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OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NE BIS IN IDEM
NULIDADE DA SENTENÇA
Sumário
I-Na contraordenação, objeto destes autos, p.p. pelo artigo 40.°, n.° 1, e 15.°, n.° 1, al. d), do POPNSC, artigo 43.°, n.° 3, al. a), do Decreto-Lei n.° 142/2008, de 24 de julho, e pelo artigo 22.°, n.° 4, al. a), da Lei n.° 50/2006, de 29 de agosto, o bem jurídico protegido é a qualidade ambiental e em outra contra ordenação que correu termos na Câmara Municipal de Sintra o bem jurídico protegido é, fundamentalmente, a segurança dos cidadãos, pelo que as contraordenações são diferentes, e estão numa relação de concurso efetivo pelo que a recorrente poderá ser sancionada por cada uma delas, não se mostrando violado o princípio non bis in idem, pelo que não existe qualquer excepção de caso julgado. II-A omissão de pronúncia determina a nulidade da sentença prevista no art.° 379.° n.° 1 al. c), do Código de Processo Penal e traduz-se na ausência de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei impõe que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual, que neste caso o tribunal a quo não podia deixar de apreciar a questão da prescrição, e não o fez; III-Trata-se de vício que pode ser suprido pelo tribunal da Relação artº 379º nº 2 do CPP, pressupondo obviamente que estão disponíveis todos os elementos necessários, mas à mingua de factos e elementos para tal a sanação de tal vicio terá de ser efectuado pelo Tribunal “ a quo” .
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes que integram a 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO
1.1. A recorrente AA impugnou judicialmente a decisão do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que lhe aplicou a coima de € 20 000,00 (vinte mil euros) e a sanção acessória de reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos da mesma, pela prática de uma contra – ordenação prevista pelo artigo 40.°, n.° 1, e 15.°, n.° 1, al. d), do POPNSC, pelo artigo 43.°, n.° 3, al. a), do Decreto-Lei n.° 142/2008, de 24 de julho, e pelo artigo 22.°, n.° 4, al. a), da Lei n.° 50/2006, de 29 de agosto.
Por sentença proferida em 16 de dezembro de 2021, o tribunal indeferiu o recurso interposto pela recorrente e, consequentemente, confirmou a decisão administrativa na íntegra.
1.2. Inconformada com esta decisão, a arguida interpôs recurso para este Tribunal da Relação, finalizando a respetiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
“1. O presente recurso tem como objeto a materia de direito da douta decisão proferida nos presentes autos, a qual Confirmou a decisão administrativa na integra. 2. Afirgura-se que não assiste razão à Meretissima Juiz do Tribunal “Aquo, que não atendeu aos factos dados como provados e aos não provados, quando decidiu. Decidindo em contradição. Transcrevendo, parcialmentee, com a devida vénia e respeito (que é muito diga-se) pela dignississima Juiz A quo, o elencado na sentença .Não foi dado como provado nenhum outro facto, designadamente não se logrou provar Que a Recorrente construiu ou mandou construir o muro. “....Não se logrou fazer prova da construção por parte da Recorrente, no que toca ao muro, atendendo às declarações por esta prestadas, mas também às declarações de BB, construtor da base de cimento, e CC, militar da GNR, que conhece o terreno há largos anos e atesta pela existência do muro há largos anos.” 3. Tendo o Tribunal Aquo condenado a Recorrente decidindo: Confirmando a decisão administrativa na integra. Decisão essa que que tinha determinada a demolição dos muros, por terem sido construidos pela Recorrente/arguida, 4. Vejamos, Considerando a Senhora Juiz Aquo não provado que tivesse sido a recorrente que tivesse construido ou mandado construir o muro. 5. De facto, foi o produzido em audiência de julgamento, tendo ainda e apenas sido referido pelo senhor militar aposentado com quase 90 anos, que, também, atestou pela existência da vedação na propriedade do DD, pai da Recorrente, há largos anos, como referido pela recorrente. 6. Por isso, deveria quanto mais não fosse (aqui aplicado o principio in dubio pro reo) ser a Recorrente absolvida do ilicito pela construção do muro. 7. Neste sentido devia a Senhora Juiz Aquo ter decidido, que a recorrente não praticou tal facto, devendo tal facto, consequentemente, ser refletido no teor da decisão quanto à sanção acessoria de demolição e na medida da coima a aplicar. 8. Com efeito, nunca podia a Juiz A quo ter confirmado integralmente a decisão administativa, nem quanto à coima nem quanto á sanção acessoria de demolição no que respeita aos muros. Com o devido respeito, discordamos da apreciação, e não pode ser aceite, efetuada pela Dignisima Juiz do Tribunal Aquo. 9. A decisão final não reflete o sentido da mesma. Havendo contradição clara entre a fundamentação apresentada e o teor da conclusão final da sentença. 10. Podemos concluir que, na aplicação da coima em causa, não foram observados os principios e regras que lhe estão subjacentes. 11. Entende a Recorrente verificar-se insuficiência para a decisão e Apreciação incorreta dos factos considerados como o provado e da sua subsunção juridica, que a ser feita de uma forma correta impunha uma decisão diferente daquela proferida, designadamente quanto á condenação para a demolição do muro e da vedação e á proporção da coima pelas mesmas. 12. E, Erro notório na apreciação da prova-resulta inclusivamente da leitura da decisão – resulta da não consideração dos factos, pese embora os mesmos constem expressamente dos factos assentes. 13. A decisão de facto não resultou da produção de prova. Há uma clara descrepância entre o referido na decisão e o dado como provado. A dignissima Juiz Aquo errou ao decidir, 14. O tribunal Aquo ao dar como provado que foi a Recorrente que construiu ou mandou construir a base de cimento, na versão conclusiva e contraditoria que consta da sentença, violou este, entre outros, o principio da livre apreciação da prova, pois resultou da prova produzida em audiência que não foi a recorrente que mandou ou construiu a base em cimento, mas e só o seu ainda marido, o que também é aceite indiretamente nas conclusões apostas na sentença. Ficou provado que nem sabia o que o seu ainda marido fazia na sua propriedade. 15. O certo é que, não podia a dignissima Juiz A quo valorar a prova e dar como assente, que a Recorrente tinha sido informada, só pelo depoimento do ainda marido da recorrente, quem mandou edificar, quando devia ter sido valorado as declarações das restantes testemunhas, do senhor vigilantes, do construtor, BB e da própria Recorrente. 16. Tendo havido violação do principio da livre apreciação da prova, logo ao dar como provados factos que não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, foi violado ainda o disposto no artigo 355 n.°1 do CPP. 17. Por outro lado, ao dar como provados factos que não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, violou, ainda, o disposto no artigo 355°, n° 1 do C.P.P, designadamente quando dá como provado que a recorrente procedeu ou mandou proceder á construção de uma vedação e uma base de cimento para colocação de uma construção pré-fabricada e que agiu deliberada e conscientemente, o que corresponde exatamente ao contrário do provado em audiência. Tendo ficado e só provado que foi o marido que construi a base de cimento, nada mais. 18. E, em momento algum, ficou provado ou foi aceite, tanta pela recorrente como pelo ainda marido que foi algum deles a colocar a vedação que existe no local, pelo contrário pelo depoimento da testemunha CC, militar da GNR que provou que esta já existia há largos anos. 19. A Juiz A quo não cumpriu o dever especial de fundamentação da decisão não mostrou o percurso lógico que levou à formação da decisão, não foram indicados os meios de prova em que a fez assentar. A falta de especificação denunciada, abstração ou falta de concretização das imputações fáticas constituem uma violação da lei. 20. E essas razões devem estar explicitadas na fundamentação da decisão, o que não se verifica nesta em apreço. 21. É que, estando em causa uma sentença condenatória, fundamentar a decisão é uma obrigação que decorre da Constituição da República Portuguesa (artigo 205°), que decorre da lei (artigo 374°, n° 2 do CPP) e se impõe à consciência do julgador. 