranças e cheques [Execuções]
Título Executivo: Outro título com força executiva
Factos:
1.º - O Novo Banco, S.A. sucedeu ao Banco Espírito Santo, S.A. (que figura como credor no(s) título(s) executivo(s) que serve(m) de base a esta execução), na titularidade da(s) obrigação (ões) exequenda(s) e respectivas garantias, por força de deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 (cfr. art.º 145.º - G n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras e, ainda, certidão permanente – código de acesso: ...), sendo, assim, parte legítima (activa), na presente execução (cfr. n.º 1 do art.º 53 e n.º 1 do art.º 54.º do NCPC).
2.º - Em 21/12/2012 o Exequente celebrou com AA e CC, dois Contratos de Financiamento até ao montante máximo global de € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros) e de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), tendo este último, em 21/02/2013, passado a ser de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) (conf. Docs. n.ºs 1 e 2).
3.º - O Exequente efectivamente entregou aos Mutuários aí identificados as quantias mutuadas.
4.º - As últimas prestações pagas pelos Executados foram aa vencida a em 21/12/2013 e 16/09/2014, respectivamente para o primeiro e segundo contratos, não tendo efectuado o pagamento de qualquer uma das subsequentes, apesar de, por diversas vezes, interpelados para o fazer pelos serviços do Exequente – o que tornou vencida a dívida na sua totalidade, nos termos do art. 781.º do Código Civil.
5.º - Para garantia dos capitais referidos, respectivos juros e despesas, constituiram os Executados AA e BB, a favor do Exequente, hipoteca(s) voluntária(s) e genérica(s) sobre o(s) imóvel(eis) nomeado(s) à penhora (cfr. docs. n.os 3 a 9).
6.º - A(s) hipoteca(s) garante(m) o bom pagamento dos empréstimos assumidos pelos Mtuários, perante o Banco Exequente, até ao montante máximo de € 445.250,00, encontrando-se devidamente registada(s) pela Ap. ...83 de 2012/12/27 (cfr. docs. n.ºs 3 a 9).
7.º -Nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 54.º do CPC: "A execução de dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro seguirá directamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor."
8.º - O executado BB é, assim, parte legítima para a presente execução por força do n.º 2, do art. 56.º dp CPC.
9.º - O tribunal é territorialmente competente, por força do disposto no n.º 1, do art. 94.º do CPC.
(….)
LIQUIDAÇÃO DA OBRIGAÇÃO
Valor Líquido: 339.184,38 €
Valor dependente de simples cálculo aritmético: 31.048,44 €
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €
Total: 370.232,82 €
Foi estabelecido no Contrato de Financiamento ...86 que o capital mutuado venceria juros à taxa correspondente à EURIBOR a 3 meses, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 6.50000 pontos percentuais e de sobretaxa de 3% no caso de mora, alteráveis em função da variação que viessem a sofrer no decurso do contrato.
A dívida em capital é,actualmente, de € 264.231,36, a que acrescem juros vencidos desde a data de entrada em mora, 21/12/2013 e até 15/05/2015, à taxa 9,792% ao ano (6,792%, taxa de juros remuneratórios actualmente praticada de acordo com o critério fixado no título executivo + 3%, sobretaxa de mora), o que perfaz € 291.362,87.
Foi estabelecido no Contrato de Financiamento n.º ...87 que o capital mutuado venceria juros à taxa correspondente à EURIBOR a 1 mês, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 7.50000 pontos percentuais e de sobretaxa de 3% no caso de mora, alteráveis em função da variação que viessem a sofrer no decurso do contrato..
A dívida em capital, é, actualmente, de € 74.953,02, a que acrescem juros vencidos desde a data de entrada em mora, 16/09/2014 e até 15/05/2015, à taxa de 10,506% ao ano (7,506%, taxa de juros remuneratórios actualmente praticada de acordo com o critério fixado no título executivo + 3% sobretaxa de mora), o que perfaz € 78.869,95.
A final, o Agente de Execução deverá contar os juros vencidos e vincendos, relativamente a ambos os mútuos, desde 16/05/2015, às indicadas taxas de 9,792% e de 10,506%, nos termos do n.º 2 do art. 716.º do Código de Processo Civil (…)”.
*
2. Em 08-01-2016, os executados e ora recorrentes apresentaram petição de embargos, onde invocaram, nomeadamente, o seguinte:
“I – Da ilegitimidade da Exequente
1º Alega a Exequente sob o artigo 1º do respectivo requerimento executivo que “sucedeu ao Banco Espírito Santo, S.A. (que figura como credor no(s) título(s) executivo(s) que serve(m) de base a esta execução), na titularidade da(s) obrigação(ões) exequenda(s) e respectivas garantias, por força de deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 (…), sendo, assim, parte legítima (activa) na presente execução (…)”.
2º Acontece que tal alegação e os documentos para os quais remete não se mostram processualmente adequados e suficientes para que a Exequente se apresente aqui nessa qualidade em substituição do referido Banco Espírito Santo, S.A.
3º Na verdade, a sucessão invocada pela Exequente só pode ser entendida, em sentido lato, como sinónimo de transmissão, como aliás resulta mais claro da certidão permanente a que ali alude e para a qual remete, a qual esclarece que o objecto daquela é, designadamente, a “Administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco Espírito Santo, SA (…)”.
4º E, nos termos da lei, “No caso de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo” - (cfr. nº 1, do art. 263º do CPC).
5º Ora, sendo que dos autos não consta que o Exequente tenha sido admitido a substituir o Banco Espírito Santo, S.A., verifica-se que aquele:
- não requer especificamente a sua habilitação em substituição do Banco Espírito Santo, S.A.;
- não alega factualidade concreta susceptível de a fundamentar, nem a mesma resulta, sem mais, da aludida deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal (a qual, ainda assim, não se sobrepõe à lei processual e como tal nunca dispensava a própria habilitação da Exequente).
6º A este último respeito, como é facto do conhecimento geral, e além disso resulta do teor da própria deliberação em causa, o Banco Espírito Santo, S.A. não se extinguiu, apenas tendo sido transmitida para a Exequente parte dos seus activos bem como parte do respectivo passivo, como aliás resulta da referida certidão, não estando alegado nem demonstrado que o alegado crédito se integra no elenco dos que lhe foram efectivamente transmitidos.
7º Note-se, ainda, que colocando-se a questão da própria inexistência do crédito em causa, desde logo à data da própria deliberação, como infra exposto, nem sequer podia o mesmo considerar-se como transmitido, por impossibilidade jurídica intrínseca de tal suposta transmissão.
8º Visto noutra perspectiva: a aludida deliberação afigura-se genérica e essencialmente regulamentar, faltando a invocação e prova de factualidade demonstrativa da efectiva transmissão do específico e concreto crédito invocado – o que não foi feito in casu pelo Exequente, a quem, em exclusivo, competia tal alegação e prova.
9º Em reforço do que já ficou dito, salienta-se que o Banco Espírito Santo S.A. não se extinguiu nem houve uma transmissão universal do todos os respectivos direitos e obrigações, mas apenas foi destacada parte das suas posições jurídicas para a Exequente, pelo que se está perante uma figura substancialmente afim da cisão,
10º Pelo que, mutatis mutandis, chamando à colação o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/10/2007, processo nº 3668/2007-1, acessível in www.dgsi.pt, se verifica que: III - Se o direito litigioso figura no elenco dos bens da sociedade cindida transmitidos à sociedade beneficiária ou no conjunto dos débitos que acompanharam esses bens, nem por isso a sociedade cindida deixa de ter legitimidade para a causa, enquanto a sociedade beneficiária não for, por meio do incidente de habilitação especialmente regulado no art. 376º do CPC, admitida a substituí-la (art. 271º-1 do CPC).
11º Assim, verifica-se, salvo melhor entendimento, ser o Banco Espírito Santo, S.A. quem continua a ter legitimidade para intervir nos presentes autos e não a Exequente.
12º Aliás, neste sentido aponta precisamente o normativo citado pela própria Exequente: “A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor (…)” - (cfr. nº 1, do art. 53º do CPC), sendo que a Exequente não consta sequer no alegado título.
13º Assim, verifica-se não ser a Exequente parte legítima para intervir nos autos, ilegitimidade esta a qual a Executada invoca expressamente e para todos os efeitos legais (cfr. arts. 30º, nº 1, 53º, nº 1, 263º, nº 1, 577º, alínea e), 578º, primeira parte, e 576º, nº 2, todos do CPC).
14º Face ao exposto, a Executada impugna expressamente e para todos os efeitos legais o alegado pela Exequente sob o artigo 1º do requerimento executivo.
II - Da incongruência entre o requerimento executivo e os títulos apresentados, bem como da insuficiência destes enquanto títulos executivos
15º O Exequente aparenta confundir as garantias de determinada obrigação de pagamento – como sejam uma hipoteca ou uma livrança – com o que seja a própria obrigação e, ainda, por outro lado, o que pode ou não constituir título executivo para a respectiva cobrança e o eventual recurso às ditas garantias por essa via executiva.
16º Ora, desde logo, considerando o teor do requerimento executivo e dos documentos apresentados com o mesmo, verifica-se inexistir correspondência entre as garantias (hipotecas) dadas à execução e os alegados créditos exequendos – impugnando-se, aliás, expressamente o alegado nos arts. 2 º a 6º do requerimento executivo, os quais não têm correspondência com a realidade:
17º Por um lado, o montante de capital exequendo (€ 339.184,38) excede o montante máximo das responsabilidades que se consideram abrangidas por tais garantias (€ 325.000,00, cfr. consta das respectivas inscrições hipotecárias);
18º Por outro lado, e mormente, não se mostra apresentado qualquer título (documento) para a alegada responsabilidade exequenda da executada AA, susceptível de fundamentar, quer a presente execução, quer o accionamento em função da mesma das aludidas garantias hipotecárias – necessariamente prova documental da alegada responsabilidade exequenda, quer em termos de montante, quer em termos da sua assumpção por aquela.
19º Dito de outra forma, face ao expresso teor do próprio requerimento executivo, bem como face ao teor de todos os documentos com o mesmo apresentados, verifica-se que de nenhum destes últimos (numerados de 1 a 9, sendo como docs. 1 e 2 dois contratos, incluindo respectivos anexos e alteração ao segundo, e como docs. 3 a 9 sete certidões permanentes do registo predial), nem do seu conjunto, resulta o título executivo para a presente execução, nem por si próprio, nem face à respectiva causa de pedir alegada naquele primeiro.
20º Importa lembrar que, como doutamente referido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proc. 1552/07.0TBOAZ, de 03-11-2011: Toda a execução tem de ter por base um título executivo, pelo qual se determina o seu fim e limites. O título executivo é, assim, pressuposto de qualquer execução, sua condição necessária e suficiente, não havendo execução sem título.”
21º Noutra expressão, mas no mesmo sentido, é dito pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. 3381/12.0TJCBR, de 12-11-2013: O título executivo apresenta-se como requisito essencial da acção executiva e há-de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda.
22º Note-se ainda que, como referido no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. 1136/05-OTBCVL, de 26-02-2008, aplicável mutatis mutandis: 1. O título executivo não é a causa de pedir na acção executiva, porquanto a causa de pedir é um facto, um elemento essencial de identificação da pretensão processual, enquanto que o título executivo é o documento ou a obrigação documentada, um instrumento probatório especial da obrigação exequenda. 2. O título executivo, apesar de ser um pressuposto específico da execução, de carácter formal, condiciona, igualmente, a exequibilidade extrínseca da pretensão. 3. Não condenando a decisão a satisfazer a prestação exequenda, inexiste título executivo, faltando a respectiva causa de pedir, carecendo de relevância o pedido, por estar em desconformidade com o título executivo.
23º Assim, conclui-se, na senda do entendimento acima expresso, pela manifesta insuficiência de título executivo.
III - Da não implementação do PERSI pela Exequente
24º O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), conforme Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito, entendidas estas como qualquer entidade habilitada a efectuar operações de crédito em Portugal, em situações de risco de incumprimento, sendo o seu regime aplicável designadamente aos contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre imóvel.
25º Assim, sem prejuízo do acima referido, sempre se verifica que, face às hipotecas em execução (duas das quais são sobre fracções que constituem a habitação própria e permanente do Executado CC), e ao teor do disposto na al. b), do nº. 1 do referido DL 227/2012, sempre se impugna ao Exequente dar cumprimento ao aludido PERSI, o que, in casu, não fez, o que obsta à exigibilidade, logo exequibilidade, de qualquer título executivo.
26º Na verdade, e designadamente, a Exequente nunca integrou os Executados no PERSI, como a isso estaria obrigada, na senda da sua própria alegação e causa de pedir na execução sub judice (cfr. art. 14º, nº 1, do referido DL).
27º Ora, durante o período de integração dos Executados no mencionado PERSI, integração esta que, reitera-se, a Exequente estaria legalmente obrigada fazer, não podia, designadamente, intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu alegado crédito (cfr. art. 18º, nº 1, alínea b), do referido DL).
28º Assim, não tendo dado início ao PERSI como seria obrigatório para a Exequente, sendo certo que a extinção de tal procedimento depende também de comunicação formal aos Executados (cfr. art. 17º do referido DL),
29º Verifica-se desde logo que a Exequente não agiu com a diligência e lealdade que lhe eram exigidas, tendo violado princípios de actuação legalmente estabelecidos, e designadamente os princípios da diligência, da legalidade e da transparência (cfr. arts. 4º e 29º do referido DL),
30º Violação essa de tais princípios a qual os Executados invocam expressamente e para todos os efeitos legais.
31º Ou seja, por outras palavras, e sempre sem prejuízo do acima invocado, os pressupostos da actuação da Exequente, no caso concreto, sempre estarão em desconformidade com a previsão legal expressa no artigo 14º, nº 1, do referido Decreto-Lei,
32º Violação de lei essa a qual os Executados invocam expressamente e para todos os efeitos legais.
33º Para o que aqui mais releva, verifica-se que, por um lado, durante o período compreendido entre a data de integração dos Executados no PERSI e a extinção deste procedimento, integração essa que não chegou a ser cumprida pela Exequente, esta estava impedida de promover a presente execução (cfr. art. 18º, nº 1, alínea b), do referido DL),
34º Impedimento este o qual os Executados invocam expressamente e para todos os efeitos legais e do qual se prevalecem.
35º Como decorrência lógica do supra alegado, e por força de tais impedimentos legais, verifica-se também que os documentos apresentados à execução pela Exequente e acima identificados não reúnem os requisitos legalmente exigidos para poderem ser considerados títulos executivos válidos, designadamente os requisitos de exigibilidade, e consequentemente, para poderem servir de base e fundamentar a presente execução (cfr. alínea b), do nº 1, do art. 703º do CPC, a contrario sensu).
36º Na verdade, o título executivo consubstancia-se num documento que certifica a obrigação exequível e delimita o objecto da acção executiva, no qual, designadamente a exigibilidade da obrigação exequenda se constitui como condição processual de prosseguimento da acção executiva instaurada, pelo que, não sendo esta obrigação exigível, como supra referido, não se justifica a execução (cfr. art. 713º do CPC),
37º Inexigibilidade essa da obrigação exequenda a qual os Executados invocam expressamente e para todos os efeitos legais.
IV – Da suspensão da execução sem a prestação de caução
38º Chama-se à colação na presente sede o supra alegado no que toca à ilegitimidade da Exequente à incongruência e à falta de título executivo, bem como, finalmente à inexigibilidade, logo inexequibilidade, de obrigação garantida por hipoteca sobre imóvel sem o prévio cumprimento do PERSI.
39º Ora, o recebimento dos embargos pode suspender o prosseguimento da execução se o embargante tiver impugnado, em sede de oposição, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação e o Tribunal considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução (cfr. alínea c), do nº 1, do art. 733º do CPC).
40º E, por outro lado, está em causa a garantia hipotecária sobre sete imóveis, imóveis estes que, em devido tempo, foram avaliados pelo BES em mais de € 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros), logo ultrapassando em muito o montante reclamado na execução.
41º Assim, verificadas determinadas circunstâncias, mormente as supra alegadas, o Tribunal pode decretar a suspensão da execução sem a prestação de caução pelo Executado, chamando-se à colação o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05/05/2015, processo 505/13.3TBMMV-B.C1, do qual se transcreve o respectivo sumário: I - Deixando o art. 733º, nº1, al.c) do CPC ao critério do juiz a consideração de entender ou não como justificado suspender a execução sem prestação de caução, em face da regra restritiva que é a de os embargos não suspenderem a execução (não bastará a impugnação da existência, validade, vencimento, liquidez ou exigibilidade da prestação exequenda para obter a suspensão sem caução, exigindo-se que dos termos da impugnação, confrontados com os elementos de apreciação, maxime o título executivo, nesse momento liminar do recebimento dos embargos, se revele algo de importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva.II - A existência de garantia real não impõe automaticamente a suspensão da execução mas também não é irrelevante para determinar se deve ou não ser prestada caução. Pelo que, existindo garantia real, uma nova caução para suspender a execução só será necessária em caso de insuficiência do valor do bem dado em garantia e se este nada cobre para além do crédito exequendo.III - Esta ponderação da suficiência ou não da garantia do crédito de forma a dispensar a caução é um juízo que deve ser feito pelo tribunal de primeira instância.
42º Efectivamente, verifica-se ser a garantia real existente sobre o referido imóvel suficiente para garantir a satisfação do (alegado) crédito exequendo, e bem assim o que acresça a este (alegado) crédito em resultado do retardamento na sua satisfação, mostrando-se, pois, suficientemente protegida e salvaguardada a posição da Exequente.
43º Face ao exposto, os Executados requerem a suspensão da presente execução sem a prestação de caução. Acresce ainda que,
44º Se o bem penhorado for a casa de habitação efectiva do embargante, como é o caso em relação às duas fracções habitacionais e ao Executado CC, o Juiz pode, a requerimento daquele, determinar que a venda aguarde a decisão proferida em 1ª instância sobre os embargos, quando tal venda seja susceptível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável (cfr. nº 5, do art. 733º do CPC).
45º Este mecanismo legal analogicamente aplicado, por igualdade de razão, e considerando todo o supra alegado designadamente no sentido da inexigibilidade da obrigação exequenda, há-de justificar a suspensão da execução sem prestação de caução, porquanto, nas circunstâncias supra expostas, do prosseguimento da mesma advirá prejuízo grave e dificilmente reparável para aquele – pessoa nascida a .../.../1945, logo com setenta anos de idade.
Termos em que devem os presentes Embargos ser recebidos, e em face do que:
a) Invocam a falta de legitimidade da Exequente para a presente execução, com as legais consequências;
b) Invocam a incongruência entre o requerimento executivo e os documentos apresentados como título executivo;
c) Invocam a insuficiência dos mesmos como título executivo;
d) Invocam a falta de implementação do PERSI pela Exequente, com as legais consequências;
e) Invocam, nessa sequência, a inexigibilidade, logo inexequibilidade, da alegada dívida exequenda, com as legais consequências;
f) Requerem a suspensão da execução sem a prestação de caução;
g) Deve a presente oposição à execução mediante embargos ser julgada integralmente procedente, por provada, e consequentemente integralmente improcedente a execução, por não provada; (…).”.
*
3. Na sequência, em 05-04-2018, o embargado/exequente apresentou contestação invocando, em suma, o seguinte:
“Processo n.° 4136/15.... (Embargos de Executado)
NOVO BANCO. S.A., Exequente nos autos à margem referenciados, notificado dos doutos Embargos à Execução deduzidos por AA, BB e CC,
VEM, NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO DISPOSTO NO N.° 2 DO ART. 732.° DO C.P.C., CONTESTAR OS MESMOS, O QUE FAZ,
NOS TERMOS E COM OS SEGUINTES FUNDAMENTOS:
I Síntese dos Embargos que ora se contestam
1.º Os Executados, acima identificados, deduzem a sua Oposição com os seguintes fundamentos:
i) Ilegitimidade activa do Exequente;
ii) Insuficiência dos títulos dados à execução;
iii) Não implementação do PERSI pela Exequente;
iv) Pedido de suspensão da instância executiva mediante dispensa de prestação de caução.
2.º Desde logo se impugnam, por serem falsas, inócuas e/ou consistirem num desvio à verdade - pelo modo como vão formuladas ou pelo que das mesmas se pretende extrair- as asserções contidas nos artigos 2.°, 5.°, 6.° (a partir de “não estando alegado (...) ”, 7°, 8.°, 9.°, 11.°, 12.°, 13.°, 15.°, 16.°, 18.°, 19.°, 23.°, 24.°, 25.°, 26.°, 27.°, 28.°, 29.°, 31.°, 33.°, 35.°, 36.°, 38.°, 40.°, 41.° (até à expressão “prestação de caução pelo Executado ”), 42.°, 44.° e 45.° da douta Oposição.
II Ilegitimidade activa do Exequente
3.º Alegam os Embargantes que o Novo Banco, S.A., é parte ilegítima para actuar enquanto Exequente na presente acção na medida em que: i) não juntou documentos processualmente adequados e suficientes para que a Exequente se apresente aqui nessa qualidade; ii) não requereu especificamente a sua habilitação em substituição do Banco Espirito Santo; iii) não demonstrou que os créditos invocados foram transferidos para a sua titularidade - cfr. art.°s l.° a 14.° dos doutos Embargos.
4.º Conforme referido no art.° 1.° dos Factos no Requerimento Executivo, por força da deliberação extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, tomada no dia 3 de Agosto de 2014, foi aplicada ao Banco Espírito Santo, S.A., uma medida de resolução mediante a qual “a generalidade da actividade e do património do Banco Espírito Santo S.A., é transferida, de forma imediata e definitiva, para o Novo Banco S.A. ” — Cfr. Certidão com o código de acesso ....
5.º Conforme se extrai do art.° 145.° -H do R.G.LC.S.F. “a decisão de transferência produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legar.
6.º A transferência patrimonial em causa operou-se -ope legis- por força da conjugação do art.° 145.° - G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) com a supra citada Deliberação do Banco de Portugal.
7.º De todo o modo, por deliberação datada de 11 de Agosto de 2014, o Conselho de Administração do Banco de Portugal veio a concretizar qual “o conjunto de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob a gestão do Banco Espirito Santo, S.A. (...) que passaram para o Novo Banco, S.A. ” elencando, expressamente, quais as matérias excepcionadas dessa transmissão generalizada – vide https://www.bportugal.pt/pt-PT/OBancoeoEurosistema/ComumcadoseNotasdeInformacao/Documents/ANEXOl-De!ibera%C3%A7%C3%A3o%2011-08-2014%20-%20Clarifica%C3%A7%C3%A3o%20do%20per%C3%ADmetro.pdf em especial, n.° 1, alínea b) do Anexo 2 consolidado e, a contrario, subalínea v) do mesmo documento.
8.° Tendo em conta que nos presentes autos não está em causa matéria objecto das excepções contidas na referida Deliberação, é evidente que a dívida exequenda se transmitiu para a esfera jurídica do Novo Banco, S.A. na sequência da aplicação da medida da resolução pelo Banco de Portugal.
9.° O actual titular do crédito exequendo é - assim e em síntese - o NOVO BANCO, S.A., pois que, em consequência da indicada transferência de activos do BES, S.A., este passou a integrar a sua esfera jurídica patrimonial.
10.° Acresce que, já se encontra registada (Ap. ...16 de 2015/04/24) a transmissão da hipoteca - constituída pelos Embargantes a favor do então Banco Espírito Santo, S.A., para garantia das obrigações emergente dos contratos de financiamento supra identificados - a favor do Novo Banco, S.A. - cfr. certidões permanentes que se juntam como Documentos 1 a 7 e dão por reproduzidos para os legais e devidos efeitos.
11.° Não assiste, pois, qualquer razão aos Embargantes quanto à convenientemente invocada excepção de ilegitimidade activa, nem tão pouco é perceptível a alegada necessidade - pasme-se - de habilitar quem já figura nos autos como Exequente.
III Alegada insuficiência dos títulos dados à execução
12.° Os Embargantes defendem que não existe “correspondência entre as garantias (hipotecas) dadas à execução e os alegados créditos exequendos ” - vide art.° 16.° dos doutos Embargos.
13.° E, mais adiante, que “não se mostra apresentado qualquer título (documento) para a alegada responsabilidade exequenda da executada AA, susceptível de fundamentar, quer a presente execução, quer o accionamento em função da mesma das aludidas garantias hipotecárias”
14.° Novamente, não lhes assiste qualquer razão.
15.° Antes de mais, é reprovável a confusão que os Embargantes pretendem instalar nos presentes autos - quer quanto aos títulos executivos juntos aos autos quer quanto às garantias por si, livre e esclarecidamente, prestadas.
16.° Em 21/12/2012, foi celebrado entre o Exequente (na qualidade de mutuante) e os Executados CC (na qualidade de mutuário) AA (na dupla qualidade de mutuária e prestadora da garantia de hipoteca) e BB (na qualidade de prestador da garantia de hipoteca), dois Contratos de Financiamento:
i. Financiamento n.° ...86, até ao montante máximo global de € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros);
ii. Financiamento n.° ...87, até ao montante máximo global de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), aumentado para € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), por aditamento ao contrato assinado em 21/02/2013.
- cfr. does. 1 e 2 juntos com o requerimento executivo.
17.° Valores efectivamente entregues aos Executados, como claramente demonstram os extractos integrados da conta à ordem n.° ...08, que se junta como documentos 8 e 9 e se dão por integralmente reproduzidos - entrega essa que não é, aliás, posta em causa pelos Embargantes.
18.° Os executados AA e BB, por escritura pública outorgada no mesmo dia 21/12/2012, constituíram ainda hipoteca sobre os imóveis penhorados nos autos, a favor do Exequente, para “garantir as obrigações que advêm ou possam advir para a primeira outorgante (a executada AA) em virtude de quaisquer contratos de natureza bancária em direito permitidos, já celebrados ou que venham a ser celebrados com o “BES”, como por exemplo os relacionados com quaisquer garantias, como sejam fianças ou garantias bancárias de qualquer tipo, os relacionados com letras, livranças, operações de futuros e derivados, bem como com todas e quaisquer formas de financiamento ou concessão de crédito, regulado ou não, em legislação especial, como sejam, mútuos, aberturas de crédito, descobertos em conta, financiamentos externos, bem como as restantes operações financeiras, nas quais a primeira outorgante, seja ou venha a ser interveniente. ” - cfr. documento 10 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.
19.° Assim, a hipoteca (genérica) constituída garante, entre outros, os dois contratos de financiamento dados à execução, como consta, aliás, dos mesmos, nas Condições Particulares, sob a epígrafe “Garantias de Crédito
20.° Sucede que, a última prestação paga no que concerne ao primeiro contrato foi a vencida em 21/12/2013, não tendo sido efectuado o pagamento de qualquer uma das subsequentes - cif. extracto da conta à ordem que se junta como documento 11 e se dá por integralmente reproduzido.
21.° E a última prestação paga no que concerne ao segundo contrato foi a vencida em 16/09/2014, não tendo sido efectuado o pagamento de qualquer uma das subsequentes - cfr. extracto da conta à ordem que se junta como documento 12 e se dá por integralmente reproduzido.
22.° Perante o incumprimento dos contratos em apreço, por cartas datadas de 3/12/2014, o Exequente comunicou aos Executados o vencimento antecipado de ambos os Contratos de Financiamento cfr. documentos 13 e 14 que se juntam e se dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais.
23.° Não tendo logrado obter dos Executados o pagamento das quantias em dívida em ambos os contratos, por cartas datadas de 22/04/2015, o Exequente: i) procedeu à comunicação da denúncia dos contratos de financiamento, ii) à comunicação de que foram dadas instruções para a cobrança da dívida, através do recurso a uma acção judicial, com a consequente execução das garantias associadas aos créditos em crise, e iii) exigiu o pagamento da totalidade do valor dos contratos, aí se incluindo os valores em atraso e o montante de capital em dívida até final do prazo do contrato, acrescido das despesas extrajudiciais incorridas - cfr. documentos 15 a 20 que se juntam e se dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais.
24.° Incumprimento reiterado e falta de pagamento que motivaram a instauração da presente execução.
25.° Esclarece-se, por fim, que, na data em que foram assinados - 21/12/2012 - os contratos que servem de base à presente execução constituíam, nos termos do artigo 46.°, n.° 1, c), do anterior CPC, título executivo.
26.° E, não obstante a Lei n.° 41/2013, de 26/06, ter eliminado do elenco dos títulos executivos, os documentos particulares assinados pelo devedor que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, de acordo com o douto Acórdão do Tribunal Constitucional, n.° 408/2015, de 14 de Outubro, publicado no Diário da República n.° 201/2015, Série I, de 2015-10-14, mantém-se a exequibilidade que lhes era conferida pela referida alínea c) do n.° 1 do art.° 46.° do CPC.
27.° Ou seja, no momento em que foram constituídos os documentos que titulam a presente execução - 21/12/2012 - os devedores obrigaram-se a pagar a dívida que, no mesmo reconheceram e o credor viu-se investido no direito de receber os créditos ou de executar os documentos que os titulam, caso as dívidas não lhe fossem voluntariamente pagas.
IV Suposta não implementação do PERSI pelo Exequente
28.° Alegam ainda os Embargantes, no art.° 25° dos doutos Embargos, que “face às hipotecas em execução (...), e ao teor do disposto na al. b), do n°. 1 do referido DL 227/2012, sempre se impugna ao Exequente dar cumprimento ao aludido PERSI, o que, in casu, não fez, o que obsta à exigibilidade, logo exequibilidade, de qualquer título executivo. ”
29.° E verdade que o Exequente não integrou os Embargantes no PERSI, aquando do incumprimento das obrigações decorrentes dos contratos de crédito dados à execução, nem tinha de o fazer.
30.° Contrariamente ao alegado pelos Embargantes, o PERSI aplica-se aos contratos de crédito, entre outros, garantidos por hipoteca sobre bem imóvel, celebrados entre instituições de crédito e clientes bancários, entendidos estes como “consumidores”, na acepção dada pelo artigo 2.°, n.° 1 da Lei de Defesa do Consumidor: “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios. ” (sublinhado nosso)
31.° Como os Embargantes bem sabem, os referidos contratos foram celebrados com as finalidades de “Fundo de Maneio à Actividade Empresarial” e “Apoio de Tesouraria” à Farmácia explorada pelos Embargantes mutuários, como consta, respectivamente, dos does. 1 e 2 juntos com o Requerimento Executivo.
32.° Ou seja, os contratos de financiamento dados à execução foram celebrados com os Embargantes no âmbito da sua actividade empresarial - exploração de farmácia - e não na qualidade de consumidores, motivo pelo qual estão excluídos do âmbito de aplicação do PERSI.
33.° Não assiste, assim, qualquer razão aos Embargantes.
V Da suspensão da instância executiva
34.° Vêm, por fim, os Embargantes requerer a suspensão dos presentes autos nos termos e para os efeitos do disposto na al. c) do n,° 1 do art.° 733.° do CPC.
35.° Dispõe aquele preceito que “o recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução. ” [sublinhado nosso].
36.° Nos embargos deduzidos, os Embargantes não contestam a existência da dívida; o incumprimento dos contratos que estão na génese da presente execução, os quais também não foram impugnados quanto à sua autenticidade, nem ainda a exigibilidade ou a liquidação da obrigação (cfr. art.° 733.°, n.° 1, alíneas b) e c) do CPC).
37.° Ora, foi contratualmente estipulado que o incumprimento definitivo de qualquer obrigação resultante do Contrato, confere a Banco o direito de “declarar imediatamente vencidas todas as obrigações assumidas pelo Cliente no Contrato, exigindo o pagamento imediato de todos os montantes devidos ao seu abrigo. ” - v. Cláusula 36a, §1, b) das Condições Gerais de ambos os Contratos de Crédito juntos aos autos.
38.° Sendo certo que os Executados foram notificados do vencimento antecipado dos contratos de crédito, com fundamento em incumprimento definitivo das obrigações assumidas, e para o pagamento dos montantes devidos no âmbito dos indicados contratos, pelo que são os mesmos exigíveis - cfr. art. 781.° do Código Civil.
39.° Defendem ainda os Embargantes, no art.° 40.° dos doutos Embargos, que os imóveis dados em garantia ao Exequente e penhorados nos presentes autos, “em devido tempo, foram avaliados pelo BES em mais de €450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros), logo ultrapassando em muito o montante reclamado na execução. ”
40.° No entanto, e conforme consta da escritura de constituição de hipoteca outorgada em 21/12/2012 - e junta como doe. 10 - foi atribuído aos imóveis ora penhorados o valor global de € 133.200,00, valor substancialmente inferior ao alegado pelos Embargantes e, claramente, insuficiente para garantir o pagamento da quantia exequenda e custas processuais.
41.º Mais alegam que, as duas fracções habitacionais penhoradas, são a casa de habitação efectiva do Embargante CC, sem no entanto juntar, como lhes competia, qualquer documento comprovativo do alegado.
42.° Aliás, das certidões prediais das referidas fracções autónomas - juntas como does. 1 e 2 com a presente Contestação - decorre que os seus proprietários são, ao contrário do alegado, os demais Executados.
43.° Carece, assim, de total fundamento a pretensão dos Embargantes.
Nestes termos e nos demais de direito deverá:
-Ser negado provimento aos doutos Embargos que ora se contestam;
-Ser indeferida a suspensão da execução, requerida nos termos e ao abrigo do disposto no Art. 733.°, n.° 1, c) do CPC  (…)”.
*
4. Após, em 24-10-2018, foi proferido despacho do seguinte teor:
“(…) A. Por despacho anterior proferido pela anterior M.ma Juiz Titular foi, sem qualquer fundamentação, designada data para a realização de audiência prévia.
Ora, o despacho que designa data para a realização de audiência preliminar, sendo um mero despacho ordinatório, não transita em julgado, sendo passível de ser alterado, do mesmo modo que o despacho que selecciona a base instrutória — cf., por todos, o acórdão da RC de 15.11.2011, processo n.º 1452/09.9TBACB.C1, disponível in www.dgsi.pt.
Assim, atendendo à simplicidade da causa e ao facto de que a mesma se destinaria à prolação de saneador-sentença parcial e selecção do objecto e temas de prova, que reveste extrema simplicidade, decido dispensar a realização da audiência prévia nos termos do disposto nos artigos 593.º, n.º 1, e 595.º, n.º 1, alínea b), ex vi artigo 732.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil.
Tanto mais que as partes tiveram oportunidade de nos seus articulados se pronunciarem sobre os fundamentos dos embargos.
Face ao ora exposto, dá-se sem efeito a designação de audiência prévia.
Notifique e desconvoque pelo meio mais célere.
(…) B. O valor da presente acção corresponde ao montante da causa dos autos de execução a que se reporta, ou seja, em € 28.120,00 (vinte e oito mil, cento e vinte Euros) —, nos termos do disposto nos artigos 296.º, 297.º, 299.º, 303.º e 306.º do Código de Processo Civil.
(…) C. O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território.
O processo é o próprio e não enferma de nulidade que o invalide.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas no presente apenso e encontram-se devidamente representadas em juízo.
(…) D. Requerimento dos embargantes de 27 de Abril de 2016
Por consistir no exercício do direito ao contraditório quanto aos documentos juntos com a contestação, fique nos autos, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
É de notar que, contrariamente ao alegado pelo exequente, o requerimento é tempestivo, pois atenta a presunção de notificação ter sido efectuada no 3.º dia após a remessa da mesma, prazo de dez dias acrescido de 3 dias úteis, face à multa autoliquidada pelos embargantes, resulta que o último dia legalmente admissível para praticar o acto, ainda que por força do pagamento da multa foi o dia em que foi praticado de 27 de Abril de 2016.
(…) E. Requerimento do exequente de 09 de Maio de 2016
Por consistir no exercício do direito ao contraditório, por um lado, quanto à tempestividade do requerimento a que se alude em D), e, por outro, na resposta à invocada impugnação da genuinidade de documentos juntos com a contestação e respectiva junção de prova no âmbito desse incidente, fique nos autos.
Na verdade, os embargantes olvidam no seu requerimento de 10 de Maio de 2016 que não estamos perante uma mera resposta a impugnação de documentos, mas sim na oposição a impugnação da genuinidade dos documentos invocada pelos embargantes nos termos do disposto no artigo 448.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
(…) F. Requerimento dos embargantes de 10 de Maio de 2016
Por consistir no exercício do direito ao contraditório quanto aos documentos juntos com o requerimento de 09 de Maio de 2016, fique nos autos, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, não assistindo, pois, razão ao exequente (cf. requerimento de 19 de Maio de 2016).
(…) G. Considero que o estado dos autos permite, com a necessária segurança, o imediato conhecimento parcial da causa nos termos do disposto no artigo 595.º, n.º 1, alínea b), ex vi artigo 732.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil.
(…) I — RELATÓRIO
Por apenso à execução que NOVO BANCO, S.A. move contra AA, CC e BB, deduziram estes últimos os presentes EMBARGOS DE EXECUTADO, invocando, para tanto, em síntese, no que ora releva para ser decidido de imediato, a ilegitimidade do exequente, a ausência de instauração prévia de PERSI e a incongruência entre requerimento executivo e título executivo.
Os embargos foram recebidos e o(a) exequente regularmente notificado(a) para contestar, pugnou pela sua improcedência.
(…) QUESTÕES A DECIDIR:
Saber:
I — Se o exequente é parte ilegítima nos autos principais de execução;
II — Se a não integração dos executados no PERSI constitui uma condição objectiva de procedibilidade da execução;
III — Se existe incongruência entre requerimento executivo e título executivo.
(…) II — FUNDAMENTAÇÃO
A. FACTOS
Tendo por base os elementos documentais juntos aos autos de execução e dos presentes embargos, julgo provados os seguintes factos com interesse para o conhecimento e apreciação da causa:
1. Por requerimento executivo de 03 de Julho de 2015, em que se indicou como título executivo “Outro título com força executiva”, consta como factos o seguinte:
«1.º - O Novo Banco, S.A. sucedeu ao Banco Espírito Santo, S.A. (que figura como credor no(s) título(s) executivo(s) que serve(m) de base a esta execução), na titularidade da(s) obrigação (ões) exequenda(s) e respectivas garantias, por força de deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 (cfr. art.º 145.º - G n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras e, ainda, certidão permanente – código de acesso: ...), sendo, assim, parte legítima (activa), na presente execução (cfr. n.º 1 do art.º 53 e n.º 1 do art.º 54.º do NCPC).
2.º - Em 21/12/2012 o Exequente celebrou com AA e CC, dois Contratos de Financiamento até ao montante máximo global de €275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros) e de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), tendo este último, em 21/02/2013, passado a ser de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) (conf. Docs. n.ºs 1 e 2).
3.º - O Exequente efectivamente entregou aos Mutuários aí identificados as quantias mutuadas.
4.º - As últimas prestações pagas pelos Executados foram as vencidas em 21/12/2013 e 16/09/2014, respectivamente para o primeiro e segundo contratos, não tendo efectuado o pagamento de qualquer uma das subsequentes, apesar de, por diversas vezes, interpelados para o fazer pelos serviços do Exequente – o que tornou vencida a dívida na sua totalidade, nos termos do art. 781.º do Código Civil.
5.º - Para garantia dos capitais referidos, respectivos juros e despesas, constituiram os Executados AA e BB, a favor do Exequente, hipoteca(s) voluntária(s) e genérica(s) sobre o(s) imóvel(eis) nomeado(s) à penhora (cfr. docs. n.os 3 a 9).
6.º - A(s) hipoteca(s) garante(m) o bom pagamento dos empréstimos assumidos pelos Mutuários, perante o Banco Exequente, até ao montante máximo de € 445.250,00, encontrando-se devidamente registada(s) pela Ap. ...83 de 2012/12/27 (cfr. docs. n.ºs 3 a 9).
7.º -Nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 54.º do CPC: "A execução de dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro seguirá directamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor."
8.º - O executado BB é, assim, parte legítima para a presente execução por força do n.º 2, do art. 56.º do CPC.
9.º - O tribunal é territorialmente competente, por força do disposto no n.º 1, do art. 94.º do CPC.».
2. No campo liquidação da obrigação indicou-se como valor total €370.232,82, dos quais € 339.184,38 correspondiam a valor líquido e € 31.048,44 a valor dependente de simples cálculo aritmético.
3. Fundamenta-se a liquidação nos seguintes termos: “Foi estabelecido no Contrato de Financiamento ...86 que o capital mutuado venceria juros à taxa correspondente à EURIBOR a 3 meses, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 6.50000 pontos percentuais e de sobretaxa de 3% no caso de mora, alteráveis em função da variação que viessem a sofrer no decurso do contrato.
A dívida em capital é, actualmente, de € 264.231,36, a que acrescem juros vencidos desde a data de entrada em mora, 21/12/2013 e até 15/05/2015, à taxa 9,792% ao ano (6,792%, taxa de juros remuneratórios actualmente praticada de acordo com o critério fixado no título executivo + 3%, sobretaxa de mora), o que perfaz € 291.362,87.
Foi estabelecido no Contrato de Financiamento n.º ...87 que o capital mutuado venceria juros à taxa correspondente à EURIBOR a 1 mês, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 7.50000 pontos percentuais e de sobretaxa de 3% no caso de mora, alteráveis em função da variação que viessem a sofrer no decurso do contrato.
A dívida em capital, é, actualmente, de € 74.953,02, a que acrescem juros vencidos desde a data de entrada em mora, 16/09/2014 e até 15/05/2015, à taxa de 10,506% ao ano (7,506%, taxa de juros remuneratórios actualmente praticada de acordo com o critério fixado no título executivo + 3% sobretaxa de mora), o que perfaz € 78.869,95.
A final, o Agente de Execução deverá contar os juros vencidos e vincendos, relativamente a ambos os mútuos, desde 16/05/2015, às indicadas taxas de 9,792% e de 10,506%, nos termos do n.º 2 do art. 716.º do Código de Processo Civil.».
4. O exequente juntou com o requerimento executivo os seguintes documentos:
a) Contrato de Financiamento ...86;
b) Contrato de Financiamento n.º ...87;
c) Alteração ao Contrato de Financiamento n.º ...87;
d) Certidões do Registo Predial ... dos bens imóveis descritos sob o n.º:
— ...02-GG
— ...02-CK
— ...02-CL
— ...02-CU
— ...02-CV
— ...26-E2
— ...26-F2 — cf. documentos 3 a 9, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
5. Dos documentos n.os 1 e 2, juntos com o requerimento executivo, que aqui se dão por integralmente reproduzidos consta que:
Em 21/12/2012, foi celebrado ente o Exequente (na qualidade de mutuante) e os Executados CC (na qualidade de mutuário) AA (na dupla qualidade de mutuária e prestadora da garantia de hipoteca), dois Contratos de Financiamento:
i. Financiamento n.º ...86, até ao montante máximo global de € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros);
ii. Financiamento n.º ...87, até ao montante máximo global de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), aumentado para € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), por aditamento ao contrato assinado em 21/02/2013.
6. Consta como finalidade no primeiro financiamento «Fundo de Maneio à Actividade Empresarial» e no segundo «Apoio de Tesouraria».
7. Em cada uma das mencionadas certidões encontra-se registada a favor do Banco Espírito Santo, S.A. hipoteca até ao montante de €325.000,00, juro anual: 9%, acrescido de 2% ao ano em caso de mora – despesas €13.000.
(…) B. DIREITO
B.1. — Da (i)legitimidade do exequente
Os embargantes vêm pôr em causa a legitimidade do exequente para figurar como credor nos autos principais de execução.
Nos termos das disposições dos artigos 145.º-E, n.º 1, alínea a), 145.º-M, n.º 1, 145.º-S, 145.º-T, n.º 1, alínea c), e 145.º-L, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), em conjugação com a Deliberação do Banco de Portugal de 03 de Agosto de 2014, foi constituído o Novo Banco, S.A., tendo sido transferidos para este banco a totalidade da actividade prosseguida pelo Banco Espírito Santo, S.A. e a gestão de activos de direitos e obrigações deste último.
Ora, o artigo 145.º-N, n.os 6 e 8, do RGICSF dispõe que a decisão que determine a alienação prevista no n.º 1 do artigo 145.º-M produz, por si só, o efeito de transmissão da titularidade dos direitos e obrigações transferidos da instituição de crédito objecto de resolução para o adquirente, que é considerado, para todos os efeitos legais e contratuais, como sucessor nos direitos e obrigações transferidos, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com tal transferência.
Ora, o facto de um dos incumprimentos em causa nos autos principais ter ocorrido em data posterior à Deliberação do Banco de Portugal não põe em causa a transmissão da titularidade do crédito para o Novo Banco, S.A., uma vez que, como referido, a totalidade da sua actividade bancária, onde se inserem os mútuos concedidos como o dos autos, foram transmitidos para esse novo banco.
Face a todo o exposto, temos de concluir que o Novo Banco, S.A. passou a figurar como mutuante nos mesmos termos que o Banco Espírito Santo, S.A. nos contratos em causa nos autos principais, sem que haja necessidade de proceder à sua habilitação incidental nos presentes autos — cf., no mesmo sentido, a propósito da criação do Novo Banco, S.A, o ac. do STJ de 28.09.2017, processo n.º 1570/13.9TBCSC-A e o ac. da RL de 20.03.2018, processo n.º 7496/11.3TBOER-C.
Improcedem, pois, nesta parte, os presentes embargos de executado.
Sem custas por daqui não decorrer que a provar-se a restante matéria controvertida, que irá constituir o(s) tema(s) de prova os embargos não possam vir a ser julgados total ou parcialmente procedentes no sentido de a execução ser extinta in totum/parcialmente.
(…) B.2. — Da não integração dos executados em PERSI
O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras, como resulta evidente do respectivo Preâmbulo.
No artigo 1.º estabelecem-se os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito designadamente “a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do artigo seguinte”.
No artigo 3.º, alíneas a) e c), atribui-se ao cliente bancário o estatuto de consumidor, na acepção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, desde que intervenha como mutuário em contrato de crédito, e o contrato de crédito como o contrato celebrado entre um cliente bancário e uma instituição de crédito com sede ou sucursal em território nacional que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo anterior, esteja incluído no âmbito de aplicação do presente diploma.
O artigo 18.º do citado Decreto-Lei n.º 227/2012, epigrafado de “Garantias do cliente bancário”, dispõe:
“1. No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;
b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;
c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou
d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.
2. Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode:
a) Fazer uso de procedimentos cautelares adequados a assegurar a efetividade do seu direito de crédito;
b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou
c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito.
3. Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual.
4. Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os actos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do n.º 1 ou as alíneas c), f) e g) do n.º 2 todas do artigo anterior”.
No artigo 39.º do citado diploma legal, epigrafado de “Aplicação no tempo” dispõe-se:
“1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no nº 4 do artigo 14.º
3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no nº 1 do artigo 14.º”.
Conforme resulta evidente do teor desta última norma o legislador pretendeu integrar no regime do PERSI todas as situações previstas no diploma que ao tempo da sua entrada em vigor (01/01/2013) se encontravam em mora relativamente ao cumprimento, independentemente da data pretérita em que tal ocorresse, impondo, apenas, que tivesse ocorrido há mais de 30 dias.
Porém, como se referiu, para que a exigência de integração em PERSI tenha lugar, é necessário que o mutuário tenha a qualidade de consumidor nos termos regulados na Lei de Defesa do Consumidor.
Ora, nos termos desta não se incluem as actividades profissionais/comerciais.
Isto é, os mútuos contraídos, como é o caso, com a finalidade de «Fundo de Maneio à Actividade Empresarial» ou de «Apoio de Tesouraria» não reconduz o mutuário a consumidor para efeitos de ser tutelado por PERSI — cf., no sentido de fiadores pessoas singulares não poderem ser integrados em PERSI por o devedor ser uma pessoa colectiva, não sendo, pois, um consumidor, os acs. da RL 12.10.2017 e da RE de 27.04.2017, respectivamente, processos n.os 6776-15.3T8ALM.L1-8 e 37/15.5T8ODM-A.E1, disponíveis in www.dgsi.pt.
Donde, é irrelevante se algum dos imóveis objecto de hipoteca e que garantem os mútuos em questão se reportam ou não a casa de morada de família de algum dos embargantes.
O critério de exigência de integração prévia do PERSI como condição de procedibilidade de acção executiva pressupõe que o mutuário, que não se confunde com o fiador ou titular do bem hipotecado, seja um consumidor, o que não sucede no caso dada a finalidade dos mútuos em questão.
Improcedem, pois, nesta parte, os presentes embargos de executado.