22. Quem é condenado ou absolvido tem de saber, claramente, por que o é, porque não podia deixar de o ser, isto é, tem de ficar convencido da correção da decisão. 23. De igual modo, o tribunal ad quem tem de perceber que o tribunal a quo chegou à conclusão a que chegou depois de uma exaustiva, fiel e serena análise da matéria de facto e, tudo isto, tem de transparecer do texto da decisão proferida, o que não acontece. 24. A Juiz Aquo não fez o exame crítico das provas de tal ordem que não fiquem quaisquer dúvidas sobre as razões objetivas pelas quais foram valorizadas ou desvalorizadas provas, que não fiquem quaisquer dúvidas sobre o percurso racional seguido pelo julgador até à decisão, resultando num claro vazio de fundamentação. 25. A decisão final deve-se pronunciar sobre todos os factos levados ao processo pela acusação e pela defesa, a omissão no cumprimento deste requisito gera nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379°, n°1, al. c). do CP. O tribunal é obrigado a indagar e pronunciar-se sobre todos os factos que tenham sido alegados pela acusação, pela defesa, ou resultem da discussão da causa 26. Tendo ficado o processo aqui objeto de impugnação afetado de nulidade. 27. Ocorre que, para além dos factos essenciais, outros há circunstânciais ou instrumentais que, inequivocamente, assumem relevância para a decisão e que, por isso, devem também ser objeto de pronúncia por parte do tribunal. 28. De facto, o tribunal A quo, também, não se pronunciou sobre a alegada ilegalidade da sanção acessoria, apenas se limitou a concluir, nada mais. 29. De igual modo, não se pronunciou sobre a alegada prescrição. Nenhum deles o tribunal se referiu e sem serem equacionados, o exame crítico das provas fica insuficiente, incompleto. 30. Impunha-se, pois, que o tribunal A quo tomasse posição clara sobre todos os factos levados à apreciação do tribunal, que os não tivesse ignorado. Por essa razão, é patente haver omissão da pronúncia na sentença recorrida, pelo que, nessa medida, a sentença mostra-se ferida de nulidade (artigo 379°, n° 1, alínea c) do CPP), Por tudo o que fica dito, resulta patente que não só a fixação da matéria de facto da sentença é lacunosa, como o exame crítico das provas não é absolutamente revelador do raciocínio que ao tribunal a quo incumbia fazer, o que torna a sentença nula, por violação do disposto no artigo 374, n° 2 ex vi artigo 379°, n° 1 alíneas a) e c) do Código de Processo Penal, 31. E também no âmbito do exame crítico das provas que incumbia ao tribunal A quo fazer, se impunha que não desvalorizasse, sem mais, o depoimento da recorrente e das demais testemunhas, valorizando o da testemunha, o ainda marido da recorrente. Aceitando e provando que foi o ainda marido da recorrente que mandou fazer a base de ciment , mas que a informou, ao contráro do alegado pela Recorrente o que devia ter sido valorado, dadas as circunstâncias. 32. È imprescindivel que a Juiz Aquo explique e fundamente de forma clara, racional e objetiva na motivação da sua decisão (e não escudar-se em meras impressões), de modo que se perceba o raciocinio seguido e este possa ser objeto de controlo. 33. Com o devido respeito, discordamos da apreciação efectuada pela Dignisima Juiz do Tribunal Aquo, quanto à EXCEÇÃO DO CASO JULGADO 34. Os presentes autos cuja acusação procede da autoridade administrativa, Instituto da Conservação da Natureza e pelos mesmos factos foi a recorrente condenada em processo por contraordenação que correu termos na Câmara Municipal de Sintra sob o n.° 1-189-2017. Porque a decisão tomada já se encontra definitiva, desde já, se alega a exceção do caso julgado, não podendo, a ora Recorrente, ser condenada mais do que uma vez pela prática dos mesmos factos, cfr. n.° 5 do Art. 29° da CRP. 35. A recorrente vem condenada pela prática de operações urbanísticas «não autorizada» em área de Parque Natural Sintra-Cascais. 36. Preceitua-se no n.° 3 do Art. 43° do DL 142/2008, de 24.07 (versão originária «ex vi» n.° 2 do Art. 4° do DL 242/2005, de 15.10) «A prática ou a prática não autorizada dos seguintes atos e atividades constitui contraordenação ambiental muito grave ou grave, punível nos termos da Lei n.° 50/2006, de 29 de Agosto, conforme a mesma esteja prevista, respetivamente, como proibida ou interdita ou sujeita a autorização ou parecer dos órgãos de gestão das áreas protegidas nos diplomas que as criam ou reclassificam ou nos respetivos diplomas regulamentares: a) A realização de quaisquer trabalhos ou obras de construção civil, designadamente novos edifícios, reconstrução, ampliação ou demolição de edificações, excetuando as obras de simples conservação, restauro, reparação ou limpeza;». 37. Como se retira da leitura do preceito, são atividades condicionadas, mas não proibidas que, ficam sujeitas ao controlo prévio da autoridade administrativa, Câmara Municipal, sob parecer do ICNF. 38. O objeto do presente processo, assim como, o que correu termos, também, na Câmara Municipal de Sintra, é a execução de uma operação urbanística, vulgo, obra de construção, sem licenciamento camarário em área de PNSC. 39. Daqui resulta que, a mesma conduta do arguido, preenche dois tipos legais de contraordenação, embora, os factos derivem de uma mesma causa, uma obra de construção, mais precisamente, conforme resulta provado, a execução de uma obra de ampliação de uma edificação já existente. 40. Deste modo, estamos assim, perante um concurso legal ou aparente, em que, é possível a integração da conduta do arguido em mais do que um tipo legal, ou seja, contraordenação ambiental e contraordenação urbanística, cujo objeto se reconduz à mesma ação. Todavia, perante tal concurso, que defendemos aparente, só uma das normas tem a abrangência de tutelar, na sua globalidade, esta realidade, devendo a conduta do arguido ser integrada, por via daconsumpção, na norma predominante, a de natureza urbanística. Considerar, como considerou a autoridade administrativa, tratar-se de um concurso efetivo, implicaria a violação do princípio constitucional «ne bis in idem» previsto no n.° 5 do Art. 29° da CRP. 41. Note-se que, conforme se preceitua na alínea a) do n.° 1 do Art. 37° do DL 433/82, de 27.10, em situação de competência cumulativa de várias autoridades, o conflito será resolvido a favor da autoridade que, tiver primeiro ouvido o arguido pela prática da contraordenação, o que se atribui à Câmara Municipal. 42. Significa isto que, desde o momento da defesa que o arguido, ora recorrente, invoca a exceção do caso julgado do presente processo com o camarário por contraordenação, sem nunca, no entanto, ver atendida a sua razão. 43. Significa isto, também que, no limite, o arguido poderá vir a ser sancionado duas vezes pela prática dos mesmos factos. Tanto assim é que, o próprio legislador, sentiu a necessidade de, na nova versão do DL 124/2008, de 24.07, introduzida pelo DL 242/2015, de 15.10 (ainda não em vigor por força do n.° 2 do Art. 4°), suprir este tipo contraordenacional, deixando de se fazer referência a quaisquer obras de construção pois, na verdade, são da estrita competência das Câmaras Municipais por constituir, na sua essência, matéria urbanística. 44. Não há duvida que existe identidade de sujeitos, são os mesmos sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, há identidade de pedido e de causa de pedir, a pretensão deduzida nos dois processo de contra-ordenação procede do mesmo facto jurídico. 45. Verifica-se, assim, caso julgado, no processo instaurado em segundo lugar, aquele em que o arguido foi citado em segundo lugar, ou seja o presente processo, devendo proceder a exceção alegada., 46. E, mais, Preceitua o n.° 5 do Art. 29 da CRP que «Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.».Seguindo o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 28.05.2008 no processo n.°14/03.9IDAVR.C1. Independentemente do enquadramento jurídico dos factos, não sendo declarado caso julgado, a ora arguida, no limite, poderá vir a ser duplamente condenada pela prática do mesmo facto. 47. Ou seja, o presente processo e o processo que corre termos na Câmara Municipal de Sintra derivam do mesmo acontecimento fáctico, ao contrário do referido pela Juiz do Tribunal A quo. 48. Deste modo, estamos assim, perante um concurso legal ou aparente, em que, é possível a integração da conduta do arguido em mais do que um tipo legal, ou seja, contraordenação ambiental e contraordenação urbanística, cujo objeto se reconduz à mesma ação. 49. Nestes termos, deverá ser reconhecida o caso julgado, o que, segundo a regra prevista no n.