Sem custas por daqui não decorrer que a provar-se a restante matéria controvertida, que irá constituir o(s) tema(s) de prova os embargos não possam vir a ser julgados total ou parcialmente procedentes no sentido de a execução ser extinta in totum/parcialmente.
(…) B.3. — Da incongruência entre requerimento executivo e título executivo
Os embargantes invocam que há incongruência entre requerimento executivo e título executivo porquanto não se verifica correspondência entre hipotecas e os créditos exequendos, dado o capital exequendo exceder o montante máximo da hipoteca.
Ora, do teor do registo de cada uma das hipotecas não se retira que os montantes máximos previstos em cada uma delas não possam ser somados.
Acresce que os embargantes, claramente, confundem conceitos.
Capital exequendo não se confunde com garantia de pagamento desse capital.
Uma hipoteca que garanta um determinado capital não tem, necessariamente, que ter como limite um valor igual ou superior ao capital em dívida.
Garantias não se confundem com dívida.
Aquelas servem para dar segurança ao credor de que esta será paga, sem que tenham de coincidir em valor/montante.
Tanto mais que não estamos perante um único mútuo.
Na verdade, cada mútuo, por si só considerado, encontra-se garantido por hipoteca em montante suficiente para o pagar.
Mais o capital reclamado por cada mútuo não excede o capital constante do contrato a que o mesmo se reporta.
Donde, não se verifica qualquer incongruência entre o requerimento executivo e o título executivo de cada um dos créditos reclamados.
Nem resulta do texto dos contratos que as hipotecas não se reportem aos mesmos.
Acresce que não percebe como podem os embargantes referir que não há título executivo contra AA, quando a mesma consta como mutuária em ambos os empréstimos/financiamentos.
Improcedem, pois, nesta parte, os presentes embargos de executado.
Sem custas por daqui não decorrer que a provar-se a restante matéria controvertida, que irá constituir o(s) tema(s) de prova os embargos não possam vir a ser julgados total ou parcialmente procedentes no sentido de a execução ser extinta in totum/parcialmente.
(…) B.2. — Da fiança
Os embargantes invocam que não resulta da documentação junta com o requerimento executivo que tenha havido a intenção de constituir os executados pessoas singulares como fiadores, de estes últimos terem expressamente emitido qualquer declaração de renúncia do benefício de excussão prévia e de a alteração ao contrato padecer de vício de falta de forma.
É de notar que os embargantes não invocam que as declarações espelhadas nos documentos juntos com o requerimento executivo não correspondem à vontade real dos declarações, antes apoiando-se no texto dos mesmos para afastar que tenham prestado fiança.
No entanto, entendemos que não lhes assiste razão nesta matéria.
A pedra de toque da argumentação dos embargantes consiste no facto de na alteração ao contrato se usar a expressão “Pretende agora a CLIENTE proceder a alteração contratual”.
Na tese dos embargantes pretender afiançar não corresponde a afiançar, pois naquela situação estaríamos perante uma mera declaração de intenção de praticar o acto futuramente e não de praticar o acto no presente com a assinatura do documento em causa.
Porém, tal tese olvida que pretender significa “querer” e que estamos perante uma declaração de querer que não é futura, mas pelo contrário, presente, daí que no clausulado em questão se associe a pretensão da sociedade executada (mutuária) à palavra agora, actuais segundos outorgantes — que são os novos fiadores e não os anteriores que não intervêm na alteração ao contrato — estes declararem actualizar o clausulado — que somente faz sentido por reporte às alterações efectuadas ao mesmo nesse documento — e a emissão da mutuante de declaração de concordância com as alterações.
Tanto mais, que os embargantes assinam, na qualidade de fiadores, a comunicação de reestruturação do crédito.
Não faria sentido estarmos perante uma vontade de assumir a posição de fiador no futuro e assinar um documento de aceitação das alterações contratuais constantes do documento n.º 3 junto com o requerimento executivo como fiadores.
Em suma, a tese dos embargantes não encontra qualquer respaldo na letra do contrato, nem na sua conduta posterior ao documento em questão com a assinatura do documento n.º 3.
Os embargantes, igualmente, invocam que da documentação junta não consta que os mesmos tenham emitido qualquer declaração de renúncia do benefício de excussão prévia, que não pode ser tácita.
No entanto, os embargantes emitiram declaração expressa a renunciar ao benefício de excussão prévia.
Essa renúncia consta no contrato inicial (na escritura) do seguinte modo: «Os fiadores renunciam ao benefício do prazo estipulado no artigo 782º do Código Civil e ao exercício das excepções previstas no artigo 642º do mesmo Código.».
Por seu turno, no documento de alteração do contrato consta que os embargantes passam a ser os novos fiadores, dada a dispensa da fiança de DD, EE e FF.
Mais consta que os embargantes declaram «conhecer perfeita e integralmente os termos, cláusulas e condições do referido contrato, bem como actualizar o clausulado, o que merece a concordância da CAIXA.».
Isto é, os embargantes declararam que conheciam o contrato que passavam a afiançar e que passam a substituir os fiadores antigos, naturalmente nos mesmos moldes que estes últimos.
Tanto que dessa alteração consta o seguinte: «A presente alteração não constitui novação, mantendo-se o contrato ora alterado em tudo o mais, incluindo a garantia ao mesmo associada, que não alterada pelo presente, com a redacção constante da escritura pública celebrada em 15/06/2010.».
Ou seja, os embargantes aceitaram que o contrato inicial se mantivesse em tudo o que não é alterado no documento n.º 2 junto com o requerimento executivo, incluindo a garantia ao mesmo associada, na qual se inclui a fiança prestada.
É certo que da alteração em análise não constam as palavras sacramentais “os novos fiadores renunciam ao benefício de excussão prévia”, mas daí não resulta que não tenham emitido tal declaração.
A interpretação das normas contidas num contrato faz-se por leitura de um todo. Como se referiu da conjugação de todo o clausulado resulta que os embargantes assumiram a posição dos antigos fiadores, não havendo mais alterações nessa garantia, mantendo-se, pois, a renúncia ao benefício da excussão prévia.
Mas, ainda que se concluísse assistir razão aos embargantes e que os mesmos não tinham concordado com tal renúncia, não os tornaria parte ilegítima nos autos principais de execução.
Na verdade, constando como fiadores do título executivo a sua legitimidade resulta daí nos termos do disposto no artigo 53.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
O que os fiadores poderão vir a invocar no âmbito da execução é que a mutuária tem património que deverá ser executado em primeiro lugar nos termos do disposto no artigo 745.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Ou seja, tal arguição tem de ser fundamentada, o que vale afirmar que tem de alegar e provar que a mutuária tem outros bens penhoráveis.
Ora, a penhora começou pelos bens hipotecados em garantia da obrigação exequenda, não tendo os embargantes — em que a própria sociedade mutuária se inclui — vindo invocar que a sociedade executada dispõe de outros bens passíveis de penhora, indicando os mesmos.
Donde, ainda que não houvesse renúncia ao benefício de excussão prévia, nada obstaria a que os autos de execução prosseguissem, cabendo somente apreciar se poderiam ou não ser penhorados bens dos embargantes pessoas singulares no momento em que tal penhora tivesse lugar e fosse, oportunamente, deduzida oposição à penhora com esse fundamento.
Por fim, é ainda de referir nesta matéria que o negócio bancário firmado constitui uma operação comercial, sendo uma das que o artigo 362.º do Código Comercial expressamente enumera. Ora, a regra nas obrigações comerciais é exactamente a da solidariedade (artigo 100.º do Código Comercial); referindo-se o artigo 101.º deste código, expressamente, à solidariedade do fiador da obrigação comercial, nos seguintes termos: «Todo o fiador da obrigação mercantil, ainda que não seja comerciante, será solidário com o respectivo afiançado.»
ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 5ª. edição, página 753, a propósito ensina: «Conforme estatui o artigo 101º do Código Comercial, o benefício da excussão também não existe na fiança de obrigações mercantis, ainda que prestada por não comerciante. A razão de ser desta doutrina decorre das especiais características e exigências da actividade económica em causa.»
Em suma, os embargantes pessoas singulares não gozam do benefício da excussão, não beneficiando do seu património responder somente subsidiariamente pela dívida exequenda — nesse sentido, cf. o ac. da RP de 10-12-2012, processo n.º 6586/11.7TBMTS-B.P1, disponível in www.dgsi.pt.
Quanto à invocada falta de forma da alteração do contrato, a mesma não tem acolhimento legal.
Preceitua o n.º 4 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto: «Os documentos que, titulando acto ou contrato realizado pela CGD, prevejam a existência de uma obrigação de que a CGD seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades».
O Decreto-Lei n.º 287/93 não se mostra revogado pelo artigo 4.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, pelo que se mantém em vigor; assim sendo, e resultando dos documentos as respectivas assinaturas, os mesmos revestem natureza de títulos executivos, cabendo na previsão do artigo 703.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil vigente — nesse sentido, cf. o ac. da RC de 16.02.2017, processo n.º 2673/16.3T8CBR.C1, disponível in www.dgsi.pt.
Por seu turno, de acordo com o disposto no artigo 628.º do Código Civil, a vontade de prestar fiança deve ser claramente declarada pela forma exigida para a obrigação principal.
A forma da fiança é a exigida pela lei para a obrigação principal (artigo 628.º, n.º 1, do Código Civil) e não a forma adoptada nesta ou convencionada para ela pelas partes — cf., por todos, o ac. do STJ de 02.07.1991, processo n.º 080161, sumário disponível in www.dgsi.pt.
Donde, a forma legal de prestação da fiança é aquela que a lei exige para a obrigação principal e não aquela em que foi vertida a obrigação principal.
Assim, não é pelo facto de a obrigação principal ter obedecido à forma de escritura pública que a alteração à mesma tenha de revestir a forma de escritura pública, bastando que a alteração seja vertida em documento escrito (particular), não carecendo de ser autenticado, como, de resto, veio a acontecer.
Não se verifica, pois, a nulidade da fiança por vício de forma.
Improcedem, pois, nesta parte os presentes embargos de executado.
Sem custas por daqui não decorrer que a provar-se a restante matéria controvertida, que irá constituir o(s) tema(s) de prova os embargos não possam vir a ser julgados total ou parcialmente procedentes no sentido de a execução ser extinta in totum/parcialmente.
(…) H. Considero que o estado dos autos ainda não permite o conhecimento imediato do restante mérito da causa, tendo em conta as diversas soluções plausíveis da questão, pelo que relego para final o seu conhecimento, após a produção de prova.
Nos termos do disposto nos artigos 593.º, n.º 2, alínea c), e 596.º do Código de Processo Civil passa-se a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova.
(…)
OBJECTO DO LITÍGIO
Saber:
— se a obrigação exequenda é devida.
(…)
TEMAS DA PROVA
Face à posição das partes vertida nos articulados considera-se como controvertidos, carecendo de prova (seja a documental já junta aos autos, seja outra), o seguinte item:
— entrega do capital mutuado ao(à/s) mutuário(a/s).
(…) I. Por legal e tempestivo admite-se o rol de testemunhas de cada uma das partes.
(…) J. A audiência de discussão e julgamento será gravada.
(…) L. Nos termos do disposto no artigo 733.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, uma vez que não foi prestada caução, os embargos somente suspendem a execução no caso de o Tribunal considerar que se justifica a suspensão.
Ora do alegados pelas partes não se vislumbra qualquer motivo plausível para que se proceda a essa suspensão sem a prestação de caução, pelo que os presentes embargos de executado não suspendem a execução que corre termos nos autos principais.
Na verdade, quanto à suspensão nos termos do disposto no artigo 733.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, cabe aos embargantes alegarem e provar que a venda seja susceptível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável.
Ora, do simples facto do embargante ser septuagenário não se retira esse prejuízo grave e dificilmente reparável.
É de notar que os embargantes não referem, nomeadamente, a impossibilidade de o mesmo ser acolhido por familiar ou amigos.
Quanto ao facto de o crédito exequendo se encontrar garantido por hipotecas relativamente a bens imóveis que o Banco Espírito Santo avaliou em tempos em €450.000,00,
os embargantes não invocam factualidade suficiente para fazer operar a suspensão sem prestação de caução.
É de notar que cabe aos mesmos o ónus de alegar e provar os fundamentos legais para lhes ser deferida a sua pretensão de suspensão da execução sem prestação de caução.
Resulta da escritura pública de constituição das hipotecas em causa que entre mutuante e mutuários foi atribuído à totalidade dos bens imóveis hipotecados o valor de €133.200,00.
Tendo as partes atribuído esse valor em 2012, não podem agora, sem o sustentar em ulterior valorização, pretender invocar que as hipotecas são suficientes para garantir a quantia exequenda que é superior a €133.200,00.
Donde, é irrelevante para o caso a avaliação feita pelo Banco Espírito Santo, cuja junção indefere-se, pois, por impertinente e dilatória, dado o plasmado na mencionada escritura.
Em suma, da documentação junta aos autos, não resulta, sem mais, com segurança, a inexistência da obrigação exequenda.
Carecendo, pois, os autos de ser produzida a restante prova para se apurar tal matéria.
Indeferindo-se, pois, a requerida suspensão dos autos de execução.
(…) M. Designo, para a realização da audiência de discussão e julgamento, o dia 13 de Dezembro de 2018, pelas 09 horas, neste Tribunal.
O(s) Ilustre(s) Mandatário(s) judicial(is) pronunciar-se-á(ão), no prazo de cinco dias, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 151.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Findo tal prazo, não tendo o(s) Ilustre(s) Mandatário(s) feito a comunicação a que alude o n.º 2 do artigo 151.ºdo citado diploma legal, considera-se a data supra designada como definitiva.
(…) N. Registe.
(…) O. Notifique, incluindo ao(à) Ex.mo(a) Agente de Execução e dê cumprimento ao disposto no artigo 593.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (…)”.
*
5. Não se conformando com a referida decisão, no que concerne a terem sido “julgados provados determinados factos com base nos documentos juntos aos autos, bem como conhecido do mérito da causa quanto à legitimidade do Exequente, quanto à não integração dos Executados no PERSI e quanto à congruência entre o requerimento executivo e os títulos dados à execução”, dela apelam os recorrentes/embargantes, pugnando pela revogação da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1º Nos termos da fundamentação de facto do despacho recorrido o Tribunal a quo julgou provados factos que extrai de documentos juntos pelo Exequente à execução como título executivo e do requerimento executivo relativamente aos quais os Recorrentes invocaram a incongruência entre o requerimento executivo e tais documentos e a insuficiência destes como título executivo.
2º De tais documentos os nºs 1 e 2 correspondem a contratos de crédito, os quais, enquanto documentos particulares, foram contraditados pelos Recorrentes, com as consequências legais daí advenientes em termos de ónus probatório, que não se mostra cumprido pelo Exequente.
3º De onde, tratando-se de questão controvertida, e tendo os Recorrentes invocado a ilegitimidade do Exequente, questão esta também controvertida nos autos, a mesma não podia ser dada como provada no despacho saneador, sendo que o foi “tendo por base os elementos documentais juntos aos autos de execução e dos presentes embargos” e os factos alegados no “requerimento executivo (…)”, os quais também se mostram impugnados.
4º Assim, os Recorrentes impugnam expressamente e para todos os efeitos os factos dados como provados pelo Tribunal a quo sob os nºs 1 a 7 da fundamentação de facto do despacho recorrido, os quais foram incorrectamente julgados, devendo ser dados como não provados.
5º Ademais, o juízo proferido sobre os mesmos nessas circunstâncias e na ausência de qualquer audiência de julgamento afronta os princípios da igualdade das partes, do contraditório, do direito a um processo equitativo e, ultima ratio, do Estado de direito.
6º Por outro lado, nos termos da fundamentação de direito do despacho recorrido, o Tribunal a quo considerou improcedente a falta de legitimidade do Exequente invocada pelos Recorrentes fundamentando-se no RGICSF (DL 298/92) e na Deliberação do Banco de Portugal de 03/08/2014, concluindo que da conjugação dos mesmos resulta que a decisão que determine a alienação prevista no respectivo nº 1, do artigo 145º-M daquele diploma, produz, por si só, o efeito de transmissão da titularidade dos direitos e obrigações transferidos da instituição de crédito objecto de resolução para o adquirente, no caso o Novo Banco, S.A., o qual passou a figurar como mutuante nos mesmos termos que o BES, S.A. nos contratos em causa, sem que haja necessidade de proceder à sua habilitação incidental nos autos.
7º Porém, conforme alegado pelos Recorrentes na oposição à execução, não consta dos autos que o Novo Banco, S.A. tenha sido admitido a substituir o BES, S.A., o qual não se extinguiu, nem aquele requereu a sua habilitação, nem alega factualidade concreta susceptível de a fundamentar, nem a aludida Deliberação se sobrepõe à lei processual civil, nem dispensa a habilitação.
8º Acresce que para além da alegação do Exequente e dos documentos remetidos juntos ao requerimento executivo não serem processualmente adequados e suficientes para se apresentar na qualidade de Exequente em substituição do BES, mais se verifica que os mencionados DL e Deliberação não se sobrepõem nem afastam as normas do CPC, aprovado por lei com força normativa superior, e que regulam a transmissão da coisa ou direito litigioso em causa e a necessária habilitação para a substituição, sob pena da sua aplicação ser ilegal e inconstitucional, o que os Recorrentes invocam expressamente e para todos os efeitos.
9º De onde, não se tendo o Novo Banco habilitado nos autos nem se tendo o BES extinguido, e não se mostrando alegado nem demonstrado que o alegado crédito se integra no elenco dos que foram transmitidos àquele, este continua a ter legitimidade para a causa, sendo o Exequente parte ilegítima.
10º O Tribunal a quo julgou também improcedentes os embargos deduzidos pelos Recorrentes quanto à invocada falta de implementação pelo Exequente do PERSI com fundamento em que, para tal, é necessário que o mutuário tenha a qualidade de consumidor nos termos da LDC, na qual não se incluem actividades profissionais ou comerciais, sendo que os mútuos em causa têm como finalidade fundo de maneio à actividade empresarial e apoio de tesouraria, o que não reconduz o mutuário a consumidor para efeito do PERSI, irrelevando se os imóveis objecto de hipoteca e que garantem tais mútuos se reportam ou não a casa de morada de família de algum dos embargantes posto que o critério de exigência de integração pressupõe que o mutuário seja um consumidor, o que não se confunde com o fiador ou titular do bem hipotecado.
11º Ao assim decidir o Tribunal a quo desconsiderou o alegado pelos Recorrentes na oposição à execução, no sentido em que o regime do PERSI é aplicável aos contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre imóvel, a qual incide sobre a habitação própria permanente do Recorrente CC, o que obsta à exigibilidade, logo à exequibilidade, dos títulos executivos em causa.
12º Salienta-se que a LDC considera consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefício, e não discrimina as actividades profissionais ou comerciais, e se é certo que o DL 24/2014 define como consumidor qualquer pessoa singular que actue com fins que não se incluam no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional, também é certo que, ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo o Executado CC não é “fiador”, mas sim mutuário, e não exerce qualquer actividade profissional ou comercial, nem destinou o bem ou serviço adquirido a qualquer uso profissional.
13º De onde, sendo o Recorrente CC mutuário, não exercendo qualquer actividade profissional ou comercial, e incidindo as hipotecas em causa sobre o imóvel no qual tem a sua habitação própria permanente, tanto basta para ser considerado consumidor na acepção da lei, posto que o regime do PERSI é aplicável aos contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre imóvel celebrados com clientes bancários que são consumidores, e aquele é-o na acepção da Lei 67/2003, sendo certo que os Recorrentes não foram integrados pelo Exequente no PERSI.
14º O Tribunal a quo julgou ainda os embargos improcedentes no que toca à incongruência entre o requerimento executivo e os títulos apresentados à execução como títulos executivos invocada pelos Recorrentes com fundamento em que os montantes máximos previstos em cada uma das hipotecas podem ser somados, e que o capital exequendo não se confunde com garantida do seu pagamento, pelo que não se verifica qualquer incongruência.
15º Porém, o Tribunal a quo não fundamenta nem afasta o alegado pelos Recorrentes sob o artigo 17º, e jurisprudência citada sob os artigos 20º a 22º, da oposição à execução no sentido de o montante de capital exequendo exceder o montante máximo das responsabilidades abrangidas por tais garantias, nem esclarece de onde resulta a alegada suficiência do título executivo.
16º De onde, tendo os Recorrentes alegado que, face ao teor do requerimento executivo e dos documentos apresentados com o mesmo, inexistia correspondência entre as garantias (hipoteca) dadas à execução e os alegados créditos exequendos, cujo montante de capital exequendo excede o montante máximo das responsabilidades abrangidas por tais garantias, e tendo impugnado expressamente os docs. 1 e 2 juntos ao requerimento executivo, dos quais não resulta o título executivo para a execução e cujo ónus da prova é pelo Exequente, que a não fez, tal questão controvertida não podia ser decidida no despacho saneador, no sentido em que o foi, posto que o estado do processo não o permitia.
17º Acresce ainda que, sendo o título executivo necessariamente um documento, para além da sua incongruência, insuficiência e havendo sido impugnado, o mesmo, in casu, mesmo que apenas em termos formais, inexiste in totum, quer à luz do antigo regime, quer à luz do actual.
18º Sendo que a hipoteca é uma mera garantia, e não um título executivo em si, os contratos e aditamentos apresentados, objectivamente, não integram qualquer uma das alíneas do nº 1, do artigo 703º, do NCPC; e, por outro lado, mesmo à luz do anterior regime, também não podiam ser havidos como título executivo, face ao respectivo teor, e na senda da jurisprudência, que expressamente se invoca, sufragada designadamente no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/05/2017, proc. 18853/12.8YYLSB.
19º Finalmente, o Tribunal a quo julgou improcedentes os embargos deduzidos pelos Recorrentes no que toca a uma invalidade, por vício de forma legal, de uma alegada fiança, relativamente à qual não arguiram qualquer nulidade, nem os nomes dos embargantes ali identificados coincidem com os seus, só podendo presumir que a integração no despacho recorrido de tal questão se trate de lapso manifesto.
20º Assim, sem conceder, no entendimento de que esta questão não tenha contribuído ou, de algum modo, influenciado a decisão quanto às questões acima identificadas e impugnadas, os Recorrentes, à cautela, impugnam expressamente e para todos os efeitos o decidido pelo Tribunal a quo sob a epígrafe “Da fiança” do despacho recorrido, e invocam o lapso manifesto do mesmo neste particular.
21º Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso de modo a se fazer Justiça (…)”.
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6. O recorrido/embargado contra-alegou, pugnando por ser negado provimento ao recurso tendo concluído o seguinte:
“CONCLUSÕES
I – Os Recorrentes insurgem-se contra o despacho saneador na parte em que foram julgadas improcedentes i) a alegada excepção de ilegitimidade do Banco Exequente e ora Recorrido, ii) a alegada não integração daqueles no PERSI e iii) a alegada incongruência entre o requerimento executivo e os documentos apresentados como títulos executivos.
II – O despacho saneador em referência não merece qualquer reparo ou censura, encontrando-se devidamente fundamentado em face da prova documental existente nos autos, que permitiu ao douto Tribunal a quo proferir decisão de mérito logo em sede de saneador quanto às matérias impugnadas por via do presente recurso.
III – Alegam os Recorrentes que o Banco ora Recorrido é parte ilegítima na execução a que os presentes autos de Embargos de Executado se encontram apensos, concluindo pela ilegalidade e inconstitucionalidade da transmissão da titularidade do crédito exequendo para o Novo Banco.
IV – Sucede que, contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, a deliberação extraordinária do Banco de Portugal de 4 de Agosto de 2014, nos termos da qual foi aplicada ao então Banco Espírito Santo, S.A. uma medida de resolução mediante a qual “a generalidade da actividade e do património do Banco Espírito Santo, S.A. é transferida, de forma imediata e definitiva, para o Novo Banco, S.A.”, foi tomada de acordo com o que dispõe o artigo 145º - H do RGICSF, segundo o qual “a decisão de transferência produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal”.
V – A deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014, elencou expressamente quais as matérias que não foram transmitidas da esfera jurídica do então Banco Espírito Santo, S.A. para a esfera jurídica do Novo Banco, S.A.
VI – Tendo em conta que nos presentes autos não está em causa matéria objecto das excepções contidas na referida deliberação, é evidente que a dívida exequenda se transmitiu para a esfera jurídica do Novo Banco, S.A., pelo que o actual titular do crédito exequendo é o Banco ora Recorrido.
VII – O que sai reforçado com o registo (AP ...16 de 2015/04/24) da transmissão da hipoteca a favor do Banco Recorrido, razão pela qual improcede a excepção de ilegitimidade invocada pelos Recorrentes.
VIII – Andou bem o Tribunal a quo quando considerou ainda que, previamente à instauração da presente execução, o Recorrido não tinha que ter dado cumprimento ao PERSI, na medida em que este regime apenas tem aplicação tratando-se de contratos de crédito, entre outros, garantidos por hipoteca sobre bem imóvel, celebrados entre instituições de crédito e clientes bancários, entendidos estes como “consumidores”, na acepção dada pelo artigo 2º, n.º 1, da Lei de Defesa do Consumidor.
IX – Os contratos de financiamento dados à execução, foram celebrados com as finalidades “Fundo de Maneio à Actividade Empresarial” e “Apoio de Tesouraria”, à Farmácia explorada pelos Embargantes mutuários, ou seja, foram celebrados no âmbito da actividade empresarial dos Recorrentes e não na qualidade de consumidores, motivo pelo qual o PERSI não tem aqui aplicação.
X – Por último, os Recorrentes insurgem-se contra o douto despacho saneador na parte em que julgou improcedente a alegada incongruência entre o requerimento executivo e os documentos apresentados como títulos executivos; mais uma vez não lhes assiste razão.
XI – Como os Recorrentes bem sabem, em 21/12/2012, foram celebrados entre o Exequente (na qualidade de mutuante) e os Executados CC (na qualidade de mutuário) e AA (na dupla qualidade de mutuária e de prestadora de garantia de hipoteca) e ainda BB (na qualidade de prestador de garantia de hipoteca), dois contratos de financiamento, o primeiro no montante máximo global de € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros) e o segundo no montante máximo global de € 50.000,00, aumentado para € 75.000,00 em 21/02/2013.
XII – O Banco Recorrido entregou aos Executados mutuários aqueles montantes – cfr., ponto 3 da matéria de facto dada como provada.
XIII – Os Executados AA e BB, por escritura pública outorgada em 21/12/2012, constituíram a favor do Banco Recorrido hipotecas sobre os imóveis nomeados à penhora para “garantir as obrigações que advêm ou possam advir para a primeira outorgante (a executada AA) em virtude de quaisquer contratos de natureza bancária em direito permitidos, já celebrados ou que venham a ser celebrados com o “BES”, como por exemplo os relacionados com quaisquer garantias, como sejam fianças ou garantias bancárias de qualquer tipo, os relacionados com letras, livranças, operações de futuros e derivados, bem como com todas e quaisquer formas de financiamento ou concessão de crédito, regulado ou não, em legislação especial, como sejam, mútuos, aberturas de crédito, descobertos em conta, financiamentos externos, bem como as restantes operações financeiras, nas quais a primeira outorgante, seja ou venha a ser interveniente.”
XIV – A hipoteca (genérica) garante, entre outros, os dois contratos dados à execução, pelo que, perante o incumprimento das responsabilidades que os Recorrentes assumiram, o Banco resolveu os contratos e, legitimamente, instaurou a presente execução.
XV – Por fim, cumpre referir que na data em que foram assinados – 21/12/2012 – os contratos que servem de base à presente execução constituíam, nos termos do artigo 46º, n.º 1, alínea c) do anterior CPC, títulos executivos absolutamente válidos e eficazes.
XVI - E, não obstante a Lei n.º 41/2013, de 26/06, ter eliminado do elenco dos títulos executivos, os documentos particulares assinados pelo devedor que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, de acordo com o douto Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 408/2015, de 14 de Outubro, publicado no Diário da República n.º 201/2015, Série I, de 2015-10-14, mantém-se a exequibilidade que lhes era conferida pela referida alínea c) do n.º 1 do art.º 46.º do CPC.
XVII - Ou seja, no momento em que foram constituídos os documentos que titulam a presente execução - 21/12/2012 - os devedores obrigaram-se a pagar a dívida que, no mesmo reconheceram e o credor viu-se investido no direito de receber os créditos ou de executar os documentos que os titulam, caso as dívidas não lhe fossem voluntariamente pagas.
XVIII – É, por conseguinte e em face do exposto, manifestamente infundada a impugnação da matéria de facto constante dos pontos 1 a 7, que deve manter-se como “Provada”.
XIX – Deve, consequentemente, manter-se o douto despacho saneador nos exactos termos e com os fundamentos em que foi proferido.”.
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7. Admitido o requerimento recursório – (como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo) por despacho datado de 17-02-2020, na sequência de ter sido julgada procedente reclamação apresentada nos termos do artigo 643.º do CPC (e a que se refere o apenso C) - e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são:
A) Se ocorreu lapso manifesto no segmento do despacho recorrido sob a epígrafe “Da fiança”?
B) Se os factos dados como provados pelo Tribunal recorrido sob os nºs 1 a 7 da fundamentação de facto do despacho recorrido, foram incorretamente julgados, por se encontrarem controvertidos?
C) Se o juízo proferido sobre os nºs 1 a 7 da fundamentação de facto do despacho recorrido, na ausência de audiência de julgamento, afronta os princípios da igualdade das partes, do contraditório, do direito a um processo equitativo e do Estado de Direito?
D) Se ocorre ilegalidade ou inconstitucionalidade na decisão do Tribunal recorrido ao considerar o exequente como parte legítima?
E) Se o Tribunal recorrido deveria ter julgado procedentes os embargos por falta de implementação pelo exequente do PERSI?
F) Se o Tribunal recorrido deveria ter julgado procedentes os embargos no que toca à incongruência entre o requerimento executivo e os títulos apresentados à execução como títulos executivos invocada pelos embargantes?
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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso os elencados no relatório.
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4. Fundamentação de Direito:
Vejamos o recurso apresentado, apreciando as questões supra enunciadas.
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A) Se ocorreu lapso manifesto no segmento do despacho recorrido sob a epígrafe “Da fiança”?
Nas alegações de recurso, os recorrentes concluíram, nomeadamente, que:
“19º (…) o Tribunal a quo julgou improcedentes os embargos deduzidos pelos Recorrentes no que toca a uma invalidade, por vício de forma legal, de uma alegada fiança, relativamente à qual não arguiram qualquer nulidade, nem os nomes dos embargantes ali identificados coincidem com os seus, só podendo presumir que a integração no despacho recorrido de tal questão se trate de lapso manifesto.
20º os Recorrentes, à cautela, impugnam expressamente e para todos os efeitos o decidido pelo Tribunal a quo sob a epígrafe “Da fiança” do despacho recorrido, e invocam o lapso manifesto do mesmo neste particular”.
Vejamos:
A retificação dos erros materiais por lapso de escrita mostra-se prevista para as sentenças e despachos, nos artigos 613.º e 614.º do CPC, no que respeita à 1.ª instância e no artigo 666.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, no que respeita à 2.ª instância.
Para os lapsos constantes dos demais actos processuais, designadamente, resultantes da prática de actos das partes rege o artigo 295.º do CC, daí derivando que «o princípio contido no art. 249º do Cód. Civil - rectificação de lapso manifesto - é aplicável a todos os actos processuais e das partes» (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 03-10-1991 (P.º 0031956; rel. BOAVIDA BARROS).
«O erro é uma falsa representação da realidade: é a ignorância que se ignora». «Pratica-se determinado acto, concebendo as coisas por modo diverso daquele que, na realidade, são, mas não fora esse imperfeito conhecimento e o acto não teria sido praticado». «De entre as diversas modalidades de erro apenas interessa para o caso, o chamado erro de escrita em que há, na verdade, uma divergência entre o que se quer e o que se diz» (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 24-05-2005, Pº 480/05, rel. ANTÓNIO PIÇARRA).
«Esse erro é corrigível em face do contexto ou das circunstâncias da declaração: ao ler o texto logo se vê que há erro e logo se entende o que o interessado queria dizer». «Essa modalidade de erro respeita à interpretação e daí que o acto devidamente interpretado em função do seu contexto (elemento sistemático) e circunstâncias (elementos extraliterais) deva permanecer válido com o sentido de que, afinal, é portador». «Em tais casos, o acto vale, com o seu verdadeiro sentido, sendo irrelevante o erro material: Cfr. J. Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, 1977, págs. 82 e 83.» - cit. Acórdão da Relação de Coimbra de 24/5/2005.
De qualquer modo tal erro só pode ser retificado se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto (cfr., neste sentido, Antunes Varela, Código Civil anotado, I Vol., p. 161; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1973, p. 563; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 1ª edição, p. 35).
Por isso se tem entendido que «os lapsos materiais cometidos nos articulados que a lei permite corrigir devem resultar do teor dos próprios articulados, não se podendo alegar a existência de lapso quando se pretende provar o mesmo através de elementos de prova que nem sequer constavam do processo» (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 08-07-2004, Pº 1092/2004-6, rel. PEREIRA RODRIGUES).
Este regime deve ser alargado, por analogia, a qualquer lapso manifesto que conste do processo, praticado por uma das partes ou por qualquer interveniente no processo (cfr., neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 01-02-2005, P 3529/04 e do Tribunal da Relação de Évora de 07-01-2013, P.º 573/11.2TTSTB.E1, rel. PAULA DO PAÇO).
O erro de escrita, revela-se no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, nos termos previstos pelo artigo 249º do Código Civil, dando direito à retificação desta.
Conforme se expressou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-03-2016 (Pº 1245/14.1TVLSB.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES), “acolhe-se no artigo 249.º do CC um princípio geral de direito que se mostra aplicável a todos os erros de cálculo ou de escrita juridicamente relevantes, englobando não só aqueles que ocorrem nos negócios jurídicos, como os que ocorrem nas peças processuais”.
A propósito da retificação de erros materiais de escrita ou de cálculo nos actos decisórios do Juiz, Alberto dos Reis acentuou expressamente que “é necessário que do próprio contexto da sentença ou despacho, ou dos termos que o precederam, se depreenda claramente que se escreveu coisa diferente do que se queria escrever (…)”. (cfr. Código de Processo Civil, Volume V, Coimbra 1984, p. 132).
Assim, conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-12-2018 (Pº 9549/15.0T8VNG-C.P1, rel. AUGUSTO DE CARVALHO), “o regime da retificação dos erros materiais incide apenas sobre as faltas de conformidade da sentença, que não respeitem aos seus elementos substanciais, mas meramente complementares, tais como erros de cálculo ou de escrita, lapso, obscuridade ou ambiguidade. Pode proceder-se à correção da sentença, oficiosamente ou a requerimento, desde que a mesma não implique uma modificação essencial, invadindo o conteúdo do julgamento”.
O erro material é, pois, tratado como uma sub-espécie de erro-obstáculo, que terá de ser constituído por um lapso ostensivo, não podendo existir fundada dúvida sobre o que se quis declarar (cf. Manuel de Andrade; Teoria Geral da Relação Jurídica, n.° 134, VI).
O “erro material ou lapso é a inexactidão ou omissão verificada em circunstâncias tais que é patente, através dos outros elementos da sentença ou até do processo, a discrepância com os dados verdadeiros e se pode presumir por isso uma divergência entre a vontade real do juiz e o que ficou escrito” (assim, Castro Mendes; Direito Processual Civil, II, p. 313).
O erro material é, pois, corrigível por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
No caso, a decisão recorrida contém um segmento que, embora extenso – fls. 11 a 15 - , manifestamente não respeita aos presentes autos, patenteando um lapso manifesto decorrente da sua inserção na peça processual em questão.
Militam claramente nessa conclusão os elementos referenciados pelos recorrentes na conclusão 19.ª da sua alegação: A alusão à invocação de invalidade na constituição de uma fiança (não constante da petição de embargos e não invocada pelos embargantes ou, de algum modo, suscitada nos autos); a alusão a nomes (fls. 12 da decisão) que não coincidem com os dos embargantes.
Mas, para além disso, se bem se atentar na própria numeração conferida nos segmentos da decisão recorrida, a mesma – que até à referida fls. 11 tinha uma sequência lógica e progressiva (“B.1. - Da (i)legitimidade do exequente”, “B.2.- Da não integração dos executados em PERSI” e “B.3. – Da incongruência entre requerimento executivo e título executivo”) – na fls. 11 passa a incluir um repetido ponto “B.2” intitulado “Da fiança”.
Os referidos elementos, expressam e contextualizam um manifesto lapso – assinalado pelos próprios recorrentes - na inclusão na decisão recorrida do segmento intitulado “B.2. – Da fiança”.
O caráter manifesto do lapso verificado, que não incide sobre o conteúdo do julgamento efetuado, sendo-lhe alheio, é, pois, passível de correção.
Assim, em conformidade com o exposto, determina-se a correção do manifesto lapso de escrita constante da decisão recorrida, consistente na inclusão na mesma do segmento intitulado “B.2. – Da fiança”, cuja eliminação, consequentemente, se determina.
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B) Se os factos dados como provados pelo Tribunal recorrido sob os nºs 1 a 7 da fundamentação de facto do despacho recorrido se encontram controvertidos?
Concluem os recorrentes, nas suas alegações de recurso, nomeadamente, que:
“1º Nos termos da fundamentação de facto do despacho recorrido o Tribunal a quo julgou provados factos que extrai de documentos juntos pelo Exequente à execução como título executivo e do requerimento executivo relativamente aos quais os Recorrentes invocaram a incongruência entre o requerimento executivo e tais documentos e a insuficiência destes como título executivo.
2º De tais documentos os nºs 1 e 2 correspondem a contratos de crédito, os quais, enquanto documentos particulares, foram contraditados pelos Recorrentes, com as consequências legais daí advenientes em termos de ónus probatório, que não se mostra cumprido pelo Exequente.
3º De onde, tratando-se de questão controvertida, e tendo os Recorrentes invocado a ilegitimidade do Exequente, questão esta também controvertida nos autos, a mesma não podia ser dada como provada no despacho saneador, sendo que o foi “tendo por base os elementos documentais juntos aos autos de execução e dos presentes embargos” e os factos alegados no “requerimento executivo (…)”, os quais também se mostram impugnados.
4º Assim, os Recorrentes impugnam expressamente e para todos os efeitos os factos dados como provados pelo Tribunal a quo sob os nºs 1 a 7 da fundamentação de facto do despacho recorrido, os quais foram incorrectamente julgados, devendo ser dados como não provados (…)”.
A respeito desta invocação, o recorrido contra-alegou que:
“(…) 31- O despacho em referência está bem fundamentado, teve em conta a prova documental junta ao processo, nomeadamente, os contratos de financiamento celebrados entre as partes e as escrituras de constituição de hipoteca sobre os imóveis nomeados à penhora.
32- Resulta da referida prova documental que os ora Recorrentes se comprometeram a entregar ao Banco Recorrido os valores dos capitais mutuados, acrescidos dos respectivos juros remuneratórios nos prazos e demais condições dos contratos de financiamento.
33- Por outro lado, é reprovável a confusão que os Recorrentes pretendem instalar nos presentes autos – quer quanto aos títulos executivos juntos aos autos quer quanto às garantias, por si, livre e esclarecidamente, prestadas.
34- Em 21/12/2012, foi celebrado entre o Banco Recorrido (na qualidade de mutuante) e os Executados CC (na qualidade de mutuário), AA (na qualidade de mutuária) e ainda com BB (na qualidade de prestador da garantia de hipoteca), dois Contratos de Financiamento:
Financiamento n.º ...86, até ao montante máximo global de € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros); Financiamento n.º ...87, até ao montante máximo global de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), aumentado para € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros).
35- Valores que foram efectivamente entregues aos Recorrentes, como claramente demonstram os extractos integrados da conta à ordem n.º ...08, junto com a contestação como documentos nºs 8 e 9, a fls. (…).
36- Os Recorrentes AA e BB, por escritura pública outorgada no mesmo dia 21/12/2012, constituíram hipotecas sobre os imóveis penhorados nos autos de execução principal, a favor do Banco Recorrido, para “garantir as obrigações que advêm ou possam advir para a primeira outorgante (a executada AA) em virtude de quaisquer contratos de natureza bancária em direito permitidos, já celebrados ou que venham a ser celebrados com o “BES”, como por exemplo os relacionados com quaisquer garantias, como sejam fianças ou garantias bancárias de qualquer tipo, os relacionados com letras, livranças, operações de futuros e derivados, bem como com todas e quaisquer formas de financiamento ou concessão de crédito, regulado ou não, em legislação especial, como sejam, mútuos, aberturas de crédito, descobertos em conta, financiamentos externos, bem como as restantes operações financeiras, nas quais a primeira outorgante, seja ou venha a ser interveniente.” – cfr., documento n.º 10, junto com a contestação a fls. (…).
37- Assim, a hipoteca (genérica) constituída garante, entre outros, os dois contratos de financiamento dados à execução, como consta, aliás, dos mesmos, nas Condições Particulares, sob a epígrafe “Garantias de Crédito”.
38- Sucede que, a última prestação paga no que concerne ao primeiro contrato foi a vencida em 21/12/2013, não tendo sido efectuado o pagamento de qualquer uma das subsequentes – cfr., extracto da conta à ordem junto com a contestação como documento n.º 11 a fls. (…).
39- E a última prestação paga no que concerne ao segundo contrato foi a vencida em 16/09/2014, não tendo sido efectuado o pagamento de qualquer uma das subsequentes - cfr., extracto da conta à ordem junto como documento n.º 12, junto com a contestação a fls. (…).
40- Perante o incumprimento dos contratos em apreço, por cartas datadas de 3/12/2014, o Exequente comunicou aos Executados o vencimento antecipado de ambos os Contratos de Financiamento – cfr. documentos 13 e 14, juntos com a contestação a fls. (…).
41- Não tendo logrado obter dos Executados o pagamento das quantias em dívida em ambos os contratos, por cartas datadas de 22/04/2015, o Exequente: i) procedeu à comunicação da denúncia dos contratos de financiamento, ii) à comunicação de que foram dadas instruções para a cobrança da dívida, através do recurso a uma acção judicial, com a consequente execução das garantias associadas aos créditos em crise, e iii) exigiu o pagamento da totalidade do valor dos contratos, aí se incluindo os valores em atraso e o montante de capital em dívida até final do prazo do contrato, acrescido das despesas extrajudiciais incorridas – cfr. documentos 15 a 20, juntos com a contestação.
42- Incumprimento reiterado e falta de pagamento que motivaram a instauração da presente execução.
43- Esclarece-se, por fim, que, na data em que foram assinados – 21/12/2012 – os contratos que servem de base à presente execução constituíam, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, c), do anterior CPC, título executivo.
44- E, não obstante a Lei n.º 41/2013, de 26/06, ter eliminado do elenco dos títulos executivos, os documentos particulares assinados pelo devedor que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, de acordo com o douto Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 408/2015, de 14 de Outubro, publicado no Diário da República n.º 201/2015, Série I, de 2015-10-14, mantém-se a exequibilidade que lhes era conferida pela referida alínea c) do n.º 1 do art.º 46.º do CPC.
45- Ou seja, no momento em que foram constituídos os documentos que titulam a presente execução - 21/12/2012 - os devedores obrigaram-se a pagar a dívida que, no mesmo, reconheceram e o credor viu-se investido no direito de receber os créditos ou de executar os documentos que os titulam, caso as dívidas não lhe fossem voluntariamente pagas.
46- Pelo que é absolutamente descabida e infundada a propugnada impugnação da factualidade vertida sob os pontos nºs 1 a 7 que deve manter-se como provada, nos exactos termos constantes do douto despacho a quo (…)”.
Ora, a decisão recorrida, datada de 24-10-2018, elencou como provados e com interesse para o conhecimento e apreciação da causa, os factos que enunciou nos números 1 a 7, o que refere ter efetuado, “[t]endo por base os elementos documentais juntos aos autos de execução e dos presentes embargos”.
Nos mencionados factos n.ºs. 1 a 7 constam descritos, em suma, elementos constantes dos autos de execução, extratados do requerimento executivo e dos documentos que o acompanharam.
Os presentes autos têm a natureza de autos de embargos de executado ou oposição à execução, seguindo com o valor de € 370.232,82.
O meio processual em questão encontra-se regulado nos artigos 728.º e ss. do CPC.
Conforme refere Rui Pinto (Manual da Execução e Despejo; Coimbra Editora, 2013, p. 393), “a oposição à execução apresenta-se como uma acção declarativa funcionalmente acessória da acção executiva porquanto justificada pela oposição de uma defesa à dedução de uma pretensão executiva: sem execução não há oposição”.
Trata-se substancialmente de uma contestação ao pedido executivo, mas formalmente é uma petição inicial (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-12-2006, Pº 06B4137, rel. BETTENCOURT DE FARIA).
Nos artigos 729.º a 731.º do CPC enunciam-se os fundamentos de oposição à execução por embargos, consoante o título subjacente à execução.
Importa ter presente que, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 732.º do CPC, “se forem recebidos os embargos, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo”.
No processo comum declarativo, ressalvadas as situações em que, por expressa determinação legal ou por decisão do juiz a petição inicial haja de ser objeto de despacho liminar, “finda a fase dos articulados (com a apresentação do último legalmente permitido ou findo o prazo para a respetiva apresentação), (…) a secretaria faz o processo concluso ao juiz para que (se se justificar) proferida despacho visando quatro finalidades essenciais (principais) (art.º 590.º, n.º 2): a) providenciar pelo suprimento (sanação) da falta de pressupostos processuais (exceções dilatórias), nos termos do n.º 2 do artº 6.º (art.º 590.º n.º 2, al. a)); b) aperfeiçoamento/correção das irregularidades formais (requisitos legais) dos articulados (artº 590.º, n.ºs. 2, al. b), e 3); c) junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador (art.º 590.º, n.º 2, al. c)); d) complemento/suprimento das insuficiências ou imprecisões a exposição ou concretização da matéria de facto alegada (artº 590.º, n.º 2, al. b), e 4)” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, vol. II, Almedina, 2015, pp. 176-177).
Após, em sede de audiência prévia, por regra, ou sendo esta dispensada, em despacho autónomo, verbalmente ou por escrito, terá lugar a prolação de despacho saneador (cfr. artigos 591.º, n.º 1, al. d) e 595.º do CPC).
O despacho saneador visa, nos termos do artigo 595.º do CPC, uma tripla finalidade:
- Verificar a regularidade da instância (conhecimento da falta de pressupostos processuais ou da existência de exceções dilatórias);
- Apreciar nulidades processuais;
- Conhecer imediatamente do mérito da causa, ou seja, permitindo ao juiz “a prolação imediata da decisão de mérito (na totalidade ou em parte) – acerca do ou de algum dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória - , sempre que para tal se encontre desde logo habilitado sem necessidade de (…) provas adicionais para além das já processualmente adquiridas, encontrando-se, por isso, já cabalmente habilitado a decidir conscenciosamente (art.º 595.º, n.º 1, al. b))” (cfr., Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, vol. II, Almedina, 2015, pp. 200 e 204).
Tal sucederá, designadamente, quando: os factos alegados pelo autor sejam inábeis ou insuficientes para extrair o efeito jurídico pretendido; todos os factos integradores de uma exceção perentória se encontrem já provados, com força probatória plena ou pleníssima, por confissão, admissão ou documento; se deverem ter por provados todos os fatos integradores da causa de pedir por não existirem exceções perentórias, serem os factos em que se fundariam inconcludentes ou plenamente provada a inocorrência de alguns desses factos; se se evidenciar a inconcludência dos factos em que se funda exceção perentória ou prova, com força probatória plena, dos factos contrários.
“É também de conhecer imediatamente do mérito da causa no despacho saneador naquelas situações em que todos os factos probandos principais integrem causa de pedir (ou fundem exceções) apenas suscetíveis de prova documental, constituindo o documento uma formalidade legal ad substantiam (artº 364.º, n.º 1, do CC) ou pelas próprias partes (art. 223.º, n.º 1, do CC) e, como tal, ser insubstituível por qualquer outra prova (art.º 364.º, n.º 1, al. c), do CC). Não sendo necessária uma fase de instrução, o juiz limitar-se-á a mandar notificar a parte para a apresentação dos documentos em falta, em prazo para o efeito arbitrado (art.º 417.º), a menos que o documento haja sido objeto de impugnação (artº 444.º) ou contra ele houver sido deduzida uma exceção probatória (art.º 446º), caso em que passará a haver prova a produzir.