° 1 do Art. 37° do DL 433/82, de 27.10, tendo o arguido exercido primeiro o seu direito de defesa junto do processo camarário por contraordenação, neste, deverá ser determinada a absolvição, com fundamento na proibição jurídico-constitucional da dupla valoração, cfr. n.° 5 do Art. 29° da CRP. 50. Não obstante o conflito de competências, perante um concurso legal de normas sobre o mesmo facto, deverá prevalecer o normativo mais abrangente. Deste modo, tratando-se de uma operação urbanística sujeita a controlo prévio, ou seja, a licença camarária, e tendo a Câmara Municipal de Sintra primeiro notificado a arguido para o exercício do direito de defesa, deverá ser atendida a invocada excepção do caso julgado do presente processo com o que correu termos na Câmara Municipal de Sintra. 51. De igual modo não s razão á dignissima Juiz a quo, quanto à consciência da Ilicitude, por parte da Recorrente, cumprindo realçar que, no seguimento do supra referido, a Recorrente como declarou em sede de audiência de julgamento, apenas teve conhecimento aquando da primeira notificação que recebeu da câmara municipal, não sabia o que se passava na sua propriedade. Não construiu qualquer base em cimento ou mandou, foi o ainda marido, como o próprio assumiu. Nunca a Juiza Aquo pela prova produzida em sede de audiência de julgamento podia pura e simplesmente concluir que a Recorrente agiu com dolo e conscientemente, quando a prova que foi feita em audiência foi no sentido contrário. Ficou patente que a Recorrente, nunca tomou consciência que o ainda seu marido podia no seu terreno estar a praticar um ilicito ambiental. O certo é que, a recorrente não praticou qualquer ilicito, em verdade desconhecia nem tinha autorização ou meio de saber o que este estava a fazer. Por tudo, a recorrente nunca poderia ter agido com culpa. 52. Nestes termos, a Recorrente que não agiu, apenas e só poderia ter atuado com negligência, mas e sempre sem consciência de qualquer ilicitude, muito menos ambiental que o seu ainda marido poderia praticar.. 53. Quanto a ILEGALIDADE DA SANÇÃO ACESSÓRIA e DA APLICAÇÃO DA SANÇÃO ACESSÓRIA, não se pode, também, conformar, como acima já referido, com vista à reposição da situação anterior, a arguida vem condenado ao cumprimento de uma sanção acessória, que impõe a demolição da base de cimento, do muro e da vedação. 54. Assim, Dispõe o Art. 47º do DL 142/2008, de 24.07, «A entidade competente para a aplicação da coima pode proceder a apreensões cautelares e aplicar as sanções acessórias que se mostrem adequadas, nos termos do disposto na Lei n.° 50/2006, de 29 de Agosto.». e continua no Art. 48° do Mesmo diploma, sob epígrafe «Reposição da situação anterior», e por sua vez, na Lei 50/2006, de 29.08, na alínea j) do n.° 1 do Art. 30° prevê-se a «Imposição das medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma;». Quer isto dizer que, em nosso humilde entendimento, compaginando todo o dispositivo legal supracitado, a demolição não poderá ser qualificada como «sanção acessória», mas sim, como melhor abaixo tentaremos explicar, como uma verdadeira medida de tutela da legalidade urbanística de natureza administrativa. 55. Com o devido respeito, o legislador não logrou proceder a uma distinção clara entre medidas de proteção a legalidade, destinadas a satisfazer os interesses materiais tutelados pelas normas subjacentes violadas, das sanções acessórias de carácter punitivo. No primeiro caso, estamos no domínio da ilegalidade, em que se visa, sobretudo, reintegrar a realidade física ilegalmente alterada. No segundo caso, estamos no domínio da ilicitude e da culpa, limitando-se as sanções a exprimir a censura do ordenamento jurídico. 56. A sanção acessória tipificada na alínea j) do n.° 1 do Art. 30° da Lei 50/2006, de 29.08, que determina a reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma, em nosso entender, não significa, necessariamente, uma ordem de demolição, uma vez que, como acima se referiu, a demolição é, por natureza, uma medida típica de tutela da legalidade, de âmbito administrativo, e não, propriamente, de sanção acessória. Se assim não fosse, o legislador não teria sentido a necessidade de autonomizar do elenco das sanções acessórias a medida de «Reposição da situação anterior», vejam-se os Arts. 47° e 48° do DL 142/2008, de 24.07. 57. Mais, o n.° 4 do Art. 30° da Lei 50/2006, de 29.08 estatui que, «As sanções referidas nas alíneas b) a j) do n.° 1 têm a duração máxima de três anos, contados a partir da data da decisão condenatória definitiva.». Ora, uma demolição constituir-se-ia, sempre, como definitiva. 58. Por outro lado, de ordem prática, se as medidas cautelares e/ou de tutela de legalidade administrativas, permitem à administração pública, a sua execução coerciva, em substituição do particular; 59. As sanções acessórias, porque ínsitas na decisão condenatória, a execução compete ao tribunal. Aqui chegados, percebe-se o alcance do Art. 48° do DL 142/2008, de 24.07 que, autonomizando a «demolição» do elenco das sanções acessórias dispõe que, «Sempre que o dever de reposição da situação anterior não seja voluntariamente cumprido, a autoridade nacional actua directamente por conta do infractor, podendo as respectivas despesas, se necessário, ser cobradas coercivamente través do processo previsto para as execuções fiscais.». 60. Sem prejuízo, ainda que se considere a «demolição» como sanção acessória, sempre se dirá que, dada a margem ampla de discricionariedade conferida pela norma da alínea j) do n.° 1 do Art. 30° da Lei 50/2006, de 29.08, no que concerne aos critérios de escolha e determinação da medida da sanção, o Art. 31.° da referida Lei, que consagra os pressupostos, é totalmente omisso quanto à disciplina desta medida. Deste modo, para a aplicação da sanção acessória prevista na alínea j) do n.° 1 do Art. 30° da Lei 50/2006, de 29.08, seria necessário recorrer ao disposto no Art. 21.°-A do RGCO que, conjugado com o Art. 21° do mesmo regime jurídico, não tem enquadramento para sanção acessória que se reconduza à «reposição da situação anterior», entendida na decisão recorrida como «demolição». 61. Em face do exposto, julga-se que padece de ilegalidade a determinação da sanção acessória de «demolição», porque a mesma se deve entender como uma verdadeira medida de tutela da legalidade de estrita natureza administrativa e não sancionatória. 62. Posto isto, ainda decorre do n.° 4 do Art. 30° da Constituição da República Portuguesa e Art. 65° do Código Penal que nenhuma pena pode determinar como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos. 63. A sanção acessória da demolição considera-se excessiva e desproporcional, violadora do direito fundamental à habitação, nesta medida, padecendo de nulidade. E, mais deve ser dito que da aplicação da sanção acessória. Dispõe o artigo 30.°, n.° 1, al. j) da Lei n.° 50/2006, de 29-08: 1 - Pela prática de contraordenações graves e muito graves podem ser aplicadas ao infrator as seguintes sanções acessórias: j) Imposição das medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma. 64. Por sua vez, determina o n.° 4 que as sanções referidas nas alíneas b) a j) do n.° 1 têm a duração máxima de três anos. Quanto à aplicação da sanção acessória em causa, entendemos não ser de aplicar a de demolição, atendendo ao disposto no citado n.° 4 do artigo 30.°, sob pena de esta duração máxima de três anos da sanção acessória, no caso em concreto e uma vez feita a demolição, não ter qualquer sentido útil. 65. Entende-se que a sanção acessória que foi aplicada á Recorrente é manifestamente desadequada à situação em concreto, não podendo a Meritissima Juiz Aquo concluir como fez, nem aplicar nos termos decididos. 66. Não se pode aceitar o concluido pela dignissima Juiz A quo a propósito da vedação, por inexistência de matéria indiciária da infração. De facto, esta colocação encontra-se no local desde o tempo do pai da recorrente, como foi alegado pela recorrente pelo ainda ainda marido e pelo senhor militar da GNR na reforma, com quase 90 anos. Não obstante, poder vir a ser um ilícito, mas não perpetuado pela mesmo, ainda que o fosse, seria instantâneo, embora de efeitos duradouros consumados e exaurido com a finalização da obra. Assim, tendo presente que "o facto não foi praticado no momento em que o agente fiscalizou, e, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido", tendo presente também que se encontrava concluída já muito tempo antes. 