Já se os documentos forem exigidos para a prova de determinados factos (formalidade ad probationem), «podem eles ser substituídos por confissão expressa judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório» (artº 364º, n.º 2, do CC); pode assim, a ação ser julgada no despacho saneador se, não tendo sido apresentado o (exigido) documento, for produzido depoimento de parte (pela parte legitimada para confessar) na própria audiência prévia ou em prestação de informações ou esclarecimentos em juízo sobre factos que interessem à decisão da causa (…)” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, vol. II, Almedina, 2015, p. 205).
A lógica do conhecimento do mérito da causa no despacho saneador assenta na verificação de que inexiste matéria controvertida que justifique a elaboração de temas de prova ou a realização de audiência final.
Conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2018, pp. 696-697): “A antecipação do conhecimento de mérito pressupõe que, independentemente de estar em jogo matéria de direito ou de facto, o estado do processo possibilite tal decisão, sem necessidade de mais provas, e independentemente de a mesma favorecer uma ou outra das partes.
(…) Assim acontecerá quando:
a) Toda a matéria de facto relevante esteja provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documento: nestas circunstâncias, é inviável a elaboração de temas da prova e, por isso mesmo, mostra-se dispensável a audiência final, nada obstando a que o juiz proceda à imediata subsunção jurídica;
b) Quando seja indiferente para qualquer das soluções plausíveis a prova dos factos que permaneçam controvertidos: se, de acordo com as soluções plausíveis da questão de direito, a decisão final de modo algum puder ser afetada com a prova dos factos controvertidos, não existe interesse na enunciação dos temas da prova e, por isso, nada impede que o juiz profira logo decisão de mérito; se o conjunto dos factos alegados pelo autor (factos constitutivos) não preenche de modo algum as condições de procedência da ação, torna-se indiferente a sua prova e, por conseguinte, inútil o prosseguimento da ação para audiência final; mutatis mutandis quando se trate de apreciar de que forma os factos alegados pelo réu poderão interferir na decisão final, pois se tais factos, enquadrados na defesa por exceção, ainda que provados, se revelam insuficientes ou inócuos para evitar a procedência da ação, inexiste qualquer razão justificativa para o adiamento da decisão;
c) Quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental, caso em que o juiz proferirá despacho saneador-sentença, depois de ter convidado as partes a juntar a prova documental necessária, nos termos do art. 590.º, n.º 2, al. c). Com efeito, a audiência final, em torno dos factos abarcados pelos temas da prova, não se destina no essencial à apresentação de documentos, antes à produção de outros meios de prova, sujeitos a livre apreciação, pelo que se impõe a antecipação da decisão sobre o mérito da causa;
d) Nem sequer está afastada a possibilidade de apreciação do mérito, apesar da existência de outras soluções plausíveis sustentadas em matéria de facto ainda controvertida, desde que o juiz esteja ciente da segurança da sua decisão, embora neste caso deva avaliar os riscos de uma posterior anulação pela Relação, com fundamento na necessidade de ampliação da matéria de facto (art. 662.º, n.º 2, al. c), in fine); na verdade, a sua eventual revogação (…) pode prejudicar o efeito de aceleração emergente da antecipação parcial da apreciação do mérito da causa; é aqui que a utilização do prudente critério do juiz pode servir para selecionar os casos em que, apesar das divergências, se justifica o julgamento antecipado, no confronto com aqueles em que será preferível a enunciação dos temas da prova e a posterior atividade instrutória, com vista ao apuramento dos factos que interessem à correta e completa integração jurídica; como critério geral de atuação, deve o juiz optar entre proferir a decisão do mérito da causa ou relegá-la para depois da audiência final, depois de fazer um juízo de prognose acerca da relevância ou não dos factos ainda controvertidos (…)”.
Assim, estando em causa o conhecimento imediato do pedido deduzido pelo embargantes, importa não esquecer que, como explica Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, pág. 659), tal conhecimento é admissível “quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e não apenas tendo em vista a partilhada pelo juiz da causa” e, nomeadamente, quando dos “factos alegados pelo autor (na petição, na eventual réplica e em articulado complementar ou superveniente que porventura tenha tido lugar), (…) não se pode retirar o efeito jurídico pretendido (inconcludência do pedido). Em tal situação, é inútil produzir prova sobre os factos alegados, visto que eles nunca serão suficientes para a procedência do pedido. O réu é absolvido do pedido”.
Conforme referia Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, volume III, 4ª edição, Coimbra, pág. 189-190), “o mérito da causa será julgado no despacho saneador se a questão puder ser decidida neste momento com perfeita segurança, se o processo contiver todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa”, concluindo que, “todas estas precauções se resumem num mandamento superior: a segurança não deve ser sacrificada à celeridade (…) segurança, neste caso, quer dizer acerto e justiça. Julga com segurança o tribunal que só emite a sua decisão quando está de posse de todos os elementos necessários para proferir um veredictum consciencioso, ponderado e justo. Se o juiz, na ânsia de andar depressa, julgar uma questão que ainda não está devidamente instruída e amadurecida, sacrificará a justiça à rapidez”.
Em suma: O conhecimento do mérito da causa, em sede de despacho saneador, sem necessidade de produção de prova quanto a factos controvertidos, justifica-se quando, do confronto da vertente fáctica da causa de pedir, com as várias soluções plausíveis de direito, se conclua que a atividade probatória seria inútil, porque a demonstração da respetiva factualidade não permite a afirmação do direito a que se arroga o autor, segundo a solução de direito nos termos afirmados pelo tribunal e, bem assim, segundo as demais soluções de direito que se apresentem como suficientemente seguras ou plausíveis, em termos doutrinários e jurisprudenciais.
Revertendo estas considerações e aplicando-as ao caso dos autos, consideram os recorrentes que os factos n.ºs. 1 a 7 não se podem ter por assentes, estando controvertidos, referindo, nomeadamente, que os documentos n.ºs. 1 e 2, correspondentes a contratos de crédito, “foram contraditados pelos Recorrentes, com as consequências legais daí advenientes em termos de ónus probatório, que não se mostra cumprido pelo Exequente”.
No caso, na petição de embargos, os embargantes embora se pronunciem sobre a valia probatória de alguns dos documentos juntos pela exequente, em termos do respetivo conteúdo (cfr. a alegação constante dos artigos 2.º e 19.º da petição de embargos) e, bem assim, tenham impugnado factos alegados pela exequente (cfr. artigos 16.º da petição de embargos) certo é que, todavia, não impugnaram tais documentos juntos pela exequente, onde o Tribunal recorrido fez assentar os factos elencados e constantes dos n.ºs. 4, 5, 6 e 7 dos factos provados (o que contrasta, claramente, com a posição que tomaram os embargantes no requerimento que apresentaram nos autos de embargos em 27-04-2016, impugnando os documentos n.ºs. 8, 9 e 11 a 20 juntos pela embargada com a contestação junta a esses autos).
Apreciando, com maior profundidade esta questão, vemos que, os documentos a que se referem os aludidos factos, juntos pela exequente com o requerimento executivo são de duplo cariz: Por um lado, temos as certidões de registo predial juntas aos autos, que têm a natureza de documentos autênticos; e, por outro lado, os contratos de financiamento, que são documentos particulares.
Quanto às certidões do registo predial dos imóveis em questão as mesmas têm força probatória plena – cfr. artigos 371.º, n.º 1 e 383.º e ss. do CC - quanto às presunções registrais juris tantum estabelecidas no art.º 7º do Cód. Registo Predial (cfr. artigo 110.º do Código do Registo Predial) – no sentido de que o direito existe tal como o registo o revela e de que o direito pertence a quem está inscrito como seu titular – prova que é ilidível mediante prova do contrário (cfr. art.º 350º, n.º 2 do Cód. Civil) e não abrange os elementos em que ocorram juízos pessoais ou de valor do oficial público ou a exatidão de determinados elementos circunstanciais descritivos como as áreas, limites e confrontações (cfr., neste sentido, na doutrina, Luís Filipe Pires de Sousa; Direito Probatório Material; Almedina, 2020, p. 137 e, na jurisprudência, entre outros, os seguintes arestos: do STJ; de 10-12-1991, P.º 080370, rel. CASTRO MENDES; de 11-05-1993: Pº 083447, rel. SANTOS MONTEIRO; de 21-02-1995, Pº 086296, rel. AFONSO DE MELO; de 07-03-1995, Pº 086317, rel. MACHADO SOARES; de 04-04-1995, Pº 086741, rel. CARDONA FERREIRA; de 31-10-1995, Pº 086779, rel. ALMEIDA SILVA; de 05-11-1995, Pº 96A356, rel. RAMIRO VIDIGAL; de 22-01-1997, Pº 96A869, rel. CARDONA FERREIRA; de 18-04-1996. Pº 087107, rel. MÁRIO CANCELA; de 22-04-1997, Pº 96A068, rel. PAIS DE SOUSA; 03-12-1998, Pº 99A224, rel. MARTINS DA COSTA; de 09-02-1999, Pº 98A1186, rel. FERREIRA RAMOS; de 23-01-2001, Pº 00A3673, rel. AZEVEDO RAMOS; de 02-05-2002, Pº 02B940, rel. SOUSA INÊS; da Relação do Porto de 16-01-1995, in CJ, 1995, T. 1, p. 197 e de 13-04-1982, in CJ, 1982, T. 2, p. 294; da Relação de Évora de 04-10-1977, in CJ, 1977, T. 4, p. 905; da Relação de Coimbra de 11-05-1982, in CJ, 1982, T. 3, p. 28; e da Relação de Lisboa de 02-11-1977, in CJ, 1977, T. 5, p. 1031).
“A eficácia legal de prova plena significa que, por um lado, tem força vinculante para o julgador, independentemente do resultado de quaisquer outros meios de prova distintos e, por outro, implica que, nas vertentes do documento em que opera a prova plena, o juiz não pode admitir qualquer prova contrária sem que seja arguida e demonstrada a falsidade material ou ideológica do documento autêntico (cf. art. 372.º). A força probatória plena só cede perante a prova em contrário, através da demonstração de que: (i) nele foi atestado como tendo sido objeto de prática ou de perceção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade não se verificou (falsidade ideológica); (ii) ou que ocorre alteração da materialidade gráfica do documento, por contrafação ou por alteração do documento após a sua formação (falsidade material) (Arts. 371.º, 372.º, n.º 1 e n.º 2, do CC, e arts. 446.º, n.º 1, 448.º e 449.º, do CPC)” (assim, Luís Filipe Pires de Sousa; Direito Probatório Material; Almedina, 2020, p. 137).
Quanto aos contratos de financiamento juntos pela exequente, os mesmos têm a natureza de documentos particulares, uma vez que não foram emitidos por autoridade pública nos limites da sua competência – cfr. artigo 363.º, n.º 2, do CC.
Relativamente a documentos particulares, cuja autoria seja reconhecida nos termos do artigo 374.º do CC, os mesmos fazem prova plena das declarações atribuídas ao seu autor, considerando-se provados os factos compreendidos na declaração, na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (cfr. n.ºs. 1 e 2 do artigo 376.º do CC).
No caso, apresentados que foram pela exequente os aludidos contratos de financiamento, como se disse, os embargantes, embora declarando não aceitar a sua idoneidade ou validade probatória executiva que a exequente pretendeu atribuir para fundamentar a execução, certo é que, sobre eles não deduziram impugnação nos termos a que se reporta o n.º 1 do artigo 374.º do CC.
Ora, perante a ausência de impugnação da letra e assinatura dos mesmos por parte dos embargantes, a autoria das assinaturas deve achar-se por estabelecida e considerar-se verdadeira, na expressão do mencionado artigo 374.º, n.º 1, do CC.
E, porque não impugnaram tal autoria, nem arguiram a falsidade dos documentos em questão (cfr. artigo 376.º, n.º 1, in fine, do CC), a posição que manifestaram tomar nos autos sobre o seu teor, não é suscetível de os colocar, enquanto meio de prova documental, em crise.
Ou seja: Tratam-se de documentos assinados pelos próprios embargantes, encontrando-se reconhecida, por via da não impugnação respetiva, a autoria da respetiva assinatura, nos termos do artigo 374.º, n.º 1, do Código Civil e, porque assim é, os mesmos, em conformidade com o disposto nos n.ºs. 1 e 2 do artigo 376.º do CC, fazem prova plena quanto às declarações neles atribuídas aos respetivos autores (cfr, neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-07-2020, Pº 1302/16.0T8ACB-A.C1, rel. CARLOS MOREIRA e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-10-2018 (Pº 245/17.4T8SRQ-A.L1-7, rel. JOSÉ CAPACETE).
Assim, “estabelecida a autoria do documento, por falta de impugnação da sua letra ou assinatura, a declaração nele contida, feita ao declaratário contrária ao interesse do declarante, representa uma confissão do seu autor, pelo que a esse documento particular deve ser atribuído nas relações entre ambos, valor probatório pleno (art.º 352º e seg.s do Código Civil). Tal significa que os factos não carecem de outra prova para se terem como demonstrados, embora não implique que o declarante não possa impugnar a sua validade, nos termos gerais, por falta ou vícios da vontade, precisamente como acontece com a declaração confessória (art.º 359º do Código Civil), e designadamente provando, por exemplo, que a declaração resultou de erro” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-09-2021, Pº 100156/19.2YIPRT.P1, rel. FILIPE CAROÇO).
Em suma, conforme se sintetizou com grande clareza no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22-02-2017 (Pº 25/14.9T8LAG.E1, rel. ALBERTINA PEDROSO): “A «impugnação» a que alude o artigo 374.º, n.º 1, CC, não configura uma referência à «impugnação» a que se refere o artigo 571.º do CPC relativa à mera contradição pelo réu dos factos articulados na petição inicial, referindo-se antes à impugnação da genuinidade do documento prevista no artigo 444.º, n.º 1, do CPC, enquanto incidente da instância, porque é através deste concreto meio processual que se procede, no que ora importa, «à impugnação da letra ou assinatura do documento particular». Não tendo sido impugnadas, as assinaturas constantes do documento em questão nos autos, consideram-se verdadeiras. Atento o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 376.º do CC, encontrando-se reconhecida a autoria do referido documento particular, ou seja, a sua subscrição por Autor e Réu, e não tendo sido validamente arguida e provada a falsidade do mesmo ou provada factualidade que conduzisse à sua nulidade, tal escrito faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, considerando-se provados os factos compreendidos na declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante. Tratando-se de prova vinculada não pode ser afastada por qualquer outro meio de prova, por isso que se torne inútil a pretendida reapreciação dos depoimentos das identificadas testemunhas, porquanto do acervo documental junto aos autos e da matéria provada nas alíneas e) a i), que não foi impugnada pelo Recorrido, emergem os factos essenciais que, por si só, bastam para a apreciação do respectivo mérito, os quais não têm que constar na formulação da sentença nos exactos termos vertidos na petição inicial”.
No caso, em face do exposto, não existia qualquer controvérsia sobre os aludidos documentos, pelo que, não havia impedimento algum a que o Tribunal recorrido decidisse, como o fez, no sentido de os incluir no elenco dos factos já provados a correspondente factualidade resultante de tais meios de prova.
Quanto ao mais, os demais factos elencados pelo Tribunal recorrido – factos n.ºs. 1, 2 e 3- não se encontram controvertidos, assentando numa mera extratação da realidade processual que teve lugar nos autos: a composição do requerimento executivo com a alegação que nele foi efetuada e a instrução do requerimento executivo com os documentos que a ele foram anexos.
Tratam-se de factos irrefutáveis – relativamente aos quais não foi invocada a falsidade material dos documentos em que assentam – e que, nessa medida, valem por si.
Tal sucede, independentemente, da validade e eficácia de tais documentos enquanto constitutivos de um título executivo, questão de direito – e não de facto – que será objeto de apreciação infra, em sede de conhecimento do correspondente segmento recursório.
Em face do exposto, são improcedentes as conclusões em contrário deduzidas pelos recorrentes, não merecendo a decisão recorrida algum reparo relativamente à questão em apreço.
*
C) Se o juízo proferido sobre os nºs 1 a 7 da fundamentação de facto do despacho recorrido, na ausência de audiência de julgamento, afronta os princípios da igualdade das partes, do contraditório, do direito a um processo equitativo e do Estado de Direito?
Concluem os recorrentes, ainda e singelamente, que: “5º Ademais, o juízo proferido sobre os mesmos nessas circunstâncias e na ausência de qualquer audiência de julgamento afronta os princípios da igualdade das partes, do contraditório, do direito a um processo equitativo e, ultima ratio, do Estado de direito”.
Conforme se viu, o CPC permite o conhecimento do mérito na fase do saneador: “O despacho saneador destina-se a: (…) b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória” (cfr. artigo 595.º, n.º 1, al. b) do CPC).
Assim, o juiz conhecerá – total ou parcialmente – do mérito da causa no despacho saneador quando não houver necessidade de provas adicionais, para além das já processualmente adquiridas nos autos, encontrando-se, por tal, já habilitado, de forma cabal, a decidir conscienciosamente, nos termos supra enunciados.
A jurisprudência tem procurado densificar os termos em que este conhecimento do mérito da causa no despacho saneador é, ou não, admissível. Disso são exemplo as seguintes decisões:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-10-2018 (Pº 245/17.4T8SRQ-A.L1-7, rel. JOSÉ CAPACETE): “O conhecimento do mérito da causa pelo juiz no saneador, apenas deve ocorrer quando o processo contenha todos os elementos necessários para o efeito, à luz das várias soluções plausíveis da questão de direito, e não apenas da partilhada pelo juiz do processo. É o que ocorre, além do mais, quando toda a matéria de facto relevante esteja provada por documentos, circunstância em que é inviável a elaboração de temas da prova, sendo, consequentemente, dispensável a realização da audiência final, nada impedindo que o juiz proceda à imediata subsunção jurídica”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-05-2019 (Pº 3610/18.6T8MTS.P1, rel. NELSON FERNANDES): “I- O conhecimento do mérito no despacho saneador pressupõe que não existam factos controvertidos indispensáveis para esse conhecimento, ponderando as diferentes soluções plausíveis de direito. II - Face ao referido em I, apesar do juiz se considerar habilitado a conhecer do mérito da causa segundo a solução que julga adequada, com base apenas no núcleo de factos incontroversos, caso existam factos controvertidos com relevância para a decisão, segundo outras soluções também plausíveis de direito, deve abster-se de conhecer, na fase de saneamento, do mérito da causa”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30-05-2019 (Pº 1833/17.4T8SLV-A.E1, rel. TOMÉ RAMIÃO): “O juiz só deve conhecer do pedido ou dos pedidos formulados no despacho saneador sempre que não exista matéria controvertida suscetível de justificar a elaboração de temas da prova e a realização da audiência final, não devendo limitar-se aos factos que interessam à sua visão jurídica mas também àqueles factos que interessam a outras vias de solução possível do litígio”;
- Decisão sumária de 09-03-2021 (Pº 984/19.5T8SRE-A.C1, MOREIRA DO CARMO): “Só deve conhecer-se do mérito da causa no despacho saneador se o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação de alguma exceção perentória (art. 595º, nº 1, b), do NCPC)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-05-2021 (Pº 5900/20.9T8PRT-A.P1, rel. EUGÉNIA CUNHA): “O conhecimento de mérito no despacho saneador apenas deve ter lugar quando o processo fornecer já em tal fase processual, antecipadamente relativamente à normal - a da sentença -, todos os elementos de facto necessários à decisão do caso segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. Assim, e pela negativa, nunca é legitimo ao julgador enveredar, antecipadamente, pela sua solução definitiva do litígio, sem que garantida esteja a presença de todos os factos necessários a que as outras visões possíveis possam, também, ser logo, sustentadas”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-07-2021 (Pº 668/20.1T8GRD.C1, rel. FONTE RAMOS): “Destinando-se o despacho saneador a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas (por assente o acervo fáctico donde emergem as pretensões deduzidas em juízo), a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória (art.º 595º, n.º 1, alínea b) do CPC), esse conhecimento imediato do mérito deverá ocorrer quando haja uma muito razoável margem de segurança quanto à solução a proferir”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-01-2022 (Pº 7503/10.7YYLSB-A.L1-7, rel. MICAELA SOUSA): “A antecipação do conhecimento de mérito ao momento da prolação do despacho saneador pressupõe que o estado do processo possibilite essa decisão, o que sucederá, para além do caso em que toda a matéria de facto relevante esteja provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documento, designadamente, quando seja indiferente para qualquer das soluções plausíveis a prova dos factos que restam controvertidos ou os factos alegados pelo autor sejam inábeis ou insuficientes para extrair o efeito jurídico pretendido”.
Outra questão que se coloca em face do referido pelos embargantes/recorrentes é a de saber se é admissível o julgamento de processos sem audiência de julgamento, ou se, a ausência de audiência de julgamento, determina alguma violação dos princípios invocados pelos recorrentes como ofendidos.
Sobre este ponto, Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2010, pp. 445-446) reportam o seguinte:
“O Tribunal Constitucional sublinha (…) que a Constituição não impõe um determinado modelo concreto de processo, reconhecendo ao legislador uma liberdade constitutiva muito ampla na concretização do princípio do contraditório e da proibição da indefesa (Ac. n.º 222/90). E, na sua concretização, contanto que se observem os limites às leis restritivas, o legislador pode, inclusivamente, em determinadas situações, introduzir limitações em sentido amplo ao contraditório ou diferir o seu exercício (LOPES DO REGO, O direito fundamental do acesso aos tribunais, págs. 749 e segs.).
Assim, atenta a liberdade de conformação do legislador nesta matéria e a natureza da medida em causa, não pode dizer-se, segundo o Tribunal Constitucional, que a norma que permite ao juiz prescindir da realização de audiência preparatória para julgar qualquer excepção no despacho saneador prejudica decisivamente a realização do contraditório entre as partes. Não é, outrossim, materialmente inconstitucional, não ofendendo o direito de defesa de modo intolerável, uma norma que permite que, quando o recorrente já alegou, o tribunal possa tomar a decisão de não conhecer do recurso com fundamento na sua inadmissibilidade sem o ouvir sobre essa questão (Ac. n.º 358/98). O mesmo se diga, em relação ao direito de defesa, quanto o juiz suscita oficiosamente uma excepção e dela conhece sem dar às partes (ou, mais rigorosamente, ao autor) oportunidade para sobre ela se pronunciar (Ac. n.º 222/90). O princípio do contraditório não exige, por fim, a duplicação de mecanismos processuais de reacção contra uma dada irregularidade ou a existência de meios subsidiários de exercício do contraditório (Ac. n.º 702/88)”.
No caso concreto, como se viu, após a dedução de razões pelas partes nos articulados, o julgador, entendendo estarem reunidos os pressupostos legais para o conhecimento do mérito em sede de prolação do despacho saneador, procedeu à decisão do mérito da causa, aspeto que, nos termos sobreditos, não nos merece reparo algum, não se tendo postergado, de algum modo, o princípio do contraditório.
Aliás, verifica-se que é a própria lei processual civil que admite a possibilidade de, verificados os pressupostos legais para o efeito, uma causa ser conhecida e apreciada em juízo sem que na mesma tenha lugar audiência final, em total consonância com o âmbito de observância do princípio do contraditório e do acesso ao Direito e aos Tribunais tal como sufragado pelo Tribunal Constitucional.
A realização da audiência de julgamento não é, pois, condição inexorável da validade de um processo civil.
Mas, para além destes aspetos, não se alcança onde o juízo formulado pelo Tribunal recorrido afronte os demais princípios invocados pelos recorrentes: da igualdade das partes, do direito a um processo equitativo e do Estado de Direito, na decorrência de tal decisão recorrida ter elencado os factos que considerou pertinentes para a apreciação e decisão da causa, o que sucedeu em conformidade com as regras processuais aplicáveis e ainda que tal tenha ocorrido sem a realização de audiência de julgamento.
Deriva do princípio da igualdade – artigo 13.º da CRP - que o legislador deve tratar por igual aquilo que é essencialmente igual e desigualmente aquilo que é essencialmente desigual. Daqui deriva uma proibição do arbítrio.
Conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa, Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 339), a respeito do estruturante princípio da igualdade, “o seu âmbito de protecção abrange na ordem constitucional portuguesa as seguintes dimensões: (a) proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com os critérios de valor objectivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; (b) proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias (cfr. nº2, onde se faz expressa menção de categorias subjectivas que historicamente fundamentaram discriminações); (c) obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas da natureza social, económica e cultural (cfr., por ex., arts. 9º/d e f, 58º-2/b e 74º-1)”.