67. À data da acusação, presumindo-se que o procedimento esta extinto por efeitos da prescrição. 68. Pelo que se invoca a a prescrição pelo decurso do tempo desde a colocação da mesma, tendo precludido o direito e precrito o eventual ilicito. 69. Todavia, sem prescindir, não sendo esse o douto entendimento, esta vedação não configura, sequer, uma verdadeira obra, por não possuir ligação ao solo com carácter de permanência, e em virtude da sua precária estrutura. Para além do mais, é totalmente amovível, não tendo qualquer impacto do ponto de vista urbanístico e/ou ambiental. 70. Neste seguimento, por falta de preenchimento do elemento objetivo do tipo, deveria a a Juiz Aquo, também, ter concluído pela inexistência de ilícito. Dada a INEXISTÊNCIA DE CARATER PERMANENTE da instalação móvel, e não ser considerada obra, para todos os efeitos. 71. Por obra, entende-se, designadamente, como a atividade ou resultado de construir um imóvel destinado à utilização humana, bem como, qualquer outra construção que se incorpore no solo com carácter de permanência. Há construção quando, pela ligação artificial de diversos elementos, se forma um conjunto distinto destes, com individualidade própria. 72. Existe construção quando, pela ligação artificial de diversos elementos, se forma um conjunto distinto destes, com individualidade própria. 73. Face à definição acima indicada, não restam dúvidas que, a vedação com estacas de madeira móvel não integra o conceito de obra, pelo que não estaria sujeita a qualquer prévia licença administrativa, nem é probida a sua colocação, que sempre desde os tempos dos avós da recorrente sempre esteve ai, como forma de limitação da propriedade e para evitar a fuga dos animais que sempe ali pastaram. 74. Não se pode aceitar por não fazer sentido o concluido pela Meritissima Juiz Aquo, não se verifica o enquadramemto legal que foi aplicado, este não se aplica ao caso em apreço, dado que não é uma obra de construção. 75. Não se verifica o enquadramento legal invocado, não tendo cabimento a decisão ora posta emcausa, por isso, também, não há ilícito contraordenacional. 76. Sem prescindir, ainda se alega a NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DEFUNDAMENTAÇÃO NA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA COIMA 77. Pela autoridade administrativa a recorrente foi condenada numa coima no valor de 20.000€ por ter mandado construir uma base de cimento, muros e vedação. 78. Não obstante ter ficado provado que o muro não foi construido pela Recorrente, note-se, significativa na redução da gravidade e da ilicitude, o Tribunal «a quo», apesar disso, condena a arguido em coima de igual montante, não fazendo o devido juízo de adequação da medida da coima em concreto, nem a atenuação especial, aliás diga-se nem na sanção acessoria. 79. Com efeito, entendemos haver lugar a atenuação especial, uma vez que a contraordenação praticada pela arguida é qualificada como muito grave, mas pode-se concluir pela verificação de um quadro de circunstâncias anteriores, posteriores ou contemporâneas da infração, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. 80. Atendendo á falta de participação na vida ativa da Recorrente tudo na altura ser e estar no comando do ainda seu marido deve ser tido em conta como, no máximo como falta de cuidado, nunca apreciada com tendo agido com dolo. 81. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, .e na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.»., o que não foi tido em conta na decisão final. 82. Por remissão do n.° 1 do Art. 41° do DL 433/82, de 27.10, não existindo neste regime normas jurídicas que regulem as nulidades, por aplicação subsidiária, aplicar-se-á o Art. 379° do Código do Processo Penal. Assim, nos termos do disposto, designadamente, na alínea c) do n.° 1 do referido artigo, é nula a sentença «Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.». 83. Deste modo, em nosso humilde entendimento, o Tribunal «a quo» não fundamentou devidamente a sua decisão, porquanto, da qual resulta uma diminuição da gravidade e da ilicitude, não fez a devida ponderação desta alteração refletindo-a na determinação da medida da coima em concreto. 84. Ao não fazer esta ponderação, não só, deixou de se pronunciar sobre uma circunstância determinante para a escolha da medida da coima, como, também, quanto a este juízo, não o tendo fundamentado devidamente, deixou a dúvida. Nestes termos, julga-se que a decisão do Tribunal «a quo» padece de nulidade por falta de fundamentação na escolha da medida da coima, não tendo, designadamente, atendido, para o efeito, a todas as circunstâncias relevantes. O o Tribunal «a quo» não fundamentou devidamente a sua decisão, porquanto, da qual resulta uma diminuição da gravidade e da ilicitude, não fez a devida ponderação desta alteração refletindo-a na determinação da medida da coima em concreto. Ao não fazer esta ponderação, não só, deixou de se pronunciar sobre uma circunstância determinante para a escolha da medida da coima, como, também, quanto a este juízo, não o tendo fundamentado devidamente, deixou a dúvida 85. Nestes termos, julga-se que a decisão do Tribunal «a quo» padece de nulidade por falta de fundamentação na escolha da medida da coima, não tendo, designadamente, atendido, para o efeito, a todas as circunstâncias relevantes.”
Conclui pela procedência do recurso e pela revogação da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
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1.3. O Ministério Público apresentou resposta, onde, concluiu:
“1. A douta sentença recorrida não padece de nenhum vício. 2. Não há qualquer violação do disposto no artigo 355.°, n.° 1, do CPP, pois resultou provado que o marido da Recorrente procedeu à construção de uma vedação ou base de cimento com conhecimento da Recorrente e, como tal agiu com culpa, permitindo que no terreno em que é proprietária se construísse a vedação e a base de cimento. 3. Não há qualquer nulidade de sentença por falta de fundamentação e omissão, porquanto na sentença recorrida segue-se após o relatório, a fundamentação dos factos dados como provados e não provados, expondo os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, tendo indicado ao contrário do referido pela Recorrente as provas que serviram para formar a convicção do tribunal. 4. Mais, o Tribunal A Quo pronunciou-se sobre a ilegalidade da sanção acessória referindo que: “tratando-se, como se viu, de contra-ordenação ambiental muito grave pode ser-lhe aplicada sanção acessória, o que foi o determinado em sede de decisão administrativa, nos termos do artigo 30.° n.° 1 al. j) da Lei n.° 50/2006, de 29 de Agosto.” 5. Assim sendo não se verifica a nulidade invocada prevista no artigo 379.°, n.° 1, al. a) e c) do CPP por violação do disposto no artigo 374.°, n.° 2 do CPP. 6. Discordamos que exista exceção do Caso Julgado, dado que, o processo de contraordenação que correu termos na Câmara Municipal de Sintra sob o n.° 1-189- 2017 deu origem à condenação por falta de licenciamento municipal. Ou seja, está em causa uma contraordenação pela existência de uma infração relacionada com a urbanização. 7. Por outro lado, o processo que deu origem aos presentes autos, teve origem no facto de essa mesma construção ser proibida uma vez que, está instalada num terreno no qual não se admite a sua existência. Ou seja, está em causa uma contraordenação ambiental. 8. Para além disso, apesar de em ambos os procedimentos contraordenacionais referidos pela Recorrente esta figurar como arguida, certo é que se baseiam e tiveram por fonte diferentes autos de notícia. 9. E, embora os factos assentes sejam os mesmos, também é certo que estamos perante a tutela jurídica de interesses diferentes, num procedimento, a prossecução de uma política de conservação da natureza e da biodiversidade e, no outro, o respeito das regras de licenciamento municipal de loteamentos urbanos e obras de urbanização e de obras particulares. 10. Invoca ainda a Recorrente desconhecimento por parte da arguida do que se passava na sua propriedade e que não construiu qualquer base em cimento ou mandou construir, foi o ainda marido, como o próprio assumiu. 11. Não subsiste razão à Recorrente, porquanto, na qualidade de cidadã média, e no momento em que herda um terreno, deve apurar os procedimentos exatos para o local, pelo que mesmo que tivesse agido em erro, este sempre lhe seria censurável. 12. Mais, nem sequer agiu em erro. 13. Provou-se em sede de audiência de julgamento que o marido da Recorrente a informou que iria colocar a construção, a Recorrente concordou e em momento algum cuidou de se informar se esta podia ser edificada. 14. Foi o próprio marido da Recorrente a dizer que se esta não lho tivesse permitido, nunca edificaria, pelo que inexiste qualquer causa que exclua a culpa ou justifique a ilicitude da conduta da Recorrente, que autorizou que se edificasse uma construção em terreno proibido, ciente de que o fazia, querendo atuar em conformidade. 15. Quanto à ilegalidade da sanção acessória e da aplicação da sanção acessória, 16. Refere a Recorrente que a demolição não poderá ser qualificada como «sanção acessória», mas sim, como uma verdadeira medida de tutela da legalidade urbanística de natureza administrativa. 17. No entanto, tratando-se de uma contraordenação ambiental muito grave pode ser-lhe aplicada sanção acessória, o que foi o determinado em sede de decisão administrativa, nos termos do artigo 30.° n.° 1 al. j) da Lei n.° 50/2006, de 29 de agosto. 18. Ora, se estamos perante uma construção interdita, a “Imposição das medidas que se infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma” tem de passar, forçosamente, pela demolição desta, pelo que, nesta medida, igualmente improcede a pretensão da Recorrente. 19. Relativamente à Matéria Indiciária da Infração não subsiste razão à Recorrente quando refere que a vedação se encontra no local desde o tempo do pai da Recorrente, pelo que, se presume que o procedimento está extinto por efeitos da prescrição. 20. Entendemos que a Recorrente não tem razão, uma vez que apesar de esta ter herdado o terreno dos seus pais, certo é que ficou provado em sede de audiência de julgamento que a mesma no dia 13 de agosto de 2015 procedeu ou mandou proceder, na sua propriedade, à construção de uma vedação e uma base de cimento para colocação de uma construção pré-fabricada. 21. A 13 de agosto de 2015 foi instaurado o processo de contraordenação no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, pelo que não tem fundamento argumento da Recorrente quando refere que houve prescrição pelo decurso do tempo desde a colocação da vedação, uma vez que o ilícito se consumou no momento em que ocorreu tal construção ou edificação. 22. E, quanto mais não seja, 23. Nos termos do artigo 28.°, n. °1, alínea c) do DL n.° 433/82, de 27 de outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações), o procedimento de contra-ordenação interrompe-se com a notificação do arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito. 24. A Recorrente foi notificada nos termos do artigo 49.°, da Lei 50/2006, de 29 de agosto, tendo apresentada defesa escrita, pelo que, interrompeu-se nessa data o prazo de prescrição do procedimento. 25. Pelo que, o procedimento nunca se extinguiu, tendo sido compridos todos os trâmites legais. 26. Mais, improcede ainda o entendimento da Recorrente quanto ao que consubstancia uma vedação, pois que se trata de construção, logo uma obra, no sentido de ser uma estrutura, ainda que não tenha uma ligação ao solo com carácter de permanência. 27. É o próprio artigo 4.° al. x) do POPNSC que define edificação como “actividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, bem como qualquer outra construção que se incorpore no solo com carácter de permanência.”, sendo que construção, nos termos da alínea n) do mesmo artigo é “o resultado da realização de qualquer tipo de obras, independentemente da sua natureza, designadamente edificações, muros, vedações, aterros ou escavações, incorporada ou não no solo e com carácter permanente ou temporário”. 28. Por fim, quanto à nulidade da Sentença por Falta de Fundamentação na Determinação da Medida da Coima, salienta-se mais uma vez que a Recorrente não tem razão. 29. Apesar de não se ter dado como provado que a Recorrente construiu ou mandou construir o muro certo é que ficou provado que a Recorrente construiu ou mandou construir uma vedação e uma base de cimento, pelo que não deixa de configurar uma contraordenação muito grave prevista e punida pelo artigo 40.°, n.° 1 e pelo artigo 15.°, n.° 1, al. d), do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural de Sintra-Cascais (POPNSC). 30. Acresce ainda que não há nenhuma circunstância especial de atenuação da coima nos termos do artigo 23.°A da Lei 50/2006, de 29 de agosto. 31. Sendo certo que, a douta sentença recorrida pronunciou-se quanto à medida da pena. 32. O Tribunal A Quo não se deixou de pronunciar sobre questões que devesse apreciar, tal como dispõe o artigo 379.°, n. °1, al. c) do CPP, por aplicação subsidiária nos termos do artigo 41.°, n. °1 do DL. 433/82, de 27.10. 33. Assim sendo, não há qualquer nulidade da sentença conforme invoca a Recorrente. 34. Aliás, a Recorrente contradiz-se ao invocar uma nulidade de sentença por falta de fundamentação, mas refere que “o tribunal não fundamentou devidamente”. 35. Ora mesmo que se entendesse que não fundamentou devidamente, certo é que fundamentou, pelo que não faz qualquer sentido invocar a nulidade prevista no artigo 379.°, n.º 1, al c) do CPP, quando a própria Recorrente entende que o tribunal fundamentou, só não fundamentou segundo palavras da própria, devidamente.”
Conclui que deve negar-se provimento ao recurso e, em consequência, manter-se a sentença recorrida.
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1.4. Nesta Relação, a Exa. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da manutenção da sentença recorrida, com a improcedência do recurso interposto.
1.5. Foi cumprido o estabelecido no art.° 417.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.
Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso
Nos recursos interpostos de decisões do tribunal de primeira instância, no âmbito de processos de contra-ordenação, o Tribunal da Relação apenas conhece, em regra, da matéria de direito, como estatui o n.° 1, do art.° 75.°, do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de outubro (doravante designado por RGCO), sem prejuízo de poder “alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida” ou “anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido” (cfr. art.° 75.°, n.°s 1 e 2, do RGCO).
Por outro lado, importa também não esquecer, e constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores, que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (art.° 412.°, n.° 1, do Código de Processo Penal), sem prejuízo da apreciação das questões importe conhecer oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito.
Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões e se vão além também não devem ser consideradas porque são um resumo da motivação e esta é inexistente (neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, p. 335 e 336).
Porém, no caso sub judice, detetam-se nos autos certas particularidades que impõem prévio esclarecimento e apreciação por prejudicarem ou obviarem mesmo ao conhecimento das questões suscitadas pelo recorrente.
No caso vertente, as questões que se extraem das conclusões da recorrente são as seguintes, as quais conheceremos pela sua ordem lógica e preclusiva:
1.ª Contradição entre a fundamentação e a conclusão final da sentença e contradição entre o facto não provado “A Recorrente construiu ou mandou construir o muro” e a decisão que confirma na íntegra a decisão recorrida – art.' 410.', n.' 2, al. b), do Código de Processo Penal;
2.ª Insuficiência dos factos para a decisão – art.' 410.', n.' 2, al. a), do Código de Processo Penal;
3.ª Erro notório na apreciação da prova – 410.', n.' 2, al. c), do Código de Processo Penal;
4.ª Nulidade da sentença por falta de fundamentação – falta de exame critico dos meios de prova;
5.ª Omissão de pronúncia – sobre alguns dos factos da acusação e defesa, a prescrição e a ilegalidade da sanção acessória;
6.ª Caso julgado;
7.ª Nulidade da sentença por falta de fundamentação na determinação da medida da coima;
8.ª Enquadramento jurídico – falta do elemento objetivo.