Ora, não há desigualdade alguma, quando a norma estabelece uma forma de tratamento igual para todos os que estejam na mesma situação da respetiva previsão.
No caso, não se vislumbra que ocorra algum tratamento diferenciado ou discriminatório dos recorrentes relativamente aos demais cidadãos que, na mesma situação e pressupostos, vissem apreciada pelo Tribunal a correspondente pretensão, sem audiência de julgamento, pelo que, não se vislumbra alguma ofensa ao aludido princípio constitucional.
A conformidade das normas processuais civis que a tal legitimam com os princípios do direito a um processo equitativo e do Estado de Direito, também se mostra evidente, por não ser colocada em causa a tutela jurídica efetiva da pretensão que seja, desse modo, conhecida, nem os princípios fundamentais do Estado.
Em face do exposto, conclui-se por uma resposta negativa à questão colocada, improcedendo a conclusão recursória em contrário deduzida pelos recorrentes.
*
D) Se ocorre ilegalidade ou inconstitucionalidade na decisão do Tribunal recorrido ao considerar o exequente como parte legítima?
Alegaram ainda os recorrentes, nas conclusões recursórias, nomeadamente, o seguinte:
“6º (…) nos termos da fundamentação de direito do despacho recorrido, o Tribunal a quo considerou improcedente a falta de legitimidade do Exequente invocada pelos Recorrentes fundamentando-se no RGICSF (DL 298/92) e na Deliberação do Banco de Portugal de 03/08/2014, concluindo que da conjugação dos mesmos resulta que a decisão que determine a alienação prevista no respectivo nº 1, do artigo 145º-M daquele diploma, produz, por si só, o efeito de transmissão da titularidade dos direitos e obrigações transferidos da instituição de crédito objecto de resolução para o adquirente, no caso o Novo Banco, S.A., o qual passou a figurar como mutuante nos mesmos termos que o BES, S.A. nos contratos em causa, sem que haja necessidade de proceder à sua habilitação incidental nos autos.
7º Porém, conforme alegado pelos Recorrentes na oposição à execução, não consta dos autos que o Novo Banco, S.A. tenha sido admitido a substituir o BES, S.A., o qual não se extinguiu, nem aquele requereu a sua habilitação, nem alega factualidade concreta susceptível de a fundamentar, nem a aludida Deliberação se sobrepõe à lei processual civil, nem dispensa a habilitação.
8º Acresce que para além da alegação do Exequente e dos documentos remetidos juntos ao requerimento executivo não serem processualmente adequados e suficientes para se apresentar na qualidade de Exequente em substituição do BES, mais se verifica que os mencionados DL e Deliberação não se sobrepõem nem afastam as normas do CPC, aprovado por lei com força normativa superior, e que regulam a transmissão da coisa ou direito litigioso em causa e a necessária habilitação para a substituição, sob pena da sua aplicação ser ilegal e inconstitucional, o que os Recorrentes invocam expressamente e para todos os efeitos.
9º De onde, não se tendo o Novo Banco habilitado nos autos nem se tendo o BES extinguido, e não se mostrando alegado nem demonstrado que o alegado crédito se integra no elenco dos que foram transmitidos àquele, este continua a ter legitimidade para a causa, sendo o Exequente parte ilegítima”.
Contra-alegou o recorrido, invocando que:
“5- Insurgem-se os Recorrentes contra o douto despacho supra transcrito, reiterando o alegado em sede de oposição à execução e acrescentando que o “mencionado Decreto-Lei e a mencionada Deliberação não se sobrepõem nem afastam as normas do Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que regulam a transmissão da coisa ou direito litigioso em causa e a necessária habilitação para a substituição”.
6- Andou bem, todavia, o Mmº Juiz a quo, quando indeferiu tal pretensão.
7- Conforme referido no artigo 1º dos Factos no Requerimento Executivo, por força da deliberação extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, tomada no dia 3 de Agosto de 2014, foi aplicada ao Banco Espírito Santo, S.A., uma medida de resolução mediante a qual “a generalidade da actividade e do património do Banco Espírito Santo, S.A, é transferida, de forma imediata e definitiva, para o Novo Banco, S.A”.
8- Conforme se extrai do artigo 145º - H do R.G.I.C.S.F. “a decisão de transferência produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal”.
9- A transferência patrimonial em causa operou-se – ope legis – por força da conjugação do artigo 145º-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) com a supra citada Deliberação do Banco de Portugal.
10- De todo o modo, por deliberação datada de 11 de Agosto de 2014, o Conselho de Administração do Banco de Portugal veio a concretizar qual “o conjunto de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob a gestão do Banco Espirito Santo, S.A. (…) que passaram para o Novo Banco, S.A.” elencando, expressamente, quais as matérias excepcionadas dessa transmissão generalizada – vide https://www.bportugal.pt/pt-PT/OBancoeoEurosistema/ComunicadoseNotasdeInformacao/Documents/ANEXO1-Delibera%C3%A7%C3%A3o%2011-o8-2014%20-%20Clarifica%C3%A7%C3%A3o%20do%20per%C3%ADmetro.pdf  em especial, n.º 1, alínea b) do Anexo 2 consolidado e, a contrario, subalínea v) do mesmo documento.
11- Tendo em conta que nos presentes autos não está em causa matéria objecto das excepções já contidas na referida Deliberação, é evidente que a dívida exequenda se transmitiu para a esfera jurídica do Novo Banco, S.A. na sequência da medida de resolução tomada pelo Banco de Portugal.
12- O actual titular do crédito exequendo é – assim e em síntese – o NOVO BANCO, S.A. pois que, em consequência da transferência de activos do BES, S.A., este passou a integrar a sua esfera jurídica patrimonial.
13- Acresce que já se encontra registada (AP ...16 de 2015/04/24) a transmissão da hipoteca – constituída pelos Recorrentes a favor do então Banco Espírito Santo, S.A., para garantia das obrigações emergentes dos contratos de financiamento – a favor do Novo Banco, S.A., ora Recorrido, conforme resulta das certidões juntas com o requerimento executivo como documentos n.ºs 1 a 7.”.
A decisão recorrida expressou-se, quanto a este segmento, nos seguintes moldes:
“B.1. — Da (i)legitimidade do exequente
Os embargantes vêm pôr em causa a legitimidade do exequente para figurar como credor nos autos principais de execução.
Nos termos das disposições dos artigos 145.º-E, n.º 1, alínea a), 145.º-M, n.º 1, 145.º-S, 145.º-T, n.º 1, alínea c), e 145.º-L, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), em conjugação com a Deliberação do Banco de Portugal de 03 de Agosto de 2014, foi constituído o Novo Banco, S.A., tendo sido transferidos para este banco a totalidade da actividade prosseguida pelo Banco Espírito Santo, S.A. e a gestão de activos de direitos e obrigações deste último.
Ora, o artigo 145.º-N, n.os 6 e 8, do RGICSF dispõe que a decisão que determine a alienação prevista no n.º 1 do artigo 145.º-M produz, por si só, o efeito de transmissão da titularidade dos direitos e obrigações transferidos da instituição de crédito objecto de resolução para o adquirente, que é considerado, para todos os efeitos legais e contratuais, como sucessor nos direitos e obrigações transferidos, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com tal transferência.
Ora, o facto de um dos incumprimentos em causa nos autos principais ter ocorrido em data posterior à Deliberação do Banco de Portugal não põe em causa a transmissão da titularidade do crédito para o Novo Banco, S.A., uma vez que, como referido, a totalidade da sua actividade bancária, onde se inserem os mútuos concedidos como o dos autos, foram transmitidos para esse novo banco.
Face a todo o exposto, temos de concluir que o Novo Banco, S.A. passou a figurar como mutuante nos mesmos termos que o Banco Espírito Santo, S.A. nos contratos em causa nos autos principais, sem que haja necessidade de proceder à sua habilitação incidental nos presentes autos — cf., no mesmo sentido, a propósito da criação do Novo Banco, S.A, o ac. do STJ de 28.09.2017, processo n.º 1570/13.9TBCSC-A e o ac. da RL de 20.03.2018, processo n.º 7496/11.3TBOER-C (…)”.
Vejamos, pois, se o acerto está com a decisão recorrida, ou se vinga a posição expressa pelos embargantes.
Sobre a legitimidade na ação executiva resulta do artigo 53.º, n.º 1 do CPC que a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor. Se o título for ao portador, será a execução promovida pelo portador do título (cfr. artigo 53.º, n.º 2, do CPC).
Todavia, tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão (art.º 54º, n.º 1, sob a epígrafe “desvios à regra geral da determinação da legitimidade”).
A legitimidade das partes determina-se, na acção executiva, em regra, no confronto entre as partes e o título executivo: Tem legitimidade como exequente e como executado quem, no título, figurar, respectivamente, como credor e como devedor (cfr. o mencionado artigo 53.º do CPC).
Contudo, “a regra geral da legitimidade para a acção executiva carece de ser adaptada nos casos de sucessão e de título ao portador, sendo que quando tenha ocorrido sucessão, singular ou universal, na titularidade da obrigação, quer do lado activo, quer do lado passivo desta, a execução deve ser promovida por ou contra os sucessores da pessoa que, como credor ou devedor, figura no título, pelo que o exequente deve, no próprio requerimento para a execução, alegar os factos constitutivos da sucessão (art.º 54º, n.º 1).
É assim dispensado o incidente de habilitação no caso de sucessão ocorrida antes da propositura da acção executiva, ainda que tal não dispense o exequente de, liminarmente, provar os factos constitutivos que alega” (cfr., o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-10-2017, Pº 2510/15.6T8VIS-A.C1, rel. FONTE RAMOS; e, também, Lebre de Freitas; A Acção Executiva, 6.ª edição, Coimbra Editora, 2014, p. 141 e ss.).
Ora, apreciando o teor dos títulos dados à execução – contratos de financiamento bancário onde os embargantes figuram na posição de clientes e onde tem a posição de credor, ou financiador, o Banco, identificado em tais contratos como o Banco Espírito Santo, S.A. (BES) – à luz do mencionado artigo 53.º do CPC, poderíamos ser levados a concluir que a execução deveria ser proposta pelo BES, figurando este na posição de exequente.
Contudo, de harmonia com o citado artigo 54.º, n.º 1, do CPC, poderia figurar como exequente, desde logo – como sucedeu - o NOVO BANCO, S.A., muito embora, para que tal, legitimamente, ocorresse, impor-se-ia a comprovação de sucessão no direito correspondente, antes na esfera jurídica do BES, devendo o exequente alegar, no requerimento executivo, os factos constitutivos de tal sucessão.
Analisado o requerimento executivo, nele descortina-se que, efetivamente, o exequente NOVO BANCO, S.A. veio invocar que “sucedeu ao Banco Espírito Santo, S.A. (que figura como credor no(s) título(s) executivo(s) que serve(m) de base a esta execução), na titularidade da(s) obrigação (ões) exequenda(s) e respectivas garantias, por força de deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 (cfr. art.º 145.º - G n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras e, ainda, certidão permanente – código de acesso: ...), sendo, assim, parte legítima (activa), na presente execução (cfr. n.º 1 do art.º 53 e n.º 1 do art.º 54.º do NCPC)” (cfr. artigo 1.º).
A invocação do exequente na sucessão do direito centra-se na deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014.
Importa, por isso, analisar e ponderar o que subjaz à aludida invocação.
Vejamos:
Ao Banco de Portugal, enquanto entidade de supervisão, são cometidos poderes para aplicação das medidas “tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro”, exigindo-se que a adopção dessas medidas seja norteada e sujeita “aos princípios da adequação e da proporcionalidade, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua actividade, bem como a gravidade das respectivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro”(cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo 139.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedade Financeiras, abreviadamente, RGICSF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro).
Por seu turno, do artigo 145.º-A do RGICSF (que estabelecia as finalidades das medidas de resolução), na redação dada pelo D.L. n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro (em vigor à data de 3 de agosto de 2014) dizia-se que “o Banco de Portugal pode aplicar, relativamente às instituições de crédito com sede em Portugal, as medidas previstas no presente capítulo, com o objectivo de prosseguir qualquer das seguintes finalidades: a) Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais; b) Acautelar o risco sistémico; c) Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público; d) Salvaguardar a confiança dos depositantes.”
No artigo 145.º-B do RGICSF (sobre o princípio orientador da aplicação de medidas de resolução), prescrevia-se, por seu turno, que “na aplicação de medidas de resolução, procura assegurar-se que os accionistas e os credores da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa, de acordo com a respectiva hierarquia e em condições de igualdade dentro de cada classe de credores”
E, no artigo 145.º-C do RGICSF (sobre a aplicação de medidas de resolução) estatuía-se que, “quando uma instituição de crédito não cumpra, ou esteja em risco sério de não cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade, o Banco de Portugal pode aplicar as seguintes medidas de resolução, se tal for indispensável para a prossecução de qualquer das finalidades previstas no artigo 145.º-A: a) Alienação parcial ou total da actividade a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa; b) Transferência, parcial ou total, da actividade a um ou mais bancos de transição.”
Conforme dá nota Mafalda Miranda Barbosa (“A propósito do caso BES: algumas notas acerca da medida de resolução”, in Boletim de Ciências Económicas, lviii (2015), pp. 196-197, consultado em: https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/39884/1/A%20proposito%20do%20caso%20BES.pdf), “a resolução é um conceito compreensivo que envolve uma de duas possíveis medidas aptas a garantir as finalidades mencionadas anteriormente: a alienação total ou parcial da atividade a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade em causa; a transferência, total ou parcial, da atividade a um ou mais bancos de transição”.
A possibilidade de criação de um banco de transição foi, aliás, prevista no Aviso do Banco de Portugal nº 13/12, de 08-10-2012, nos termos do qual (n° 1 do art. 2°), se dispunha que “os bancos de transição são instituições de crédito com duração limitada, com a natureza jurídica de banco e a forma de sociedade anónima, que se regem pelos estatutos aprovados por deliberação do Banco de Portugal, pelas disposições legais e regulamentares que lhes são especialmente aplicáveis, pelas normas aplicáveis aos bancos e, subsidiariamente, pelo Código das Sociedades Comerciais, com as adaptações necessárias aos objectivos e natureza destas instituições.”, acrescentando-se no nº 3 que “os bancos de transição são criados para receberem e administrarem a totalidade ou parte dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição originária, desenvolvendo todas ou parte das actividades dessa instituição com vista à prossecução das finalidades enunciadas no art. 145º-A do RGICSF.”
Por sua vez, estabelecia o artigo 145.º-G do RGICSF (sobre a transferência parcial ou total da actividade para bancos de transição) que “o Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objectivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa”; que, o banco de transição é constituído por deliberação do Banco de Portugal, que aprova os respectivos estatutos”; e que, após tal deliberação o banco de transição fica autorizado a exercer as actividades previstas no n.º 1 do artigo 4.º”.
No artigo 145.º-H do RGICSF (sobre património e financiamento do banco de transição) dizia-se na redação vigente à data de 03-08-2014 (resultante do D.L. n.º 114-A/2014, de 1 de agosto, em moldes que quadram com os do atual artigo 145.º-M, na redação hoje em vigor) que “o Banco de Portugal selecciona os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição” (n.º 1); que após a transferência prevista no n.º 1, “o Banco de Portugal pode, a todo o tempo: a) Transferir outros activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão da instituição de crédito originária para o banco de transição; b) Transferir activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária” (n.º 5); que “após a transferência prevista no n.º 1, deve ser garantida a continuidade das operações relacionadas com os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos, devendo o banco de transição ser considerado, para todos os efeitos legais e contratuais, como sucessor nos direitos e obrigações transferidos da instituição de crédito originária” (n.º 9); e que, “a decisão de transferência prevista no n.º 1 produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a transferência” (n.º 11).
Resulta dos mencionados preceitos legais, que o Banco de Portugal, enquanto autoridade de supervisão, deve adotar as medidas necessárias à salvaguarda da instituição de crédito, dos depositantes e do sistema financeiro, devendo aplicar as medidas que forem consideradas adequadas e proporcionais, no que lhe é dada ampla liberdade de decisão (poderes também resultantes da Directiva da Resolução e Recuperação Bancária, transposta em parte, pela Lei nº 23-A/15, de 26 de março, em vigor desde 31 de março de 2015).
Um parêntesis para referir que o exequente vem invocar a certidão permanente do registo comercial com o código de acesso que mencionou (...), que viabiliza, nomeadamente no sítio na internet, https://eportugal.gov.pt/empresas/Services/Online/Pedidos.aspx?service=CCP, a visualização da certidão permanente do registo comercial do NOVO BANCO, S.A.
Conforme se lê na mesma certidão, em conformidade com o disposto no artigo 75.º, n.º 5, do Código do Registo Comercial (aprovado pelo D.L. n.º 403/86, de 3 de dezembro, na redação resultante das alterações introduzidas pelo D.L. n.º 76-A/2006, de 29 de março, pelo D.L. n.º 8/2007, de 17 de janeiro e pelo D.L. n.º 209/2012, de 19 de setembro), “faz …prova para todos os efeitos legais e perante qualquer autoridade pública ou entidade privada a disponibilização da informação constante da certidão em sítio da Internet, em termos a definir por portaria [a portaria n.º 1416-A/2006, de 19 de dezembro] do Ministro da Justiça”.
E, conforme dali consta, o objeto da entidade em questão traduz-se na Administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco Espirito Santo, SA, para o Novo Banco, SA, e o desenvolvimento das atividades transferidas, tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145º-A do RGICSF, e com o objectivo de permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito”.
Ora, é conhecido em termos amplos – constituindo, aliás, facto notório (cfr. artigo 412.º do CPC), tal a ampla difusão que em Portugal se verificou sobre o assunto  – que o Banco de Portugal adotou uma deliberação em 03 de agosto de 2014, nos termos da qual se determinou, além do mais, a constituição do Novo Banco, S. A. e a transferência de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A., para o Novo Banco, S.A.
Conforme refere Maria Luísa Azevedo (“Contributo para o debate sobre o(s) regime(s) jurídico(s) aplicável(eis) aquando e após a medida de resolução aplicada ao BES”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, Ensaios de Homenagem a Amadeu Ferreira; Vol. II, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, 2015, p. 119, disponível em: https://www.cmvm.pt/pt/EstatisticasEstudosEPublicacoes/CadernosDoMercadoDeValoresMobiliarios/Documents/CMVM_Amadeu%20Ferreira%20Vol%20II.pdf): “É pública e notória a deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal to mada em reunião extraordinária daquele órgão, pelas 20h00m, do dia 3 de agosto de 2014, onde, pela primeira vez e com carácter de urgência, na sua qualidade de autoridade de resolução, o banco central determinou, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do Artigo 145.º-C do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (RGICSF), conforme vigente à data, a aplicação de medida de resolução a uma instituição de crédito nacional (o Banco Espírito Santo, S.A.), consubstanciada na criação de um banco de transição (o Novo Banco, S.A.) e na transferência parcial de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão daquele para este”.
O teor da mencionada deliberação e, bem assim, todas as que demais se sucederam, encontram-se publicitadas no sítio na Internet do Banco de Portugal, em https://www.bportugal.pt/page/deliberacoes-e-informacoes-do-banco-de-portugal?mlid=1420.
Decorre da mencionada deliberação de 3 de agosto de 2014, em particular, o seguinte:
“Ponto Um
Constituição do Novo Banco, SA
É constituído o Novo Banco, SA, ao abrigo do n.º 5 do artigo 145.º-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 à presente deliberação.
Ponto Dois
Transferência para o Novo Banco, SA, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espirito Santo, SA
São transferidos para o Novo Banco, SA, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 145.º-H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, conjugado com o artigo 17.º-A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espirito Santo, SA, que constam dos Anexos 2 e 2A a presente deliberação (…)”.
Fundamentalmente, “[n]o que concerne à medida de resolução aplicada ao BES, o BP optou, no caso em apreço, pelo instrumento de criação de uma instituição de transição (ou banco de transição). Com o BES, considerado um banco com impacto sistémico na economia, temia-se que o seu colapso financeiro originaria um efeito too big to fail (este efeito nefasto no sistema financeiro como um todo é reconhecido a bancos que, pela sua extensão e interligação com outros, se encontrem em uma situação de insolvência). Foram estes factores que levaram o BP a dar como preenchidos os pressupostos de aplicação das medidas de resolução, que exigem que a IC esteja em risco ou que já não esteja de todo a cumprir as suas obrigações no âmbito da sua actividade.
Assim, a 3 de Agosto de 2014, foi ordenada, pelo BP, a aplicação de uma medida de resolução ao BES, sob a modalidade de criação de um banco de transição. Consequentemente, o capital do BES, bem como a sua actividade, foram transferidos para uma entidade criada para o efeito, o Novo Banco (banco de transição), que assumirá natureza jurídica de uma IC, apta a praticar as funções bancárias, de acordo com o elenco do Art.4º do RGICSF. Esta operação foi feita com base na divisão entre dois bancos: o antigo BES, considerado o “banco mau”, que suportará o passivo e os activos tóxicos, cujas perdas serão suportadas pelos seus accionistas e credores; e o “banco bom”, o chamado Novo Banco, expurgado dos activos tóxicos, e financiado pelo Fundo de Resolução” (assim, Joana Rocio; A Medida de Resolução no Caso BES- Uma análise do mecanismo de resolução aplicado ao Banco Espírito Santo, UCP, 2015, pp. 39-40).
Muito já se escreveu sobre a deliberação do Banco de Portugal de 03-08-2014 e sobre a sua des/conformidade constitucional (cfr., v.g., Eduardo Paz Ferreira e Ana Perestrelo de Oliveira; “Fundamentos da resolução bancária: a propósito do caso BES e da legitimidade da deliberação de resolução”, in Revista de Direito das Sociedades, Ano IX, 2017, n.º 2, pp. 257-321; José M. Gonçalves Machado; “A Medida de Resolução do “BES” e a confiança dos depositantes: um caso de hoje, uma lição para o futuro”, in Revista do Direito das Sociedades, Ano IX, 2017, n.º 2, pp. 429-480; Marisa Filipa Oliveira Manso; Uma Análise das Medidas de Resolução Bancária, ISCTE – IUL, Lisboa, 2018, pp. 87 e ss.; Carolina Beatriz Antunes da Mota Nunes Mendes; Regulação Financeira e Supervisão Bancária - Análise crítica das problemáticas do BPN, BPP, BES e Banif; FDUC, 2016, pp. 132 e ss.; Joana Rocio; A Medida de Resolução no Caso BES- Uma análise do mecanismo de resolução aplicado ao Banco Espírito Santo, UCP, 2015, pp. 12 e ss.; André Mendes Barata; “O mecanismo único de resolução: Análise à luz do caso BES”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 77, I-II, 2017, pp. 117 e ss.; Mafalda Miranda Barbosa; “Tutela de credores e medida de resolução: do princípio do tratamento igualitário de credores ao princípio da igualdade”, in Revista de Direito Comercial, 2019, pp. 121 e ss, disponível em https://www.revistadedireitocomercial.com/tutela-de-credores-e-medida-de-resolucao-; João Paulo Vasconcelo Raposo; “Regime europeu de recuperação e resolução de instituições financeiras: Resposta efetiva ou “wishful thinking”?”, in Julgar Online, Outubro de 2016, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/10/20161019-ARTIGO-JULGAR-Regime-Europeu-de-Recupera%C3%A7%C3%A3o-e-Resolu%C3%A7%C3%A3o-de-Institui%C3%A7%C3%B5es-Financeiras-Jo%C3%A3o-Paulo-Raposo.pdf; e Fábio da Silva Veiga e João Vieira dos Santos; “O pioneirismo do caso BES e da Resolução Bancária”, in Quaestio Iuris, vol. 10, nº. 02, Rio de Janeiro, 2017, pp. 762-778, disponível em https://eprints.ucm.es/id/eprint/63965/1/ok%20Revista%20QI%20-%20resolucao%20bancaria.pdf).
Acompanhando a posição de Jorge Reis Novais (“A deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (Resolução do Banco Espírito Santo)”, in Cadernos Jurídicos, n.º 2, Banco de Portugal, novembro de 2020, p. 94, disponível em https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/pdf-boletim/cadernos_juridicos_2_2020.pdf) podemos dizer que, “(…) num juízo de constitucionalidade construído sobre a observância do princípio da indispensabilidade, não está em causa saber se a medida e as opções do Banco de Portugal foram as mais adequadas do ponto de vista político. O que se decide é se, nas condições complexas da situação da altura, a decisão de resolução, comparando acréscimos marginais de benefício e de sacrifício que o Banco de Portugal esperava conseguir com a medida efectivamente escolhida, com os que calculava que (não) seriam produzidos por uma intervenção correctiva, foi ou não uma decisão desproporcionada. Desse ponto de vista, não parece que, com os dados disponíveis, a opção efectivamente tomada pelo Banco de Portugal, independentemente da concordância relativamente ao respectivo mérito, mereça censura jurídico-constitucional por pretensa inobservância do princípio da proibição do excesso.”.
De todo o modo, nos termos constantes do Anexo 2 à dita deliberação de 03-08-2014 (sendo que, as deliberações do Banco de Portugal apenas podem ser sindicadas/impugnadas na jurisdição administrativa – cfr. artigo 145º-AR do RGICSF,aditado pela Lei n.º 23-A/2015, de 26 de março; artigo 4º, n.º 1, alínea b) do ETAF; e artigo 39.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal, na redação dada pelo D.L. n.º 118/2001, de 17 de abril), foi determinada a transferência de todos os ativos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade do BES para o Novo Banco, S.A., com as exceções ali também consignadas, onde não figura qualquer aspeto relacionado com as obrigações a que dizem respeito os presentes autos.
Assim, não merece qualquer reparo a conclusão alcançada pelo Tribunal recorrido no sentido de que os créditos de que se arroga o exequente, foram para si transferidos, com a instituição do banco de transição, passando do BES para o NOVO BANCO, S.A., ora exequente.
Tal constatação não dependia, ao invés do invocado pelos embargantes, de qualquer habilitação, pois, a isso obvia, como se disse, o disposto nos artigos 53.º e 54.º do CPC, regras do processo civil que afastam, no caso, a aplicação do instituto da habilitação.
De facto, a jurisprudência tem, de modo consolidado e uniforme, alinhado no sentido de que a especialidade normativa do artigo 54.º, n.º 1, do CPC, constitui um desvio à regra geral da legitimidade para a ação executiva, devendo os factos atinentes à sucessão ser deduzidos no próprio requerimento executivo, não implicando a existência de incidente de habilitação. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os seguintes arestos:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-2004 (Pº 04B3901, rel. ARAÚJO BARROS): “Se houver sucessão no direito ou na obrigação exequenda, são partes legítimas os sucessores dos sujeitos que figuram no título como credor e devedor da obrigação exequenda (art. 56º, nº 1, 1ª parte). Quando, entre o momento da formação do título e o da propositura da acção executiva, tiver ocorrido sucessão, do lado activo, na titularidade da obrigação, a execução será promovida pelos sucessores da pessoa que, como credor, figura no título, sendo que o exequente deverá, no próprio requerimento para a execução, alegar os factos constitutivos da sucessão”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-02-2014 (Pº 2747/10.4YYPRT-B.P1, rel. CAIMOTO JÁCOME): “Na acção executiva, a legitimidade é definida pelo próprio título (artº 55º, do CPC, actual artº 53º): dispõe de legitimidade, como exequente, quem no título figure como credor e, como executado, quem no título tenha a posição de devedor (nº 1). Se o título, no entanto, for ao portador, a legitimidade activa cabe ao respectivo portador (nº 2 do normativo). Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda. No próprio requerimento para a execução, deduzirá o exequente os factos constitutivos da sucessão (artº 54º, nº 1, do CPC). A dispensa do incidente de habilitação só ocorre quando a intervenção dos sucessores tenha lugar logo no momento da instauração da execução. Se ocorrer na pendência da execução aplica-se o estatuído nos arts. 371º-376º, do CPC (actualmente arts. 351º-356º)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-10-2016 (Pº 7733/14.2T8PRT-A.P1, rel. MANUEL DOMINGOS FERNANDES): “O preceituado no artigo 54.º, n.º 1, do CPCivil, constitui um desvio à regra geral da legitimidade para a acção executiva, podendo esta ser intentada por e contra pessoas que não figuram no título executivo, por, entretanto, ter ocorrido transmissão no direito ou na obrigação, quer inter vivos, quer mortis causa”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-12-2017 (Pº 2341/16.6T8FNC-A.L1-7, rel. JOSÉ CAPACETE): “O termo sucessão é utilizado no art. 54º, nº 1, do CPC, em sentido genérico, para designar qualquer tipo de transmissão. No caso de a transmissão ter ocorrido antes da propositura da ação executiva, o exequente, ao dar início à execução, deve alegar, do requerimento executivo os factos constitutivos dessa sucessão. A redação daquele preceito não impõe a demonstração imediata da alegada sucessão no direito ou na obrigação, dado estabelecer que o exequente deduz no requerimento executivo os factos constitutivos da sucessão”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-03-2018 (Pº 132/13.5TBABF-A.E1, rel. MANUEL BARGADO): “O preceituado no artigo 54º, nº 1, do CPC, constitui um desvio à regra geral da legitimidade para a ação executiva, podendo esta ser intentada por e contra pessoas que não figuram no título executivo, por, entretanto, ter ocorrido transmissão no direito ou na obrigação, quer inter vivos, quer mortis causa. A redação daquele preceito não impõe a demonstração imediata da alegada sucessão no direito ou na obrigação, dado estabelecer que o exequente deduz no requerimento executivo os factos constitutivos da sucessão. Se o legislador quisesse impor desde logo a demonstração da sucessão, seguramente não expressaria essa obrigação apenas pela palavra “deduz”, mas acrescentaria ainda uma outra com sentido equivalente a “demonstre”.”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13-01-2022 (Pº 1818/20.3T8VNF-A.G1, rel. EVA ALMEIDA): “A habilitação legitimidade deduzida na P.I. da acção, seja declarativa, seja executiva, é julgada e apreciada juntamente com a causa, sendo que, tratando-se de execução, como estabelece o nº 1 do art.º 54.º do CPC, no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão”. Podendo o executado deduzir a oposição à matéria desta Habilitação legitimidade (que tem natureza declarativa), na oposição à execução, mediante embargos”.
Também não procede a invocação de normas que regulam o instituto da transmissão de coisa ou direito litigioso (a que se referem, em particular, os artigos 579.º a 581.º e 876.º do CC), que não têm aplicação à situação em apreço, por a transmissão do direito do transmitente ter ocorrido em momento anterior (03-08-2014) ao da pendência dos presentes autos, prevalecendo, em concreto, o regime processual resultante dos mencionados artigos 53.º e 54.º do CPC, sem que, por isso, se anteveja alguma ilegalidade, nem o cometimento de qualquer inconstitucionalidade.
No mais, merece inteiro acolhimento o demais referido na decisão recorrida, no sentido de que, “(…) o facto de um dos incumprimentos em causa nos autos principais ter ocorrido em data posterior à Deliberação do Banco de Portugal não põe em causa a transmissão da titularidade do crédito para o Novo Banco, S.A., uma vez que, como referido, a totalidade da sua actividade bancária, onde se inserem os mútuos concedidos como o dos autos, foram transmitidos para esse novo banco. Face a todo o exposto, temos de concluir que o Novo Banco, S.A. passou a figurar como mutuante nos mesmos termos que o Banco Espírito Santo, S.A. nos contratos em causa nos autos principais, sem que haja necessidade de proceder à sua habilitação incidental nos presentes autos — cf., no mesmo sentido, a propósito da criação do Novo Banco, S.A, o ac. do STJ de 28.09.2017, processo n.º 1570/13.9TBCSC-A e o ac. da RL de 20.03.2018, processo n.º 7496/11.3TBOER-C (…)”.
Improcedem as conclusões em contrário tecidas pelos embargantes, merecendo a questão em apreço resposta negativa.
*
E) Se o Tribunal recorrido deveria ter julgado procedentes os embargos por falta de implementação pelo exequente do PERSI?
Na decisão recorrida, o Tribunal a quo apreciou a questão da “não integração dos executados em PERSI” nos termos acima transcritos, de onde resulta, em suma:
- Que o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras;
- Que o artigo 1.º daquele diploma legal estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito designadamente “a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do artigo seguinte” e no artigo 3.º, alíneas a) e c) do mesmo Decreto-Lei, atribui-se ao cliente bancário o estatuto de consumidor, na acepção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, desde que intervenha como mutuário em contrato de crédito, e o contrato de crédito como o contrato celebrado entre um cliente bancário e uma instituição de crédito com sede ou sucursal em território nacional que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo anterior, esteja incluído no âmbito de aplicação do presente diploma;
- Que o artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 227/2012 dispõe que: “1. No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito; c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual. 2. Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode: a) Fazer uso de procedimentos cautelares adequados a assegurar a efetividade do seu direito de crédito; b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito. 3. Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual. 4. Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os actos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do n.º 1 ou as alíneas c), f) e g) do n.º 2 todas do artigo anterior”.
- Que o artigo 39.º do mesmo diploma legal prescreve que: “1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias. 2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no nº 4 do artigo 14.º. 3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no nº 1 do artigo 14.º”;
- Que o legislador pretendeu integrar no regime do PERSI todas as situações previstas no diploma que ao tempo da sua entrada em vigor (01-01-2013) se encontravam em mora relativamente ao cumprimento, independentemente da data pretérita em que tal ocorresse, impondo, apenas, que tivesse ocorrido há mais de 30 dias, mas para tal integração ocorra é necessário que o mutuário tenha a qualidade de consumidor nos termos regulados na Lei de Defesa do Consumidor, sendo que, nesta não se incluem as actividades profissionais/comerciais;
- Que, no caso, os mútuos contraídos com a finalidade de «Fundo de Maneio à Actividade Empresarial» ou de «Apoio de Tesouraria» não reconduzem o mutuário a consumidor para efeitos de ser tutelado por PERSI — cf., no sentido de fiadores pessoas singulares não poderem ser integrados em PERSI por o devedor ser uma pessoa colectiva, não sendo, pois, um consumidor, os acs. da RL 12.10.2017 e da RE de 27.04.2017, respectivamente, processos n.os 6776-15.3T8ALM.L1-8 e 37/15.5T8ODM-A.E1;
- Que, assim, é irrelevante se algum dos imóveis objecto de hipoteca e que garantem os mútuos em questão se reportam ou não a casa de morada de família de algum dos embargantes; e
- Que o critério para integração prévia no PERSI como condição de procedibilidade de acção executiva pressupõe que o mutuário, que não se confunde com o fiador ou titular do bem hipotecado, seja um consumidor, o que não sucede no caso, dada a finalidade dos mútuos em questão.
Os recorrentes, sobre este ponto, concluem no recurso que:
“10º O Tribunal a quo julgou também improcedentes os embargos deduzidos pelos Recorrentes quanto à invocada falta de implementação pelo Exequente do PERSI com fundamento em que, para tal, é necessário que o mutuário tenha a qualidade de consumidor nos termos da LDC, na qual não se incluem actividades profissionais ou comerciais, sendo que os mútuos em causa têm como finalidade fundo de maneio à actividade empresarial e apoio de tesouraria, o que não reconduz o mutuário a consumidor para efeito do PERSI, irrelevando se os imóveis objecto de hipoteca e que garantem tais mútuos se reportam ou não a casa de morada de família de algum dos embargantes posto que o critério de exigência de integração pressupõe que o mutuário seja um consumidor, o que não se confunde com o fiador ou titular do bem hipotecado.
11º Ao assim decidir o Tribunal a quo desconsiderou o alegado pelos Recorrentes na oposição à execução, no sentido em que o regime do PERSI é aplicável aos contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre imóvel, a qual incide sobre a habitação própria permanente do Recorrente CC, o que obsta à exigibilidade, logo à exequibilidade, dos títulos executivos em causa.
12º Salienta-se que a LDC considera consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefício, e não discrimina as actividades profissionais ou comerciais, e se é certo que o DL 24/2014 define como consumidor qualquer pessoa singular que actue com fins que não se incluam no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional, também é certo que, ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo o Executado CC não é “fiador”, mas sim mutuário, e não exerce qualquer actividade profissional ou comercial, nem destinou o bem ou serviço adquirido a qualquer uso profissional.
13º De onde, sendo o Recorrente CC mutuário, não exercendo qualquer actividade profissional ou comercial, e incidindo as hipotecas em causa sobre o imóvel no qual tem a sua habitação própria permanente, tanto basta para ser considerado consumidor na acepção da lei, posto que o regime do PERSI é aplicável aos contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre imóvel celebrados com clientes bancários que são consumidores, e aquele é-o na acepção da Lei 67/2003, sendo certo que os Recorrentes não foram integrados pelo Exequente no PERSI”.
Contrapôs o recorrido, em suma, que:
- Não integrou os Recorrentes no PERSI aquando do incumprimento das obrigações que aqueles assumiram, nem tinha que o fazer;
- Que o PERSI aplica-se aos contratos de crédito, entre outros, garantidos por hipoteca sobre bem imóvel, celebrados entre instituições de crédito e clientes bancários, entendidos estes como consumidores, na acepção dada pelo artigo 2º, n.º 1, da Lei de Defesa do Consumidor (“Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a não uso profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”);
- Que a jurisprudência entende que a noção de consumidor dado pelos diplomas legais supra citados é restrita (citando o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo n.º 6776/15.3T8ALM.L1-8);
- Que os contratos de financiamento que servem de causa de pedir na acção foram celebrados com as finalidades de “Fundo de Maneio à Actividade Empresarial” e “Apoio de Tesouraria” à Farmácia explorada pelos Embargantes e mutuários, a saber, AA e CC, no âmbito da sua actividade empresarial – exploração de farmácia – e não na qualidade de consumidores; e
- Que dos contratos de financiamento juntos com o requerimento executivo como documentos nºs 1 e 2, resulta que o Recorrente CC assumiu a qualidade de mutuário, juntamente com a Recorrente AA, razão pela qual os montantes disponibilizados também se destinaram a apoiar a sua actividade empresarial.
Vejamos:
O Decreto-Lei nº. 227/2012, de 25 de outubro, veio prever acerca do Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI), estabelecendo “princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações”.
Do preâmbulo deste diploma resulta pretender-se estabelecer “um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas”.
Visa-se proteger especificamente o cliente bancário que seja consumidor, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, que celebra contratos de mútuo com entidades bancárias, nos termos do art. 3.º, al. a) do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro.
De acordo com o n.º 1 do artigo 2.º do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro – preceito que define o “âmbito” de aplicação do regime instituído, o mesmo aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários:
a) Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria;
b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel;
c) Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo;
d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato;
e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.
De acordo com o disposto no artigo 3.º, al. a) do D.L. n.º 227/2012, define-se «cliente bancário», como “o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito”.
De acordo com a Lei de Defesa do Consumidor (cfr. artigo 2.º, n.º 1) considera-se “consumidor” todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.
Dá conta Teresa Almeida (Lei de Defesa do Consumidor Anotada; Instituto do Consumidor, Dez. 2001, p. 10), “o conceito de consumidor sofre uma importante alteração, no sentido da sua aproximação à noção constante da generalidade dos textos comunitários: o uso a que se destina o bem, serviço ou direito adquirido deixa de ser necessariamente privado, bastando que seja um uso não profissional (…)”.
E, conforme ensina Jorge Morais Carvalho (Os Contratos de Consumo - Reflexão sobre a Autonomia Privada no Direito do Consumo; Lisboa, 2011, pp. 22-26):
“Qualquer conceito de consumidor pode, em princípio, ser analisado com referência a quatro elementos, todos presentes na norma citada: elemento subjectivo, elemento objectivo, elemento teleológico e elemento relacional.
O elemento subjectivo (“todo aquele”) é bastante amplo, abrangendo, numa primeira abordagem, todas as pessoas, físicas ou jurídicas, embora sofra depois uma restrição face ao elemento teleológico (…).
O elemento objectivo também tem uma amplitude significativa (“a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços e transmitidos quaisquer direitos”), parecendo abarcar qualquer relação contratual estabelecida entre as partes (…).
O elemento teleológico também consta da definição (“destinados a uso não profissional”). Neste ponto, a actual Lei de Defesa do Consumidor adopta uma expressão diferente da anterior (“uso privado”), embora esta circunstância não reflicta qualquer diferença do ponto de vista dos sujeitos abrangidos. A finalidade pode ser revelada por forma positiva (“uso privado”) ou por via negativa (“uso não profissional”).
Discute-se o preenchimento deste requisito sempre que o bem é destinado a uso misto, ou seja, simultaneamente, a uso profissional e a uso não profissional. É o caso, por exemplo, da pessoa que adquire um automóvel para utilizar quer no exercício da sua actividade profissional quer na sua vida privada. Nestes casos, o melhor critério para determinar se se trata de uma relação de consumo parece consistir no uso predominantemente dado ao bem (…).
Outra questão diz respeito ao momento em que deve ser verificado o destino a dar aos bens: o momento da celebração do contrato, o momento da entrega ou um momento posterior? Uma vez que o cumprimento das regras específicas de protecção dos consumidores depende do conhecimento da natureza da relação por parte do profissional, é ao momento da celebração do contrato que se deve reportar a determinação do uso predominante a dar ao bem.
A noção contém ainda o elemento relacional, impondo que a contraparte (em relação ao consumidor) seja uma “pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
Face ao elemento teleológico assinalado (“uso não profissional”), a lei portuguesa parece clara no sentido da não inclusão na noção de consumidor das pessoas, físicas ou jurídicas, que actuam no âmbito de uma actividade económica, independentemente de terem conhecimentos específicos no que respeita ao negócio em causa”.
E, de acordo com o artigo 3.º, al. c) do D.L. n.º 227/2012, considera-se como “contrato de crédito”, “o contrato celebrado entre um cliente bancário e uma instituição de crédito com sede ou sucursal em território nacional que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo anterior, esteja incluído no âmbito de aplicação do presente diploma”.
O regime normativo consagra, essencialmente, dois mecanismos: Um, em momento temporal prévio ao incumprimento contratual do mutuário consumidor, previsto e regulado nos artigos 9.º a 11.º, sob a designação elucidativa de “Gestão do risco de incumprimento”; e, outro, para fazer face à mora dos mutuários no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, previsto nos artigos 12.º a 21.º, onde se regula o denominado “Procedimento Extrajudicial de Situações de Incumprimento (PERSI)”.
No âmbito do PERSI “as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor”.
O desiderato da criação deste mecanismo foi o de “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários”, prevendo-se que, caso o PERSI não termine com um acordo entre as partes, o cliente bancário possa solicitar a intervenção do Mediador do Crédito, bem como a criação de uma rede “que apoie os consumidores em dificuldades financeiras, nomeadamente através da prestação de informação, do aconselhamento e do acompanhamento nos procedimentos de negociação que estabeleçam com as instituições de crédito”.
Prevendo acerca dos princípios gerais estabelecidos no diploma, referencia o artigo 4.º do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, que:
“1 - No cumprimento das disposições do presente diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adotando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa.
2 - Os clientes bancários devem gerir as suas obrigações de crédito de forma responsável e, com observância do princípio da boa fé, alertar atempadamente as instituições de crédito para o eventual risco de incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito e colaborar com estas na procura de soluções extrajudiciais para o cumprimento dessas obrigações”.
Especificamente, acerca do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situação de Incumprimento (PERSI), o artigo 12.º do mesmo diploma legal, impõe às instituições de crédito a obrigatoriedade de promoverem “as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito”.
Tal procedimento passa, então, por uma “Fase Inicial”, prevista no artigo 14.º (considerando-se a redação anterior à conferida pelo D.L. n.º 70-B/2021, de 6 de agosto), no qual se referencia que:
“1 - Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a instituição de crédito está obrigada a iniciar o PERSI sempre que:
a) O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI, considerando-se, para todos os efeitos, que essa integração ocorre na data em que a instituição de crédito recebe a referida comunicação;
b) O cliente bancário, que alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, entre em mora, devendo, para todos os efeitos, considerar-se que a integração desse cliente no PERSI ocorre na data do referido incumprimento.
3 - Quando, na pendência do PERSI, o cliente bancário entre em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de outros contratos de crédito celebrados com a mesma instituição, a instituição de crédito deve procurar obter a regularização do incumprimento no âmbito de um único procedimento, informando o cliente bancário desse facto nos termos previstos no número seguinte.
4 - No prazo máximo de cinco dias após a ocorrência dos eventos previstos no presente artigo, a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.
5 - O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no número anterior”.
Prolonga-se por uma “Fase de Avaliação e Proposta”, enunciada no artigo 15.º do mesmo Decreto-Lei, preceito onde se prescreve que:
“1 - A instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para apurar se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, essas obrigações nos termos previstos no contrato de crédito.
2 - Para os efeitos previstos no número anterior, a instituição de crédito procede à avaliação da capacidade financeira do cliente bancário, podendo solicitar-lhe as informações e os documentos estritamente necessários e adequados, nos termos a definir, mediante aviso, pelo Banco de Portugal.
3 - Salvo motivo atendível, o cliente bancário presta a informação e disponibiliza os documentos solicitados pela instituição de crédito no prazo máximo de 10 dias.
4 - No prazo máximo de 30 dias após a integração do cliente bancário no PERSI, a instituição de crédito, através de comunicação em suporte duradouro, está obrigada a:
a) Comunicar ao cliente bancário o resultado da avaliação desenvolvida nos termos previstos nos números anteriores, quando verifique que o mesmo não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, sendo inviável a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI; ou
b) Apresentar ao cliente bancário uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capital ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito.
5 - Na apresentação de propostas aos clientes bancários, as instituições de crédito observam os deveres de informação previstos na legislação e regulamentação específicas”.
Após a referida fase, o procedimento segue para uma “Fase de Negociação”, regulada nos termos do artigo 16.º do mesmo diploma, do seguinte modo:
“1 - Caso o cliente bancário recuse as propostas apresentadas, a instituição de crédito, quando considere que existem outras alternativas adequadas à situação do cliente bancário, apresenta uma nova proposta.
2 - Quando o cliente bancário proponha alterações à proposta inicial, a instituição de crédito comunica-lhe, no prazo máximo de 15 dias e em suporte duradouro, a sua aceitação ou recusa, podendo igualmente apresentar uma nova proposta, observando o disposto no n.º 5 do artigo anterior.
3 - O cliente bancário pronuncia-se sobre as propostas que lhe sejam apresentadas no prazo máximo de 15 dias após a sua receção”.
Conforme se referiu no Acórdão do STJ de 09-02-2017 (Pº 194/13.5TBCMN-A.G1.S1, rel. FERNANDA ISABEL PEREIRA): “O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) – instituído pelo DL n.º 272/2012, de 25-10, que está em vigor desde 01-01-2013 e é aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em mora ou em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito – constitui uma fase pré-judicial que visa a composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, através de um procedimento que comporta três fases: (i) a fase inicial; (ii) a fase de avaliação e proposta; e (iii) a fase de negociação (arts. 14.º a 17.º do referido diploma legal). Durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está vedada à instituição de crédito a instauração de acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito (art. 18.º, n.º 1, al. b), do citado DL n.º 272/2012)”.
Importa ainda salientar que, conforme referido no Acórdão do STJ de 19-05-2020 (Pº 6023/15.8T8OER-A.L1.S1, rel. MARIA OLINDA GARCIA): “A instituição de crédito que move ação executiva contra o mutuário consumidor, que se encontra em mora, tem o ónus de demonstrar que cumpriu as obrigações impostas pelos artigos 12º e seguintes do DL n.227/2012, que prevê o regime jurídico do PERSI. Enquanto o mutuante não proporcionar ao devedor consumidor a oportunidade para encontrar uma solução extrajudicial, tendo em vista a renegociação ou a modificação do modo de cumprimento da dívida, não lhe é permitido o recurso à via judicial para fazer valer o seu crédito (como se extrai do art.18º daquele diploma). O cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da ação executiva movida por uma entidade financeira contra um devedor consumidor, cuja ausência se traduz numa exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância”.
Por seu turno, no Acórdão do STJ de 16-12-2020 (Pº 2282/15.4T8ALM-A.L1.S1, rel. CATARINA SERRA), decidiu-se que o PERSI, “como mecanismo ou instrumento para a prevenção de incumprimento no crédito bancário, não tem por suficiente ou bastante o mero cumprimento formal, por parte da instituição de crédito, de integração do cliente no procedimento, antes se lhe exigindo a concreta observância de deveres específicos e a realização de diligências concretas”.