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2.2. A sentença recorrida
A decisão recorrida tem o seguinte teor (transcrição):
“I. RELATÓRIO 1. AA, residente em Rua dos ……………………… Cascais, acusada da prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 40.° n.° 1 e 15.° n.° 1 al. d) do POPNSC, pelo artigo 43.° n.° 3 al. a) do Decreto-Lei n.° 142/2008, de 24 de Julho e pelo artigo 22.° n.° 4 al. a) da Lei n.° 50/2006 vem recorrer da decisão condenatória que aplicou uma coima de €20.000,00 (vinte mil euros) e sanção acessória de reposição da situação anterior à infracção e à minimização dos efeitos da mesma, em processo de contra-ordenação da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica. 2. Inconformado com esta decisão, veio o Recorrente impugnar judicialmente a decisão administrativa, fundamentando o seu recurso alegando, em síntese, as razões de facto e de direito e respectivas conclusões, expressas no seu requerimento. Alegou para o efeito, e em síntese, que pela contra-ordenação ora imputada foi punida a arguida junto da Câmara Municipal de Sintra. Mais alega que os factos se mostram prescritos, pois que a cabine e o muro de delimitação já se encontravam edificados ao tempo da aquisição do terreno, pelo que há mais de cinco anos. Alega ainda a impossibilidade de aplicação ao caso concreto de uma sanção acessória. Quanto aos factos em concreto, invoca que a vedação em apreço não é verdadeira edificação, por não ter carácter definitivo. Mais alega que a arguida actuou sem culpa. Termina pugnando pela sua absolvição ou, caso assim não se entenda, pela redução da coima ou aplicação de admoestação. 3.Foi proferido despacho de recebimento do recurso de contra-ordenação e designada data para julgamento. 4.O Recorrente arrolou testemunhas. 5.Procedeu-se a julgamento com as devidas formalidades. II. SANEAMENTO 6. O Tribunal é competente. O recorrente tem legitimidade para impugnar judicialmente a decisão da autoridade administrativa e está em tempo. Inexistem nulidades, excepções, outras questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e obstem à apreciação do mérito da causa. III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 7. Da discussão da causa e produção da prova vieram a resultar provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa: 1) No dia 13 de Agosto de 2015, a Recorrente AA procedeu ou mandou proceder, na sua propriedade sita na Praia das Maçãs, no …, Freguesia de Colares, concelho de Sintra, à construção de uma vedação e uma base de cimento para colocação de uma construção pré-fabricada. 2) A área em causa está sujeita ao Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural de Sintra-Cascais, no regime de protecção parcial do tipo I, sendo que no prédio em causa inexistem actividades florestais, agrícolas ou pecuárias. 3) O prédio tem uma área de 3520m2. 4) A Recorrente agiu deliberada e conscientemente, bem sabendo que não lhe era permitido levar a efeito as obras de construção em causa, sem ter permissão das entidades administrativas com competência em razão da matéria e da localização da sua propriedade, com a agravante de essa permissão não lhe poder ser dada por ser interdito construir no local em causa, bem sabendo que tal conduta era proibida por lei, tendo agido com dolo. 5) A Recorrente não repôs a situação anterior à infracção. 6) A Recorrente encontra-se no estado civil de casada e reside com o seu marido em casa própria. 7) A Recorrente é doméstica e não possui rendimentos. 8. Não se logrou provar nenhum outro facto, com relevo para a boa decisão da causa, ou que esteja em contradição com os dados como provados. Designadamente não se logrou provar: a) Que a Recorrente construiu ou mandou construir o muro. 9. O Tribunal norteou a sua convicção quanto à matéria de facto provada com base na valoração da prova produzida e examinada em audiência, designadamente as declarações do Recorrente, a prova testemunhal, bem como na prova documental carreada aos autos. Não está em causa a existência das edificações, mas tão somente se agiu com culpa ao edifica-las. Sumariamente, diremos que sim. Esclareceu a Recorrente que herdou o terreno de seus pais, e que quem aí efectuou as edificações, pelo menos a vedação e a base de cimento, pois que o demais já aí se encontrava, foi o seu marido, pessoa que não contraria e que não lhe pediu autorização para fazer qualquer edificação, sendo que sempre permitiria que este a fizesse. Mas que, no geral, nada sabe quanto ao caso dos autos, não sendo tida nos destinos do terreno de que é proprietária. Sucede, porém, que ouvido o seu marido, referiu que colocou esta base de cimento, mas que sabe bem que o terreno é de sua esposa, pelo que cuidou de a informar que o ia fazer, ou seja, não colhe o argumento de desconhecimento da arguida, assim como não colhe o seu argumento da ausência de agência neste caso, pois que o seu marido referiu que caso esta não lhe autorizasse a construção nunca o faria. É, portanto, evidente que actuou a Recorrente com culpa, permitindo que no terreno em que é proprietária se construísse a vedação e a base de cimento. Cremos que, no entanto, quanto ao demais, não se logrou fazer prova da construção por parte da Recorrente, no que toca ao muro, atendendo às declarações por esta prestadas, mas também às declarações de BB, construtor da base de cimento, e CC, militar da GNR, que conhece o terreno há largos anos e atesta pela existência do muro há largos anos. IV. ENQUADRAMENTO JURÍDICO – LEGAL 10. As alegações da impugnação judicial e em especial as suas conclusões, que contém uma enunciação das razões de facto e direito do pedido formulado, delimitarão o objecto que ora nos cumpre apreciar, nos termos do artigo 412.° do Código de Processo penal ex vi artigos 41.° e 72.° n.° 3 do Regime Geral das Contra-Ordenações. Atenta a factualidade apurada dúvidas inexistem que a conduta do Recorrente comporta os elementos objectivos e subjectivos integradores da prática da contra-ordenação pela qual foi condenado na autoridade administrativa, prevista e punida pelo artigo 40.° n.° 1 e 15.° n.° 1 al. d) do POPNSC, pelo artigo 43.° n.° 3 al. a) do Decreto-Lei n.° 142/2008, de 24 de Julho e pelo artigo 22.° n.° 4 al. a) da Lei n.° 50/2006, de 29 de Agosto, pelo que as questões suscitadas serão decididas sumariamente. 11. Quanto à excepção de caso julgado, contrariamente ao que entende a Recorrente não está em causa qualquer situação semelhante, pois que os autos de notícia levantados são distintos e junto da Câmara Municipal de Sintra deu origem à condenação por falta de licenciamento municipal, ao passo que nos presentes autos, essa mesma construção é proibida porque instalada em terreno no qual não se admite a sua existência: a mesma conduta implica coima por ausência de licenciamento e é, em si, ao mesmo tempo, uma contra-ordenação ambiental. Assiste razão à Recorrente quando afirma que deveriam ter sido tramitadas e conhecidas conjuntamente, mas questão distinta é se uma consome a outra e estamos em crer que não, que existe concurso real de infracções – uma de urbanização e outra ambiental - pelos motivos avançados, pelo que não existe qualquer excepção de caso julgado. 12. E tratando-se, como se viu, de contra-ordenação ambiental muito grave pode ser-lhe aplicada sanção acessória, o que foi o determinado em sede de decisão administrativa, nos termos do artigo 30.° n.° 1 al. j) da Lei n.° 50/2006, de 29 de Agosto. Ora se estamos perante uma construção interdita, a “Imposição das medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma” tem de passar, forçosamente, pela demolição desta, pelo que, nesta medida, igualmente improcede a pretensão da Recorrente. 13. Improcede ainda o seu entendimento quanto ao que consubstancia uma vedação, pois que se trata de construção, no sentido de ser uma estrutura, ainda que não tenha uma ligação ao solo com carácter de permanência. É o próprio artigo 4.° al. l) do POPNSC que define a vedação como “a dimensão vertical da construção, medida a partir do ponto de cota média do terreno marginal ao alinhamento da fachada até à linha superior do beirado, platibanda ou guarda do terraço, incluindo andares recuados, mas excluindo acessórios: chaminés, casa de máquinas, de ascensores, depósitos de água, etc.”, sendo que construção, nos termos da alínea n) mesmo artigo é “o resultado da realização de qualquer tipo de obras, independentemente da sua natureza, designadamente edificações, muros, vedações, aterros ou escavações, incorporada ou não no solo e com carácter permanente ou temporário”. 14. Quanto à falta de consciência da ilicitude da Recorrente na sua actuação, explanámos já o nosso entendimento em sede de matéria de facto, mas cuidaremos de o esclarecer: em primeiro lugar, quanto ao julgar que podia construir por aí se encontrarem já construções ou porque o terreno do lado também as possui, cremos que não pode proceder; a verdade é que a Recorrente, na qualidade de cidadã média, e no momento em que herda um terreno, deverá apurar os procedimentos exactos para o sítio, pelo que mesmo que tivesse agido em erro, este sempre lhe seria censurável. Mas entendemos que nem sequer agiu em erro: provou-se que o marido da Recorrente a informou que iria colocar a construção, a Recorrente concordou e em momento algum cuidou de se informar se esta podia ser edificada. Por outro lado, foi o próprio marido da Recorrente a dizer que se esta não lho tivesse permitido, nunca edificaria, pelo que inexiste qualquer causa que exclua a culpa ou justifique a ilicitude da conduta da Recorrente, que autorizou que se edificasse uma construção em terreno proibido, ciente de que o fazia, querendo actuar em conformidade. 15. Por fim, quanto à medida da coima, uma vez que a conduta da arguida é dolosa e foi aplicada pelo mínimo de acordo com o artigo 22.° n.° 4 al. a) da Lei n.° 50/2006, de 29 de Agosto, está vedada ao Tribunal qualquer ingerência na medida aplicada. Quanto à eventual aplicação de uma admoestação, dispõe o artigo 51.° n.° 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações que “quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.” Sendo muito grave, como vimos, a conduta da Recorrente, está excluída a aplicação da admoestação, mantendo-se, nestes moldes, a decisão recorrida. DECISÃO 16. Pelo exposto, o tribunal indefere o recurso interposto pela recorrente e, consequentemente, confirma a decisão administrativa na íntegra. Custas pela Recorrente (artigo° 93.° n.° 3 e 94.° n.° 3 do R.G.C.O.), que se fixam em 2UC atenta a gravidade do ilícito (art.° 8.° n.° 7 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais). Registe, notifique e proceda ao depósito desta sentença. Após trânsito remeta cópia à autoridade administrativa – artigo 70.° n.° 4 do Regime Geral das Contra- Ordenações.” *
2.3. Apreciação do recurso
Dispõe o art.º 59.°, n.° 3, do Regime Geral das Contra Ordenações (RGCO)
que o recurso é apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar alegações e conclusões.