Também, no Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 29-09-2020 (Pº 1827/18.2T8ALM-B.L1-7, rel. MICAELA DA SILVA SOUSA) se concluiu que a falta de integração no PERSI, verificados que estejam os respetivos pressupostos, impede que a instituição de crédito intente acção judicial com vista à satisfação do seu crédito, porque antes de o poder fazer tem de cumprir aquela obrigação que lhe é imposta, no sentido de tentar extrajudicialmente a regularização do incumprimento, ou seja, aquela integração surge como uma condição prévia ao accionamento judicial: “A preterição de sujeição do devedor ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), por parte da instituição de crédito credora, traduz-se no incumprimento de norma imperativa e que, em termos adjectivos, consiste numa condição objectiva de procedibilidade da pretensão, que deve regulada, com as adaptações que se revelem necessárias pelo regime jurídico das excepções dilatórias. (…). A preterição de sujeição do devedor ao PERSI é de conhecimento oficioso (…)” (em semelhante sentido, vd. os acórdãos da Relação de Coimbra de 15-12-2020, Pº 6971/18.3T8CBR-A/B.C1, rel. MARIA TERESA ALBUQUERQUE; de 15-12-2021, Pº 930/20.3T8ACB-A.C1, rel. LUÍS CARVO; e, da Relação de Lisboa, de 12-10-2021, Pº 4270/21.2T8SNT-B.L1-1, rel. RENATA LINHARES DE CASTRO).
Por seu turno, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06-10-2016 (Pº 4956/14.8T8ENT-A.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO) referiu-se que: “o Decreto-Lei nº 227/2012, impõe assim às instituições de crédito mutuante uma “renegociação forçada” e confere ainda ao cliente diversas garantias não displicentes tais como a impossibilidade de a instituição de crédito mutuante (a) resolver o contrato com fundamento no incumprimento, (b) intentar acções judiciais com vista à satisfação do seu crédito, (c) ceder a terceiros, total ou parcialmente, o crédito em questão, ou (d) transmitir a sua posição contratual – tudo isto, enquanto durar o PERSI”.
Importa ainda salientar que, relativamente à aplicação da lei do tempo deste procedimento, a matéria encontra-se prevista no art.º 39º do mencionado diploma, nos seguintes termos:
“1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º
3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º”.
Revertendo estas considerações à situação dos autos, não merece censura a decisão recorrida que concluiu que, para ser aplicado o PERSI, será necessário que o mutuário de contrato de crédito, abrangido pelo âmbito de aplicação do diploma, tenha a qualidade de consumidor, de acordo com a definição constante da Lei da Defesa do Consumidor, qualidade que, no caso, não reconheceu aos mutuários.
Ora, de facto, no caso em apreço, os contratos de financiamento dos autos foram contraídos com a finalidade de «Fundo de Maneio à Actividade Empresarial» e de «Apoio de Tesouraria», reconduzindo-se a mútuos referentes a financiar actividades de natureza profissional ou comercial, logo, não tendo o mutuário a qualidade de “consumidor”, o que independente da circunstância de algum dos imóveis objeto de hipoteca, garantindo os mútuos em questão, serem ou não, casa de morada de família do embargante CC.
Na realidade, condição de aplicação do regime tutelar do “consumidor” é a da verificação de que o bem fornecido seja destinado a uso não profissional, o que, no caso, perante a finalidade dos referidos financiamentos, reportados a apoio de tesouraria de atividade comercial ou de fundo de maneio à atividade empresarial – conforme resulta das condições particulares dos referidos financiamentos - , não se mostra evidenciado.
Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-10-2017 (Pº 6776-15.3T8ALM.L1-8, rel. ISOLETA ALMEIDA COSTA) decidiu que: “O DL 227/2015 de 25.10 veio determinar - tendo em conta uma especial necessidade de acompanhamento permanente e sistemático da execução dos contratos de crédito, de clientes bancários decorrente da progressiva degradação das condições económicas e financeiras - que todas as instituições de crédito criassem um Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI), definindo procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito (PERSI). Destinou-se a viabilizar situações de difícil solvabilidade das famílias que viram subitamente os seus rendimentos reduzidos de modo substancial. Nos termos do disposto no seu artigo 2º nº1, o PERSI é aplicável aos contratos celebrados com clientes bancários que conforme a alinea a) do seu artigo 3º são os consumidores de acordo com a definição legal de consumidor constante da Lei 67/2003. A definição legal de consumidor constante da Lei 67/2003 adoptou um sentido restrito «consumidor» definido este como qualquer pessoa singular que não destine o bem ou serviço adquirido a um uso profissional ou um profissional (pessoa singular), desde que não atuando no âmbito da sua atividade e desde que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar (…)”.
Em semelhante linha, decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-06-2019 (Pº 6470/14.2T8ALM.L1-6, rel. MARIA DE DEUS CORREIA) que: “O regime do PERSI previsto no DL nº 227/2012, de 25.10, só se aplica a situações de incumprimento dos contratos de crédito referidos no seu art.º 2, nº 1, destinando-se apenas aos clientes bancários, enquanto consumidores na acepção da LDC, e aos fiadores destes que o requeiram, informados que sejam dessa possibilidade. O art.º 21.º do referido diploma legal não abrange os avalistas de títulos de crédito com função de garantia de contratos de crédito que se encontrem em situação de incumprimento”.
No mesmo sentido, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-02-2021 (Pº 11791/19.5T8LSB-A.L1-7, rel. ANA RODRIGUES DA SILVA) decidiu-se que: “O regime previsto no DL 227/2012, de 25 de Outubro só se aplica quando as situações de incumprimento se reportem aos contratos de crédito referidos no nº 1 do art. 2º desde diploma e quando os clientes bancários se integrem na noção de consumidores prevista na LDC; Esta lei adoptou um sentido restrito de consumidor, entendendo-se este como qualquer pessoa singular que actue com objectivos não respeitantes à sua actividade comercial ou profissional, ou seja que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar;- Destinando-se o financiamento contraído a liquidar dívidas de uma empresa, não pode a dívida daí resultante ser abrangida pelo regime decorrente do 227/2012, de 25 de Outubro”.
Finalmente, cite-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15-04-2021 (Pº 992/19.6T8PTG-A.E1, rel. CONCEIÇÃO FERREIRA), onde se decidiu, nos seguintes termos:
“(…) O PERSI não é indiferenciadamente aplicável aos contratos de crédito em risco de incumprimento ou em incumprimento, sendo apenas aplicável aos contratos aludidos no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro desde que celebrados com clientes enquadráveis no conceito legal de consumidor para efeitos da lei do consumo”.
Assim, a mera circunstância de os mutuários serem pessoas singulares, não os configura, nos termos e para os efeitos previstos na Lei de Defesa do Consumidor e, indiretamente, para efeitos de aplicação do PERSI, como “consumidores”, razão pela qual, às operações de financiamento dos autos, respeitantes a atividade empresarial/comercial, não se aplicam os pressupostos de aplicação do PERSI.
Importa salientar que, conforme se evidenciou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-11-2020 (Pº 3655/18.6T8CBR-B.C1, rel. SÍLVIA PIRES), “(…) revestindo a inobservância do PERSI, como causa impeditiva do direito do credor instaurar ação executiva contra o devedor, que devesse ser abrangido por essa medida extrajudicial, a natureza de uma exceção dilatória inominada, o ónus de alegação e prova dos factos que a integram impede sobre quem a invoca, neste caso os Embargantes”, sendo que, no caso, conforme resulta da alegação produzida nos artigos 24.º a 37.º da petição de embargos, se limitaram a impugnar o exequente o ter dado cumprimento ao PERSI, mas não alegaram qualquer factualidade – o que só vieram fazer em sede de alegações, mas que, por constituir “questão nova”, não apreciada na 1.ª instância, obsta a que a mesma seja objeto de apreciação no presente recurso (como se sabe, os recursos não se destinam a realizar um novo julgamento da causa, com vista à criação de uma decisão nova, mas sim, a reapreciar questões já decididas, sendo certo que, a ampliação da matéria de facto em sede de recurso -artigo 662º, n.º 2, al. c), in fine, do Código de Processo Civil- tem por limite a factualidade tempestivamente alegada pelas partes, não constituindo um mecanismo sucedâneo do artigo 5º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil, não podendo tal matéria ser considerada nesta sede) – que a provar-se permitisse concluir pela sua qualidade de consumidor.
De acordo com o exposto, a ausência de prévia integração dos embargantes no PERSI não obsta, pois, à exequibilidade da pretensão deduzida pelo exequente, improcedendo o expedido, em contrário, pelos embargantes.
*
F) Se o Tribunal recorrido deveria ter julgado procedentes os embargos no que toca à incongruência entre o requerimento executivo e os títulos apresentados à execução como títulos executivos invocada pelos embargantes?
Por fim, concluíram ainda os recorrentes o seguinte:
“(…) 14º O Tribunal a quo julgou ainda os embargos improcedentes no que toca à incongruência entre o requerimento executivo e os títulos apresentados à execução como títulos executivos invocada pelos Recorrentes com fundamento em que os montantes máximos previstos em cada uma das hipotecas podem ser somados, e que o capital exequendo não se confunde com garantida do seu pagamento, pelo que não se verifica qualquer incongruência.
15º Porém, o Tribunal a quo não fundamenta nem afasta o alegado pelos Recorrentes sob o artigo 17º, e jurisprudência citada sob os artigos 20º a 22º, da oposição à execução no sentido de o montante de capital exequendo exceder o montante máximo das responsabilidades abrangidas por tais garantias, nem esclarece de onde resulta a alegada suficiência do título executivo.
16º De onde, tendo os Recorrentes alegado que, face ao teor do requerimento executivo e dos documentos apresentados com o mesmo, inexistia correspondência entre as garantias (hipoteca) dadas à execução e os alegados créditos exequendos, cujo montante de capital exequendo excede o montante máximo das responsabilidades abrangidas por tais garantias, e tendo impugnado expressamente os docs. 1 e 2 juntos ao requerimento executivo, dos quais não resulta o título executivo para a execução e cujo ónus da prova é pelo Exequente, que a não fez, tal questão controvertida não podia ser decidida no despacho saneador, no sentido em que o foi, posto que o estado do processo não o permitia.
17º Acresce ainda que, sendo o título executivo necessariamente um documento, para além da sua incongruência, insuficiência e havendo sido impugnado, o mesmo, in casu, mesmo que apenas em termos formais, inexiste in totum, quer à luz do antigo regime, quer à luz do actual.
18º Sendo que a hipoteca é uma mera garantia, e não um título executivo em si, os contratos e aditamentos apresentados, objectivamente, não integram qualquer uma das alíneas do nº 1, do artigo 703º, do NCPC; e, por outro lado, mesmo à luz do anterior regime, também não podiam ser havidos como título executivo, face ao respectivo teor, e na senda da jurisprudência, que expressamente se invoca, sufragada designadamente no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/05/2017, proc. 18853/12.8YYLSB”.
Contrapôs o recorrido sobre a “alegada incongruência entre o requerimento executivo e o título executivo” o seguinte:
“(…) 26- Por fim, os Recorrentes insurgem-se contra a decisão inscrita no douto despacho saneador, na parte em que julgou improcedente a alegada incongruência entre o requerimento executivo e o título executivo.
27- Alegam, em síntese, que o “Tribunal a quo não fundamenta nem afasta o alegado pelos Recorrentes sob o artigo 17º, e a jurisprudência citada sob os artigos 20º a 22º, todos da oposição à execução, no sentido de o montante de capital exequendo exceder o montante máximo das responsabilidades abrangidas por tais garantias, nem esclarece a alegada insuficiência do título executivo”.
28- Acrescenta, ainda, que “tendo os Recorrentes alegado que, face ao teor do requerimento executivo e dos documentos apresentados com o mesmo, inexistia correspondência entre as garantias (hipoteca) dadas à execução e os alegados créditos exequendos, sendo que o montante de capital exequendo excede o montante máximo das responsabilidades abrangidas por tais garantias, e tendo impugnado expressamente os docs. 1 e 2 juntos ao requerimento executivo, dos quais não resulta, nem conjunta nem individualmente, o título executivo para a execução, cujo ónus da prova é pelo Exequente, que a não fez, com o devido respeito e saldo melhor entendimento, tal questão controvertida não podia ser decidida no despacho saneador, no sentido em que o foi, posto que o estado do processo não o permitia, sem necessidade de mais provas”.
29- Não assiste razão alguma aos Recorrentes, conforme se passa a demonstrar.
30- O douto despacho saneador, na parte em que se pronuncia sobre esta questão, é do seguinte teor: “(…) Ora, do teor do registo de cada uma das hipotecas não se retira que os montantes máximos previstos em cada uma delas não possam ser somados.
Acresce que os embargantes, claramente, confundem conceitos.
Capital exequendo não se confunde com garantia de pagamento desse capital.
Uma hipoteca que garante um determinado capital não tem, necessariamente, que ter como limite um valor igual ou superior ao capital em dívida.
Garantias não se confundem com dívida.
Aquelas servem para segurança ao credor de que esta será paga, sem que tenham de coincidir em valor/montante.
Tanto mais que não estamos perante um único mútuo.
Na verdade, cada mútuo, por si só considerado, encontra-se garantido por hipoteca em montante suficiente para o pagar.
Mais o capital reclamado por cada mútuo não excede o capital constante do contrato a que o mesmo se reporta.
Donde, não se verifica qualquer incongruência entre o requerimento executivo e o título executivo de cada um dos créditos reclamados.
Nem resulta do texto dos contratos que as hipotecas não se reportem aos mesmos.
Acresce que não percebe como podem os embargantes referir que não há título executivo contra AA, quando a mesma consta como mutuária em ambos os empréstimos/financiamentos.
Improcedem, pois, nesta parte, os presentes embargos de executado (…)”.
Vejamos:
Conforme sublinha Rui Pinto (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 84) “o título executivo é o documento pelo qual o requerente de realização coactiva da prestação demonstra a aquisição de um direito a uma prestação, no requisitos legalmente prescritos. Esses requisitos não são dados por normas materiais, mas por normas processuais; entre outras, pelas normas dos artigos 703.º a 708.º” do CPC.
E como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol II, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 15-16): “O título executivo contém em si, com o grau de segurança suficiente, o acertamento do direito, de tal modo que, por princípio, a coberto desse título e sem necessidade de outras indagações, haverá de ser desenvolvida a atividade processual adequada a obter o pagamento da quantia exequenda, a entrega de certa coisa ou a prestação de facto positivo ou negativo (art. 10.º, n.º 5). Ressalva-se a necessidade de diligências preliminares tendentes a assegurar os requisitos da certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda, nos termos dos arts. 713.º a 716.º, ou daqueles que fundamentam o pedido, nos termos do art. 724.º, n.º 1, al. e).
(…)
Nas palavras de Castro Mendes, o título executivo constitui a «chave que abre a porta da ação executiva», o que pode também traduzir-se na afirmação de que o título executivo é o «bilhete de ingresso» na ação executiva, de tal modo que, independentemente de quaisquer outras circunstâncias, não haverá ação executiva sem título executivo”.
Assim, por regra, o título executivo deve existir e ser autossuficiente no que respeita à determinação do objeto e finalidade da execução, revelando, por si, os sujeitos ativo e passivo da relação obrigacional, correspondendo à necessidade de se encontrar assegurada, com apreciável grau de probabilidade, a existência e conteúdo da obrigação exequenda.
Nesta linha, “a análise do título deve permitir apurar, sem necessidade demais indagações, tanto o fim como os limites da ação executiva (art. 10.º, n.º 5), para além da identidade do credor e do devedor (art. 53.º). É ainda a partir do título executivo que se determina a espécie de ação executiva a instaurar (pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou prestação de facto positivo ou negativo)” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa;Código de Processo Civil Anotado, Vol II, Almedina, Coimbra, 2020, p. 70).
Pelo caráter fundamental do título executivo basear a pretensão exequenda, compreende-se a previsão legal de que o juiz deve indeferir liminarmente o requerimento executivo quando, nomeadamente, “seja manifesta a falta ou insuficiência do título” (cfr. artigo 726.º, n.º 2, al. a) do CPC).
De todo o modo, “o indeferimento liminar deve ser reservado para situações em que, sem outras indagações, se verifiquem falhas nos pressupostos processuais ou nas condições de natureza substantiva que impeçam o início da atividade executiva. Desde logo, a invocação de um título a que reconhecidamente não seja atribuída exequibilidade ou em que esta dependa de elementos que não estejam verificados (não se vislumbrando que possam ser obtidos por via de um convite ao aperfeiçoamento), abarcando ainda as situações em que o título executivo apresentado não é concordante com o objetivo da ação executiva. Numa outra perspetiva, o indeferimento deve ser reservado a situações em que seja inequívoco o sentido da decisão a tomar, querendo isto significar que não deverá ocorrer quando se tratar de aspetos que recebam respostas diferenciadas na doutrina ou na jurisprudência” (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol II, Almedina, Coimbra, 2020, p. 72).
Destas situações, geradoras de indeferimento liminar, devem distinguir-se aquelas em que, embora exista título executivo, por qualquer razão, o mesmo não foi apresentado, ou apenas o foi, deficientemente.
Relativamente a estas situações, pronunciam-se Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol II, Almedina, Coimbra, 2020, p. 72) nos termos seguintes, que correspondem à correta interpretação do disposto no artigo 726.º do CPC: “Neste caso, em lugar do indeferimento liminar, ajusta-se o despacho de convite ao aperfeiçoamento, eventualmente seguido de indeferimento, se persistir a falta de documento (n.ºs. 4 e 5). O mesmo ocorre perante a falta de alegação de factos necessários a satisfazer os requisitos da certeza, da exigibilidade ou da liquidez da obrigação exequenda (art. 713.º), quando forem omitidos factos que fundamentem o pedido e que não constem do título executivo (art. 724.º, n.º 1, al. e) ) ou quando seja dado à execução um título de crédito como mero quirógrafo (art. 703.º, n.º 1, al. c), sem alegação dos factos relevantes. Nestas situações, em bom rigor, não se pode afirmar a falta ou insuficiência do título executivo, nem a inexistência de factos constitutivos, verificando-se somente a imperfeição do requerimento executivo, que é suscetível de sanação, nos termos do n.º 4”.
Importa ainda salientar que, ao invés do que sucede no CPC em vigor, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, o precedente artigo 46.º, n.º 1, al. c) do CPC de 1961 (na redação dada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro), consagrava a exequibilidade dos “documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805.º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto”.
A restrição de exequibilidade dos documentos particulares assinados pelo devedor, assumida pelo CPC em vigor, assentou no uso abusivo que foi feito, no regime anterior, de tais títulos – muitos deles, apenas pretensamente executivos.
“Deste modo, a generalidade dos documentos particulares assinados pelo devedor é destituída de exequibilidade (STJ 2-3-18, 4488/14). Ressalvam-se, contudo, aqueles que, tendo sido produzidos antes da entrada em vigor do CPC de 2013, ou seja, antes de 1-9-2013, reúnam os requisitos que constavam do art. 46.º, n.º 1, al. c), do CPC de 1961. Posto que a negação da força executiva de tais documentos pudesse encontrar argumentos favoráveis no princípio da aplicação imediata das normas de natureza adjetiva (no caso, o novo preceito acerca da exequibilidade de documentos particulares gerais, como pressuposto processual especifico da ação executiva), a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da noma do art. 703.º, interpretada nesse sentido, é a que prevalece (Ac. do Trib. Const. n.º 408/2015” (cfr., Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol II, Almedina, Coimbra, 2020, p. 24).
Ou seja: “À luz do acórdão do TC n.º 408/2015, de 23.09, mantém-se a exequibilidade de um título emitido antes da entrada em vigor da reforma do CPC de 2013, que, ao tempo da sua emissão, era título executivo por força do art. 46.º, n.º 1, al. c), do antigo CPC; ou seja, desde que esse título, estando assinado pelo devedor, importe a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-05-2021, Pº 15465/16.0T8LSB-A.L1.S1, rel. MARIA DA GRAÇA TRIGO).
No caso dos autos, os contratos de financiamento juntos com o requerimento executivo, com data anterior à de 1-9-2013, assinados pelos embargantes, importando a constituição/reconhecimento de obrigações pecuniárias, de montante determinado/determinável, constituem títulos executivos à luz do precedente artigo 46.º, n.º 1, al. c) do CPC, podendo, nessa medida, basear a correspondente pretensão executiva.
Afastada se mostra, pois, alguma questão sobre a inexequibilidade das obrigações que deles emergem, não resultando também, ao invés do afirmado pelos embargantes, sem plausível justificação, alguma insuficiência dos títulos dados à execução.
Quanto ao mais, não procedem, igualmente, os argumentos dos embargantes, que, aliás, se limitam a reiterar a argumentação já expendida em sede de embargos, sendo que, ao invés do que alegam no recurso, alcança-se da decisão recorrida fundamentação, cabal, suficiente e congruente, em que assentou o juízo formulado pelo Tribunal recorrido a este respeito.
A respeito da invocada questão da ausência de correspondência entre as hipotecas (assegurando o montante de € 325.000,00) e o crédito exequendo (correspondendo ao capital de € 339.184,38, tal como inscrito no requerimento executivo), subscrevem-se, inteiramente, as razões expendidas na decisão recorrida.
De facto, não poderá confundir-se o capital exequendo (sustentado num determinado título executivo, de acordo com a alegação produzida pela exequente – constituindo a causa de pedir em que assenta a pretensão exequenda) com a garantia hipotecária que tenha sido firmada, muito embora esta se dirija a assegurar a obrigação, cujo incumprimento baseia a pretensão executiva.
Conforme refere Luís Menezes Leitão (Garantias das Obrigações; 4.ª ed., Almedina, 2012, p. 187), “como todas as garantias reais, a hipoteca é constituída para garantia de um crédito, podendo esse crédito ser futuro ou condicional (…)”.
E, como concretiza, Maria Isabel Menéres Campos (Da Hipoteca – Caracterização, Constituição e Efeitos; Almedina, 2003, pp. 96-97): “Créditos que podem ser garantidos por hipoteca são todos aqueles que correspondam ao conceito de obrigação em sentido técnico: «diz-se obrigação a relação jurídica por virtude da qual uma (ou mais) pessoa pode exigir de outra (ou outras) a realização de uma prestação»”.
A garantia hipotecária incidente sobre os prédios a que se referem as certidões prediais juntas aos autos (cujo registo garante as obrigações que advêm ou possam advir, para AA em razão de quaisquer contratos de natureza bancária celebrados ou a ser celebrados com o BES, nas quais a referida AA tenha ou venha a ser interveniente até ao montante de € 325.000,00) não tem que ter como limite um valor igual ou superior ao do capital em dívida.
Certo é que, no caso, o montante máximo assegurado (que traduz a “soma de todas as prestações” – assim, Maria Isabel Menéres Campos; Da Hipoteca – Caracterização, Constituição e Efeitos; Almedina, 2003, p. 100) com tais garantias se encontra, nos termos inscritos no registo predial, diga-se, em plena sintonia com o alegado pela exequente no artigo 6.º do requerimento executivo, o de € 445.250,00, valor que é superior e, contém, o do capital exequendo (de € 339.184,38), tal como referenciado no mesmo requerimento executivo.
A suficiência da garantia – assente nas várias hipotecas voluntárias constituídas - é patente, mas a diferença de valores (entre o das garantias constituídas e o do crédito exequendo), não comporta alguma incongruência entre o requerimento executivo e o título dado à execução, assentando aquele, de modo cabal, neste.
Assim, não se alcançando alguma incongruência entre o requerimento executivo e o título onde o mesmo se ancora, improcedem as conclusões em contrário expendidas pelos recorrentes.
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A apelação improcederá, devendo manter-se, consequentemente, a decisão recorrida.
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De acordo com o estatuído no n.° 2 do art. 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, mantendo-se o dispositivo final da decisão recorrida, a responsabilidade tributária incidirá, in totum, sobre os apelantes/embargantes, que decaíram integralmente na presente instância recursória – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
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5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida, datada de 28-10-2018.
Custas pelos apelantes/embargantes.
Notifique e registe.
Comunique, após trânsito, ao processo n.º 4136/15...., que penderá na ... Secção deste Tribunal.

Lisboa, 10 de março de 2022.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
Maria José Mouro Marques da Silva