As conclusões podem ser mais ou menos longas conforme a complexidade da causa e a necessidade de sintetizar. As conclusões devem sempre ser a síntese do que foi dito nas alegações.
A intencionalidade normativa das conclusões impõe que seja respeitada a forma clara, concisa e precisa, onde conste o resumo dos principais argumentos que constituem a fonte donde fluem as questões que o recorrente pretende que o tribunal conheça. Este aspeto é muito importante, pois são as conclusões que delimitam o âmbito objetivo do recurso.
De acordo com o art.' 63.', n.' 1, do RGCO “O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma.”, que são as únicas, duas causas que a lei prevê para a não aceitação liminar do recurso.
Neste sentido Simas Santos e Lopes de Sousa, Contra-ordenações – Anotações ao Regime Geral, 2.ª ed., p. 374: “Os motivos de rejeição são apenas a intempestividade e a falta de observância dos requisitos de forma. Isto significa que, em todos os outros casos, mesmo que existam exceções dilatórias ou perentórias, o recurso não poderá ser rejeitado, tendo a questão de ser apreciada em despacho a proferir nos termos do art.º 64.º ou por sentença.”.
Analisaremos as questões suscitadas pela recorrente pela sua ordem lógica. 2.3.1. Violação do princípio ne bis in idem
Entende a recorrente que a instauração do processo contra – ordenacional objeto destes autos viola o caso julgado na medida em que, pelos mesmos factos, já foi a recorrente condenada em processo por contra - ordenação que correu termos na Câmara Municipal de Sintra sob o n.° 1-189-2017.
O tribunal recorrido entendeu não verificar-se tal exceção.
Vejamos de que lado está a razão.
O art.° 29.°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa, proíbe o julgamento mais que uma vez pela prática do mesmo crime.
Por maioria de razão, ninguém pode ser julgado mais que uma vez pela prática da mesma contra – ordenação.
Segundo os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa, anotada, vol. I, p. 497), “O n.° 5 dá dignidade constitucional ao clássico princípio non bis in idem. Também ele comporta duas dimensões: (a) como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); (b) como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto. Para a tarefa de «densificação semântica» do princípio é particularmente importante a clarificação do sentido da expressão «prática do mesmo crime», que tem de obter-se recorrendo aos conceitos jurídico-processuais e jurídico-materiais desenvolvidos pela doutrina do direito e processo penais”.
A dificuldade na aplicação do princípio está em concretizar os conceitos de mesmo crime ou de mesma contra – ordenação.
O Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, 2000, p. 36 e ss.), depois de abordar a problemática do denominado caso julgado e, para o que interessa aos autos, do caso julgado material, distingue os efeitos - positivo e negativo - do mesmo.
O efeito positivo consiste na relevância da decisão em qualquer outro processo.
O efeito negativo “consiste em impedir qualquer novo julgamento da mesma questão. É o princípio conhecido pelo brocardo non bis in idem, consagrado como garantia fundamental pelo art.' 29', n.' 5, da Constituição da República Portuguesa” (p. 40).
O julgamento da mesma questão implica o julgamento do “mesmo facto”. Prossegue o aludido Mestre, na p. 44:
“É a propósito da identidade do facto que se suscitam profundas divergências na doutrina. A doutrina tradicional dominante era no sentido de que bastava a identidade parcial dos factos, sendo também indiferente a qualificação jurídica que lhes fosse dada. Não nos parece correcta esta construção. O processo penal com estrutura acusatória limita o objecto do processo ao facto descrito na acusação. Entendemos que tal delimitação se há-de fazer necessariamente em função do bem jurídico protegido, pois que «só o facto, enquanto alegadamente delitivo (facto qualificado), interessa ao processo e tem virtualidade para que o processo se instaure e prossiga. O facto puro, o facto desqualificado, não existe para o direito, é uma enteléquia. A acusação só pode ser recebida enquanto os factos descritos na acusação correspondam a um tipo legal incriminador. O facto descrito na acusação há-de corresponder ao facto típico previsto nas normas, em razão das quais é punível e cuja aplicação é pedida ao tribunal. Por isso que também na acusação se tenha de indicar, sob pena de nulidade da acusação, as disposições legais aplicáveis [alínea c) do n.° 3 do art.' 283.°]. Devemos deter-nos um pouco sobre a proibição do non bis in idem Nos números anteriores considerámos que os limites objectivos do caso julgado são constituídos pelos factos da acusação e pelo pedido. Daí resultaria que nada impediria que o arguido voltasse a ser acusado e julgado pelos mesmos factos, naturalisticamente considerados, no todo ou em parte, quando o pedido fosse diverso, isto é, quando a qualificação jurídica dada aos factos fosse outra. Importa, porém, averiguar se tal interpretação, que a nosso ver é a que resulta da aplicação subsidiária dos princípios que disciplinam o caso julgado civil, não deve sofrer adaptações em razão do disposto no art.' 29.°, n.° 5, da CRP, quando dispõe que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime. Somos agora reconduzidos à interpretação da expressão mesmo crime. Numa primeira aproximação, por mesmo crime deve considerar-se a mesma factualidade jurídica e o seu aspecto substancial, os elementos essenciais do tipo legal pelos quais o arguido foi julgado (Realce nosso). Por isso que, como já referimos, nos casos de concurso ideal, se o arguido foi já julgado por um dos crimes em concurso isso não impede que seja novamente julgado pelos outros; os crimes são diversos. Mas, pelo contrário, nos casos de mero concurso aparente de crimes - entre o julgado e o que se pretende julgar - aquando os dois ou mais crimes em concurso não podem ser cumulados, julgado um, impedido está o julgamento pelo outro. Em conclusão: o crime deve considerar-se como o mesmo quando exista uma parte comum entre o facto histórico julgado e o facto histórico a julgar e que ambos os factos tenham como objecto o mesmo bem jurídico ou formem, como acção que se integra na outra, um todo do ponto de vista jurídico. Do exposto resulta que nos parece que a proibição de non bis in idem imposta pelo art.' 29.°, n.° 5, da Constituição é mais ampla do que a que resultaria dos efeitos do caso julgado e é essa, em nossa opinião, a principal divergência entre o efeito impeditivo do caso julgado civil e do caso julgado penal. A Constituição alarga os efeitos do caso julgado para além dos que resultariam simplesmente da aplicação subsidiária ao processo penal dos efeitos do caso julgado civil. Mas o considerar que a mais ampla abrangência do efeito impeditivo do caso julgado penal relativamente ao civil resulta não da disciplina do caso julgado em si, mas da garantia constitucional, pode ter efeitos teóricos e práticos importantes: não é mais necessário pretender alargar os poderes de cognição do juiz para além do objecto da acusação de modo a que o âmbito dos poderes de cognição do tribunal corresponda aos potenciais efeitos do non bis in idem da decisão”.
A senhora juiz a quo considerou não haver violação do aludido princípio ne bis in idem, na medida em que não está em causa qualquer situação semelhante, pois que os autos de notícia levantados são distintos e junto da Câmara Municipal de Sintra deu origem à condenação por falta de licenciamento municipal, ao passo que nos presentes autos, essa mesma construção é proibida porque instalada em terreno no qual não se admite a sua existência: a mesma conduta implica coima por ausência de licenciamento e é, em si, ao mesmo tempo, uma contra – ordenação ambiental.
Na verdade, naquele processo estava em causa uma contra – ordenação por construção sem licença municipal.
Nos presentes autos, como vimos, a contra – ordenação alegadamente cometida pela arguida respeita à construção de uma base de cimento e de uma vedação em área protegida pelo Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural de Sintra – Cascais.
No processo de contra – ordenação que correu termos na Câmara Municipal de Sintra, sob o n.° 1-189-2017, estava em causa a construção em violação do POPNSC, que foi criado com o objetivo de proteção ambiental.
Conforme se lê no preâmbulo da Resolução do Conselho de Ministros n.° 1A/2004, de 8 de janeiro:
“A Área de Paisagem Protegida de Sintra-Cascais(APPSC) foi criada pelo Decreto-Lei n.º 292/81, de15 de Outubro, decorrente da necessidade de fazer frente à crescente e intensa pressão urbana e à degradação que ameaçava uma zona de grande sensibilidade, repleta de valores naturais, culturais e estéticos a preservar, como a serra de Sintra, a faixa litoral e as áreas adjacentes. A conservação da natureza, a protecção dos espaços naturais e das paisagens, a preservação das espécies da fauna e da flora, a manutenção dos equilíbrios ecológicos e a protecção dos recursos naturais, além de constituírem objectivos de interesse público de âmbito municipal, extravasam claramente esse âmbito e justificam medidas de protecção adequadas a uma zona que constitui património nacional.”
Por outro, porque as contra - ordenações são previstas e punidas por diferentes preceitos legais.
Na contra – ordenação, objeto destes autos o bem jurídico protegido é a qualidade ambiental; na contra – ordenação que correu termos Câmara Municipal de Sintra o bem jurídico protegido é, fundamentalmente, a segurança dos cidadãos.
Ora, aplicando os ensinamentos do Prof. Germano Marques da Silva, acima citados, dúvidas não há que as contra - ordenações são diferentes, estão numa relação de concurso efetivo.
Daí que a recorrente possa e deva ser sancionada por cada uma delas. Donde, não se mostra violado o princípio non bis in idem.
É verdade, como se escreve na sentença recorrida, que assiste razão à recorrente quando afirma que deveriam ter sido tramitadas e conhecidas conjuntamente, mas questão distinta é se uma consome a outra e estamos em crer que não, que existe concurso real de infracções – uma de urbanização e outra ambiental - pelos motivos avançados, pelo que não existe qualquer excepção de caso julgado.
Neste conspecto, improcede, nesta parte, o recurso.
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2.3.2. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia – art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal
Alega a recorrentes que a sentença sob recurso padece do vício de omissão de pronúncia porque:
i) a decisão não se pronunciou sobre todos os factos alegados pela acusação e pela defesa;
ii) a decisão não se pronunciou sobre a ilegalidade da sanção acessória aplicada, limitando-se a concluir que a recorrente não tem razão;
iii) a decisão não se pronunciou sobre a prescrição do procedimento criminal arguida pela recorrente.
Quanto a esta nulidade, por omissão de pronúncia, que acontece no caso dos autos, não é apenas uma eventual falta ou deficiência na fundamentação relativamente à decisão proferida, é mais que isso, é a ausência de decisão ou pronúncia sobre uma questão que o Tribunal obrigatoriamente tinha de conhecer e não conheceu, qual seja a da prescrição do procedimento contra – ordenacional suscitada na impugnação judicial da decisão administrativa do ICNF.
Nada diz a sentença recorrida, em termos de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no art.' 379.', n.' 1, al. c), do Código de Processo Penal, nem previamente carreia para a decisão recorrida os factos que para tal pronúncia pudesse considerar relevantes, declarando-os provados ou não provados. Ou seja, além de incorrer numa omissão de pronúncia relativamente à verificação ou não da prescrição, descurou o Tribunal a quo, previamente a uma tal pronúncia, a averiguação mínima de factos que permitissem concluir pela verificação ou não da referida prescrição.
Veja-se que a sentença dá como provado que: “No dia 13 de Agosto de 2015, a Recorrente AA procedeu ou mandou proceder, na sua propriedade sita na Praia das Maçãs, no …….., concelho de Sintra, à construção de uma vedação e uma base de cimento para colocação de uma construção pré-fabricada.”.
Ora, o auto de notícia data precisamente de 13 de agosto de 2015. As construções em causa não poderiam ter sido construídas ou mandadas construir nesse dia.
E sem querermos entrar na questão do momento relevante para o início de contagem do prazo de prescrição, dir-se-á, apenas, que tal era de extrema importância para apreciação da questão da prescrição do processo contra – ordenacional.
Dispõe o art.° 379.°, n.° 1, al. c), do Código de Processo Penal: É nula a sentença: (...) Quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
O objeto de uma tal nulidade não é a omissão ou excesso de pronúncia sobre factos mas sobre classes ou categorias de questões e sub questões que se configurarão como principais ou acessórias, primárias ou secundárias, iniciais ou subsequentes como imposto em cada caso concreto pela lógica formal e material do raciocínio jurídico que competir desenvolver de subsunção dos factos ao Direito para perfectibilizar a sentença, seja de absolvição ou de condenação, total ou parcial, crime ou cível, as quais são aludidas no art.° 368.°, n.° 2, alíneas a) a f) e a «determinação da sanção» nos art.°s 369.° e seguintes, do Código de Processo Penal.
Conforme decidido no acórdão da RP, de 05.3.2014, disponível em www.dgsi.pt: “A nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe que o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – artigo 660.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4°, do CPP. Evidentemente que há que excepcionar as questões cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outra ou outras, como estabelece o citado n.° 2 do artigo 660.° do Código de Processo Civil.”
A omissão de pronúncia que determina a nulidade da sentença prevista no art.° 379.° n.° 1 al. c), do Código de Processo Penal, traduz-se na ausência de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei impõe que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual (a este propósito, acórdão do STJ, de 21.01.2009, proc. n.° 09P0111, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, e acórdão do STJ, de 16.09.2008, proc. n.° 08P2491, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar).
O tribunal a quo não podia deixar de apreciar a questão da prescrição.
Trata-se de vício que pode ser suprido pelo tribunal da Relação, nos termos do disposto no n.° 2, do art.° 379.°, do Código de Processo Penal. A redação desta norma, introduzida pela Lei n.° 26/2010, de 30 de agosto, que substituiu o vocábulo “sendo lícito ao tribunal supri-las” pelo vocábulo “devendo o tribunal supri-las”, outra finalidade não teve que não fosse a de impor à Relação um poder-dever de suprimento do vício – pressupondo obviamente que estão disponíveis todos os elementos necessários – e não uma mera faculdade.
No caso em apreço, conforme explanado, não foram averiguados os factos necessários para apreciação da invocada prescrição e, como tal, este tribunal da Relação está impossibilitado de suprir o referido vicio de omissão de pronúncia.
Pelo que, a sentença proferida pela primeira instância tem de ser declarada nula nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal.
A nulidade torna inválido o ato em que se verificou e a sua declaração determina a sua repetição, isto é, deve o mesmo tribunal que proferiu a sentença recorrida, proferir nova em que seja suprida a apontada nulidade, podendo, se tal se mostrar necessário a uma decisão criteriosa, produzir prova suplementar nos termos do disposto no art.º 371.º, do Código de Processo Penal.
Declarada a nulidade da sentença, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela recorrente.
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III – DECISÃO
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, acordam, em conferência, os Juízes que integram a 9.ª Secção desta Relação, em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, declarar a nulidade da sentença recorrida, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, ordenando que, pelo mesmo juiz, seja proferida uma nova sentença em que seja suprida a apontada nulidade por omissão de pronúncia, se necessário com reabertura da audiência de julgamento.
Sem custas.
Notifique.
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Lisboa, 10 de março de 2022
(o presente acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelas suas signatárias – art.º 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal)
Maria José Cortes Caçador
Maria do Rosário Martins